Вы находитесь на странице: 1из 22

territiri-o

ADFiiRAlr?m
*P: 1

RECURSOS PARA UM N O V O CICLO


cidade portuária

deHist6riaAtlantica.
O temdascidadcs
portuárias tem merecido
a abnfio
grah
da "ktorio-
httimos anos.
momentos de grande prosperidade a que se segui-
ram inevitavelmente outros de crise. Deste modo,
enquanto a elevada acumulação de capital no pri-
meiro momento provocou o boom da con$trucão e
referida por Frutuoso pela sua função portuária:
u ... curando muitos enfermos e remediando muitos

pobres e necessitados, não somente da mesma ilha,


mas s u e vêm de fora, de diversas partes e navega-
I
1
1I
cf.A.Guimeráe valorimção urbanística, o çegundo foi responsável qões, ter a ela, que é rica e abastada, e piedosa
Mero, h e r hy
Sist- POrfU- pelo seu abandono e degradação. E, finalmente,
nova kpoca de prosperidade econbmica conduzirá
exala e refúgio de todosn2. -
( s e XVI-H), Madrid, Olhando de forma retrospectiva para o passado

1
lgg6; F. Broezep Brides a profundas alterações que são a imagem da nova podemos definir de forma sucinta tais momentos
of the &a. Port Ciíies of
Asia h the 16th-20fi
realidade, de opulência. 0 s escombros do passado que influenciaram de forma decisiva a História da
-tu-, Hono[ulu, desaparecem da memória colectiva para dar lugar urbe. Entre meados do século XV e da centúria
1989;F.W.K@!h
AQntic Port Cifies.
E m y , Culhire and
w ~ ;fie,Ahntir
w&
,
-#e,
ifis1W
1991.
a esta nova situação. O Funchal, por tudo isto, foi
uma cidade em permanente mutação e por isso
mesmo será difícil de encontrar na malha urbana
núcleos que rejam testemunho de uma paragem no
tempo.
seguinte o açúcar permitiu que se traçassem os
[imites da nova cidade e as diversas funcionalida-
des. A5 primitivas casas de palha deram lugar às de
telha, levantadar de forma imponente. E ar ruas de
terra batida começam a ser calcetadas. A concor-
11I
*@kmirn dkP
rem Com uma economia em permanente mudança é rência de novos mercados produtores de açúcar
p. 117. eilencontrar no FunchaI a sobrevivência de acabou por estagnar a economia açucareira. E só a
C.
-
MADEIRA RECURSOS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVWW

t rtir da segunda metade do século XVII o vinho


sume o papel substitutivo, mantendo-se em alta
a&princípios do século XX. Daqui resultará um
movimento de renovação da urbe adequando-a a
nova cidade n o alto de Santa Catarina até ao
Ribeiro Seco levou a que se procedessem a profun-
das alterações no casco urbano para evitar efeitos
catastróficos de novas aluviões.
estas novas funcionalidades. Deste modo, as habi-
tações sobem em número de pisos, deixando o
andar térreo de ser o espaço privilegiado de con- AS ETAPAS EVOLUTIVAS - DE POVOADO A
tacto para se transformar em loja de vinhos. A crise CIDADE
prolongada do vinho no decurso de século XIX
conduzirá 5 afirmação de novas actividades indus- O Funchal, qual Fénix renascida, emergiu das
triais com uma aposta nos artefactos, obra de cinzas do funcho que cobriam o amplo vale. Deste
vimes e bordados. Mas a crise dos anos trinta e a espaço ermo, apenas coberto de funcho, e ao que
guerra fizeram desta actividade um momento parece nunca maculado pelo homem, o português
fugaz. Finalmente, a partir dos anos sessenta torna- fez erguer uma vila e depois fez dela uma rica
-se visivel a transformação da cidade de acordo cidade e sede de bispado. Esta viragem radical é
com as novas funcionalidades ditadas pelo traçada de modo ímpar por Caspar Frutuoso. O
turismo. A face visível desta nova realidade está na retrato inicial, definido de acordo com o testemu-
conçtrução de hóteis e serviços de apoio. nho coevo de Francisco Alcoforado, é bastante sig-
O recinto urbano era muito reduzido, sendo nificativo em relação à mudança operada: chega-
envolvido por uma periferia rural. A primeira dos ao formoso vale, que de lisos e alegres seixos
representação disso esti no mapa de Mateus Fer- era coberto, sem haver outro genero de arvoredo,
nandes (c. 1570) e na descrição de Caspar Fru- senão muito funcho que cobria o vale até ao mar
tuoso (C. 1590). Note-se que ao longo da Ribeira por bom espaço L..). E pelo muito funcho que nele
de Santa Luzia, a mais importante em termos eco- achou lhe pôs o nome de Funchal (...). Chegado
n ó m i c o ~da cidade, se situavam vários engenhos João Gonçalves ao Funchal começou a traçar a
de açúcar. O primeiro, de Zenobio Acioli, estava vila e a dar as terras de sesmaria...n. Entre esta
situado no espaqo envolvente do actual Bazar do imagem e aquela testemunhada cerca de cento e
Povo, um pouco mais acima estavam outros três setenta anos após vai uma grande diferença. A sua
engenhos (aqui só são referenciados os das viúvas fisionomia mudou, o funcho deu lugar ao amplo e
de Duarte Mendes e de D. António de Aguiar). Nos rico casario: grande e nobre cidade do Funchal,
engenhos de Zenobio Acioli e da viúva nota-se ali situada em lugar baixo, em uma terra chã, que
uma arquitectura funcional definida pela activi- do mais se mostra aos olhos mui soberba e popu-
dade económica. Assim, junto ao engenho losa, tão bem asçombrada nos edifícios como nos
erguem-se os aposentos do seu proprietário. Senão moradores, não somente dela, mas também de
vejamos o que diz Caspar Frutuoso do primeiro: toda a ilha*. Do funcho não havia já rasto, apenas
(Em sumptuosas casas dentro em uma cerca bem o nome dado a este chão. Desde então até iactua-
arnurada, onde tem um engenho de açúcar e casas lidade a cidade não morreu, que é como quem diz
de purgar açúcarw3. Já no decurso do século XVIII esteve em permanente processo de transformaqão,
a cidade perdeu os rasgos de ruralidade e o recinto tentando aderir 2s novas directrizes do progresso,
urbano desenvolve-se no apertado espaço entre as expressas nas formas de ver e praticar as soIuções
Ribeiras de S. João e Santa Maria. A periferia arquitectónicaç. Por isso, ao contrário do que se
avança agora até h Levada de Santa Luzia onde possa pensar, a cidade 4 isso mesmo, esse pro-
surgem as primeiras quintas. Esta C a imagem que cesso de permanente construção, quer agrade ou
nos transmite o plano do capitão Skinner (1775). não ao nosso modo actual de ver e encarar o patri-
Esta situação não se afasta da planta de Feliciano mónio construido. Recorde-se que os nossos ante-
de Matos (1804). Foi a partir daqui que se sucede- passados não se regiam pelos nossos actuais
ram algumas das mais significativas alterações da padrões, mas de acordo com as suas necessidades
urbe. A não acatação da ideia de se construir na e ambições.
i M3E OS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIP

por interrnaio dos mercadores. A partir de uma


rua traçada junto ao calhau, entre as ribeiras dei
Santa Luzia e S. João, comepu a surgir a vila dos
mwa&res de açúcar, que fer avaqar os seus te*
táculos para Norte e L-, abrangendo os primei-
ros núclaas de povoamento,
A arquitedura da nova v i b contrasta cum a das
anteriores, peta funcionalidade e riqueza. As casas
térreas deram lugar 5s de sobrada, que passaram a
sw ç d m t a s de telha, enquanto o eyraço interior
ganhou espaço e maior mmodidade, asmiando-
-se a ele ri a m a z h . As cantarias negras que deli-
mitavam as entradas e as janelas são trabalhadas
I
-
Construção de Levada
por exfmios pedreiros. Portas adentro há =paço
para tudo. O quotidiano interioriza-se, surgindo
espaços para o negdcio, perrnadlicia e lazer.
O Funchal, ao contrário de Pwnpeia, submer- Note-se que as sessões da cnrnara rte realizaram
@dapelas cinzas e por isso rmma mantída intacta algumas vezes em praça pública, no adro da igreja,
para gáudio de turistas, foi primeiro uma vila e até que se construiu o edifício dos pagos da conte
depois cidade em permanente tramformaGo. Para lho. Assim sucederá em muitas das novai habita-
isso centribuirarn os momentos de fulgor econó- ç& que começaram a surgir nas duas décadas
mico da ilha, que proporcianavam a dinheiro p r a finais do século XV, sendo exemplo disço os impo-
que a ddade se emklezasse com ricos palácios e nentes aposentos mandados erguer por Ioão Esme-
templos religioços, se defendesse com imponentes raldo, na rua que foi baptizada cwn a seu nome,
fortificações. Na falta desse dinheiro acumulada, ou com outros como os de Pero ValdavemI Fran-
primeira corn o d r c i o do açucar e, depois, do cisco Salamanca, Tristáo Gomes, Trist.50 Vaz de
vinho, a cidade n3s teria adquirida a rnonumenta- Cairos. Todos eles estavam vinculados directa-
lidade e riqueza de elementas decorativos que mente ã produção e ao mn4rcio do açúcar. Na
alcançou. Ela não passaria de um fantasma. Tal- alto, num arrife onde depois se ergueu o convem
vez, por isso mesmo, alguns tenham pretendido de Santa Clara, e depois junto ao calhau, erguiam-se
definir, ainda que madamente, dois momentos na dtaneiros os apwntos do capitão do Funchal, a
vida. da cidade. a cidade a~ircare a cidade da primeira figura da vida do lugar. A sua imponhcia
vinho. Acrescente-se que Mo destes momentos os e o fau* quotidiana dos seus salões e irne$aqks
vestígios mais evidentes da transformação da na, deixavam drjvidas a qualquer forasteiro: ali
malha urbana e da arquitectura dos edifícios, de vivia o principal da cidade. Visto do mar, a actwt
que restam ainda hoje testemunhos. No princípio Palácio de S. Lourenço irnpbse na paisagem.
. - definiram-se duas &as & assenta-
da macupacão O crescimento da vila fez- até 1485 de uma
rnento: uma ribeirinha para as gentes ligadas à aai- forma destirdenada. S e n t e a partir desta data
vidade oficina1 e do mar, e e t r a interior onde a ficou definido um plano para o novo espaça
nova aristocracia rmgiaardava os seus aposentos e urbana, que daria origem 5 nova cidade. D.
haveres do olhar das intrusos trazidos p l o mar. Manuel h u aos funchalenses o seu chão, conhe
Do primeiro rnmentu p u a wta, pais dos çeus cido c o m o Campo do Quque, mra a i se erguer
wmmbrss fezse ergue a cidade e a cantaria fai uma pp,igreja, p a p do cpncelho e ahckga.
r&liz%da. Apenas se @era assinalar aqui aquito Tal mmo se pude concluk das ordens do rneçmo,
- @ew-&iu corn a zona d h a da cidade, suieito os fumhalwises tinham plenos poderes para expro-
&via hs inevitáveis alteraçk, Depois, a priar terrenos e estabelecer o nowi traqado. Ini-
&Irna quartel da sécuIo XV, começou a ciava-se entaa a de~truiçãab pequenos aglome-
er-se a ligação entre estes dois muhdos, rados de casas de palha para dar lugar 2 nova
urbanizaqão. Pedemw assinalar aqui o primeiro asucareiro foram transformadoç para as novas fun-
atentado contra a primeira priitrimbnio aqrritmó- ~ ã e se enriqumidos com m o s elementos detara-
n i w da Functiall Delimitada par q w b pila- tivm da @oca, enquanto as m u e n a s casas térreas
r ~slmblos
, dm poderes instituídos, foi traçado a d&am lugar 2 rrwa arquitectura em voga. Mais
minta urbana capaz de levar a vila 2 condigo de 'tarde, muitps destes espaços serão enobrecidos
cidade (15082 e depois &e de bispado 11518). pela burguesia comercial i n g l m ou ameficana,
Entretanto o a h m o m e n t o da vila continuava. que I k enxerta o assi si cisma. Neste çmtexto
Desde 1495 recomendava-se (i calmtamento das merece a nossa atenção o palácio da Rua de j o k
ruas e a suã>stituiçãa das pontes de madeira por Esmeralda onde hoje eaá instalada a Direcção
n o w de c-ria. Mtas e outrw recmnda- Regional da Marcuni. AJ p r i p k i m da sua histbria
~ 6 e 5concernentes ao aprumo da vila não ctrnquiç.: (que oportuhamente teremos opartun idade de
taram sempre a adesã.0 dos furnchalenss que se revelar na quase totalidade, desfazendo assim as
queixavam das d i f ~ u l d d ~
e 6 r n i a dos com&- dúvidas) ssãa uma prova disso. Maquilo que, no
cio da açIrcar, quando na realidade haviam gasto momento da apuhcia açucareira, não passava de
oç seus haveres em novos aposentos. armazkm para guarda do aqkar, fez-se erguer em
A cidade, que por comodidade poderemos finais da &ula dezaseis urna a s a sobrada que
deignar dos mercadores de .aqúcar, anichau-se depois foi aumentada e enriqueci& por elementos
j u m an calhau no acanhado espaça entre as ribei- decorativos ao gosta dos nova inquf inos. A pose
ras de Santa Luzia e de S. João.A dos mercadoreç pelos inglem a partir de 1794 Iieuau a uma r--
do vinho para a l h de devwar este -aço avan- trlrturação do espaço interior,-situa* que chegou
qw e n m aeima, definindo u prolongamento das at& nós em completa estado de ruiria. Por isso a
ruas saidas da dos mercadores (hoje da alfhdega) iniciativa da Marconi de reabilitar o prédio, f a m -
e de um cruzamento de novas. Mais uma vez a do-o retomar ao ambiente classicista do s k u l ~
cidade enwu num prolongado proceçso de trans- passado, dwed merecer a nossa consideração e

