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O escândalo da robotização da educação

– A experiência "Magalhães"aproveitando a infância portuguesa –


Raul Guerreiro

Os tempos actuais são marcados por um fenómeno de mutação radical das


consciências, como produto da liberdade individual em expansão explosiva, mais o
desaparecimento de tradições a todos os níveis, e a crescente automatização da
vida. Neste contexto de sabor orwelliano, mais do que nunca o mundo da educação
continua em busca desesperada de um conhecimento profundo do Homem, algo
como uma Antroposofia capaz de alargar a mera Antropologia de inspiração animal
que alimenta a pedagogia tradicional. Nesse interminável afã de renovação que já
dura séculos, sucederam-se inúmeras modas inovativas, que sempre demonstraram
em seguida ser meros pensos remediativos, incapazes de ir ao fundo da questão.
Após a onda de cientifismo que deleitou o Século XIX, sobreveio uma educação
dedicada fanaticamente ao polo oposto. Foi o hediondo "culto da raça", com a sua
adoração ideológica dirigida à educação do espírito através do corpo, algo que entre
nós encontrou expressão na famigerada "Mocidade Portuguesa", decalcada da
Mocidade Hitleriana da Alemanha nazista.

Assiste-se actualmente a uma nova inversão ideológica de polos. Tenta-se agora


uma concentração cega sobre um intelectualismo materialista focado no cérebro
humano, à mistura com uma idolatria de meios electrónicos aplicados à educação.
Sem dúvida a tecnologia da informática das últimas décadas faz parte de um
extraordinário e bem-vindo avanço nas técnicas de comunicação, estando a
modificar muitos parâmetros nos processos laborais, na organização empresarial, no
acesso à cultura bibliotecária e nos hábitos de consumo e de recreação entre
adultos e jovens-adultos. Mas o aparelho estatal aplicado à educação, apesar de
ainda imerso em vetustos esquemas intelectualizados, tornou-se agora vítima de um
insólito arrebatamento demagógico-tecnocrata, onde falta a clareza e a coragem
para enfrentar as verdadeiras necessidades humanas das novas gerações. Surgiu
assim esta experiência bombástica de distribuição em massa de máquinas, como se
isso fosse o dernier cri em matéria de educação, que permitirá a Portugal apanhar o
aparentemente perdido comboio da civilização europeia.

O mundo educativo português, para além de assolado por vibrantes conflitos de


natureza laboral, está hoje mergulhado em uma estranha mistura de excitação e
indolência, conforme é lançada uma campanha tecnológica anunciada como "sem
igual no mundo": proporcionar a meio milhão de almas infantis no nosso ensino
básico o convívio físico e psíquico permanente com um computador portátil,
epopeicamente alcunhado de Magalhães. Acompanhada por uma veneração
tecno-mercadológica sem limites, a máquina é apresentada como autêntica
janela para o futuro, para o mundo e para a vida, utilizável na escola, na rua ou
em casa, de facto como propriedade de cada criança. Semelhante medida, que a
rigor é uma experiência laboratorial sem qualquer qualificação prévia, abate-se como
uma verdadeira onda tsunâmica tecnológica sobre o humanamente já crítico mundo
escolar, sendo que numerosas realidades pedagógicas, médicas e ético-sociais
sobre os seus efeitos negativos estão a ser criminosamente ocultadas dos
pais e mães, professores e grande público.

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A experiência foi anunciada espectacularmente como educacional, mas possui
por trás do palco um histórico bem diferente. Como já se sabe, "Magalhães" é
apenas um nome fantasioso para uma versão modificada de um
minicomputador da mega-empresa americana Intel. A Intel alterou a sua
estratégia de negócios após abandonar uma anterior aliança com a OLPC, uma
fundação americana que anuncia fanaticamente ter por missão "mudar o mundo"
através da distribuição de minicomputadores para cada criança no nosso planeta.
Para a conquista do enorme mercado das crianças, a Intel passou a celebrar
acordos de alto nível directamente com governos de países subdesenvolvidos, com
projectos de assamblagem local da máquina sob diversos nomes e diversas
modificações. A exemplo da Irlanda, onde o governo assegurou à Intel
subsídios, condições preferenciais e mão de obra barata para a instalação da
sua segunda maior unidade fabril, Portugal foi agora estrategicamente
escolhido como país praticamente terceiro-mundista, mas integrado na
Europa, para assegurar operações a baixo custo dedicadas à exportação em
massa de um computador para um mercado mundial de mais de 1 bilhão de
almas infantis.

A distribuição entre nós de meio milhão de computadores portáteis, anunciada


espalhafatosamente como uma "revolução para a educação em Portugal",
reduz-se na realidade a uma mera jogada promocional para acompanhar um
big business internacional com gigantescas proporções. Mas no meio de tanta
euforia, há hoje um novo factor de consequências imprevisíveis: como empresa-
mãe do Magalhães, a Intel está actualmente confrontada com uma gravíssima
crise global, tendo sofrido no final do ano passado uma queda de 90% nas
vendas. Está prevista a eliminação de 6.000 postos de trabalho e o encerramento
de unidades na Malásia, Filipinas, Oregon e Santa Clara. Enquanto isso a Índia,
um país com grandes capacidades tecnológicas independentes, optou por dar
as costas aos potentados ocidentais e produzirá em breve em massa o seu
minicomputador "Sakshat" a um preço irrisório.

