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9/22/12 A redescoberta da filosofia no Brasil II – Mário Ferreira dos Santos | Dicta & Contradicta

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A redescoberta da filosofia no Brasil II
– Mário Ferreira dos Santos
Filed under: Filosofia incluído por dicta 
Data do post: 31 de agosto de 2010
Tags: filosofia brasileira, Mario Ferreira dos Santos

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9/22/12 A redescoberta da filosofia no Brasil II – Mário Ferreira dos Santos | Dicta & Contradicta

Por Felipe Cherubin

Mário Ferreira dos Santos nasceu em Tietê, São Paulo. Formado em Direito e Ciências
Sociais pela Universidade de Porto Alegre, muda­se para São Paulo e funda as
Editoras Logos e a Matese com o objetivo de publicar e divulgar sua obra. Foi um
pensador incrivelmente fecundo que legou uma obra monumental com mais de 90
títulos publicados, alguns inéditos e outros inacabados.

Em menos de 15 anos publica a “Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais”, que
abrange cerca de 50 volumes, parte de caráter teorético e parte histórico­crítico. Sua
obra vai além das exposições de temas filosóficos e se encontram romances,
dicionários, cursos de oratória e traduções comentadas. Seguindo tradição pitagórico­
platônica, a obra de Mário explora com originalidade os caminhos da Metafísica.

Em 1957, publicou “Filosofia Concreta”, que estabelece o seu modo de filosofar.
Mário Ferreira dos Santos considera a Filosofia como ciência rigorosa, aceitando o que
é demonstrado e não o problemático e provável. Para ele, a Filosofia possui o genuíno
valor de ciência, seja na investigação e na sistematização, seja na análise e na síntese
de temas expositivos e polêmicos. Em 1959, a edição de “Métodos Lógicos e
Dialéticos” expõe uma nova metodologia para guiar com segurança o estudioso no
campo do saber.

A década de 1960 foi o período em que suas obras tiveram maior difusão em todo o
território nacional.

***

Luís Mauro Sá Martino, professor da Fundação Cásper Líbero e estudioso da obra
de Mário Ferreira dos Santos, fala a seguir em entrevista exclusiva concedida à
Dicta.com, sobre o filósofo.

Quem foi Mário Ferreira dos Santos?

Mário Ferreira dos Santos foi um filósofo brasileiro que desenvolveu um pensamento
bastante original na segunda metade do século 20, dialogando com filosofias
aparentemente dispares como, por exemplo, a escolástica medieval, Nietzsche e Sartre,
trabalhando também com descobertas e pesquisas recentes para sua época .Foi um dos
primeiros leitores de Piaget no Brasil, por exemplo. Dedicou a vida à filosofia, daquele
preceito de Schopenhauer que se deve viver para a filosofia e não da filosofia. Mário
conseguiu uma síntese original: vivia para filosofia e ao mesmo tempo vivia da
filosofia sem nenhuma incongruência entre as duas.

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Como foi seu primeiro contato com a obra do Mário Ferreira dos Santos e a
partir de que ponto você começou a se dedicar a um estudo sistemático de sua
obra?

Meu contato foi acidental, por meio dos sebos. De tanto ver os livros dele um dia
acabei me interessando e à medida que eu ia lendo percebi que tinha alguma coisa
muito boa embora na época eu não soubesse exatamente o que; me faltava ainda como
sempre vai faltar, mas faltava mais ainda naquela época bagagem para entender o que
ele estava querendo dizer, com quem estava dialogando e a partir daí que eu comecei a
estudar sistematicamente a obra dele, fora do circuito acadêmico – como um desafio
pessoal.

A obra do Mário é imensa, mais de uma centena de livros publicados, inéditos e
alguns inacabados. A sua produção também é variada: romances, enciclopédias,
dicionários, diálogos, cursos e traduções. É possível identificar uma unidade ou
mesmo uma divisão didática dentro dessa avalanche de escritos?

