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A experiência foi anunciada espectacularmente como educacional, mas possui
por trás do palco um histórico bem diferente. Como já se sabe, "Magalhães" é
apenas um nome fantasioso para uma versão modificada de um
minicomputador da mega-empresa americana Intel. A Intel alterou a sua
estratégia de negócios após abandonar uma anterior aliança com a OLPC, uma
fundação americana que anuncia fanaticamente ter por missão "mudar o mundo"
através da distribuição de minicomputadores para cada criança no nosso planeta.
Para a conquista do enorme mercado das crianças, a Intel passou a celebrar
acordos de alto nível directamente com governos de países subdesenvolvidos, com
projectos de assamblagem local da máquina sob diversos nomes e diversas
modificações. A exemplo da Irlanda, onde o governo assegurou à Intel
subsídios, condições preferenciais e mão de obra barata para a instalação da
sua segunda maior unidade fabril, Portugal foi agora estrategicamente
escolhido como país praticamente terceiro-mundista, mas integrado na
Europa, para assegurar operações a baixo custo dedicadas à exportação em
massa de um computador para um mercado mundial de mais de 1 bilhão de
almas infantis.
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próxima geração portuguesa, praticamente a partir do berço, ao potentado
exclusivista do sistema operacional Microsoft?
Tudo isto vem evidenciar o fenómeno pouco conhecido da verdadeira febre que se
apossou do mundo dos negócios, conforme foi descoberto a nível global um
astronómico mercado infantil até agora praticamente intocado. Muitas mais questões
delicadas poderiam ser formuladas, mas conforme a experiência magalhânica vem
descaradamente apresentar como espectáculo educacional aquilo que é na
realidade uma manobra de marketing usando a infância portuguesa como
objecto laboratorial, a urgência está na abordagem mais detalhada dos danos
profundos que daí advirão para a formação das personalidades da próxima
geração de portugueses.
A própria designação das actividades foi reduzida para as três letras burocráticas
ATL e foi tomar-se emprestado ao mundo terapêutico o neologismo "cuidadores de
proximidade" para designar por exemplo avôs, avós e outras pessoas que tenham a
habilidade de manter crianças de algum modo ocupadas após as aulas. Conforme
salientou o Dr. Elkind, durante as últimas duas décadas as crianças perderam em
média 12 horas de tempos livres por semana. Ao mesmo tempo, o período dedicado
a desportos duplicou e o número de minutos que as crianças dedicam a actividades
passivas cresceu de 30 minutos para mais do que 3 horas por semana – isto sem
contar com os intervalos para mirar passivamente o rectângulo fosforescente de uma
televisão. "Os efeitos sobre a posterior vida escolar e académica são
desastrosos. Ao lidar com ciências e matemática, por exemplo, os jovens
sentem-se mais tarde empobrecidos em termos de imaginação e criatividade",
sublinhou o Dr. Elkind. Também o Dr. Bob Marvin, da University of Virginia,
salientou que após décadas de pesquisas está demonstrado que as experiências
lúdicas e as puras vivências humanas fora das salas de aula, durante o primeiro
período de cognição infantil, são aquelas que colaboram de maneira mais decisiva
para as futuras habilidades académicas adultas e para uma competência de
aprendizagem para o resto da vida.
Um sumário
Uma recolha de dados dos muitos estudos existentes permite sumarizar dez
efeitos negativos que os meios electrónicos exercem sobre crianças na fase
pré-pubertária: (1) Inducão de uma admiração desmesurada por máquinas,
conforme o complexo funcionamento intrínseco dos computadores permanece
incógnito; (2) Estímulo para a ideia que máquinas dotadas de "inteligências
artificiais" podem em muitos casos ser mais perfeitas do que seres humanos;
(3) Cultivo de uma concepção materialista do mundo, com uma visão fatalística
da humanidade e da vida, do tipo "tudo é previsível e programável"; (4)
Inclinação para uma estratégia de vida baseada na fé computacional de "dividir
para conquistar", ou seja, subdividir sempre um problema em partes menores,
a fim de resolvê-las separadamente – o que resulta desastroso quando
aplicado a seres humanos; (5) Deterioração dos valores de sociabilidade, uma
vez que os computadores são usados individualmente e os contactos via
internet, blogues, skype, emails, etc. permanecem sob a nervosa máscara
cibernética; (6) Provocação de impulsos tendentes a realizar tudo na vida
rapidamente e com variadas acções ao mesmo tempo; (7) Debilitamento das
capacidades de concentração mental, contemplação e paciência; (8)
Degeneração da memória e distorção da capacidade do pensamento criativo,
conforme deixa de ser necessário memorizar tudo que é facilmente arquivável
em gigantescas memórias electrónicas; (9) Incitamento à utopia de "aprender é
fácil, aprender é como brincar", devido à pobre e infantilóide concepção dos
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softwares; (10) Danos irreparáveis para a habilidade de escrever e para os
órgãos de visão, e eventualmente degeneração de funções neurocerebrais,
devido à prolongada exposição a campos electromagnéticos nas proximidades
da cabeça.