A experiência electrónica suscita não só a nível pedagógico, mas também


político, económico e tecnológico muitas questões flagrantes. O que é que
uma colossal empreitada mercadológica, dirigida para a assamblagem em
Portugal de computadores de design americano para exportação, tem a ver
com a nossa atardada educação infantil? Porque deverão professores perder o
seu precioso tempo com tarefas administrativas estranhas à profissão? Será
legítimo para indivíduos colocados em diversos níveis de funções públicas
transformarem-se em manifestos agentes de vendas de um consórcio
empresarial internacional dirigido para a clientela infantil? Que autoridade
humanística e pedagógica tem semelhante consórcio industrial para vir instruir
os cérebros dos nossos professores quanto ao estilo de ensino robotizado
que pretendem implantar entre a infância em todo o mundo? Que negociatas
gigantescas estarão em curso, sob a respeitosa capa da educação, para
vender ligações de internet, reparações de computadores e a habitual
procissão de impressoras, periféricos e softwares de toda a espécie? Serão de
admitir como legítimas as invasões da esfera familiar e infantil pela artilharia
publicitária magalhânica, que já começou a injectar nas mentes infantis
propostas sedutoras como "Ganha um iPhone 3G" ou "Ganha um Nintendo DS
Lite"? Surge até a grave pergunta computacional: Será legítimo acorrentar a

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próxima geração portuguesa, praticamente a partir do berço, ao potentado
exclusivista do sistema operacional Microsoft?

Tudo isto vem evidenciar o fenómeno pouco conhecido da verdadeira febre que se
apossou do mundo dos negócios, conforme foi descoberto a nível global um
astronómico mercado infantil até agora praticamente intocado. Muitas mais questões
delicadas poderiam ser formuladas, mas conforme a experiência magalhânica vem
descaradamente apresentar como espectáculo educacional aquilo que é na
realidade uma manobra de marketing usando a infância portuguesa como
objecto laboratorial, a urgência está na abordagem mais detalhada dos danos
profundos que daí advirão para a formação das personalidades da próxima
geração de portugueses.

Em Nova Iorque, conforme as autoridades descobriram que muitos alunos


vinham usando os seus minicomputadores portáteis, oferecidos pelas escolas,
para enviarem para os seus camaradas soluções e respostas para testes e
exames, bem como para descarregar filmes pornográficos ou interferir
ilegalmente nas actividades do comércio local, os pais e as escolas apertaram
as suas medidas de proibições internéticas – algo que aliás também está
previsto para a experiência Magalhães, na forma de um Programa de Controlo
Parental. Mas em pouco tempo os alunos encontraram não só soluções
técnicas para contornar as simples proibições, como ainda publicaram na
internet os respectivos códigos e procedimentos, permitindo assim a
quaisquer outras crianças fazerem o mesmo. Além disso, muitos dos
computadores apresentavam constantemente irregularidades funcionais, e em
dias de provas a rede de internet sofria irremediáveis colapsos, devido aos
milhares de alunos que tinham os olhos cravados em seus mini-ecrãs, em vez
de procurar a ajuda de seres humanos chamados professores. Assim, a
exemplo de muitas outras escolas no país que haviam participado de
dadivosas campanhas de distribuição do género "um computador para cada
aluno", as autoridades escolares decidiram retirar as máquinas das mãos dos
miúdos, devido a demonstrarem ser uma absoluta decepção educacional.

Conforme declarou Mark Lawson, presidente de uma junta de educação,


passados setes anos não havia qualquer resultado que evidenciasse um
impacto positivo sobre o rendimento escolar dos alunos. Onde quer que a
distribuição em massa das máquinas havia sido implementada, elas tornaram-
se na escola um verdadeiro impedimento, provocando uma dispersão para o
processo de aprendizagem. Além disso, o crescente abandono dos
computadores pelos alunos durante trabalhos escolares, o uso abusivo para
fins particulares, a insuficiente preparação dos professores, mais os
gigantescos problemas logísticos e financeiros com a manutenção de milhares
de aparelhos, forçaram os próprios professores a tomar uma medida extrema:
boicotar o seu uso.

O Departamento Nacional de Educação dos Estados Unidos acaba de


apresentar um estudo demonstrando que não há diferença no sucesso
académico entre estudantes que anteriormente usaram, ou não, programas
computerizados para a aprendizagem das disciplinas mais críticas na
formação escolar: a matemática e a leitura. Estas e outras decepções
catastróficas vieram demonstrar como a tecnologia pode ser abraçada com paixão
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por autoridades pedagogicamente desinformadas, apenas para deixar a classe
docente confusa perante a tarefa de enxertar máquinas em um processo de trabalho
eminentemente humano.

Um relatório da Dra. McGregor, da University College London, publicado na


prestigiosa revista inglesa de medicina "Lancet", salienta que a promoção da
inteligência infantil na fase inicial da vida está associada a factores totalmente
diferentes. Ficou demonstrado que a implementação de actividades lúdicas não
digitais é capaz de promover o quociente de inteligência (IQ) mesmo em crianças
que sofram de malnutrição e sub-estimulação, como é o caso de milhões de crianças
no terceiro mundo. Conforme a pesquisa concluíu, uma simples intervenção dos
governos ao mais baixo nível, e a custos irrisórios em comparação com tecnologias
high-tech, poderia ter uma influência decisiva para mudar as atitudes e encorajar
actividades, com imediatos resultados positivos para o rendimento escolar.

Os Drs. Clotfeiler, Ladd e Vigdor, da Harvard University, pesquisaram


recentemente dados de quase 1 milhão de alunos e verificaram que os
melhores resultados em testes de matemática e leitura foram alcançados por
crianças que não tinham acesso a computadores em casa. Para alunos com
computadores, o acesso à internet não revelou quaisquer benefícios
adicionais. Além disso, os resultados indicaram que disponibilizar em larga escala o
acesso a computadores em casa resultaria contra-produtivo para os esforços de
reduzir disparidades raciais, sociais e económicas.

