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ALEXANDRA BUJOKAS DE SIQUEIRA

PROGRAMAS DE TV DIDÁTICOS
PARA ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL:
UM EXAME DOS PRESSUPOSTOS
TEÓRICO-EDUCACIONAIS
ALEXANDRA BUJOKAS DE SIQUEIRA

PROGRAMAS DE TV DIDÁTICOS
PARA ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL:
UM EXAME DOS PRESSUPOSTOS
TEÓRICO-EDUCACIONAIS

Tese apresentada ao Programa de


Pós-graduação em Educação Escolar da
Faculdade de Ciências e Letras da Unesp,
campus de Araraquara, para obtenção
do título de doutor em Educação Escolar

Orientadora:
Profª Drª Maria Aparecida Rodrigues de Lima Grande

ARARAQUARA
2004
AGRADECIMENTOS

À professora Maria Aparecida Rodrigues de Lima Grande-orientadora.


Eu apareci do nada, e ela prontamente me aceitou

Aos professores e colegas do programa de pós-graduação em


Educação Escolar da Unesp, pela riqueza das discussões e pelas
leituras preciosas

Ao professor José Vaidergorn, pelo apoio e camaradagem

À Fernanda e à Flávia, da secretaria, pela presteza

Ao professor Richard Collins, por me receber com tanto zelo na


Inglaterra.

Aos amigos Margaret Marchand, Rob e Janet Westcott, Virginia Alitta


e Álvaro Faria, pela força durante a estadia na Inglaterra

Ao Luis e à Sílvia, pela companhia e diversão no trajeto Bauru-


Araraquara

Agradeço também à Capes pela bolsa concedida para a


realização do estágio no exterior.
Para Danilo Rothberg
Caco Galhardo - Folha de S. Paulo, 10/2/03
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS

2
LISTA DE ANEXOS

3
RESUMO

Fatores como a hegemonia da exploração comercial no meio televisivo brasileiro e a cen-


sura do regime militar contribuíram para gerar produções educativas de qualidade e nível de in-
formação questionáveis. A pesquisa analisou três séries produzidas pela TV Escola sobre tópicos
de língua portuguesa para o ensino fundamental. Os programas foram sintetizados na forma de
roteiros, com texto, imagem, efeitos gráficos e sonoros decupados. As análises identificaram os
conteúdos ensinados, a didática do ensino pelo vídeo e compararam as informações estéticas e
semânticas do sintagma televisivo, indicando que conteúdo escolar e entretenimento ocupam es-
paços similares: os programas são atraentes, mas os roteiros possuem lacunas e distorções que
comprometem a função educativa. Com base nos resultados do estudo empírico e de uma pesqui-
sa realizada na Open University e no British Film Institute, Grã-Bretanha, são sugeridos critérios
de qualidade para a produção didática na televisão.

Palavras-chave: Televisão didática - Ensino Fundamental – produção de vídeo – análise crítica

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ABSTRACT

Fatores como a hegemonia da exploração comercial no meio televisivo brasileiro e a cen-


sura do regime militar contribuíram para gerar produções educativas de qualidade e nível de in-
formação questionáveis. A pesquisa analisou três séries produzidas pela TV Escola sobre tópicos
de língua portuguesa para o ensino fundamental. Os programas foram sintetizados na forma de
roteiros, com texto, imagem, efeitos gráficos e sonoros decupados. As análises identificaram os
conteúdos ensinados, a didática do ensino pelo vídeo e compararam as informações estéticas e
semânticas do sintagma televisivo, indicando que conteúdo escolar e entretenimento ocupam es-
paços similares: os programas são atraentes, mas os roteiros possuem lacunas e distorções que
comprometem a função educativa. Com base nos resultados do estudo empírico e de uma pesqui-
sa realizada na Open University e no British Film Institute, Grã-Bretanha, são sugeridos critérios
de qualidade para a produção didática na televisão.

Palavras-chave: Televisão didática - Ensino Fundamental – produção de vídeo – análise crítica

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INTRODUÇÃO

Em janeiro de 2004, foram divulgados os últimos resultados do Saeb (Sistema Nacional


de Avaliação da Educação Básica)1 que, desde 1990, monitora a qualidade da educação oferecida
no Brasil, através da avaliação do conhecimento e das habilidades demonstradas pelos alunos de
escolas públicas e particulares, nas áreas de Matemática e Língua Portuguesa.

Os dados sobre Língua Portuguesa referentes aos alunos que cursavam a 8ª série do Ensi-
no Fundamental são alarmantes: cerca de 5% estão no estágio muito crítico (isto é não desenvol-
veram habilidades de leitura previstas para a 4ª série do Ensino Fundamental, tais como identificar
informações explícitas em um texto e inferir o sentido de palavras em textos simples); 20,% estão
no estágio crítico (apresentam habilidades de leitura, porém aquém do adequado: eles identificam
informações explícitas em textos narrativos curtos, por exemplo, mas têm dificuldade para reco-
nhecer o tema de um texto narrativo simples); 65% estão no estágio intermediário (isto é, lêem
textos mais complexos, como aqueles que exigem interpretação de gráficos, identificam o tema de
textos narrativos mais complexos, lêem textos poéticos mais simples, como um poema descritivo
ou narrativo).

Apenas pouco mais de 10% dos estudantes estão nos estágios adequado e avançado, isto é,
são leitores maduros e competentes, e atendem às expectativas pedagógicas do final da 8ª série.
“Isso significa que quase 90% dos alunos não alcançaram o estágio adequado e, portanto, não
demonstram habilidades de leitura compatíveis com a 8ª série”, alerta o relatório (p. 11).

Claro está que este é um problema complexo, que envolve desde questões de infra-
estrutura econômica e social, até questões de ordem tipicamente pedagógica, tais como experiên-
cia do professor e material pedagógico disponível na escola. Sem esquecer o entorno socio-
econômico, o relatório do Saeb enfatiza a importância da formação do educador. Ao cruzar dados
referentes à escolaridade docente com o desempenho discente, os pesquisadores do Inep constata-
ram que, quanto maior a escolaridade do professor, maior a média alcançada pelos alunos. Como
se sabe, o projeto TV Escola foi concebido, inclusive, para melhorar o desempenho do professor,
seja através de cursos oferecidos a distância, seja através da produção de material pedagógico de
apoio.

1 “Qualidade na Educação: uma nova leitura do desempenho dos estudantes da 8ª série do Ensino Fundamental”. Brasil, MEC / Inep,
dezembro de 2003.

6
Portanto, os resultados evidenciados pelo Saeb, aliados à urgência da racionalidade na a-
plicação dos escassos recursos públicos para a educação, apontam para a necessidade de encontrar
soluções efetivas para a melhoria da escola pública elementar. Investir em material pedagógico
audiovisual pode ser encarada como uma medida pertinente, desde que os gestores saibam utilizar
adequadamente a tecnologia, frente às necessidades de aprendizagem diagnosticadas em exames
como o Saeb.

Diante deste quadro, a presente pesquisa pode oferecer parcela de colaboração, ao lançar
olhar detido sobre a produção de vídeos da TV Escola para a disciplina de Língua Portuguesa,
para alunos de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental. Aqui, o propósito é identificar os fundamen-
tos teórico-educacionais presentes nos vídeos, bem como caracterizar uma produção televisiva
adequada para a realidade da escola pública brasileira, em termos de conteúdo e de linguagem.

Por outro lado, se é verdade que as escolas brasileiras carecem de infra-estrutura para en-
sinar as crianças a ler com propriedade, não é menos verdade que a educação escolar vem dispu-
tando espaço com a televisão comercial, um dos braços mais importantes da indústria cultural.
Educadores com Joan Ferrés (1996), por exemplo, atentam para a diferença entre as disposições
mentais exigidas pela TV (que se impõe de fora para dentro e oferece a gratificação da evasão
mental) e pela palavra escrita (que exige um esforço de penetração para compreender a abstração
dos símbolos). No longo prazo, os educadores estão identificando um tipo peculiar de leitor: o
preguiçoso, que é capaz de “decifrar”, mas não de “ler”. “A incapacidade de concentração faz
com que para ele seja difícil ou até mesmo impossível compreender aquilo que leu”, explica o
autor (p. 22).

Além disso, como pode ser visto nas páginas que seguem, o desenvolvimento da pesquisa,
particularmente depois dos estudos produzidos na Inglaterra, através do PDEE (Programa de Dou-
torado no País com Estágio no Exterior) da Capes, alcançou outra sorte de problemas que envol-
vem o conceito de media literacy.

Como pôde ser constatado nos quatro meses de estágio na Open University, para os pes-
quisadores ingleses considerados neste estudo, não é possível fazer uso adequado dos recursos
televisivos na escola sem um amplo projeto de alfabetização para a mídia. Em outras palavras, se
o educador não souber estimular a leitura crítica da televisão, corre-se o risco de ter em sala de
aula a mesma recepção superficial e fragmentada dos programas, como ocorre na programação
voltada ao entretenimento vazio.

A conseqüência imediata para o objeto de estudos desta pesquisa é a necessidade de avali-


ar se os roteiros da TV Escola são organizados de modo a permitir a compreensão inteligente tan-
7
to dos conteúdos escolares quanto dos recursos estéticos escolhidos. Se houver essa possibilidade,
então tem-se um modelo diferente daquele do exibicionismo técnico típico da TV comercial.

Portanto, as contradições entre a importância pedagógica da TV, por um lado, e o uso efe-
tivo que a maioria das pessoas faz deste meio, por outro, e possíveis soluções para esse conflito
são eixos norteadores desta pesquisa. O estudo pretende compreender em que medida a TV que
está sendo concretamente produzida na área atende às expectativas de um modelo educacional
não-alienante, ou em que medida apenas repete fórmulas da indústria cultural, contribuindo muito
pouco para reverter o quadro apontado pelas pesquisas do Inep.

De antemão, uma distinção importante deve ser feita: televisão comercial e televisão didá-
tica são (ou deveriam ser) intrinsicamente diferentes. Enquanto a linguagem comercial se estrutu-
ra para atrair, emocionar, surpreender, fazer rir, a linguagem didática se empenha em ensinar algo
importante, apelando para o raciocínio lógico, a memorização, a comparação. Embora o sintagma
e os recursos sejam os mesmos. A diferença está no conteúdo e na combinação dos elementos da
linguagem.

É com a televisão didática que esta pesquisa se preocupa. Entretanto, como se verá nas
páginas seguintes, eventos peculiares ao modelo brasileiro (hegemonia do modelo comercial, he-
ranças estéticas decorrentes da censura nos anos do regime militar, entre outros fatores) podem
estar comprometendo a concretização de um modelo genuinamente didático para a TV Escola.
Em outras palavras, a falta de análises empíricas e conceituação teórica podem estar permitindo
distorções no arranjo dos vídeos didáticos: apesar de serem produzidos para ensinar, eles usam a
estética da TV, atraem, divertem, mas não cumprem metas pedagógicas.

Aqui, o objetivo geral é avaliar em que medida os vídeos da área de língua portuguesa da
TV Escola são realmente didáticos, ou se apenas oferecem informações superficiais e fragmenta-
das, servindo mais ao entretenimento. A meta geral se desdobra em três objetivos específicos: 1.
caracterizar a linguagem televisual empregada; 2. identificar a idéia de educação que sustenta os
programas; 3. propor critérios para a produção de vídeos didáticos, considerando perspectivas
críticas para a educação escolar.

8
PARTE I

Capítulo 1

Opção teórica e
método da pesquisa

A relevância da investigação científica no campo interdisciplinar educação e


comunicação tem sido explicitada no número de trabalhos e eventos acadêmicos
que se dedicam ao assunto. Entretanto, a obtenção de respostas concretas e signifi-
cativas para os problemas levantados, não raro, é barrada pela fragilidade das análises, que, diante
de tantas teorias e perspectivas de estudo da mídia, “circulam” ao redor do problema, sem alcan-
çar o núcleo das questões.

Quando uma pesquisa une as duas áreas, o mosaico de referências se amplia. E a constitu-
ição de um objeto preciso e com intenções claras parece ser o passo primordial para que o estudo
não se perca no emaranhado de problemas resultantes da prática “educomunicativa”2. Assim, ao
tratar de um objeto que reúna as práticas comunicativas e educativas, o pesquisador passa a lidar
com um processo que extrapola as características do objeto. É que educação se faz no dia-a-dia da
sala de aula, e, como considera Azanha (1991), o acesso cognitivo à vida cotidiana pressupõe ser
possível partir o percurso em partes, de tal modo que um ou mais pedaços sejam reveladores do
processo, visto como problema.

O autor também atenta para a dificuldade no estabelecimento de critérios que assegurem a


possibilidade de isolamento de partes da realidade que sejam potencialmente reveladoras dela
como um todo não-aditivo. De fato, a vida cotidiana é formada por elementos puramente casuais,

2 “Educomunicação” é o termo que vem sendo empregado ao campo do saber que surge da inter-relação entre as tradicionais áreas da
Comunicação Social e da Educação. Esse novo campo ganha densidade através de práticas diversas como as atividades pedagógicas
desenvolvidas com o uso dos meios de comunicação em salas de aula, produção de programas de rádio e TV com finalidades educati-
vas, criação de jornais e revistas com propostas pedagógicas para o público infanto-juvenil, produção de jornais e programas de rádio
comunitários com fins educativos etc.

9
inesperados e imprevisíveis, mas também por outros elementos frutos de um desenvolvimento
histórico individual ou social, e de múltiplas determinações. É, portanto, legítimo separar esse
segundo grupo de elementos para estudo, o chamado “núcleo potencialmente revelador”.

Ocorre que descrever e investigar processos cotidianos não é tarefa simples, se o objetivo
é partir da escola concreta para compreender a prática educativa de um lugar e uma época de mo-
do abrangente, como convém à ciência. Na reflexão epistemológica repousa, portanto, o caminho
seguro para a definição do método de abordagem que alcance mais do que uma coleção de frag-
mentos, que não geram a compreensão da realidade.

É claro que o método seguro está intimamente vinculado a opções teóricas “(...) que indi-
quem seletivamente o que e como descrever e analisar aquilo que, sem elas, seria um caos factu-
al.” (1991, p.66). Aqui, fecha-se o ciclo, já que a escolha de um ponto de vista remete diretamente
para a caracterização de um método.

Assim, uma primeira opção epistemológica já pode ser evidenciada: a educação, em suas
mais diversas modalidades é prática humana e, de fato, o conhecimento do homem é diferente do
conhecimento da natureza. As ciências naturais procuram estabelecer leis gerais para explicar
fenômenos que se repetem. Na esfera humana, o que importa é a compreensão, em unicidade, dos
fenômenos culturais. “A explicação seria a forma predominante do conhecimento do mundo natu-
ral e a compreensão a do conhecimento das coisas humanas.” (Azanha, 1991, p. 85). O educador
completa:

“Nesse sentido, não bastaria para compreender uma ação descrevê-la


de um ponto de vista exterior ao ator dessa ação, seria necessário também es-
tabelecer o significado que ela tem em termos de uma intencionalidade.” (p.87)

E falar em intencionalidade implica em criar demarcações conceituais para situar proble-


mas legítimos de serem considerados, e selecionar procedimentos descritivos e explicativos ade-
quados. É o que se pretende nesta investigação, que vai se debruçar sobre os vídeos educativos
produzidos pelo TV Escola, preparados para serem usados em sala de aula.

Esta pesquisa considera que o objeto selecionado para o estudo constitui um dos núcleos
potencialmente reveladores do atual panorama educacional brasileiro, por, pelo menos, dois moti-
vos. Em primeiro lugar, porque o projeto TV Escola integra o conjunto de reformas oficiais reali-
zadas na educação nos anos 90. Tais reformas são fruto da política educacional que promoveu
mudanças na organização do sistema escolar, no currículo e, conseqüentemente, no cotidiano das
escolas. Em segundo lugar, porque a produção de materiais didáticos específicos para a escola

10
básica,deve ser vista como fator dos mais influentes na definição do currículo. Conforme Eisner
(1998, p.9):

“Quando alguém está engajado em planejamento de longo prazo e


formulou uma gama de alvos ou objetivos, planejou materiais de diversos tipos,
criou atividades de aprendizagem para serem empregadas na sala de aula, e
preparou recursos visuais e auditivos é possível inspecionar o currículo para
verificar quais são seus conteúdos e como foram relacionados”.

Portanto, um estudo sistemático da produção do TV Escola pode contribuir para revelar


resultados das ações do governo na prática cotidiana escolar. Assim, se os objetivos do projeto são
“o aperfeiçoamento e valorização dos professores da rede pública, o enriquecimento do processo
de ensino-aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino”, como atesta a página oficial do
canal na internet, o exame das qualidades estéticas e semânticas dos vídeos pode comprovar a
efetivação (ou não) das metas.

Em outras palavras, se o estudo mostrar que a seleção dos conteúdos que compõem os ví-
deos estão sintonizadas com tendências inovadoras na área de educação e que o tratamento formal
dos conteúdos utiliza recursos da linguagem que resultem em programas pedagógicos3, então é
provável que a TV Escola esteja mesmo contribuindo para aprimorar aspectos do trabalho educa-
tivo. Por outro lado, se o estudo mostrar que os audiovisuais abordam conteúdos superficiais e
fragmentados, e os tratam segundo a mesma lógica estética praticada pelas TVs comerciais (que
usam o exibicionismo estético para compensar a falta de conteúdos e lançam mão de clichês nar-
rativos para facilitar a compreensão da mensagem pelo maior número de pessoas), então é menos
provável que o cotidiano escolar esteja melhorando com a implantação do projeto.

É claro que essas hipóteses só se sustentam em uma perspectiva de análise definida por in-
tenções específicas. É hora, portanto, de explicitar as opções teóricas.

1.1 Comunicação mediada e indústria cultural

Os audiovisuais, como fontes de conhecimento, há mais de 50 anos vêm constituindo ob-


jetos de estudos na área de comunicação. São marcos significativos tanto as pesquisas de opinião
dos sociólogos funcionalistas da escola de Columbia, nos Estados Unidos, nas décadas de 50 e 60,

3
No contexto desta pesquisa, o vídeo pedagógico é aquele que tem informações pertinentes ao desenvolvimento
do repertório do estudante, estimula a recepção inteligente do sintagma televisual e sobrepõe o aprendizado ao
entretenimento, embora utilize recursos para tornar o programa atraente, interessante e divertido.

11
como as primeiras investigações de Adorno (1947) sobre o surgimento de uma indústria cultural
levada a cabo especialmente pelo rádio e pelo cinema.

Cada corrente se embasava em uma concepção particular de ciência. Breton (2000) relata
que os antagonismos entre os dois grupos ficaram bem caracterizados com as definições dadas por
Robert K. Merton, sociólogo da corrente empirista. Para Merton, os sociólogos críticos tinham
como referência a frase: “Não afirmamos que aquilo que propomos seja verdade, mas, pelo me-
nos, é significativo”. Já os sociólogos empiristas diziam “Não sabemos se o que propomos é signi-
ficativo mas, pelo menos, é verdade”. Os antagonismos entre as duas correntes ficaram célebres
nos estudos sobre a comunicação midiática: a sociologia americana valorizava a sistematização de
dados empíricos para estudar os fenômenos da comunicação de massa, obtidos principalmente
através de pesquisas de opinião. Já a corrente européia se empenhava em especular sobre o futuro
do Ocidente cada vez mais influenciado pelas mensagens oriundas dos meios de comunicação
inseridos na lógica capitalista.

Não é importante traçar aqui um panorama histórico das pesquisas em comunicação. Po-
rém, mais alguns aspectos devem ser destacados, a fim de explicitar os propósitos da presente
pesquisa.

Assim, os dois paradigmas correntes até a década de 60 acabaram por “pavimentar” o ca-
minho para um grupo de pesquisadores atentos a outro fato: no entender de correntes que se fir-
maram após 1970, a análise da influência social da mídia deveria levar em conta o que não é co-
municado, intencionalmente. Estavam falando do papel ideológico dos meios, que podia ser veri-
ficado além da especulação. Ao envolver elementos “extra-comunicação”, esses pesquisadores
ampliaram ainda mais o universo de questões relevantes para a pesquisa na área, e contribuíram
para a criação de um novo paradigma de pesquisa. Breton (2000) refere-se a três dimensões que
foram privilegiadas: a das tecnologias de mídia, a simbólica e a sociopolítica. São alternativas
importantes para compreender o papel social da mídia, inclusive na prática escolar.

A complexidade da abordagem das tecnologias da comunicação de massa fica caracteri-


zada com as idéias de dois autores que caminham para lados opostos: o do otimismo em Marshall
McLuhan e o da crítica radical, em Jean Baudrillard. Convém relatar brevemente alguns conceitos
dos dois autores.

Uma das frases de efeito mais famosas de McLuhan é “o meio é a mensagem”, que, de
certo modo, caracteriza toda a postura do autor. Para ele, o erro dos estudiosos estava em confun-
dir os canais de comunicação com os conteúdos por eles veiculados. Agindo desta forma, os cien-
tistas não compreendiam a especificidade de cada suporte tecnológico como “catalisador” cultu-
12
ral. É que a ação de cada nova mídia que surgia numa determinada cultura modificava as condi-
ções da percepção sensorial até então praticada. Os meios de comunicação agiriam como exten-
sões do corpo humano, e retraduziriam as experiências cotidianas, afetando a consciência de tais
experiências.

Para ilustrar tal idéia, McLuhan comparava a escrita com a TV: a civilização da imprensa
acabou supervalorizando o sentido da visão e atrofiando a audição e o tato. A era eletrônica iria
reverter esse quadro, reelegendo a audição como sentido importante, devolvendo à humanidade a
consciência da tribo, mas agora uma tribo planetária. O argumento de McLuhan é que, antes da
imprensa, os seres humanos vivam na tribo caracterizada pela tradição oral e pela “globalidade
sensorial”. Com a escrita, analítica e individualista (o autor de um texto escreve sozinho e o leitor
lê sozinho), houve uma espécie de “explosão” cultural, que fragmentou o saber, dando origem às
especialidades no conhecimento e à rotina da linha de montagem, por exemplo. Mas o advento do
rádio e, principalmente, da TV (ainda não se falava no computador pessoal e na internet), iriam
“retribalizar” as diversas culturas, unificando o “sistema nervoso de toda a humanidade” num
todo simultâneo.

O resultado seria uma modificação profunda na consciência ocidental: passaria de analíti-


ca e individual, para intuitiva e holista. Atualmente, diversos autores estão retomando a obra de
McLuhan para avaliar o papel do computador e das redes informatizadas na comunicação de mas-
sa.4

Mas uma leitura oposta da TV foi feita pelo sociólogo francês Jean Baudrillard. Este autor
ficou conhecido também pela idéia de que a televisão não remete a nada a não ser a ela mesma.
Não pode, portanto, servir à comunicação autêntica. Baudrillard considerava que, pela própria
estrutura tecnológica da mídia, as mensagens emitidas não podiam ser respondidas. Era como se
partissem de um emissor falante e atingissem um receptor amordaçado. Para o autor, tornava-se
imprescindível, portanto, restituir a possibilidade de resposta. Mas, como a tecnologia não permi-
tia repostas, a alternativa seria destituir as formas dominantes de comunicação, substituindo-as por
meios marginais.

Outra abordagem ampla e inovadora foi a que se deteve na dimensão simbólica da cultura
de massa e o semiólogo francês Roland Barthes é referência importante deste paradigma. Em
1957, ele publicou um livro chamado “Mitologias”, onde mostrava como o discurso midiático era

4 Sobre este aspecto ver JOHNSON, Steve. Cultura da interface — como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar.
Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.

13
produto de uma ordem simbólica inconsciente que o estruturava. A mídia era o local privilegiado
da mitologia contemporânea, e este era um fato significativo de ser estudado.

Portanto, apesar da ocorrência de eventos importantes como a revolução tecnológica, a


firmação do pensamento científico, a alfabetização em massa, a universalização da escola, nos
meios de comunicação de massa, o que se vê é a reprodução de velhos estereótipos cognitivos,
muitos deles infantis e irracionais, porém com aparência de discursos adultos e coesos, por causa
da roupagem tecnológica produzida pelas linguagens da cultura de massa, principalmente na pu-
blicidade.

É importante lembrar que os pesquisadores estavam preocupados em entender a lógica do


fenômeno da mídia, levando em conta o que não é comunicado intencionalmente, a fim de captar
o papel ideológico dos meios. Barthes soube abordar esta questão sem recorrer à pura especula-
ção, tão criticada anteriormente. Estava fundada a sua “semiologia”, que pretendia ser um trabalho
de desmistificação das relações de dominação social valorizadas, ainda que de forma implícita,
nos discursos da mídia. Estudando as relações estruturais entre os símbolos da cultura de massa,
Barthes contemplou, no mesmo corpus teórico, a análise do discurso, da imagem, do mito e do
funcionamento da ideologia.

O semiólogo também deu importante contribuição teórica para que a leitura crítica da co-
municação de massa alcançasse a influência das relações sociais na formatação de mensagens.
Sua preocupação com o papel ideológico dos meios ajudou a criar o caldo cultural necessário para
a sistematização da abordagem sociopolítica da mídia. Nesta tarefa, ele foi seguido por diversos
pensadores, entre os quais se destacam Armand e Michèle Mattelard.

Os Mattelart (1994) são conhecidos, entre outros aspectos, pelos estudos acerca do fluxo
de informações no contexto mundial. Eles insistiram na problemática da internacionalização dos
sistemas de comunicação (facilitada com o desenvolvimento de novas tecnologias como cabos e
satélites, por exemplo) e nos efeitos de condicionamento cultural, principalmente nos países peri-
féricos. Vários trabalhos acentuaram o fluxo unidirecional da comunicação que, em linhas gerais,
partem das organizações americanas, principalmente, britânicas e japonesas, em menor escala,
para atingirem olhos e ouvidos espalhados pela América Latina, Europa, África e países da Ásia.

A dimensão sociopolítica também contemplou os estudos de McCombs e Shaw, autores


da hipótese fundamental da teoria da agenda setting. Comparando a seleção de assuntos privilegi-
ados em campanhas eleitorais nos Estados Unidos com a opinião do público sobre problemas
relevantes a serem discutidos no período das eleições, os pesquisadores mostraram que a mídia
não tem (ou tem pouca) capacidade de convencer as pessoas do quê pensar, mas é bem sucedida
14
quando diz em quê as pessoas devem pensar. A agenda da mídia é a agenda do público, e este fato
é central na compreensão dos efeitos da comunicação de massa sobre a formação da mentalidade
contemporânea.

Pode-se considerar, portanto, que os problemas suscitados pelos paradigmas recentes da


pesquisa em comunicação renovam denúncias feitas pelos autores da chamada Escola de Frank-
furt, embora o embate entre correntes diversas ainda continue.

1.2 Disputas entre apocalípticos e integrados

Com o advento da televisão, principalmente, e o modelo cultural propagado por este meio,
as disputas de pontos de vista se multiplicaram. Mas foram sabiamente divididas em duas grandes
tendências por Eco (1990): ou são “apocalípticas” — quando atestam as mazelas culturais geradas
pela ação equivocada dos meios de comunicação; ou são “integradas” — quando tecem elogios à
nova ordem cultural implementada pela mídia. Este aspecto merece ser detalhado.

São célebres na obra de Eco as “peças de acusação” e as “peças de defesa” da cultura de


massa, que reúnem os argumentos das duas posições majoritárias. Assim, para os apocalípticos,
em linhas gerais, a cultura de massa merece ser combatida porque:

1. ao se dirigir ao um público vasto e heterogêneo, as mensagens devem ser produzidas


segundo uma média estética e cognitiva, para serem compreendidas pela maioria. Ao longo do
tempo, a supremacia das mensagens mediadas homogêneas deverão destruir particularidades e
sutilezas das manifestações culturais de grupos como etnias, classes sociais, “tribos” etc;

2. a crescente massificação das expressões culturais pode acabar anulando a consciência


do público, que perde a capacidade de se manifestar como grupo social característico e passa ape-
nas a “sofrer” as propostas da cultura de massa, sem perceber que as sofre. Um aspecto nocivo da
situação é que, para atingir a massa, as mensagens, ao invés de sugerirem estados de espírito, fa-
bricam emoções fundamentadas em clichês. A freqüência dessa situação pode limitar a capacida-
de de simbolização, traço fundamental da psique humana;

3. até mesmo quando os meios de comunicação se empenham em produzir mensagens


com qualidade estética e de conteúdo relevante, o resultado é irrelevante porque esses produtos
acabam sendo postos em situação de nivelamento com outros produtos inferiores. E o público se
torna incapaz de discernir entre o que é relevante e que não é;

15
4. por buscarem sempre o lucro (garantido com a manutenção da audiência), os produtores
da cultura de massa devem recorrer constantemente à referência do novo. O problema é que quase
sempre se trata de um “falso novo”, que acaba por valorizar sempre o presente, entorpecendo a
consciência histórica. Além disso, no contexto da prática cultural massificada, é preciso, a todo
momento, despertar a curiosidade efêmera do público — resultado que só é obtido com mensa-
gens planejadas para empenharem apenas o nível superficial da atenção, viciando a atitude das
pessoas. Também as práticas com as linguagens acabam sendo afetadas, e acabam abrindo mão da
experimentação em nome do exibicionismo estético. Com o passar do tempo, a ação da mídia
anula o esforço pessoal pela posse de uma nova experiência simbólica.

Eco salienta que, embora cáusticas, as afirmações dos apocalípticos são “subscritáveis e
documentáveis”, mas é legítimo perguntar se tais proposições exaurem a problemática da cultura
de massa. Para verificação, é conveniente recapitular os argumentos dos integrados. Segundo essa
corrente, o modelo cultural engendrado pelos meios de comunicação é genuíno porque:

1. Não se trata de um modelo simplesmente capitalista que busca o lucro, e, por isso, re-
corre ao repertório médio. Ocorre que em todas as sociedades em que a massa de pessoas passa a
integrar a vida em sociedade, com direitos iguais na vida pública, é necessário estabelecer um
sistema de comunicação que alcance a multidão. Ainda que, para isso, seja necessário prescindir
de certos níveis intelectuais;

2. o modelo cultural de massa, apesar das críticas, foi o único capaz de difundir bens cul-
turais ao povo que, tempos atrás, só estavam disponíveis à elite. Também não é razoável criticar a
estratégia comercial da ênfase no presente, que entorpece a consciência histórica. Bem ou mal, as
informações sobre o presente chegam a quem nunca as recebeu antes e que também não era dota-
do do conhecimento histórico a não ser sob a forma de “esclerosadas noções acerca de mitologias
tradicionais” (p. 44);

3. embora misturem dados relevantes e frivolidades num mesmo corpus informativo, tam-
bém não é razoável ignorar a possibilidade de que o acúmulo de informação possa ser revertido
em formação, ao longo do tempo. Ademais, a homogeneização do gosto também tem seu lado
positivo. Se, por um lado diminui as chances de conhecimento de quem poderia ter mais, por ou-
tro aumenta as chances de quem teria acesso muito remoto ao bens culturais “sérios”. E também
não é verdade que a mídia seja estilisticamente conservadora. As práticas no âmbito da cultura de
massa têm criado novos esquemas perceptivos incorporados, inclusive, por manifestações da
chamada cultura erudita;

16
4. finalmente, apesar das médias de gosto e das “loucuras totalitárias” que a mídia foi ca-
paz de produzir (como o uso do rádio e do cinema pelo nazismo), não é possível ignorar os avan-
ços que surgiram no seio do sistema. A mídia teve parcela significativa de responsabilidade em
mutações sociais importantes no século XX, como o movimento americano contra a guerra do
Vietnã, por exemplo.

Embora a postura dos integrados não seja desprezível, Eco atenta para uma certa ingenui-
dade dos argumentos já que eles raramente levam em conta (1990, p. 49)

“(...) o fato de que, sendo produzida por grupos de poder econômico


com fins lucrativos, [a cultura de massa] fica submetida a todas as leis
econômicas que regulam a fabricação, a saída e o consumo dos outros pro-
dutos culturais: ‘o produto deve agradar o freguês’, não levantar-lhe proble-
mas”.

A crítica à postura integrada, entretanto, não justifica a adesão irrestrita à postura apocalíp-
tica. Para o autor, o embate revela, na verdade, uma problemática mal formulada. Assim, ao invés
de responder a questão já paradigmática nas pesquisas em comunicação: “é bom ou ruim que e-
xista cultura de massa?”, os pesquisadores deveriam se preocupar em responder a seguinte ques-
tão:

“Do momento em que a presente situação de uma sociedade industrial


torna ineliminável aquele tipo de relação comunicativa conhecido como con-
junto dos meios de massa, qual a ação cultural possível a fim de permitir que
esses meios de massa possam veicular valores culturais?” (1991, p. 50)

Para responder esta questão é preciso, antes de mais nada, examinar a conjuntura mais
ampla em que a cultura de massa opera. No Brasil, especificamente, eventos políticos, econômi-
cos e culturais ocorridos principalmente após 1994 provocaram mudanças importantes no plano
da produção audiovisual.

Em reportagem publicada no suplemento Mais! em 12 de outubro de 1998, o jornal Folha


de S. Paulo traz um panorama da “cultura de massas emergente” com o Plano Real. Entre os da-
dos significativos apresentados, um em especial interessa aqui. Como já foi amplamente divulga-
do, a estabilidade da moeda permitiu que parcela significativa da classe trabalhadora passasse a
consumir bens culturais e adquirir aparatos tecnológicos para o uso desses bens, especialmente
televisão e música.

17
Assim, desde o início do Real, até 1998, foram comprados cerca de 28 milhões de novos
televisores no país. Cerca de 6,3 milhões de lares adquiriram sua primeira TV nesse período (em
1993, 75% dos lares com energia elétrica tinham aparelho de TV, sendo 50% deles em cores e
25% em preto-e-branco; no final de 97, 92,6% das moradias com energia tinham TV, sendo
82,4% delas em cores e 10,2% em PB e cerca de 88% das TVs já tinham controle remoto).

Na indústria fonográfica, a situação foi semelhante. No mesmo período (1994 – 1997),


cerca de 20 milhões de aparelhos de som novos foram vendidos, entre CD players e rádio-
gravadores. Estimativas apresentadas pelo jornal apontavam que pelo menos 5 milhões de pessoas
que nunca tinham comprado aparelho de som conseguiram fazê-lo. A venda de CDs e fitas casse-
tes dobrou entre 94 e 97, quando então se superou a casa dos 100 milhões de unidades. Apenas o
grupo “É o Tchan” vendeu 7 milhões de cópias de seus três primeiros discos.

É claro que esse quadro econômico influenciou a produção cultural. Uma síntese da influ-
ência econômica sobre a cultura de massa foi apresentada pelo jornalista e crítico cultural Inácio
Araújo no caderno especial “Tempos tucanos”, publicado pelo mesmo jornal em 9 de outubro de
1998:

“O caso da música é curioso porque sua incorporação pela indústria do


entretenimento em escala inédita se deu por meio de um tipo de reapropriação
mercantil de ritmos ou expressões da cultura popular, expressões estas des-
figuradas pela lógica homogeneizadora da própria indústria. Não parece
equivocado pensar que o pagode, por exemplo, é a versão estandardizada do
samba do morro; a axé music e variantes, um sucedâneo dos ritmos afro da
Bahia; e o neo-sertanejo, uma versão massificada da cultura caipira.”

É importante ressaltar que os dados apresentados acima fundamentam perfeitamente uma


das críticas feitas pelos apocalípticos: a de que a cultura de massa, ao se dirigir a um público vas-
to, homogeneíza as mensagens, destruindo particularidades e sutilezas das manifestações culturais
diversas necessárias à vida em sociedade.

A problemática segue adiante. Araújo também comenta a nova configuração da TV. As-
sim, por um tempo foi consenso entre os estudiosos da cultura de massa que a implantação da TV
a cabo no Brasil criou uma espécie de apartheid cultural: a elite migrou para os canais pagos, com
programação refinada, e a população pôde se deliciar com a programação grosseira da TV aberta.
Mas o jornalista alerta:

“Ratinho e cia. não cativam apenas o povão, mas são consumidos


como diversão por grande parcela da elite, sobretudo os mais jovens, que de-

18
vem ver naquilo um cinema trash, mas se esquecem ou não dão importância
ao fato de que a matéria-prima, o enredo e os personagens são reais e bra-
sileiros.”

Dados do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), inclusive, endossam


a crítica de Araújo. Em artigo publicado na edição do dia 29 de abril de 2001 do jornal O Estado
de S. Paulo, o jornalista Gabriel Priolli comenta os resultados da primeira medição do Ibope entre
os assinantes da TV a cabo: nada menos que 74% dos assinantes continuam assistindo a TV aber-
ta. Este fato endossa mais uma crítica à cultura de massa: a massificação das expressões acaba
anulando a consciência do público, que passa apenas a “sofrer” as propostas da cultura de massa,
sem perceber que as sofre. Em outras palavras, ricos e pobres, pessoas mais e menos escolarizadas
compartilham de um repertório cultural semelhantemente pobre, forjado pela indústria cultural.
Inácio Araújo pode complementar5:

Leandro e Leonardo, pagodeiros etc não são populares apenas no sen-


tido de que atraem a massa pobre integrada à indústria cultural, mas também
porque essa canção subpopular se generalizou pela sociedade e hoje é con-
sumida avidamente nos Jardins, em festinhas de gente fina (...).”

Os três casos relatados são suficientes para endossar a denúncia feita por Adorno, no final
dos anos 40. É hora de recuperar as linhas mestras da teoria da indústria cultural.

1.3 Cultura e televisão nas sociedades administradas

O termo “indústria cultural” foi proposto por Adorno e Horkheimer em 1947, como subs-
tituição mais precisa ao termo “cultura de massa”. O objetivo dos autores era suprimir a falsa in-
terpretação de que se tratava de um novo modelo cultural, mediado por tecnologias, “brotando”
espontaneamente das massas. A realidade, argumentaram os sociólogos, é bem diferente, já que se
trata de um sistema de produção de mensagens engendrado nos mesmos moldes de toda a produ-
ção industrial capitalista, inclusive com as mesmas intenções: administrar a vida social em função
do lucro financeiro. No âmbito da indústria cultural, os bens simbólicos (Adorno e Horkheimer,
1985, p. 117)

“(...) são em princípio produzidos pelo mesmo processo técnico e ex-


primem sua unidade como seu verdadeiro conteúdo. Esse processo de elabo-

5 ARAÚJO, Inácio Araújo. “Bregas e Bárbaros são os novos ricos da cultura”. Artigo cit. p. 11.

19
ração integra todos os elementos da produção, desde a concepção do romance
(que já tinha um olho voltado para o cinema) até o último efeito sonoro.”

As conseqüências sociais de tal modelo cultural também foram previstas pelos autores:
surge um mercado de bens culturais para as massas que impõe a estandardização dos gostos e das
necessidades. Algumas características nocivas deste modelo de cultura devem ser realçadas. A-
dorno e Horkheimer falam em uma “customização” dos produtos que na verdade disfarça a pa-
dronização das mentes. Assim, filmes são divididos em categorias “A” e “B”, revistas têm dife-
rentes perfis editoriais e preços, mas essas categorizações “têm menos a ver com seu conteúdo do
que com sua utilidade para a classificação, organização e computação estatística dos seus consu-
midores” (1985, p. 116). O que resta a cada cidadão, portanto, é “se comportar, como que espon-
taneamente, em conformidade com seu level, previamente caracterizado por certos sinais, e esco-
lher a categoria de produtos de massa fabricada para o seu tipo” (p. 116).

Os autores prosseguem prevendo que, em um estágio mais avançado, a produção cultural


em larga escala tende a uniformizar o uso dos meios técnicos para produtos aparentemente muito
diferentes, consolidando a estratégia de linha de montagem como é utilizada em outra indústria
qualquer. E a produção televisiva pode ser vista como um marco desta etapa estratégica da indús-
tria cultural (1985, p. 116):

“A televisão visa uma síntese do rádio e do cinema (...) cujas possibili-


dades ilimitadas prometem aumentar o empobrecimento dos materiais estéti-
cos a tal ponto que a identidade mal disfarçada dos produtos da indústria cul-
tural pode vir a triunfar abertamente já amanhã (...). A harmonização da pa-
lavra, da imagem e da música (...) — que registram sem protestos, todos eles,
a superfície da realidade social — são em princípio produzidos pelo mesmo
processo técnico e exprimem sua unidade como seu verdadeiro conteúdo”.

As previsões sobre a televisão merecem ser detalhadas, já que o meio de comunicação é o


centro desta pesquisa. Para endossar as suposições de Adorno e Horkheimer e, propositadamente,
mostrar a força das análises, basta recobrar um evento divulgado pela própria televisão, neste caso
específico, pelos canais de TV Globo e SBT, e que foi assunto de artigo do jornalista Gabriel Pri-
olli, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 1° de abril de 2001.

Naquela data, encerrava-se mais uma temporada do programa “No Limite”, que lançou a
moda dos reality shows no Brasil. Priolli aproveitou o gancho para comentar o fato de que um
típico programa de entretenimento era comandado pela Central Globo de Jornalismo (o braço da
empresa que se encarrega do noticiário), quando, tradicionalmente, deveria ser comandado pela

20
Central Globo de Produção (setor que sempre se encarregou de produzir o entretenimento da e-
missora). Priolli atenta para o desfile de funções como “editor-chefe” e “chefia de reportagem”,
apresentadas nos créditos de um programa que não tem nada de jornalístico. O autor vai além:

“(...) quando se observa No Limite converter-se de "reality show" em


show de auditório de formato clássico, tipo Esta é Sua Vida, como se viu no
último capítulo; quando esse epílogo é anunciado o domingo todo, com flashes
interrompendo a programação, como se fossem plantões para notícias extraor-
dinárias; e quando se anuncia que o Domingão do Faustão passa à orientação
editorial do jornalismo, ganhando até o diretor do Fantástico, então fica claro
que a Globo põe abaixo o pudor em separar informação de entretenimento, e
aposta no sucesso mercadológico de produtos híbridos”.