-
formação que Ihe atribuiu parte da actual fisiunm apreqq sendo, por isso mesmo, um exemplo a
mia. Pensou-se at& em transferi-la para um lugar seguir para alguns dos espaças privilegiados da
mais segura no alto de Santa Catarina. Mas o des- nossa cidade. A &cadência da d r c i a do vinho
tino atava rraqado pelo que sobre o an~goforam repercutiu-se inevitavelmente na vida dos edifícios
surgindo navos templos para a deva@u e novos da cidade que sempre dependeram dele. Numa
e ç p a p para moradia, servidus de amplos arma- operasão de rnimaiçrno entrqram em paulatino
zCns, tudo isto engalanado com a5 latadas de
vinhas e rematado com uma imponente cortina Transpwte de vinho

defensiva. De noite a cidade intrarnuros wderia


donnir descansada. Com o t q u e do sino de cor-
rer, m p% haviam-se fmhadu e, por i-, não
havia lugar a folgares-fora de horas. Em algumas
I
ruas da cidade, nomeadamente na dos Ferreim e
Netas, ainda podernas encontrar testemunhos
&$a arquitectura monumental gerada pelo cmkr-
cio do vinho. Mas sem dúvida os mais>significati-
vos são os edificios d e do Município e do Museu
e B i b l i m . No nos* entender &te 6 o conjunto
mais rico e, por isso, março emblemAtieo desta
I bpoca, não abatame ar i I t e r q W a que foi sujeito.
No tradicional espqo de anima@ mmmiat,
situado na Rua da AlfAMiega e ~ircunviz~a6~~a;cif-
gem outros testemunhos arquItect6nkw &4&
pujança. Alguns dos palácios do tempo de
-
MADEIRA RECURSOS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

processo de degradação, que em alguns casos dinheiro disponibilizado para os investimentos


levou à total ruína. As dificuldades económicas da urbanísticos assenta no turismo, será inevitável a
ilha reflectem-se de modo evidente na vida dor conciliaçáo do patrim6nio com os princípios
prédios: as fachadas perdem a cor, os telhados actuais da comodidade. assim que sucede nou-
enchem-se de ervas propiciando as infiltraqóes de tros locais e que parece querer despontar entre
água no periodo invernal, o que vai propiciar a nós. Este processo de lenta transformação da
degradação do espaço interior. A continuidade cidade não é pacifico, merecendo a constante
deste processo conduziu à inevitável ruína em que atenção dos políticos e literatos. Destes Últimos
alguns se encontram. retivemos o testemunho de dois, espaçados no
As exigências da hodierna cidade não se com- tempo de sessenta anos. Em 1927, o Marqub
padecem com as concepções de espaço medieval Jácome Correia encarava esta mudança na f i ç i o n ~
e a sinuosidade das ruas. O automóvel foi protago- mia da cidade como uma adequação 5s uconcep
nista de novas mudanças no traçado da cidade, ções de profilaxia e de higiene orientados a princf-
pois realinhou as antigas vias e fez traçar novas e pios &alinhamento e de comodidade de trânsito*.
- !
amplas avenidas. É neste contexto que se insere a Opinião diferente expressou António Aragão em
política do Dr. Fernáo de Ornelas quando presi- livro recente, reeditado em 1 987. Segundo ele
dente do Funchal (1935-46), com a abertura de .desapareceu quase tudo. Foram devoradas ou
ruas e avenidas, destacando-se aquela que rece- abatidas ruas inteiras...tudo levou sumiço restando
beu o seu nome. A abertura da Avenida do Mar em seu lugar uma cidade desfeada e incaracteris-
não admitia intrusos do passado pelo que o emble- tica. Mas, na verdade, a antiga cidade do Funchal
mático símbolo do porto - o pilar de Banger - teve tem vindo progressivamente a desaparecer, mais
que ser demolido em 1939. Hoje o pitar amputado devido à incúria dos homens do que ao desmando
regressou b proximidades do seu assentamento anónimo dos tempos~.
inicial, a lembrar aos presentes que pretende con-
tinuar a ser parte integrante da cidade, ainda que
sob a forma de peça de museu. O remate desta OS TEMPOS H I S T ~ R I C O SE ECON~MICOS DA
fase teve lugar na década de cinquenta com o apa- CIDADE
recimento de alguns exemplares da arquitectura
do Estado Novo (Palácio da Iustiça, Banco de Por- A cidade, como vimos, desenvolveu-se de
tugal, Alfândega e Capitania do porto). A monu- acordo com as suas funcionalidades económicas,
mentalidade e o negro das cantarias chocam com sendo por isso o seu traçado urbanístico fruto des-
o meio envolvente. Por muito tempo . perdurou
. na sas épocas de esplendor em que pontuaram de
ade este espectro da destruição, que começou a forma clara dois produtos, o açúcar e o vinha,
combatido pelo lado mais fácil, com o desapa- cujos reftexos se dão apenas por força dos dinhei-
recimento do antigo para sobre ele se erguer algo ros que trouxeram à ilha e que foram derramados
de novo. Deste modo, os poucos vestigios dos pelos inúmeros beneficiados. Aqui apenas falare
escombros eram recolhidos num jardim dito mos destes dois tempos, considerados por n6s
arqueol6gic0, que mais nos parece um cemitério, como os mais fulgurantes da vida da cidade.
ou enxertados em vetustas construções então res-
tauradas. Só muito mais tarde surgiu a ideia de
aliar o espaço definido pelos antigos aos novos PRIMEIRA ETAPA D A CIDADE: CANAVIAIS E
hábitos urbanísticoç e comerciais, com a recupera- AÇÚCAR
ção ou reabilitação de praças e edifícios. Alguns
casos poderão ser citados, embora a sua concreti- A rota do açúcar, na transmigração do Mediter-
ração tenha sido, por vezes, polémica. Assim râneo para o Atlântico, tem na Madeira a principal
sucede com a conhecida zona velha da cidade, o escala. Foi na ilha que a planta se adaptou ao now
largo do Pelourinho e a Alfândega do Funchal. ecoçsistema e deu mostras da elevada qualidade e
Na actualidade, uma vez que a maior parte do rendibilidade. Deste modo, quem quer que seja
I
do aqkar, na Mia Wmfa origem
MA--

que se abalanms,urr;iak o b e r t a dos canaviais e


no século XV?
tem obrigatoriamente que passar pela ilha. A
Madeira mariteve urna posiçãa relwante, por ter
RECURSOS PARA UM HmC1CLO SGHE