Sim, mas essa afirmação tem que ser levada com todo cuidado.
Toda divisão da obra do Mário vai esbarrar com problemas e ela só funciona vista no
plano geral. Então, essa divisão além de arbitrária é também bastante fluida e eu
preciso deixar claro que isso não é uma classificação fechada, mas apenas para efeito
didático: Em termos de gênero, Mário cultivou alguns gêneros dentro de sua obra. O
primeiro desses gêneros foi a literatura: escreveu contos , livros e prosa filosófica.Há
um livro dele, por exemplo, que reúne alguns desses contos e crônicas chamado
Páginas Várias – um livro literário com teor filosófico que bem que poderia ser
incluído na área da literatura. Outro gênero que desenvolvidofoi o livro filosófico no
sentido mais estrito: exposição de um problema, argumentos, contra­argumentos,
conclusão e síntese. Um terceiro gênero foi o ensaio: alguns livros deles são claramente
ensaísticos, lidando até mesmo com problemas cotidianos. Fora isso, os inéditos e
dispersos :são artigos, palestras, exposições, aulas (ele também era professor em boa
parte do dia), cursos livres, o curso de oratória e retórica e apostilas de aula. Em termos
de fases é mais complicado porque ao longo de sua obra Mário reelabora o que havia
escrito anteriormente. Daria para separar da seguinte forma: as primeiras obras que ele
escreve ainda sem saber que estava escrevendo a enciclopédia( só depois da Filosofia
Concreta ele irá perceber a extensão de sua obra, embora há indícios, por exemplo,
uma carta onde ele propõe uma coleção de filosofia para o povo; nela, ele propõe ao
Ministro da Cultura, pede um subsidio que lhe é negado mas ali já expõe o projeto de
uma obra ampla, mas ainda não caracterizada como a enciclopédia). Dentro dessa
produção aparentemente desorganizada há um senso de unidade do próprio Mário que
eu poderia dizer que é a Lógica Dialética – num primeiro momento. Essa lógica
dialética desemboca no ápice da filosofia dele que é a filosofia concreta e em seguida
para outra fase que é a aplicação da lógica dialética e da filosofia concreta a vários
problemas: metafísicos, históricos, sociais. Finalmente, numa última fase : começa a
tratar diretamente de Metafísica, ele vai para os campos da metafísica pura que é fase

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da “Sabedoria das leis Eternas”, “Esquematologia”, “Tratado Geral das Tensões”
aonde ele se volta para a mente humana em relação com o objeto, reestruturando a
relação sujeito/objeto com base numa tensão de consciência intersubjetiva.

O Mário muitas vezes é considerado um dos maiores filósofos do século 20 ao
mesmo tempo em que foi a figura mais solitária da história intelectual brasileira.
Não obstante foi muito lido e muito ativo em seus cursos particulares e palestras
(alguns de seus livros foram o que hoje chamaríamos de um best­seller). Qual a
razão desse isolamento e por que seus escritos caíram em esquecimento logo após
sua morte?

Bom, as duas coisas estão interrelacionadas. Mario prezava muito a própria
independência e ele acreditava que se fosse lecionar na universidade, em qualquer
universidade teria que cumprir prazos, programas e se submeter a constrangimentos
acadêmicos de seguir este ou aquele; então, radicalmente opta por não ficar na
universidade, foi um outsider por vontade própria. Com isso teve uma vantagem
grande que foi poder escrever o que ele quisesse, na hora que quisesse do jeito que
bem entendesse, mas teve uma desvantagem: ele não forma discípulos, alunos
organizados que vão reconhecendo a obra dele por meio de títulos de pós­graduação,
etc. Portanto, ao se afastar do campo acadêmico ele também fecha o campo acadêmico
para si, por isso que após sua morte em poucos anos sua obra é completamente
esquecida. Ele não formou uma escola de pensadores – gente que vai discutir sua obra
– daí esse isolamento resultando numa solidão muito grande como pensador e no
esquecimento da obra após sua morte.

Além de tudo, Mario tinha um grande tino comercial, tendo sido proprietário das
editoras que publicaram suas obras, como era esse outro lado do filósofo?

As experiências institucionais do Mário foram todas ruins. Seja como profissional, seja
como estudante. Ele era um anarquista e a anarquia dele não era militância política e
externa, era princípio. Então, ele simplesmente fugia dos ambientes institucionais.
Situação essa que o levou a caminhos próprios. O que ele tinha era um tino comercial
fenomenal: quando percebeu que ninguém editaria seus livros começou a editar,
partindo de um principio: se os livros estiverem à venda, as pessoas comprarão,
principio simples e que deu resultado. Então, ele vendia livro de porta em porta, depois
teve uma equipe de vendedores que ia vender livro de porta em porta e funcionava – as
pessoas achavam a encadernação bonita, compravam; outras achavam o conteúdo
ótimo, compravam; o fato é que a julgar pelas notas de faturamento das empresas dele
e hoje pela quantidade dos livros dele em sebos,vendeu que nem água.