Uwe Buermann, colaborador científico do Instituto Ipsum de Stuttgart e docente de


Ciências Computacionais em Kiel, na Alemanha, sublinhou que os meios
electrónicos presentes na vida de uma grande parte da população infantil são
cada vez mais ingenuamente considerados pelos pais como simples
brinquedos, mantidos nos quartos das crianças, tornando-se assim
praticamente uma propriedade particular que elas podem usar a bel-prazer. E
conforme as crianças mostram uma aparente habilidade superior à dos adultos
para lidar com tudo isso, muitos pais e educadores ficam confortados e
deixam de se interessar pelos efeitos negativos, imaginando que são coisas
inofensivas e tipicamente infantis. Entretanto, inúmeros estudos rigorosos já
atestaram que o convívio prematuro com computadores impede de maneira
notável o desenvolvimento de uma variedade de capacidades e habilidades.
Assim, precisamente as crianças iniciadas muito cedo nas tecnologias da
comunicação sofrem posteriormente de uma limitação nas suas chances
pessoais e profissionais, permanecendo condenadas a uma dependência dos
meios electrónicos para o resto da vida.

Nas escolas, cada vez mais crianças mostram debilidades motrizes


designadas como sintomas de Distúrbio de Hiperactividade e Défice de
Atenção (DHDA). A neurobiologia já atestou que em numerosos casos estamos
aí na realidade confrontados com danos psicológicos e orgânicos derivados
do consumo de meios electrónicos na primeira fase da infância. Os
apregoadores pró-digitais gostam muito da frase "Os computadores ensinam as
crianças a lidar com computadores". Mas imaginar que isto já constitui uma
preparação para a vida é entregar-se a uma ilusão bastante elementar. A única
coisa que as crianças em idade do nível escolar primário conseguem
realmente aprender com os computadores é a manipulação dos mesmos, o
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que não deve ser confundido com uma competência medial. Para uma
competência medial é preciso primeiro ter-se uma suficiente capacidade de
auto-avaliação do uso individual de qualquer aparelhagem, mais uma
criatividade suficientemente desenvolvida, e ainda um saudável discernimento
crítico acerca dos conteúdos recebidos audiovisualmente – coisas que as
crianças só alcançam após o período primário. Por outras palavras: para as
crianças saberem usar os meios electrónicos, em vez de serem elas próprias
usadas pelos mesmos, elas precisam de maturidade.

Na Universidade de Munique, um estudo realizado pelos Drs. Fuchs e


Woessmann, com o patrocínio da Volkswagen, analisou em detalhe o meio-
ambiente computacional familiar e escolar. A conclusão menciona que a mera
presença de um computador em casa está negativamente relacionada com o
rendimento escolar dos alunos. Por outro lado, a existência de computadores
na escola demonstrou uma relação insignificante com a performance geral dos
alunos. A disponibilidade de um acesso à internet na escola mostrou
inicialmente algum efeito, mas esse efeito degradava-se rapidamente conforme
aumentava o número de visitas internéticas por semana. O estudo veio
confirmar e aprofundar rigorosos trabalhos anteriores de especialistas
internacionais, que já haviam determinado resultados decepcionantes entre
crianças, em termos de rendimento educacional com o uso de computadores.
Os autores acabaram por concluir que onde quer que os computadores sejam
aplicados para substituir outros tipos de instrução, quem sai prejudicado é o
aluno.

Um computador permanentemente à disposição das crianças constitui assim


na realidade um obstáculo e um factor distractivo para uma aprendizagem que
envolva uma actividade mental criativa. Entretanto, uma nova estirpe de
tecnocratas desinformados, dispersos por empresas milionárias e ministérios,
sonha obstinadamente com meios electrónicos aplicados à educação como
forma de divórcio do contacto professor-aluno. Tipicamente eles gostam de
argumentar aos quatro ventos que "saber manipular desde cedo um computador" é
algo que promove habilidades comunicativas fundamentais para o futuro,
aumentando as chances do sucesso profissional na vida adulta. O aspecto
pernicioso, e deliberadamente escondido da opinião pública, é que ocorre um
sacrifício de outras aptidões, anímicas e sociais, essenciais para a vida. O
desastroso efeito final resulta fatal para uma educação equilibrada, pois são
precisamente aquelas aptidões sacrificadas – e não a capacidade de manusear
uma máquina – que mais tarde se revelam como críticas para a estabilidade da
personalidade pós-pubertária e para a integração dos jovens-adultos no
mundo do trabalho e na interacção puramente humana.

Entre muitos pais e educadores espalhou-se também a crença ingénua de que


deixar crianças em frente de um aparelho de televisão, vídeo ou leitor de DVD
contribuirá para torná-las depois mais vivas e mais hábeis para lidar com
computadores e meios electrónicos complexos, quando entrarem para a escola. Os
Drs. Zimmerman e Christakis, da University of Washington, atestaram pelo contrário
que as populares séries de vídeos infantis estão a fazer mais mal do que bem,
especialmente no que diz respeito a crianças com dificuldades de desenvolvimento
da linguagem. Crianças expostas de maneira cumulativa a tais programas sofrem
um efeito exactamente inverso, deixando de aprender novos vocábulos. O resultado
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negativo do consumo de softwares de animação, mesmo quando apresentados
como programas educativos, foi também verificado em estudos na Faculdade de
Medicina da University of New Mexico. A interacção das crianças com o mundo real
revelou-se como fundamental, sendo que as habilidades linguísticas podiam ser
melhoradas até com o simples expediente das crianças ouvirem regularmente
histórias lidas por adultos. Os pesquisadores concluiram com uma condenação
cabal: a exposição prematura de crianças a programas audiovisuais em
computadores, aparelhos de vídeo, etc. só pode produzir o aparecimento de
uma geração de crianças hiper-estimuladas e posteriormente deficitárias em
termos de capacidade de concentração.