O episódio do programa “No Limite”, inclusive, não foi um caso isolado. À mesma época,
os suplementos de televisão dos jornais divulgaram mudanças ocorridas também no programa
“Domingo Legal”, do SBT: durante a programação, começaram a ser inseridos flashes com a co-
bertura de rebeliões em presídios, informações sobre o trânsito e outras pequenas reportagens, que
mesclavam conteúdo importante com frivolidades.

Quase dois anos depois de produzir entretenimento sob a aparente lógica do jornalismo, a
mesma TV Globo anunciou que iria produzir entretenimento gerando notícia real. Em matéria
publicada no caderno “Ilustrada”, o jornal Folha de S. Paulo, na edição de 27 de fevereiro de
2003, informou que a mais recente novela das oito, “Mulheres apaixonadas”, iria inovar a fórmu-
la, gravando, no dia da exibição do capítulo, cenas em que personagens comentam fatos reais o-
corridos horas antes. A primeira experiência efetivada pela produção no dia 26 de fevereiro de
2003 colocou os personagens das atrizes Suzana Vieira e Julia Almeida comentando que quatro
ônibus haviam sido incendiados naquele dia. Elas também deram a notícia do dia seguinte em
primeira mão: o secretário de Segurança Pública do Rio, Josias Quintal, afirmara que iria pedir
ajuda ao Exército para combater a violência. Ainda no corpo da matéria da Folha Manoel Carlos,
autor da novela, justificava a idéia:

"Esta novela, mais do que as outras, foi pensada com esse objetivo,
de reproduzir acontecimentos do dia, de repercussão nacional, em cima do
lance. Ela é mais realista do que as outras porque hoje existem mais recursos
técnicos, mais agilidade em produção e edição.”

Os exemplos acima evidenciam como a evolução da linguagem e dos meios técnicos de


produção permitem que ficção e realidade sejam tratados de modo semelhante. Vale dizer, dentro

21
da mesma estrutura produtiva, sem que cause estranheza no público. Já em 1947, os teóricos da
Escola de Frankfurt deram a pista: ao homogeneizar imagem, música e palavra, num ritmo acele-
rado, os produtores da indústria cultural homogeneízam também a capacidade perceptiva do pú-
blico. Sabe-se que a padronização maximiza os lucros. Ao que parece a situação se repete na pro-
dução simbólica. E com sucesso comercial.

E por que o público, simplesmente, não se dá conta do que está ocorrendo? O pró-
prio Adorno (1985, p. 118) explica:

“O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A


velha experiência do espectador de cinema que percebe a rua como prolonga-
mento do filme que acabou de ver, porque este pretende, ele próprio, repro-
duzir rigorosamente o mundo da percepção cotidiana, tornou-se a norma da
produção. Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os obje-
tos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é
o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme.”

A perfeição das técnicas de produção, portanto, permite que a linguagem audiovisual —


iniciada pelo cinema, mas expandida pela televisão — adestre a percepção do telespectador, que
se entrega à mensagem e a identifica imediatamente com o concreto. Ficção e realidade, geradas
dentro da mesma cadeia produtiva, fundem-se na mente do telespectador-consumidor.

À problemática da confusão entre ficção e realidade, deve-se acrescentar outra: a expansão


dos estereótipos que, no plano do comportamento do público, foram apontados pelos sociólogos
como fatores de “paralisação mental” (1985, p.128):

O espectador não deve agir pela sua própria cabeça: o produto pre-
screve todas as reações: não pelo seu contexto objetivo — que desaparece
mal se volta para a faculdade de pensar — mas através de sinais. Qualquer
concessão lógica que exija perspicácia intelectual é escrupulosamente evi-
tada.”

Para compreender melhor a afirmação do autor, é preciso voltar ao conceito de “sociedade


administrada”. Segundo esse conceito, a industrialização forçou o adestramento do ritmo humano
ao ritmo da máquina, determinando, inclusive, formas subjetivas de percepção da realidade. O
poder da indústria cultural, como prolongamento da teia capitalista industrial, provém de sua iden-
tificação com as necessidades simbólicas produzidas pelo ritmo industrial. “A diversão é o pro-
longamento do trabalho sob o capitalismo tardio”, explica Adorno. “Ela é procurada por quem

22
quer escapar do processo de trabalho mecanizado, para se por de novo em condições de enfrentá-
lo”.

Em outras palavras, integrada ao sistema, a indústria cultural se ocupa em gerar bens sim-
bólicos sob medida para o público que anima as máquinas na linha de montagem e a burocracia
nos escritórios. A conseqüência simbólica mais evidente do percurso cíclico trabalho – cansaço –
diversão – descanso – trabalho é que os produtos da indústria cultural não podem exigir do públi-
co o esforço mental necessário à fruição simbólica, já que as energias devem ser poupadas para o
trabalho.

Este quadro justifica a escolha irrestrita de clichês expressivos no cinema, na música, na


literatura. Toda ligação lógica de idéias que pressuponha um esforço intelectual para ser compre-
endida é meticulosamente evitada. Conforme Adorno (1985, p.128):

“Eis aí a doença incurável de toda diversão. O prazer acaba por se


congelar no aborrecimento, porquanto, para continuar a ser um prazer, não
deve mais exigir esforço e, por isso, tem de se mover rigorosamente nos trilhos
gastos das associações habituais.”

Se a aposta dos autores da teoria da indústria cultural estiverem certas, então a televisão
representa a hegemonia definitiva da cultura administrada nas sociedades capitalistas contempo-
râneas. Com efeito, já nem é preciso mais sair de casa para ter lazer e diversão. Findo mais um dia
de trabalho, lá está o aparelho de esvaziamento das tensões do dia-a-dia, no centro da sala, ope-
rando por quatro ou cinco horas diárias para devolver o trabalhador, recarregado, às tarefas profis-
sionais do dia seguinte. Ainda conforme a teoria, este aparelho só consegue cumprir sua missão
cultural integrada se emitir mensagens de modo infinito, mas sempre dentro da mesma lógica:
conteúdos parecendo diferentes, mas sendo intrinsecamente iguais.

1.4 Televisão e educação

Diante das considerações feitas até aqui, fica ainda mais aguda a pergunta: como a televi-
são, criada e desenvolvida nos moldes da indústria cultural, pode servir à educação escolar? Esta é
uma pergunta com diversas respostas, às vezes díspares. Mas uma linha explicativa, coerente com
a opção teórica feita neste trabalho, pode começar a ser traçada com as considerações de Giroux.

23
Preocupado em sistematizar as bases de uma reflexão que compreenda a teoria crítica e a
escolarização, Giroux (1983, p. 11) reitera a pertinência do pensamento dos teóricos da Escola de
Frankfurt no campo da educação:

“A crítica da cultura, da racionalidade instrumental, do autoritarismo e


da ideologia, a que a Escola [de Frankfurt] se propôs, em um contexto interdis-
ciplinar, gerou categorias, relações e formas de investigação social que con-
stituem fonte vital de conhecimento para o desenvolvimento de uma teoria
crítica da escolarização.”

Giroux atenta para o empenho dos frankfurtianos em oferecer uma visão “da maneira pela
qual as ideologias dominantes são constituídas e mediadas por formações culturais específicas”
(1983, p.27). O autor detalha a questão, introduzindo a noção de conhecimento politizado, que
deve estar presente na proposta pedagógica que ele chamou de radical. Assim, o conhecimento
(inclusive aquele praticado pela escola) deve ser visto como objeto de análise de duplo sentido:
por um lado, o conjunto deve ser examinado de modo que se revele a função social do conheci-
mento e o modo como legitimou o modelo de sociedade vigente. Mas, por outro lado, pode ser
analisado de modo a revelar, em sua própria estrutura interna, “aquelas verdades não intencionais
que contivessem ‘imagens efêmeras’ de uma sociedade diferente, de práticas mais radicais e de
novas formas de compreensão” (p. 26). O autor prossegue:

“Esta não é uma matéria de pequena importância, pois, uma vez esta-
belecida a natureza afirmativa de tal pedagogia, torna-se possível que estu-
dantes, tradicionalmente silenciados nas escolas, aprendam as habilidades, o
conhecimento e os modos de questionamento que lhes permitirão examinar
criticamente o papel que a sociedade existente tem desempenhado na sua for-
mação pessoal.” (p.28)

Alinhando a problemática da indústria cultural, as características da linguagem televisiva


hegemônica, praticada atualmente, e o papel crítico da escola no contexto, é possível estabelecer
diretrizes elementares para responder a questão lançada anteriormente: como a televisão, criada e
desenvolvida nos moldes da indústria cultural, pode servir à educação escolar?

A primeira diretriz aponta para a necessidade da criação de instrumentos pedagógicos que


favoreçam a leitura crítica da cultura de massa, especialmente da televisão que o estudante recebe
em casa. Tal iniciativa se encaixa naquela segunda ordem do conhecimento, descrita por Giroux:
revelar na própria estrutura interna da cultura de massa as imagens de uma sociedade diferente e
de novas formas de compreensão do real. Este aspecto pode ser desenvolvido, por exemplo, em

24
projetos de leitura crítica das mensagens publicitárias, freqüentemente ideológicas, nas aulas de
Português. Ou na leitura comparativa de jornais, evidenciando a manipulação da informação.

A segunda diretriz fundamenta a necessidade da escola criar seus próprios mecanismos de


expressão, usando as diversas linguagens da mídia, mas numa posição alternativa à da cultura
administrada, veiculada pelos meios de comunicação puramente comerciais. Como alternativa,
pode-se falar na produção de uma televisão pública, mantida por organizações não-
governamentais, e que não se encaixa no modelo privado, mantido com a publicidade. E também
em uma televisão estatal, mantida pelos governos, principalmente em âmbito federal e estadual.

De acordo com a nomenclatura praticada na área, o conteúdo da TV pública, como alter-


nativa ao modelo comercial, pode ser definido como educativo. E o conteúdo da TV estatal, na
mesma lógica de comparação, pode ser didático. Esta é uma sistematização pouco conhecida tan-
to entre os profissionais de comunicação quanto entre os educadores, mas que foi estabelecida
ainda na década de 50, no relatório elaborado pela Comissão Carnegie (1967, p. 15 – 16).

Conforme o documento, “a televisão pública abrange tudo que é de interesse e de impor-


tância humana, que não seja no momento próprio ou em condições para ser financiado pela publi-
cidade, e que não seja preparado para o ensino formal”. A televisão didática, por outro lado, “(...)
visa aos estudantes na sala de aula ou fora dela, dentro do quadro geral do ensino formal.” Ainda
de acordo com o documento, a tevê didática “apela para o instinto de trabalhar, construir, apren-
der, aperfeiçoar-se, pedindo ao espectador que assuma responsabilidades em troca de uma com-
pensação posterior.”

No Brasil, os três modelos estão presentes, mas não na proporção registrada em países
com melhor desenvolvimento educacional. Aqui, o modelo majoritário é o comercial, com a lide-
rança da TV Globo, seguida pelas redes SBT, Bandeirantes e Rede TV!. A referência de modelo
público é aquele praticado pela TV Cultura, controlada pela Fundação Padre Anchieta, que, por
sua vez, reúne representantes de instituições culturais, científicas e educacionais, além dos secre-
tários de Educação e de Cultura do Estado e do município de São Paulo. Embora receba recursos
do governo estadual, o canal se caracteriza como uma terceira via entre as TVs comercial e esta-
tal, porque pode obter apoios institucionais da iniciativa privada.

Um modelo estatal educativo brasileiro é praticado pelo canal TVE, diretamente ligado ao
governo federal. O canal também alimenta a programação de todas as tevês estatais e educativas
do país, tais como a TVE do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e a Rede Minas, de Minas Ge-
rais.

25
Mais recentemente, em 1995, o governo lançou um novo canal estatal, mas este caracteris-
ticamente didático. Trata-se do TV Escola, objeto de estudos da presente pesquisa. É hora, portan-
to, de caracterizar este objeto.

Considerando o conjunto de referências apresentado até aqui, fica mais evidente a perti-
nência da pergunta fundamental desta pesquisa: estará o canal didático utilizando adequadamente
a linguagem televisiva em favor de uma educação não-alienante? Ou estará reproduzindo a lógica
estética da TV comercial em programas falsamente educativos, contribuindo assim para a repro-
dução de clichês que não modificam o repertório dos estudantes? E mais: se é educativa, e se exis-
tem muitos modelos de educação, a qual postura pedagógica os programas da TV Escola aten-
dem? E ainda: que características fundamentais deveriam ter os programas educativos sintoniza-
dos com a educação que amplia a capacidade de escolha e análise do estudante?

Para responder às questões de pesquisa, as próximas páginas deste trabalho estão divididas
em três etapas. A primeira reúne a fundamentação teórica, dividida em três capítulos. O capítulo 2
reflete sobre o atual panorama escolar brasileiro e contextualiza a função do TV Escola no quadro
criado pelas reformas educacionais realizadas nos anos 90, que incluem mais autonomia para o
projeto pedagógico da instituição escolar pública, e possibilidade de uso regulamentado da educa-
ção a distância. O item 2.5 caracteriza detalhadamente o papel pedagógico da TV Escola no atual
cenário político-educacional brasileiro e se fundamenta em relatórios e publicações produzidos
pelo próprio governo, disponíveis no site oficial na internet e distribuídos às escolas pela Secreta-
ria de Educação a Distância.

O capítulo 3 enfoca o cenário mais amplo das finalidades e objetivos da educação escolar
contemporânea, sistematizados na obra de autores que são referência teórica no campo das cha-
madas “ciências da educação”, e que envolvem a psicologia de Gerome Bruner, a sociologia de
Pierre Bourdeiu, Jürgen Habermas e a reflexão crítica de Franco Cambi, Neil Postman e Paulo
Freire, entre outros autores. O quadro constituído deve evidenciar a multiplicidade de pontos de
vista, as tendências de pensamento comuns e eventuais tensões que marcam as perspectivas edu-
cacionais atualmente discutidas para o Brasil.

O capítulo 4 sistematiza aspectos históricos da linguagem televisiva, apoiada na literatura


técnica da área e na análise semiológica da mensagem audiovisual, a fim de oferecer uma visão
sistematizada da televisão “por dentro”. Esta sistematização irá favorecer a análise estrutural dos
programas. Para tanto, parte-se das origens da tecnologia de radiodifusão, passando pelas mudan-
ças trazidas pela tecnologia do videoteipe, que substituíram as emissões ao vivo pelo conteúdo
gravado e editado. Neste momento, a linguagem televisiva foi buscar referências no cinema, sofis-

26
ticando os recursos expressivos. Atualmente, as tecnologias de edição digital agilizam a produção
e criam novas possibilidades estéticas para os roteiros educativos.

Na próxima etapa (Parte III), o capítulo 5 organiza a análise dos vídeos. O estudo se detém
na seleção de programas da TV Escola que tratem do assunto Língua Portuguesa. Este recorte se
justifica pelo fato de ser conteúdo previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, e por ser o
fundamento necessário a todo o trabalho educativo, nas diversas áreas do conhecimento. Os dados
coletados foram analisados do seguinte modo:

n Um estudo exploratório identificou três séries representativas: “Agora é com vo-


cês”, “Orto e Grafia” e “Na ponta da língua”. Tem-se aqui uma amostra que contempla crianças
de 5ª e 6ª série e adolescentes de 7ª e 8ª e que trata de questões da linguagem de modo mais gené-
rico e mais pontual. O conjunto de programas abordou assuntos diversos como regras de gramáti-
ca, técnicas de expressão oral e escrita e literatura.

n As impressões gerais produzidas, somadas à revisão da literatura sobre o contexto


educacional brasileiro, sobre as finalidades e objetivos para a educação escolar no Brasil e sobre
as questões relativas à linguagem televisiva (marcada pelo pela estética da indústria cultural) guia-
ram uma descrição sistemática dos programas. As fitas foram decupadas seqüência a seqüência,
com marcações da pista sonora e da pista visual. Trechos significativos foram decupados segundo
a segundo. O resultado são roteiros minuciosos, que explicitam o que foi comunicado, objetiva-
mente.

A metodologia da decupagem mostrou-se um instrumento preciso para verificar quando a


linguagem audiovisual da TV Escola “se contaminou” com o empobrecimento dos materiais esté-
ticos, harmonizando palavra, imagem e música para registrar apenas a superfície da realidade so-
cial, como apostava Adorno.

Ao final de cada programa, são feitos os comentários do sintagma televisivo diagnostica-


do. Cada série foi comentada no conjunto e, no final do capítulo 5, um comentário geral faz um
balanço do material encontrado.

Com o estágio na Open University, foi possível elaborar o capítulo 6, que reúne aspectos
históricos e critérios de qualidade para a TV educativa na Grã-Bretanha. A partir desse referenci-
al, somadas as contribuições da revisão bibliográfica e do estudo empírico, são sugeridos critérios
de qualidade para a produção de vídeos didáticos de língua portuguesa para as quatro séries finais
do Ensino Fundamental.

É hora de conhecer um pouco mais a TV Escola.

27
PARTE 2

CAPÍTULO 2

Função da TV Escola no atual


contexto educacional brasileiro

2.1 Um marco para o ideário educacional dos anos 90

N
a página do Ministério da Educação na internet6, o texto de apresentação da
TV Escola descreve o projeto como “uma das ações prioritárias da Secretaria
de Educação a Distância”. Embora a Seed (que coordena as ações do canal)
tenha sido criada após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº
9.394/96), a origem do projeto audiovisual remonta ao Planejamento Estratégico do Ministério da
Educação para o período 1995-98, conforme atesta o site do MEC.

O Planejamento estratégico foi criado para integrar um amplo conjunto de ações projeta-
das com a meta de democratizar o ensino básico e elevar a qualidade da educação escolar brasilei-
ra. O texto ressalta as prioridades do governo, que incluem o foco no ensino básico, a valorização
da escola e da sua autonomia de gestão, a importância do envolvimento com a comunidade e o
uso e a disseminação de “modernas tecnologias educacionais” (1995, p.3). A implantação de um
canal televisivo via satélite, voltado exclusivamente para o atendimento à escola foi definida co-
mo tarefa de longo prazo, porém aspecto fundamental para promover as mudanças estipuladas.

Um dos principais fundamentos do documento está na “Declaração Mundial sobre Educa-


ção para Todos”, elaborada pela Unesco, e aprovada durante a conferência mundial realizada em
Jomtien, na Tailândia, em março de 1990.

Alguns aspectos da declaração devem ser recobrados, para contextualizar as ações do go-
verno brasileiro. São 10 artigos e um plano de ação, com objetivos e metas mundiais e regionais
para a década de 1990.

6 www.mec.gov.br/seed/tvescola — acesso em 19 de abril de 2003.

28
Em linhas gerais, o texto elege, como prioridade para a educação básica no mundo, satis-
fazer as necessidades elementares de aprendizagem. Na prática, significa ensinar as habilidades de
leitura e escrita, de cálculo, capacidades de expressão oral e de resolução de problemas, além de
conteúdos específicos, que incluem “habilidades, valores e atitudes”, e que variam conforme a
época e as características da cultura local.

Apesar das diversidades regionais, o documento de Jomtien afirma que, em todas as situa-
ções, a educação deve assegurar a aquisição de saberes (1990, p. 4):

“necessários para que os seres humanos possam sobreviver, desen-


volver plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, par-
ticipar plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar
decisões fundamentadas e continuar aprendendo”.

O objetivo geral da declaração se desdobra em metas mais específicas, que incluem: 1.


ampliar o conceito de ação educativa para além das realizações da educação formal (e, conseqüen-
temente, ampliar os meios de educação, incluindo novos espaços e novas tecnologias); 2. usar a
escolarização como instrumento universal para promover a eqüidade cultural e cognitiva; 3. con-
centrar esforços na aprendizagem, superando a visão tradicional do foco no ensino; 4. criar ambi-
entes que favoreçam a aprendizagem, o que inclui pensar na saúde, na alimentação e no ambiente
familiar como fatores decisivos para o sucesso escolar; 5. estabelecer alianças entre a educação
oficial escolar e as diversas instâncias da sociedade como ONGs, associações comunitárias e a
família.

Aos governos de cada país cabem as responsabilidades de desenvolver e implementar po-


líticas de apoio à educação básica e de mobilizar recursos humanos e financeiros necessários para
alcançar as metas para a década. Conforme o documento (1990, p. 9):

A educação básica para todos depende de um compromisso político e


de uma vontade política, respaldados por medidas fiscais adequadas e ratifica-
dos por reformas na política educacional e pelo fortalecimento institucional.
Uma política adequada em matéria de economia, comércio, trabalho, emprego
e saúde incentiva o educando e contribui para o desenvolvimento da so-
ciedade.

Em diversos trechos do texto, fica evidente a preocupação com a igualdade de oportuni-


dades educacionais para as mulheres. O artigo 3, por exemplo, que trata da eqüidade educacional,
elege como uma das prioridades garantir o acesso à educação para meninas e mulheres, e superar

29
todos os obstáculos que impedem sua participação ativa no processo educativo. De fato, segundo
a Unesco, no início dos anos 90, mais de 100 milhões de crianças não tinham acesso ao ensino
elementar — e pelo menos 60 milhões eram meninas; mais de 960 milhões de adultos eram anal-
fabetos — pelo menos dois terços eram mulheres.

O documento inclui também a tradução do ideário educacional em metas para a década.


São 50 itens, com orientações de abrangência mundial, nacional e regional (que devem alcançar
os planos de educação para Estados e municípios). Alguns pontos do plano de metas merecem ser
destacados, a fim de contribuir para a compreensão do objeto de estudos desta pesquisa, já que a
criação do projeto TV Escola atende às recomendações da declaração.

Assim, cada país participante deve estabelecer suas próprias metas, sintonizadas com nove
preceitos. Estão previstas obrigações que incluem a expansão dos cuidados e das atividades edu-
cativas para o desenvolvimento infantil, considerando, inclusive, intervenções na família e na
comunidade, especialmente nas regiões pobres, e que possuam crianças portadoras de deficiên-
cias. Também é necessário garantir o acesso universal e a conclusão da educação fundamental
(com prazo então definido até o ano 2000), além de melhorar os resultados de aprendizagem, de
modo que os estudos por amostragem evidenciem o alcance do padrão desejável de aquisição de
conhecimentos previamente definido.

O analfabetismo adulto deveria ser reduzido à metade em dez anos, especialmente entre as
mulheres, “de modo a reduzir significativamente a desigualdade existente entre os índices de alfa-
betização dos homens e mulheres” (1990, p. 16).

A educação de jovens deve contemplar, além da formação básica, outros programas espe-
cíficos para aprimorar aspectos como saúde, produtividade e habilidades para conquistar empre-
go.

A família deve ser alvo de programas especiais, que ampliem e aprimorem “conhecimen-
tos, habilidades e valores necessários a uma vida melhor e um desenvolvimento racional e cons-
tante” (p. 16). Tais programas devem ser implementados principalmente através dos meios de
comunicação de massa, e em outras instâncias de comunicação tradicional, tais como em eventos
culturais. Em todo caso deve ser observada “a eficácia destas intervenções, avaliadas em função
das mudanças de comportamento observadas” (p.16).

Além desses objetivos genéricos, os planos nacionais e estaduais devem contemplar metas
intermediárias. A primeira incumbência dos governos nacionais, listada no documento, refere-se à

30
coordenação eficaz de recursos internos e externos ao país, a serem aplicados na educação. O tex-
to ressalta:

“Ainda que cooperação e ajuda financeira continentais e intercontinen-


tais possam apoiar e facilitar essas ações, as autoridades públicas, as comuni-
dades e as diversas contrapartes nacionais são os agentes-chave de todo pro-
gresso”.

Para alcançar o conjunto de suas metas, cada país deve elaborar um plano que envolva di-
versos setores ligados direta ou indiretamente à educação, tais como fontes de informação diver-
sas, meios de comunicação, setores empregadores, instituições culturais, setor agrário e sistemas
de saúde.

Cabe também ao plano nacional desenvolver um “contexto político favorável”, que com-
preenda aspectos como: 1. ajustes das políticas setoriais de forma a favorecer a interação entre os
diversos setores, em sintonia com os objetivos para o desenvolvimento do país; 2. medidas legis-
lativas para promover a cooperação entre os diversos parceiros envolvidos, o que inclui “informar
o público sobre o tema, (...) aos níveis nacional, regional e local”.

Os governos devem criar as pré-condições para alcançar qualidade, eqüidade e eficácia da


educação básica. Nesse sentido, as metas devem abranger “necessidades, interesses e problemas
reais dos participantes do processo de aprendizagem”. Para tanto, o plano deve pensar na relevân-
cia dos conteúdos curriculares, vinculando alfabetização, habilidades matemáticas e conceitos
científicos a interesses imediatos do educando, como, por exemplo, nutrição, saúde e trabalho.
Deve-se incluir ainda questões de interesse universal, tais como proteção do meio ambiente, de-
senvolvimento sustentável, prevenção da AIDS e do consumo de drogas.

Para que o currículo relevante se materialize na escola, cabe aos governos criar estratégias
especiais para melhorar “concretamente as condições de escolaridade”, o que inclui preparar ade-
quadamente educadores e administradores, estabelecer critérios justos de avaliação da aprendiza-
gem, elaborar materiais didáticos (inclusive na linguagem das novas tecnologias) e prover a escola
com instalações adequadas, principalmente com bibliotecas (p. 27):

“(...) as bibliotecas devem constituir-se elo essencial no processo de


provisão de recursos educativos a todos os educandos - da infância à idade
adulta - tanto nos meios escolares quanto não escolares. É preciso, portanto,
reconhecer as bibliotecas como inestimáveis fontes, a estratégia deve incluir
mecanismos para ampliar o tempo de aprendizagem, e para satisfazer as ne-
cessidades educacionais de grupos que não participam da escolaridade formal.

31
Neste caso, deve-se recorrer à educação concretizada principalmente através
dos meios de comunicação devendo, todavia, vincular-se à educação formal, à
educação não-formal, ou a uma combinação de ambas. A utilização dos meios
de comunicação traz em si um tremendo potencial no que diz respeito a educar
o público e compartilhar um volume considerável de informações entre aqueles
que necessitam do conhecimento.

Para tanto, os planos nacionais devem mobilizar os canais de comunicação de massa que,
atualmente, não são devidamente aproveitados. Dois aspectos merecem especial atenção: a quan-
tidade de informação disponível nesses meios — “uma boa parcela da qual importante para a so-
brevivência e o bem-estar básico dos povos” — e a capacidade de transmissão mundial que as
tecnologias possuem — “o que produz um energético efeito multiplicador”.

As metas nacionais devem incluir também avaliação segura dos resultados. Portanto, de-
ve-se pensar em mecanismos para coleta, processamento e análise de dados referentes à educação
básica (p. 24):

Uma base de informações e conhecimentos sobre um determinado


país é vital para a preparação e execução de seu plano de ação. Uma implica-
ção capital do enfoque na aquisição de aprendizagem é a necessidade de se
elaborarem e aperfeiçoarem sistemas eficazes para a avaliação do rendimento
individual dos educandos e do sistema de ensino. Os dados derivados da
avaliação dos processos e dos resultados devem servir de base a um sistema
de informação administrativa para a educação básica.

Finalmente, todos os sujeitos envolvidos no processo educacional devem reconhecer a


importância do seu empenho e participação. Assim, a escola deve tornar evidente o fato de que
“os benefícios da educação são maiores do que os custos a serem enfrentados, seja por deixarem
de receber ganhos, seja pela redução do tempo disponível para atividades comunitárias, domésti-
cas, ou lazer” (p. 27). À família, podem ser oferecidos incentivos e assistência, “de modo a permi-
tir que todos os seus membros possam se beneficiar, o mais plena e eqüitativamente possível, das
oportunidades de educação básica” (p. 27).

Como se vê, um conjunto nítido de conceitos e valores educacionais foi reunido no docu-
mento. Assim, em linhas gerais, pode-se dizer que a educação básica preconizada pela Unesco,
para os anos 90, elege como aspectos importantes a ampliação do conceito de educação (que ex-
trapola os muros da escola, alcança a comunidade organizada e os meios de comunicação), o foco
na aprendizagem (mais que no ensino), a educação de mulheres, o cuidado com o “entorno educa-
cional”, que engloba a saúde, a alimentação, a vida familiar e as instalações escolares. Também é

32
evidente a preocupação com a relevância dos conteúdos escolares para a vida cotidiana dos estu-
dantes. Este último aspecto merece atenção, porque é assunto que tem gerado debates e até distor-
ções no meio educacional mas, principalmente, nos meios de comunicação.

Um exame mais atento nas colunas dos grandes jornais ou em sites educacionais dirigidos
por jornalistas (ao que tudo indica, desinformados), por exemplo, é potencialmente revelador de
algumas atrocidades como aquela que confunde interesses imediatos dos alunos com o gosto fa-
bricado pela indústria cultural. É corrente nos textos desses comunicadores alinhar música comer-
cial, cinema, grafite, jogos de computador e moda com interesses “genuínos” do jovem, e que
deveriam, portanto, ser incluídos no programa de estudos escolar, se é objetivo da escola ser inte-
ressante e relevante para o aluno.

Ora, neste item, o documento da Unesco é claro: o currículo deve alinhar, por exemplo,
raciocínio lógico com questões de trabalho, leitura e escrita com questões de saúde, comunicação
e expressão com questões de nutrição, preservação ambiental, direitos humanos, prevenção ao uso
de drogas. De fato, o tempo que as crianças (da classe trabalhadora, principalmente) têm para de-
dicar à escola é limitado, e deve ser preenchido com o que realmente faz diferença no aprendiza-
do. Grafite e skate se aprende fora da escola, a indústria cultural bombardeia os jovens com o rock
. A escola deve eleger outras prioridades. Principalmente se uma das metas mais importantes do
ensino for promover a eqüidade cultural e cognitiva, como pretende o documento. Assim, é a par-
cela valorizada da cultura — o “conhecimento clássico”, como defendem os educadores — que
torna a cultura escolar legítima a quem é presa fácil das mensagens midiáticas comerciais. A esco-
la será mais legítima, inclusive, na medida em que ensinar o aluno a se preservar do bombardeio
da indústria cultural.

Claro está que esta não é uma questão central para o presente trabalho, mas a crítica ao
senso comum pedagógico propagado pela mídia também vai servir de “pano de fundo” para a
análise dos vídeos, posteriormente. Principalmente porque muitos dos profissionais que elaboram
roteiros, selecionam fontes de informação e editam os programas são profissionais de comunica-
ção. Resta saber se estão devidamente informados sobre o papel social da escola básica.

Em linhas gerais, este é o contexto educacional mais amplo que fundamenta as iniciativas
governamentais no campo do ensino via novas tecnologias. De fato, um exame detalhado da pro-
posta de trabalho da TV Escola comprova a sintonia do canal com o ideário educacional da Unes-
co. Tal exame será feito no item 2.5, a seguir.

Antes disso, porém, é conveniente pontuar aspectos específicos das políticas educacionais
implementadas no Brasil, com as reformas dos anos 90. Esses dados ajudam a definir a função
33
específica dos vídeos educativos, uma das principais ferramentas de educação a distância disponí-
veis, atualmente, na educação básica brasileira.

2.2 LDB, políticas e reformas

Foi com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, portanto, que
o canal TV Escola ganhou fôlego. Entre outros motivos, por ser a TV o espaço privilegiado de
ações de educação a distância no âmbito governamental. Convém analisar as diretrizes da LDB.

Ao menos três títulos da lei sinalizam o papel de destaque que terão as políticas públicas
para a educação a distância e, conseqüentemente, para a implantação da TV Escola, na concretiza-
ção dos projetos federais para a educação.

Já no Título II, que trata “Dos Princípios e Fins da Educação Nacional”, o artigo 3º afirma,
entre outros aspectos, que o ensino será ministrado segundo os princípios da “I - igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola”; do “III - pluralismo de idéias e de concepções
pedagógicas”; da “VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação
dos sistemas de ensino”; da “IX - garantia de padrão de qualidade” e da “XI - vinculação entre a
educação escolar, o trabalho e as práticas sociais”.

Depreende-se, portanto, destes princípios, que as reformas educacionais propiciadas pela


lei buscam democratizar uma estrutura antes centralizadora, ampliando os espaços de atuação da
sociedade civil no trabalho educativo escolar. Também são metas do governo universalizar o en-
sino, historicamente marcado pela exclusão.

À época da promulgação, inclusive, o governo já tinha em mãos dados sobre o acesso ao


Ensino Fundamental. Segundo os números coletados pelo MEC e pelo Inep, e depois organizados
no Plano Nacional de Educação, em 1991, das 27.611.580 crianças com 7 a 14 anos, 23.777.428
estavam matriculadas nas primeiras quatro séries do Ensino Fundamental. Em 1996, das
28.525.815 crianças com 7 a 14 anos, 25.909.860 estavam cursando as séries regulares. O número
de matrículas em geral (que inclui crianças com idade superior à faixa regular) subiu de
29.203.724, em 1991, para 33.131.270, em 1996. O PNE avalia os dados (2000, p. 20):

Considerando-se o número de crianças de 7 a 14 anos matriculadas no


Ensino Fundamental, o índice de atendimento dessa faixa etária (taxa de esco-
larização líquida) aumentou, de 86% para cerca de 91% entre 1991 e 1996. O
progresso foi impressionante, principalmente se tomarmos os dados já dis-

34
poníveis de 1998: taxa bruta de escolarização de 128% e líquida, de 95%. A
taxa de atendimento subiu para 96%, na faixa de 7 a 14 anos. As diferenças
regionais estão diminuindo, pois nas regiões Norte e Nordeste a taxa de esco-
larização líquida passou a 90%, portanto aproximando-se da média nacional.

Entretanto, a universalização da escola traz como maior desafio o de manter padrão de


qualidade no processo, integrando-o à dinâmica das práticas sociais.

Ocorre que, para aplicar tais princípios no cenário brasileiro, marcado por tantas desigual-
dades econômicas e sociais, e por ampla diversidade cultural, é preciso saber equilibrar doses de
controle e de autonomia. Tal medida parece necessária para que se tenha pluralidade, porém man-
tendo bases comuns, que garantam oportunidades de conhecimento equivalentes para todas as
regiões, classes sociais, faixas etárias e esferas culturais, por exemplo. A TV Escola tem papel
importante nesse processo, ao implementar projetos como o “ Salto para o futuro”, que oferece
aprimoramento aos professores. E também ao veicular vídeos didáticos, que podem ser exibidos
em salas de aula de norte a sul do país.

Voltando à LDB, as questões da autonomia e da base nacional comum também são con-
templadas no Título IV, que trata “Da Organização da Educação Nacional”. No artigo 9º são rela-
tadas, entre outras, as seguintes incumbências da União: “I - elaborar o Plano Nacional de Educa-
ção, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; “IV - estabelecer, em
colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a
educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus con-
teúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum; “V - coletar, analisar e disseminar
informações sobre a educação” e “VI - assegurar processo nacional de avaliação do rendimento
escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, ob-
jetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino”.

Ainda no título IV, artigo 9º, o parágrafo 1º prevê a criação do “Conselho Nacional de E-
ducação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei”. Uma
das primeiras atribuições de destaque do Conselho foi coordenar a elaboração do “Plano Nacional
de Educação”. O Plano envolveu a União, Estados e municípios, o Inep e contou com a colabora-
ção da Unesco. Este documento deve nortear as ações de governo na chamada Década da Educa-
ção, instituída em 1997, um ano após a promulgação da LDB.

Merece destaque também o artigo 12, que confere aos estabelecimentos de ensino a auto-
nomia para elaborar o próprio projeto pedagógico, desde que sejam “respeitadas as normas co-
muns e as do seu sistema de ensino”. Assim, em tese, a lei caracteriza os princípios gerais de plu-

35
ralidade, atendimento universalizado e garantias de qualidade e condições educacionais
equivalentes, de norte a sul do país.

Mas é o título VIII, que trata das “Disposições gerais”, o trecho da lei mais pertinente para
os objetivos da presente pesquisa. Diz o artigo 80: “O Poder Público incentivará o
desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e
modalidades de ensino, e de educação continuada”. O parágrafo 4º diz que a EAD “gozará de
tratamento diferenciado”, o que significa: “I - custos de transmissão reduzidos em canais
comerciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens”; “II - concessão de canais com finalidades
exclusivamente educativas”; “III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder Público,
pelos concessionários de canais comerciais”.

Cumprindo as disposições do artigo 80, em 10 de fevereiro de 1998, o presidente da repú-


blica, Fernando Henrique Cardoso, especificou as diretrizes e as características da EAD no país,
através do Decreto nº 2.494. Vale transcrever trechos significativos. Assim, diz o documento:

Art. 1º Educação a distância é uma forma de ensino que possibilita a


auto-aprendizagem, com a mediação de recursos didáticos sistematicamente
organizados, apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados
isoladamente ou combinados, e veiculados pelos diversos meios de comunica-
ção.

Parágrafo Único – O cursos ministrados sob a forma de educação a


distância serão organizados em regime especial, com flexibilidade de requisitos
para admissão, horários e duração, sem prejuízo, quando for o caso, dos ob-
jetivos e das diretrizes curriculares fixadas nacionalmente.

A educação a distância também é citada no Título IX da LDB, que trata “Das disposições
transitórias”. O artigo 87, no parágrafo 3º, atribui a municípios, Estados e União o dever de “III -
realizar programas de capacitação para todos os professores em exercício, utilizando também,
para isto, os recursos da educação a distância”.

Como se vê, o ensino não-presencial se configura como uma das marcas do atual cenário
político-educacional brasileiro. Ocorre que, para concretizar metas tão ambiciosas da lei, na práti-
ca, governos, estabelecimentos de ensino e profissionais da educação enfrentam dificuldades. É
hora de colocar uma lente de aumento sobre as questões que envolvem a EAD e, dentro dela, a
configuração do currículo e as funções do projeto TV Escola para a prática cotidiana escolar.

36
2.3 Educação a distância

Um diagnóstico significativo das potencialidades da EAD no cenário educacional brasilei-


ro começou a ser traçado no Plano Nacional de Educação. De acordo com o texto (2000, p. 53):

No processo de universalização e democratização do ensino, espe-


cialmente no Brasil, onde os déficits educativos e as desigualdades regionais
são tão elevados, os desafios educacionais existentes podem ter, na educação
a distância, um meio auxiliar de indiscutível eficácia. Além do mais, os pro-
gramas educativos podem desempenhar um papel inestimável no desen-
volvimento cultural da população em geral.

O PNE identificou aspectos que favorecem e que dificultam a implantação de um amplo


projeto de educação a distância no país. Assim, entre os aspectos favoráveis estão a já instalada
rede de canais de rádio e televisão educativas do setor público, e a atuação do setor privado, que já
produz programas educativos, especialmente para a televisão. Também é avaliada positivamente a
possível introdução de novas concepções de tempo e espaço na educação, que contribuem para
promover mudanças significativas na instituição escolar, e influenciar as decisões tanto dos diri-
gentes políticos quanto da própria sociedade civil na definição das prioridades educacionais.

Entre os fatores negativos, o PNE destaca a falta de ações objetivas para concretizar “um
trabalho em regime de cooperação, capaz de elevar a qualidade e aumentar o número de progra-
mas produzidos e apresentados” (2000, p. 54). O sistema educacional também carece de uma rede
informatizada, que permita o acesso generalizado aos programas existentes. Mas o documento
reconhece que a LDB deu o passo fundamental para a conquista deste recurso educacional.

O texto adianta quais serão as prioridades do MEC na área (2000, p. 54):

O Ministério da Educação, nesse setor, tem dado prioridade à atualiza-


ção e aperfeiçoamento de professores para o ensino fundamental e ao enri-
quecimento do instrumental pedagógico disponível para esse nível de ensino. A
TV Escola e o fornecimento, aos estabelecimentos escolares, do equipamento
tecnológico necessário constituem importantes iniciativas. Além disso, a TV
Escola deverá revelar-se um instrumento importante para orientar os sistemas
de ensino quanto à adoção das Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino
fundamental e os Parâmetros Curriculares.

Neste cenário, o plano estabelece as linhas mestras da EAD para a “Década da Educação”.
Uma delas tem relação especial com a presente pesquisa (2000, p.55):

37
Os programas educativos e culturais devem ser incentivados dentro do
espírito geral da liberdade de imprensa, consagrada pela Constituição Federal,
embora sujeitos a padrões de qualidade que precisam ser objeto de preocupa-
ção não só dos órgãos governamentais, mas também dos próprios produtores,
por meio de um sistema de auto-regulamentação. Quando se trata, entretanto,
de cursos regulares, que dêem direito a certificados ou diplomas, a regulamen-
tação e o controle de qualidade por parte do Poder Público são indispensáveis
e devem ser rigorosos. Há, portanto, que distinguirem-se claramente as políti-
cas dirigidas para o incentivo de programas educativos em geral e aquelas
formuladas para controlar e garantir a qualidade dos programas que levam à
certificação ou diploma.

É óbvio que a preocupação com a qualidade dos programas se estabelece como um dos fa-
tores centrais para o sucesso do modelo educativo que usa os audiovisuais. Entretanto, menos
óbvia é a definição dos critérios que norteiam o conceito de qualidade. Esta é uma das lacunas que
o presente estudo colabora para preencher. Critérios de qualidade para a televisão didática serão
discutidos no capítulo 3.

Além disso, de 1996 para cá, uma série de estudos, tanto âmbito governamental quanto na
sociedade civil, procuraram compreender o potencial educativo das tecnologias de comunicação,
concretizar experiências e criar mecanismos de avaliação. O próprio Ministério da Educação vem
produzindo seminários e encomendando às universidades trabalhos de avaliação e reflexão sobre
o projeto. Para oferecer um panorama abrangente e, ao mesmo tempo, consistente da área, con-
vém discutir as perspectivas desses autores.