Mário sempre se preocupou com a questão da acessibilidade da filosofia e a
educação da juventude, a função da filosofia no sentido de humanizar a
civilização sempre esteve presente no seu filosofar. Como o Mário via a questão
da barbárie, da modernidade e da civilização?

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Mário foi um critico radical da modernidade. Ele entendia que o excesso de
racionalização, o controle de pontos e entradas e saídas e fluxos, esses controles todos
embruteciam o homem porque tiravam a dimensão simbólica, a dimensão afetiva, a
dimensão espiritual, a dimensão religiosa, a dimensão lúdica e transformavam o
homem numa máquina racional , uma máquina programada para trabalhar e essa
programação incluía o ensino universitário; daí uma das críticas dele, de que a
universidade estava programada para trabalhar e que até na hora de se divertir seria
levado a se divertir pelas mesmas instituições que o obrigavam a trabalhar. Mario faz
essa critica radical chegando a conclusão do por que do esvaziamento do homem
moderno, o por que da crise, o por que dos problemas psíquicos da solidão e da
angustia: porque nós perdemos a relação humana; a modernidade destruiu no ser
humano o que havia de bonito, o que havia de simbólico e o que havia de
transcendente e não estou falando de transcendência religiosa, mas sim da
transcendência da relação com o outro. Tudo é organizado, tudo é matematicamente
certo, portanto ,não há espaço para a subjetividade e nem para a intersubjetividade.

O Mário foi um pensador cristão, ele tem um interessante livro sobre o
Cristianismo, mas na parte filosófica ele sempre usa a noção de transcendência
como parte da ontologia, não entra a questão religiosa dentro deste contexto, é
isso?

É.

Mário era cristão, mas se dizia avesso a qualquer denominação religiosa, em uma de
suasele fala com todas as letras “Não professo nenhuma religião”. Ou seja, ele não era
católico, não era protestante, mas era cristão e a abordagem dele do cristianismo era
uma abordagem em primeiro lugar filosófica, ele entendia que o cristianismo era a
melhor doutrina ética que alguém poderia ter e chegou a essa conclusão, por ironia,
lendo Nietzsche.

O pensamento do Mário é um pensamento marcado pela positividade (no sentido
de uma filosofia da afirmação), conseguindo abarcar em seu sistema os mais
diferentes matizes intelectuais:pitagorismo, a filosofia de Nietzsche, Cristianismo,
Anarquismo e a Escolástica. Como isso foi possível?

É tentador responder: porque ele era um gênio.

Mas há uma razão filosófica para isso. Mário entendia que a filosofia era algo para ser
vivida e ele não fazia filosofia, vivia filosofia. Isso significava extrair das outras
filosofias e de qualquer sistema de pensamento, de qualquer ideia boa o que havia de
bom para contribuir com a compreensão de qualquer problema; são poucos os espaços
na obra dele onde identificamos a crítica, ou seja, o pensamento negativo. Ele
trabalhava dentro de um pensamento de afirmação aonde ele irá procurar em cada
filosofia o que há de melhor. Se Nietzsche tem alguma coisa a dizer sobre um
problema e sobre o problema seguinte quem tem algo a dizer é Kant e no outro Suarez,

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não tem problema porque ele não está confrontando, está aplicando, está
desenvolvendo.

Quais foram os pensadores que mais contribuíram para a formação da atitude
filosófica do Mário? E qual sua relação com a Filosofia Portuguesa?

Para fazer uma lista minúscula: Pitágoras, Santo Tómas de Aquino e Nietzsche.
Curiosamente, um pagão, um cristão e um anticristão. Ele tem também algumas
ressonâncias kantianas – e alguma coisa de Hegel, mas bem residual. Em relação à
filosofia portuguesa ele irá trabalhar um pouco com a escolástica, sobretudo com
Suarez. Não vai desenvolver um trabalho sistemático com a filosofia portuguesa, mas
irá resgatar a filosofia de Suarez.

O Mário apresenta a decadialética e a filosofia concreta como suas contribuições
pessoais á Filosofia, ele está sempre buscado o ideal pitagórico da Mathesis
Magiste , que marcará a tônica dos seus últimos escritos. Qual o significado de
tudo isso?