A Academia Americana de Pediatria realizou um vasto estudo clínico sobre saúde


familiar e infantil, a respeito da importância dos jogos e das brincadeiras reais, não
digitais, para a educação das crianças. A conclusão aponta para o facto que essas
actividades desempenham um papel absolutamente essencial para o
desenvolvimento, contribuindo para o bem-estar cognitivo, físico, social e emocional,
tanto das crianças como dos futuros jovens. Além disso, essas actividades oferecem
uma oportunidade ideal para os pais envolverem-se mais profundamente no
verdadeiro convívio humano com os seus filhos. Infelizmente, essas actuações
pedagógicas salutares no seio de famílias, escolas e comunidades vêm sendo
abandonadas devido a uma série de factores, como vidas mergulhadas em stress,
desintegração das famílias, crescente tendência para abordagens intelectualísticas e
tecnificantes nas escolas, bem como um excesso de mera recolha e acumulação de
informações.

Também o Dr. Elkind, na Universidade Tufts de Massachusetts, estudou


durante muitos anos o desenvolvimento de crianças, verificando que a
habilidade auto-lúdica simplesmente está a desaparecer sob o efeito
conjugado de computadores, televisão, jogos electrónicos, leitores digitais e
actividades sedentárias, bem como uma crescente pressão dos educadores
para forçar crianças do nível primário a obterem cada vez mais rapidamente
resultados de cariz académico. Para milhões de crianças, a época da infância
passou a designar um período de vida confinado a quatro paredes. Até jardins
de infância estão a ser cada vez mais transformados em verdadeiras
escolinhas academificadas, onde as crianças são prematuramente tratadas
como mini-adultos, sendo até submetidas a testes elementares e recebendo
tarefas para casa.

Em 1840, após séculos de educação infantil atrelada às pesadas obrigações


laborais das famílias, o genial pedagogo Froebel foi o primeiro a usar a expressão
"jardim" para designar locais de abrigo e recolha das crianças, reconhecendo já
nessa época a importância marcante das práticas lúdicas e naturais para a completa
formação da personalidade humana. Nos últimos anos, sob o influxo de
personalidades intelectualistas ultra-ortodoxas como a Dra. Donata Eischenbroich,
que distribuíu pelo mundo a perspectiva cientifista abstracta do "aproveitamento
estratégico da inteligência infantil nos primeiros anos de vida", está em curso em
muitos países avançados um processo de perversa robotização até de jardins de
infância, com a instalação de potentes centros de computação disfarçados como
brinquedos. Por outro lado, o mercado extremamente lucrativo dos produtos para
crianças, apoiado por estratégias de marketing e publicidade sumamente refinadas e
sem controlo ético ou educativo, vem igualmente alimentar um amadurecimento
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prematuro das crianças, ao promover uma "compressão ectária", de modo que
produtos concebidos para crianças maiores, ou até para adultos, sejam consumidos
por crianças de cada vez menos idade. Iludidos por promessas tecnocratas de
modernização das suas actividades, muitos pedagogos passaram assim a
menosprezar como factor supérfluo as actividades de tempos livres das crianças, e o
seu papel essencial para a aquisição de uma série de habilidades anímicas
permanentes, que são impossíveis de obter de qualquer outro modo.

A própria designação das actividades foi reduzida para as três letras burocráticas
ATL e foi tomar-se emprestado ao mundo terapêutico o neologismo "cuidadores de
proximidade" para designar por exemplo avôs, avós e outras pessoas que tenham a
habilidade de manter crianças de algum modo ocupadas após as aulas. Conforme
salientou o Dr. Elkind, durante as últimas duas décadas as crianças perderam em
média 12 horas de tempos livres por semana. Ao mesmo tempo, o período dedicado
a desportos duplicou e o número de minutos que as crianças dedicam a actividades
passivas cresceu de 30 minutos para mais do que 3 horas por semana – isto sem
contar com os intervalos para mirar passivamente o rectângulo fosforescente de uma
televisão. "Os efeitos sobre a posterior vida escolar e académica são
desastrosos. Ao lidar com ciências e matemática, por exemplo, os jovens
sentem-se mais tarde empobrecidos em termos de imaginação e criatividade",
sublinhou o Dr. Elkind. Também o Dr. Bob Marvin, da University of Virginia,
salientou que após décadas de pesquisas está demonstrado que as experiências
lúdicas e as puras vivências humanas fora das salas de aula, durante o primeiro
período de cognição infantil, são aquelas que colaboram de maneira mais decisiva
para as futuras habilidades académicas adultas e para uma competência de
aprendizagem para o resto da vida.

No Departamento de Ciência de Computação da Universidade de São Paulo, o


Dr. Valdemar Setzer vem estudando há muitos anos o tema dos Computadores
na Educação (ver o interessantíssimo livro com o mesmo título). Consultado
acerca do projecto Magalhães, ele declarou que semelhante medida resultará
quase só inútil, ou altamente prejudicial para crianças e adolescentes. A
distorção introduzida no modo de pensar, aliada aos fatores mais comumente
discutidos, como perda de tempo com brincadeiras, perigos da internet devido
à ingenuidade das crianças, e a falta do auto-controlo que só se alcança na
idade adulta, acabam por prejudicar o rendimento escolar. Durante a última
Multiconferência Mundial sobre Sistemia, Cibernética e Informática ele referiu como
a totalidade do mundo educativo, a nível internacional, está hoje carente de uma
profunda reforma, reforma essa que deve instituir uma intensificada humanização, e
não a introdução fanática de cada vez mais tecnologia. Todos os projectos que
apelam ao contributo de máquinas para a aprendizagem infantil contêm de certa
forma uma dimensão sub-natural extremamente primitiva. A palavra de ordem
irracional e robótica é sempre a mesma: quanto mais técnica, melhor para a raça
humana.