A assessora de gabinete da Seed, Carmem Moreira Neves, em palestra proferida durante o


Seminário de Capacitação de gerentes do programa TV Escola, realizado em Fortaleza, em 1997,
apresenta a visão governamental para a EAD. Para a Neves, é esta a modalidade de educação que
tem mais condições de atender às demandas educacionais contemporâneas, porque a EAD demo-
cratiza o acesso, promove a eqüidade educacional, aumenta a flexibilidade do processo de ensino
e aprendizagem, diminui o custo per capita da educação e favorece a autonomia de aprendizado.
Além disso, a EAD amplia a área de atuação da educação para fora da escola, e cria o conceito de
“sociedade pedagógica”. Segundo a assessora, a sociedade pedagógica é aquela:

(...) que sabe dar significado à informação (...), ressalta o papel da


escola e dos educadores, o uso da linguagem e da informação, pensando no
desempenho social do cidadão.

38
Leitura mais sistêmica da EAD foi apresentada, no mesmo evento, pelo professor Paulo
Raj, palestrante convidado pela Seed. Ele parte das características técnicas e de desempenho co-
municativo das chamadas redes baseadas em tecnologias de informação e comunicação (TIC),
que incluem telefone, rádio, televisão e computador. Depois, ele avalia o potencial educativo de
cada uma.

Nesta perspectiva, uma TIC configura-se como uma coleção de redes eletrônicas que pro-
piciam acesso a programas de aplicação, serviços e comunicações, via equipamentos. São milha-
res de redes locais (as chamadas LAN, Local Area Network) e redes de longa distância (as WAN,
Wide Area Network). Redes locais são aquelas que se estabelecem entre computadores dentro de
um escritório ou sala de aula, ou circuitos internos de vídeo, por exemplo. A rede de longa distân-
cia mais conhecida, obviamente, é a internet. Os dois tipos de redes podem transmitir informações
usando linhas telefônicas, redes celulares, circuitos de satélites e de TV por cabo. Ou compondo
uma mistura dos diversos sistemas. As características da composição determinam a “arquitetura”
de cada rede.

Assim, o desenho básico de uma rede é definido em função do desempenho que se pre-
tende obter com a tecnologia. Podem ser dois tipos elementares. As redes comutadas, que provi-
denciam uma conexão direta entre origem e destino, e não permitem o compartilhamento da cha-
mada entre outros usuários. É o caso do telefone tradicional. E as redes de difusão, em que mais
de um usuário recebe a mesma chamada, enviada pelo “cabeça de rede”, e distribuída progressi-
vamente a todos os receptores conectados. Nas redes de difusão, normalmente, o conteúdo é uni-
direcional, porque a arquitetura não suporta interatividade. É o caso dos sistemas de rádio e televi-
são.

Mais recentes são as chamadas “redes inteligentes”, que combinam uma série de recursos
técnicos como computadores e fibra ótica, e permitem, por exemplo, redirecionamento de chama-
das comutadas, transmissão de mensagens em “pacotes”, que incluem texto, áudio e vídeo, além
de mais interatividade.

A educação vem fazendo largo uso de aparatos eletrônicos, já há bastante tempo, inclusive
no Brasil. Como prova, basta lembrar de projetos como a Rádio Escola Municipal do Rio de Ja-
neiro, fundada por Roquete-Pinto de Macedo em 1934, a primeira emissora brasileira com caráter
exclusivamente educativo. Ou da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, prefixo PRAA, a primeira
emissora do país, que hoje se tornou a Rádio MEC

Também foi iniciativa de Roquete-Pinto o emprego do cinema educativo. Ainda em


1910, ele criou a filmoteca do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Mais tarde, em 1936, o então
39
Ministro da Educação, Gustavo Capanema, propôs ao presidente Getúlio Vargas a criação do
Instituto Nacional do Cinema Educativo (Ince). Conforme Roquete Pinto (2003, p. 15):

Com o decreto 378, de 13 de janeiro de 1937, que reformou o Min-


istério da Educação, foi o Ince definitivamente incluído no quadro de serviços
públicos. Sua função era documentar todas as atividades brasileiras em ciên-
cia, educação e cultura e de caráter popular, para difundi-las, principalmente,
na rede escolar”.

A experiência brasileira com mídias na educação, portanto, já permite avaliações compa-


rativas bastante sistemáticas. Raj oferece um quadro analítico da evolução dos usos.

Assim, o rádio, na perspectiva das redes de difusão, isto é, sem interatividade, já foi em-
pregado em programas de educação informal para o público em geral, programas de ação social e
educação básica para adultos, incluindo alfabetização.

A televisão e o videocassete foram largamente empregados no desenvolvimento profissio-


nal de professores e em programas de educação básica e profissional a distância, que utilizam as
chamadas tele-salas. O exemplo mais conhecido é o Telecurso 2000, uma iniciativa da Fiesp (Fe-
deração das Indústrias no Estado de São Paulo), em parceria com TV públicas e privadas. Neste
caso, os programas são os de tipo pré-gravado, com instrutor local e material impresso comple-
mentar. Também arquitetados nas chamadas redes de difusão unidirecional, os programas alcan-
çam certa interatividade como professor através de recursos adicionais como telefone, correio
“tradicional” e eletrônico. O custo de produção desta modalidade é elevado, mas acaba amortiza-
do ao longo dos anos, já que o conteúdo escolhido é perene. O desafio é manter o aluno motivado,
apesar da distância e da unidirecionalidade do discurso.

Uma proposta mais interativa para a TV também já foi estabelecida. Os programas são
transmitidos ao vivo , com vídeo unidirecional e áudio bidirecional. Assim, a interatividade entre
professores e alunos pode ser feita por telefone e, mais recentemente, por ou fax e correio eletrô-
nico. Os custos de produção costumam ser mais baixos, mas os programas não podem ser reapro-
veitados. Ao menos não na forma original, com participação do educando, no momento em que
recebe a mensagem. O desafio, neste caso, é utilizar ao máximo o potencial da interatividade. Um
exemplo significativo é o programa “Vestibulando”, produzido pela TV Cultura de São Paulo,
que colocava professores do Ensino Médio tirando dúvidas enviadas pelos alunos por telefone,
fax e e-mail.

40
Mais complexos são os sistemas que utilizam computador. Podem ser de dois tipos: usan-
do redes de difusão unidirecionais ou redes inteligentes. Também podem operar com conteúdos
gravados, disponíveis ao educando no momento do acesso, ou realizar tarefas com todos os en-
volvidos conectados, em “tempo real”.

Na verdade, trata-se de um grande salto tecnológico, com vantagens inéditas. Em primeiro


lugar, o sistema permite intercalar texto, áudio e vídeo, no mesmo canal de comunicação. Em
segundo lugar, é possível trabalhar tanto no sistema convencional de educação a distância em que
um educador lidera as emissões, quanto criar um novo ambiente, apropriadamente chamado de
“comunidade de educandos”, que integram “redes de aprendizagem”. É que as chamadas redes
inteligentes colocam educador e educandos no mesmo patamar de comunicação, isto é, são todos
emissores e receptores, ao mesmo tempo.

Portanto, quando a EAD utiliza o computador, em tese, une as vantagens dos processos de
ensino e aprendizagem convencional — ao permitir interatividade semelhante àquela praticada na
sala de aula — e da educação a distância — ao permitir que educandos que estão a milhares de
quilômetros de distância tenham acesso à “aula”. Porém, sem a unidirecionalidade autoritária da
linguagem televisiva, por exemplo.

Um olhar mais pedagógico sobre as TIC destaca outras vantagens. Raj (citando Schrum e
Berenfeld) apresenta o papel específicos das tecnologias para atingir objetivos educacionais.

Assim, em primeiro lugar, a televisão e o computador auxiliam os alunos a construir co-


nhecimentos de modo diferente daquele produzido por livros e aula expositiva. A afirmação suge-
re que as novas linguagens ampliam os mecanismos de percepção visual e auditiva, e criam novas
estruturas mentais. As características da televisão neste quesito serão comentadas com mais deta-
lhes no capítulo 3.

Em segundo lugar, ao aprender a lidar com fontes diversas de informação, o aluno adquire
habilidades de decodificação e interpretação de dados, que podem configurar um modelo de a-
prendizagem permanente. Esta afirmação sugere que, se o estudante aprender a localizar fontes de
informação para resolver questões postas pela escola ou pelo trabalho, por exemplo, souber com-
parar dados, identificar distorções, então ele terá autonomia intelectual para progredir infinitamen-
te, mesmo depois que tiver deixado a escola.

A competência para lidar com fontes de informação diversas é também pré-requisito para
outra habilidade proporcionada com mais eficácia pelas TIC: a aprendizagem baseada na investi-
gação científica. Para exemplificar a aposta, pode-se imaginar uma situação ideal. Os alunos da 8a

41
série do Ensino Fundamental assistem, como atividade curricular da disciplina Ciências, um vídeo
sobre acúmulo de lixo, produzido pela BBC e veiculado pela TV Escola. Suponha-se que o vídeo
faça afirmações “explosivas” do tipo “se os chineses produzissem lixo como os americanos, em
uma semana a terra sucumbiria”. Em uma situação mais próxima da realidade atual, os alunos,
provavelmente leitores ingênuos, tomariam essa afirmação como verdadeira e passariam a consi-
derá-la como dado irrefutável, que chegou até eles pelo unidirecionalismo da TV. Mas, como
acreditam os educadores, as TIC mudariam este cenário. Assim, munidos de computadores conec-
tados à internet, orientados por um professor devidamente formado e dotados da capacidade de
selecionar e comparar dados, os alunos poderiam acessar outras fontes, para testar a veracidade da
informação trazida pelo vídeo. Este seria um exercício interessante para os alunos, relevante para
o aprendizado, e calcado na investigação científica.

A situação pedagógica acima descrita exemplifica outras duas vantagens educacionais das
TIC: o reforço no desenvolvimento das habilidades de comunicação e de pensamento crítico e o
aumento da autenticidade do ambiente de aprendizagem. Num só exercício, os alunos teriam a
chance de aprender verdades e identificar mentiras sobre o assunto principal (o problema do lixo)
e sobre assuntos que correm paralelos. Neste caso, eventuais distorções provocadas pela mensa-
gem televisiva, o padrão de comportamento consumista imposto ao mundo pelos americanos (po-
rém radicalmente diferente na vida cotidiana chinesa) etc.

As TIC têm também o potencial pedagógico para criar “comunidades de aprendizagem”.


Nelas, o professor deixa de ser a fonte principal de informação, mas se torna o orientador de um
processo muito mais complexo e, conseqüentemente, intenso no ganho intelectual dos alunos. Raj
vai além. Para ele, as

“Comunidades de aprendizagem locais podem se tornar partes inte-


grantes de uma infra-estrutura global de aprendizagem, dando ênfase ao fato
de que o aprendizado ocorre além das fronteiras da sala de aula e continua de
forma permanente através da vida de cada pessoa”.

Finalmente, as tecnologias propiciam acesso democrático à informação – já que todas as


escolas, em tese, podem acessar os mesmos dados, independente da sua localização geográfica e
poder aquisitivo da clientela estudantil – e colocam modelos pessoais e profissionais à disposição
dos alunos. De fato, ao colocar estudantes da escola básica em contato eletrônico com profissio-
nais, professores com doutorado, cientistas, escritores etc, a escola oferece modelos alternativos
àqueles impostos pela indústria cultural, por exemplo.

42
Até aqui, entretanto, o quadro teórico enfocou a EAD num panorama ideal. É hora de ca-
racterizar a situação concreta das escolas brasileiras, suas vantagens e seus problemas.

2.4 A televisão no contexto atual da EAD brasileira

No relatório “Geografia da Educação Brasileira” publicado em 2003 pelo Inep (Instituto


Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), que analisa dados coletados durante 2001, a situ-
ação é assim: 23,9% das escolas de Ensino Fundamental regular possuem laboratório de informá-
tica e 25,4% delas estão conectadas à internet. Nas escolas de 1a a 4a série, 14,7% possuem
laboratórios e 19,8% possuem conexão. Já nas escolas de 5a a 8a série, 35,7% possuem
laboratórios e 32,4% têm conexão com a internet. Por outro lado, a média nacional de acesso à
TV Escola é de 52,3%, com 44,3% das escolas de 1a a 4a série e 62,5% das escolas de 5a a 8a série
recebendo o sinal da TV.

No relatório de atuação da TV Escola no período 1996-20028, a Seed apresenta números e


perspectivas de alcance da TV. Assim, logo que o canal foi criado, o MEC distribuiu televisor,
videocassete e antena parabólica para 57.395 escolas públicas, atingindo 27 estados e 5.206 muni-
cípios. Em 2002, a transmissão passou a ser feita também por sinal digital. A tecnologia de recep-
ção das antenas será gradualmente substituída, e a área de alcance deve aumentar. O documento
aposta que há potencial para alcançar 1,1 milhão de professores e 28 milhões de alunos do ensino
fundamental em todo o país. Desde junho de 2001, as operadoras de TV por assinatura que utili-
zam o sistema DTH (Direct to Home) estão reproduzindo também o sinal da TV Escola. Os assi-
nantes das operadoras DTCom, DirecTV, Tecsat e Sky recebem a programação em casa.

Os números mostram que a televisão é, atualmente, o mais influente recurso entre as prin-
cipais possibilidades de educação a distância na escola pública de Ensino Fundamental no Brasil.
O computador conectado à internet alcança a metade da população que recebe o sinal da TV. Nas
quatro séries finais do Ensino Fundamental (faixa selecionada para este estudo), mais de 60% das
escolas estão recebendo a TV, contra pouco mais de 30% com internet. Convém alinhar educação
a distância e televisão no Brasil. E o pontapé inicial pode partir de Moran (1999).

Na palestra proferida no evento “Programa TV Escola – capacitação de gerentes” em For-


taleza e em Belo Horizonte, em 1999, Moran atenta para as vantagens e desvantagens do uso da
TV, tal qual a conhecemos, na sala de aula.

8 TV Escola – relatório 1996-2002. Documento disponível em www.mec.gov.br/tvescola. Acesso em 25 de julho de 2003.

43
De fato, há um senso comum pedagógico que coloca o ensino com a TV no pólo oposto
ao das chamadas “metodologias tradicionais”, calcadas na palavra escrita. Para Moran, um dos
principais problemas das metodologias “tradicionais” de ensino reside do fato de se gastar muito
tempo para aprender muito pouco, o que desmotiva alunos e também professores (1999, p.1):

Ensinar e aprender exigem hoje muito mais flexibilidade espaço-


temporal, pessoal e de grupo, menos conteúdos fixos e processos mais abertos
de pesquisa e de comunicação.

É claro que a TV, por sua força e dinamismo, surge como alternativa aos desgastados mo-
delos de ensino, que se concentram apenas na palavra escrita. Estudos na área da teoria da infor-
mação, por exemplo, demonstram como as linguagens complexas das chamadas mensagens múl-
tiplas (que veiculam dados em diversos canais, usando diversos códigos, no mesmo período de
tempo) aceleram os processos de emissão e recepção de dados.

Como exemplo, pode-se comparar, imaginativamente, a situação de um repórter de rádio


descrevendo o desabamento de um prédio de 120 andares por um lado. Por outro, tem-se uma
imagem de TV, com locução em off do repórter, na mesma situação. É claro que o telespectador
da TV, nos mesmos 30 segundos de reportagem, tem noção mais completa do desastre do que o
ouvinte.

Ao trazer esta questão para o ambiente educativo, pode-se imaginar o professor usando a
fala e a lousa para explicar como funciona o sistema imunológico humano numa situação “tradi-
cional”. Ou o mesmo professor apoiando-se em um vídeo que traga falas de um apresentador,
entrevistas com pesquisadores do assunto, imagens “reais” do corpo humano por dentro, anima-
ções em computação gráfica, música e efeitos sonoros, para explicar o mesmo conceito. A TV
ganha em atração e potencial informativo.

Mas a televisão deve ser vista com desconfiança, já que não se trata de “tecnologia em si”,
mas de um aparato marcado por usos sociais específicos, notadamente definidos no âmbito da
indústria cultural, como já foi aqui comentado. Particularmente relevante é o fato de haver um
sem fim de possibilidades de programas educativos, para consumidores “A”, “B” ou “C”, como já
alertou Adorno.

Só para exemplificar: seguindo a lógica crítica dos frankfurtianos, o mesmo vídeo sobre
sistema imunológico humano poderia vir de uma produção da TV Globo, inicialmente gerada
para o “Fantástico”. Como se trata de uma revista eletrônica, exibida aos domingos à noite para o
público em geral, muito provavelmente, a ênfase seria dada numa nova descoberta, tratada como

44
algo espetacular. Efeitos gráficos e sonoros, texto em off fazendo trocadilhos e piadas, edição rá-
pida completariam o programa. O saldo final é de encher os olhos. Mas, o que é possível aprender
com os cinco ou dez minutos de vídeo?

Por outro lado, se o programa viesse de uma produção do Discovery Channel, a ênfase se-
ria outra, muito provavelmente. Tomadas mais longas, texto sóbrio, efeitos sonoros e gráficos
usados para facilitar a compreensão dos conceitos. Um cientista inglês ou americano seria entre-
vistado e suas falas viriam com dublagem que soa artificial. A linguagem usada pelo narrador e
pelos entrevistados nem sempre seria facilmente compreendida por alunos da 5ª série de uma es-
cola do Piauí.

Finalmente, um vídeo produzido pela TV educativa de Minas Gerais poderia ter menos
efeitos gráficos e sonoros, imagem talvez não tão saturada e nítida, mas o conteúdo seria tratado
de maneira “honesta” e didática. Talvez até fosse planejado já em sintonia com os Parâmetros
Curriculares Nacionais. Ocorre que a falta de exibicionismo estético faria deste um vídeo “chato”,
que mal despertaria a atenção dos alunos, acostumados com o estilo do Fantástico.

É importante lembrar que todos esses tipos de programas realmente estão disponíveis na
grade da TV educativa, inclusive com mistura das linguagens comercial e didática. Basta lembrar
do “Sala de Notícias”, telejornal produzido pelo canal Futura para ser usado em sala de aula. As
reportagens são retiradas do telejornalismo da TV Globo (incluindo o Fantástico) e da rede ame-
ricana CNN.

Portanto, quanto maior a variedade, mais difícil fica fazer uma escolha. Assim, que crité-
rios deve ter o professor, imaginado anteriormente, para escolher um vídeo para a sua aula? Os
próprios educadores já atentaram para esta dificuldade, como demonstra o texto do fascículo “TV
na escola e os desafios de hoje”, curso de extensão a distância oferecido pelo MEC aos professo-
res da rede pública (2002, p.83):

Alguns questionamentos têm sido feitos por professores em cartas en-


viadas ao MEC: o que gravar da grade de programação? Qual é o critério para
escolher um programa para gravar?

A resposta, expressa no mesmo texto, é pontual:

A identificação dos programas a serem gravados deve observar as


características e as prioridades do projeto pedagógico de sua escola. Sua utili-
zação é decidida a partir das necessidades de cada professor, de cada grupo
de professores, de cada escola. A TV Escola oferece a programação. Cabe a

45
você analisar e escolher o que considera mais importante para o seu aper-
feiçoamento e para o uso em sala de aula. Afinal, você é quem melhor conhece
os seus alunos, a escola, a comunidade e a região onde estão localizados.

Um exame no material disponibilizado pelo governo mostra que as questões próprias da


ação hegemônica da indústria cultural sobre as linguagens da mídia tendem a ficar em segundo
plano. Talvez o argumento seja o de que os vídeos educativos já são preparados com finalidades
diferentes e, por isso, não são “contaminados” pela lógica comercial. Mais adiante, um exame
detalhado dirá se os idealizadores da TV Escola têm razão.

Antes, mais uma questão deve ser levantada. Se é difícil escolher um vídeo (vale dizer um
ponto de vista) sobre assuntos naturais, o que se pode dizer sobre a escolha de vídeos que tratem,
por exemplo, de temas culturais? E a situação fica realmente delicada quando o conteúdo de ensi-
no envolve questões históricas e políticas. Que conceitos e explicações sobre a Segunda Guerra
Mundial seriam selecionados e enfatizados em um vídeo produzido por TVs americanas? Ingle-
sas? Japonesas?

Este quadro traz uma dupla dificuldade ao professor: saber selecionar informações real-
mente relevantes, diante de tantas possibilidades de acesso, e saber promover a compreensão a-
profundada dos fragmentos disponíveis. Esta tarefa se torna particularmente trabalhosa quando a
fonte de informação escolhida é a TV. É que a linguagem assistida em casa, desde os primeiros
anos de vida, traz contradições para a escola, como bem observa Moran (1999, p. 3):

A relação com a mídia eletrônica é prazerosa – ninguém obriga – é


feita através da sedução, da emoção, da exploração sensorial, da narrativa –
aprendemos vendo as estórias dos outros e as estórias que os outros nos con-
tam. Mesmo durante o período escolar, a mídia mostra o mundo de outra forma
– mais fácil, agradável, compacta, sem precisar fazer esforço. Ela fala do cotid-
iano, dos sentimentos, das novidades. A mídia continua educando como con-
traponto à educação convencional, educa enquanto estamos entretidos.

Um dos principais elementos da linguagem televisiva, que dissimulam o esforço intelectu-


al, valorizando o prazer sensorial, reside na articulação de imagens estáticas e dinâmicas, ao vivo
e gravadas, referenciais (isto é, registradas diretamente da realidade com a câmera) e simbólicas
(recriadas em computação gráfica, por exemplo), imagens “reais” do passado misturadas com
imagens simbólicas do presente e vice-e-versa, além de música, fala e escrita. A carga de infor-
mação estética e semântica é muito alta para os mecanismos de percepção humanos. Logo, o olho

46
nunca consegue captar tudo que está sendo veiculado na tela, e acaba recortando trechos que se-
jam suficientes para dar um sentido mínimo ao caos. Conforme Moran (1999, p. 4):

A força da linguagem audiovisual está em que consegue dizer muito


mais do que captamos, chegar simultaneamente por muito mais caminhos do
que conscientemente percebemos e encontra dentro de nós uma repercussão
em imagens básicas, centrais, simbólicas, arquetípicas com as quais nos iden-
tificamos ou que se relacionam conosco de alguma forma”.

Em outras palavras, o discurso da TV não se organiza segundo a lógica racional do discur-


so da aula. No lugar da coerência interna, da relação de causa-e-efeito, do princípio da não-
contradição, entra a lógica das imagens, das palavras e da música que vão se agrupando segundo
critérios pouco rígidos, vindos da mente de produtores. Ao explorar um assunto como distribuição
da água no planeta, por exemplo, a edição pode unir duas seqüências de imagens que não têm
relação histórica, de causa-e-efeito, mas que guardam semelhança estética, formal. Pode não ser
uma junção de idéias prejudicial neste caso, mas pode ser em outros. E o educador, via de regra, é
leitor ingênuo dessas manifestações simbólicas.

Moran destaca outro problema (1999, p.5):

A televisão estabelece uma conexão aparentemente lógica entre


mostrar e demonstrar. (...). A força da imagem é tão evidente que torna-se
difícil não fazer essa associação comprovatória (‘se uma imagem me impres-
siona, é verdadeira’). Também é muito comum a lógica de generalizar a partir
de uma situação concreta. (...). Uma situação isolada converte-se em situação
paradigmática, padrão.

O conjunto de idéias reunidas até aqui pode ser sintetizado num quebra-cabeça imaginá-
rio, composto por quatro peças que, em tese, se encaixam para formar um panorama coerente e
legítimo da televisão didática brasileira. Conforme as peças sejam arranjadas o desenho vai se
formar ou não.

Segundo a perspectiva desta pesquisa, uma combinação legítima colocaria a peça 1 (que
se refere à necessidade urgente de oferta de educação básica de qualidade a todos, com os recur-
sos culturais e econômicos disponíveis no Brasil) no canto superior esquerdo, onde a leitura do
desenho começa. A peça dois, que reúne dados teóricos e empíricos sobre o desempenho ideal da
EAD via televisão (isto é, livre das limitações geradas pela inserção concreta desse recurso no
cenário educacional brasileiro) viria no canto superior direito. A peça três, que se refere aos pro-
blemas gerados pela moldagem que o meio cultural brasileiro deu à TV comercial e educativa,
47
ficaria no canto inferior direito. Finalmente, a peça quatro simboliza a capacidade que os gestores
e executores da educação via TV no Brasil têm de balizar todos esses problemas.

A dinâmica deste quebra-cabeça pode ser provisoriamente descrita assim: a parte superior,
com as peças 1 e 2, forma o ideário educacional almejado por todos aqueles que se preocupam
com a educação pública de qualidade. A necessidade e a oferta se encaixam perfeitamente. Claro
está que, havendo público necessitando de conhecimento e havendo conhecimento disponível
para todos, de modo eficiente e relativamente barato, via tecnologias, a situação se resolve.

Ocorre que a peça 3 desloca a peça 2, dificultando a formação do desenho. Com efeito, as
necessidades básicas de aprendizagem para a maioria da população brasileira são muito amplas.
As estatísticas freqüentemente divulgadas pelo Inep sobre analfabetismo, repetência e evasão es-
colar, por exemplo, justificam este quadro. E a TV pode não estar preparada para enfrentar esta
empreitada, pela simples falta de experiência na área. Não é difícil explicar porque. Basta lembrar
que o modelo de radiodifusão brasileiro se formou de modo diferente dos modelos de países como
a Alemanha e a Inglaterra, que são hoje referência na área de TV educativa. Este, aliás, é um as-
pecto que merece pequeno desdobramento.

Pesquisadores das áreas de história e linguagem da TV elegem dois fatores relevantes para
a formatação do nosso modelo televiso. Em primeiro lugar, o fato de as primeiras experiências
com transmissões de sinais e a criação do primeiro canal ficar nas mãos dos Diários Associados,
empresa privada comunicação dos anos 50. É evidente que o desenvolvimento do mercado para
obter retorno do capital investido foi prioridade refletida na programação criada. Assim, o entrete-
nimento surgiu como produto mais rentável. Perspectiva diferente tinha, por exemplo, John Reith,
o primeiro diretor da BBC, conhecido no meio profissional de comunicação como o fundador do
conceito de radiodifusão como serviço público de educação para as massas.

Em segundo lugar, vem o fato de a expansão do modelo televisivo em redes de abrangên-


cia nacional, implantado a partir de 1969, ter ficado nas mãos da TV Globo, que apoiou o regime
militar na censura da informação. A conseqüência mais imediata desse evento, segundo Rezende
(2000) é que a televisão brasileira acabou criando um estilo peculiar em que exibicionismos esté-
ticos (cenários, efeitos gráficos, voz e aparência dos apresentadores, dinâmica de alternância nos
diálogos, edição ligeira, música induzindo a percepção do fato), compensam a falta de conteúdo
crítico e relevante. Esse estilo foi útil para a despolitização geral promovida durante os anos da
ditadura. Hoje, compromete o desenvolvimento de uma linguagem elaborada para fins educativos.

Portanto, a TV, historicamente sintonizada com a lógica de produção capitalista, firmou-se


no imaginário popular como instrumento de lazer, de evasão. Assim, quando exige empenho inte-
48
lectual do telespectador, o programa se torna enfadonho. Sabe-se que a resistência é um dos prin-
cipais fatores que dificultam o processo de ensino e aprendizagem. Como fazer uma TV atraente,
sem usar os recursos da linguagem evasiva? Como educar o enorme contingente de pessoas usan-
do linguagem pedagógica?

A resposta pode estar na peça quatro do imaginado quebra-cabeça. Ao que parece, depen-
de do empenho de gestores e executores do programa de educação via TV. Assim, membros da
Seed envolvidos no assunto, multiplicadores do projeto TV Escola, professores da rede pública e
estudiosos do assunto devem entrar em sintonia, conhecer a fundo as possibilidades e os limites
da televisão.

As informações reunidas até aqui pavimentaram o caminho para a caracterização crítica


do projeto TV Escola. É hora de levantar dados concretos sobre o programa, descrever sua histó-
ria, estrutura, objetivos e resultados conquistados até o momento.

2.5 Projeto TV Escola

Em seis anos de atuação, a TV Escola ampliou gradativamente a área de atuação. Atual-


mente são transmitidas 14 horas diárias de programação, que incluem 4 horas de programas inédi-
tos e mais 10 horas de reprises, para facilitar a gravação. Neste período, conforme afirma o relató-
rio de gestão 1996-2002, foram veiculados cerca de 4 mil vídeos e distribuídos cerca de 26 mi-
lhões de exemplares de material impresso, incluindo livros, manuais, cadernos pedagógicos e a
Revista da TV Escola.

O funcionamento do canal foi formalmente autorizado por protocolo de cooperação técni-


ca assinado entre os ministérios da Educação e das Comunicações, em 1995. O programa foi lan-
çado em caráter experimental em 4 de setembro de 1995, nas escolas públicas estaduais “Joca
Vieira” e “João Amaro”, em Teresina, Piauí. Em 4 de março de 1996, foi ao ar para todo o país,
em caráter definitivo.

Nos primeiros meses, a TV Escola era uma atribuição da então Secretaria de Desenvolvi-
mento, Inovação e Avaliação Educacional (Sediae). O Decreto nº 1.917, de 27 de maio de 1996,
extinguiu a Sediae e criou a Secretaria de Educação a Distância (Seed), atual instância responsá-
vel pelo programa.

Inicialmente, a proposta era alcançar escolas de ensino fundamental com mais de 250 alu-
nos, mas a sondagem estatística mostrou que haveria maior impacto na rede pública se o projeto

49
chegasse a escolas com mais de 100 alunos. A Resolução FNDE nº 21, de 07 de agosto de 1995
regulamentou essa situação.

O Censo Escolar realizado pelo INEP em 2001, mostrou que haviam no Brasil 62.428 es-
colas públicas de ensino fundamental com mais de 100 alunos. Nelas, estudavam 28.641.626 alu-
nos e trabalhavam 1.153.157 professores. A TV Escola estava presente em 57.395, o que
representa 91,9% desse segmento da rede pública brasileira.

Documentos do governo mostram que, inicialmente, o financiamento da TV Escola provi-


nha exclusivamente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. Por esse mo-
tivo, os vídeos enfocavam conteúdos do ensino fundamental. Mas a programação se diversificou a
partir 1999, quando a Secretaria de Educação Média e Tecnológica (Semtec) firmou parceria com
a Seed e passou a financiar a produção destinada a esse outro nível de ensino. A Semtec está e-
quipando o universo das 12.343 escolas públicas de ensino médio, para que a TV Escola alcance
os 7.015.934 alunos e 310.187 professores desse nível de ensino, registrados naquela época.

Em agosto de 1997, as transmissões foram estendidas aos finais de semana, com uma pro-
gramação específica para a comunidade, voltada à prestação de serviços. O programa chama-se
“Escola Aberta” e é transmitido aos sábados, das 14 às 20 horas e aos domingos das 8 às 20 horas.
A meta é atrair a comunidade para dentro da escola e ampliar o foco da educação escolar, alcan-
çando a família do estudante.

O projeto político- pedagógico da TV Escola foi desenvolvido em sintonia com as diretri-


zes da Seed, e está embasado em cinco conceitos fundamentais. Em primeiro lugar, toda tecnolo-
gia deve ser desenvolvida “a serviço da educação”. Isso significa que os investimentos não se
resumem à aquisição dos equipamentos, e devem alcançar também a capacitação dos educadores,
a produção de materiais de apoio e de outras atividades importantes para o domínio “crítico e cria-
tivo” tecnologia. Outro conceito refere-se à importância da autonomia dos usuários. Assim, embo-
ra a produção dos programas seja centralizada em Brasília, a apropriação dos conteúdos deve ser
feita da forma que cada escola decidir. Isto é, ninguém deve ser obrigado a usar todo o conteúdo e
nem seguir as sugestões do material impresso “ao pé da letra”. Em terceiro lugar, o projeto valori-
za a convergência entre diferentes tecnologias e linguagens para facilitar a interdisciplinaridade e
a contextualização dos conteúdos escolares. Finalmente, o canal se preocupa com a “formação de
um leitor crítico e criativo dos meios, capaz de evitar a manipulação da mídia, de transformar in-
formação em conhecimento e de ter autonomia para aprender ao longo da vida” (2002, p. 7).

Os objetivos específicos da Seed para a TV incluem a oferta de um acervo educativo que


possa melhorar tanto o trabalho quanto a própria formação de professores, coordenadores peda-
50
gógicos, supervisores e diretores escolares. A secretaria também quer contribuir para a preparação
de aulas mais dinâmicas, interdisciplinares e prazerosas, além de incentivar o educador a incorpo-
rar a tecnologia nos processos de ensino e aprendizagem e de gestão da escola.

Um objetivo é particularmente relevante para a presente pesquisa: é meta da Seed “im-


plementar uma proposta de pedagogia da imagem, que se caracteriza pelo uso da imagem não
como simples ornamento, mas como uma forma de linguagem, de comunicação, gerando leitura,
decodificação, descoberta, aprendizagem” (2002, p.8).

Finalmente, há a meta de transformar as tradicionais bibliotecas escolares em “centros de


recursos multimídia, na perspectiva de que a integração das diferentes mídias enriquece a forma-
ção do indivíduo (2002, p.8). De fato, há muito trabalho pela frente. Como mostram os dados do
Inep (2003, p.29) pouco mais da metade das escolas públicas brasileiras de Ensino Fundamental
possuem biblioteca “tradicional” (55,6%). Na região Nordeste, 35,2% dos estabelecimentos de
ensino a possuem.

Para concretizar os objetivos acima relacionados, a Seed vem trabalhando na grade de


programação, que já sofreu mudanças significativas nos seis anos de atuação em rede nacional.
Atualmente, a grade é composta por sete faixas principais, que abrangem ensino fundamental,
ensino médio, capacitação para educadores e programas para a comunidade.

A Seed produz vídeos próprios e também adquire direitos de exibição. Alguns programas
são cedidos por instituições públicas e privadas, nacionais e estrangeiras. Entre as produções pró-
prias estão as séries “Vendo e Aprendendo” (85 programas, com 49h de duração), “Acervo” (90
programas com 7h30 minutos), “Como Fazer?” (287 programas, com 143h30), “Ensino Legal”
(20 programas, com 17h gravadas) e “Salto para o Futuro” (437 programas, com 437h).

Os programas comprados de terceiros vêm de produtoras internacionais como a japonesa


NHK, as canadenses CBC e National Film Board, da britânica BBC, além de programas produzi-
dos por TVs da Holanda, dos Estados Unidos e da Dinamarca.

No documento “Relatório da TV Escola 1996-2000”, a Seed apresenta os critérios para se-


leção das aquisições externas. O texto explica que a escolha é feita por profissionais das áreas de
TV e cinema e de pedagogia, orientados por um guia chamado “Aspectos Básicos para a Escolha
de Vídeos Educativos para a TV Escola”. O guia relaciona características “gerais”, “técnicas” e
“aspectos pedagógicos”, em um roteiro de perguntas. Dentre as questões, a Seed destaca no rela-
tório as que são apresentadas no quadro 1 (2000, p. 19):

51
QUADRO 1 – PERGUNTAS PARA ORIENTAR A SELEÇÃO DE PROGRAMAS

1. São ferramentas para o professor usar em sala de aula?;

2. Servem para capacitação de professores fora da sala de aula?;

3. Interessam aos alunos (do Ensino Fundamental e Médio) pelo formato e conteúdo?;

4. Têm edição de imagem e de som consistentes? Ritmo? Boa qualidade de imagens? Trabalho
de fotografia e de enquadramento competentes?;

5. Passam as informações de maneira criativa?;

6. Possuem roteiro bem estruturado?;

7. São atraentes em termos visuais quanto ao aspecto geral? Apresentam excessos? São este-
ticamente de boa qualidade e refinados? Comunicam- se com a sua audiência?;

8. Apresentam conteúdos em conformidade com os PCNs?;

9. Há imagens de nudismo, violência, racismo ou uso de drogas? Em que contexto isto apare-
ce?;

10. Apresentam potencial para melhorar socialmente o ambiente escolar?;

11. Potencializam o uso da televisão em sala de aula? Em que sentido? Educação formal e cur-
ricular?;

12. Formação Ética? Educação a Distância? Outros?;

13. Apresentam qualidades éticas, estéticas, técnicas e conteúdo que justifiquem seu licencia-
mento?

52
Embora essas questões representem uma pequena parte do guia de referência, já é possível
atentar para um aspecto: o governo está atento à necessidade de avaliar a qualidade semântica e
estética dos vídeos. Entretanto, como se pode ver, os tais critérios de qualidade para as caracterís-
ticas estéticas, embora presentes, são apresentados de maneira genérica, o que abre precedente
para a simples falta de critério.

Um exemplo ajuda a esclarecer a questão. Supondo-se que a pessoa responsável esteja a-


valiando um vídeo que retrate o hábito jovem de tatuar o corpo. A produção será educativa na
medida em que relacionar este hábito com fatores culturais mais amplos, reunindo conhecimentos
de história, antropologia, sociologia e artes, por exemplo. O conteúdo pode ser objetivamente
respaldado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (como exige a questão número 8), ao se en-
caixar no tema transversal da pluralidade cultural.

Por outro lado, se o roteiro se restringe ao universo imediato do jovem, certamente não al-
cança as necessidades da escola. No máximo, caberá na programação da MTV.

Mas a mesma objetividade não pode ser aplicada ao aspecto formal. A exigência está lá:
as questões 4 a 7 e 13 indagam sobre as características próprias da linguagem audiovisual susten-
tadas em termos como “boa qualidade de imagens”, “qualidades éticas”, “roteiro bem estrutura-
do”, “edição consistente”. Como já foi discutido no item 1.4, é justamente a lógica da edição (que
une idéias segundo um raciocínio diferente daquele praticado na escola) o fator que faz da TV um
risco para o desenvolvimento cognitivo. As propriedades do discurso televisivo precisam ser re-
vistas de forma crítica, para que não se caia no engodo da televisão. Ao que tudo indica, ainda há
uma lacuna neste quesito, dentro do projeto da TV Escola.

Programação

A rotina diária da TV escola atinge públicos distintos: estudantes do Ensino Fundamental


e do Ensino Médio, professores e coordenadores pedagógicos, diretores e outros funcionários da
escola e até a família e a comunidade.

O período de programação diário destinado ao Ensino Fundamental tem duas horas inédi-
tas com mais três reprises, totalizando oito horas. A cada dia da semana, os vídeos enfocam uma
área específica do currículo definida pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (Matemática, Lín-
gua Portuguesa, Ciências, História, Geografia, Educação Física, Educação Artística, Ética, Plura-
lidade Cultural, Saúde, Meio Ambiente e Orientação Sexual).

53
O Ensino Médio tem uma hora diária de programação com mais duas reprises, e exibe as
faixas “Como Fazer?”, composta por documentários e sugestões de atividades pedagógicas com a
TV. A faixa “Ensino Legal” explica reforma do Ensino Médio, e discute assuntos como gestão
escolar, currículo e elaboração do projeto pedagógico. Finalmente, a faixa “Acervo” traz docu-
mentários para serem exibidos na sala de aula, relacionados às áreas de linguagens, códigos e tec-
nologias, ciências da natureza, matemática e ciências humanas.

As faixas destinadas à formação continuada dos educadores são compostas pelos progra-
mas “Vendo e aprendendo” e “Salto para o futuro”.

A série “Vendo e aprendendo” exibe vídeos educativos sobre temas genéricos como de-
mografia, cidades, religiões, plantas. Em seguida, educadores convidados comentam o que foi
exibido e propõem atividades para serem realizadas pelos próprios professores (durante reuniões
pedagógicas de estudos, por exemplo) e outras para serem realizadas com os alunos, durante a
aula. A série é complementada com a publicação dos “Cadernos TV Escola — Vendo e Apren-
dendo”.

A idéia elementar da faixa “Salto para o Futuro” foi criada em 1991, por especialistas da
Fundação Roquette Pinto, com patrocínio do MEC. Chamava-se “Jornal do professor” e abordava
conteúdos específicos para aprimorar a formação do educador de Ensino Fundamental. Em 1992,
o programa foi reformulado e ganhou abrangência nacional. A interatividade é característica mar-
cante da faixa, que reúne educadores, pesquisadores e especialistas em diversas áreas da educação
para debater temas diversos. Professores reunidos em telepostos por todo o Brasil podem partici-
par, ao vivo, dos debates. Desde 1996, o “Salto” integra a programação regular da TV Escola.

A comunidade é contemplada com a faixa “Escola Aberta”. Criada em agosto de 1997 a


série é exibida aos sábados, das 14 às 20 horas, e aos domingos das 8 às 20 horas. Os programas
abordam temas diversos que vão desde cuidados com a saúde até questões específicas do projeto
pedagógico da escola.

Além dos títulos fixos, a TV conta com uma programação especial esporádica. O curso de
extensão a distância “A TV na escola e os desafios de hoje” é um exemplo. Lançado em 2000, o
programa enfoca educação com tecnologias, enfatizando o audiovisual apoiado em material im-
presso e internet. São três módulos que abrangem a proposta pedagógica da educação com tecno-
logias de comunicação, os usos específicos da televisão e do vídeo, como funciona o projeto TV
Escola e a produção de material pedagógico audiovisual.

54
A partir de março de 2002, a Seed passou a produzir o “Conexão TV Escola”, que vai ao
ar toda última sexta-feira do mês, em quatro opções de horário . Trata-se de uma espécie de revis-
ta eletrônica sobre educação, que comenta destaques da programação, entrevista convidados, res-
ponde a cartas, mostra os bastidores dos programas, indica páginas na internet e oferece uma a-
genda de eventos na área.

Um acordo com o governo francês autorizou a exibição, sem custos, das séries “Reflets” e
Vif@x, que ensinam a língua estrangeira para jovens. A primeira é composta por 30 lições de 15
minutos cada. A segunda usa televisão e internet. Foi produzida pela Universidade de Bordeaux 2,
e tem como principal fonte trechos de telejornais do canal francês TV5.

Outros projetos contemplaram a educação especial (uma série de 16 programas sobre de-
ficiências físicas e mentais, inclusão, direitos dos portadores de deficiências e formação de educa-
dores especiais) e a educação indígena (10 programas enfocando história, vida e cultura dos índios
brasileiros). As duas séries também contaram com material impresso dentro da coleção “Cadernos
da TV Escola”.