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uma sabedoria nata, devido a "viverem desde o nascimento cercadas por
computadores, jogos de vídeo, aparelhos de música digital, câmaras e
telemóveis" e terem sempre "visto na rua ou na televisão outras pessoas a
utilizá-los". Sugere-se que as crianças possuem, como se fossem seres que
já vêm semi-robotizados do útero materno, uma espécie de segunda
natureza instintiva que lhes confere "um grande à vontade, em particular
com os computadores, sem necessitar de explicações ou livros de
instruções". Relegados assim para o papel de passivos cuidadores de
proximidade, os pais são solicitados a simplesmente admirar os filhos "naquilo
que eles já sabem fazer" e acompanhá-los para que "aprendam ainda mais". E
apesar de vivermos em uma era sacudida pelo desastre da crescente
desagregação social e moral de famílias, pais e filhos, o apelo absurdo das
autoridades magalhânicas é para que os pais "estreitem a relação com os seus
filhos no que diz respeito ao mundo das tecnologias".
Pais e mães são ainda convocados a ajudarem os seus filhos para que eles
"vivam em segurança no mundo digital em que nasceram". Isto equivale a um
alerta anti-terrorista cibernético, promovendo-se nas almas infantis a noção
difusa de que nos subterrâneos incompreensíveis dos computadores está
presente algo de perigoso. Muito mais perigoso é contudo outro aspecto
raramente discutido: a segurança pessoal das próprias crianças. Conforme
anunciou o Ministério da Administração Interna no seu recente Relatório Anual
de Segurança Interna, o país sofre de crescentes índices de criminalidade.
Assim, não é difícil de prever que meio milhão de crianças transportando
diariamente entre casa e escola um moderno computador portátil, poderão
tornar-se vítimas fáceis de assaltos organizados, inclusive com o uso de
violência. Além do profundo choque psicológico provocado por tais eventos,
qual não será o drama de isolamento vivido por uma criança que, além de não
poder mais realizar em casa certas tarefas escolares e instrucções
electrónicas colectivas na escola, ou participar nas folias digitais com os seus
camaradas, ainda perde, conforme promete o folheto Magalhães, a sua
"comunicação com o mundo"? Na América já foi suficientemente estudado até
o insidioso fenómeno de ostracismo e tensão social que surge em classes
onde há vários alunos "não equipados", resultando no aparecimento de duas
classes de crianças, com efeitos desmoralizantes para toda a educação.
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O dilúvio tecnológico magalhânico em um país assolado por um aflitivo
analfabetismo funcional de quase 50% da população abate-se
desastradamente também sobre a já doentia relação entre professores e
Estado. O acanhado esquema intelectualista da máquina de educação estatal,
agora exaltado pela orgia com uma experiência que é um tiro no escuro, com
resultados imprevisíveis, não é capaz de compreender as verdadeiras dores dos
nossos tempos, onde por exemplo nas salas de aula os professores começam
a enfrentar cada vez mais verdadeiros pequenos tiranos, que não sabem
conter os seus impulsos, regular as suas emoções ou reconhecer a autoridade
pedagógica dos pais ou da escola. Tais alunos jamais terão sucesso, sejam
quais forem os dinheiros e esforços monumentais aplicados em meras
inovações técnicas enxertadas na escola.
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jardins de infância em todos os continentes e em quase todas as culturas do mundo,
formando a primeira rede de educação global na história da humanidade.
É interessante citar alguns valores de um recente estudo feito nos EUA acerca das
biografias de toda uma geração de alunos Waldorf que não tiveram computadores
durante toda a fase pré-pubertária da sua educação, com uma duração total de 12
anos:
– 94% dos ex-alunos Waldorf ingressaram em estudos superiores
– 96% demonstraram altos valores na qualidade das suas relações inter-pessoais
– 94% demonstraram uma elevada capacidade de segurança e auto-confiança no
comportamento
– 92% alcançaram altas cotações em termos de pensamento crítico e auto-
expressão verbal
– 91% adquiriram as práticas e os valores essenciais para uma "aprendizagem
contínua para a vida"
– 90% demonstraram altos valores de tolerância perante pontos de vista alheios
– 89% estavam satisfeitos com a escolha profissional que fizeram
– 82% valorizavam no seu trabalho sobretudo assuntos éticos e o auxílio para
terceiros
Nota Final
Em paralelo com a vulgarização dos computadores como instrumentos úteis e
necessários para a comunicação e o trabalho, ocorreu um fenómeno de
deslumbramento das massas adultas, desejosas de aproveitar essa tecnologia nas
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suas vidas particulares, não só pelas legítimas vantagens da rápida consulta a
fontes de informações, como também para navegações úteis ou inúteis na internet,
mais o conforto quase autista de poder comprar coisas sem ter que encontrar
pessoas, ou ir fisicamente a lojas. O segundo fenómeno, agora de características
definitivamente sócio-patológicas, é a fascinação que uma nova tecnologia
esvaziada de valores éticos e morais vem provocando entre personalidades
governamentais, ministeriais e universitárias afectas ao capítulo da educação, até ao
ponto de degenerar toda uma pedagogia humanista específica durante os muitos
anos da escolaridade na fase pré-pubertária.
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Portugal. Para pais e mães conscientes da sua sagrada missão de educação da
infância, como nosso maior capital existencial, a actual experiência laboratorial
megalomaníaca com o laptop Magalhães devia servir como um chamamento
profundo à consciência e à articulação de respostas livres, por iniciativa própria, e
por amor à prole que os procurou para vir ao mundo.
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