lações. Tamb6m do outro lado da oceano elas se


identifimm com o agiicar, uma ver que serviram
de ponte h passagem do Mediterrâneo para o
Atlântico, Daqui resulta a relev3ncia que assume o
sido a primeira I r e do espaça atlântico 9 receber estudo da caso particular, quando se pretende
a nova cultura. E por isso mesma foi aqui que se fazer a recanstitui q b da rota do açijcar. A Madeira
definiram oç píimeirm contornes desta realidade, & a ponta de partida, por d d s tipos de razões. Pri-
que teve plena afirmasão nas Antilhas e Brasil. Foi meiro, porque foi pioneira na exploração da cul-
na Madeira que a cana&-aqúcar iniciou a dias- tura e, depois, na expansão ao espaça exterior pr6-
para atlântica, Aqui surgiram os primeiras contor- ximo ou longínquo, incluindo as Candrias,
nos sociais (a escravatura), técnicos (engenho de U açúcar é de rodos os produtos que acampa-
água) e pol ftico-ee~nSmicos ttri logia rural) que nharam a diáspom eurapeia aquele que matdw,
materializaram a civilizaqãa do acúijçar. Por tudo clim maior relevo, a mundtvi&ncia quotidiana das
isto torna-se imprescindível uma analise da situa- novas çociedadeç e econamias que#em muitos
ção rnadeirense, caso estejamos interessados em casos, se afirmaram como wultada dele. A cana
d@finir,exaustivamente, a civí liraçãio da acúçar rio sacarina, pelas especificidades do seu cu ltivrr,
mundo atlântico. especializaç5o e morosidade da proce5so de trans-
A histbria do açcicar na Madeira conhnde-E formaqáo em q8carI implicou uma vivên~iciaparti-
com a conjuntura de expanszq eaimpeia e das ç u l a ~assente
~ num
,momentos de fulgor do arquipélago. A sua -pe- tural da vida e com
senqa 4 multiswcular e deixou rastos e v i d e m na Freyw foi o ppimeim,
sociedade maddrense. Dos k u l a s XV e XVI fica- dos estudioços para
ram 05 imponentes monumental pintura e a cruri- as bases daquilo a
vesaria que os ernbelerau e que hoje jaz quase Açúçar: A publicaçãw em 1953 de Casa-Grande $.
toda no Miiseu de Arte Sacra. Do k u l o XIX e do Senzala foi o prelúdio de nova preocupação e
prirmiro quartel da nasça centúria perduram ainda domínio temático para a SQciobgiae a Histciria.
a maioria dos ehgenhris &ta nova vaga de cultura A cana sacarina, ao contrário do que sucedeu
dos mnaviais. Aqui, s cana diwersificou-se no usa com as demais pradums e culturas [vinha, cemisl,
industrial, sendo geradora do dkod, aguardem não se resumiu apenas à intervenção no prwe~so
&, raras vezes, o aqdcar, foi certamente neste m mnQmico. Ela foi marçada par evidentes especifi-
mnto que surgiu a t5o afamada psncha, irmã do cidades capares de m o l d a m a sociedade, que
pnnche de Cabo Verde e da caipirinha no Brasil. dela se serviu para firmar a sua dimensão econó-
uperar as momentos de fulgor da cultura dos mica. A irnparthcia que o sector cornerciai lhe
viais e das inddstrfas subsequentes do açúcar, atribciía sonduziu a que fosse uma wttura dornina-
lação, au fabrico de conservas e casquinkír, dora de todo bu quase d a ) o espaço agrícola dis-
a objectivo que presidiu a esta breve iwuwão pnivel, capar tambCm de WaMecer os conto+
História da AMcar no mundo atllntico, que nos de uma nova realidade social, Foi precisa-
na Madeira a primeira expreçsão. Para tçrrm~ mente esta tendCncia envolvente que twm a His-
acessível a campilaqáo, reunimos um con- toriagrafiã a definir o período da afirmaçáo m a o
$e gravuras e fotografias que permitem uma Ckls do Agúmr. Aqui não estAuarnos perante uma
ada ilustraç%oda realidade. aplicação da teoria $os ciclos econ6micas, mas'
Europa sempre w pronfificau a apelidar as pretendia-se subordinar esta tedGncia ,para a afir-
de adcrrdo com a oferta de prdutoa ao w m a c b da cultura na vida ircon6miea e social com
da. Deste modo, sucedem-se as &signaCões este conceito. A orníiipmeqa da cultura, as múlti-
as do pastel4 do ãçúcar e da vinho. O a ç h r plas impliçaq6es que gerou nos apaços m que foi
c o m epiteto da Mdrleira e de algumas das cultivada levaram dguns investigadores a estabele-
rias, onde a cultura foi a varinha de condh cer um novo modelo de andlise: m ciclos dei pm-
~mns€mmoeia economia e vivhcia da popu- d u m assentes na manoaltura.
-
MADEIRA WECURSQS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

O grande erro da Historiografia europeia foi ter definir a organização social, económica e política
encarado a economia açucareira da Madeira ou da agricultura que tinha por base este produto.
das Canárias como um retrato em miniatura. O Sidney Greenfield em 1979, partindo desta ideia,
confronto das duas realidades, coisa que ainda estabeleceu para o arquipélago madeirense uma
ninguém se atreveu a fazer, comprova que a çitua- função primordial na afirmação da escravatura e
qão não existe, não passando de mera ficção as relações económico-sociais envolventes: a Madeira
análises que são colocadas ao nosso dispor. O foi o elo de ligação entre ~MediterraneanSugar
facto de ambos os arquipélagos terem sido meios Productionw e a uplantation Slaverya, questão a
de ligação da nova cultura económica do atlântica que voltaremos no final.
ocidental não quer dizer que houve uma transplan- Sucede que a escravatura da Madeira, tal como
tação total e igual para os novos espaços. As con- teremos oportunidade de afirmar, não assumiu
dições ambientais e os obreiros da transformação uma posição similar a de Cabo Verde, São Tomé,
eram outros, como diversa foi a realidade que o Brasil ou Antilhas, não obstante o surto evidente de
produto gerou. Tudo isto deverá resultar das cila- produqão açucareira. Aqui o escravo não dominou
das do método de análise do processo histórico de as relações sociais de produção: ele existiu, sob a
forma retrospectiva, onde, por vezes, o facto nos condição de operário especializado ou não, mas a
surge como a imagem e consequência. Tal como o posição não era dominante, tal como sucedia nas
provaram os estudos recentes sobre a situação da áreas supracitadas. Por fim acresce que esta hiper-
economia açucareira do Mediterrâneo Atlântico, a valorização do açúcar na História da Madeira
conjuntura deste espaço é diversa da americana, levou alguns aventureiros e progenitores de teorias
seja ela insular ou continental. Também não se de vanguarda a estabelecer também uma forma
poderá colocar a o mesmo nível o caso de São peculiar de urbanização do Funchal, de acordo
Tom6 que, embora situado no sector ocidental do com a preçenqa do açijcar. Deste modo, ao Fun-
oceano, se aproxima mais da realidade antilhana chal do século XVI chamam-lhe, sem saberem e
do que dos arquipélagos da Madeira e das Caná- explicarem porquê, ucidade do açucar~,quando
rias. De acordo com esta ideia, de que a civiliza- na realidade a expressão urbanística da cana-de-
@& aqitar teve apenas uma única forma de -açúcar é manifestada pela ruralidade. A esta e i 5
exp~ess5ono Atlântico Ocidental e Oriental, par- demais questões atrhs enunciadas propomo-nos
tiu-se para afirmações precipitadas na análise da ver qual o fundamento e a possibilidade de vincu-
economia e sociedade que lhe serviu de base. Ao lação i s manifestações conhecidas da civilização
açúcar associou a Historiografia, desde muito do açúcar na Madeira.
cedo, a escravatura, fazendo jus à afirmação de O açúcar, acima de tudo, era um complemento
Antonil em 171 1 de que BOS escravos são as mãos fundamental na vida económica da ilha. Sucedeu
e os pés do senhor de engenhaii. Aqui também a assim até meados do d c u l o XVI e, depois, a partir
relação não nos surge tão transparente como 2 pri- de finais do século XIX tudo mudou. A riqueza
meira vista pode parecer. cumulou os proprietários mas também a arraia-
As cruzadas, de acordo com a Historiografia -miúda, sendo um factor de progresso social. Com
europeia, foram o princípio da expansão da cultura ele ergueram-se igrejas - a Sé do Funchal é um
açucareira e da vinculação aos escravos. Deste exemplo disso -, amplos palácios que se rechea-
modo, nas colónias italianas do Mediterrãneo ram de obras de arte de importação de que o
Oriental surgem os primeiros resquícios da nova recheio do actual Museu de Arte Sacra é evidente
dinâmica social que passaria i Sicília e depois à testemunho. A art.e flamenga na ilha é um dom do
Madeira, donde se expandiram no Atlântico. Diz- açúcar. O progresso sucioeconórnico da ilha, o seu
-se, ainda, que a ligação do escravo, negro ou não, protagonismo na expansão atlântica - nos desco-
à cultura dos canaviais foi uma invenção do oci- brimentos e defesa das praças africanas - s o foi
dente cristão, não havendo lugar n o mundo conseguido à custa da elevada riqueza acumulada
muçulmano. Neste contexto surgiu o conceito pelos madeiremes. Todos, sem diferença de condi-
Plantation, ou plantagem para os brasileiros, a ção social, fruiram desta riqueza. Até a opulência e

66 1
luxúria da própria coroa, 16 longe no reino, foi dezassete. Deste conjunto de ilhas apenas um
conseguida, por algum tempo, com o açúcar que a reduzido número (S. Cristóvão, Nevis, Antigua,
coroa arrecadava na ilha. Montserrat) se assemelha à Madeira, em termos
A implantasão dos canaviais não derivou ape- orográficos. A i deparamo-nos com ilhas de superfí-
nas da disponibilidade de uma reserva florestal e cie menor que a Madeira (Antigua, Barbados,
de água para a laboração dos engenhos. A isso Nevis, St. Vicent, Trínidad) mas com uma produ-
deverá juntar-se, necessariamente, as condições ção açucareira superior. Facto evidente sucede
oferecidas pelo clima e orografia. Neste contexto com as ilhas de Trinidad, Antigua e Barbados, que
as ilhas da América Central e do Golfo da Guiné dispondo de uma reduzida superfície conseguem
estarão em melhores condições que a Madeira ou produzir mais açúcar que a Madeira: a ilha de Tri-
as Canárias. Deste modo, em ambos os arquipela- nidad com apenas 301 m2 produziu entre 1850 e
gos a orografia estabeleceu um travão 2 afirmação 1940 uma média anual de 57 862 toneladas de
da cultura extensiva dos canaviais. De acordo com açúcar, enquanto a Madeira se ficou pelas 1 659
estas condições a produção madeirense dos &u- toneladas. Note-se ainda que as ilhas de Montser-
10s XV e XVI nunca ultrapassou as 1 584,7 tone- rat e Nevis, com uma superfície total quase igual à
ladas, atingidas em 1510. Apenas no presente da área ocupada pelos canaviais na Madeira, con-
século, com a expansão dos canaviais de novo a seguem atingir valores de produção semelhantes.
toda a ilha, se conseguiu suplantar este valor, Diversa é também a estrutura fundiária que serviu
tendo-se atingido em 191 6 as 4 943,6 toneladas. de base a esta cultura. Enquanto na Madeira a oro-
Este incremento da produção açucareira foi tra- grafia e o sistema de posse da terra definiram a
vado nos anos imediatos por meio dos decretos de plena afirmação da pequena e média propriedade,
1934-1935 e 1937 regulamentadores da área de em S. Tomé ou nas Antilhas estávamos perante a
produção. Em S. Tom4 os canaviais tiveram melho- grande propriedade, activada pela grande força de
res condições para se afirmarem e suplantarem a trabalho escravo: em Barbados, entre 1650 e 1834,
produção madeirense: na primeira metade do 84% dos proprietários de canaviais era detentor de
século dezasçeis a ilha, com uma extensão de 857 m2 mais de cinquenta escravos, enquanto na Madeira
(mais do que a Madeira - 7281, produzia o dobro, apenas 2% era possuidor de mais de 10 escravos.
cifrando-se este valor, na primeira metade do Por outro lado, a área dos canaviais assumida por
século XVI, em 4 950 toneladas; o clima, o solo cada proprietário era também elevada, pois 64%
fizeram com que a produção de açúcar em S. destes possuíam canaviais cuja extensão ia de 40
Tom4 cedo suplantasse a madeirense: aí as canas a 121 hectares, situação que estava muito aquém
cresciam três vezes mais q u e na Madeira e da assumida pelos produtores madeirenses. Na
colhiam-çe duas culturas. O conjunto das 21 ilhas Madeira apenas um produtor se aproxima desse
produtoras de açúcar no espaço atlântico oferece valor (Pedro Gonçalves, com uma área de 36,9
um total de 271 993 rn2, dos quais oferece apenas hectares), tendo os demais com valores inferiores:
uma ínfima parcela dedicada 5 agricultura. Note-se os lavradores com mais de 22 toneladas de produ-
que, para além da disponibilidade do espaço agrí- cão e com mais de 14 hectares de terreno repre-
cola adequado a esta cultura, tornava-se necessá- sentam em 1494 apenas 1,3% e 5% para o período
rio a diçponibil idade de uma reserva çilvícola, sem de 1509 a 1537.
a qual os engenhos não podiam laborar. O caço da O açúcar da Madeira ganhou fama ao nível do
Madeira é paradigmatico: aqui a superfície culti- mercado europeu. A sua qualidade diferenciava-o
vada pouco ultrapassa um terço da 6rea da ilha, dos demais e fê-lo manter-se como o preferido de
sendo o restante espaço constituído pela reserva muitos consumidores europeus. Deste modo, o
silvícola. aparecimento de açúcar de outras ilhas o u d o
A situação das ilhas do ouwo lado do oceano é Novo Mundo veio a gerar uma concorrência
também diferente da madeirense; condições distin- desenfreada ganha por aquele que estivesse em
tas das encontradas em S. Tom4 fizeram com que condições de ser oferecido ao melhor preço. Um
...
os canaviais se afirmassem ai, a partir do século testemunho disso surge-nos com Francisco Pyrard
MADEIRA- RECURSOS
PARAUM NOVOCICLOSOBREDESENVOLVIMENTO