Concretizando o objetivo de promover a “convergência de mídias”, a Seed investiu em


ampla e variada linha editorial impressa e na produção de páginas didáticas para web. Durante os
últimos seis anos, mais de 26 milhões de exemplares impressos foram distribuídos às escolas pú-
blicas de todo o país, incluindo os títulos “Revista da TV Escola”, (com periodicidade bimestral),
“Cadernos da TV Escola” (que acompanham os vídeos produzidos pela Seed), série “Estudos”
(que tratam de temas genéricos da educação), cartazes e guia de programação. A partir de 2002,
os vídeos ganharam fonte adicional de informações via web. As séries “Mestres da Literatura”,
“Brasil 500 anos”, “Avaliação e Aprendizagem”, “Cobra Norato” (vídeo produzido a partir de
encenação do grupo de teatro Giramundo do poema do escritor modernista Raul Bopp), e “Histó-
ria do Brasil por Bóris Fausto” contam com links no site do MEC.

Como a Seed avalia o projeto

O relatório da TV Escola 1996-2002 cita oito avaliações implementadas durante o perío-


do. O primeiro levantamento qualitativo foi realizado entre maio e junho de 1996, ainda durante a
fase piloto. Uma pesquisa de abrangência nacional foi realizada entre setembro de 1996 e março
de 1997. Os resultados da investigação, realizada em convênio com o Centro de Avaliação da
Fundação Cesgranrio, foram publicados no volume “TV da Escola” da série “Estudos”, da TV
Escola, em 1998.

55
A pesquisa mais recente divulgada pela Seed é do segundo semestre de 2001, realizada
pelo Nepp (Núcleo de Estudos de Políticas Públicas) da Unicamp. O documento teve divulgação
interna. Mas alguns resultados constam no relatório de gestão que está disponível no site do MEC.

Um panorama comparativo entre as avaliações da Unicamp (quantitativa) e da Cesgranrio


(qualitativa) enriquece a fundamentação da presente pesquisa.

O trecho constante no relatório de gestão afirma que a TV Escola é “bem avaliada” pelos
professores, apesar da incorporação insipiente, principalmente por causa da escassez de equipa-
mento. Os equipamentos distribuídos estão envelhecendo, e poucas escolas conseguem fazer a
manutenção adequada.

Outro aspecto importante refere-se à formação do professor. Em 1999, 86% dos entrevis-
tados pediam capacitação para usar os vídeos. Em 2001, 76% deles faziam a mesma solicitação.
O relatório afirma que o curso “A TV na Escola e os Desafios de Hoje” atendeu 12,1% dos entre-
vistados e tem pela frente o desafio de atender à demanda inicial que foi superior a 250 mil pro-
fessores pedindo cursos na área. Isso tudo porque a Seed não de continuidade às propagandas para
sensibilizar educadores ainda não inscritos.

A pesquisa qualitativa, por outro lado, caracterizou os modos de apropriação da TV em


escolas de todo o País, o impacto provocado na instituição de ensino e relacionou esses resultados
com as características da produção da grade de programação.

Em relação aos gestores da programação, a pesquisa identificou três aspectos que interes-
sam diretamente a este objeto de estudos. Em primeiro lugar, os depoimentos selecionados procu-
ram caracterizar os critérios de escolha daquilo que irá para a grade. Em geral, a seleção é feita a
partir de um conjunto de vídeos nacionais e estrangeiros adquiridos pela Seed. Deste conjunto,
são exibidos aqueles programas que tragam informações atualizadas e compatíveis com os conte-
údos curriculares nacionais e com as metas de capacitação de professores estipuladas pela TV
Escola.

Em segundo lugar, apesar da diversidade do material, o tempo escasso para montar a gra-
de do mês dificulta “uma elaboração mais reflexiva” (1998, p. 21).

Em terceiro lugar, a equipe de avaliação da Cesgranrio, ao se debruçar sobre os vídeos


(todos os títulos exibidos em novembro de 1997), constatou que:

1. Grande parte dos vídeos selecionados para a área de Ciências e Meio Ambiente é es-
trangeira, enfocando conteúdos distantes da realidade brasileira. “A seleção parece determinada

56
mais pela disponibilidade do mercado do que pelos conteúdos formativos e informativos” (1998,
p.23).

2. Alguns roteiros apresentam conceitos muito complexos, que exigem repertório prévio
amplo para serem decodificados. Termos e expressões complexos também dificultam a compre-
ensão do conteúdo. “Apesar de seu grande impacto estético-visual, pode-se questionar sua efetiva
contribuição para o enriquecimento da formação e aperfeiçoamento do professor” (1998, p. 24).

Em relação ao público, a pesquisa mostrou que uma série de filtros está condicionando a
recepção da programação. São destacados:

1. O professor como filtro. Quanto mais receptivo ele próprio for, mais interesse desperta
nos alunos. As entrevistas mostram que, quanto mais capacitado é o professor, mais aberto ele
está ao uso dos vídeos. A resistência é maior entre os menos capacitados. Pode-se argumentar que
os que mais precisam do recurso são os menos atingidos;

2. As condições de trabalho como filtro. Quanto mais horas de aula o professor dá (alguns
entrevistados falam em 50 horas semanais de aula), menos ele usa os vídeos por causa da falta de
tempo para selecionar o material e preparar a aula. Logo, os mais sobrecarregados, que em tese
ministram as piores aulas, são os menos atingidos;

3. A realidade da escola como filtro. Boa parte das escolas não tem instalações adequadas
para usar a TV Escola. Aparelhos com tela muito pequena para exibir imagens para uma classe
numerosa, salas sem ventilação ou cadeiras adequadas, equipamentos danificados são alguns dos
fatores que impedem o uso adequado da programação. Portanto, as escolas com mais deficiências
são as menos atingidas pelo projeto.

Também contam fatores como as distorções produzidas em relação às finalidades pedagó-


gicas dos vídeos — a equipe encontrou professores preocupados com o fato de poderem perder o
emprego para a televisão, por exemplo — e as carências materiais da escola — que vão da sim-
ples falta de fitas para gravar programas à falta de conhecimento para manusear o controle remoto
do vídeo cassete.

Mas, apesar dos problemas detectados, a pesquisa recolheu evidências do uso concreto
dos vídeos e das modificações que a TV produz no cotidiano das escolas.

Em relação aos modos de uso, foi constatado que os educadores vêem nos vídeos um re-
curso para complementar as aulas, esclarecer aspectos do conteúdo escolar e também como mate-
rial de auxílio, além de serem fontes de informação para o seu próprio desenvolvimento.

57
O texto ressalta, por exemplo, o depoimento de uma professora de Guarapari, no Espírito
Santo, que leciona para portadores de deficiência auditiva e utiliza apenas as imagem dos vídeos
nas suas aulas. Há também o depoimento de um professor de Guarajá-Mirim, cidade do Estado
de Rondônia, que admitiu ter dificuldades para ensinar sobre o corpo humano nas aulas de ciên-
cias, e que melhorou seu desempenho depois de assistir um vídeo sobre o assunto.

Outros depoimentos caracterizam os usos específicos dos vídeos. Há desde professores


que usam as imagens apenas para despertar a curiosidade do aluno até aqueles que partem do con-
teúdo do vídeo e organizam produção de textos, cartazes, teatro, a fim de reconstituir o assunto
em outra linguagem. Os depoimentos indicam que quanto maior é a intervenção do professor, ao
que parece, mais inteligente é a recepção do vídeo. Por outro lado, alguns depoimentos evidenci-
am a leitura ingênua. Em relação a este aspecto, é significativo o trecho a seguir (1998, p. 41):

“Chego em casa pego o livro e começo a ler: aconteceu isso, isso ... a
gente tenta imaginar como foi, como é a pessoa, como aconteceu, mas não
tem certeza. O vídeo não ... a gente sabe como aconteceu.” (aluno, Joinville,
Santa Catarina)

Não é demais relembrar aqui o alerta de Moran sobre a força da imagem, que anula as di-
ferenças entre mostrar e demonstrar: “se uma imagem me impressiona, é verdadeira”. Resta saber
qual será o saldo educativo de uma experiência deste tipo.

Entre as modificações trazidas pela TV Escola ao cotidiano das instituições de ensino, a


pesquisa ressalta a motivação dos professores e o envolvimento dos alunos. Sintomático é o depo-
imento de um aluno de Porto Velho, em Rondônia (1998, p. 47):

“Eu bagunçava muito, às vezes rabiscava carteiras, pichava as cartei-


ras, e quando não tinha professor dentro da sala, eu xingava as meninas, os
meninos também. Só depois que eu assisti a fita da TV Escola é que eu mudei.
Agora eu até ajudo a consertar as cadeiras aqui da escola”.

Outros dois depoimentos merecem ser transcritos, a fim de caracterizar melhor o impacto
da presença da TV na escola. O primeiro caracteriza o entusiasmo de um professor em Juazeiro
do Norte, CE (1998, p. 47):

“No primeiro dia em que eu vim para a sala de vídeo, meus alunos nem
sabiam ainda, não tinham essa noção de TV Escola. Quando chegaram na sala
de aula, todos comentavam sobre a fita, não queriam saber de mais nada, só
sobre o que viram. Foi um bom incentivo para eles ... Isso vai melhorar, é claro

58
que vai melhorar. Para o professor, também, que vai aprendendo e passando
para os colegas. Eu acho que se todo mundo se juntasse, todos os profes-
sores, a escola, o conjunto, ficaria muito mais fácil”.

O segundo depoimento deixa entrever expectativas e preferências em relação à TV (1998,


p. 48):

“Quando os professores procuram fitas da TV Escola, eles não querem


histórias contadas por professores. Eles querem uma leitura ágil, envolvendo o
tema, envolvendo o aluno, envolvendo seriado, animação para despertar o in-
teresse da criança, porque onde tem a explicação do professor, eles dizem que
o aluno não sente motivação para assistir.” (Integrante da coordenação
estadual da TV Escola em Joinville, SC)

É evidente que se trata de um trecho colhido aleatoriamente. Mas, nem por isso, deixam
de adquirir significação ao evidenciar as ambigüidades inerentes à educação pela TV já levantadas
neste texto.

Assim, relembrando as vantagens pedagógicas descritas por Raj, uma delas reside no fato
de que as redes propiciam eqüidade no acesso à informação (com escolas de todo o país acessan-
do os mesmos dados) e colocam estudantes da escola básica em contato eletrônico com especialis-
tas nas diversas áreas do conhecimento. Ora, o depoimento citado acima evidencia uma ambigüi-
dade já descrita pelos estudos críticos da comunicação e da cultura de massa: a lógica do
espetáculo corrente nas imagens midiáticas condiciona a percepção do espectador. Assim, quando
aparece o professor ou o especialista explicando um conceito mais complexo, que exige certo
nível de abstração, “O aluno não sente motivação para assistir”. Como deve a TV Escola lidar
com este problema?

A esta altura, convém amarrar as informações e questões aqui lançadas, a fim de elaborar
um quadro mais ajustado sobre a atuação da TV Escola no atual cenário educacional brasileiro.

Assim, foram apresentados os argumentos que devem orientar a educação para os povos
do mundo todo durante o século XXI, segundo a Unesco. Também foi constatada a influência
desses argumentos nas linhas de ação do governo federal brasileiro, manifestadas principalmente
na LDB e no Plano Nacional de Educação. Um exame dos documentos oficiais revelou a visão
governamental sobre o papel da educação a distância e, particularmente, sobre o desempenho
esperado pela TV Escola no processo educacional, além das dificuldades e desafios que o trabalho
encontra pela frente.
59
Ainda que de forma circunstancial, pode-se resumir este quadro da seguinte forma: as po-
líticas implementadas com as reformas dos anos 90 trabalham para descentralizar o trabalho edu-
cativo escolar, fazendo deste um processo menos unidirecional, controlado de cima e padronizado
e mais interativo, regulado pelos sujeitos diretamente envolvidos nas atividades e que englobe e
expresse as diversidades culturais e cognitivas.

Também pode-se dizer que projeto original da TV Escola foi criado para agir em sintonia
com este cenário. Ao criar uma grade de programação que contemple assuntos diversos para pú-
blicos diversos (incluindo até a comunidade), e uma rede complementar de informações impressas
e eletrônicas (disponíveis, mas não obrigatórias), a TV Escola concretiza a proposta de ampliar o
foco da educação, promover a eqüidade , a autonomia e a diversidade cultural dentro da escola
pública.

Entretanto, como mostram os documentos do próprio governo, a situação concreta está


longe da ideal para o ensino a distância que se pretende alcançar. A falta de recursos para investir
na concessão de tecnologia é, de longe, o problema mais importante. Em segundo lugar vem a
falta de repertório técnico e pedagógico dos professores que estão na rede pública. Existe também
outro conjunto de problemas menos evidentes, mas que, no longo prazo podem comprometer o
sucesso do investimento. Um deles reside na aparente falta de critérios objetivos para avaliar o
potencial educativo dos vídeos que ora integram a grade de programação. Os próprios documen-
tos considerados nesta pesquisa já sinalizaram para esta falta. Haja visto as lacunas comentadas no
quadro que elenca os critérios para escolha de vídeos para serem comprados (quadro 1, na página
53), os resultados da avaliação dos vídeos sobre meio ambiente feita pela Fundação Cesgranrio e
os problemas relativos à recepção detectados na mesma investigação.

Fecha-se aqui, portanto, o primeiro foco de investigação proposto pela presente pesquisa,
que pretende definir categorias de análise específicas para estudar detalhadamente o potencial
educativo do material audiovisual que está chegando às escolas. Para que a análise crítica esteja
devidamente iluminada, é conveniente uma recapitulação dos fundamentos teóricos que norteiam
o trabalho educativo atualmente. Um breve panorama será traçado no próximo capítulo.

60
CAPÍTULO 3

Finalidades e objetivos para a


educação no mundo e no Brasil

3.1 A escola moderna se configura

E
ducar para quê? A pergunta feita há milhares de anos ainda ressoa no projeto
pedagógico da TV Escola. Para discorrer melhor sobre esta questão, convém
caracterizar o entorno histórico, cultural e sociológico da escola pública con-
temporânea. Segundo Cambi (2001), a escola atual tem na queda do antigo regime um marco
simbólico do seu surgimento. O autor identifica na Revolução Francesa, portanto, a mudança ra-
dical na mentalidade vigente. Com a revolução, foram substituídos os conceitos medievais de
sociedade da ordem, direito divino, relação orgânica entre as classes sociais por uma visão carac-
terizada pela abertura às incertezas do futuro, ao pluralismo de interesses e de projetos e, sobretu-
do, pelo “caráter conflitante e para a hegemonia construída pragmaticamente dentro e através de
conflitos” (2001, p. 377).

O autor enumera características da época contemporânea que irão formatar o modelo de


escola tal qual o conhecemos hoje. Assim, a contemporaneidade é a época da industrialização, dos
direitos das massas e da democracia, mas também dos estados autoritários reclamados nos locais
em que a industrialização tardou a se afirmar. Esta é também a época dos direitos do homem, do
cidadão, da criança, da mulher, do trabalhador, das etnias, das minorias, dos animais e da nature-
za. Por outro lado, é a época das massas amorfas como protagonistas do movimento histórico. Da
multidão que se rebela contra a elite, mas que, ao mesmo tempo, introjeta os mecanismos elitistas
de controle político e social.

“A contemporaneidade produz as massas, mas também os mecanis-


mos para seu controle, desde as ideologias até as associações, a propaganda,
o uso do tempo livre, os meios de comunicação: e neste binômio de massifica-
ção e de regulamentação das massas se exprime uma das características mais
profundas do ‘tempo presente’” (2001, p. 380).

61
Enfim, esta é a época da democracia burguesa: universal, mais ligada à economia mas
também à ética e à cidadania. O cidadão burguês aprendeu a valorizar o espírito comunitário, ao
mesmo tempo em que valoriza o respeito às liberdades individuais e de grupos.

Portanto, a descentralização, o pluralismo e a tensão social contemporâneos reclamaram o


surgimento de uma instituição que pudesse fazer a mediação entre as diversidades. Coube à edu-
cação o papel de “centro de gravidade da vida social”. Com efeito, é no trabalho educativo que a
sociedade objetiva processos de conformação às normas coletivas, em que as manifestações cultu-
rais realizam sua continuidade, em que os sujeitos aprendem a equilibrar a individualidade e a
vida integrada ao coletivo, e onde também recebem “instrumentos para inserir-se dinamicamente
neste processo, solicitando soluções novas e mais abertas” (p. 381).

Neste contexto, a escola, forma hegemônica da educação contemporânea, irá priorizar


uma “educação social”, de fundo político, mas também sofrerá constantes reelaborações, inte-
grando conceitos vindos da ciência e da filosofia, unindo “experimentação e reflexão crítica, num
jogo complexo e sutil” (p. 381).

Por ser mecanismo de mediação e equilíbrio social, a educação se concretiza sempre de-
pendente de uma ideologia, que envolve projetos de convívio, organização e transformação do
mundo social. Assim, a escola se encarregou da transmissão de conhecimentos, comportamentos e
atitudes mentais. Certamente dois valores se destacam: 1. a produtividade como estilo de vida
individual e coletiva; 2. a ordenação hierárquica dos conteúdos escolares, que sublinham o valor
de cada tipo de conhecimento.

Ademais, o vínculo entre a educação e a sociedade, intermediado por uma ideologia, tem
gerado propostas para a educação que ainda são amplamente discutidas. Tais proposições oscilam
entre modelos tecnocráticos, autoritários e emancipatórios, que ora sublinham a funcionalidade da
educação à sociedade, num processo não aberto à mudança; ora destacam a função crítica, eman-
cipatória e transformadora da educação. Assim, os conceitos de adaptação e de emancipação irão
fundamentar os debates em torno da questão “educar para quê?”.

Ao longo dos 200 anos após a Revolução Francesa, diversos autores sistematizaram fina-
lidades e objetivos para a educação escolar, ampliando o foco das atenções até alcançar questões
específicas como a educação de novos sujeitos. Mereceram atenção, por exemplo, os portadores
de deficiências físicas e mentais, para os quais foi projetada uma pedagogia da recuperação, base-
ada em procedimentos que valorizam o exercício sensorial, os laços afetivos entre educador e
educando e o papel pedagógico do jogo.

62
As mulheres, depois de milênios excluídas da escola, também mereceram uma pedagogia
própria e, ao menos recentemente, marcada pela busca da emancipação política e cognitiva. Cam-
bi avalia que as iniciativas foram ora mais, ora menos avançadas, e que, primeiramente, buscaram
a paridade com os homens. Conseqüentemente, a educação das mulheres se pautou por referenci-
ais como a violência, a prepotência, o domínio, mas também a produtividade, a eficiência e o de-
senvolvimento tecnológico.

Entretanto, nos últimos 30 anos, esse referencial acabou se mostrando insuficiente para
sustentar o papel social que a mulher deve assumir. Assim, no lugar da paridade entre o masculino
e o feminino, a educação dos nossos dias também tem procurado resgatar a diferença entre ho-
mens e mulheres, inclusive no campo educativo. Segundo o autor (2001, p. 388)

“Projeta-se, assim, uma educação toda no feminino para as mulheres,


que as separe do contexto masculino da sociedade e as mergulhe nos seus
valores e nas suas práticas comunicativas, conduzindo-as à reconstrução da
cultura, partindo de perspectivas radicalmente novas e autenticamente alterna-
tivas aos modelos em curso (masculinos) e agora em crise.”

Finalmente, as etnias também mereceram a criação de uma pedagogia específica, capaz de


promover o diálogo entre culturas diferentes e entre “mentalidades assimétricas”. Para o autor, as
modificações trazidas pelos novos sujeitos educativos obrigaram a pedagogia a repensar objetivos
e valores, e a estabelecer parâmetros mais abrangentes e tolerantes, sempre revistos à luz de uma
“reflexão comparada de modelos de educação”.

Entretanto, como a época contemporânea é o tempo das ambigüidades e dos conflitos, a


despeito dos avanços no campo da pedagogia, a sociedade viu nascer também uma visão mítica
sobre o poder da educação que, infelizmente, a prática não confirmou. Cambi recobra desde o
entusiasmo de iluministas como Rousseau, até a leitura democrática liberal de Dewey, a leitura
socialista de Marx ou a leitura adaptativa de Comte para mostrar que todos tinham em comum a
idéia de educação “como fator-chave do desenvolvimento social” (p. 390). Enfim, com a possibi-
lidade de experimentação desses ideais, verificou-se que, na prática, a educação não pode tudo, e
que existem limites objetivos para a prática pedagógica.

Os desdobramentos do “educar para quê?” alcançaram, inclusive, as discussões sobre a re-


lação mais legítima entre instrução e trabalho. Cambi fala em um “duplo legado” da contempora-
neidade, que não tem solução pronta e precisa ser interrogado sem preconceitos ou censuras. As-
sim, se por um lado, a instrução se firmou como direito universal, o trabalho se configurou como
dever social e como atividade específica do homem. Conseqüentemente, ora o trabalho, ora a pura

63
instrução se firmaram como dever elementar da escola. Mas a estreita relação entre essas duas
esferas sempre esteve presente nas discussões que ocorreram do século XVIII para cá. Para mos-
trar os extremos deste debate, o autor recobra o legado marxista (que conjugou formação cultural
e trabalho real na fábrica) e a “virada cognitivista” (que encarou o trabalho como “trabalho peda-
gógico”, aquele feito dentro da sala de aula, para exercitar habilidades intelectuais e manuais do
estudante, na tentativa de unificar pensamento e a ação, num fazer não-produtivo).

Aliás, a assimetria intrínseca à relação entre a instrução e o trabalho foi devidamente assi-
nalada no tempos atuais. Cambi fala de uma ambigüidade marcante entre lógicas diferentes —
cognitivas para a instrução e produtivas para o trabalho — e entre finalidades diferentes — imedi-
atistas para o trabalho e que podem ser demoradas, postergadas pela instrução.

Finalmente, outros dois aspectos merecem ser comentados, a fim de completar o entorno
histórico e cultural da escola contemporânea. Um deles refere-se às reformas educacionais, cuja
principal conseqüência foi a laicização do ensino e os desdobramentos desse processo. O outro
refere-se à emergência recente de um saber tipicamente pedagógico, formado pelas contribuições
das ciências, da política e da filosofia.

Com o desenvolvimento das nações-estado, a instituição escolar foi obrigada a rever suas
estruturas, a fim de adquirir mais funcionalidade social. Assim, ela se tornou obrigatória, gratuita
e estatal, com pequenas variações de grau e ordem, que não chegam a comprometer o caráter ma-
joritário dessas características. A gratuidade e a obrigação da freqüência, segundo Cambi, eram
necessárias para “atingir justamente aquelas qualidades típicas do cidadão moderno: sentir-se par-
te de um Estado, reconhecer suas leis, realizar a sua defesa ou a sua prosperidade” (p. 399). A
estatização, por outro lado, passou o controle da gestão para o setor público, que se encarregou —
ao menos em tese — de subtrair todas as influências parciais (tais como as étnicas, as religiosas
ou as de poder aquisitivo, por exemplo) que pudessem interferir no processo. Apesar de todas as
distorções facilmente verificáveis, a proposta original conseguiu, enfim, laicizar o ensino, valori-
zando-o nos aspectos da criticidade e da racionalidade que devem imperar na escola. Justamente
pela valorização da atividade racional, o ensino escolar pôde também implementar um processo
cronológico de aprendizagem, capaz de atender às necessidades das diversas classes sociais, e de
permitir a passagem progressiva de uma instância a outra (do elementar à universidade), ofere-
cendo um instrumento, ao menos em princípio, de mobilidade social.

Entretanto, o binômio conformação-emancipação ainda persiste. A escola vista como ins-


tituição técnica — reprodutora da força de trabalho — ou como instituição cultural — apta a in-

64
troduzir o estudante no “reino do espírito” — ainda desafia estudiosos e gestores a encontrarem
um caminho legítimo para o estudantes que há mais de 200 anos freqüentam os bancos escolares.

Outro desdobramento histórico importante foi o surgimento progressivo de um saber tipi-


camente pedagógico, fruto da confluência de saberes vindos da ciência, da política e da filosofia.
Cambi argumenta que, desde a antigüidade clássica, o saber pedagógico manteve estreita relação
com a metafísica, mas que, na época moderna, essa situação mudou. No lugar da filosofia especu-
lativa como norteadora dos modelos de homem, de cultura e de sociedade que deveriam ser ensi-
nados, a escola passou a fazer uso de uma série de novas referências. E criou um novo lugar para
a filosofia: agora empírica e crítica, a “filosofia da educação” deve se encarregar da tarefa de ana-
lisar radicalmente os processos educacionais.

Assim, o novo epicentro pedagógico foi composto com contribuições vindas da psicologi-
a, da sociologia, da antropologia, da psicanálise, da estatística, da biologia, da lingüística e até da
cibernética. A principal contribuição dessas ciências foi a constituição de um conjunto de proce-
dimentos experimentais e analíticos, que desembocaram numa “ciência educativa” (2001, p. 403):

“Podemos dizer que, desde os anos 60, pelo menos, a pedagogia tor-
nou-se pesquisa educativa desenvolvida dentro das ciências da educação e à
qual é delegada a tarefa de fixar modelos e estratégias de formação.”

Os desdobramentos dessa nova configuração resultaram num conjunto de saberes com-


plexos, não lineares, pluralistas e, conseqüentemente, instáveis. Entretanto, ao menos para fins
didáticos, pode-se estabelecer algumas linhas mestras dessas tendências.

3.2 Modelos educacionais e saberes escolares

A dialética do disciplinar e do libertar se concretiza nos modelos educacionais que tendem


para as pedagogias diretivas (isto é, aquelas que traçam um caminho de aprendizagem a ser perse-
guido pelo estudante) e as não-diretivas (aquelas que dão liberdade ao educando para fazer esco-
lhas de aprendizagem). Há certo consenso em afirmar que as tendências diretivas concebem a
educação como transmissão, ou seja, como um processo que restaura uma herança cultural através
da linguagem, de comportamentos e valores específicos postos aos estudantes. Já as tendências
não-diretivas tendem a conceber a educação como um processo de construção que, ao produzir
certas estruturas mentais, permite ao estudante organizar sua experiência e evoluir no plano cogni-
tivo.

65
Na prática cotidiana, entretanto, segundo Juif e Dovero (1974), o educador mescla as duas
tendências “em função do contexto histórico, mas também da idade da criança e da estrutura so-
ciométrica do grupo-turma”. Eles falam de uma dialética pedagógica corrente que, a todo momen-
to deve “conciliar a liberdade da criança como seu direito de ser educada, isto é com o dever do
adulto” (p. 16).

Evidentemente, as escolhas são feitas a partir de um corpus de conhecimento razoavel-


mente estruturado, que os autores denominam de “ciências da educação”. Eles oferecem uma de-
finição (1974, p. 24):

“Se fosse necessário definir as Ciências da Educação, diríamos que


elas constituem a soma ou a ‘síntese das diversas disciplinas que se interes-
sam pelo homem no seu devir educacional’”

Eles falam, portanto, de uma “multidisciplina”, uma espécie de inventário que reúne o
conjunto de fatores que determinam o acesso da criança ao estado de adulto. Uma faceta marcante
deste inventário é o modelo denominado “Psicopedagogia”. Esta é a linha “nascida das reflexões
dos pensadores do século XVIII e das observações dos pedagogos românticos” mas que também
“deve muito aos médicos” (p. 25).

Apesar da diversidade de autores que fundamentam o campo da Psicopedagogia (Pesta-


lozzi, Freinet etc), Juif e Dovero afirmam que eles têm em comum o propósito de “tornar o ensino
psicológico”, isto é, considerar o educando como um sujeito marcado por disposições mentais
típicas. Entretanto, este é um campo que não deve ser confundido com a psicologia clínica ou
genética (p.26):

“Enquanto a psicologia genética é sobretudo o estudo do desen-


volvimento espontâneo da criança no quadro de atividades livres, a psicopeda-
gogia é, em primeiro lugar, o estudo da criança em situação de aluno, perante
aprendizagens obrigatórias e geralmente em grupo”.

Conseqüentemente, o ato de educar é um auxílio ao crescimento, uma ferramenta que


torna mais eficaz a passagem de uma etapa a outra do desenvolvimento. Os autores resumem um
modelo de sucessão dessas etapas, e as tarefas necessárias a cada uma delas.

Assim, a educação é um processo que se inicia na chamada “primeira infância”: os primei-


ros hábitos são ensinados principalmente pela família e, nesta fase, a aprendizagem está subordi-
nada à “maturidade funcional”, mas também já se inicia um processo de aculturação. A “segunda

66
infância” começa com a “crise dos três anos”, com o início dos processos de socialização, que
exigem intervenções educativas da família mas também da escola maternal. Nesta fase, as ações
educativas devem privilegiar a construção de um pequeno universo sensorial próximo e de meca-
nismos elementares de linguagem.

A escolaridade obrigatória irá preencher a terceira fase, chamada de “grande infância” e


deverá prover o saber instrumental. A escola deve, então, propor à criança um “primeiro inventá-
rio metódico do universo” (p. 17). As atividades pedagógicas devem proporcionar a interiorização
do pensamento operatório (nos termos de Piaget), que irá preparar o aluno para tirar melhor pro-
veito do ensino de segundo grau. Este sim deve se encarregar da tarefa de oferecer conhecimentos
determinados.

Na quarta fase — quando a criança tem por volta de 11 anos — chamada de “idade da
maturidade pueril”, o estudante já é dotado das habilidades de observação e orientação. A escola
deve trabalhar para oferecer os instrumentos que facilitem a apreensão das operações formais e
assim, permitir ao jovem adolescente uma primeira sistematização do saber.

Na etapa subseqüente, a do ensino de segundo grau (ensino médio no Brasil), a escola de-
ve oferecer uma diversidade de conhecimentos em função das diferentes capacidades e interesses
dos estudantes. É hora de fornecer conhecimentos que preparem para uma profissão ou de ofere-
cer elementos culturais que servirão de alicerce para os estudos universitários. Os autores lem-
bram que esta é também a fase da “crise do eu”, intensificada pela necessidade de integração soci-
al. Entretanto, a “abertura cultural” e as “possibilidades de expressão” propostas pela escola auxi-
liam na “libertação do eu” e permitem o acesso à “idade filosófica” (p.18). No final deste proces-
so, o jovem, em tese pelo menos, está preparado para dominar a ciência e a alta cultura.

Mas o contexto contemporâneo exige um novo desdobramento, alertam os autores. É que


as constantes mudanças propiciadas pelo desenvolvimento científico e tecnólogico atual obrigam
o homem moderno a nunca parar de estudar. Eles falam de uma educação permanente, “que per-
mite ao adulto compreender a seu tempo, participar na solução dos problemas do momento e usu-
fruir dos bens de cultura” (p. 18). Em última instância, pode-se supor que o modelo psicopedagó-
gico concebe a educação como um ato de reponsabilizar-se pela própria educação e que, para essa
concepção “não é um paradoxo pensar que o objetivo da educação é levar o indivíduo a poder
passar sem os educadores” (p.19).

Embora o foco no indivíduo que está sendo educado seja revelador de aspectos importan-
tes do processo, uma visão mais consistente exige que se observe este fenômeno também de uma

67
perspectiva estrutural. Assim, é com contribuições da Sociologia que as ciências da educação en-
contram um referencial fecundo para pensar no papel político da escola.

Um marco atual da análise sociológica do fenômeno educativo pode ser encontrada no


pensamento de Castells (1996). Ao defender a necessidade de um novo modelo teórico para ex-
plicar o funcionamento da sociedade após a criação do microprocessador, o autor descreve a “so-
ciedade em rede” como um modelo ainda mais especializado do que aquele chamado de “pós-
industrial”, cujas análises não compreendem a atual estrutura de modo tão preciso (1996, p.5):

“Em sua essência, a teoria do pós-industrialismo baseia-se em uma


observação empírica fundamental: a produtividade e o crescimento econômico
ainda organizam as sociedades em função de sua lógica, no processo de tra-
balho e na distribuição da riqueza deste modo gerada.”

Além disso, o desenvolvimento científico e tecnológico registrados a partir da segunda


metade do século XX converteram o conhecimento e a informação em elementos fundamentais
para a geração de riqueza, criando a chamada “tecnologia social e organizativa”(1996, p. 5):

“A primeira análise econométrica em que se baseou a teoria do pós-


industrialismo esclareceu que a combinação dos fatores de produção (basica-
mente o trabalho e o capital) e o uso eficaz da energia, através da tecnologia
organizativa, fixaram as bases para a hipótese da origem da produtividade.”

A expansão do setor de serviços é tida como outra evidência empírica desta teoria: signifi-
ca uma extensão do trabalho humano para além da produção material. Por outro lado, a produtivi-
dade em si também é gerada na esfera da “economia informacional”, permitindo a expansão de
serviços sociais como a educação, por exemplo, que estão mais próximos das demandas sociais
das sociedades do que das demandas materiais da economia. Logo, uma proporção crescente da
atividade humana é dedicada “ao processamento de informação e a outras atividades não produti-
vas” (p.6).

Embora abrangente, o modelo pós-industrialista não contempla alguns fatores considera-


dos centrais na atual dinâmica social, de acordo com Castells. O autor salienta, por exemplo, e-
ventos como o colapso do império soviético, a diferenciação crescente entre os países periféricos
(recentemente industrializados como os do Pacífico Asiático, auto-sustentados como a Índia e
decompostos como na África) e o aumento da produção e do consumo de drogas como demons-
trações das novas relações estabelecidas nas estruturas de comunicação e de redes financeiras
criadas pelas tecnologias informacionais.

68
Ao tentar caracterizar o seu modelo social, Castells elege categorias de análise relevantes,
das quais convém destacar as que mais se aproximam da educação escolar. Assim, se a energia foi
a principal matéria-prima para a revolução industrial, a informação é o fundamento da revolução
tecnológica. Um efeito específico desta revolução no sistema social é a profunda inserção dos
símbolos no fazer produtivo de modo que “se torna difícil a distinção tradicional entre produção e
consumo e também se supera o debate metafísico sobre trabalho produtivo e não produtivo”
(1996, p.11).

Conseqüentemente, se a manipulação do símbolo por uma força de trabalho qualificada e


criativa favorece a produtividade, então todos os fatores que contribuam para o aumento de tal
capacidade são, na verdade, forças de produção (1996, p. 11):

“A capacidade mental de trabalho está verdadeiramente vinculada à


educação e à formação, porém, em uma sociedade aberta e complexa, de-
pende da variedade de culturas e das condições institucionais: saúde, comuni-
cação, tempo livre, condições de habitat, recreação cultural, viagens, acesso
ao meio ambiente natural, sociabilidade etc.”

Ocorre que os símbolos manipulados nas novas estruturas produtivas viajam ao redor do
mundo, criando redes de fluxos, que impõem uma lógica específica à maioria dos processos soci-
ais. Conseqüentemente, a estrutura da sociedade adquire novo condicionamento. Essa nova de-
terminação opera em quatro níveis, segundo o autor.

Em primeiro lugar, as redes é que organizam as posições dos atores e das organizações nas
sociedades e nas economias, de modo que “a ausência na rede dominante leva a uma estrutura
irrelevante”. Logo, em sociedades desiguais, a distinção entre segmentos, grupos e indivíduos é
caracterizada pela posição relativa em uma rede importante. Na prática, o que se tem, por exem-
plo, são países conectados a uma rede econômica, que têm sua atuação como fator vital para a
manutenção do sistema, enquanto outros caem na completa irrelevância, tornando irrelevantes
também as populações que vivem nesses países. A situação se repete no âmbito pessoal: indiví-
duos com diferentes “níveis educativos” são importantes ou vitais para o sistema, enquanto outros
são substituídos pela automatização dos processos.

Em segundo lugar, há que se considerar a importância estrutural dos fluxos gerados pelas
diversas redes. De fato há uma hierarquia em que uma rede se impõe a outra, influenciando, inclu-
sive, a lógica social e simbólica. Entretanto, essa lógica é instável e muda ao sabor de transforma-
ções tecnológicas e sociais, ao que torna importante saber, por exemplo, se “quando há prosperi-

69
dade, é a força de trabalho dos de fora a que se introduz porque eles cumprem melhor os requisi-
tos das redes mundiais para a reativação das regiões” (p. 24).

Em terceiro lugar, no interior de cada rede, há sempre uma relação assimétrica entre os in-
divíduos, que traz conseqüências, por vezes, preocupantes. Assim, os executivos das redes finan-
ceiras têm posição dominante em relação aos usuários; os editores de revistas científicas influen-
ciam nos esforços de inovação dos pesquisadores jovens; os editores de TV dominam o conteúdo
e o fluxo de informações que chegam aos espectadores.

Finalmente, a lógica de fluxos é universal, porém “não compreensiva”, o que equivale a


dizer que cobre todas as esferas da sociedade de todas as regiões do planeta, mas de maneira sele-
tiva: “segmenta os países e as pessoas de acordo com as metas específicas de cada rede e com as
características das pessoas e dos países” (p. 25). Esse quadro cria uma geografia desigual, porque
a participação na rede cria um significado “a partir do qual lugares, grupos e pessoas são descons-
truídos na sua experiência para serem reconstruídos nos fluxos” (p. 25).

O novo condicionamento social faz exigências específicas a sociedades, grupos e indiví-


duos, e essas exigências implicam em certas habilidades. Uma delas refere-se à competência para
gerar um novo conhecimento recolhendo informação estratégica, o que depende da qualidade do
acesso aos fluxos. “É nesse sentido que vivemos em uma sociedade da informação baseada no
conhecimento”, salienta Castells (p. 26). Além disso, a hegemonia dos fluxos de imagens, sons e
mensagens através de mídias como o rádio, a televisão e a internet criam padrões de representação
da realidade moldadas pela configuração de fluxos inter-relacionados que vivem de “pontes” for-
madas por redes mundiais hegemônicas (basta pensar nas agências internacionais de notícias). O
desafio é ordenar a informação legítima para a sociedade, grupo ou indivíduo, a partir do que está
disponível na rede.

Esses são os motivos que, em última instância, elegem a informação como ingrediente bá-
sico da atual organização social: “Isso é o começo de uma nova existência, quase o começo de
uma nova sociedade, marcada pela plena autonomia da cultura em relação às bases materiais da
nossa existência”. Entretanto, o autor não vê o momento presente como necessariamente alegre ou
promissor. É que, apesar das mudanças estruturais que ele identifica, a desigualdade ainda tem
assento cativo nas sociedades.

Assim, além das tradicionais desigualdades materiais de renda, moradia e alimentação,


surge um conjunto de novas disparidades, que, no campo específico da educação, foram caracteri-
zadas por Flecha (1996).

70
Partindo do conceito de “modelo dual da sociedade da informação”, o autor, já de início,
tenta frear o otimismo dos experts que afirmam ser esta uma sociedade mais democrática e iguali-
tária que as anteriores. O argumento hegemônico é o de que, na sociedade industrial, a hierarquia
era estabelecida entre quem possuía bens materiais muito desigualmente distribuídos. Hoje, na
sociedade da informação, predomina o mental sobre o material e bem ou mal, todos nós temos
uma cabeça para processar a informação. Num rápido comentário, Flecha lembra, porém, que o
ingresso a uma palestra de um desses experts chegou a custar o equivalente a R$1.700 em Barce-
lona.

Portanto, o quadro pode ser assim organizado: se é verdade que o fluxo mais intenso e a-
brangente de informações pode potencialmente melhorar a vida de quem antes estava “condena-
do” à pobreza e à ignorância, por outro lado, o modelo hegemônico que está sendo implementado
parece estar agudizando velhas desigualdades, além de gerar outras novas (1996, p. 34):

“Entre elas [as desigualdades], cabe destacar a fragmentação dos tra-


balhadores que se está produzindo como conseqüência de não se utilizar as
novas possibilidades para diminuir a jornada de trabalho, senão para diminuir o
número dos postos de trabalho adequadamente estáveis e remunerados. As-
sim se está chegando a uma grave separação de pessoas em três setores: as
fixas, as eventuais e os desempregados”.

Na lógica do modelo dual, o autor vê a educação como produtora de recursos para reforçar
as barreiras entre os três setores. Assim, as pessoas do primeiro setor (as fixas) são as que possu-
em cada vez mais títulos universitários, enquanto as do terceiro setor (os desempregados) são as
que não chegaram a concluir a escola elementar. “Somente as pessoas que possuem um alto do-
mínio dos conhecimentos atualmente priorizados estão ficando dentro do primeiro setor” (p. 35).

Portanto, a transição da sociedade industrial à sociedade da informação agrega um forte


componente cultural à velha marginalidade econômica. Os conhecimentos relevantes (cada vez
mais complexos) são distribuídos de maneira muito desigual entre a população, segundo critérios
como grupo social, gênero, etnia e idade, por exemplo, completando o círculo vicioso da desi-
gualdade cultural. Neste ciclo, surgem alguns fenômenos importantes de serem discutidos pelos
educadores críticos.

Um aspecto importante é que a proeminência dos bens culturais realça as relações de po-
der simbólico já diagnosticadas por Bordieu (1999), de modo que os setores ou grupos que ocu-
pam posições sociais privilegiadas dispõem também da autoridade simbólica para decidir qual é a

71
cultura valorizada dentro do seu “território” social. E, conseqüentemente, legitimam sua autorida-
de simbólica, já que detém os conhecimentos assentados como mais importantes.

Bordieu fala em uma “economia das trocas simbólicas”, que, assim, como a escola con-
temporânea, tomou forma a partir das revoluções burguesas. Ao se libertar do comando da aristo-
cracia e da Igreja, a vida intelectual e artística sofreu influências de três ordens de transformações
decisivas: 1. a constituição de um “público consumidor de idéias” socialmente mais diversificado,
capaz de gerar independência econômica e também um princípio de legitimação paralelo àquele
praticado pelo poder tradicional (a nobreza e o clero); 2. a constituição de um corpo numeroso e
diferenciado de empresários de bens simbólicos “cuja profissionalização faz com que passem a
reconhecer exclusivamente um certo tipo de determinações como por exemplo os imperativos
técnicos e as normas que definem as condições de acesso à profissão e de participação no meio”
(1999, p. 100); 3. a multiplicação e a diversificação de instâncias culturais e de difusão de cultura,
cujas operações, são “investidas de legitimidade propriamente cultural, ainda que, como no caso
das editoras e das direções artísticas dos teatros, continuem subordinadas a obrigações econômi-
cas e sociais capazes de influir, por seu intermédio, sobre a própria vida intelectual” (p. 100).