Certamente o avanço ou até mesmo a sobrevivência da humanidade passa por uma


modificação da visão que temos do mundo. Mas o detalhe moral a observar é que as
máquinas devem ser mantidas no seu devido lugar, em vez de ficarmos nós
escravos das facilidades que elas trazem para a nossa vida prática. O que está em
causa não é só a patológica perda da habilidade de escrever à mão, ou a
necessidade de milhões de crianças terem em breve de usar óculos para
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compensar a deterioração da vista, devido à intensa contemplação de mini-
imagens a poucos centímetros de distância. O fenómeno do uso irrestrito de
meios electrónicos entre as crianças da educação primária equivale a uma
verdadeira agressão dirigida ao cerne da humanidade, uma vez que os
incomensuráveis danos psíquicos e orgânicos provocados a longo termo por
computadores, TV, telemóveis multi-funcionais, jogos de vídeo, etc. ocorrem
precisamente durante os delicados primeiros passos da formação das almas
infantis, prejudicando-as definitivamente no seu desenvolvimento harmónico e
saudável. Conforme o Dr. Setzer comentou com palavras rigorosas e desabridas:
"Isto só poderá levar ao aparecimento de adultos anti-sociais, com ideias fixas,
passivos, fanáticos e pobres em forças de compaixão e criatividade". O tema
pode ser consultado em "www.ime.usp.br/~vwsetzer/pals/palestras" que
contém extenso material em língua portuguesa.

Um sumário
Uma recolha de dados dos muitos estudos existentes permite sumarizar dez
efeitos negativos que os meios electrónicos exercem sobre crianças na fase
pré-pubertária: (1) Inducão de uma admiração desmesurada por máquinas,
conforme o complexo funcionamento intrínseco dos computadores permanece
incógnito; (2) Estímulo para a ideia que máquinas dotadas de "inteligências
artificiais" podem em muitos casos ser mais perfeitas do que seres humanos;
(3) Cultivo de uma concepção materialista do mundo, com uma visão fatalística
da humanidade e da vida, do tipo "tudo é previsível e programável"; (4)
Inclinação para uma estratégia de vida baseada na fé computacional de "dividir
para conquistar", ou seja, subdividir sempre um problema em partes menores,
a fim de resolvê-las separadamente – o que resulta desastroso quando
aplicado a seres humanos; (5) Deterioração dos valores de sociabilidade, uma
vez que os computadores são usados individualmente e os contactos via
internet, blogues, skype, emails, etc. permanecem sob a nervosa máscara
cibernética; (6) Provocação de impulsos tendentes a realizar tudo na vida
rapidamente e com variadas acções ao mesmo tempo; (7) Debilitamento das
capacidades de concentração mental, contemplação e paciência; (8)
Degeneração da memória e distorção da capacidade do pensamento criativo,
conforme deixa de ser necessário memorizar tudo que é facilmente arquivável
em gigantescas memórias electrónicas; (9) Incitamento à utopia de "aprender é
fácil, aprender é como brincar", devido à pobre e infantilóide concepção dos
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softwares; (10) Danos irreparáveis para a habilidade de escrever e para os
órgãos de visão, e eventualmente degeneração de funções neurocerebrais,
devido à prolongada exposição a campos electromagnéticos nas proximidades
da cabeça.

A experiência Magalhães – um tiro no escuro


No mundo dos computadores, os seus gurus dedicam-se tipicamente a exaltar uma
doutrina tecno-fetichista do mundo e do homem, a qual vai depois despertar em
políticos e académicos despreparados a sofreguidão de realizar experiências cegas,
praticamente como um tiro no escuro, em busca de resultados quiméricos. Os dados
exactos sobre as funestas influências psíquicas e orgânicas dos meios electrónicos
sobre crianças em idade de educação primária estão aí patentes para serem
consultados por qualquer pessoa, mas tecnocratas apaixonados pelos cérebros
infantis como se fossem chips de silício de computadores, estão a derramar sobre
todo o ensino uma violenta intelectualização acelerada, subproduto do sonho
maníaco do sucesso académico como fundamento para a estratégia da
sobrevivência.

A fanática experiência laboratorial do Magalhães em Portugal e o sonho de


"um computador para cada aluno" é na verdade puro simulacro do credo
visionário do americano Seymour Papert, um guru da informática e co-autor
dos planos mirabólicos da OLPC para colar desde muito cedo um
minicomputador às mãos de todas as crianças do mundo. Papert vangloriava-se
de permitir crianças "aprender a aprender" e "pensar sobre o pensamento" através
de máquinas. Semelhante actividade constitui entretanto uma das coisas mais
abstractas e formais que se pode imaginar, praticamente equivalente a provar
teoremas da matemática superior, com a diferença que a criança ilude-se com a
criação de figuras infantis, sempre imitando jogos de vídeo, a fim de aumentar a
atracção emocional. Pensar sobre o próprio pensar é algo que requer independência
mental, absoluta maturidade e individualização, coisas que amadurecem só muito
mais tarde na juventude. Na sua maioria, até mesmo os adultos não estãos
suficientemente preparados para o complexo processo de "pensar acerca do
pensamento". Tentar exercitar entre crianças esse tipo de introspecção e auto-
controlo da actividade mental, equivale praticamente a uma laboração meditativa,
algo que está evidentemente reservado para adultos.