de Laval: «Não se fale em França senão no açúcar gressivo desenvolvimento desta cultura em S.
da Madeira e da ilha de S. Tomé, mas este é uma Tomé. A resposta do rei, no ano imediato, remete
bagatela em comparação com o do Brasil, porque para uma análise dos interesses em jogo e só
na ilha da Madeira não há mais de sete ou oito depois, no prazo de um ano, seria tomada uma
engenhos a fazer açúcar e quatro ou cinco na de S. decisão, que parece nunca ter vindo. Note-se que
Tomé». E refere que no Brasillaboravam 400 enge- a exploração fazia-se directamente pela coroa e só
nhos que rendiam mais de cem mil arrobas que, a partir de 1529 surgem os particulares interessa-
segundo o mesmo, são vendidas como sendo da dos nisso. Enquanto isto se passava, do outro lado
Madeira. O mais significativo desta situação do do Atlântico davam-se os primeiros passos no arro-
novo mercado produtor de açúcar é que está indis- teamento das terras brasileiras. E, mais uma vez, é
sociavelmente ligado ao madeirense. Na verdade, notada a presença dos canaviais e dos madeirenses
a Madeira foi o ponto de partida do açúcar para o como os seus obreiros. A coroa insistiu junto dos
Novo Mundo. O solo confirmou as possibilidades madeirenses no sentido de criarem as infra-estrutu-
de rentabilização e de abertura de novo mercado ras necessárias ao incremento da cultura. Aliás, o
para o açúcar. primeiro engenho aí erguido por iniciativa da
O íncola foi capaz de agarrar esta opção, tor- coroa contou com a participação dos madeirenses.
nando-se no obreiro da sua difusão no mundo Em 1515 a coroa solicitava os bons ofícios de
Atlântico. A tradição anota que foi a partir da alguém que pudesse erguer no Brasil o primeiro
Madeira que o açúcar chegou aos mais diversos engenho, enquanto em 1555 foi construído pelo
recantos do espaço atlântico e que os técnicos madeirense João Velosa um engenho a expensas
madeirenses foram responsáveis pela sua implanta- da fazenda real. Esta aposta da coroa na rentabili-
ção. O primeiro exemplo acontece com Rui Gon- zação do solo brasileiro através dos canaviais
çalves da Câmara, que em 1472 comprou a capita- levou-a a condicionar a forja de mão-de-obra espe-
nia da ilha de S. Miguel. Na expedição de posse da cializada, que então se fazia na Madeira. Assim,
sua capitania fez-se acompanhar de canas da sua em 1537 os carpinteiros de engenho da ilha esta-
Lombada, que entretanto vendera a João Esme- vam proibidos de ir à terra dos mouros.
raldo, e dos operários para a tornar produtiva. A Com tais condicionantes e colocados perante o
estes seguiram-se outros que corporizaram diversas paulatino decréscimo da produção açucareira na
tentativas frustradas para fazer vi ngar a cana-de- ilha, muitos madeirenses são forçados a seguir ao
-açúcar nas ilhas de S. Miguel, Santa Maria e Ter- encontro dos canaviais brasileiros. Deste modo,
ceira. O avanço do açúcar para sul ao encontro do em Pernambuco e na Baía, entre os oficiais e pro-
habítat que veio gerar o boom da sua produção, prietários de engenho pressente-se a presença
deu-se nos anos imediatos ao descobrimento das madeirense. É de salientar que alguns destes
ilhas de Cabo Verde e S. Tomé. Todavia, só nesta madeirenses se tornaram em importantes proprietá-
última, pela disponibilidade de água e madeiras, os rios de engenho, como foi o caso de Mem de Sá e
canaviais encontraram condições para a sua expan- João Fernandes Vieira, o libertador de Pernam-
são. Deste modo, em 1485 a coroa recomendava a buco. É a partir daqui que se estabelece um vín-
João de Paiva que procedesse à plantação de cana- culo com a Madeira, continuado através do tráfico
-do-açúcar. Para o fabrico do açúcar refere-se a ilegal de açúcar para o Funchal ou então para o
presença de «muitos mestres da ilha da Madeira». mercado europeu com a designação da Madeira.
A partir do século XVI a concorrência do açú- Este movimento seguia as ancestrais ligações entre
car das Canárias e de S. Tomé aperta o cerco ao os que do outro lado do Atlântico viam florescer a
açúcar madeirense, o que provocou a natural reac- cultura e aqueles que na ilha ficavam sem os seus
ção dos agricultores madeirenses. Deste modo benefícios. Contra isso intervêm os madeirenses e
sucedem-se as queixas junto da coroa, de que a coroa proibindo a importação deste açúcar para
ficou testemunho em 1527. Em vereação reuniram- revenda na ilha. Depois sucederam-se outras medi-
-se os lavradores de cana para reclamar junto da das do município, proibindo a qualquer dos seus
coroa contra o prejuízo que lhes causava o pro- membros a compra de açúcar do Brasil. Todavia,

68\
MADEIRA -

com o aparecimento do bicho da cana em 161 0 os alcançar uma posição muito importante na socie-
madeirenses tiveram de se conformar com a dade e na economia insulares. O investimento de
entrada do açúcar brasileiro, por isso a edilidade capital de origem mercantil, nacional ou estran-
estabeleceu em 161 1 um contrato com os merca- geiro, surgiu apenas numa óptica da nova econo-
dores em que estes se comprometem a expedir do mia, afirmando-se como gerador de novas riquezas
Funchal uma caixa de açúcar da ilha com outro do adequadas a um aproveitamento comercial. Assim,
Brasil. 0 s canaviais foram desaparecendo paulati- o comércio foi o denominador comum para os pro-
namente das terras, dando lugar aos vinhedos. dutos a introduzir, sendo valorizados aqueles acti-
Apenas a conjuntura da segunda metade do século vadores da nova economia de mercado. Aqui, a
dezanove permitiu o seu retorno. Mas foram efé- cana-de-açúcar e o cobiçado produto final, o açú-
meras as tentativas para a produção de açúcar, só car, detêm uma posição cimeira.
possível mediante uma política proteccionista. 0 s A Madeira foi no começo o mais importante
canaviais perderam a sua função de produtores de entreposto. Os descobrimentos aliam-se ao comer-
açúcar, o ouro branco dos insulares, mas em con- cia e, por isso, desde meados do século XV, man-
trapartida favoreceram uma produção alternativa teve-se um trato assíduo com o reino, activado
de mel e aguardente. Daqui resulta as actuais com as madeiras, a urzela, o trigo e, depois, com o
çobrevivências da cultura na Madeira e Canárias. açúcar e o vinho. Este movimento alargou-se 5s
O desenvolvimento socioeconómico do mundo cidades nórdicas e mediterrânicas, com o apareci-
insular articula-se, de modo directo, com as solici- mento de estrangeiros interessados no comkrcio do
tações de economia euro-atlântica: primeira região açúcar. O arquipélago canário, tardiamente asso-
periférica do centro de negócios europeus, ajustou ciado ao domínio europeu, manteve desde o
o seu desenvolvimento económico hs necessidades século XVI um activo comércio com a Peninsula.
do mercado europeu e as carências alimentares Neste tráfico intervêm os peninsulares e os italia-
europeias; depois, mercado consumidor das manu- nos. Após a conquista, castelhanos, portugueses e
facturas de produção continental em condições italianos repartem entre si o comercio das ilhas. 0 s
vantajosas de troca para o velho continente; e, flamengos e os ingleses, que delinearão as rotas de
finalmente, intervém como intermediário nas liga- ligação ao mercado nórdico, surgem num segundo
ções entre o Novo e Velho Mundo. Note-se que, a momento. Múltiplas descrições, de finais do século
partir de princípios do século XVI, o Mediterrâneo XVI, evidenciam a posição dominante das Ilhas de
Atlântico define-se como centro de contacto e Tenerife e Cran Canária na economia do arquipé-
apoio ao comércio africano, indico e americano. A lago. O comércio do açúcar do mercado insular,
tudo isto acresce que os interesses da burguesia e que ficou circunscrito às ilhas de Cran Canária,
aristocracia dirigente peninsular entrecruzam-se no
processo de ocupação e valorização económica Transporte de vinbo

das novas sociedades e economias insulares. Esta


componente peninsular é reforqada com a partici-
pação da burguesia mediterrânica, atraída por
novos mercados e pela fácil e rápida expansão dos
seus negócios. Por isso, um grupo de italianos,
mais o u menos ligados a s grandes sociedades
comerciais mediterrânicas, participa activamente
no processo de reconhecimento, conquista e ocu-
pação do novo espaço atlântico. Com efeito, eles
interessaram-se pela conquista do arquipélago
canário, pelas expedições portuguesas de explora-
$0 geográfica e pelo comércio ao longo da costa
ocidental africana. A sua penetração no mundo
insular ficou assim facilitada, o que os levou a
-
MADEIRA =URSOS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