A procura do conhecimento final : da Mathesis Magiste. O conhecimento último que é
a chave de todos os outros conhecimentos e que ele procurará a vida toda. Eu não sei
se ele encontrou porque deve estar em algum manuscrito, minha frustração pessoal é
não ter tempo para mergulhar nos manuscritos finais dos últimos anos dele, são cerca
de 5.000 páginas. Nesse caminho enorme que ele faz ele vai procurar sempre subir, a
filosofia dele vai alçando em planos diferentes até chegar nesse conhecimento
supremo. O que é esse conhecimento supremo? A rigor, seria a definição inicial a
partir da qual os outros conhecimentos podem ser derivados. Por que não dá pra dizer
o que é? Porque está na obra dele depois da Metafísica. Então, isso começa na
“Filosofia e Cosmovisão” onde tem uma preocupação didática muito forte de explicar
o que é filosofia. Vai progredindo num segundo livro “Lógica e Dialética”, no qual ele
já especifica a lógica, a dialética e a decadialética em dez princípios que permitem a
inclusão. A dialética dele é uma dialética da inclusividade – não é uma dialética do
“ou” é uma dialética do “e”­ Eu não vou escolher entre A ou B, eu vou dialeticamente,
num processo concreto­ afirmativo­ sintetizar A e B não para chegar numa síntese
hegeliana, mas para continuar o meu percurso dentro da Filosofia. O primeiro grande
ponto é a decadialética, porque a partir daí ele elimina a contradição, vai contornar o
princípio da contradição que está lá no Organon de Aristóteles.Esse é o primeiro
grande salto dado. Continua nos livros seguintes: Noologia Geral, Filosofia da Crise
até chegar ao primeiro grande planalto metafísico da obra dele que é a Filosofia
Concreta – Por que é um grande planalto metafísico? Porque é aonde ele vai voltar
para a estaca zero, reconstruindo o conhecimento humano. Vai voltar e falar “olha, isso
aqui não está legal” vamos voltar à certeza, mas a uma certeza completamente
apodítica, que não possa ser refutada e chega a seguinte afirmação: tese número 1 da
Filosofia Concreta – “Alguma coisa há” e a partir desse ponto deriva todos os outros
conhecimentos. Pode­se imaginar que o conhecimento final ou Mathesis Magiste seja

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algo mais ou menos assim: a uma afirmação simples, talvez uma proposição, talvez até
mesmo um símbolo(porque ele trabalha com a simbólica o tempo todo) que permita
decifrar os outros elementos do conhecimento.

Uma marca das traduções realizadas pelo Mário são os comentários e as
interpretações simbólicas. Você poderia comentar essa característica do Mário
tradutor?

Mário falava várias línguas – inglês, francês, espanhol, latim, rudimentos de grego e
alemão. Começou sua carreira como tradutor ainda em Porto Alegre; nasceu em São
Paulo e foi pequeno para Porto Alegre retornando para São Paulo depois de adulto já
casado começando então a traduzir Nietzsche e outras tantas obras. O Mário tradutor
respeita muito o estilo do autor e vai decifrando comentários. Vai lendo o livro que ele
está traduzindo e os resultados dessa leitura são anexados, publicadoscom os livros.
Ele faz isso no “Vontade de Potência” – aliás por qual ele escreve um prefácio imenso
e muito bom “O Homem que foi um Campo de Batalha”, analisando Nietzsche já sob
essa perspectiva da modernidade; no caso do Zarathustra ele faz uma análise simbólica
da simbologia de Nietzsche e do uso que Nietzsche faz de várias simbologia dentro do
Zarathustra . Com Pitágoras, traduz os “Versos Áureos” e um comentário aos Versos
Áureos e faz um comentário aos comentários. Traduziu também o Isagoge de Porfírio
comentando sentença por sentença do primeiro livro, não tendo conseguido terminar
todos. Traduziu e comentou o “Parmênides” de Platão e “Da Geração e Corrupção das
Coisas Visíveis de Aristóteles”. Qual é o método de leitura dele? É um método de
explicação escolástico, a leitura e a explicação do texto; não faz analise estrutural, não
vai procurar outras referências na filosofia, diz o que o texto quer dizer a partir de
outros referenciais da própria filosofia do autor – neste ponto, Mário é um comentarista
como Averroes, Santo Tomás e São Alberto Magno foram.

Por que ler Mário Ferreira dos Santos hoje? Qual a originalidade e a
contribuição deste filósofo para a história da filosofia?

Porque Mário tem um pensamento que permite a você abstrair de outros sistemas de
pensamento e de outras filosofias e outras ideias aquilo que há de melhor numa síntese
original e que não é caótica, então, por que ler Mário hoje? Porque ensina você a
pensar.