A título de rifão educativo, os textos de divulgação do Magalhães apresentam


para pais e mães a suposta necessidade de eles prepararem os seus filhos
desde o mais cedo possível para "competências nas tecnologias de
informação e comunicação". Colaboradores do projecto consultados junto à
Universidade de Lisboa não tiveram pejo em até recomendar o uso a partir dos
4 anos de idade. A documentação faz inclusive uma inversão de valores: os
adultos são apresentados como praticamente analfabetos tecnológicos,
enquanto que as crianças são enaltecidas por possuirem qualquer coisa como

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uma sabedoria nata, devido a "viverem desde o nascimento cercadas por
computadores, jogos de vídeo, aparelhos de música digital, câmaras e
telemóveis" e terem sempre "visto na rua ou na televisão outras pessoas a
utilizá-los". Sugere-se que as crianças possuem, como se fossem seres que
já vêm semi-robotizados do útero materno, uma espécie de segunda
natureza instintiva que lhes confere "um grande à vontade, em particular
com os computadores, sem necessitar de explicações ou livros de
instruções". Relegados assim para o papel de passivos cuidadores de
proximidade, os pais são solicitados a simplesmente admirar os filhos "naquilo
que eles já sabem fazer" e acompanhá-los para que "aprendam ainda mais". E
apesar de vivermos em uma era sacudida pelo desastre da crescente
desagregação social e moral de famílias, pais e filhos, o apelo absurdo das
autoridades magalhânicas é para que os pais "estreitem a relação com os seus
filhos no que diz respeito ao mundo das tecnologias".

Pais e mães são ainda convocados a ajudarem os seus filhos para que eles
"vivam em segurança no mundo digital em que nasceram". Isto equivale a um
alerta anti-terrorista cibernético, promovendo-se nas almas infantis a noção
difusa de que nos subterrâneos incompreensíveis dos computadores está
presente algo de perigoso. Muito mais perigoso é contudo outro aspecto
raramente discutido: a segurança pessoal das próprias crianças. Conforme
anunciou o Ministério da Administração Interna no seu recente Relatório Anual
de Segurança Interna, o país sofre de crescentes índices de criminalidade.
Assim, não é difícil de prever que meio milhão de crianças transportando
diariamente entre casa e escola um moderno computador portátil, poderão
tornar-se vítimas fáceis de assaltos organizados, inclusive com o uso de
violência. Além do profundo choque psicológico provocado por tais eventos,
qual não será o drama de isolamento vivido por uma criança que, além de não
poder mais realizar em casa certas tarefas escolares e instrucções
electrónicas colectivas na escola, ou participar nas folias digitais com os seus
camaradas, ainda perde, conforme promete o folheto Magalhães, a sua
"comunicação com o mundo"? Na América já foi suficientemente estudado até
o insidioso fenómeno de ostracismo e tensão social que surge em classes
onde há vários alunos "não equipados", resultando no aparecimento de duas
classes de crianças, com efeitos desmoralizantes para toda a educação.

A experiência Magalhães pretende ainda que os pais pratiquem uma


fiscalização sobre o uso dos computadores nas mãos dos filhos. A realidade é
que a maioria das famílias não tem tempo, nem interesse, nem conhecimentos
para isso. Se as tradicionais psicodrogas da televisão e dos jogos de vídeo já não
merecem qualquer censura crítica pela maior parte dos pais – são até geralmente
bemvindas como distracção aliviadora dos nervos dos adultos – como se pode
esperar que uma família se comporte de maneira diferente, perante mais uma
maquineta em casa? Tal como tradicionalmente acontece com cigarros e álcool,
semelhante função policial para impedir certas conexões internéticas e
imêilicas imorais, etc. só poderá provocar o aparecimento de uma tensão
moral subliminar no seio das famílias, alimentando uma curiosidade natural
ainda mais exaltada entre as crianças, como já foi confirmado em outros
países, para se ultrapassar os obstáculos.

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O dilúvio tecnológico magalhânico em um país assolado por um aflitivo
analfabetismo funcional de quase 50% da população abate-se
desastradamente também sobre a já doentia relação entre professores e
Estado. O acanhado esquema intelectualista da máquina de educação estatal,
agora exaltado pela orgia com uma experiência que é um tiro no escuro, com
resultados imprevisíveis, não é capaz de compreender as verdadeiras dores dos
nossos tempos, onde por exemplo nas salas de aula os professores começam
a enfrentar cada vez mais verdadeiros pequenos tiranos, que não sabem
conter os seus impulsos, regular as suas emoções ou reconhecer a autoridade
pedagógica dos pais ou da escola. Tais alunos jamais terão sucesso, sejam
quais forem os dinheiros e esforços monumentais aplicados em meras
inovações técnicas enxertadas na escola.

Juntamente com o carácter realmente totalitário da experiência, haja visto que a


mesma visa declaradamente a cobertura total do ensino básico do país, a
documentação para alunos vem por sua vez colaborar para esvaziar o
significado humano de qualquer professor. No Guia de Instruções para
Alunos, o computador apresenta-se às crianças com uma pseudo-
personalidade de "Eu", como uma entidade semi-orgânica que fala às
crianças em termos íntimos e carinhosos para pedir coisas como "Tal
como tu não deitas líquidos estranhos para os teus olhos, também não os
podes deitar no meu ecrã", ou "Cuidado com a minha alimentação". Em
caso de perda, a mais grave consequência mencionada é "Ficas sem mim",
simulando o drama da morte entre adultos. Para esta encenação dedicada a
conferir, já durante os primeiríssimos passos de robotização das crianças, uma
face humana às máquinas, elas são até apresentadas às crédulas mentes
infantis com a máscara de uma dimensão humanista global e ecuménica, que
permite por exemplo que "tu comuniques com o mundo". E quando se trata do
assunto para o qual a máquina foi afinal criada, não faltam rebuçados a
prometer brincadeiras: "Juntos vamos trabalhar e divertir-nos imenso". É
impossível não lembrar aqui de imediato aquele miserável período da nossa
história, onde uma ordenação totalitária do universo infantil do país, igualmente
afecto ao antigo Ministério da Educação, também fazia bastas promessas de
divertimento. O hino oficial da Mocidade Portuguesa abria com as palavras: "Lá
vamos cantando e rindo!".