Com o passar do tempo, a especialização do sistema de produção e circulação de bens


simbólicos divide este campo em instâncias diferenciadas, definidas pela função que cumprem no
trabalho de produção, reprodução e divulgação. O autor fala de um campo de produção erudita
como a instância que produz bens culturais e instrumentos de apropriação desses bens “objetiva-
mente destinados (ao menos a curto prazo) a um público de produtores de bens culturais que tam-
bém produzem para produtores de bens culturais” (p. 105). De outro lado há um campo da indús-
tria cultural, “especificamente organizado com vistas à produção de bens culturais destinados a
não-produtores de bens culturais (...) que podem ser recrutados tanto nas frações não-intelectuais
das classes dominantes (...), como nas demais classes sociais”(p. 105).

Embora distintos, esses dois campos se relacionam ininterruptamente, em espaços diver-


sos que vão dos museus de arte, passando pela escola e pelos meios de comunicação, por exem-
plo. Por este motivo, Bordieu fala em um terceiro campo, o “das instâncias de reprodução e con-
sagração”, responsáveis por estabelecer as tais distinções culturais aqui já comentadas.

A dinâmica entre os campos simbólicos diferenciados começa nas disposições mentais e-


xigidas para a compreensão das obras de cada instância. Assim, as obras produzidas no campo
erudito são “puras”, “abstratas” e “esotéricas”. Logo, exigem pré-disposições estéticas, enfoques
específicos, referência à história inteira de suas estruturas para serem compreendidas. Por isso,
“são acessíveis apenas aos detentores de manejo prático ou teórico de um código refinado e, con-

72
seqüentemente, dos códigos sucessivos e do código desses códigos” (p. 116). Já as obras produzi-
das no campo da indústria cultural são compreendidas de maneira mais ou menos independente
do nível de instrução dos seus receptores, já que os conteúdos e códigos são ajustados à demanda
comercial.

Comparativamente, portanto, dada a condição de “raridade” dos instrumentos destinados


ao seu deciframento, e também dado o esforço necessário para adquirir as tais refinadas capacida-
des de decodificação, os produtos da cultura erudita assumem a função de distinção social, conce-
dida a quem os domina, seja através do acesso à instituição escolar adequada ou através de uma
família “cultivada”, por exemplo.

Assim, o sistema escolar, visto como uma instituição qualificada de reprodução e consa-
gração (tarefa que divide com os meios de comunicação e com outras instituições culturais), asse-
gura “a reprodução do sistema dos esquemas de ação, de expressão, de concepção, de imaginação,
de percepção e de apreciação objetivamente disponíveis em uma determinada formação social”.
Dependendo das características, e com a ação prolongada, esse sistema irá promover um conjunto
“mais ou menos integrado, mais ou menos extenso, mais ou menos apropriado destes esquemas”
(p. 117).

Mas não é só isso. As diversas instâncias artísticas e culturais (produtoras ou reprodutoras)


estão continuamente disputando espaço no “mercado das distinções”, tentando ampliar o seu po-
der simbólico. Assim, os sistemas de ensino, especificamente, põem em prática seus mecanismos
de consagração ao converter determinadas obras em “clássicos” que devem ser inseridos nos pro-
gramas curriculares. Ao longo dos anos, a escola está lapidando e estabilizando categorias de per-
cepção da realidade que irão formatar um estilo de vida (1999, p. 121):

“Enquanto ‘força formadora de hábitos’, a escola propicia aos que se


encontram direta ou indiretamente submetidos à sua influência, não tanto
esquemas de pensamento particulares e particularizados, mas uma disposição
geral geradora de esquemas particulares capazes de serem aplicados em cam-
pos diferentes do pensamento e da ação, aos quais pode-se dar o nome de
habitus cultivado.”

Ao considerar que os “indivíduos cultivados” devem sua cultura à escola (vale dizer a um
programa de percepção, de pensamento e de ação) e somando esta constatação ao fato de que nu-
ma sociedade as escolas produzem resultados efetivos diferenciados (sejam eles planejados ou
não), na prática, o que se tem são sistemas de ensino que operam uma “segregação efetiva, ten-
dente a reservar de modo mais ou menos completo o ensino secundário (sobretudo nas seções

73
clássicas) e o ensino superior às classes mais favorecidas tanto do ponto de vista econômico, e
sobretudo do ponto de vista cultural” (p. 219). Logo, a escola, especialmente nos níveis mais a-
vançados, cumpre a função de consagrar uma distinção cultural: ela separa os que recebem a cul-
tura e dispõem de um sistema de categorias de percepção, de linguagem, de pensamento e de a-
preciação sofisticados. Estes estão aptos a exercer a violência simbólica sobre aqueles que estive-
ram à margem do processo de cultivo escolar.

A violência simbólica gera uma espécie de “efeito colateral” cultural que Flecha (1996)
chamou de “seguimento”: a “magia” do status, reforçada no âmbito das trocas simbólicas, instiga
amplos setores da população a escolher suas práticas sócio-culturais imitando as práticas de gru-
pos privilegiados, desembocando numa dinâmica duplamente prejudicial (p. 37):

“Por um lado, supõe uma desqualificação da própria cultura em troca


de uma simulação de algumas práticas que são estruturadas basicamente em
função de seu poder de diferenciação (...). Contudo, supõe seguir um objetivo
que, por definição, não só é inacessível, senão inaproximável”.

Para ilustrar este alerta, basta lembrar do “consultor de vendas” que, anualmente, desem-
bolsa quantias razoáveis do seu salário para assistir palestras de consultores famosos, que irão
revelar os segredos da liderança que fizeram os grandes executivos internacionais. “Sua realização
leva à expropriação da própria cultura”, avalia Flecha. “Tal expropriação não é substituída por um
pleno desenvolvimento da cultura de adoção, senão por uma posição muito secundária a ela” (p.
37).

Aos olhos da Sociologia, portanto, a escola real, inserida na dinâmica da luta de classes,
pode efetivar um projeto contrário àquele imaginado pelas famílias que apostam na educação co-
mo alavanca econômica e cultural para seus filhos. Aos educadores críticos, conscientes de que
não é bem este o caso, resta a tarefa de enfrentar a coerção das desigualdades, evidenciadas pelas
contribuições da Sociologia à educação escolar.

A fim de oferecer subsídios para este enfrentamento, Flecha, por exemplo, aponta uma re-
ferência adequada na obra de Habermas (1989). Ao considerar todas as pessoas como sujeitos que
se manifestam através do diálogo intersubjetivo, Habermas descreve a perspectiva comunicativa
das relações sociais. Tal teoria também é útil para compreender as relações de ensino e aprendiza-
gem no espaço escolar.

74
Assim, em linhas gerais, a perspectiva comunicativa crê no diálogo como forma de supe-
rar as desigualdades sócio-culturais. Entretanto, as transformações não podem ser impostas por
nenhum sujeito que se considere dono da verdade, como é comum na perspectiva da educação
conservadora tradicional, por exemplo.

Habermas faz uma distinção entre o “agir estratégico” e o “agir comunicativo”. Enquanto,
no primeiro, um falante atua sobre o outro para tentar dar continuidade a uma interação, no se-
gundo, um falante é motivado racionalmente pelo outro, a fim de realizar uma ação de adesão. Em
outras palavras, trata-se de um “agir orientado para o entendimento mútuo” (1989, p. 79): “Cha-
mo de comunicativas às interações nas quais as pessoas envolvidas se põem de acordo para coor-
denar seus planos de ação, o acordo alcançado em cada caso medindo-se pelo reconhecimento
intersubjetivo das pretensões de validez.”

O autor divide os processos lingüísticos de entendimento mútuo em três categorias: pre-


tensões de verdade, pretensões de correção e pretensões sinceridade, conforme os atos de fala se
refiram, respectivamente, a algo no mundo objetivo (a totalidade de estados de coisas existentes),
no mundo social comum (relações interpessoais legitimamente reguladas pelo grupo social) e no
mundo subjetivo próprio (o das vivências a que cada um tem acesso privilegiado).

A motivação racional não se explica pela validade do que é dito mas, antes, pela garantia
assumida pelo falante de que irá se esforçar para resgatar a pretensão erguida, sempre que se fizer
necessário. Essa garantia pode ser obtida discursivamente, isto é, através da apresentação de pro-
vas lingüísticas, nos casos das pretensões de verdade (que se referem ao mundo objetivo) e das
pretensões de correção (as do mundo social comum). Já as pretensões de sinceridade (relativas ao
mundo subjetivo próprio) são garantidas pela consistência do comportamento dos falantes: “Que
alguém pense sinceramente o que diz é algo a que só se pode dar credibilidade pela conseqüência
de suas ações, não pela indicação de razões” (p. 79).

Assim, tão logo o ouvinte aceite a garantia (seja ela discursiva ou comportamental) ofere-
cida pelo falante, entram em ação as obrigações relevantes para a consolidação da interação conti-
da no significado do que está sendo dito. Habermas fala em obrigações de ação que valem direta-
mente para o destinatário do ato lingüístico, como as ordens e instruções e em obrigações que
valem para o falante, no caso das promessas e declarações. Também há o conjunto de obrigações
que são simétricas para os dois lados, como no caso de acordos e contratos, e aquelas que são
assimétricas para os dois lados: são as recomendações e advertências.

75
Quando as trocas lingüísticas efetivadas num ambiente social determinado são motivadas
para o entendimento mútuo, elas constroem uma ética do discurso. Este fenômeno merece ser
examinado porque ajuda a revelar o saldo cultural do trabalho cotidiano escolar. Assim, segundo
Habermas, uma ética do discurso pode ser construída a partir de duas suposições: 1. “que as pre-
tensões de validez normativas tenham um sentido cognitivo e possam ser tratadas como preten-
sões de verdade” e 2. “que a fundamentação de normas e mandamentos exija a efetuação de um
discurso real e não possível monologicamente, sob a forma de uma argumentação hipotética de-
senvolvida em pensamento” (p. 89).

Por outro lado, para que essas duas suposições se realizem e efetivem concretamente o
discurso voltado para o consenso, é preciso que as pretensões expressem uma “vontade univer-
sal”. O princípio da universalização, por sua vez, “exige que as normas morais válidas possam ser
ensinadas universalmente e defendidas publicamente”. O ciclo se fecha com a configuração da
“norma imparcial”, logo legítima para todos os falantes, já que “por encarnarem manifestamente
um interesse comum a todos os concernidos, podem contar com um assentimento universal – e,
nesta medida, merecem reconhecimento intersubjetivo” (p. 86). Agindo desta forma, os falantes
(ou concernentes do diálogo) adentram para o campo da “argumentação moral” (p. 87):

“Ao entrarem na argumentação moral, os participantes prosseguem


seu agir comunicativo numa atitude reflexiva com o objetivo de restaurar um
consenso perturbado. As argumentações morais servem, pois, para dirimir
consensualmente os conflitos da ação”.

Não parece incoerente estabelecer um paralelismo entre Habermas e o pensamento de


Freire (1996), se a meta é compreender a legitimidade do processo educativo na sociedade de
classes marcada pelo uso de tecnologias de comunicação.

A perspectiva comunicativa pode ser identificada na pedagogia comunitária defendida por


Freire. O autor parte do pressuposto de que os homens se diferenciam dos outros animais porque
são capazes de criar e modificar seu mundo, e têm essa capacidade porque desenvolveram a lin-
guagem, sob condições específicas (1996, p. 54):

“Não existe dúvida que a linguagem se desenvolveu ou se desenvolve


no momento que as coisas são feitas pelos indivíduos, para si mesmos ou
também para os outros, em cooperação. É necessário, portanto, reconhecer
que o uso de instrumentos e sua fabricação não bastavam, nem tampouco o
trabalho isolado. Outros animais usam instrumentos, caçam juntos e, nem por
isso, falam.”

76
Em outras palavras, o uso cooperativo de instrumentos na produção, que é atividade medi-
ada pela linguagem, é o que caracteriza a ação humana na criação e modificação do mundo. His-
toricamente agindo desta maneira singular em relação aos outros animais, o ser humano promo-
veu a esfera da liberdade. Conseqüentemente, “o uso da liberdade leva-nos à necessidade de op-
tarmos, e esta é a impossibilidade de sermos neutros” (p. 56).

A educação, como outra prática de produção cooperativa humana qualquer, também sofre
toda a ordem de escolhas, e coloca aos educadores e aos educandos o direito e o dever de se posi-
cionar publicamente (1996, p. 56):

Se a nossa é uma opção progressista, substancialmente democrática,


devemos – respeitando o direito que também têm os educandos de optarem e
de aprenderem a optar, para o qual precisam de liberdade – testemunhar-lhes
a liberdade com que optamos (ou os obstáculos que temos para fazê-lo) e ja-
mais tentarmos impor-lhes nossa escolha, seja ou não de maneira subreptícia.”

O autor enfatiza a importância da coerência entre o discurso e a prática progressistas como


instrumento precioso para substituir a educação conservadora (calcada na “transmissão de paco-
tes” ) pela educação comunitária, calcada na formação. Ou, então, “como podem os professores
provocar no educando a curiosidade crítica necessária no ato de conhecer (...) se eles não confiam
em si mesmos, não se arriscam, se eles mesmos se encontram ligados ao ‘guia’ com o qual devem
transferir aos educandos os conteúdos considerados como salvadores?” (p. 58).

Logo, é através do diálogo que o professor e o aluno, ambos sujeitos igualmente cognos-
centes mediados pelo objeto a ser conhecido, constroem o conhecimento através do processo dia-
lético de análise — partido do genérico para alcançar uma porção determinada — e síntese — que
refaz o caminho para o todo, agora visto como algo concreto, pensado e fruto da síntese da influ-
ência de diversos fatores.

Entretanto, é bom lembrar, para Freire, o conhecimento gerado pelo processo educativo só
tem validade pedagógica na medida em que atende dois requisitos: 1. seja compartilhado entre
pessoas de um determinado contexto histórico e social; 2. tenha esclarecido os seus propósitos, já
que o conhecimento humano é sempre marcado pelo contexto que o gera e não há, portanto, co-
nhecimento neutro. Vale (1998: 62) salienta:

(...) Paulo Freire entendia a ação docente como ação comunicativa.


Pela comunicação falada e escrita seria possível chegar às pessoas de “carne
e osso”, ao ser concreto, inserido numa realidade histórico-social”.

77
Resumindo, Freire enfatiza a importância do diálogo racionalmente motivado para a pro-
dução do bem comum, a coerência entre o discurso e a prática docente e a importância das esco-
lhas adequadas ao contexto histórico e social em que o educador e o educando trabalham coope-
rativamente. Essas características permitem compreender a pedagogia comunitária de Freire como
uma aplicação do agir comunicativo no espaço escolar. Por outro lado, a atacada “educação ban-
cária”, calcada na “transmissão por pacotes” pode ser equiparada ao agir estratégico. Trazido para
a dimensão da escola, este pode ser o discurso que marca a ação pedagógica conservadora.

Tais observações são relevantes para repensar o papel pedagógico de tecnologias de co-
municação. Lima (2001, p. 69) atualiza esta questão:

“No momento em que as potencialidades das tecnologias interativas


acenam para a quebra da unidirecionalidade e da centralização das comunica-
ções, o conceito de comunicação dialógica, relacional e transformadora de
Freire oferece uma referência normativa revitalizada, criativa e desafiadora
para todos aqueles que acreditam na prevalência de um modelo social comuni-
cativo humano e libertador”.

Em resumo, uma abordagem estrutural crítica da educação escolar pública reafirma a im-
portância do uso das tecnologias de comunicação para enfrentar as novas desigualdades educacio-
nais. Entretanto, é preciso que o uso pedagógico de mídias seja respaldado por uma perspectiva
comunicativa, moral e libertadora.

Na tentativa de organizar as contribuições da psicologia e da sociologia em um modelo


educacional mais específico, Bruner (1996) oferece um parâmetro abrangente e aprofundado de
educação emancipadora, ao apresentar a abordagem psicológica culturalista da educação.

Conciliando aquilo que é dado e aquilo que é adquirido no processo de desenvolvimento,


o autor argumenta que não é possível entender a atividade mental sem levar em conta o contexto
cultural e os recursos que este entorno oferece à mente, conferindo-lhe forma e competência. Para
ele, a atividade mental humana “não é solo nem desajudada, mesmo quando se desenrola ‘dentro
da cabeça’. Portanto, “a vida mental é vivida com os outros, forma-se para se comunicar e desen-
volve-se com a ajuda de códigos culturais, tradições e aí por diante” (1996, p.11-12).

Bruner organiza sua resposta à pergunta “educar para quê?” a partir de dois modelos que
explicam o fenômeno da aprendizagem (e conseqüentemente orientam a educação). O primeiro
deles baseia-se em teorias da mente do tipo “dentro-fora”, elegendo o modelo computacional co-

78
mo mais evidente. O segundo baseia-se em teorias do tipo “fora-dentro” e tem o modelo cultura-
lista como expressão. Assim (1996, p.22):

“O computacionismo sério não defende que a mente seja semelhante a


um particular ‘computador’ que necessita ser ‘programado’ de uma certa forma
em ordem a operar sistematicamente ou ‘com eficácia’. O que ele defende é ,
antes, que todo e qualquer sistema que processa informação tem de ser gover-
nado por ‘regras’ específicas ou procedimentos que determinam o que fazer
com os dados recebidos.”

Daí resulta a idéia de que o conhecimento é mais útil ao aluno quando é descoberto atra-
vés de esforços cognitivos pessoais (isto é, a principal tarefa do professor é encaminhar os tais
procedimentos de tratamento dos dados). Operando deste modo, o ensino oferece compreensão e
não apenas informação. “Quando conhecemos alguma coisa, conhecemo-la enquanto exemplar de
um princípio conceitual ou teoria mais ampla” (p.12).

Outro desdobramento do modelo computacional, segundo Bruner, é a confiança na possi-


bilidade de ensinar qualquer assunto a qualquer criança, de qualquer idade. O argumento é que, ao
criar os tais procedimentos para tratamento de dados, o educador tem um modo de representar um
conhecimento, por mais complicado que seja, através de processos de elaboração menos comple-
xa, até atingir a competência mental do aluno em questão.

Por outro lado, ele argumenta, a abordagem fora-dentro, o chamado culturalismo “recolhe
a inspiração no fato revolucionário de que a mente não pode existir separada da cultura” (p.19).
Em outras palavras, a cultura molda a mente do indivíduo, através de um processo contínuo de
conhecer e comunicar, de tal modo que “a cultura faculta os instrumentos de organização e de
compreensão dos nossos mundos em termos comunicáveis” (p.20).

Um desdobramento desta abordagem alcança a questão do papel da educação a partir do


local em que ela se situa na cultura e de que modo “essa situação reflete a distribuição do poder,
do estatuto e de outras vantagens” (p. 29). Em outras palavras, o culturalismo alerta para o fato de
que a mente só pode se desenvolver através da plena participação na cultura, e que a educação
deve ser melhorada a ponto de poder livrar as crianças de influências nefastas tais como “a pobre-
za, a discriminação e a alienação” (p.32):

“Ora, isso envolve-nos inevitavelmente numa incessante avaliação do


ajuste entre o que uma cultura particular considera essencial em ordem a um
estilo de vida que tenha qualidade, ou utilidade, ou valha à pena, e o modo de

79
os indivíduos se adaptarem a essas exigências, à medida que elas invadem
suas existências.”

O modelo de educação, portanto, deve ser visto como a efetiva concretização de um estilo
de vida antes de uma mera preparação para ele. Qualquer que seja o estilo “que valha à pena”, é
certo que ele se concretiza se forem atendidos nove princípios de aprendizagem. É relevante co-
mentá-los, ainda que rapidamente, a fim de caracterizar melhor a proposta pedagógica do autor.

Assim, o primeiro deles é o “princípio da perspectiva”. Segundo este princípio, a produção


de significado mental para cada pessoa depende da perspectiva em que ela se encontra em relação
ao quadro de referências culturais. E que é mais inteligente viver aceitando que uma perspectiva
não é “a certa” e outra “a errada”, mas sim que existem alternativas de significado. Com efeito,
essas alternativas são construídas pela mediação entre a idiossincrasias dos indivíduos e os câno-
nes culturais de construção da realidade. É função da educação, portanto, preparar o educando
para pensar de modo relativo, ainda que esse preparo ofereça riscos “de ofender alguns interesses
ao examinar opiniões que se poderia ter por tabus, segundo cânones culturais” (p. 34). Bruner
sublinha que este é o preço que a escola deve pagar: se ela não abraça os riscos, cai na estagnação
e, por fim, na alienação.

O segundo princípio compreende que a produção de significado sofre duas ordens elemen-
tares de constrangimentos, que devem ser enfrentados pela educação. O primeiro deles é conse-
qüência da “própria natureza do funcionamento mental humano”, que é guiada pela individuação
(1996, p. 35):

“Não podemos simular que aceitamos uma versão da nossa própria


vida mental que negue que aquilo que antes pensávamos afeta o que pen-
samos agora. Somos obrigados a ter a experiência de nós como invariantes
através das circunstâncias e como permanentes ao longo do tempo.”

A individuação é um fenômeno mental que limita a compreensão de fatos impessoais, tais


como a noção de tempo e espaço e causalidade, por exemplo. Assim, tendemos a aceitar o tempo
como continuidade homogênea, a despeito das teorias quânticas, porque nossa “dotação natural”
nos constrange a ponto de dificultar a compreensão quântica do tempo e do espaço (a maioria de
nós aprendeu a viver com a noção de tempo e espaço contínuos, lineares e previsíveis). Ocorre,
alerta Bruner, que essa “dotação” pode ser comum à espécie, mas não é “fixa” no homem, não é
imutável. Daí a proposição de que à pedagogia compete a tarefa de “autorizar os seres humanos a
ir além de suas predisposições ‘naturais’” (p.37), e que fará isso oferecendo o “estojo de ferramen-
tas” que a cultura desenvolveu para tal fim.
80
O segundo constrangimento é aquele imposto pelos sistemas simbólicos acessíveis às
mentes humanas “em geral”. Obviamente, a linguagem é o principal desses sistemas, dado que “o
pensamento é plasmado pela linguagem”, isto é a linguagem modela a capacidade de conhecer
(ou não conhecer) (1996, p. 38):

“No tocante aos ‘limites da linguagem’, pouco se pode dizer com al-
guma segurança – ou com muita clareza. Nunca foi claro se a habilidade para
receber certas noções é inerente à natureza da nossa mente ou aos sistemas
simbólicos com os quais a mente conta, ao levar a efeito suas operações. É na
mente ou na linguagem que é ‘necessário’ que uma coisa não possa ser, ao
mesmo tempo, A e não-A? Ou é ‘no mundo’ – exceto para a parte do mundo
abrangida pela teoria quântica? É na estrutura da linguagem natural que o
mundo se divide em sujeitos e predicados, ou isso é um reflexo de como a
atenção humana realmente funciona?

Apesar da complexidade das respostas, Bruner defende que o “discernimento lingüístico”


ainda parece ser a única forma de reduzir o constrangimento imposto pela linguagem. Logo, as
maiores vítimas desse constrangimento são os menos conhecedores da língua que falam. As im-
plicações pedagógicas deste quadro são óbvias: uma vez que as operações mentais constrangidas
podem ser transcendidas pelo uso de sistemas simbólicos mais sofisticados, uma função legítima
para a educação é dotar os alunos com essas possibilidades de linguagem-pensamento. “Em suma,
pois, ‘pensar sobre o pensar’ deve ser o principal ingrediente de qualquer prática capacitadora da
educação” (p. 39).

Outros dois princípios são o do “construtivismo” e o da “interação. O construtivismo – já


implícito nos dois primeiros – enfatiza que realidade não é dada à mente, mas culturalmente cons-
truída por ela, usando-se as ferramentas disponíveis. Oferecer essas ferramentas, que vão da arte à
investigação científica, é papel da educação.

O princípio da interação parte do pressuposto que, diferente das outras espécies, “os seres
humanos ensinam-se deliberadamente uns aos outros em situações estranhas àquelas em que o
conhecimento adquirido se há de utilizar”(p.40). Em outras palavras, o processo de ensinar huma-
no é sempre intencional. É apropriado dizer que esse processo é fruto direto da capacidade de
linguagem, mas também envolve um outro talento desenvolvido pela espécie, que é a “intersubje-
tividade”, ou capacidade que os seres humanos têm de compreender a mente uns dos outros. As
palavras são um veículo importante para realizar a tarefa da intersubjetividade, mas não são o
único meio. Também colabora no processo a nossa capacidade intuitiva para captar o contexto em
que ocorrem as trocas de palavras, os atos, os gestos. Em suma, temos a capacidade implícita de

81
“negociar” significados. O autor lamenta que a tradição pedagógica ocidental tenha dificuldade
para entender e aplicar esse conceito no trabalho educativo cotidiano. “O ensino ajusta-se a um
molde segundo o qual um simples professor, porventura onisciente, diz ou mostra explicitamente
a alunos talvez ignorantes algo acerca do qual eles presumivelmente nada sabem” (p. 41). Assim,
uma das principais contribuições da cultura psicológica à educação é a reformulação do conceito
de ensino, já que “só uma parte mínima da educação tem lugar nessa rua de sentido único (...)”, e
que “a aprendizagem (seja esta qual for) é um processo interativo, no qual as pessoas aprendem
umas com as outras, e não através da demonstração e da narração”(p.43).

O quinto princípio “da exteriorização”, assenta-se no fato de que esta “salva a atividade
cognitiva do implícito, tornando-a mais pública, negociável e ‘solidária’” (p. 46). Os produtos da
exteriorização são, portanto, obras coletivas que “produzem e sustentam a solidariedade do gru-
po”, e ajudam a criar comunidades de aprendizes mútuos. Do ponto de vista educacional, essas
obras “criam maneiras participadas e negociadas de pensar em grupo”, vale dizer, de “mentalida-
des”. Assim, o educador que tiver a habilidade de reunir os talentos individuais verdadeiramente
empenhados em gerar um produto comum certamente terá atingido um objetivo pedagógico rele-
vante de acordo com a psicologia cultural. “Conosco carregamos hábitos de pensamento e de dis-
cernimento fomentados por certo professor de uma aula quase esquecida”, pondera o autor (p.45).

O papel político do modelo escolar de educação é considerado no sexto princípio, o “ins-


trumentalismo”. Assim, a educação por mais desinteressada, espontânea ou fortuita que possa vir
a parecer, sempre fornece capacidades determinadas, particulares formas de pensamento, de sen-
timentos e modos de falar que, depois, podem se transformar em “distinções” nos “mercados”
institucionalizados da sociedade. Assim, “a educação nunca é neutra nem isenta de conseqüências
sociais e econômicas” (p. 47) e, portanto, é sempre um instrumento para fomentar um talento,
diante de uma oportunidade:

“Acerca do talento, é desde logo evidente que ele é mais multifacetado


do que qualquer simples medida, como um teste de QI, poderia eventualmente
revelar. Não só há muitos modos de usar a mente, muitos modos de conhecer
e construir significações, mas eles desempenham muitas funções em difer-
entes situações.” (p. 47).

Ocorre que esses diversos talentos são muitas vezes suscitados através da aprendizagem
para dominar os tais “conjuntos de ferramentas” dos sistemas simbólicos. Daí o autor concluir que
a escola é política, na medida em que é altamente seletiva a respeito dos instrumentos cognitivos a
cultivar: quais devem ser considerados básicos e quais devem ser considerados supérfluos às me-

82
ninas e aos meninos, aos estudantes da elite e aos da classe trabalhadora, aos moradores do centro
e da periferia? Bruner fala também num “currículo subterrâneo” como a experiência que os estu-
dantes retêm da escola e que determina o significado que formam dela. Enfim:

“A educação não se mantém por si só nem pode ser planejada como


se o fizesse. Ela existe numa cultura. E a cultura, seja ela o que for, mais tem a
ver com o poder, com as distinções e com os prêmios” (p. 51)

O papel político da escola também é sublinhado no sétimo princípio, o “institucional”.


Historicamente, a escola se tornou uma instituição cultural, comportando-se de modo semelhante
e sofrendo dos mesmos problemas comuns às outras instituições culturais (p. 52):

“As culturas não são meras coleções de pessoas que partilham uma
língua comum a uma tradição histórica. Compõem-se de instituições que es-
pecificam mais concretamente quais os papéis a desempenhar pelas pessoas
e que estatuto e respeito lhes são conferidos – conquanto a cultura, em sentido
amplo, lhes defina o estado de vida também através de instituições.”

Assim, a cultura forma uma complexa teia de relações simbólicas em que as pessoas “ne-
gociam” as próprias capacidades adquiridas por “distinções” e “privilégios”. Bruner refere-se ao
conceito de poder simbólico de Pierre Bourdieu e atenta para o fato de que “as instituições compe-
tem, muitas vezes, para sobrevalorizar as suas “distinções” relativamente às dos outros (...)”(p.
53). Nesse sentido, pode-se pensar na escola humanista negociando as distinções que ela valoriza
com aquelas valorizadas pelo mundo da produção industrial tecnicista, por exemplo. Ocorre tam-
bém que a competição nunca deve ser do tipo ‘quem ganha leva tudo’, porque a teia simbólica se
sustenta com a inter-relação entre as diversas instituições. Portanto, a escola, configurada como
mais uma instituição cultural, obviamente toma partido neste processo e também está comprome-
tida na luta pelas distinções. Aqui configura-se mais um problema para a pedagogia: se os profes-
sores não conhecerem o “mercado simbólico de distinções”, não têm como se engajar num mode-
lo educacional realmente capacitador. Em outras palavras, o educador não “equipado” não tem
como participar ativamente das negociações. Conseqüentemente, a escola pode introjetar catego-
rias perceptivas que talvez interessem a outras instituições, mas não à educação empenhada em
levar o homem para além daquilo que é comum à espécie.

O oitavo princípio é difuso e implica todos os anteriores: trata-se da “construção da identi-


dade” e da “auto-estima” também como fundamentos do trabalho educativo. Antes de tudo é im-
portante salientar que, apesar da questão do desenvolvimento da auto-estima ter se tornado já um

83
lugar comum no discurso pedagógico, na obra de Bruner esse conceito tem significado bem espe-
cífico.

O autor sintoniza o princípio da identidade com aquele da “individuação” descrito anteri-


ormente. Isto é, a mente humana funciona a partir da experiência do ‘si mesmo’, e a educação é
fator fundamental nessa formação. É verdade que o reconhecimento do si mesmo é moldado cul-
turalmente (e, portanto, varia conforme a cultura em questão), mas dois preceitos de individuação
são universais: a ação e a avaliação. “Não só temos a experiência do si mesmo enquanto atuante,
mas também avaliamos a nossa eficiência na realização daquilo que se espera de nós e nos é pedi-
do que façamos”, explica o autor (p. 62).

O si mesmo, portanto, é produto da iniciativa para agir, da habilidade para fazer e da capa-
cidade para avaliar o êxito ou fracasso da ação. Entretanto, apesar do caráter individual dessa hec-
ceidade, é fato que a cultura institucionaliza os parâmetros de avaliação de diversas formas que
vão desde as distinções gramaticais até as refinadas noções de responsabilidade ou de obrigação
perante uma autoridade cultural mais ampla. Portanto, o ser humano nunca é árbitro final dos seus
processos de vida, porque os critérios de sucesso ou fracasso vêm de fora. E a escola é um impor-
tante gerador cultural de critérios.

Assim, da confluência entre a “eficácia agenciadora” e a auto-avaliação mediada por crité-


rios institucionalizados, nasce o que o autor chama de “auto-estima”: “aí se combina o nosso sen-
tido do que julgamos ser capazes (ou esperamos sê-lo) com o que receamos estar para além de
nós” (p. 62). E mais:

A gestão da auto-estima nunca é simples nem determinada, e o seu


estado é poderosamente afetado pela disponibilidade de apoios externos.
Esses dificilmente são misteriosos ou exóticos. Incluem recursos correntes, tais
como uma segunda oportunidade, o brio de uma boa tentativa, embora mal
sucedida, mas, acima de tudo, a oportunidade para o discurso que permite
descobrir porque e como as coisas não resultaram como foram planejadas” (p.
63).

Portanto, a educação severa com a auto-estima das crianças pode torná-las vulneráveis. E
essa situação se torna mais perigosa ao lembrar que a instituição escolar disputa as tais “distin-
ções” com outros setores da sociedade que podem, inclusive tomar o lugar da educação na forma-
ção da auto-estima, com deploráveis conseqüências para a sociedade. Basta pensar no jovem mo-
rador da periferia, que fracassa na escola mas se forma no saber fazer do tráfico de drogas, por
exemplo.

84
Finalmente, o nono e último princípio educativo é o da “narrativa”. Assim, a construção
de uma história é crucial tanto para uma cultura quanto para uma vida individual. Para a psicolo-
gia culturalista, a mente humana tem dois modos principais de organizar o conhecimento: são o
pensamento lógico-científico e o pensamento narrativo. “A universalidade que os caracteriza su-
gere que têm as raízes no genoma humano ou que são dados na natureza da linguagem” (p. 65). O
problema é que os currículos escolares não têm dado a devida importância ao papel cognitivo da
narrativa. Bruner sublinha dois exemplos significativos. Um deles é que as habilidades da narrati-
va (o teatro, a literatura, o cinema) são usadas mais como “decoração” pedagógica do que como
necessidade, elegendo seletivamente o pensamento lógico-científico como mais importante. O
outro problema é que, justamente por subestimar a importância da narrativa para a compreensão
do mundo, a escola tende a tratar seus conteúdos “sem dar ao discente um sentido da estrutura
gerativa de uma disciplina” (p. 65).

À luz dos nove princípios de aprendizagem, o autor resume um modelo que ele chamou
de “pedagogia cultural”, numa tentativa de transpor sua teoria para a prática pedagógica dentro da
sala de aula. Antes disso, porém, ele alerta para a importância de não se perder de vista a “educa-
ção real”, “que nunca está confinada a um modelo de aluno e a um modelo de ensino” (p. 93).

Assim, ele fala em duas dimensões do processo de ensino-aprendizagem: a “internalista-


externalista” e a “intersubjetiva-objetivista”. As teorias externalistas valorizam o que os adultos, a
partir de fora, podem fazer pelas crianças. As teorias internalistas ajustam a aprendizagem àquilo
que a criança pode fazer ou pensa que está fazendo. Já as teorias intersubjetivas procuram criar
explicações úteis tanto para os adultos quanto para as crianças poderem organizar a própria apren-
dizagem, isto é, formulam uma “teoria de ensino-e-aprendizagem que se pode partilhar com ela [a
criança] para facilitar os seus esforços” (P. 94). Por outro lado, as teorias objetivistas encaram a
criança “como um etmólogo pode encarar uma colônia de formigas, ou um tratador de elefantes,
um elefante” (p. 94). O que está por trás de cada modelo pedagógico é um modelo de mente, nos
termos que se seguem.

O primeiro deles é o modelo que valoriza a aprendizagem por imitação. Aqui, um dos
principais objetivos é o “saber fazer”. O professor experiente demonstra e o educando treina, até
se tornar também um perito. Bruner salienta que esta concepção se sustenta em quatro crenças: o
estudante não sabe fazer; mas pode aprender a fazer ven-do; o estudante quer fazer; ele pode, de
fato, tentar fazer.

Embora funcional, esse modelo de educação se esquece de alguns dos princípios acima
descritos (1996, p. 82):

85
“O uso da imitação como veículo de ensino implica uma convicção adi-
cional acerca da competência humana: a de que esta consiste em talentos, ca-
pacidades e habilidades, mais do que em conhecimento e compreensão.”

Assim, o conhecimento se desenvolve como um hábito e não releva o papel das discus-
sões ou negociações simbólicas.

O segundo modelo acredita que a criança aprende através de uma “exposição didática”,
que implica no ato de confrontar o aluno com fatos, princípios e regras que são para aprender,
memorizar e aplicar. O professor admite que o aluno é ignorante para certos aspectos que são
transmissíveis através da comunicação verbal. Assim, o objeto de aprendizagem é aquele que está
presente na mente do professor, nos livros, nos mapas, nas bases de dados dos computadores.

“Neste cenário didático, já não se concebe as habilidades enquanto


saber como fazer com destreza alguma coisa, mas antes enquanto habilidade
para adquirir um novo conhecimento, com o auxílio de certas ‘habilidades men-
tais’, tais como verbal, espacial, numérica, interpessoal ou qualquer outra” (p.
84).

Novamente, alguns princípios são deixados de lado. Bruner sublinha a ênfase na visão se-
gundo a qual a mente infantil é vazia e receptiva, menosprezando a interpretação ativa e construti-
vista que a criança é capaz de realizar. O princípio dos constrangimentos, por exemplo, não tem
como ser considerado nesta abordagem pedagógica.

O terceiro modelo pedagógico é o que melhor aproveita os novos estudos sobre as outras
mentes, e concebe a criança enquanto pensadora, propondo uma “pedagogia da mutualidade”.
Para ensinar, o professor se preocupa em perceber como a criança pensa e como forma suas cren-
ças. Assim como os adultos, as crianças estão construindo um “modelo de mundo” enquanto
aprendem. O que está em jogo é fornecer a compreensão do mundo, fomentada pela discussão e
pela colaboração, a fim de que a turma consiga promover uma “conjugação de mentes” e cada
indivíduo desenvolva outras concepções. Certamente, os princípio da perspectiva e da construção
da identidade e da auto-estima são privilegiados neste modelo. Mas aqui também cabem críticas.

Bruner atenta para o fato de este modelo, por sua abertura e tolerância, correr o risco de
cair num grau inaceitável de relatividade no que se tem por “conhecimento”: “sem dúvida, exige-
se mais para justificar crenças do que simplesmente partilhá-las com os outros” (p. 88). A saída é
considerar o “ceticismo saudável” em relação à objetividade do conhecimento “verdadeiro”, de
matiz positivista, e colocar em questão “o modo como crenças subjetivamente sustentadas se tor-

86
naram teorias viáveis acerca do mundo e dos fatos”, através do “intercâmbio público das provas”
(p. 89-90), que podem ser testadas na educação escolar.

Por fim, o autor apresenta a sua “pedagogia cultural”(p. 91):

“A quarta perspectiva defende que o ensino deveria auxiliar as crianças


a captar a distinção entre o conhecimento pessoal, por um lado, ‘e aquilo que é
tido por conhecido’ pela cultura, por outro. Porém, elas não devem só captar
esta distinção, mas também entender a base que a sustenta, por assim dizer,
na história do conhecimento”.

Trata-se de ver o processo de ensino-aprendizagem como “gestão do conhecimento obje-


tivo”. A concretização desse modelo deve envolver tanto as “negociações discursivas” quanto os
conteúdos acumulados culturalmente, num incessante diálogo entre mentalidades contemporâneas
e antigas, para que o estudante consiga entender o que mudou e o que ainda permanece, adquirin-
do ainda mais solidez.

Bruner exemplifica este modelo simulando um grupo de adolescentes que vai encenar “A
megera domada” de Shakespeare, e concebe Catarina como a “maria-rapaz” da escola. Ao olhar
da época, não podia ser isso que Shakespeare tinha mente, o que leva os alunos a se questionarem
se havia alguma coisa deste tipo naquele tempo. Ou então que o professor apresente uma dúzia de
diferentes quadros sobre a anunciação do anjo à virgem Maria e pergunte o que está se passando
na mente da mulher em cada uma das pinturas. Se ela aparece como uma princesa renascentista,
ou uma mulher humilde, ou ainda uma jovem atrevida, os alunos serão incitados a identificar as
mentalidades presentes em cada ponto de vista.

“Assim, a quarta perspectiva defende que há qualquer coisa de espe-


cial em ‘falar’ com autores já mortos, mas ainda vivos nos seus velhos textos –
na condição de a objetividade do encontro ser não adoração mas discurso e in-
terpretação, ‘indo além’ dos pensamentos sobre o passado” (p. 92).

Assim, para a pedagogia cultural, tão importante quanto desenvolver habilidades e apre-
ender a matéria, é aprender a tomar consciência do próprio processo de pensamento, formando o
estudante “metacognitivo”. Em resumo, para este modelo, a criança deve ser vista como ser ativo
e intencional, o conhecimento como “obra do homem” e a aprendizagem como relações mútuas
de negociação e edificação, tanto com os pares contemporâneos quanto com os mortos.

Este último aspecto, o do diálogo com quem está próximo e com quem está distante no
tempo e no espaço, cria o precedente necessário para se pensar no uso das tecnologias de comuni-

87
cação no ensino. Com efeito, ao decidir dialogar com os mortos ou com aqueles que estão vivos,
mas não chegam fisicamente ao espaço escolar, o professor deve, necessariamente, recorrer aos
livros, vídeos, sites da internet e outros documentos similares. Também no ato desta escolha a
pergunta “educar para quê?” se mantém. E a análise de Postman (2002) oferece parâmetros críti-
cos pertinentes para responder a pergunta.

Preocupado com os rumos que o discurso pedagógico vem tomando nas falas de dirigen-
tes da educação e entusiastas do ensino via tecnologias, Postman nos convida a responder à per-
gunta “para que serve a escola?”. Agindo assim, acredita, os educadores se distanciam do fenô-
meno educativo o suficiente para reavaliar nossas práticas, com olhar mais crítico.

Postman julga que, ao refletir sobre como orientar a escolarização de crianças e jovens, os
adultos têm sempre duas ordens de problemas a resolver: um problema de “engenharia” e outro
“metafísico”. O primeiro é um problema essencialmente técnico e “diz respeito a onde e quando
fazer as coisas e, naturalmente, como há de ocorrer o aprendizado” (2002, p. 11). O segundo se
refere aos valores, ou à necessidade de “servir a algum deus”, ainda que sem recorrer à conotação
propriamente religiosa.