Como era Mário Ferreira no cotidiano da vida privada?

Olha, arriscando uma imagem: um dia normal do Mário começaria muito cedo, ele
acordava muito cedo, coisa de 6:30, 6:00 horas da manhã em seguida tomava café com
a família, sempre com a família – a mulher Yolanda e as duas filhas Nadiejda e
Yolanda e em seguida ia trabalhar na editora Logos aonde cuidava das edições de suas
obras , cuidava das traduções, cuidava de tudo e se vinha alguma boa ideia escrevia. O
filósofo conseguia transitar muito rapidamente do mundo intelectual para o mundo
cotidiano. Dava aulas, algumas tardes ou noites os alunos iam àsua casa e tinham aulas

www.dicta.com.br/a-redescoberta-da-filosofia-no-brasil-ii-mario-ferreira-dos-santos/ 9/13
9/22/12 A redescoberta da filosofia no Brasil II – Mário Ferreira dos Santos | Dicta & Contradicta

de temas filosóficos variados. Várias dessas aulas foram gravadas e hoje nós temos um
acervo enorme. Almoçava com a família sempre que possível, às vezes não dava,
porque trabalhava com a editora, mas jantava com a família e às vezes durante o jantar
ou durante o almoço, pedia pra que alguma das filhas lesse algum trecho de filosofia,
às vezes em latim e pedia para filha traduzir logo em seguida. Suas filhas achavam isso
muito divertido, ao contrário do que a gente pode imaginar. Mário não era aquele
filósofo sério, compenetrado 24hrs por dia. Não: ele gostava de carnaval, tinha um
bloco que se chama “fica aí pra ir dizendo”, torcia pro São Paulo, assistia jogos de
futebol e torcia mesmo, não era assim, só nominal, gostava de assistir televisão em
especial programas de pergunta e resposta. Ele tinha uma vida que, exceto pelo fato de
ele ter escrito mais ou menos 10.000 páginas no total, seria uma vida normal.

Outro filósofo contemporâneo de grande força e originalidade foi Vicente
Ferreira da Silva, contemporâneo de Mário, que chegou a visitá­lo e nutria forte
admiração por seu trabalho; no entanto, os dois não chegaram a estabelecer um
vinculo de amizade e esse diálogo acabou ficando para a imaginação da
posterioridade. O pensamento dos dois, em geral, é muito diferente, contudo há
também semelhanças. Como você entende a comparação entre os pensamentos
de Mário e Vicente?

Os sistemas de ambos são muitos diferentes. Se levarmos em conta que a validade de
uma proposição filosófica é tanto maior quanto mais ela esteja integrada dentro do
sistema onde ela é formulada, seria um ato temerário comparar essas duas filosofias
uma vez que elas não têm muita coisa em comum. Então, o máximo que eu posso
traçar são alguns paralelos, vamos dizer assim, mais numa afinidade do que
propriamente numa comparação. Quanto aos temas em comum :primeiro, existe uma
transcendência que percorre a obra de ambos, um desejo do sair do real, sair do real
não para o plano da ideia, mas sair do real para algo que possa transcender o real e se
voltar sobre esse próprio real. Segundo, existe nos dois uma vertente simbólica que no
caso do Vicente me parece um pouco mais desenvolvida pelos seus estudos de lógica
matemática e que em Mário está representado pelo Tratado de Simbólica; um dia –
talvez – alguém possa fazer esse trabalho de comparação entre o simbolismo de
Vicente e a simbólica de Mário. Terceiro, os dois chegam num momento também do
indizível, por caminhos bem diferentes, mas chega uma hora que Vicente precisa se
expressar nesse simbolismo que é onde o Mário vai encontrar sua transcendência na
Filosofia Concreta e no Tratado de Simbólica. Os dois eram homens, vamos dizer
assim, de família que prezavam muito algo que na época era estranha: a capacidade da
mulher de filosofar, porque a poetiza Dora Ferreira da Silva fez um ótimo trabalho na
área de Filosofia e Mário também estimulava as filhas a filosofar; falando isso hoje é
obvio, mas pense em 1960, antes da liberação da mulher, do feminismo e de tudo isso,
era um pensamento bastante avançado que me parece ambos também compartilhavam.

Luis Mauro Sá Martino é professor de comunicação na Faculdade Casper Líberto e
autor do livro “Mídia e Poder Simbólico”.