É possível escolas sem computadores?


A questão das escolas poderem ou não funcionar sem computadores está mal
formulada. Para ser concreta, a pergunta devia ser reformulada como: Em que
faixa etária os meios electrónicos não devem fazer parte do ensino? Existe
realmente há quase um século uma educação moderníssima e em permanente
expansão, que responde cabalmente a esta pergunta e segue as suas
consequências práticas. Trata-se da Pedagogia Waldorf, inaugurada pelo filósofo e
pesquisador austríaco Rudolf Steiner. Iniciada na Europa, essa pedagogia
reconhecida pela Unesco está hoje presente com mais de 1.000 escolas e 1.500

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jardins de infância em todos os continentes e em quase todas as culturas do mundo,
formando a primeira rede de educação global na história da humanidade.

Nas escolas Waldorf, pais e professores cooperam de mãos dadas, não há


directores, não há repetição de anos e não há exames, mas é oferecida uma
educação completa desde o nível pré-primário até a admissão às universidades. O
interior e o exterior dos edifícios são concebidos como obras artísticas, reina nas
salas de aula uma alegria pelo aprender, com uma atenção devotada à inteligência
emocional e a uma interacção social dinamizada. Desde o primeiro dia que uma
criança entra para uma dessas escolas, pratica-se uma orientação educacional
dedicada principalmente à facilitação da expressão da personalidade única de cada
aluno, cuidando-se de um saudável equilíbrio das dimensões física, anímica e
espiritual. Esta linha pedagógica de crescente sucesso, perfeitamente adaptada aos
tempos presentes e futuros, possui uma visão muito clara acerca dos perigos de
uma intelectualização precoce das crianças durante o septenário anterior à
puberdade.

Os fundamentos antroposóficos mais profundos da pedagogia Waldorf


explicam que nos dois primeiros septenários da vida, ou seja, desde a mais
simples instrução maternal caseira até ao período da escola secundária, as
crianças atravessam duas fases absolutamente distintas. Até aos 7 anos, a
aprendizagem decorre sobretudo por um processo imitativo do meio-ambiente
humano e natural, e dos 7 aos 14 anos são os professores que assumem o
papel de personalidades de referência, auxiliando as crianças a abrir os olhos
para todos os conteúdos físicos e morais do mundo, promovendo os primeiros
passos de um pensar realmente autónomo.

Em todo o mundo, mais de 1 bilhão de pessoas usam hoje computadores, sem


saber que estão virtualmente escravizadas a um raciciocínio matemático simbólico.
Embora o processo permaneça oculto e inconsciente, é impossível para uma criança
ou um adulto accionar qualquer computador sem começar logo a raciocinar de
maneira lógico-simbólica. Por outras palavras, uma criança é forçada a "falar" por
meio de um pensar-maquinal abstracto, exigido pelos respectivos softwares
préfabricados por adultos. Caso contrário, a máquina recusa a conversação.
Forçar crianças em idade pré-pubertária a pensar de um modo formal e
abstracto, tal como exigido por uma máquina electrónica repleta de simples
sequências matemáticas desenvolvidas em laboratórios digitais, é algo que vai
contra as suas naturezas intrínsecas, pois a energia de um pensar individual
ainda não está despertada nas suas almas. Além disso, conforme foi confirmado
pelos últimos estudos, a impregnação das mentes infantis com milhões de
imagens já prontas vem intoxicar o desenvolvimento da imaginação, que é
uma habilidade vital para os estudos cada vez mais complexos nos anos
seguintes, inclusive durante a vida adulta.

Como pedagogia suficientemente esclarecida acerca da constituição integral do ser


humano, a Pedagogia Waldorf assumiu com verdadeiro heroísmo a prática de
manter as crianças distanciadas, de uma maneira natural e durante a idade pré-
pubertária, de quaisquer computadores e meios electrónicos pseudo-educativos. Isto
não reflecte qualquer sectarismo ou anti-tecnologismo, mas sim apenas a coragem
de adequar a educação primária infantil de modo correspondente a uma profunda
compreensão do que é o ser humano. Na educação, tal como em qualquer
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processo de desenvolvimento vivo, não se podem ultrapassar fases. Impingir a
crianças uma atitude adultista, tal como acontece com o acesso
indiscriminado a computadores, equivale a roubar-lhes a sua preciosa
infância. Como diz o ditado africano: "A relva jamais crescerá mais rápido se for
puxada". Pais e mães que durante toda a fase pré-pubertária da infância
mantiverem nos lares uma distância cautelosa entre os computadores e os
filhos, estão apenas a praticar o mesmo rigor amoroso que praticam quando,
por exemplo, proíbem terminantemente às suas crianças de conduzir um
automóvel, beber álcool, ingerir drogas, fazer fogo em casa, ou usar uma serra
eléctrica. Os danos provocados pelos computadores simplesmente não são
imediatamente tão evidentes como alguns dedos de criança amputados por
uma serra eléctrica. As consequências são mais profundas e manifestam-se só
com o decorrer do tempo, nas esferas da vida mental, emocional e volitiva.