Tenerife, La Palma, La Comera e Madeira, foi o tania do Funchal, em 1515, ao enunciar que
principal activador das trocas com o mercado ditos açúcares se poderão carregar para o Lav
europeu. Na Madeira ele assumiu urna posição e Poente e para todas outras partes que os merca
dominante na p d u @ o e com6rcio entre 1450 e dores e pessoas que os carregarem aprouver se
1550, enquanto que nas restantes praças surge lhe isso ser posto embargo algumr.
apenas em princípios do século XVI, tendo assu- O corn&rdo do açúcar destaca-se no merca
mido idêntia posição na d h d a de trinta. madeirense dos séculos XV e XVI como o princi
O regime do comércio do açúcar madeirense animador das trocas com o mercado europe
nos séculas XV e XVt segundo opinião de Vitorino Durante mais de um século a riqueza das gent
Magalh3eç Godinho, uvai oscilar entre a liberdade da ilha e o fornecimento de bens alimentares
fortemente restringida pela intervenção quer da artefactos dependeu do comércio do produto.
coroa quer dos poderosos grupos capitalistas, de mesmo sucedeu nas Canárias, a partir do dculo
um lado, e o monop6lio global, primeiro, poste- XVI. Todavia, neste periodo a sua venda e valor
riormente um conjunto de monopólios, cada qual sofreram diversas oscilações, mercê da conjuntura
em =fação com uma escdpula de outra bandai. do mercado consumidor e da concorrência dm
Deste modo o comércio apenas se manteve em mercados insulares e americanos. O dispêndio do
regime livre at4 1469, altura em que a baixa do açúcar do lavrador fazia-se de forma diversificada,
preço veio condicionar a intervenção do senhorio, As vendas directas aos mercadores, muitas vezes
que estipulou o seu exclusiva aos mercadores de de antemão, asmciarn-se os pagamentos de dívidas
Lisboa. Ao madeirense, habituado a negociar com ou por trocas de produtos e serviços. A tendência é
os estrangeiros, isto não agradou. Mesmo assim, o para a disçerninação pelos pequenos compradoreç,
Infante D. Fernando k i d i u em 1471 estabelmer acabando com os intereses rnonopolistas de algu-
o monopõlio de uma companhia formada por mas casas comerciais, que haviam dominado o
Vicente Gi I, Alvaro Esteves, Baprista Lomelim, comércio na época de apogeu.
Francisco Calvo e Martim Aneç Boa Víagem. Desta O açúcar foi, durante mais de um século, o
decisão resultou um aceso conflito entre a verea- principal activador das trocas da Madeira com o
ção e os referidos contratadores. Passados vinte e exterior. As dificuldades sentidas com a penetrago
um anos, a ilha debatia-se ainda çom uma conjun- no mercado europeu levaram a coroa a intervir no
tura difícil no comércio açucareiro, pelo que a sentido de manter um comércio controlado, que a
coroa retomou em 1488 e 1495 a pretensão do partir de 1469 passou a ser feito sob o permanente
monopblio, mas apenas conseguiu impor um con- olhar do senhorio e da coroa. A situação manteve-
j wnto de medidas regulamentadoras da cultura, -se até 1508, altura em que a coroa aboliu o
&a e codrclo, que ocorrem em 1490 e 1496. regime de contrato. A partir de uma das medidas
tomadas pela coroa (o contingentamento de 1498)
para defesa do mercado do açúcar madeirense
rn 1498 foi tentada uma poder-se6 fazer uma ideia dos principais merca-
o esm'belecimento de um con- dos consumidores. As praças do Mar do Norte
v i m mil arrobas para exporta- dominavam o comércio, recebendo mais de
por diversas escâpulas europeias. metade das escápular estabelecidar: aqui a Flan- 1
Esiabilizada a produç30 e M n i d o s os mercados dres adquire uma posição dominante, o mesmo
do açúcar, a economia madeirense não necessi- sucedendo com os portos italianos para o espaço
tava de tão rigorosa regulamentação, pelo que em mediterrânico. A partir de princípios do dculo XVI
1499 o monarca a&u com algumas das prerro- o comércio do açúcar diversifica-se. A Madeira,
gativas estipuladas no ano anterior, mantendo-se, que na centúria de quatrocentos surgira como o
nn manto, até 1508 o regime de contrato para a ijnico mercado de produção, debater-se-á, a partir
sua venda, pois s6 nesta data foi rewgada toda a de finais desse século, com a concorrência do aqú-
legisla%& m'b,ftcando o seu trato em regime car das Canárias, de Berberia, de S. Tomé e, mais
de total liberdade. Assim o definiu o forai da capi- tarde, do Brasil e das Antilhas. Estas possibilidades
*os mercadores e comprado- INVESTIMENTO E OSTENTAÇÃO
lusão do comércio açuca-
O Funchal foi, no decurso dos séculos XV e
f e ~ n * no mercado europeu (Flo- XVI, o principal centro do arquipéIago. Desde os
,i&&),sendo o mais caro. Talvez primórdios da ocupação da ilha que o lugar, como
v&ismo encontramos com fre- vila e desde 1508 como cidade, foi o centro de
ias'.& escala na Madeira de embar- divergência e convergência dos interesses dos
o seu comercio com as Caná- A
madeirenses. sua volta anichou-se um vasto hin-
'Tomé. Estasituaçãodeveria,de terland agrícola, ligado por terra e mar. O
icar a venda de aqúcar madei- povoado, traçado por João Gonçalves Zarco,
.no ano de 1505. começou por ser a sede da capitania do mesmo
açucareiro na primeira metade do nome, mas a riqueza do vasto hinterland projec-
ominado na Europa do Norte pelas tou-o para ser a primeira e única cidade e porto de
ral do Atlântico, nomeadamente, entre ligação ao mundo. Machico perdeu a batalha da
,Madeira, Tenerife, Cran Canaria e La sua afirmação, porque os seus capitães não foram
im, na década de trinta os navios nor- capazes de acompanhar o ritmo dos funchalenses.
pados neste comércio dirigiam-se pre- O progresso e importância do Funchal foi rápido.
ente a esta área. Convém anotar que a De vila passou a cidade e sede do primeiro bis-
das embarcações que rumavam a Marro- pado, e depois arcebispado, das terras atlânticas
escala na Madeira a ida e no regresso, o portuguesas. Tudo isto levou a que no terreno evo-
irou a Madeira no comércio com a Nor- luíssem o traçado urbanístico e a construção de
A situação dominante do mercado madei- imponentes ed ifícios. As palhotas, dispostas de
perdurou nas décadas seguintes, não obs- modo anárquico, vão dando lugar a casas açsoa-
a forte concorrência da ilha de S. Tomé que Ihadas, alinhadas ao longo de arruamentos parale-
mou, entre 1536 e 1550, como o principal los 5 costa e em torno da praqa que domina o tem-
cedor de açúcar iFlandres. Todavia, esta plo religioso. O capitão, de Santa Catarina, avan-
ão cimeira da ilha de São Tome só é patente çou encosta acima até se fixar no alto das Cruzes,
no espaço dominado pelo actual Museu da Quinta
Madeira, que até i primeira metade d o das Cruzes. Do outro lado, no Cabo do Calhau,
o dezasçeiç foi um dos principais mercados surgiu o burgo popular, dominado pelo mar e pela
úcar do Atlântico, cede lugar a outros (Caná- rua que o ligava 5 ermida de Nossa Senhora da
S. Tome, Brasil e Antilhas). Deste modo as Conceição de Baixo. Foi a partir dai que avançou
desviam-se para novos mercados, colocando o núcleo urbano que mais tarde veio a dar origem
numa posição difícil. 0 s canaviais foram à cidade. Do nicho do cabo do Calhau, passou-se
onados na quase totalidade, fazendo perigar a Ribeira Santa Maria (hoje de João Gomes) e aos
nutenção da importante indústria de conser- poucos conquistou-se espaço aos canaviais para
e doces. O porto funchalense perdeu a anima- traçar ruas e erguer casas de sobrado. O próprio
que o caracterizara noutras épocas. É aqui que duque, D. Manuel, deu o exemplo, doando em
e o arquipélago vizinho. O comkrcio canário, 1485 o seu chão de canaviais, conhecido como
ado nos mesmos produtos que o madeirense, campo do Duque, para nele ser traçada uma praça,
r i um forte concorrente na disputa dos mercados se construir a igreja, os Paços do Concelho, Tabe-
hórdico e mediterrânico. Os produtos dos dois Iiães e Alfândega. Ligando tudo isto estava a Rua
arquipélagos surgem, lado a lado, nas praças de dos Mercadores, hoje da Alfândega, donde parti-
Londres, Anvers, Ruão e Génova. A Única vanta- ram novos arruamentos que deram espaço e vida
gem do madeirense resultava de ter sido o primeiro ao quotidiano dos mercadores. São exemplo disso
a penetrar com o açúcar e o vinho no mercado a Rua do Sabão, João Esmeraldo. Perante nós estão
europeu, ganhando a preferência de muitos vende- dois percursos: dum lado o capitão que avança
dores e consumidores. pelo extremo ocidental do vale até ao alto das Cru-
-
MADEIRA RECURSOS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