Embora parta da tendência corrente no discurso pedagógico, que se refere a uma “crise na
educação”, Postman oferece abordagem original ao tema. Ao atribuir a crise a fatores como des-
preparo dos professores, falta de tecnologia educacional nas escolas, problemas de didática etc, o
discurso pedagógico hegemônico deixa de lado a questão da “metafísica” da educação (ou a falta
dela) como fator determinante do conflito que ora vivemos. É justamente a metafísica que endos-
sa a análise pertinente do autor americano.

Não é errôneo supor que, ao laicizar o ensino e estabelecer a razão como a principal meta
cultural da escola, os educadores, na maioria das vezes, têm colocado em segundo plano questões
de ordem moral e espiritual, tratadas com habilidade por linguagens como a filosófica, a artística e
a religiosa, por exemplo. Ocorre que esta ordem de atividades simbólicas é inerente a todas as
culturas e a escola, como instituição cultural, não tem como simplesmente “se livrar” de questões
que envolvem valores, crenças, enfim, aspirações espirituais sem um fim prático imediato. Entre-
tanto na aflição de se livrar de tudo que remetesse ao modelo medieval, os educadores podem ter
deixado em aberto um espaço que foi ocupado por “falsos deuses”, no entender do autor (2002, p.
13):

“Com algumas restrições, mas com toda a convicção, emprego o termo


narrativa como sinônimo de deus, com d minúsculo. (...). Um deus, no sentido
em que estou usando o vocábulo, é o nome de uma narrativa grandiosa, do-

88
tada de suficiente credibilidade, complexidade e força simbólica para nos per-
mitir organizar a vida em torno dela.”

Assim, pode-se conceber as narrativas como criações que “dão propósitos a nossos esfor-
ços, exaltam nossa história, elucidam o presente e imprimem direção ao nosso futuro” (p. 14), de
tal sorte que são elas que proporcionam às pessoas (do operário ao poeta) um sentimento de iden-
tidade pessoal, de vida comunitária, enfim, uma base para a conduta moral: “Sem uma narrativa, a
vida não tem sentido. Sem um sentido, a aprendizagem não tem finalidade. Sem finalidade, as
escolas são casas de detenção, não de estudo” (p. 15).

A denúncia de Postman refere-se, portanto, ao fato de que os “problemas de engenharia”


têm recebido muito mais atenção do que merecem. E os problemas metafísicos, ao serem prati-
camente abandonados pelos educadores, têm seu espaço ocupado por falsos ideais que, no final
das contas, contribuem para esvaziar o papel cultural legítimo originalmente previsto para a esco-
larização (p. 25):

“A questão é: que tipo de público ela [a escolaridade] cria? Um con-


glomerado de consumidores autocomplacentes? Massas raivosas, sem alma,
sem direção? Cidadãos indiferentes, confusos? Ou um público imbuído de con-
fiança, de um senso de finalidade, de respeito pela aprendizagem e tolerância?
A resposta a esta pergunta nada tem a ver com computadores, com responsa-
bilidade do professor, com tamanho da turma, com as outras minúcias da ad-
ministração escolar. A resposta correta depende de duas coisas: a existência
de narrativas compartilhadas e a capacidade dessas narrativas de prover uma
razão inspiradora para a educação”.

No pensamento de Postman, a eleição das questões de ordem técnica como mais impor-
tantes para a qualidade do trabalho educativo gera um conjunto de “falsos deuses” (ou falsas nar-
rativas) , entre as quais ele destaca: 1. “o deus da utilidade econômica”, 2. o “deus do consumo,
sustentado pela tecnologia” e 3. o “deus do multiculturalismo”. Convém analisar estes aspectos
com mais detalhe, a fim de traçar o panorama crítico necessário ao objeto da presente pesquisa.

Assim, para a narrativa que caracteriza a escola como instituição de utilidade econômica, a
tarefa primordial da escolarização é preparar a criança para o ingresso competente na vida eco-
nômica de uma comunidade. Legítimo à primeira vista, esse preceito gera como efeito colateral a
crença de que “qualquer atividade escolar não destinada a promover este fim é vista como um
ornamento ou penduricalho ridículo, isto é, um desperdício de tempo precioso” (p. 34).

89
Outra falha desta narrativa é a crença autista na idéia de que a vitalidade econômica de
uma nação repousa em padrões de realização racionais e rigorosos praticados na educação. Entre-
tanto, o autor alerta que há pouca evidência de que a produtividade da economia de uma nação
esteja diretamente relacionada com a qualidade de sua escolarização nesses termos tecnicistas.
Ademais, “qualquer educação voltada principalmente para a utilidade econômica é limitada de-
mais para ser útil e, de qualquer modo, amesquinha tanto o mundo que acaba zombando de nossa
humanidade” (p. 37).

A força motriz do “deus utilidade econômica” vem de outro, o “deus consumo”. Este ofe-
rece as melhores respostas a perguntas do tipo “ se eu for um bom aluno, arranjar um bom empre-
go, o que acontece depois”? Postman define o que ele chama de axioma básico da segunda falsa
narrativa educacional, e que é expresso no slogan: “quem morrer com o maior número de brin-
quedos é o vencedor”.

O consumismo como valor é eficientemente inculcado nos jovens em idade escolar por-
que já os influencia muito antes de chegarem à escola (p. 39): “Entre os três e os dezoito anos, o
jovem americano médio verá cerca de 500.000 comerciais de televisão, o que quer dizer que o
comercial de televisão é, isoladamente, a fonte mais substancial de valores a que moças e rapazes
estão expostos”.

A questão salientada aqui é que a televisão, muito antes de servir aos nobres propósitos da
escola, já desempenhou papel educativo, ao ensinar à criança como a vida funciona, o que é im-
portante de ser considerado como valor, quem são as pessoas que merecem distinção: quem mor-
rer com o maior número de brinquedos.

Postman cita artigo publicado pela ex-assessora do Ministério da Educação dos Estados
Unidos Diane Ravitch9, que classifica de medieval a idéia de que as crianças devem ter lugar e
data marcados para estudar. Visionária, ela imagina uma espécie de super infovia com mil canais
de TV acessíveis no computador, criando um mundo de “abundância pedagógica”, onde adultos e
crianças poderão aprender o que quiserem, no momento que bem entenderem. Para ilustrar me-
lhor sua projeção, ela descreve o comportamento de Eva, uma garotinha que sofre de insônia, e
vai para a TV-computador ter uma lição de álgebra, na calada da noite, “num meio interativo,
muito parecido com o dos vídeo games”. Ou então considera a vida de John, um garoto que está
sem ter o que fazer e vai para o computador aprender história do Japão moderno.

9 RAVITCH, Diane, “Whwn School comes to you”, The Economist, edição de 11 de setembro de 1993, p. 45-
46.

90
A crítica de Postman é ácida e certeira: trata-se de um senso de irrealidade confiante muito
característicos dos tecnólogos da educação: Eva poderá agir assim se for, talvez, vinda de Marte.
Uma criança comportar-se deste modo aqui na Terra, por enquanto, é impossível. É bem provável
que a insone Eva prefira um filme, um desenho do tipo Pokemón ou um game de matar nazistas
(embora ela não saiba exatamente o que signifique ser um nazista). Afinal, foi isso que a publici-
dade ensinou para ela. Quanto ao pequeno John, como poderá ter seu interesse pelo Japão moder-
no despertado se não foi à escola e, logo, tem poucas chances sequer de saber aonde fica o Japão?
“Os problemas que as escolas não podem solucionar sem os computadores não podem solucionar
com eles”, sentencia Postman (p. 49).

Entre os problemas que realmente têm afetado a qualidade (melhor dizer, a legitimidade)
da escolarização, o autor destaca por exemplo, a tradicional tarefa de ensinar as crianças a se
comportarem em grupo, já que não há como levar uma vida democrática sem saber se como viver
na coletividade. “Diferentemente dos meios de comunicação de massa, que celebram a reação
individual e são vivenciados privadamente, a sala de aula destina-se a domar o ego, a ligar o indi-
víduo a outros, a demonstrar o valor e a necessidade da coesão do grupo”, alerta (p. 49). “Eu
mesmo sou professor e sei como é difícil contribuir para tornar civilizada uma pessoa” (p. 53).

Até aqui foram descritas duas narrativas atuantes, porém desprovidas de legitimidade: a
que valoriza o papel de utilidade econômica da escola e a que valoriza o aprendizado para o con-
sumo, sustentado pelo uso de tecnologias de comunicação como o computador e a TV. A terceira
narrativa refere-se ao “multiculturalismo”, uma postura pedagógica equivocada que, argumentan-
do defender os interesses e promover a auto-estima das minorias, cria um “currículo da vingança”,
segundo o autor.

Postman faz uma ressalva ao termo “pluralismo cultural” que, na sua obra, difere do con-
ceito de “multiculturalismo” (p. 54):

“O pluralismo cultural é uma idéia que já tem setenta anos e cujo


propósito é alargar e enriquecer o credo americano – expressamente mostrar
aos jovens que suas identidades e narrativas tribais se encaixam numa história
americana mais inclusiva e completa”.

Multiculturalistas são, por outro lado, aqueles educadores inicialmente comprometidos


com a cultura das minorias. De saída eles têm uma vantagem sobre os tecnológos: ainda preser-
vam o sentido de uma narrativa que, geralmente, envolve a tentativa de se libertar do preconceito
e da opressão impostos pela cultura hegemônica. Mas essa narrativa cai no engano quando elege
como norteadores os princípios de bem e de mal incontestes. “Em sua versão mais assustadora, o
91
mal é inerente às pessoas brancas, sobretudo as de origem e formação européias. O bem é inerente
aos não-brancos, em especial os que foram vítimas da ‘hegemonia branca’ ” (p. 55).

Assim, ao invés de promover o diálogo entre a cultura tribal e a cultura hegemônica, esses
multiculturalistas defendem, antes, a aniquilação da cultura branca européia, agindo em duas fren-
tes: 1. salientar as “partes feias” habitualmente excluídas das narrativas eurocêntricas e 2. revelar
os méritos das narrativas que têm origem em culturas não-brancas. Postman argumenta que a pri-
meira tarefa é relativamente fácil de ser realizada, já que a história oficial comumente abafa os
efeitos da colonização opressora. Entretanto a prática tem mostrado que os multiculturalistas do
“currículo da vingança” não têm tido a capacidade de implementar a segunda ordem de tarefas
com dignidade, já que (p. 59):

“(...) figuram as alegações de que foi na África negra que ciência,


filosofia, religião, medicina e tecnologia e outros grandes comedimentos hu-
manísticos surgiram; que os antigos egípcios eram negros; que Aristóteles e
Pitágoras roubaram seus princípios matemáticos e sistemas filosóficos de sá-
bios negros do Egito (...).

Uma análise estrutural mostra que a corrente multiculturalista age do mesmo modo como
agiram, por exemplo, os colonos europeus ao sedimentar a narrativa mitológica dos Peregrinos,
como construtores democráticos da nação10.

A aplicação da narrativa multiculturalista na escola tem mais chances de dar errado (e,
portanto, compartilhar da crise metafísica) do que de dar certo, aposta o autor. Primeiro porque
parte significativa do público tem origem européia, e não iria aceitar uma cultura escolar calcada
na maldade do europeu, do mesmo modo como os não-brancos ora se revoltam com a cultura
hegemônica nas escolas. A saída proposta por Postman, portanto, é revisar a narrativa, de modo a
permitir que as crianças das diversas tribos encontrem um lugar digno para suas culturas de ori-
gem (p. 60):

10 Uma visão crítica deste fenômeno específico pode se encontrada em MACEDO, Donaldo. “Nossa cultura comum: uma pedagogia
enganosa”, in CASTELLS, M. et alli. Novas perspectivas críticas em Educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996. O autor mostra como a
história da ocupação de Plymouth pelos peregrinos é ensinada às crianças como um exemplo de construção democrática da nação
americana. Mas escondem a lei promulgada em Massachusetts na época, que realizava pagamentos monetários pela morte de índios: 40
libras pelo crânio de um índio adulto macho; 20 libras pelo crânio de uma índia adulta fêmea ou criança.

92
“É verdade que os brancos oprimiram os negros, mas negros
oprimiram outros negros e até brancos; e brancos oprimiram outros brancos; e
índios chacinaram brancos; e brancos índios. (...) Até onde iremos com isso?”

A fim de enfrentar as falsas narrativas educacionais, Postman propõe outras diretrizes que
não são novas mas, ofuscadas pelos discursos tecnicistas, afloram como proposta original a edu-
cadores inexperientes ou alheios à postura crítica em educação. O autor usa cinco metáforas para
costurar sua proposta para a escola: “a espaçonave Terra”, o “anjo decaído”, o “experimento ame-
ricano”, a “lei da diversidade” e os “tecelões de palavras”.

A primeira metáfora é encontrada em narrativas populares como, por exemplo, no filme


“E.T. – O Extraterrestre”, de Steven Spielberg. Postman encoraja os educadores a localizarem
outras narrativas semelhantes a essa, que tenham como argumento a idéia de que os seres huma-
nos são “comissários de bordo da Terra, zeladores de uma cápsula espacial vulnerável” (p. 67). A
vantagem é que a narrativa da espaçonave Terra tem o poder de unir pessoas, e insiste na nossa
obrigação moral para com o planeta. Ademais, trata-se de uma narrativa universal não-
hegemônica, já que não se tem notícia de líder ou divindade que se regozije com a destruição da
Terra. Essa idéia pode depois ser estendida para a cidade, os povos etc. “A crônica da espaçonave
Terra não conflita com sagas nacionais, regionais ou tribais”, salienta (p. 68). “Torna a idéia de
racismo irrelevante e ridícula e deixa clara a interdependência dos seres humanos e sua necessida-
de de solidariedade” (p. 67).

A segunda metáfora, a do anjo caído, tem origem na linguagem religiosa e nos ensina que
os seres humanos cometem erros, e isso é normal. “Que estejamos enganados, e provavelmente
estamos, é o significado da ‘queda’ no anjo decaído”, explica. “De fato, acreditarmos que somos
divinos ou perfeitos é um dos pecados mais graves de que somos capazes. Os gregos chamam
esse pecado de hubris. Os cristãos chamam-no orgulho. Os cientistas chamam-no dogmatismo”
(p. 69).

Assim, a lição do anjo decaído é que podemos corrigir nossos erros, desde que proceda-
mos sem hubris, orgulho ou dogmatismo: “sabendo que não sabemos e não podemos saber toda a
verdade, nós nos movemos em direção a ela polegada a polegada, refugando o que sabemos ser
falso” (p. 70). Lição muito valiosa quando a escola se propõe a ensinar sobre ciência, mas sem
apresentar suas conquistas como verdades universais, e sim como fruto do pensamento experi-
mental, do raciocínio relativo, desenvolvido pela criação de hipóteses. Esse é o melhor sentido
para o “pensamento crítico”, outro lugar comum no discurso pedagógico contemporâneo.

93
As lições da metáfora do anjo decaído servem de pavimento para a aplicação da próxima:
o experimento. A experimentação, neste caso, efetiva-se através da argumentação entre os pares, e
se sustenta no fato de que toda argumentação se manifesta principalmente através de indagações
das mais genéricas (o que é a liberdade?) às mais específicas (quais são as obrigações da cidada-
nia?). As respostas, segundo Postman, podem ser encontradas (p. 75):

“(...) nos analectos de Cofúncio, nos mandamentos de Moisés, nos


diálogos de Platão, nos aforismos de Jesus, nas instruções do Alcorão, nos dis-
cursos de Milton, nas peças de Shakeaspere, nos ensaios de Voltaire, nas pro-
fecias de Hegel, nos manifestos de Marx, nos sermões de Martin Luther King
Jr. e em qualquer outra fonte em que tais indagações forma formuladas”.

O encanto desta metáfora se completa da seguinte forma: ao fazer as perguntas, apresentar


os argumentos e inquirir sobre a resposta certa, muito provavelmente, professores e alunos verão
que não há um consenso absoluto. Esta situação deverá estimular um novo debate, e fará surgirem
novas argumentações. Esta é, então, uma nobre razão para a escolaridade: instigar a juventude a
participar do experimento, ajudá-la a descobrir que questões são dignas de debate, como
argumentar sobre elas. “(...) e, naturalmente, assegurar-se de que ela [a juventude] sabe o que
ocorre quando cessam as argumentações” (p. 76).

A quarta metáfora, a da lei da diversidade, empenha-se em entender como se forma uma


cultura comum. O argumento é que toda tentativa de elaboração de uma lista de conteúdos a se-
rem tratados para formar uma cultura comum no currículo sempre será perigosamente arbitrária.
Postman cita tentativas realizadas nos Estados Unidos, e conclui que, para cada item da lista, há
pelo menos outros dez que não estão nela.

Ainda assim, a escola deve se incumbir da tarefa e uma referência razoável pode ser for-
mulada tomando de empréstimo a segunda Lei da Termodinâmica, que define o conceito de “en-
tropia”. Na Física, a entropia se refere à medida da quantidade de desordem dum sistema, isto é,
na natureza, em que nada se cria, tudo se transforma, toda matéria tende a se perder, tornar-se
inútil, alcançar um estado em que não há energia aproveitável, tornar-se insignificantemente uni-
forme. A não ser que, sobre ela, ajam forças “neguentrópicas”, que mantenham a matéria organi-
zada e em movimento.

Todo ser humano faz uso de forças contrárias à entropia toda vez que limpa a casa, recolhe
o lixo da rua, usa uma informação para solucionar um problema. Todo professor enfrenta a entro-
pia da uniformidade cultural toda vez que promove a diversidade no trabalho educativo (p. 80):

94
“Sempre que a diferença é tolerada, o resultado é crescimento e vigor.
Não há forma de arte florescendo hoje, ou que floresceu no passado, que não
tenham feito isso nas asas da diversidade: músicos americanos apropriando-se
de ritmos africanos, arquitetos sul-americanos empregando idéias escandina-
vas, pintores alemães achando inspiração na arte egípcia, cineastas franceses
influenciados por técnicas japonesas.”

Para quem concluir que a valorização da diversidade pode descambar num relativismo a-
nódino, Postman explica que a lei da diversidade não é um argumento contra os padrões, mas sim
um argumento em favor do crescimento e da maleabilidade. Na escola, esse crescimento “aconte-
ce ao longo do tempo e do espaço, cuja forma é dada pelas diferenças de sexo, religião e todas as
outras categorias de humanidade” (p. 81).

Assim, os professores não vão ler Gabriel García Márquez porque ele tem origem hispâni-
ca, Einstein porque era judeu, Cervantes porque era deficiente físico. Promover a diferença não é
promover a diversidade, e esses autores devem ser lidos porque enriquecem a experiência humana
universal. “A lei da diversidade faz de todos nós humanos inteligentes” (p. 82), conclui.

Finalmente, a metáfora dos tecelões de palavras elege a tarefa de pensar sobre a linguagem
como das mais legítimas para a escola. O autor começa com uma provocação: “infelizmente, a
escola é famosa por não mencionar e, menos ainda, estudar alguns acontecimentos mais importan-
tes da história da humanidade” (p. 83). Entre esses assuntos está o papel da linguagem para nos
tornar humanos, o que faz de nós os tecelões de palavras do planeta.

A crítica é precisa: ao incluir no currículo o assunto “domínio da linguagem”, a minoria


das escolas faz um recorte de modo a valorizar normas de ortografia e gramática, classificar esti-
los literários, ensinar técnicas de redação. Raramente os professores têm se empenhado em encon-
trar um modo viável de ensinar aos alunos que a linguagem é o mais precioso instrumento que os
seres humanos têm para construir o mundo. Postman avalia que há os que estão conscientes do
problema, mas acreditam que os alunos são jovens demais para compreenderem problema tão
sutil e complexo. Ao seu ver, esses educadores estão enganados, porque há uma diversidade de
modos de ensinar aos jovens as conexões entre linguagem e fabricação do mundo. Assim, por
exemplo, partindo da Bíblia que nos ensina a nunca invocar o nome de Deus em vão, e relacio-
nando outras palavras que não podem ser ditas em qualquer situação, o professor pode animar a
classe a se indagar o porquê desta regra (p. 86):

“Uma resposta justa é que a linguagem distingue entre sagrado e pro-


fano e, portanto, assegura organização a nosso senso moral. O uso dissoluto

95
da linguagem não é apenas uma ofensa social mas uma ameaça às maneiras
pelas quais construímos nossas noções de bem e mal, permissível e imper-
missível”.

Postman lembra que a linguagem pode defender o indefensável, transformar pessoas em


não-pessoas e promover toda sorte de ofensas e desrespeito “com pronúncia excelente e com or-
tografia e gramática impecáveis” (p. 86). Assim, cabe à escola a tarefa de mostrar que o uso da
linguagem quase sempre tem uma dimensão moral. E daí derivam todas as outras questões legíti-
mas para o aprendizado.

Outro ganho cultural promovido pela abordagem metafísica da linguagem é a revelação ao


estudante de que a cada um de nós é permitido ser esclarecido a respeito de alguma coisa à medi-
da que progredimos no uso das palavras. Devemos ter “a consciência de como usamos a lingua-
gem, e de como a linguagem nos usa e de que meios dispomos para clarificar nosso conhecimento
do mundo que fabricamos” (p. 87). Resumindo, somos fabricantes de mundos e tecelões de pala-
vras. É essa a habilidade que faz de nós inteligentes ou não, morais ou imorais, tolerantes ou faná-
ticos. Ao ensinar o pensar sobre a linguagem, a escola faz seus alunos mais humanos.

O passeio por modelos de educação realizado neste capítulo amplia o conjunto de referên-
cias necessárias ao estudo dos vídeos. É hora de amarrar as questões aqui apresentadas e promo-
ver o diálogo entre a teoria e o objeto de pesquisa.

Assim, o conceito de escola pública, tal qual o concebemos hoje, tem suas raízes na Revo-
lução Francesa e nos significados de racionalidade, produtividade, democracia, pluralidade, mas
também de conflito e de hegemonia pragmaticamente construída. A ampliação das perspectivas
simbólicas promovida pela passagem do antigo regime à época moderna trouxe ao ser humano
mais liberdade de escolha. Conseqüentemente, sublinhou a importância da pergunta “educar para
quê?”. Numa instância muito elementar, os educadores têm encontrado duas respostas básicas:
educar para a adaptação e educar para a emancipação. Evidentemente, essas respostas elementares
se desdobram numa infinidade de modelos pedagógicos, sustentados pelas contribuições das
chamadas ciências da educação.

O caminho teórico traçado nas páginas anteriores procurou caracterizar modelos progres-
sistas para o trabalho educativo, originados nos campos da Psicologia, da Sociologia e da Filoso-
fia da Educação. Embora cada autor ressalte aspectos específicos da escola, pode-se considerar
que um modelo atual e legítimo é aquele que fomenta o desenvolvimento do pensamento crítico,
o que equivale a promover no educando a capacidade de avaliar o que deve ser mantido e o que
pode ser mudado na sua vida.

96
Certamente, para formar pessoas com este perfil, a escola precisa eleger aspectos da vida
simbólica mais apropriados. Assim, fomentar a capacidade de pensar por hipóteses e atribuir valor
relativo às crenças, a fim de não cair em dogmatismos de qualquer espécie, é escolha defendida,
por exemplo, pelo modelo psicológico culturalista de Bruner e pela leitura metafísica da educação
proposta por Postman. Promover a discussão e cultivar o senso moral e o respeito à diversidade e
à vida coletiva são outras escolhas comuns aos dois autores. Com Habermas e Paulo Freire, eles
compartilham a crença no diálogo para o entendimento mútuo como tarefa legítima para a escola.
De qualquer modo, é na aquisição de um uso sofisticado da linguagem que se sustenta o aprendi-
zado emancipador.

Por outro lado, os conflitos advindos da luta classes, agora mediada pelas tecnologias da
comunicação e da informação, devem ser traduzidos em matéria escolar, a partir das contribuições
da Sociologia para a Educação. Bourdieu destaca o papel da escola como instância de consagra-
ção das categorias perceptivas da realidade, em geral de antemão selecionadas para cada camada
social ou segmento de público. Castells e Flecha se preocupam com o aumento das desigualdades
sociais e culturais promovidas pela introdução das tecnologias e redes de comunicação na vida
simbólica – configurações que, evidentemente, alcançam a escola.

Todos eles têm em comum, no entanto, a preocupação em encontrar mecanismos que


promovam o enfrentamento das desigualdades e opressõese,também aqui, crêem no poder da lin-
guagem para auxiliar educadores e educandos a empreenderem esta tarefa. Assim, ao aproximar o
referencial teórico ao objeto da presente pesquisa, dois aspectos imediatamente se destacam: a
importância de analisar criticamente o modo como o ensino da linguagem é operacionalizado nos
vídeos da TV Escola e, conseqüentemente, a partir desta análise, avaliar em que medida os vídeos
atendem aos preceitos da educação progressista (como propõe o discurso oficial do Ministério da
Educação) ou se conformam a um modelo conservador e limitado de educação.

Antes de finalizar este capítulo, convém recobrar as linhas mestras do ensino da língua
portuguesa preconizado pelo Ministério da Educação, através dos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais de Português para o Ensino Fundamental. Um exame no texto mostra que o documento foi
elaborado em sintonia com as idéias progressistas atualmente consideradas legítimas no campo da
educação escolar.

Já na introdução, o texto ressalta que “um projeto educativo comprometido com a demo-
cratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de contribuir para garan-
tir a todos os alunos o acesso aos saberes lingüísticos necessários para o exercício da cidadania”
(1998, p. 19). Como “saberes lingüísticos”, os PCN definem ações tais como: 1. mostrar que “a

97
razão de ser das propostas de leitura e escuta é a compreensão ativa e não a decodificação e o si-
lêncio”; 2. “a razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a interlocução efetiva, e não a
produção de textos para serem objetos de correção”; 3. “as situações didáticas têm como objetivo
levar os alunos a pensar sobre a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente
às situações e aos propósitos definidos”.

Por outro lado, as críticas eminentes ao ensino que se praticava comumente antes dos anos
80 contemplam aspectos tais como: 1. “a desconsideração da realidade e dos interesses dos alu-
nos”; 2. “a excessiva escolarização das atividades de leitura e de produção de texto”; 3. “o uso do
texto como expediente para ensinar valores morais e como pretexto para o tratamento de aspectos
gramaticais”; 4. “a excessiva valorização da gramática normativa e a insistência nas regras de
exceção, com o conseqüente preconceito contra as formas de oralidade e as variedades não-
padrão; 5. “o ensino descontextualizado da metalinguagem, normalmente associado a exercícios
mecânicos de identificação de fragmentos lingüísticos em frases soltas”; 6. “a apresentação de
uma teoria gramatical inconsistente – uma espécie de gramática tradicional mitigada e facilitada”
(1998, p.19).

Os PCNs também ressaltam que, nos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental (1ª a 4ª
série), “a prática e a reflexão pedagógica encontram-se relativamente organizadas” (1998, p.19).
Entretanto, nos dois últimos ciclos (5ª a 8ª série), “essa prática e reflexão ainda não estão consoli-
dadas” (idem). Logo, os PCNs “configuram-se como síntese do que foi possível aprender e avan-
çar nesta década, em que a democratização das oportunidades educacionais começa a ser levada
em consideração em sua dimensão política, mas também no que diz respeito aos aspectos intraes-
colares” (ibidem). O Quadro 2 resume a proposta de ensino do documento.

98
QUADRO 2 - Resumo da proposta de ensino de português para os dois últimos ciclos do Ensino
Fundamental (5ª a 8ª série).

Objetivo geral: organizar um conjunto de atividades que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da
expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem, levando em conta a situação de pro-
dução social e material do texto.

Gêneros privilegiados para a prática da linguagem: 1. Literário (cordel, causos e similares, textos dra-
máticos, canção, conto, novela, romance, crônica e poema); 2. textos de imprensa (comentário, entrevis-
ta, debate e depoimento radiofônicos, gêneros opinativo, informativo e interpretativo na imprensa escrita,
charges e quadrinhos); 3. textos de divulgação científica (exposição, seminário, debate e palestra; verbete
enciclopédico, relatório de pesquisa, artigos e textos científicos didáticos); 4. textos publicitários.

Conteúdos propostos:

1. Para a escuta de textos orais e leitura de textos escritos: compreensão dos gêneros, reconheci-
mento de intenções veiculadas no discurso; emprego de estratégias de registro; identificação das formas
particulares dos gêneros; seleção de procedimentos de leitura em função dos diferentes objetivos e inte-
resses; inferir o sentido de palavras a partir do contexto; consultar outras fontes em busca de informações
complementares; articular conhecimentos prévios e informações do texto; estabelecimento de relações
entre os diversos segmentos do próprio texto, e entre o texto e outros textos (inclusive gráficos, tabelas,
fotos e quadros); compreender ambigüidades, ironias e expressões figuradas, opiniões e valores implíci-
tos; compreensão das marcas temáticas tais como: mudança de capítulo, parágrafo, títulos e subtítulos,
colocação em estrofes e versos, capacidade de identificar as diversas vozes do discurso e o ponto de
vista que determina o tratamento dado ao conteúdo, a fim de poder confrontar textos e opiniões diversas e
posicionar-se criticamente diante deles e de poder identificar os recursos expressivos utilizados na produ-
ção.

2. Para a produção de textos orais e escritos: capacidade de planejar a exposição em função da inten-
cionalidade e das características do receptor, capacidade de escolher recursos discursivos e recursos
escritos complementares (gráficos, esquemas, tabelas etc) adequados ao propósito da exposição, capaci-
dade de ajustar a fala em função da reação dos interlocutores; capacidade de redigir textos considerando
as condições de produção (finalidade, especificidades do gênero, interlocutor, recursos de elaboração),
capacidade de delimitar o tema e de localizar as informações pertinentes, capacidade de elaborar rascu-
nhos e fazer revisões até chegar à versão final (com a ajuda do professor), uso de mecanismos de coe-
rência e coesão textual, uso de recursos lingüísticos (repetição, retomadas, anáforas e conectivos), uso
de marcas gráficas de segmentação textual (títulos e subtítulos, divisão em parágrafos e períodos, pontu-
ação, sinais gráficos peculiares aos diversos instrumentos de registro de textos (lápis, máquina de escre-
ver, computador), recursos gráficos de comunicação gráfica visual (tipologia, divisão em colunas, uso de
caixas de texto e de marcadores de enumeração).

3. Para a análise lingüística: capacidade de reconhecer os diferentes gêneros de texto e as in-


tenções do locutor (explícitas ou implícitas); capacidade de identificar marcas lingüísticas específicas (pro-
cessos anafóricos, operadores lógicos e argumentativos, uso de tempos verbais, etc.); capacidade de

99
saber identificar padrões de uso da língua conforme variações geográficas (regiões, origem urbana e ru-
ral), históricas (passado e presente) e sociológicas (gêneros, gerações, classes sociais, etnias), capacida-
de de identificar diferenças entre os padrões da linguagem oral e escrita, formal e informal; estudos com-
parativos entre as linguagens falada e escrita, atentando para aspectos como uso de pronomes, tempos
verbais, concordância nomimal e verbal, especialmente dos usos que garantem a coesão do texto; análise
sintática a fim de permitir a identificação de elementos que dão forma e sentido ao texto e ampliam os
recursos expressivos; ampliação do vocabulário a fim de desenvolver a capacidade de escolha das melho-
res palavras ao contexto ou à modalidade do discurso; emprego adequado de palavras em condições
específicas tais como regionalismos, estrangeirismos, arcaísmos, neologismos, jargões e gírias; elabora-
ção de glossários, identificação de palavras-chave, consultas ao dicionário; uso da intuição como parte da
estratégia de solução de problemas de pontuação; capacidade de identificar padrões de regularidade mor-
fológica como parte das estratégias de solução de problemas de ortografia e de acentuação gráfica.

Evidentemente, a escolha de determinados conteúdos repousa numa concepção daquilo


que merece ser valorizado no campo cultural em questão. Em relação à linguagem, os PCNs con-
sideram legítimo valorizar (1998, p. 64): 1. as variedades lingüísticas que caracterizam a comuni-
dade dos falantes da Língua Portuguesa nas diferentes regiões do país; 2. a diversidade de opini-
ões e informações contidas nos textos, vistas como possibilidades diferentes de compreensão do
mundo; 3. o posicionamento crítico diante dos textos, para reconhecer a legitimidade dos argu-
mentos e das posições e identificar posições ideológicas e até preconceitos e discriminações; 4. a
iniciativa para ler textos diversos adequados ao estágio de aprendizado; 5. a atitude receptiva dian-
te de leituras desafiadoras; 6. a concepção da leitura e da escrita como fontes de informação, cul-
tura e lazer; 7. o interesse pela literatura enquanto forma legítima de expressão de uma cultura; 8.
o interesse pelo diálogo com outros leitores, para trocar opiniões e informações, bem como o inte-
resse por freqüentar os espaços mediadores da leitura (bibliotecas, livrarias, palestras, exposições
etc); 9. o reconhecimento da necessidade de dominar os saberes envolvidos nas práticas mediadas
pela linguagem como base para a continuidade de aprendizagem fora da escola, para o exercício
da ação política e da cidadania e para o acesso às melhores condições de trabalho e; 10. a valori-
zação do domínio da linguagem escrita como instrumento que permite ao sujeito distanciar-se das
próprias idéias, a fim de refletir melhor sobre os próprios pensamentos, valorizando, conseqüen-
temente, a preocupação com a qualidade da própria escrita, tanto nos aspectos formais quanto de
conteúdo.

Portanto, ao valorizar as habilidades de uso da linguagem em domínio público, o reconhe-


cimento das diversidades, das relações entre tempo, espaço, grupos sociais e a língua e a concep-
ção de linguagem como instrumento que permite “pensar sobre as próprias idéias”, os Parâmetros
Curriculares Nacionais dialogam com as idéias de Postman (para quem a escola deve promover a
100
discussão, cultivar o senso moral, o respeito à diversidade e à vida coletiva). Ao incluir a leitura
de textos científicos e a produção de debates e seminários nas atividades curriculares, os PCNs
dialogam com as idéias de Bruner (para quem a escola deve fomentar a capacidade de pensar por
hipóteses e de atribuir valor relativo às crenças, para não cair em dogmatismos).

É provável que as atividades propostas no campo da análise lingüística tais como o estudo
das variações segundo gêneros, áreas ou classes sociais, a identificação das intenções do autor a
partir do estudo das marcas discursivas etc abram o pretexto para a discussão sobre os conflitos
advindos da luta de classe, as disputas simbólicas e a formação de categorias perceptivas da reali-
dade. Evidentemente, trata-se de um desafio enorme que, para começar a ser travado necessita de
professores devidamente preparados e de condições materiais suficientes nas escolas. O primeiro
passo foi dado, no entanto: os referenciais oficiais elegeram diretrizes emancipadoras. A presente
pesquisa pode oferecer contribuição ao processo, na medida em que conseguir avaliar a adequa-
ção dos vídeos didáticos à proposta pedagógica.

O desdobramento em categorias de análise dos aspectos destacados neste capítulo será fei-
to no capítulo 5. Antes, porém, é conveniente examinar com mais detalhe a natureza, o potencial e
os limites da linguagem televisiva. Tal exame é feito no próximo

101
CAPÍTULO 4

Linguagem audiovisual, ensino


e aprendizagem

4.1 Aspectos históricos relevantes

E
ntre as primeiras experiências com as tecnologias de radiodifusão e o estabele-
cimento da TV como um dos veículos de comunicação mais influentes da atua-
lidade, passaram-se pouco mais de 70 anos. Mas a capacidade que este instru-
mento da cultura de massa mostrou ter para atingir público numerosíssimo - e determinar compor-
tamentos típicos - tem desafiado estudiosos da área a compreender a inserção social da TV de
maneira crítica e equilibrada. Recentemente, as ciências da educação também foram chamadas a
prestar sua contribuição. Para constituir um quadro fecundo atual, é conveniente recobrar aqui
aspectos relevantes da história da TV.

Num sentido muito elementar, a televisão é um sistema eletrônico de transmissão instan-


tânea de imagens e som para aparelhos receptores, que são capazes de reproduzir o sinal numa
tela. A constituição de um sistema de radiodifusão como o conhecemos hoje é fruto de uma série
de descobertas em áreas que vão da química à matemática, e que remontam ao início do século
19. A descoberta das propriedades do Selênio, metal que tinha a capacidade de transformar ener-
gia elétrica em energia luminosa, atentou para a possibilidade de transmissão de imagens por meio
da corrente elétrica.

Cerca de cem anos mais tarde, cientistas europeus e americanos criaram o primeiro siste-
ma de transmissão que utilizava um meio catódico – isto é, baseado numa superfície capaz de
emitir elétrons quando iluminada, constituindo uma imagem. O primeiro televisor semelhante ao
atual, que se tem notícia, foi construído nos Estados Unidos, no início dos anos 30, usando um
tubo de raios catódicos que gerava imagens de mais qualidade, com 120 linhas de definição, em
branco e preto.

102
Liderada pela RCA (Radio Corporation of America) nos Estados Unidos, pelos Laborató-
rios Philips e pela EMI (Eletric and Musical Industries) na Europa, a produção industrial de apa-
relhos de TV permitiu que, ainda na década de 30, fossem realizadas as primeiras transmissões,
para um público restrito. Um indício do poder de penetração da TV no futuro próximo ficou regis-
trado em 1937, quando três câmeras eletrônicas transmitiram a coroação de Jorge VI na Inglater-
ra. Conta-se que o evento foi assistido por 50 mil espectadores (cf. Enciclopédia Britânica do Bra-
sil, v. 14, 1998). Mas foi no período do pós-guerra que a TV começou a alcançar o status que tem
hoje (Enciclopédia Britânica 1998, p. 31):

“O novo meio de comunicação passou a rivalizar com os demais, no


plano da informação e da publicidade. Em 1948, o público americano acom-
panhou as manobras militares realizadas em mar alto; Hollywood começou a
produzir filmes especialmente para a televisão. A Europa e a América Latina fo-
ram literalmente invadidas pela novidade eletrônica, que era chamada ‘a quinta
parede’ dos aposentos.”

Nos anos 50, a TV já era tecnologia comercialmente viável e contava com cerca de quatro
milhões de espectadores nos Estados Unidos, que recebiam sinais de 107 estações emissoras. As
antenas de microondas também se sofisticaram, ganharam potência e passaram a enviar sinais
entre os continentes. Entretanto, até esse período apenas as transmissões ao vivo eram possíveis,
fato que limitava a criação de formatos televisivos.

Em 1956, surgiu a técnica do videoteipe, que permitia armazenar imagens em fitas magné-
ticas e, assim, enviá-las para um público muito mais amplo. Com esta invenção surgiu também a
possibilidade de planejar imagens e editar seqüências de modo diverso da sucessão real dos acon-
tecimentos. Neste momento, a televisão foi buscar referências estéticas no cinema, que já havia
desenvolvido considerável repertório.

A tecnologia de emissão por satélite, criada no início dos anos 60, e a invenção da TV em
cores completaram o quadro necessário à “explosão” da mensagem televisiva. Atualmente, as
tecnologias de informática vislumbram um futuro diferente para a radiodifusão. Desde a segunda
metade dos anos 80, o HDTV (High Definition Television, Televisão de Alta Definição) permite
que a televisão tenha a mesma qualidade de imagem obtida pela película cinematográfica. Os
atuais softwares de computador tornaram a imagem tão maleável, que é possível interferir na cena
diretamente captada da realidade, sem que o olho humano perceba a intervenção. É com este apa-
rato que a indústria cultural e a educação podem emitir mensagens hoje.

103
4.2 Modelos de televisão

Por se tratar de um bem público, já que ninguém é dono do espectro eletromagnético ter-
restre que transmite as ondas televisivas, cada país, de acordo com suas características econômi-
cas e políticas, criou regras específicas para a exploração da tecnologia de radiodifusão. Entretan-
to, em linhas gerais, todos os sistemas podem ser divididos em duas áreas: a privada e a estatal. As
redes privadas financiam a produção com a venda de tempo de transmissão a anunciantes ou pa-
trocinadores. As redes estatais obtêm recursos normalmente através da cobrança de impostos que
incidem sobre os proprietários de aparelhos. À medida que as tecnologias se sofisticaram, os cus-
tos de produção se tornaram tão elevados a ponto de colocar a maioria das redes estatais (e, atu-
almente, também algumas redes privadas) em situação deficitária, comprometendo, inclusive, a
qualidade da programação.

Evidentemente, à medida que o aparato técnico se desenvolvia, os produtores foram cri-


ando estilos de linguagem e formatos diversificados de programas. Apesar da diversidade, a pro-
gramação televisiva pode ser dividida em duas grandes categorias elementares: entretenimento e
instrução. Reza a cartilha da produção televisiva (na maioria dos países capitalistas democráticos)
que, ao menos, metade da programação seja dedicada à informação e à cultura e a outra metade
produza entretenimento.

Na prática brasileira, essa divisão não obtém sucesso por pelo menos dois motivos. Em
primeiro lugar, considerando que os canais de maior audiência operam no âmbito privado, é de se
esperar que a competitividade pela maior audiência seja a principal referência para a definição de
programas e, portanto, o entretenimento vazio esteja presente na maioria dos formatos televisivos.
Em segundo lugar, uma revisão na literatura especializada na área mostra como é difícil estabele-
cer distinções coerentes sobre o que é um programa educativo e o que o distingue de um progra-
ma tipicamente de entretenimento.

Uma tentativa de sistematização foi elaborada por Carneiro (1999). Revisando autores
americanos e europeus dos anos 50 aos 90, a autora contrapõe a visão “clássica” à visão “contem-
porânea” do conceito de programa educativo. Assim, para a visão tradicional, a oposição entre
entretenimento e educação é marcada pela conceituação inicial de televisão educativa como nega-
ção da televisão comercial, tanto em questões de conteúdo quanto no trato com a linguagem. Os
programas educativos, portanto, são aqueles caracterizados “pela adoção de formas racionais e
analíticas eficazes do ponto de vista didático, em detrimento da perspectiva de utilizar recursos
dramáticos popularizados pelo cinema e pela televisão comercial” (p. 17). Nesses programas, a
razão deve se impor à emoção até o ponto em que o programa pedagógico seja “identificado co-

104
mo extensão escolar, que entrou em conflito com as expectativas, do receptor, de divertimento na
televisão” (p. 17). Portanto, por oposição, essa matriz conceitual concebe o programa comercial
de entretenimento como o formato em que os valores emotivos e espetaculares são elevados a
ponto de extinguir possibilidade de apropriação analítica de um conteúdo.