É interessante citar alguns valores de um recente estudo feito nos EUA acerca das
biografias de toda uma geração de alunos Waldorf que não tiveram computadores
durante toda a fase pré-pubertária da sua educação, com uma duração total de 12
anos:
– 94% dos ex-alunos Waldorf ingressaram em estudos superiores
– 96% demonstraram altos valores na qualidade das suas relações inter-pessoais
– 94% demonstraram uma elevada capacidade de segurança e auto-confiança no
comportamento
– 92% alcançaram altas cotações em termos de pensamento crítico e auto-
expressão verbal
– 91% adquiriram as práticas e os valores essenciais para uma "aprendizagem
contínua para a vida"
– 90% demonstraram altos valores de tolerância perante pontos de vista alheios
– 89% estavam satisfeitos com a escolha profissional que fizeram
– 82% valorizavam no seu trabalho sobretudo assuntos éticos e o auxílio para
terceiros

O estudo estatístico averiguou assim três qualidades essenciais típicas verificadas


em ex-alunos Waldorf: (1) Elevado senso estético e capacidade de pensar por si
próprios, sabendo valorizar as oportunidades para colocar novas ideias em prática;
(2) Apreciação e respeito por relações humanas duráveis, procurando oportunidades
para serem úteis para os demais; (3) Impulsos éticos nas profissões que
escolheram, mais um senso de orientação moral para navegar através das
dificuldades e tentações da vida professional e particular.
A website www.sab.org.br/pedag-wal/pedag contém amplas informações em língua
portuguesa sobre o tema da Pedagogia Waldorf.

Nota Final
Em paralelo com a vulgarização dos computadores como instrumentos úteis e
necessários para a comunicação e o trabalho, ocorreu um fenómeno de
deslumbramento das massas adultas, desejosas de aproveitar essa tecnologia nas

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suas vidas particulares, não só pelas legítimas vantagens da rápida consulta a
fontes de informações, como também para navegações úteis ou inúteis na internet,
mais o conforto quase autista de poder comprar coisas sem ter que encontrar
pessoas, ou ir fisicamente a lojas. O segundo fenómeno, agora de características
definitivamente sócio-patológicas, é a fascinação que uma nova tecnologia
esvaziada de valores éticos e morais vem provocando entre personalidades
governamentais, ministeriais e universitárias afectas ao capítulo da educação, até ao
ponto de degenerar toda uma pedagogia humanista específica durante os muitos
anos da escolaridade na fase pré-pubertária.

Até recentemente, o mundo da educação era um mundo que se alimentava de ideais


e impulsos humanistas, filosóficos, pedagógicos e psicológicos; um mundo ávido de
algo como um ainda desconhecido estudo profundo do homem, e para o homem.
Junto com a capitulação irracional da máquina educacional estatal perante as
máquinas digitais, surge agora ainda uma escandalosa dependência cega e
escravista perante os ditames do mundo dos negócios. Numa perversa deformação
de propósitos, a educação – que é simplesmente o futuro da humanidade – passa a
depender de estratégias comercialistas, capitalistas ou propagandistas. Devido à
enorme complexidade dos hardwares e softwares, essa dependência abriu também
as portas para que uma classe de pretensos sábios cibernéticos de empresas
multinacionais iniciasse uma intervenção de fundo em procedimentos puramente
educativos afectando países inteiros. As mega-empresas e as suas estratégias de
ganhos financeiros assumem agora o papel de conselheiros para uma táctica
pedagógica de preparação de pais e professores para o desenvolvimento dos seus
filhos e alunos.

Este é o momento histórico e dramático que estamos a assistir, conforme a


miscigenação homem-máquina vem promover uma nova forma de barbárie
colectivista, pintada de promessas futurísticas, obrigando educadores a
desistir da sua função humanista e formadora primordial, e a tornar-se peças
de um sistema robótico invisível. Toda uma antropologia pedagógica da primeira
infância, uma verdadeira visão do que é o Homem perante os demais homens, o
mundo e o cosmos , é atirada para o lixo para se inaugurar uma tecno-idolatria que
não receia comparação com o recente passado negro totalitário e fascista de

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Portugal. Para pais e mães conscientes da sua sagrada missão de educação da
infância, como nosso maior capital existencial, a actual experiência laboratorial
megalomaníaca com o laptop Magalhães devia servir como um chamamento
profundo à consciência e à articulação de respostas livres, por iniciativa própria, e
por amor à prole que os procurou para vir ao mundo.

Na Europa a que Portugal pertence, uma das características dos mundos


educacionais desenvolvidos é a alternativa de se poderem fundar escolas livres,
pela iniciativa de pais, com currículo próprio independente, e subsidiadas pelo
estado, ou seja, pelos dinheiros que todos os cidadãos já pagam pelo ensino em
forma de impostos. Mas para isso é imprescindível uma remodelação da ruça
legislação escolar portuguesa, que impõe a iniciativas escolares livres e de fim não-
lucrativo limitações e subordinações impróprias para um país que se compreende
como civilizado, europeu e respeitador dos direitos humanos. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos, co-assinada por Portugal junto à ONU, estabelece
no artigo 26/3: «Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de
educação a dar aos filhos». E a Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e
das Liberdades Fundamentais, igualmente co-assinada por Portugal junto ao
Conselho da Europa, estabelece no artigo 2 do protocolo adicional: «O Estado, no
exercício das funções que tem de assumir no campo da educação e do ensino,
respeitará o direito dos pais a assegurar aquela educação e ensino consoante as
suas convicções religiosas e filosóficas».

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Prof. Raul Guerreiro


Formado pela Escola Superior de Pedagogia Waldorf de Stuttgart
Membro do Conselho Federal Parental Waldorf da Alemanha
Membro da Amnesty International

Tischardter Strasse 8
D-72622 Nurtingen
Alemanha
guerreiro@t-online.de

O autor concede a qualquer publicação, impressa ou digital, bem como a indivíduos


e quaisquer entidades, os direitos de reprodução deste artigo.
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