mercadorias. Não sabemos onde esta funcionou no


princípio, pois só teve edifício próprio a partir do
século XVI, por plano de O. Manuel. Aí esteve a
alfândega até 1962, altura em que mudou para
modernas instalações. O edifício antigo ressusci-
tou das ruínas com o processo autonómico, ao ser
adaptado para sede da actual Assembleia Legisla-
tiva Regional da Madeira, inaugurada em 4 de
Dezembro de 1987. O projecto de adaptação é da
autoria do arquitecto Chorão RamaIho. Nesta
adaptação salvou-se o que ainda restava da época
manuelina. As Salas dos Contos e do Despacho
são os melhores testemunhos da época. Aí são visí-
veis o tecto de alfarge, arcarias góticas com capi-
téis das colunas e míçulas com decoração de ele-
mentos vegetais e figuras humanas, o portal armo-
Transporte de vinho riado da fachada norte e restos de arcarías góticas
zes e depois desce até 21 cidade manuelina. Do no interior.
outro os companheiros do navegador, a gente Parte substancial desta riqueza em pintura fla-
obreira, que mantêm o convívio com o mar, avan- rnenga, maioritariamente do século XVI, pode ser
çando ao longo da linha da água ao encontro da considerada uma dádiva do açúcar. Com este pro-
cidade dos mercadores e artesãos. duto os madeirenseç conçeguiram elevada riqueza
Para muitos a 54 é o emblema da cidade do que ostentaram nas suas capelas privadas ou em
Funchal. O templo foi mandado construir por ofertas aos oragos da sua devoção. Há a salientar
ordem de D. Manuel, iniciando-se as obras em ainda algumas transacções directas de açúcar por
1493. Construída para ser a principal paróquia da estas pinturas nos grandes centros artísticos da
vila, acabou por ser a sede do novo bispado, Flandres. Igual comportamento teve a coroa para
criado em 1514 por Leão X a pedido de D. com os madeirenses. D. Manuel foi um dos que
Manuel. A sua sagração ocorreu em 18 de Outubro cumulou de tesouros alguns templos da ilha. Está
de I51 7 . Note-se que este monarca demonstrou nesse caso a famosa cruz procesçional, oferecida h
uma predilecção especial por este templo, cumu- Sé do Funchal.
lando-o de ofertas: a pia baptismal, o púlpito, a Deste primeiro momento da cidade, que alguns
cruz processional. Aqui se misturam vários estilos. teimam em chamar cidade do açúcar, pouco resta.
São evidentes os traços do manuelino: fachada, Tudo isto porque a cidade não parou e continuou
ábside, púlpito e pia baptismal. O barroco está protagonista activo no panorama económico atlân-
patente na5 capelas laterais, como sucede com a tico por força do comércio do vinho. No dculo
do Santíssímo Sacramento. Do conjunto chama-se XVI o prémio para este surto urbano está na eleva-
a atenção para o cadeira1 que se apresenta com ção do povoado a cidade (1 508) e na instalação do
duas ordens de cadeiras, ricamente trabalhadas. primeiro bispado atlântico em 1514. Não é fácil
Em madeira dourada sobressaem esculturas com encontrar no núcleo urbano rasgos que nos levem
cenas bíblicas e do quotidiano madeirense do a afirmar que tivemos n o Funchal uma cidade
século XVI. Borracheiros e escravos convivem com influenciada arquitectonicamente pela cultura dos
santos e outros populares em poses consideradas canaviais e produção do açúcar. Na verdade, os
pouco dignas para o local onde se encontram. canaviais e os engenhos estão próximos do núcleo
A primitiva Alfândega do Funchal foi criada em urbano, mas não influenciam o seu traçado. A sua
1477 no largo do Pelourinho por ordem da Infanta presença e influência é apenas indirecta, pois faz-
D. Beatriz, como forma de controlar a arrecadação -se através dos dinheiros que propiciou aos madei-
dos direitos que recaíam sobre a entrada e saída de renses para erguerem igrejas e capelas recheadas
/ de obras de arte. Também não colhe aceitação hir- nor. A presença da vinha na Madeira, que surge
: toriográfica a ideia de que o Funchal foi a primeira com os primeiros colonoç, era uma inevitabilidade
I
cidade construída por europeus no espaço atlân- no mundo cristão. O ritual religioso fez do pão e
tico. Se quisermos manter semelhante epíteto deve- do vinho os dois elementos substanciais da sua
mos emendar para o atlântico portuguêç. A Hisió- prática, fazendo-os sirnlbolos da essência da vida
ria, que não está ao serviço de ninguém e muito humana e de Cristo. Por isso o vinho e o pão avan-
menos da atrevida ignorância, denuncia que antes çaram conjuntamente com a Cristandade, levados
do Funchal já Teguise e Rubicão (Lanzarote} e por monges e bispos. Tal realidade veio revolucio-
Betancuria (Fuerteventura)estavam ocupadas pelos nar os hábitos alimentares do Ocidente cristão, a
portugueses. E por outro Iado antes de o Funchal partir do século VII, estabelecendo o pão e o vinho
atingir a categoria de cidade em 1508 já Teguise, como símbolos do sustento humano.
Betancuria, Las Palmas e La Laguna o eram. A Em meados do século XV, com o processo de
firme certeza é que o Funchal foi a primeira cidade ocupação e aproveitamento da ilha, é dada como
construída pelos portugueses fora da Europa, pio- certa a introdução de cepas vindas do reino e mais
i
I neira na sua origem e evolução, e que adquiriu o tarde as célebres do Mediterrâneo. loáo Gonçalves
estatuto de modelo para a presença portuguesa no Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Peres-
Atlântico. trello, que receberam o domínio das capitanias do
arquipélago, sob a direcção d o monarca e do
Infante D. Henrique, procederam ao desbrava-
A SECUNDA ETAPA D A CIDADE: A VINHA, O rnento e ocupação do solo com diversas culturas
VINHO trazidas do reino - o trigo, a vinha e a cana. Num
lapso de tempo a paisagem da ilha transformou-se:
O Vinho da Madeira, desde tempos recuados, das escarpaç brotaram as culturas e o denço arvo-
adquiriu fama no mundo colonial europeu, tor- redo foi cortado para construir habitações, erguer
nando-se a bebida preferida do militar, do expedi- latadas. Nas planuras ribeirinhas do oceano, onde
cionista, do aventureiro, em terras da América ou havia local para varar um barco, surgiu o Homem
da Asia. Escolhido pela aristocracia colonial, o na fúria constante contra a natureza, a traçar socal-
vinho manteve-se com lugar cativo no mercado cos que fez decorar de dourados trigais e de verde-
londrino, europeu e colonial. O ilhéu desde o jantes canaviais e vinhas. No Funchal do funcho
Último quartel do século XVI fez mudar os cana- fez resplandecer os campos de trigo entremeados,
viais por vinhedos, os quais alastraram a todas as aqui e acolá, por canaviais e vinhedos. Em Câmara
terras cultivadas, devorando a floresta a sul e a de Loboç, depois de afugentados os lobos mari-
norte. Nesta autêntica febre viticola o madeirense nhos, subiu encosta acima de picareta na mão, tra-
esqueceu que devia semear cereais e plantar árvo- çando o rendiIhado dos çocalcos onde fez plantar
.&s de fruto. O vinho era a única fonte de sustento, a videira em vistosas latadas. Foi desta forma que a
pois com ele se adquiria o alimento necessário, tra- vinha conquistou o solo ilhéu em todas as direc-
zido pelas embarcações americanas, ou a indu- ções, tornando-se o vinho um produto importante
ria e manufacturas europeias, nomeada- na actividade agrícola do ilhéu. Já em 1455 Cada-
inglesas, onde tudo era trocado por pipas de mosto ficara dedumbrado com o que viu na área
vitícola do Funchal: *...tem vinhos, mesmo muitís-
eu a Madeira, desde o século XVII a princí- simo bons, se se considerar que a ilha 6 habitada
do XIX, embalada pela opulência derivada do há pouco tempo. São em tanta quantidade, que
ércio do vinho e, com ião avultados proven- chegam para os da ilha e se exportam muitos
, o madeirense adquiriu o luxo exuberante do deles*.
io aristocrAtico londrina. O íncola habituou-se A O vinho na Madeira do século XV apreçentava-
a das cortes europeias, copiou os hábitos ingle- -se já como um produto competitivo do trigo e do
e, nas quintas rodeadas de sumptuosos vinhe- açijcar, com grande peso na economia local,
e jardins, rivalizava-o no mais ínfimo porrne- sendo desde o início um potencial produto do
mercado externo da ilha. 0 s testemunhos abonató- desde o século XVII, soube tirar partido do pr

1
rios da importância no com6rcio externo são múlti- duto, fazendo-o chegar em quantidades volumosa
plos. Shakespeare não se faz rogado numa insis- às mãos dos seus compatriotas que se havia
tente alusão em algumas das peças de teatro que o espalhado pelos quatro cantos do mundo colonial
imortalizaram. 0 s trigais e canaviais deram lugar europeu. O movimento do comércio do vinho da,
hs latadas e balseiras e a vinha tornou-se na cultura Madeira ao longo dos séculos XVI11 e XtX imbrica
exclusiva do colono madeirense, 2i qual deu todo o -se de modo directo no traçado das rotas marítimas
engenho e arte. Tudo isto projectou o vinho para o coloniais, que tinham passagem obrigatória na,
primeiro lugar na actividade económica da ilha, ilha. A estas rotas fundamentais juntavam-se outras!
mantendo-se por mais de três séculos. O ilhéu, subsidiárias, quase todas sob controlo ingl&s: sãoj
desde o último quartel do s6culo XVI, apostou em as rotas da Inglaterra colonial que fazem do Fun-
exclusivo na cultura da vinha, tirando dela o chal porto de refresco e carga de vinho no seu-
necesshrio para o seu sustento diário e, igual- rumo aos mercados das índias Ocidentais e Orien-
mente, para manter uma vida de luxo, com sump- tais, donde regressavam, via Açores, com o recheio
tuosos palAcios e igrejas. Se em 1547 Hans Stan- colonial; são os navios portugueses da rota das
den refere que a economia da ilha se define pelo fndiaç, ou do Brasil, que escalam a ilha onde rece-
binbmio vinho/açúcar, já em 1578 Duarte Lopes bem o vinho que conduzem às praças lusas; são,
colocava o vinho em primeiro lugar nas exporta- ainda, os navios ingleses que se dirigem h Madeira
ções, e em 1669 o cônsul francês afirmava que o com manufacturas e fazem o retorno tocando
vinho era o principal neg6cio da ilha. Toda a Cibraltar, Lisboa, Porto; e, finalmente, os norte-
documentação dos séculos XVIII/XIX é unânime -americanos que trazem a5 farinhas para os madei-
em considerar o vinho como a principal e total renses e regressam carregados de vinho.
riqueza da ilha, a única moeda de troca. A Por todas estas razões o vinho ilhku conquis-
Madeira não tinha mais com que acenar aos tou, desde o século XVI, o mercado colonial em
navios que por a i passavam, ou a demandavam, Africa, Ásia e América, afirmando-se até meados
senão o copo de vinho. Tudo isto fez aumentar a do s&culo XIX como a bebida por excelência do
dependência da economia madeirense. coIonialista e das tropas coloniais em acção.
Contra esta política exclusivista imposta pelo Regressado o colonialista h sua terra de origem,
mercantilismo inglês se manifestaram quer o gover- depois do surto do movimento independentiçta,
nador e capitão general Sa Pereira, em regimento trouxe na bagagem o vinho da ilha e f6-lo apreciar
de agricultura para o Porto Santo, quer o correge- pelos seus patrícios. O momento de apogeu da
dor e desembargador António Rodrigues Veloso, exportação do vinho da ilha para estes mercados
em 1782, nas instruções que deixou na Câmara da situa-se entre finais do s6culo XVIII e principio$ do
Calheta, quando a i esteve em alçada. Mas foi tudo século XIX, altura em que a saída atingiu a média
em vão, ninguPm foi capaz de frenar a ufebre vití- de 20 000 pipas. Durante este perlodo mais de 2/3
colaa;nern de convencer o viticultor a abandonar do vinho exportado destinava-se ao mercado colo-
a vinha, num momento em que o vinho da ilha nial americano, de que se destacam as Antilhas, as ,
tinha grande procura no mercado internacional. E, plantações do sul da América do Norte e Nova lor- :
mesmo assim, poucos eram os anos em que a que. A primeira metade do s&culo XIX 4 pautada
colheita era suficiente para satisfazer a grande pro- por uma acentuada alteração na geografia do
cura. Por isso, socorria-se dos vinhos inferiores do mercado consumidor do vinho da Madeira. É o
Norte e at6 mesmo do vinho dos Açores e das período de afirmação dum novo mercado para
Canárias para poder saciar-se o sedento colonia- cobrir as exigências de novos e vel hoç apreciado-
lista europeu. res. A Inglaterra e a Rússia tomaram o lugar do
Desde o século XV que o ilhéu traçou a rota no mercado colonial a partir de 1831.
mercado internacional, acompanhando o colonia- A juntar a esta mudança temos a concorrência
lista nas suas expedições e fixação na Ásia e na do vinho de França, Espanha e Cabo. Mais uma
América. O comerciante inglEs, aqui implantado ver o curso da Histbria nos atraiçoou. O fim das
-
MADEIRA RECURSOS PARA UM NOVO C-!