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O desenho acima foi criado por Cido Gonçalves, caricaturista, ilustrador e
infografista. Iniciou a carreira no jornal Folha de S. Paulo no inicio da década
dos anos 90,  passando depois pelas redações do jornal O Estado de S. Paulo e
revista Veja. Blog do Cido: ciddogonn.blog.uol.com.br

Felipe Cherubin é jornalista, formado em Direito e estudou Filosofia na Harvard
Extension School.

Para mais informações sobre Mario Ferreira dos Santos, leia o ensaio de Olavo de
Carvalho publicado na Dicta&Contradicta 3.

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Comments (10)

10 Comentários »
1.  Parabéns Felipe e Martim. Ótima entrevista com o Prof. Sá Martino. A Dicta &
Contradicta faz juz ao nome ao trazer para o centro do debate a Filosofia, assim,
maíuscula.

Comentário by Valder Palombo — 1 de setembro de 2010 @ 8:39 am

2.  Entrevista fantástica!

Este anarquismo do Mário faz falta hoje em dia…

Comentário by Leonardo — 1 de setembro de 2010 @ 3:28 pm

3.  Ótima entrevista!

Comentário by Jose Luis — 1 de setembro de 2010 @ 5:39 pm

4.  Depois dessa entrevista catastrófica, com direito até a uma introdução subsidiada
por enxerto de orelha de livro, ficou­nos vedado o direito de reclamar daqueles

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que se recusem a ler o Mário pelos próximos 50 anos. Até o coitado do Suárez,
hispânico da alta estirpe dos Toledo, saiu a capengar com sua natividade
reportada a terras portuguesas; o que não se estranha na falta de uma
“transcendência da relação com o outro”, percebo.

Comentário by Ronald Robson — 1 de setembro de 2010 @ 9:00 pm

5.  Parabens pela entrevista gostaria de ressatar que criticas sendo elas positivas ou
negativas so nos fazem melhorar como pessoa. Para finalizar como meu pai
sempre dizia ninguen chuta cachorro morto. Continue nos orgulhando.

Comentário by samuel — 4 de setembro de 2010 @ 8:33 am

6.  Francisco Suárez não era português, mas passou os últimos vinte anos de sua
vida em Portugal, dos quais dezoito como professor em Coimbra. Nessa cidade
se publicaram vários de seus livros. Seus dois últimos anos de vida passaram­se
em Lisboa, cidade onde morreu e foi enterrado. Será tão absurdo assim
reconhecer à sua obra um lugar na história da filosofia portuguesa?

Comentário by Zoroastro — 8 de setembro de 2010 @ 4:41 pm

7.  Ainda sobre o lugar do espanhol Suárez na filosofia portuguesa, vale anotar que
é o próprio Mário Ferreira que se refere a ele como representante da filosofia
praticada em Portugal nos séculos XVI e XVII. (É o que se ouve numa daquelas
gravações feitas por seus alunos que alcançou a internet.)

Comentário by Ric — 8 de setembro de 2010 @ 8:27 pm

8.  Sensacional a caricatura do filósofo. Mandou muito bem o artista Cido.

Comentário by Thiago M. — 9 de setembro de 2010 @ 5:19 pm

9.  [...] http://www.dicta.com.br/a­redescoberta­da­filosofia­no­brasil­ii­mario­
ferreira­dos­santos/ Mário Ferreira dos Santos nasceu em Tietê, São Paulo… [...]

Pingback by evanessenciaS » Blog Archive » sãO paulO e a vidA inteligentE
nacionaL — 31 de dezembro de 2010 @ 12:18 pm

10.  Ótima iniciativa esta de se relembrar a memóira de alguns de nossos melhores
filósofos. Defendi monografia sobre Mario Santos com base em filosofia
conteporânea (como Olavode de Carvalho e Pierre Levy) e creio que existe sim
muita fonte a ser alimentada para restaurar a boa filosofia sem perder conexao
com o que há de mais atual, inclusive com os sistemas de informação:basta
lembrar que o termo “ontologia” é parte de um conceito frequente nos mais
avançados mecanismos de buscas da Google. O que nos falta são homens

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aplicados e sinceros como Mario Santos para sintetizar o que há de valorozo e
separar o joio (visão reducionista) do trigo (visão holistica, etc.), fonte das
verdadeiras ontologias que remetem a dignidade da Pessoa.

Comentário by Murilo Carlos Veras — 27 de fevereiro de 2011 @ 1:04 pm

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