De fato, a concretização dos conceitos de educativo e de entretenimento na TV remontam


às primeiras tentativas com tele-educação, ainda nos anos 50. Experiências americanas e britâni-
cas, principalmente, ficaram registradas. Nos anos 60, reflexões teóricas obtidas a partir da expe-
riência concreta desembocaram numa sistematização mais precisa. Carneiro comenta a sistemati-
zação feita por dois autores americanos, Schramm (1963) e Saettler (1968)11, de programa educa-
tivo como aquele “apresentado para algum sério propósito, ou para ensinar alguma coisa ou de-
senvolver um conhecimento cultural mais amplo” (p. 34). Quatro formatos principais se desta-
cam: educação formal ou cursos ministrados via TV, programação cultural sobre artes plásticas,
música, teatro etc, ajuda prática e discussão de questões públicas. Estruturalmente (1999, p. 36):

“Os programas de televisão para o ensino limitavam-se ao formato de


uma aula presencial, ainda que utilizando todo um repertório de materiais
audiovisuais. A aula ‘bem preparada e séria’ dentro do método de exposição-
demonstração, tornou-se a maneira mais popular de ensino pela televisão.”

Outros formatos como debates e mesas-redondas também foram empregados. Apenas as


dramatizações eram feitas com reserva, porque temia-se que os estudantes passassem a comparar
os educativos com os comerciais (por causa da semelhança formal) e rejeitassem, de antemão, os
conteúdos pedagógicos.

O quadro atual parece diferente. Como observa a autora, uma das críticas mais proeminen-
tes à TV educativa é a tendência ao tom “professoral” que não explora as possibilidades técnicas e
estéticas dos recursos tipicamente televisivos. Entre esses recursos podem ser incluídos a narrati-
va ficcional, o impacto visual, a emotividade construída pela imagem e pela música, por exemplo.

Para oferecer um quadro detalhado do programa educativo, Carneiro busca referências na


obra de Jaquinot12 e apresenta como estrutura típica de um programa pedagógico aquela que a-
proxima três mundos: o “mundo mundano”, o “mundo do especialista” e o “mundo da sala de
aula”. O fio condutor da narrativa também é muito peculiar. Enquanto no filme de entretenimento
as ligações entre seqüências de tempo ou espaço diferentes devem ser feitas usando recursos de

11 SCHRAMM, W. et alii. The people look at educational television: a report of nine representative ETV stations. Stanford, 1963. e SAET-
TLER, P. A history of instrucional technology. McGraw-Hill, 1968.
12 JACQUINOT, G. Image et pédagogie. Presses Universitaires de France, 1977.

105
montagem13 oriundos do cinema, no filme educativo as articulações entre os três mundos podem
ser interrompidas a qualquer momento, sempre que for necessário algum tipo de explicação. “A
sinalização da ruptura é dada pelo aparecimento de uma flecha, de uma seta, de uma vareta, de
uma mão que remete a um outro universo estranho ao da diegese” (Carneiro, 1999, p. 44). A li-
nha narrativa é definida pela intenção de mostrar o mundo em que se vive para alguém que não
sabe (e que está no mundo da sala de aula), tendo como referência o saber constituído pelo mundo
do especialista.

Aplicando o referencial ao um roteiro prático, pode-se imaginar uma seqüência em que o


programa vai ensinar o que acontece no corpo de uma mulher para que ela gere gêmeos. O filme
começa com imagens do “mundo mundano”: cenas de crianças gêmeas brincando, comendo, to-
mando banho, na escola etc. A seguir, um marcador de ruptura (uma vinheta) introduz o “mundo
da sala de aula”: um professor explica características genéticas, descreve o processo de fertiliza-
ção dos óvulos. Sua exposição é complementada por imagens, animações e gráficos. Outro mar-
cador de ruptura introduz a figura do especialista, que irá apresentar dados adicionais: o que ocor-
re com os gêmeos siameses, por exemplo. A explicação também é acompanhada por recursos
como animação, gráficos, fotografias etc.

A crítica comumente feita a este modelo, segundo Carneiro, é que a concepção de comu-
nicação entre emissor e receptor é mecânica e unívoca. “O receptor como sujeito ativo fica ocul-
to” (p. 44). Nos anos 80, novas pesquisas na área da recepção renovaram esse repertório sobre
programas educativos.

Partindo da indagação “o que as pessoas fazem com a mídia?”, pesquisadores da área de


comunicação conseguiram construir um quadro teórico que explicasse o fenômeno da mediação,
isto é, dos modos como os telespectadores faziam suas escolhas de mídia e o que esperavam em
relação a um formato televisivo, por exemplo. No campo específico das relações entre televisão e
educação, Carneiro comenta os resultados de uma pesquisa pioneira realizada nos Estados Uni-
dos, em 1960, que mostrou que a combinação televisão-educação não é feliz na perspectiva do
espectador médio 14. Isso acontecia porque a maioria das pessoas concebia a TV como um apare-
lho para relaxar, distrair-se e se divertir no final do dia. Não para aprender.

Por outro lado, estudos posteriores mostraram que, entre o público com nível mais elevado
de escolarização (e que tem acesso a outras esferas da produção simbólica), verifica-se maior a-

13 O conceito de montagem é apresentado mais adiante.


14 GEIGER, K. e SOKOL, R. “Educational Television in Boston”, in SCHRAM W. The impact of educational television. University of Illinois
Press, 1960.

106
ceitação do programa educativo “tradicional”. Logo, está posta a distorção: aqueles que mais pre-
cisam do formato educativo, tendem a rejeitá-lo. Aqueles que precisam menos, aceitam-no com
mais facilidade. Se para os produtores de TV comerciais o dilema pode ser facilmente resolvido
ao substituir a educação pelo entretenimento de massa, para os educadores está posto um quebra-
cabeça urgente: como veicular educação pela TV, mantendo a audiência do público?

Carneiro cita outra pesquisa realizada em 1961, com cerca de 6 mil crianças e 2 mil pais e
professores dos Estados Unidos e Canadá, que tentou responder à pergunta: o que as crianças fa-
zem com a televisão? A pesquisa (1999, p. 52):

“Afirmou que as crianças acentuavam sua rejeição à televisão educa-


tiva. Recusavam-se a assistir a programas educativos em casa. Irritavam-se
com programas didáticos. Mas não recusavam a aprendizagem incidental, inci-
dental learning, proporcionada pelos programas de entretenimento15.”

A “aprendizagem incidental”, na perspectiva do trabalho de Carneiro, refere-se ao formato


televisivo que mistura fantasia e diversão com conteúdos escolares (1999, p. 55):

“Uma das especificidades da linguagem audiovisual é sua adequação à


ficção narrativa e à identificação emocional. ‘É uma linguagem que afeta mais a
fantasia e o desejo que a razão analítica’. A cobrança de que a televisão de-
sempenhe objetivos acadêmicos da escola ou da universidade, segundo Fuen-
zalida (1992)16 é irreal. Exige da televisão uma linguagem analítica específica
da escola.”

Em outras palavras, a dimensão comunicativa da TV não se satisfaz com a mera transmis-


são de informação, mas se completa no estabelecimento de uma relação de conversação entre o
emissor e o receptor, motivada, sobretudo, pelo envolvimento emocional.

Carneiro localiza a concretização deste novo referencial educativo para a televisão em


programas de sucesso na TV brasileira como “Rá-Tim-Bum”, 190 programas de 30 minutos cada
exibidos pela TV Cultura a partir de fevereiro de 1990 e “Mundo da Lua”, série de ficção, bem
próxima do formato de telenovela, composta por 52 programas exibidos pela TV Cultura, a partir
de outubro de 1991. Essas faixas tinham em comum o fato de apostarem na “ficção didática” para
instruir e divertir, ao mesmo tempo, e se integram num longo percurso de pesquisa e produção

15 SCHRAM, W., LYLE, J., PARKER, E. B. Television in the lives of our children. Stanford University Press, 1968.
16 FUENZALIDA, V. Educacion para los medios y produccion de programas. In CENECA (Centro de Indagación y Expresión Cultural y
Artística). Educación para la comunicación: manual latino americano de educación para los medios de comunicación. Santiago: Unesco /
Ceneca, 1992.

107
que começou com “Vila Sésamo” e “Sítio do Pica-pau Amarelo”, ainda nos anos 70 e teve seu
apogeu com “Castelo Rá-Tim-Bum”, programa de sucesso entre as crianças e visto com bons
olhos por educadores.

A articulação entre o educativo e o entretenimento se manifesta no uso de códigos e for-


matos audiovisuais específicos, que incluem a lógica da ficção seriada e o uso das estruturas dos
contos de fadas, narrativas que constituem “a tradição educativa mais milenar da espécie huma-
na”, segundo a autora (p. 69).

Entre as características da ficção seriada emprestadas aos novos programas educativos


destacam-se o uso da linguagem dramático-simbólica, os mecanismos de “suspensão” e “reata-
mento” de sentido (necessários para ligar dois blocos de programas intermediados pela publicida-
de ou para ligar a narrativa interrompida de um dia para o outro) e o uso de trilha sonora marcante
para cada personagem ou situação específica. Os roteiros devem criar “ganchos” que despertem a
curiosidade do espectador ao final de um bloco ou capítulo ou que reativem sua memória no iní-
cio de um bloco ou capítulo.

Já a estrutura dos contos de fadas se manifesta nos roteiros que utilizam a fórmula do con-
flito que se resolve no final. Trata-se de uma estrutura popular e universal. “A morfologia do con-
to popular se faz presente em filmes e na televisão”, avalia a autora. “As narrativas de televisão
mais populares, como novelas e séries, reproduzem estruturas dos contos maravilhosos” (p. 72).
Ela exemplifica a análise com um episódio do seriado “Mundo da Lua”, da TV Cultura. No dia
em que Lucas, um pré-adolescente de classe média, fica enciumado com a gravidez de sua mãe,
ele adentra o seu “mundo da Lua” - um campo imaginário acessível pelo microfone – para viajar
no tempo, encontrar o irmão que está para nascer e dizer “umas coisinhas”. Mas o irmão já estava
pensando em “se mudar” para outra família. Depois de conversarem, Lucas passou a gostar do
irmão e retornou ao “mundo real”, modificado. O valor educativo de narrativas como essa, argu-
menta a autora, reside na possibilidade de viver os próprios conflitos através do personagem fictí-
cio, e crescer com a vivência imaginária.

Embora ofereça um panorama histórico aprofundado e abrangente, o estudo empírico de


Carneiro focaliza um tipo específico de programa: o educativo, isto é, aquele feito com finalidades
pedagógicas mas não para ser usado, necessariamente, na sala de aula. Certamente, o referencial
acima apresentado será útil na avaliação dos vídeos. Entretanto, por serem programas didáticos
planejados o uso em sala de aula, os vídeos da TV Escola merecem análise pormenorizada. As-
sim, é preciso ainda oferecer olhar mais detido sobre fundamentos da linguagem televisiva, a fim
de decidir como os recursos podem ser adequadamente empregados no material em questão. Para

108
identificar a especificidade dos programas didáticos da TV Escola, é conveniente examinar, em
primeiro lugar, o conceito de “gêneros televisivos”, segundo a sistematização de Machado (2000).

4.3 Gêneros televisivos

O autor parte de uma perspectiva semiológica estrutural da linguagem televisiva e elege a


categoria de gênero como eixo norteador da sua leitura. Fazendo referência à obra de Bakhtin17,
Machado explica que (2000, p. 68):

“(...) gênero é uma força aglutinadora e estabilizadora dentro de uma


determinada linguagem, um certo modo de organizar idéias, meios e recursos
expressivos, suficientemente estratificados numa cultura, de modo a garantir a
comunicabilidade dos produtos e a continuidade dessa forma junto às comuni-
dades futuras.”

Mas ele faz uma ressalva: apesar da função de estabilidade, um gênero não é, necessaria-
mente, conservador. Por serem as linguagens instrumentos inseridos nas estruturas dinâmicas da
cultura, gêneros são instâncias “em contínua transformação no mesmo instante em que buscam
garantir uma certa estabilização” (p. 69). Pode-se, portanto, falar em um diálogo entre a criativi-
dade do emissor e a perspicácia do leitor, que jogam continuamente, motivados pela necessidade
de simbolização.

A maleabilidade e o jogo cognitivo também sustentam a idéia de gênero para Neale (2001,
p.4-5), porque “a classificação não é território exclusivo de especialistas acadêmicos, mas é um
aspecto fundamental para que os diversos tipos de textos possam ser compreendidos”, pelo leitor
comum. Ele dá o seguinte exemplo: se um personagem caminha pela rua e, de repente, desanda a
cantar, a audiência acostumada com aquela situação rapidamente irá classificar o filme como mu-
sical. “Na maioria dos casos, a audiência já tem uma idéia antecipada do que vai assistir”. Por
causa da idéia de gênero, o público “faz escolhas baseadas em informações como anúncios publi-
citários, críticas e até pelo título e pelo tipo de personagem ou pelo ator presente”.

Aproximando a noção de gênero aos eventos audiovisuais, isto é, produções diversas que
têm em comum o fato de serem imagem e som construídos e emitidos eletronicamente, Machado
cria categorias de análise baseadas em um “conceito de televisão” que se expressa em “conteúdos
verbais, figurativos, narrativos e temáticos, como também no modo de manejar os elementos dos

17 BA KHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de Janeiro, Forense, 1981.

109
códigos televisuais” (p. 70). São seis gêneros principais: 1. formas fundamentadas no diálogo, 2.
narrativas seriadas, 3. telejornal, 4. transmissões ao vivo, 5. videoclipe e outras formas musicais e
6. grafismo televisual.

As formas fundamentadas no diálogo constituem o modo mais antigo e, ainda hoje, a ma-
téria-prima principal da TV. Esses diálogos podem se desdobrar em entrevistas, debates, mesas-
redondas e até monólogos (que pressupõem alguma relação com um diretor ou com o telespecta-
dor, para se concretizar o diálogo). A competência para exercitar o potencial expressivo-
comunicativo do gênero diálogo, nos seus diversos desdobramentos, depende de condições como
o objetivo da produção, a habilidade de quem faz o programa e as estruturas tecnológicas disponí-
veis. Assim, por exemplo, um talk show como o “Programa do Jô”, exibido pela TV Globo é
“menos diálogo” que o programa “Diálogos impertinentes”, exibido pela TV Cultura. Pode-se
dizer que a eficácia de um diálogo na televisão depende, sobretudo, da autonomia que os partici-
pantes têm para expressar opiniões. Essa autonomia é inversamente proporcional ao uso de scripts
determinando, de antemão, a seqüência e a duração das manifestações de cada falante e também
ao cronômetro marcando a entrada de anúncios publicitários, por exemplo.

As narrativas seriadas são as estruturas mais comuns da televisão. Trata-se da programa-


ção divida em blocos, que intercalam anúncios publicitários (nos canais comerciais) ou chamadas
para outros programas (nos canais públicos e estatais). A duração dos blocos varia de acordo com
o programa ou com o canal, mas pode-se dizer que há uma tendência em serem mais longos nos
canais públicos e estatais e mais curtos nos canais comerciais, já que esses obtêm ganhos com as
inserções publicitárias. Em um sentido muito elementar, a serialidade refere-se a uma apresenta-
ção descontínua e fragmentada do “sintagma televisual”18. O roteiro é planejado na forma de capí-
tulos ou episódios e, geralmente, aplicado a enredos de ficção. Isso não quer dizer que um docu-
mentário ou um programa didático não possam ser seriados. O que caracteriza o gênero é o uso
dos recursos de contextualização e os chamados “ganchos de tensão” que servem, respectivamen-
te, para refrescar a memória do telespectador e para manter seu interesse no próximo bloco, capí-
tulo ou episódio.

Embora a serialidade não tenha sido criada pela TV (e para comprovar esta tese basta
lembrar do romance folhetim do século XVII), foi a linguagem audiovisual a responsável pelo
aprimoramento deste recurso formal expressivo, principalmente porque é essa a estrutura que

18 Na lingüística, “paradigma” e “sintagma” são os dois eixos da linguagem: vertical o primeiro, composto pelo estoque de signos;
horizontal o segundo, composto pelas regras de combinação (cf. BARTHES, R. Elementos de Semiologia. São Paulo, Cultrix, 1981). Na
televisão, paradigma refere-se aos elementos de som (verbal e não-verbal) , imagem e sinais gráficos. Sintagma refere-se às lógicas de
montagem desses elementos, de acordo com as características dos diversos gêneros.

110
melhor se adapta às rotinas industriais de produção. Em outras palavras, por ser um fluxo ininter-
rupto, a televisão exige a produção de programas em larga escala, e só consegue fazê-lo empre-
gando técnicas tipicamente industriais como a serialização e a repetição infinita do mesmo protó-
tipo. Protótipos na TV referem-se, por exemplo, desde ao uso dos mesmos atores, repetição de
cenários e figurinos, até às situações dramáticas estruturalmente iguais, variando apenas na apa-
rência.

Machado alerta para o fato de a serialidade não ser, necessariamente, um recurso empo-
brecedor da expressividade televisiva. Ao contrário, quando praticadas com competência, essas
interrupções tem função lúdica e cognitiva: ao acabar num momento de tensão, o episódio do dia
impele o espectador a imaginar o que irá ocorrer na seqüência. Ao interromper a narrativa e reto-
má-la posteriormente, o programa obriga o espectador a fazer uma junção mental das informa-
ções. Nos programas educativos, inclusive, os ganchos podem ser planejados de modo a estimular
o estudante a formular hipóteses no final de um bloco – e que poderão ser testadas na continuida-
de do programa.

Além dos ganchos, a narrativa seriada fomentou a criação de outro recurso expressivo,
genericamente chamado de “repetição”. Trata-se do uso de signos que facilitam a identificação de
um padrão na diversidade de episódios, e que deve funcionar como uma espécie de âncora para
estabilizar a intelecção, apesar dos fragmentos instáveis. “Na verdade, repetição não significa ne-
cessariamente redundância. Ela é, pelo contrário, princípio organizativo de vários sistemas poéti-
cos”, adverte Machado (p. 89). Para exemplificar essa situação, basta lembrar do caráter da garo-
tinha Mafalda, dando continuidade à narrativa seriada de Quino. Um exemplo oposto podem ser
os bordões repetidos por personagens de programas humorísticos. Neste caso, tem-se um estereó-
tipo empobrecedor ao invés de uma repetição organizativa da forma.

A característica mais marcante do gênero “telejornalismo” é o uso de uma linguagem que


tem sempre “ambigüidade suficiente em sua forma significante, a ponto de interditar qualquer
‘leitura’ simples e unívoca” (p. 100). Prova disso, argumenta, é o fato de que, durante a Guerra do
Golfo, em 1991, o jornalista americano Peter Arnett, da CNN, foi acusado de ser tanto “testa-de-
ferro” de George Bush, quando de adotar uma posição pró-Iraque, ao mesmo tempo. Isso aconte-
ceu quando ele produziu matérias recheadas de imagens mostrando que os bombardeios estavam
atingindo escolas e hospitais civis.

A ambigüidade pode ser explicada pelos paradigmas que compõem o sintagma telejornal:
mistura de distintas fontes de imagem e som (cenas captadas ao vivo, gravações recentes ou anti-
gas, filmes de ficção, fotografia, gráficos, mapas, texto, locução, música e ruídos), subordinadas a

111
pessoas em primeiro plano (apresentador, âncora ou repórter) que falam diretamente para a câme-
ra, alternando a posição com as fontes entrevistadas. Esse estilo de articular elementos audiovisu-
ais faz do telejornal um dos gêneros mais rigidamente codificados. Sempre haverá um repórter ou
apresentador se dirigindo à câmera tendo ao fundo o local do acontecimento reportado ou, pelo
menos, um cenário em chroma key que mostra cenas do fato.

A despeito de pequenas diferenças identificadas na aparência, essencialmente, “o telejor-


nal é, antes de mais nada, o lugar onde se dão atos de enunciação a respeito dos eventos” (p. 104).
Esses atos são realizados por sujeitos diversos, que se sucedem, se revezam, se contrapõem uns
aos outros. O resultado é uma montagem de vozes, por vezes contraditórias, daí o caráter de am-
bigüidade que pode permitir leituras diversas. Por essa razão, argumenta Machado, “o telejornal,
muitas vezes, trata não propriamente dos eventos, mas de sua própria dificuldade em reportá-los”
(p. 105).

Ao contrário do telejornal, calculado e “limpo”, a transmissão ao vido – outro gênero – é


aquela que está sujeita a toda sorte de imprevistos. Por isso, é o gênero que pode quebrar a apatia
da produção massificadae fomentar uma certa “arte do improviso”, seja na locução ou na captação
das imagens que são emitidas instantaneamente. Machado argumenta que a indústria da cultura,
historicamente, impôs uma espécie de controle de qualidade aos produtos audiovisuais que se
converteu numa assepsia, numa “purificação do produto de todas as suas marcas de trabalho” (p.
131). Numa entrevista jornalística em estúdio, por exemplo, qualquer hesitação, tosse, repetição
de palavras é cortada na hora da edição, resultando num diálogo bem diferente daquele praticado
em “situações normais”. Todos os gestos são contidos, olhares e sorrisos calculados, de modo que
o resultado final é artificialmente plástico (o “Jornal Nacional”, da TV Globo, talvez o melhor dos
exemplos nesse sentido, já recebeu o apelido de “Jogral Nacional” pelo colunista da “Folha de S.
Paulo” José Simão).

Por outro lado, nas emissões ao vivo, tudo aquilo que é normalmente considerado excesso
para a produção se converte em “elemento formador, impregnando o produto final das marcas da
incompletude, da indomesticabilidade e, num certo sentido, da bruteza, que constituem algumas
de suas características mais interessantes” (p. 131). Se a proposta for apresentar um programa sem
os artifícios da embalagem, a TV ao vivo contribui para revelar ao espectador uma televisão como
fruto do trabalho humano. Nesse sentido, ocorrências como a captação momentaneamente desfo-
cada de imagens, o uso do zoom para vasculhar um detalhe numa cena mais ampla, o registro de
ruídos de imagem e de som, a girafa do microfone aparecendo ou um câmera captando o trabalho
do outro por alguns segundos devem ser incorporados ao sintagma. Nesse gênero, a televisão se
aproxima mais da vida cotidiana do espectador e se revela como um aparato para aproximar a
112
realidade com todos os defeitos, imprevistos, vazios e silêncios que compõem nossa vida cotidia-
na.

O videoclipe, criado nos anos 60, ganhou status de gênero televisual com o desenvolvi-
mento de sofisticados recursos de telemática desenvolvidos nos anos 80. A principal característica
desse gênero é conceber a música como linguagem multimidiática, na natureza rítmica-imagética.
O videoclipe pode ser concebido como uma espécie de síntese audiovisual, capaz de estabelecer
equilíbrio entre o efeito figurativo tradicional do cinema e o efeito rítmico-musical. Exemplos
criativos (e antigos) dessa síntese são a reprodução da pista sonora na pista de imagem do vídeo
realizada em “Fantasia”, de Walt Disney, ou do filme “Réquiem para Lênin”, do cineasta russo
Dziga Vertov, em que uma sucessão de imagens da vida cotidiana do povo soviético é editada no
ritmo da música.

O “grafismo televisual” é o último dos gêneros e refere-se ao abstracionismo na tela de


TV. Trata-se de um formato praticado a algum tempo pelo gênero videoclipe, mas que ganhou
status próprio em produções como vinhetas de programas, identidade visual de emissoras e crédi-
tos na abertura de filmes, a partir dos anos 50. O designer judeu Saul Bass é uma das maiores re-
ferências na área, com a produção de vinhetas e aberturas para os filmes de Hitchcok ou do clássi-
co “Anatomia de um crime”, do cineasta inglês Otto Preminger.

Em linhas gerais, o grafismo televisual trabalha com textos, gráficos, mapas, logotipos,
formas orgânicas e geométricas, imagens figurativas, texturas e movimentos que desprezam as
leis da gravidade. No intervalo de um programa, o espectador é estimulado com uma sucessão de
imagens, cores, linhas, pontos, deslocamentos que, se não constituem um fio de sentido narrativo,
são hábeis em suscitar estados mentais capazes de recriar noções de equilíbrio ou desequilíbrio,
tensão, instabilidade, profundidade, transparência, continuidade etc.

Machado fala em gêneros como linguagens típicas. Mas também é possível desenvolver
essa idéia a partir das rotinas de produção de uma emissora. É o que faz Souza (2004), analisando
as grades das emissoras brasileiras. O autor parte da idéia de categoria, que engloba o gênero, que
é composto por diversos formatos televisivos. À idéia de categoria, a mais abrangente de todas,
estão atreladas as variáveis “entretenimento”, “educação” e “informação”. O entretenimento, co-
mo se sabe, engloba o conjunto de programas planejados para distrair, divertir, espairecer. Os
informativos são os programas que trazem novidades ao espectador. Os educativos são os pro-
gramas com finalidades pedagógicas, sintonizadas com a educação formal ou não, e não preci-
sam, necessariamente, tratar de novidades. Basta pensar num programa que aborde as origens do

113
pensamento matemático. Cada categoria tem seus gêneros típicos. Souza organiza os sintagmas
televisivos nesta ordem:

1. Entretenimento: programas de auditório, colunismo social, culinária, desenho


animado, docudrama, esportivos, filmes, game shows, quiz shows, humorísticos,
infantis, musicais, novelas, reality shows, revistas eletrônicas, séries, sitcom,
talk shows.

2. Informação: debates, documentários, telejornal, programas de entrevistas

3. Educação: programas educativos para o público em geral, programas instrucio-


nais para um público específico.

Há ainda a categoria “Publicidade” e programas que não se enquadram em nenhum dos


rótulos, como os religiosos, por exemplo. Daí a importância de enfocar os gêneros sem esquecer a
maleabilidade.

Seguindo a linha de raciocínio esboçada por Neale – gênero como um texto televisual típi-
co e previsível – pode-se dizer que certos elementos da linguagem audiovisual são mais comuns
em certos formatos. Um programa de entrevista, por exemplo, colocará a palavra no primeiro
plano do sintagma televisivo. Conseqüentemente, os outros elementos serão subordinados ao
principal: usará planos mais fechados, poucos fundos musicais, timing “arrastado”, com poucos
cortes. No extremo oposto, o videoclipe de uma música pop elege o ritmo (visual e sonoro), co-
mo elemento principal: movimentos de câmera, jogos de luzes e cores, efeitos gráficos e sonoros,
edição ultra-rápida vão para o primeiro plano. A letra da música pode passar despercebida.

No final das contas, a idéia de gênero orienta a formatação da linguagem. E a linguagem


formatada cria uma disposição mental para a leitura do sintagma televisivo, que pode envolver
atitudes das mais diversas: da concentração para entender o raciocínio de um economista anali-
sando fatos num programa de debates à atenção descompromissada exigida por um programa de
esquetes humorísticas de 40 segundos.

4.4 Mensagem estética e mensagem semântica

A esta altura, surge um impasse. Ao apresentar os argumentos (otimistas) de Machado,


não há como ignorar o alerta de Adorno, citado no capítulo 1. Vale a pena repeti-lo aqui:

114
“A televisão visa uma síntese do rádio e do cinema (...) cujas possibili-
dades ilimitadas prometem aumentar o empobrecimento dos materiais estéti-
cos a tal ponto que a identidade mal disfarçada dos produtos da indústria cul-
tural pode vir a triunfar abertamente já amanhã (...). A harmonização da pa-
lavra, da imagem e da música (...) — que registram sem protestos, todos eles,
a superfície da realidade social — são em princípio produzidos pelo mesmo
processo técnico e exprimem sua unidade como seu verdadeiro conteúdo”.

A aparente contradição entre os dois autores relatados (televisão como linguagem rica pa-
ra Machado e como material estético pobre para Adorno) pode ser resolvida recorrendo-se à Teo-
ria da Informação. Essa teoria é hábil em oferecer subsídios para a “decupagem” do programa de
TV. Ao separá-lo em partes, quantificar e qualificar os elementos, é possível verificar em que
medida um programa é “pobre” ou “rico” e em que consiste a pobreza ou a riqueza de cada gêne-
ro. Ainda que a separação seja feita momentaneamente para fins didáticos. A televisão, como
mensagem, não esquece a máxima da Gestalt de que “o todo é mais do que a soma das partes”.

Uma das categorias analíticas desta perspectiva define o conceito de “mensagens múlti-
plas”. Segundo Coelho (1981) mensagens múltiplas são as que chegam ao receptor através de
vários canais perceptivos, simultaneamente. O cinema por exemplo, opera com os meios visual e
sonoro; o computador pode operar com esses dois e mais o tato; o teatro pode operar também com
o olfato e até o paladar. “Por essa natureza, a mensagem múltipla apresenta todos os mesmos pro-
blemas de codificação, transmissão e decodificação verificados nas mensagens singulares, agra-
vados agora por essa sobreposição de canais” (1981, p. 158).

Os problemas aos quais o autor se refere dizem respeito às relações entre informação, ori-
ginalidade, redundância e audiência. São essas as categorias básicas de análise utilizadas pela
Teoria da Informação. Elas oferecem uma possibilidade de avaliação crítica de uma mensagem,
sem envolver questões de significação.

De um modo elementar, para esta teoria, o valor de uma mensagem pode ser definido em
função do número de dúvidas que ela elimina: quanto mais dúvidas eliminar, mais informação
tem, e melhor é a mensagem. Ao contrário, quanto menos dúvidas eliminar, menos informação
há, e pior a mensagem é. Para eliminar o maior número possível de dúvidas, o canal que carrega a
mensagem deve conter a maior taxa de informação possível. Quanto mais informação, mais origi-
nalidade e menos previsível a mensagem é. Por outro lado, quanto mais previsível, menos original
é a mensagem e, portanto, ela contém taxa muito pequena de informação.

115
À primeira vista, pode-se dizer que a melhor mensagem é aquela que contém o maior nú-
mero de informações possível, mas a prática comunicativa mostrou situação diferente, já que não
existe mensagem em si, mas sim produzida para alguém se comunicar com outra pessoa. Logo, o
fluxo de mensagens nos ambientes comunicativos pressupõe o diálogo (mediado ou não por al-
guma tecnologia) entre o emissor e o receptor. Para que haja o diálogo, eles devem ter algo em
comum: um código compreensível por ambos e ao menos partes do repertório próprio comparti-
lhadas. Conclui-se, então, que a mensagem totalmente original, isto é, que contém o máximo de
informação, é na verdade entrópica, isto é, perde-se no ato comunicativo, porque parte do emissor
mas não é captada pelo receptor. Quando o receptor não entende, ele rejeita a mensagem. Daí a
importância da verificação quantitativa da audiência.

Por outro lado, a mensagem previsível é aquela que contém informações já totalmente co-
nhecidas pelo receptor. Logo, ela é redundante e também não propicia um ato comunicativo, de
compartilhamento de informações. Por ser totalmente previsível, a mensagem redundante tende,
igualmente, a ser rejeitada.

Assim, para que as mensagens fluam num ambiente adequado, é preciso que o emissor
parta do repertório do receptor e acrescente novos dados. Deste modo, haverá comunicação rele-
vante. Como, na prática, não é possível prever o repertório de alguém, os produtores de mensa-
gens, especialmente no âmbito midiático comercial, têm trabalhado com taxas médias que, se
garantem a audiência por um lado, tendem a ser prejudicialmente previsíveis por outro, se a ques-
tão é o aumento do repertório.

Portanto, mensagens múltiplas, ao enviar informações por canais diversos, agravam o


problema das relações entre informação e audiência. Como emitir mensagem mais original possí-
vel com o máximo de inteligibilidade possível?

Uma saída pode ser o uso do conceito de forma. Segundo Coelho forma é “um conjunto
de mensagens relacionadas entre si e formando um texto unitário”. Cada mensagem deste conjun-
to, por sua vez, é composta por “grupos de elementos de percepção extraídos de repertórios de-
terminados e com uma estrutura certa” (p. 152). Tradicionalmente, a Teoria da Informação se
preocupa em saber qual é a forma mais difícil de ser transmitida e o que fazer para facilitar a
transmissão.

Coelho explica que a forma mais difícil é aquela que tem tendência à entropia, entendida
como “ausência de um ponto de referência a partir do qual definir uma ordem eventualmente exis-
tente” (p. 153) por parte do receptor. Formas tipicamente entrópicas são aquelas que estruturam
obras de arte cubistas ou a música atonal, por exemplo. Neste caso, o artista-emissor opta delibe-
116
radamente por uma linguagem complexa que consiga expressar suas idiossincrasias. Entretanto,
na prática, igualmente entrópica pode ser a edição ligeira do “Jornal Nacional”, que sobrecarrega
os canais sonoro e visual com textos, gráficos, música de fundo, cenário, cortes rápidos etc, crian-
do um espetáculo multimidiático difícil de ser ordenado, mas ainda assim atraente.

É difícil definir exatamente o que é a forma de uma mensagem, mas pode-se compreendê-
la como complemento do conteúdo essencialmente “semântico”. Para construir a referência for-
mal que estrutura a mensagem, o emissor lança mão de recursos como contrapor figura e fundo,
tanto no plano visual quanto no sonoro. Ele também pode estabelecer momentos de periodicidade,
que equilibram taxas de originalidade e previsibilidade. Esses recursos são particularmente úteis
no trato das mensagens múltiplas, como os programas de televisão. Aqui o impasse entre Macha-
do e Adorno começa a ser solucionado.

É verdade que, para tornar um programa informativo e inteligível, não há alternativa além
de trabalhar com taxas médias de informação. Mas isso não significa, necessariamente, “harmoni-
zar palavras e imagens” de modo que a mensagem se torne inevitavelmente pobre, como apostava
Adorno. É que a média pode ser estabelecida de maneira inteligente ao equilibrar “doses” de men-
sagem semântica (o conteúdo) e de mensagem estética (a forma), conforme o propósito da produ-
ção. Assim, em um vídeo educativo, por exemplo, os momentos que exigem raciocínio lógico ou
memorização de um dado devem ser roteirizados de modo a utilizar recursos formais simples, que
fazem o papel de “fundo” para ressaltar o conteúdo, que faz as vezes de “figura”.

Por outro lado, não há como esquecer que a linguagem televisiva é, na sua natureza,
industrial. Logo, a concretização de todo o potencial cognitivo apresentado por Machado
depende, antes de tudo, de uma estrutura econômica e política que viabilize o trabalho criativo. As
dificuldades desta realização foram compreendidas por Adorno, ao descrever o funcionamento da
indústria cultural. Portanto, se somados, o alerta estrutural de Adorno e o estudo analítico de
Machado oferecem um panorama esperançoso, porém crítico, como convém ao estudo dos
audiovisuais pedagógicos.

Para finalizar este capítulo, é preciso ainda resgatar características significativas das roti-
nas de produção de programas de TV, bem como proceder a uma avaliação crítica do potencial
cognitivo desses recursos.

117
4.5 Técnicas de produção televisiva

A necessidade de preencher uma grade, minuto a minuto, exige uma planificação rigorosa
da produção para TV. Quanto maior é a equipe e mais abrangente são as fontes de informação,
maior é a necessidade de integração que, na prática é obtida com a padronização de processos de
produção.

Evidentemente, cada canal e cada gênero televisivo têm seus modos próprios de operar
mas, em linhas gerais, as rotinas de produção se desdobram em projeto e realização.

O projeto é a idéia que precisa ser aprovada pela direção da emissora ou empresa produto-
ra de programas. Nessa fase, a equipe define questões tanto de ordem “artística” quanto técnica,
tais como os objetivos da produção, aparato tecnológico (câmeras, iluminação, filtros, equipamen-
to para realização de truques técnicos etc), material (cenários, figurino etc) e profissionais neces-
sários. No final, tem-se um roteiro que pode ser de curta duração (15 minutos), média duração (30
a 50 minutos) ou longa duração (60 a 120 minutos). Em alguns casos, a equipe também precisa
produzir um “programa-piloto”, que é uma espécie de teste de produção e de recepção.

O aspecto “artístico” envolve elementos próprios da linguagem televisiva como meio de


expressão. Esses elementos precisam ser minimamente notados no roteiro e envolvem (cf. Watts,
1990):

1. Previsão de enquadramentos específicos para captação da imagem. Os planos podem


ser mais abertos, com conotação mais objetiva, ou mais fechados, com conotação mais subjetiva.

2. Movimentos de câmera que tanto podem facilitar a compreensão de uma cena quanto,
propositalmente, dificultá-la. Esses recursos servem para efeitos corriqueiros (como somente em-
belezar uma imagem) mas também para efeitos mais ambiciosos (como instigar a curiosidade do
espectador, ao revelar uma realidade explorando suas partes).

3. Pontuação para marcar a transição de uma seqüência à outra. No jargão técnico, fala-se
na importância de um timing preciso para reger a duração dos tempos de fala, ações, passagens e
efeitos. Roteiros mais sofisticados, inclusive, devem prever seqüências horizontais e verticais que
se entrecruzam. Horizontais são aquelas com começo meio e fim lineares. Verticais são as que
interrompem uma seqüência horizontal para apresentar algum aspecto relevante ou de impacto
naquele momento. Elas voltam mais tarde, para serem concluídas à luz das outras seqüências line-
ares que vieram depois (cf. Saboya, 1992).

118
4. Cortes para promover a troca instantânea das imagens. Esses cortes podem ser “secos”,
como é comum no jornalismo, ou com efeitos tais como fusão de imagens, aparecimento (fade-in)
ou desaparecimento (fade-out).

5. Uso do som, que é um dos aspectos mais complexos da produção televisiva. Segundo
Saboya (1992) “o som necessariamente deve anteceder a imagem porque é ele que dá o referen-
cial desejado à audiência” (p. 30). Isso acontece, explica, porque as sensações auditivas são senti-
das e compreendidas pelo cérebro humano mais rápido do que as sensações visuais. O espectador
é capaz de criar uma “imagem acústica” antes mesmo de compreender a imagem visual. E essa
habilidade deve ser explorada de maneira criativa. O autor exemplifica (p. 20):

“Se solicitamos, no roteiro, sons de gaivotas durante o diálogo entre


duas pessoas enquadradas em planos fechados, a audiência – através da ima-
gem acústica – certamente saberá que o diálogo acontece numa ambiência
perto do mar, de porto etc”.

Ele classifica o uso de sons em duas categorias que se subdividem. A primeira delas, a dos
“sons factuais”, compreende o conjunto do que é captado sem produção, como conversas de bar
ou ruídos de buzina, carro freando, relógio despertador etc. A segunda categoria, a dos “sons at-
mosféricos”, envolve produção e compreende sonoridades realísticas (como a gaivota indicando o
local do diálogo entre duas pessoas), fantasiosas (como aquelas campainhas usadas em programas
de humor, para reforçar a expressão facial do ator), abstratas (músicas que fazem fundo a cenas de
perseguição) e outros sons produzidos para ilustrar o funcionamento de máquinas ou para criar
ambigüidades como colocar um som mecânico como fundo de uma cena de natureza, por exem-
plo.

6. Técnicas de montagem que são tradicionalmente empregadas no cinema mas que, aos
poucos, foram incluídas em roteiros de TV, inclusive em programas educativos. A montagem é
uma técnica complexa, obtida de modos variados como: 1. colocar em seqüência imagens com
similaridade formal, porém com significado contrário, a fim de ressaltar o caráter de contraste ou
ambigüidade de um assunto; 2. usar o som para ligar uma cena a outra: uma seqüência tomada no
campo, com som de pintinhos ao fundo é substituída por outra do tráfego intenso em uma cidade
grande, porém o som de pintinhos permanece; 3. colocar na seqüência cenas de uma pessoa cor-
rendo em direção ao ponto de fuga da composição, alternadas com cenas de um carro dirigindo
em alta velocidade em direção ao espectador, para criar a idéia de choque, etc.

119
Apesar da infinidade de possibilidades que oferece, a definição de montagem proposta por
Eisenstein (1994) resume esse recurso como a “colisão de dois fatores determinados”, que faz
surgir um “conceito”, bem à moda da escrita ideográfica japonesa.

Eisenstein categorizou os tipos possíveis de conflitos cinematográficos: direções gráficas


(como na seqüência do corredor indo contrastando com o carro vindo), conflitos de escalas (um
close dos olhos de um bebê preenchendo a tela em contraste com o corpo inteiro de um urso adul-
to filmado em plano aberto), conflito de volumes (cenas de uma cachoeira versus um conta-
gotas), conflito de massas (nuvens carregadas contra uma planta de caule finíssimo), além de con-
flitos de linhas estáticas e dinâmicas, de volumes preenchidos com diversas intensidades de luz,
conflito de profundidades diversas. “Finalmente, existem conflitos inesperados como conflitos
entre um objeto e suas dimensões. Conflitos entre um acontecimento e sua duração” (p. 160).

Como se vê, organizar um conteúdo em uma forma na televisão é atividade complexa, que
desafia a mente de roteiristas e produtores. Ainda que o programa tenha ambições meramente
comerciais, focadas na audiência, independentemente da qualidade do conteúdo, todos os para-
digmas da linguagem televisiva anteriormente descritos precisam ser organizados, de um jeito ou
de outro, no diversos sintagmas. Quando, entretanto, há a preocupação com a qualidade e com a
eficácia educacional, um conjunto adicional de referências deve ser considerado. Os argumentos
de Sartori (2001), Eco (1993) e Gunter (1997) oferecem um panorama crítico relevante. Para tan-
to, deve-se partir do pressuposto de que televisão é, acima de tudo, linguagem.

4.6 Análise crítica da televisão

“A linguagem é a porta de entrada no universo humano”, afirma Gusdorf. Como se sabe,


o que distingüe o ser humano dos outros animais é nossa capacidade de articulação de uma lin-
guagem simbólica, até o ponto em que os antropólogos explicam a diferença entre as culturas
modernas e aquelas chamadas primitivas pela capacidade que as primeiras têm de usar palavras
para criar entidades abstratas, ao passo que os chamados povos primitivos possuem predominan-
temente palavras que remetem às entidades concretas, o que limita suas capacidades científico-
cognitivas.