guerras europeias, em princípios do século XIX, muitas vezes feita de madeira que do Brasil trans-
abriu as comportas do vinho europeu ao potencial portava o açúcar para a ilha, dá Iugar ao mobiIi6-
mercado colonial asiático e americano. A retirada rio estilizado. A chamada mobília Chippendale e
do cotonialista das áreas colonizadas fez perder o Hepplewhite - sofás e cadeiras - dá o toque de
gosto pelo vinho da ilha. Os primeiros sintomas classe e compõe o ambiente para os saraus dan-
disto surgem a partir de 1814, agravando-se de ano çantes ou o célebre chá das cinco. 0 s museus da
para ano. As colheitas de 1819 a -1 821 rnantive- Quinta das Cruzes e Frederico de Freitas são hoje
ram-se estagnadas nos armazéns, por isso em 1820 os depositários de alguns dos exemplares mais sig-
vinte mil pipas aguardavam comprador. O retrato nificativos que resistiram ao uso secular. O espaço
da situação está patente na voz desesperada do interior é valorizado. A casa torna-se no principal
homem da época: rEstão as casas ricas de vinho, centro de convívio. Daqui resulta que os espaços
pobres de sustento e de alimento*. Por tudo isto, a interiores se transformaram. Surgem as amplas
recordação do período que decorre dos anos de salas ou salões de música, palcos de inúmeras fes-
1840 a 1860 faz-se com muita dor e lágrimas. Foi tas e saraus dançantes. Isabella de França, em mea-
a época de maior sofrimento do íncola. A única dos do século XIX, descreve-nos um destes bailes
solução possível foi a emigração madeirense, em que participou na casa do cônsul inglês. É um
mercê da solicitação e aliciamento de ingleses entre muitos os testemunhos deste luxo e exube-
e seus acólitos, que fez com que a força de traba- rância da sociedade oitocentista, gerados pela
lho do ilhéu chegasse a longínquas paragens a riqueza do vinho. O espectáculo é mais evidente
substituir os escravos, agora feitos l ibertoç. Entre no cerimonial de recepção que no baile propria-
1840 e 1850 o madeirense perdeu o amor a sua mente dito. As fileiras de carros de bois e palan-
terra e foi ao encontro dum novo paraíso fugaz, quins transportam as senhoras vergadas pelos
criado pelo inglês nas Antilhas. sumptuosos vestidos. As tais usaiaç de balãon que
deram título ao romance de Ricardo Jardim têm
como pano de fundo outro ambiente do quoti-
A ARTE DO VINHO diano da época. Os tectos das salas onde aconte-
ciam os saraus dançantes ou para recepqão aos
Os séculos XVIII e XIX são momentos de evi- convivas são de estuque profusamente trabalhados
dente aposta na vatorização da arquitectura e arte e muitas vezes pintados. Em muitos dos edifícios
rnadeirenses. Apagados os momentos difíceis que da época é evidente esta moda trazida pelos ingle-
sucederam i euforia açucareira dos séculos XV e ses para a ilha. As decorações alusivas hs da Gré-
XVI, de novo a ilha está envolta em novo momento cia e Pompeia criadas por Roberto e James Adam
de fulgor económico, desta feita criado pelo vinho. são a principal evidência disso e tiveram na casa
A grande aposta na cultura da vinha e a valoriza- do capitão Eusebio Cerardo de Freitas Barreto,
ção do vinho no mercado consumidor colonial hoje sede da Marconi na ilha, a sua mais perfeita
conduziram inevitavelmente a uma desusada expressão nos tectos do salão de música.
riqueza que foi usada em benefício próprio por E assim a História de muitos dos prédios que se
todos os intervenientes. 0 s grandes proprietários anicham nas ruas vizinhas do cabrestante e da
aformosearam a s suas casas de residência. Os mer- alfândega que foram alvo preferencial dos merca-
cadores, nomeadamente os ingleses, transforma- dores estrangeiros chegados ao Funchal, n o
ram as vivendas sobradadas de cidade em lojas e decurso do século XVIII, atraídos pelo comércio do
escritórios de convívio, e a5 casas solarengas e vinho. Muitas das pequenas casas térreas são
quintas adaptaram-nas ao seu gosto e exigências demolidas para dar lugar 2s sobradadas, servidas
de conforto. de amplas caves para as pipas, sobrados de habita-
Os artefactos ingleses invadiram o mercado ção e escritórios. Uma imponente fachada ornada
madeirense e dão-nos meios mais adequados para de cantarias, ferragens e uma torre avista-navios
a afirmação do conforto diário. A isso junta-se o dão o tom característico da arquitectura do vinho
gosto pelo clássico. A tosca e utilitária mobilia, na ilha. Um exemplo apenas entre os muitos posçí-
S PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

veiç evidencia a evolução: o edifício sede da Mar- este, como principal inquilino dos aposentos da
coni no Funchal- que agora mudarA para sede do Rua de João Esmeraldo, procedeu a algumas trans-
Tribunal de Contas na RAM - surge hoje como um formações. A data de 1732, como o momento de
espaço de relevante protagoniçmo, que o filia na concessão da carta de armas, poderá indiciar o
presença de João Esmeraldo na rua de seu nome. momento em que fez obras no salão principal do
Sabemos que este mercador fiamengo ergueu em primeiro andar, construindo o referido oratório,
finais do século XV defronte do paldcio umas casas que depois cobriu com uma pintura que ornava as
térreas para o çeu serviqo. Foi aqui que Eusébio da suas armas. Outras duas hipóteses são possíveis:
Silva Barreto fez construir outras de sobrado, onde em 1748, altura do registo da carta de armas no
se instalou após o seu casamento a 27 de Maio de Tombo da CSrnara d o FunchaI; ou 1758, pois
1686. Nos ascendentes de ambos P evidente as nesta data pediu um empréstimo 2 Santa Casa no
liga~õesaos Bettencourts, Azevedos, Ornelas e valor de 80$370 rs, dando como fiança a fazenda
Vasconcelos. A sua esposa era neta, pela parte de S. Gonçalo e a própria casa onde vivia. No
materna, de João de Ornelas de Vasconcelos. compromisso do empréstimo e hipoteca da casa
Entretanto, em 1699, por morte de António Carva- ficara estabelecido o pagamento desta quantia a
Ihal Esrneraldo, sucedeu-lhe como administrador partir de Julho do ano imediato. Mas a vida não
do rnorgadio do Vale da Bica o seu sobrinho Aires parece ter-lhe corrido de feição. A hipoteca perdu-
de Ornelaç e Vasconcelos. Esta mudança do mor- rou, sendo em 1794 de 1 21 7$390 rs, com juros
gadio para a casa vinculada dos Ornelas, com acumulados de 909$731 rs. Perante esta delicada
importantes interesses fundiários n o Caniço, situação os filhos não conseguiram segurar o patri-
deverá ter propiciado o acesso de Eusébio da Silva mónio e decidiram vender as referidas casas a
Barreto ao convívio dos Ornelas e certamente a Lamar Hill Bisset & Co. Saldada a dívida, restaram
posse das referidas casas térreas da Rua de João ainda 1 200$000 rs. Esta transacção marca o início
Esmeraido. A 23 de Março de 1718, Eusebio da de uma nova fase da rua. O comércio do vinho
Silva Barreto vergava sob os efeitos da doença e estava no seu auge e quase todos os seus edifícios
velhice. Morreu, deixando entregue aos seus her- estavam reservados a armazéns de vinhos. Algu-
deiros um vasto património que na acto das parti- mas das principais casas comerciais de súbditos
lhas se desfez. A frente da casa sucedeu-lhe Nico- ingleses têm aí ou nas proximidades as suas insta-
lau Geraldo de Freitas Barreto que ficou como seu laçóes.
testamentário, por isso tendo direito a sua terça nos A atracção estrangeira por esta rua surgiu em
bens agora partilhados pelos herdeiros. 1704 com Benjamim Hemingl que alugou os
Nicotau Ceratdo casou com Isabel luliana velhos aposentos de João Esmeraldo a Agostinho
Betencourt de Menezes e Atouguia, filha do capi- Dornelas e Vasconcelos. Em 1727 foi a vez de
tão do presídio de S. Lourenço, Amaro de Atou- lohn Bissett, seguido do Dr. Richard Hill, que em
guia e Bettencourt. A sua estirpe nobre fez com 1739 montou o seu escritbrio no número 39. A
que atingisse a patente de capitão e em 3 de Maio estes juntaram-se em 1802 a firma Newton Gor-
de 1731 foi a sua coroaqão máxima com a carta don, Murdoch & Co que arrematou em praça pú-
de armas. Este título deve ter-lhe custado muito blica um prédio da Misericbrdia por 1150$000 rs.
caro, pois em 20 de Abril de 1731 foi forçado a Depois tivemos Cordon Duff & Co, que comprou o
pedir um empréstimo de 307$500 rs, deixando imóvel de Josédo Egipto da Costa, foreiro de Santa
como hipoteca as fazendas de Santo António e S. Clara, por 3 626$700 rs. Em data que desconhece-
Gonçalo. Mas maiores dificuldades se sucederam mos, Gordon Duff & Co adquiriu o prkdio que fora
com os compromissos de entrada de seis filhas no de Nicolau Geraldo à firma americana Hill Bisset
convento de Santa Clara, entre 1 739 e t 751. & Co e ampliou com os grankis fronteiriços do
Mesmo assim, em 1742 ainda possui os meios lado d o Beco do Assucar, de Nuno de Freitas
suficientes para comprar terras na Camacha a Lomelino. Ambos foram vendidos em 1859, por
Ant6nio Machado de Moura por vinte e seis mil 3 800$000 rs, a JamesAdam Cordon Duff,ficando
reis. Terá sido neste período, a partir de 1718, que o edifício que o confrontava a norte na posse da
I -
MADEIRA RECURSOS PARA UM NOVO CICLO S0MW

viúva. O acto de venda teve lugar no número edifícios da época que persistem na malha urbana
doze, pertencente 5 propriedade da viúva do pro- da cidade.
prietiirio do imóvel transaccionado, onde então A torre avista-navios preenche para a +oca
vivia Diogo Bean. Pelo menos desde 1855 usufruía uma dupla função. Como mirante lançado sobre a
de todos os aposentos, onde residia e tinha o escri- baía permite saber da chegada e partida dos
tório e, parte deles, subalugados a diversos inquili- navios, daí o nome. Tcdavia, é também um local
de convívio diário na casa. f o homónimo da casa
Na posse de Jameç Adam Gordon Duff o edifi- de prazeres das quintas rnadeirenseç. Se na cidade
cio conheceu um momento de fu tgor e por isso ter- as casas térreas dão lugar aos imponentes palácios,
-se-ão sucedido algumas alterações no espaço inte- casas de habitação, escritórios e lojas de comércio,
rior, sendo desta época a construção da sala de os arredores ganham outra animação com a proli-
mtjsica e os estuques pintados. De novo as dificu I- feração das quintas. As quintas são uma criação
dades começaram a surgir aos seus inquilinos. Para madeirense, sendo a expressão volumétrica da
isso contribuiu a contracção do mercado do vinho importância de algumas das famílias madeirenses,
desde os inícios do século dezoito e as crises de onde o lazer se conjuga com o sector produtivo. A
produção motivadas pelo oídio (1852)e filoxera quinta não se resume apenas ao espaço agricola e
(1872), que quase deram o golpe de finados a este à casa de habitação, pois a ela está indissociavel-
produto. E com isso a maior parte dos ingleses fez mente ligado um jardim e uma mata. Foi com os
as malas e rumou a outras paragens. As casas, até ingleses que elas ganharam nova forma e anima-
entáo apinhadas de pipas de malvasia, quase pare- ção, que persistiram até aos nossos dias. Assim,
ciam fantasmas. Deste modo Elisa lennet Duff, perdem o seu carácter rústico e transformam-se em
viúva de James Adam Gordon Duff, optou em espaqos aprazíveis servidos de amplas ruas e jar-
1875 pela venda destes aposentos à Sociedade dins de inspiração oriental. Ligado a isto está o
Cooperativa de Consumo e Crédito do Funchal aparecimento da #Casa de Prazeresn, isto é, um
SARL, representada por personalidades ilustres da pequeno pavilhão no canto do jardim que serve
cidade: Jo& Leite Monteiro, Manuel José Vieira e para ver a avista., sendo espaço de convívio das
Augusto Mourão Pitta. O imóvel foi mais tarde, senhoras nas tardes solarengas. Ainda hoje é evi-
certamente em 1916, vendido a José Figueira dente a sua presença em inúmeras quintas e casas.
Jiinior por quarenta contos. Termina aqui a fase de A Casa da Calçada, hoje Museu Frederico de Frei-
ampliação e engrandecimento, iniciando-se a de
Transporte de vinho
prolongada decadencia. E, hoje, depois de reme
delado é a sede da Marconi na Madeira.
- Ao percorrer as Ruas da Carreira, Netos, Pretas,
Muraria, Mercês! Nova de S. Pedro, Conceição,
aranhas, Ferreiros, João Cago, o transeunte
para-se com estes prédios de fachadas rendilha-
em cantaria negra, rasgados por inúmeras
Ias servidas de varandas em ferro forjado. Aos
e têm franqumdas as portas é possivel redesco-
os tectos de estuque pintado. Dos diversos
eis que a riqueza do vinho fez erguer, m r e -
a nossa atenção: o Palácio de S. Pedro, hoje
seu Municipal, mas que se ergueu para residên-
do Conde de Carvalhal; os paços do Concelho
Funchal, conhecido também como Palácio
srre Bela. A muitos destes imponentes palácios
nta-se um elemento arquitectónico típico da ilha,
é a torre avista-navios, evidente em muitos dos
PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO I
tas, ostenta ainda a sua Casa de Prazeres. A nossa ção e adequação aos padrões de cada époc
.Casa de Prazeresw 6 mais uma apomção inglesa, Deste modo os elementos arquitectónicos e de
indo buscar as suas origens à house of pleasure, rativos que marcaram a opulência açucareira p
isto é, os sumptuosos pavilhões orientais que na sam a convivw com os novos gerados pelos ex
Madeira se adaptam a esta especial condição de dentes e riqueza do vinho. O que terá leva
mirante, em locais onde não havia a torre avista- alguns a defini-las impropriamente como a a
-navios. tectura do vinho. Esta, a existir, estará nas gran
Muitas das quintas madeirenses mudaram de casas servidas de amplos terreiros onde repousam
mãos no decurso do século XVIII. Os ingleses, as pipas e armazéns e oficinas de tanoaria, como 6
enriquecidos com o comércio do vinho, fazem o caso de Cossart Gordon & Co na Rua dos Netos,
investimentos fundiários na ilha, com especial des- ornados de latadas e de serrados de vinhedos nos
taque para as quintas e serrados de vinhas. Alguns arredores da cidade.
adquirem as habitações já existentes e transfor- Através do texto de Henry Viretelly (Facts
mam-nas em amplas quintas ajardinadas 2 moda about Port and Madeira, Londres, 1880)e das gra-
da &v. Outros, do espaço arivel ou de pascigo, vuras que adicionou de Ernest A. Vizetelly, pode
fazem erguer casas solarengas. Estão neste Último mos visitar algumas dessas expressk arquitect6-
caço a Quinta do Vale Paraíso na Camacha, de nicas geradas pela cultura da vinha e comércio do
John Halloway, a Quinta do Jardim da Serra, seu néctar. Aqui são descritas as instalações de
Calaça e do Santo da Serra, de Henry Veitch, a algumas das mais importantes firmas inglesas: Cos-
Quinta do Monte, de lames David Gordon. Das sart, Gordon and Co, Krohn Borthers & Co, Blandy
demais adquiridas por ingleses podemos salientar: Brothers, Leacock and Company, Henry Dru
a Quinta do Til, de jameç Gordon dmde 1745 e Drury, Henriques and Lawton, Mrs Welsh, R.
que passou à família Miles em 1933; a Quinta da Donaldson and Co, Meyrelles Sobrinho e Cia,
Achada, que foi desde ínicios do século XIX per- Henrique I. M. Camacho, Augusto C. Bianchi, Sr.
tença da família PenfeId e que em 1881 ficou na Cunha e Leal Irmãos e Cia. Em todos é evidente a
posse da farnilia Hinton; a Quinta do Palheiro do mesma distribuição do espaço: uma fachada impo-
1" Conde de Carvalhal, que foi adquirida em 1885 nente que dá entrada para um grande pdtio
por]. B. Blandy. cot>erto de latada que serve de logradouro comum
Os skulos XVIII e XIX são marcados por pro- às diversas arrecadações; as lojas de fermentação e
fundas mudanças na arquitectura civil e religiosa. envelhecimento do vinho, a oficina de tanoaria, a
0 s templos estão degradados e são incapazes de estufa. O bom gosto com que alguns souberam
dar acolhimento aos cada vez mais numerosos combinar e o cuidado que Ihes atribuíam não pas-
fiéis. As habitações de salas acanhadas não servem saram despercebidos ao olhar atento de Henry
as exigências de conforto e de vida portas adentro. VizetelIy que, na casa de Blandy Brothers, o leva a
Perante isto e a existência de meios financeiros afirmar que estava perante um xverdadeiro museu
capazes de dar corpo a esta mudança, foi fAcil ver de vinhoi.
o camartelo avançar d r e a cidade e a erguerem- A arte religiosa dos séculos XV111 e XIX é tam-
-se amplas casas sobradas, servidas de torres bém testemunha e consequência da riqueza gerada
avista-navios, e novas igrejas. Para al4m disso, pela economia vitivi nícola. Os templos existentes
algumas contingências tornaram inadiável a euforia ganham nova vida e riqueza e levam a depor as
de remodelação arquitectónica. O terramoto de .,
contemporâneas exigencias do culto, os novos
1746 e, na cidade, as aluvibes de 1803 e 1842, seguindo uma nova geometria e gramstica decora-
com elevados prejuízos nos imóveis, tornaram tiva. Em 1714, a Alfândega do Funchal ficou ser-
urgente a intervenção. 0 s resultados desta transfi- vida com uma capela do orago de Santo Ant6nio.
guração Mo evidentes na cidade e no meio rural. O estado de ruína do edifício de alfândega e a
'Enquanto nas casas de habitação o novo ergue-se necessidade de o ajustar ao movimento marítimo
e escombros do velho, nas igrejas ele alia-se de de então levaram a diversas transformações no
~perfeito,ficandoatestemunharumaevolu- decursodosskulosXVli~eXlX.
-
MADEIRA RECURSOS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

O vinho tem expressão plástica particular no ele edificaram-se amplos espaços de descalço das
cadeirado da Sé do Funchal do século XVI, onde pipas e imponentes palácios para fruição dos seus
são visíveis os borracheiros e os bebedores de proprietários. Hoje é possível encontrar alguns tes-
vinho, evidências que testemunham já a importân- temunhos disso:
cia da cultura nesta época. 0 s cachos e as parras As Ruaç do Esmeraldo, Ferreiros e Netos são os
fazem parte da gramática decorativa do barroco. exemplos mais característicoç. O edifício sede do
Esses motivos de talha dourada são evidentes na Instituto do Vinho da Madeira é um local de passa-
Igreja do Colégio, obra de Brás Fernandes, cons- gem obrigatória da peregrinação do vinho na
truída pelos Jesuítas no decurso do século XVII. A Cidade. As suas paredes guardam a memória de
talha com o recurso a estes elementos indicadores dois séculos de História do Vinho da Madeira. E,
do vinho só vamos encontrar de novo num con- no rés-do-chão, sob os centenareç travejamentos,
junto de mobília de sala existente nos escritórios encontram-se alguns materiais relacionados com a
da Madeira Wine Company, h Rua dos Ferreiros. faina vitivi nicola, acompanhados de fotografias e
No decurso dos séculos XVIII e XIX o quotidiano gravuras alusivas ao tema. Perante nós perfil ha-se
do vinho é retratado pela pena de diversos pintores uma possivel viagem ao passado, imprescindível
e desenhadores europeus, nomeadamente ingleses, para conhecer o percurso histórico do nosso vinho.
que tiveram oportunidade de passar pela ilha. Parte O percurso continua na Madeira Wine Company
significativa delas serviu para ilustrar livros sobre a onde um museu de empresa conduz ao passado de
ilha ou com capítulos a ela dedicados. Os princi- fulgor das empresas que estiveram na sua origem
pais motivos retratados incidem sobre os lagares, em princípios do século. Das demais empresas só
os borracheiros e as balseiras. Os dois últimos ele- em D'Oliveiras e Artur Barros e Souça a imagem
mentos são os mais abundantes em toda esta ico- do passado persiste quase intacta. Nas demais a5
nografia, visível hoje no Museu Frederico de Frei- exigências da modernidade aliam-se 2 tradição
tas no Funchal. Depois, disso só vamos encontrar familiar ou empresarial, sendo a visita um raro
expressão em Max Romer (1878-1960), um alemão momento para a sua constatação.
refugiado na Madeira em 1922, que se rendeu i As quintas são uma criação madeirense, mas
evidência do meio. Nalgumas encomendas realiza- foram os ingleses que, a partir do século XVII, as
das para a Madeira Wine Co e H. M. Borges & Co transformaram em locais de aprazível convívio. 0 s
deixou plasmada5 as suas impressões com um vastos espaços que contornam a habitação foram
retrato impressionista da faina vitivinícola. revestidos de jardins coloniais, transformados em
N a Madeira as vinhas e o vinho são duas reali- viveiros de plantas e flores exóticas. Foram várias
dades culturais diferentes. As primeiras transpor- as suas funções. Primeiro, casa5 de habitaqão dos
tam-nos ao mundo rural enquanto o segundo leva- seus construtores. Depois, hotéis e pousadas para
-nos ao cosmopolitismo da urbe. Foi o mosto, acolherem os inúmeros britânicos em busca de
transportado com muito esforço pelos borracheiros cura para a tísica pulmonar ou de passagem para
que se transformou, com a fermentação, em vinho as colónias. São inúmeras as quintas que polvi-
e, com os anos, num rubinéctar sem igual e incapaz lham os arredores do Funchal, nomeadamente em
de qualquer imitação. O borracho, feito da pele de Santa Luzia e Monte, e por isso merecedoras da
caprinos, foi a melhor solução encontrada para o nossa atenção e ansiando pela nossa visita. A
transporte do vinho do lagar à loja. O recipiente, anglicização d o Funchal só foi possível pela
porque maleável, adequava-se perfeitamente ao importância que assumiu para os súbditos de Sua
dorso do homem, amenizando os esforços das pro- Majestade o comércio. O rumo definido para o
longadas caminhadas pelas íngremes veredas. Esta vinho é deles, que cedo se tornaram nos principais
foi uma solução que persistiu a@ ao nosso k u l o e apreciadores e fruidores das riquezas que o mesmo
que hoje só é possível encontrar em museu. propiciou. Por isso a descoberta das suas indelé-
No Funchal ergueram-se imponentes edifícios. veis marcas pode completar a visita. Para as ban-
O burgo dos séculos XVI I1 e XIX pode ser conside- das do Quebra-Costas, a Igreja Anglicana e, bem
rado, com propriedade, a cidade do vinho. Para próximo, na Rua da Carreira, o Cemitério Brid-
-
RíWEHEA RECURSOS PARA UM NOVO CICLO SOBRE DESENVOLVIMENTO

nico. Depois e o reencontro com os aprariveis jar- habituais acusações aos que foram considerados
dins da Quinta MagnÓIia, outrora clube inglês, mas pelos contemporâneos como detractores mas que
hoje espaço de todos. agora são motivo da nossa admiração.
Acresce ainda que o açúcar e o vinho surgem
na ilha como produtos catalisadores da actividade
çocioeconómica e não como princípios gerado-
res das cidades ou espaços urbanos. A par disso
A estes dois momentos mais significativos da ambas se destacam apenas como os suportes eco-
vida da cidade pleríamos juntar outros mais pr6- nómico~necessários e justificativos do desenvolvi-
ximos de nós delimitados pela aposta económica mento, monumental idade e embelezamento do
nos artefactos e no turismo, que marcaram a espaço urbano. O açúcar contribuiu para a cria-
cidade do século X X e permitiram um avanço ção da nova malha urbana que definirá o centro
razoável do seu perímetro. Mas esta é uma História da futura cidade, enquanto o vinho definirá os
recente, eivada de paixõeç, que merece amadure- contornos e monumentatidade do recinto. O facto
cer para se poder apurar com certeza aquilo que destes produtos influirem no crescimento da urbe
trouxe de bom e de mau para o processo histórico não implica uma orientação arquitectónica tipica
e a afirmação da cidade. Dos momentos anteriores mantendo-se o seguidismo aos cânones peninsula-
é fácil qualquer discurso de complacência, sem as res.

Вам также может понравиться