A tese de Sartori (2001) é que a televisão está modificando a condição ao humana, a ponto
de o Homo sapiens, o animal simbólico, poder vir a ser substituído, num futuro não muito distan-
te, pelo Homo videns. Historicamente, a mentalidade humana vem sendo moldada pela palavra.
Todo o saber do Homo sapiens se desenvolve no mundo das concepções mentais, que é bem dife-

120
rente do mundo percebido pelos sentidos. A televisão inverte esse processo, já que coloca o senti-
do de ver à frente e acima da ação de compreender pelas palavras. Segundo o autor (p.37):

“(...) a imagem, por si, não oferece quase nenhuma inteligibilidade. A


imagem deve ser explicada e a explicação da imagem que é dada no vídeo é
constitutivamente insuficiente. Se, no futuro, passar a existir uma televisão ca-
paz de explicar melhor (mas muito melhor), então a discussão a respeito de
uma integração positiva entre Homo sapiens e Homo videns poderá ser rea-
berta. Mas, de momento, continua sendo verdade que não há integração mas
sim diminuição, isto é, o ver está atrofiando o compreender.”

Diante deste alerta, é pertinente perguntar que tipo de conhecimento a linguagem do “ver
antes do compreender” pode propiciar ao trabalho educativo no Ensino Fundamental, especial-
mente no ensino da linguagem. É verdade que muitas áreas da produção cultural erudita, inclusi-
ve, fazem uso da imagem. Basta pensar no estudo das obras de arte abstratas para validar a vera-
cidade dessa afirmação. Na época contemporânea, é tido como certo que o cinema oferece fruição
estética das mais sofisticadas, como igualmente o fazem as chamadas “instalações” e a videoarte.
Nesse sentido, um conteúdo curricular como o “estabelecimento de relações entre os diversos
segmentos do próprio texto, e entre o texto e outros textos”, previsto nos Parâmetros Curriculares
Nacionais19 certamente seria adequadamente aprendido pelo diálogo entre o livro e o vídeo.

Por outro lado, outros aspectos como normas de ortografia, regência verbal e nominal,
mecanismos de coerência e coesão textual, ou até mesmo noções elementares de análise do dis-
curso, que são conteúdos igualmente previstos, e que exigem o pensamento abstrato, poderiam ser
ensinados através das imagens da televisão? É possível ensinar a noção de marcas discursivas
com imagens editadas? Em caso afirmativo, que características da linguagem televisiva deveriam
ser empregadas nesses vídeos? As perguntas são particularmente pertinentes ao considerar que a
série “Orto e Grafia”, sobre gramática, é um dos destaques da produção da TV Escola no guia de
vídeos produzido pela Secretaria de Educação a Distância. A série será analisada no capítulo 5.

Ao lado dos problemas decorrentes do “ver à frente do pensar”, outro aspecto (limitador)
da linguagem televisiva merece ser comentado, a partir do pensamento de Eco (1993). O autor
contrapõe o velho diagrama do fluxo de mensagens, vigente no início dos estudos sobre comuni-
cação mediada (que oferece explicação otimista e falsa) ao novo diagrama, mais complexo e me-
nos otimista. Com esse contraste, ele tenta descrever o processo de ensino e aprendizagem possí-
vel pela TV.

19 Ver resumo dos PCNs no capítulo 3.

121
Assim, originalmente, os pesquisadores acreditavam que o fluxo de mensagens na comu-
nicação de massa podia ser explicado segundo o diagrama em que um emissor enviava uma men-
sagem através de um canal, usando um código, para um receptor ao qual a mensagem era endere-
çada. O endereçado, supostamente, compreendia a mensagem porque compartilhava com o emis-
sor o mesmo sistema de regras de interpretação do código. Hoje, sabe-se que a situação é mais
complexa e, via de regra, raramente bem-sucedida.O quadro 3 resume a visão atual dos processos
de comunicação mediada por tecnologias:

QUADRO 3 – Diagrama atual do fluxo de mensagens mediadas por tecnologias

EMISSOR ............ MENSAGEM ............ CANAL ............ MENSAGEM ..................... RECEPTOR ............ MENSAGEM

(expressão física dotada (expressão “ vazia” pronta (“preenchida” com

de significado de acordo com para ser comparada com os o conteúdo)

o sistema de códigos e sub-códigos códigos e sub-códigos do

que o emissor reconhece) receptor)

(códigos e sub-códigos) códigos e sub-códigos)

Fonte: ECO, Umberto. Can television teach? in ALVARADO, M., BUSCOMBE, E. and COLLINS, R. The Screen Education
Reader. London. Macmillan, 1993.

Assim, um emissor, que possui seus próprios códigos e sub-códigos retirados de um uni-
verso de competência, produz uma mensagem que é a expressão física dotada de significado de
acordo com o sistema de códigos e sub-códigos que o emissor reconhece. Essa mensagem viaja
por um canal e chega ao endereço do receptor. Neste ponto, ela é uma mensagem vista como ex-
pressão, mas vazia de significado. O receptor irá compará-la com seus próprios códigos e sub-
códigos. Agindo assim, ele produz uma mensagem atualizada como conteúdo, dotando-a de signi-
ficado a partir do seu próprio sistema de competências.

Eco enfatiza o papel decisivo dos códigos e sub-códigos no processo. O código lingüísti-
co, como se sabe, pode ser reduzido ao léxico do dicionário de qualquer língua. A noção de sub-
código é mais complicada de ser resumida. O autor dá o seguinte exemplo: suponha que um fa-
lante europeu esteja conversando com o falante de uma língua, cujas palavras separem animais e
vegetais de modo semelhante (gatos, cães, sapos, milho, trigo, tomate etc). Num nível mais eleva-
do, ambas as culturas possuem palavras para separar essas unidades em animais e vegetais comes-

122
tíveis e animais e vegetais não-comestíveis. Para um asiático, um pedaço de cachorro soa suculen-
to. Para um italiano, beira a selvageria. “Ambas as culturas, apesar de compartilharem certos có-
digos básicos, estabelecem diferentes sub-códigos”, explica (p.99). A situação pode se repetir, por
exemplo, na conversa entre um professor de Oxford e um taxista imigrante trafegando pelas ruas
de Picadilly Circus na Inglaterra, caso o professor comece a tecer sofisticados comentários sobre
a atmosfera do lugar, fazendo alusões a expressões do escritor medieval inglês Geoffrey Chaucer,
por exemplo. “Temos uma cena razoável de como a interação comunicacional – apesar de os dois
estarem falando a mesma língua inglesa – possui uma rede mutuamente impenetrável de sub-
códigos, que coloca-os em conflito” (p.99).

Muitas dessas distorções foram diagnosticadas já nos anos 50, quando os pesquisadores
descobriram a influência dos líderes de opinião e a necessidade de reforçar uma mensagem, para
ter a certeza de que ela foi claramente compreendida. De acordo com aquelas pesquisas, a inter-
pretação de uma mensagem televisiva começa no ato da recepção, mas se completa na discussão
com os pares. Freqüentemente, inclusive, o telespectador médio tende a tomar para si a interpreta-
ção de uma pessoa mais experiente ou instruída. Também foi diagnosticada a fragilidade de uma
mensagem que é recebida apenas uma vez. Daí a necessidade da repetição de mensagens que vei-
culem informações sobre uma campanha de saúde, por exemplo. Além disso (Eco, 1993, p. 100):

“Os primeiros testes após a chegada da televisão em áreas pobres e


suburbanas da Itália demonstraram que muitas pessoas assistiam a programa-
ção noturna como um continuum, sem qualquer discriminação entre shows,
notícias jornalísticas e dramatizações. Todos os programas tinham o mesmo
grau de credibilidade, numa total confusão de gêneros.”

O autor também atenta para o fato de que a maioria das pesquisas realizadas sondam em
que medida as pessoas gostam ou não de um programa, o que tem lá sua validade para a produção
comercial. Entretanto, tais sondagens ignoram o que a audiência realmente compreende sobre um
determinado programa. E o modo como as pessoas atribuem significados (preenchendo as “ex-
pressões vazias” do quadro) varia de acordo com fatores como as características do objeto que
está sendo comunicado e do período em que a transmissão é feita.

Assim, por exemplo, sabe-se que as crianças, de um modo geral, são extremamente recep-
tivas às mensagens ecológicas que atentam para o respeito e o cuidado com os animais, em pro-
gramas sobre a vida selvagem. Entretanto, as mesmas crianças, assistindo a um filme de faroeste,
no momento excitante em que o cowboy persegue o bandido, não atentam para os maus-tratos que
o cavalo está sofrendo, levando chicotadas, sendo ferido com as esporas e obrigado a correr ve-

123
lozmente, aparentemente contra sua vontade... Eco questiona: “Podemos dizer que, de acordo com
a situação e de acordo com o estímulo provocado pelo gênero, a mesma pessoa responde com
códigos culturais diferentes?” (p.100).

A resposta depende da noção que se tem de código e sub-código. Considerando a idéia de


código como o léxico possível ao conjunto de emissores e receptores das mensagens, pode-se
solucionar problemas usando recursos televisivos. O autor simula uma situação em que o locutor
de um dado programa pronuncia a palavra “metempsychosis” (metempsicose ou transmigração de
almas). Certamente, pouquíssimas pessoas conhecerão o significado da palavra. Entretanto, tra-
tando-se de um documentário sobre crenças religiosas, é fácil prever seqüências que expliquem o
significado para o espectador. Esse problema pode ser resolvido oferecendo explicação através de
um narrador ou de uma animação gráfica simulando a leitura de um dicionário. O sub-código do
documentário prevê este tipo de metalinguagem. Por outro lado, considerando a estrutura do filme
de faroeste, é impossível prever, dentro do sub-código da ficção de entretenimento, o aparecimen-
to de um locutor, interrompendo a perseguição para dizer “preste atenção no comportamento anti-
ético do herói com o cavalo”. A “gramática” do filme não suporta este tipo de seqüência, sem
parecer entrópica para o espectador.

Como proceder pedagogicamente neste caso? Eco sugere duas linhas de ação: 1. produzir
uma espécie de “falso faroeste”, que sirva de pretexto para tratar das questões relativas aos maus-
tratos com os cavalos; 2. produzir um programa especial, que submeta os filmes de faroeste a uma
análise ideológica. Entretanto, para proceder dessa forma, é preciso apostar na existência de uma
habilidade de leitura, por parte do espectador, que ultrapasse o conjunto formado pelas competên-
cias verbais, lexicais e gramaticais puramente. Ele fala na existência de uma habilidade retórica,
criada a partir da formação de um “estoque” de textos prévios, que permita uma competência de
leitura inter-textual, fator que é primordial para a leitura da linguagem televisiva (1993, p.102):

“Esta é a diferença entre o assim chamado Direito Romano e a lei


comum anglo-saxã. O primeiro oferece regras precisas para casos devida-
mente registrados e codificados. O outro fornece uma série de casos com suas
específicas soluções, para serem comparados com novos casos, a fim de en-
contrar soluções similares. A lei romana tem uma estrutura gramatical, a lei
comum tem uma estrutura textual. Nossa competência para decodificar os
mass media possui mais relação com a lei comum do que com a lei romana.”

Conseqüentemente, temos habilidade para fazer distinções precisas entre textos de comé-
dias, tragédias e dramas, e não podemos conceber, por exemplo, “uma história que começa com
uma linguagem clássica, típica de uma tragédia e então termina com o protagonista triunfando
124
sobre seus inimigos e vivendo feliz para sempre” (p.102). Assim, é preciso que haja uma ordem
de leitura clara, a não ser nos casos em que o autor opte, deliberadamente, por criar uma confusão,
como fez Orson Welles em “A guerra dos mundos”.

Respondendo à pergunta “como tratar pedagogicamente a questão dos códigos e sub-


códigos na TV?”, Eco descreve duas categorias de programas: gross programmes (algo como
“programas básicos”) e net programmes (programas metalingüísticos ou “metatelevisuais”).

“Um programa de televisão que fale sobre programas de televisão ainda é um programa
de televisão”, explica (p.103), mesmo que não se encaixe no estoque de textos televisivos exigi-
dos para a formação de uma habilidade de leitura do texto audiovisual. À primeira vista, segundo
o raciocínio apresentado, então esse programa não tem como ser “lido” pelo espectador, que não
tenha os tais sub-códigos para identificá-lo. Colocar no ar um programa metatelevisivo seria, por-
tanto, equivalente à conversa culinária sobre carne de cachorro entre o francês e o asiático. A não
ser que entre em cena o professor versado nas linguagens da mídia, para fazer a medição entre os
gross programmes, os net programmes e o repertório de códigos e sub-códigos dos estudantes.
“Este agente não pode ser o autor do net programme mas, antes, ser o professor, fisicamente pre-
sente na sala de aula. O professor seria o verdadeiro emissor da net mensagem crítica” (p. 103).

Num passo mais adiante, quando a habilidade crítica já estiver fundamentada, nem será
mais preciso, inclusive, contar com os net programmes. As produções “normais” tornam-se ricos
objetos para desconstrução.

Portanto, se é verdade que a TV assistida em casa inverte a natureza da cognição humana,


a escola, devidamente equipada, pode aproveitar a estrutura televisiva para desenvolver habilida-
des de leitura, seja usando programas educativos ou não. Dentro desta perspectiva, um canal co-
mo a TV Escola será mais legítimo ao ensino da linguagem na medida em que oferecer os net
programmes necessários ao início das atividades de leitura crítica. A metalinguagem televisiva é
um recurso que precisa ser encontrado na programação da TV educativa brasileira.

Para completar o quadro crítico, é conveniente recuperar aqui as linhas mestras da idéia de
esquecimento e incompreensão inerentes às mensagens televisivas, na perspectiva de Gunter
(1987).

Ao colocar “o ver à frente do compreender” e ao exigir a habilidade com diversos sub-


códigos, nem sempre disponíveis ao espectador, a televisão pode acabar provocando efeito contrá-
rio àquele inicialmente planejado, ou seja, ao invés de instruir, provoca incompreensão e esque-

125
cimento. Nesse sentido, é pertinente investigar quais elementos da linguagem televisiva favore-
cem ou, ao contrário, dificultam o aprendizado pela televisão.

Gunter (1987) descreve uma experiência detalhada, que procurou responder a pergunta “O
uso da imagem aumenta o impacto da aprendizagem? Ou a avidez pelo uso da imagem resulta
numa apresentação irrelevante, que distrai a atenção para o conteúdo e apenas inibe a aquisição de
informação?”. Embora o foco de análise sejam os noticiários televisivos, muitas das evidências
apontadas na pesquisa oferecem subsídios teóricos relevantes aos vídeos educativos, na medida
em que eles têm em comum com o telejornalismo a tarefa de propiciar ao espectador o conheci-
mento de fatos importantes para a realidade em que se vive.

O autor parte da idéia de que, por um lado, apesar de fazer uso da palavra, o maior impac-
to da linguagem televisiva se dá no canal visual. Por outro, a forte padronização nos modos de
produção da mensagem acaba criando certas limitações ao uso do potencial informativo dessas
imagens. Variantes como a facilidade ou a dificuldade de acesso para gravar a realidade que está
sendo reportada, o tempo disponível para produzir uma mensagem, os critérios de seleção de con-
teúdos que merecem ir ao ar (frente à infinidade de escolhas disponíveis no estúdio) e os limites
de tempo, de antemão definidos na grade de programação, são fatores que comprometem a per-
formance da televisão. Além disso (1987, p.11):

“Há a evidência de que as pessoas não se concentram tanto quando


estão assistindo televisão como quando estão lendo. De fato, muitas pessoas,
ao que parece, não acreditam que precisam se esforçar tanto quando apren-
dem pela televisão como o fazem quando lêem um jornal, livro ou revista. Con-
seqüentemente, a informação obtida pela televisão deve ser mais pobre do que
aquela obtida do jornal por causa da relativa quantidade de esforço mental in-
vestido em cada mídia por quem os usa.”

Somados, os problemas das característica de produção e de recepção da linguagem televi-


siva revelam uma questão muito pertinente.

Considere-se, por exemplo, um jornalista de televisão noticiando o pequeno corte na taxa


de juros efetuada pelo Copom. Após checar as informações, gravar eventuais entrevistas, cenas
externas e internas do local onde o fato ocorreu, o repórter grava seu discurso em frente ao prédio,
em Brasília. À medida em que ele fala, a edição alterna cenas dele com as outras gravadas mo-
mentos antes. A pergunta que deve ser feita é: as imagens do prédio feitas quatro horas antes, das
pessoas entrando e saindo, ou mesmo as cenas do repórter falando para a câmera são relevantes

126
para a compreensão do fato? Em que medida essas imagens auxiliam (ou dificultam) o entendi-
mento daquilo que realmente é relevante no assunto “pequeno corte na taxa de juros”?

A perspectiva de Gunter sustenta que, por serem irrelevantes mas, ainda assim, captadas e
processadas pelo cérebro do espectador, as imagens acabam funcionando como uma espécie de
ruído, que, no final das contas, atrapalha a intelecção. Assim, as imagens “podem criar dificulda-
des particulares porque o que é mostrado não tem correspondência ou sustenta real relevância
para o que está sendo dito pelo repórter” (1987, p.12).

Situação oposta é aquela dos programas sobre a vida selvagem. Neles, um locutor em off
20
acrescenta informações sobre a cena que, em si, é relevante. Considere-se um vídeo descreven-
do o funcionamento de um formigueiro. Uma micro-câmera revela detalhes da atividade das for-
migas, durante a construção de um ninho. À medida que o trabalho dos insetos avança, o locutor
descreve as “técnicas” empregadas pelas formigas. Tem-se aqui um caso exemplar de uso peda-
gógico da televisão. Neste caso, imagem e palavras operam juntas, em favor da intelecção.

Entre os elementos não-verbais usados na linguagem televisiva, que atuam em favor da in-
telecção da mensagem, a autora destaca o uso de vinhetas e ilustrações. Embora seja comum entre
os editores de telejornais a crença de que o uso de vinhetas em chromakey facilitem a compreen-
são do assunto, as pesquisas não trouxeram evidências empíricas de que esse recurso facilita a
aprendizagem. Uma coisa é usar o recurso para que o espectador identifique instantaneamente um
assunto como “guerra no Iraque”, por exemplo. Outra é usar a tecnologia para facilitar a compre-
ensão do conceito de “entropia” na termofísica. De qualquer forma, aqui também vale a regra: na
medida em que a imagem fixa tem relevância para o assunto, ela pode auxiliar na compreensão.
Na medida em apenas ilustra vagamente um fato, pode atuar como ruído.

Outro aspecto destacado refere-se à capacidade que este tipo de recurso tem de fazer um
dado se sobressair em relação aos outros. Suponha-se ainda a notícia do corte de juros aquém do
esperado pela população. O texto completo da reportagem relata desde informações pontuais co-
mo data, horário e local da reunião do Copom, passando pelos argumentos do comitê para decidir
pelo pequeno corte, até reunir opiniões de economistas, empresários e políticos sobre o fato. Em
meio ao fluxo de informações, o repórter explica que o corte foi pequeno porque o país não está
conseguindo manter a inflação dentro das metas pré-estabelecidas. Caso a notícia seja dada com o
apresentador em frente a uma ilustração em chromakey em que se vê notas de 50 reais sendo
queimadas pelo “fogo da inflação”, por exemplo, é bem provável que um teste de recall, nos mol-
des descritos por Gunter aponte como principal ganho para o telespectador a informação de que o

20 Off, no jargão jornalístico, refere-se à voz gravada junto com imagens que não sejam as da pessoa que está falando.

127
Copom não diminuiu os juros satisfatoriamente para conter a inflação. Entretanto, este pode ser
apenas um entre uma série de argumentos no complexo mundo da economia de mercado. Outros
aspectos podem ter sido mencionados, mas a ilustração reforçou um deles, que passou a integrar o
conhecimento do espectador sobre o assunto.

No campo específico dos vídeos educativos, pode-se imaginar programas que abordem
conteúdos escolares usando o recuso da ilustração em chromakey. Neste caso, o roteiro será mais
pedagógico na medida em que souber destacar os aspectos centrais do vídeo e reforçá-los com o
uso da ilustração. O comentário parece óbvio, mas não se deve esquecer que as rotinas de produ-
ção nem sempre deixam tempo para este tipo de planejamento. Assim, um exame detalhado deste
tipo de grafismo televisual dirá em que medida os vídeos da TV Escola são pedagogicamente
planejados ou em que medida são produzidos nos mesmos moldes da indústria cultural, isto é, são
atraentes esteticamente, mas não têm relevância para o conteúdo transmitido.

O autor comenta resultados de diversos experimentos que analisaram a relação entre o


conteúdo verbal e o uso de imagens em três perspectivas: 1. o apresentador falando diretamente
para o espectador, sobre um fundo neutro; 2. o apresentador falando para o espectador sobre se-
qüências de imagens fixas, como fotografias e grafismos e 3. a fala do apresentador sobre uma
seqüência de imagens em movimento. Os testes mostraram, por exemplo, que as imagens ajudam
o espectador a compreender e memorizar fatos concretos, tais como o local de um acontecimento
ou as pessoas envolvidas. Mas o recurso falha quando o objetivo é reportar um conceito abstrato.
Embora não haja conclusões definitivas, Gunter faz uma recomendação (1987, p. 246):

“Uma recomendação prática para a produção, que emerge das pes-


quisas discutidas neste capítulo, entretanto, é que a perda de conhecimento
pode ser reduzida usando-se o mínimo necessário de recursos audiovisuais
como acompanhamento de uma informação essencial à compreensão da
notícia, especialmente se as imagens, por si só, excitam ou distraem o es-
pectador”.

Outro aspecto relevante, para a presente pesquisa, refere-se à distinção feita entre o que é
mais educativo e o que é mais atraente. Obviamente, não se defende aqui a falta de cuidado para
tornar um programa atrativo, já que o interesse é um dos principais ingredientes para o aprendiza-
do. Entretanto, quando o objetivo é tornar um vídeo o mais instrutivo possível, deve-se planejar o
uso de recursos visuais tendo em vista o potencial cognitivo de cada elemento. Assim, um roteiro
para o mesmo assunto, extração de petróleo, por exemplo, pode ser construído tanto com o uso de
imagens irrelevantes (cenas do óleo jorrando, imagens de uma plataforma contra um belo pôr-do-

128
sol), imagens que não tenham relação direta com o conteúdo verbal (o locutor descrevendo o pro-
cesso de formação da substância e as cenas mostrando motoristas abastecendo o carro em postos
de gasolina) quanto com imagens “redundantes”: durante a fala sobre o processo de formação do
petróleo, a pista visual exibe uma animação gráfica que recria as reações químicas de formação
das moléculas etc.

Obviamente, as três possibilidades podem ser organizadas num roteiro com timing preci-
so, redação e locução claramente compreensíveis. Como se sabe, os recursos de edição para criar
esse timing, por si só, são um ingrediente importante para tornar o vídeo atrativo. O que está em
discussão, portanto, é o planejamento do uso das imagens. Ao considerar as lições da pesquisa de
recepção de Gunter, roteiristas e produtores deveriam atentar para os seguintes aspectos:

1. Se é verdade que as ilustrações ajudam a compreender informações concretas, a fala so-


bre as fontes de extração do petróleo seriam mais educativas na medida em que trouxessem ima-
gens dos locais.

2. Por outro lado, preencher a pista visual com as cenas de posto de gasolina, para o mes-
mo texto sobre as fontes de extração, tornaria o vídeo estimulante, mas menos educativo. Neste
caso, as cenas poderiam distrair a atenção do espectador, prejudicando a retenção do dado semân-
tico sobre a localização do petróleo.

3. A parte conceitual, sobre como o petróleo é formado, seria mais facilmente compreen-
sível com o uso de recursos “minimalistas de imagem”: uma ilustração fixa sobre a voz do locu-
tor, por exemplo.

A esta altura, convém amarrar os fundamentos apresentados neste capítulo, a fim de pa-
vimentar o caminho da análise empírica que virá em seguida. Assim, inicialmente, foram apresen-
tados aspectos históricos da tecnologia televisiva, que resultaram num dos sistemas mais influen-
tes de comunicação atualmente. Tal influência, evidentemente, despertou a atenção de empresá-
rios, que optaram por explorar a tecnologia comercialmente.

Ocorre que o espectro eletromagnético terrestre é a matéria-prima para o fluxo do código


televisivo, fator que obriga governos a regularem a exploração da emissão de sinais. De acordo
com as características econonômicas e culturais de cada país, a tecnologia vem sendo explorada
tanto como negócio rentável quanto como serviço público de educação e cultura. Quando foco é
na educação, de antemão, surgem dois problemas: como produzir programas educativos para a
TV? Como despertar o interesse das pessoas para esses programas, frente à influência da indústria
cultural?

129
A centralidade dessas questões foi apresentada por Carneiro, que ofereceu panorama his-
tórico da TV educativa, salientando a evolução na linguagem praticada: de reprodução na TV da
aula tradicional para o emprego de recursos típicos dos programas de entretenimento. O potencial
cognitivo dos recursos do sintagma televisivo, comercial ou não, foram apresentados a partir da
obra de Machado, com a ressalva de que a concretização desse potencial depende de uma estrutu-
ra determinada em função dos recursos técnicos e econômicos.

Um apanhado dos elementos que compõem a linguagem audiovisual apontaram o cami-


nho que virá a seguir: se é a ordenação na estrutura do roteiro que resulta num programa, a
reconstituição dos programas da TV Escola na forma de roteiros irá demonstrar objetivamente as
mensagens semântica e estética que estão “por trás” dos vídeos de Língua Portuguesa. A decupa-
gem irá colocar em evidência as escolhas feitas pelo roteiro, o que tornará possível uma avaliação
crítica das produções.

Tratando-se de programas empenhados em produzir conhecimento, os vídeos educativos


não podem se esquecer dos limites decorrentes da recepção deste tipo de linguagem. Assim, perti-
nentes são as observações de Sartori (que mostra como a imagem apela para o sentido e a palavra
para o intelecto, concluindo que a televisão tem sérios limites cognitivos), Eco (para quem a leitu-
ra efetiva da televisão exige o domínio de códigos e sub-códigos por vezes sutis e complexos,
reduzindo assim o número de leitores aptos a aprender pela televisão) e Gunter (que reuniu evi-
dências empíricas para mostrar quais usos específicos da imagem são mais apropriados à aquisi-
ção de conhecimento).

Assim, ao refazer os roteiros, a análise do capítulo 5 deverá revelar aspectos como os con-
teúdos relevantes presentes em cada vídeo, a qualidade e o papel da informação estética e os obje-
tivos educacionais do programa. O arranjo tanto pode culminar na apresentação superficial de um
conteúdo, porém atraente por causa do uso de recursos típicos da TV de entretenimento, quanto
num programa com alta taxa de informação, porém com linguagem monótona e dispersiva. O que
se espera, entretanto, é que os vídeos saibam dosar conteúdos abrangentes e aprofundados com
forma planejada o suficiente para facilitar a cognição e até oferecer fruição estética.

O estudo empírico também irá considerar os fundamentos teóricos da educação, conforme


a perspectiva apresentada no capítulo 3. Como se verá adiante, story line e argumento são técnicas
de roteirização que servem para definir um objetivo geral e direcionar a produção do roteiro. Ao
identificar esses elementos nos vídeos, será possível avaliar os fundamentos educacionais, compa-
rando-os com as finalidades progressistas aqui apresentadas. Assim, um vídeo sobre linguagem
poética, por exemplo, tanto poderá ser mais conservador ao resumir seu argumento à apresentação

130
de autores, escolas literárias etc, quanto poderá ser mais crítico e emancipador, ao refletir de ma-
neira metafísica sobre a expressividade poética.

O exame do material completo poderá indicar quais são as distinções culturais que os ví-
deos didáticos estão consagrando, à maneira de Bruner, Bourdieu e Postman. O exame das se-
qüências e diálogos poderá mostrar em que medida o discurso é orientado para o entendimento
mútuo ou em que medida lança mão dos recursos expressivos da TV para obter apenas adesão
estratégica por parte do educando, em relação a algum assunto. Ao isolar as fontes de informação
será possível identificar quem são as “cabeças” das redes de informação que estão sendo construí-
das pela TV Escola, como alertou Castells, e assim por diante.

131
PARTE III

Capítulo 5

Análise dos vídeos da TV Escola

P ara o exame de qualificação, foram analisados os oito programas que compõem a série
“Agora é com vocês”. Conforme já foi adiantado no capítulo 4, o tratamento metodo-
lógico da análise consiste em refazer os roteiros para depurar o conteúdo e os recursos
da linguagem televisiva empregados, segundo as seguintes etapas:

1. Identificação do programa

Título, série que o título compõe, duração e equipe de produção.

2. Identificação do story line

Na linguagem técnica da produção para TV, story line é o resumo do assunto principal do
vídeo, escrito na segunda página do roteiro. Profissionais da área costumam dizer que, se a idéia
principal não tem como ser expressa em uma linha de texto, então o programa não vale a pena ser
feito.

3. Reorganização do argumento

O argumento é um desenvolvimento do story line e oferece informações sumárias sobre o


tratamento que será dado ao assunto principal. É um texto de aproximadamente 20 linhas que
descreve as locações, as pessoas que participam do vídeo, as principais seqüências, os persona-
gens, quando houver encenação teatral etc.

4. Reorganização das anotações do roteiro

Um roteiro básico de televisão é escrito em uma folha de papel dividida em duas partes. O
lado esquerdo, convencionalmente, traz as notações da duração e do conteúdo das seqüências, das
diretrizes técnicas para captação das imagem e dos efeitos técnicos que devem ser criados, tanto
para som quanto para imagem. O lado direito traz as notações de texto para o narrador, das “dei-

132
xas” dos entrevistados ou dos diálogos dos personagens, em caso de haver encenação teatral. As-
sim, em um sentido elementar, pode-se dizer que o lado esquerdo ordena as informações estéticas
e o lado direito, as semânticas. Para facilitar a intelecção das análises, e gerar quadros mais enxu-
tos, a decupagem feita aqui irá descrever as seqüências, incluindo texto e imagem no mesmo es-
paço. As seqüências mais relevantes serão decupadas na estrutura do roteiro tradicional.

5. Análise crítica

Na seqüência, será feita a análise crítica, apoiada nos dados identificados na reorganização
dos roteiros, e na revisão da literatura organizada nos capítulos 2 e 3 (para o conteúdo) e 4 (para a
linguagem), além da experiência ganha na Inglaterra. São quatro categorias elementares, a saber:

I. Formato predominante (Machado) e conseqüente potencial cognitivo – a análi-


se procura identificar se os recursos são adequadamente empregados para ex-
pressar idéias dentro da retórica específica do formato, seja ele diálogo, narrati-
va seriada, telejornalismo, produção ao vivo, videoclipe e grafismo televisual.;

II. As seqüências centrais, onde o conteúdo pedagógico está sendo tratado com
mais ênfase, merecerão análise separada da relevância da imagem para o con-
teúdo da pista sonora. Esse estudo irá revelar se o vídeo cai ou não na contradi-
ção apontada por Gunter (quando a imagem não é relevante para o conteúdo,
ela atrapalha a compreensão);

III. Análise do método pedagógico empregado para ensinar o conteúdo ou habili-


dade principal do vídeo. O programa ensina por imitação? Privilegia a aborda-
gem “construtivista”? A escolha é funcional?

IV. Identificação de recursos que favoreçam a media literacy. Tal qual evidenciado
por Eco, Bennett e Turnbull, o vídeo educativo é mais legítimo na medida em
que favorece, ao mesmo tempo, a aquisição de um conteúdo e o desenvolvi-
mento da habilidade de leitura do sintagma (a exemplo do que faz a literatura).
A análise crítica tentará descobrir se esses aspectos existem e como eles se
concretizam.

Os itens um a cinco serão descritos sequencialmente, seguidos de um quadro com um


docmentário crítico. Quando os programas compuserem uma série, será acrescentado um comen-
tário especial sobre o conjunto da produção. Ao final de toda a amostra, será possível traçar um
panorama que compare o projeto TV com a realidade concreta dos vídeos que estão na sala de
aula.

133
Antes de iniciar a análise, porém, é preciso acrescentar um conjunto adicional de referên-
cias, que irão fundamentar os comentários. Este referencial é tomado de Ferrés (1996). Conside-
rando tanto o potencial criativo quanto os limites cognitivos da tecnologia audiovisual, o autor
sublinha a importância do que ele chama de “chaves para compreender o meio”. Assim, partindo
da constatação de que nas “considerações sobre a televisão feitas no ambiente escolar é comum
enfatizar, de forma exclusiva ou pelo menos prioritária, os conteúdos” (p. 10), ele alerta para a
importância da análise sistemática dos efeitos que o meio gera na mente do telespectador. Entre
esses efeitos, o autor destaca a “hiperestimulação sensorial”, o “fenômeno zapping” e a conse-
qüente “visão fragmentada da realidade”, a constituição de uma “cultura mosaico” e as modifica-
ções nos “processos de cognição” diante do texto verbal, influenciados pela prática hegemônica
da leitura das imagens.

A “hiperestimulação sensorial” refere-se ao excesso de movimento produzido pela edição


ligeira de imagens, que vicia a percepção. O indivíduo, submetido ao superestímulo da TV, passa
a se interessar apenas pelo que é intenso e superficial, rejeitando a mensagem lenta e complexa,
por exemplo. A prática do zapping (troca constante de canal) “é mais uma prova da necessidade
psicológica de um ritmo trepidante (...) como conseqüência da modificação dos hábitos percepti-
vos das novas gerações” (p.18). Daí cria-se um círculo vicioso: o telespectador está à procura de
estímulo, logo o canal é obrigado a produzi-lo, se quiser manter a audiência; a oferta deste tipo de
linguagem vicia a percepção de novos telespectadores, que darão preferência a este estilo de fazer
televisão... Portanto, é também conveniente quantificar o ritmo dos vídeos, para verificar se eles
estão no patamar da hiperestimulação, fator inadequado para o ensino escolar.

Sobre a fragmentação, Ferrés aposta que esse é o fenômeno responsável pela formação da
chamada “cultura mosaico” . É que a televisão é mestre em preencher o tempo com trechos mos-
trando imagens “reais”, mesclados com imagens ficcionais de telenovela, com cenas de filmes
recheados de imagens fantásticas produzidas pela computação gráfica, desenhos animados etc, e
tudo organizado numa seqüência tão rápida, que não permite a distinção entre o que é real e o que
é fantástico. No longo prazo, surge a “cultura mosaico”: “Enquanto a cultura tradicional era limi-
tada em conhecimento, mas organizada, coerente, estruturada, a cultura mosaico caracteriza-se
pela desordem, pela dispersão, pelo caos aleatório” (p.20). No ambiente escolar, os educadores
têm testemunhado os resultados deste tipo de cultura para o desenvolvimento do indivíduo: “a
televisão favorece, assim, um tipo de conhecimento dispersivo, em compartimentos, sem contex-
to, incoerente” (p. 20). Assim, os comentários irão quantificar também as origens das imagens,
segundo a classificação de Ferrés.

134
VÍDEOS DA SÉRIE

“AGORA É COM VOCÊS”

135
QUADRO 4 - SÉRIE “AGORA É COM VOCÊS” - ANÁLISE DO PROGRAMA “O DONO DA BOLA”

Título do programa: “O dono da bola”

O título compõe a série “Agora é com vocês”

Duração: 8 minutos

Produção: TV Escola / MEC, 1997

Direção: Sérgio Giron

Story line - Beleza ganha uma bola, e não quer repartir o brinquedo com os primos Mona e Ven-
tania, fato que desencadeia a discussão sobre o egoísmo e a falta de educação.

Argumento - O vídeo gira em torno da vida de quatro personagens principais: os primos Beleza,
Ventania e Mona e Vovô Radar, que são bonecos (os personagens estão no Anexo 1, figuras 1 a 8). No
desenrolar do conflito, surgem personagens secundários, como o computador que responde oralmente às
perguntas das crianças e Tum-Tum, uma espécie de oráculo, que os bonecos chamam através do espe-
lho. Tum-Tum tem a forma de uma máscara. Há também duas joaninhas que surgem de dentro de um
armário, e cantam músicas que reforçam o assunto tratado na seqüência anterior (Anexo 2, figura 15). O
sinal para a entrada delas é uma animação, feita em computação gráfica (Anexo 2, figuras 9 a 15). No
final de cada episódio, Vovô Radar aparece em primeiro plano, faz um breve comentário sobre o aconteci-
do e propõe uma tarefa ao espectador, a partir do assunto principal do programa. O diálogo sempre acaba
com o bordão “Agora é com vocês!”, que dá título à série (Anexo 1).

No episódio 1, Beleza é um garoto sem muitos modos: fala alto, incomodando o Vovô Radar, e
não quer repartir a bola nova que ganhou com seus primos, Mona e Ventania. As duas situações que
mostram a falta de modos de Beleza são pretexto para o programa explorar o uso de palavras que de-
monstram educação, como “com licença” e “obrigado”, para ensinar a importância de “falar um de cada
vez” e também para discutir o conceito de egoísmo. Ao buscar o significado da palavra “egoísta”, as crian-
ças aprendem que o dicionário é a fonte de explicação de todas as palavras. Também há espaço para
uma pequena discussão de ordem imaginativa, sobre quais seriam as vontades de uma bola. Essa última
tarefa é delegada ao oráculo.

ROTEIRO

São oito seqüências, que alternam o diálogo entre os quatro personagens principais (sempre no
mesmo cenário) com cenas externas ilustrativas, efeitos gráficos e um pequeno “musical”.

Seqüência 1 (51 segundos) – O vídeo começa com um movimento de câmera que faz um passeio circu-
lar sobre o cenário (Anexo 1, figura 1), até focar o personagem Beleza, em plano médio. Ele está atrás
de uma caixa de presente, grita “gol” bem alto e incomoda o Vovô Radar, que o repreende pela falta de
modos. Mona aparece e também o repreende, dizendo que assustar o vovô é falta de respeito. Beleza
pede desculpas e diz que foi “sem querer” e que só estava treinando a comemoração de um gol. A empol-

136
gação do garoto é reforçada por um efeito sonoro de batuque, semelhante ao produzido por torcidas or-
ganizadas de time de futebol. Vovô Radar o desculpa.

Seqüência 2 (1:35 segundos) – Ventania, Mona e Beleza estão diante da caixa de presente e querem
saber o que há lá dentro. Beleza diz que é o seu presente de aniversário, e que dará pista para os primos
descobrirem o que é. “Começa com B”, ele diz, e Ventania responde “É biscoito”. Errado. “É uma coisa
que eu adoro”, “É de brincar”, Beleza continua. “É uma boneca”, diz Mona. As respostas dos primos são
intercaladas com imagens de um prato de biscoito recheado e com uma boneca. As imagens são tratadas
com um efeito gráfico para reforçar a idéia de “imagem imaginativa” (Anexo 4, figuras 22 a 26). Os diálo-
gos são reforçados por efeitos sonoros de fundo, que reforçam o clima de expectativa. Ao descobrirem
que é uma bola, as crianças querem ir jogar, mas Beleza diz que o dono é ele e é ele quem vai jogar. Os
primos começam a discutir.

Seqüência 3 (25 segundos) – Vovô Radar reaparece pedindo silêncio e faz uma sugestão: “Que tal falar
um de cada vez? Fica mais fácil entender o que todos estão dizendo”. Beleza concorda com o vovô mas
faz uma ressalva: “quem fala primeiro sou eu!”. Vovô Radar o repreende, dizendo que ele não conhece as
palavrinhas mágicas.

Seqüência 4 (34 segundos) - aborda um dos conteúdos de ensino do vídeo

SEG IMAGEM SOM

0–2 Uma vinheta com retalhos de estampas Efeito sonoro que enfatiza o movimento circular dos

diferentes que se movimentam introduzem retalhos.

o “musical” (Anexo 2, figuras 9 a 15): a


câmera se aproxima de um armário. As
portas se abrem sozinhas e surgem dois
bonecos em forma de joaninhas
“Dentre as palavras, existem umas tão especiais.
3-30
As Joaninhas se chacoalham e caminham São as que abrem caminho, são como sorrisos, é
da esquerda para a direita e vice-e-versa no simples demais. Para passar: ‘com licença’. Para
mini-cenário. pedir ‘por favor’. E tenha sempre o cuidado de
agradecer: ‘muito obrigado’.”

“Muito obrigada”

“Muito obrigada”

31 -33
Efeito sonoro que enfatiza o movimento circular dos
A mesma vinheta faz o movimento contrário retalhos.
e fecha os retalhos

137
Seqüência 5 (1:24 segundos) – Beleza finalmente aceita jogar bola com os primos, mas impõe duas re-
gras: seu time sempre vai ganhar de um a zero e, se os outros não concordarem, ele pega a bola e vai
embora. Mona o repreende, porque ele não aprendeu nada com as “palavrinhas mágicas”, e o chama de
egoísta. Os dois meninos perguntam o que significa egoísta e Mona responde que “é quem quer a bola só
para ele”. Frente a descrença dos primos, Mona os desafia a verificar o significado no dicionário. “Dicioná-
rio? “, eles perguntam. “É, é um livro que explica todas as palavras. A gente também pode consultar um
dicionário eletrônico. Ele fica dentro do computador”, ela explica. A passagem de um local para o outro do
cenário é feita com um efeito teatral. Os bonecos se escondem rapidamente atrás de um objeto do cenário
atual e reaparecem atrás do próximo cenário (Anexo 3, figuras 16 a 21). A descida é acompanhada por
um efeito sonoro de rajada de vento.

Seqüência 6 – (39 segundos) - aborda um dos conteúdos de ensino do vídeo

SEG IMAGEM SOM

0- 39 As crianças estão diante da tela preenchida “Egoísta: aquele que pensa apenas em si mesmo.
com uma textura semelhante àquela de Um exemplo de egoísta: aquele que brinca sozi-
visualização da pista sonora do vídeo (A- nho e não divide os brinquedos com os colegas.”
nexo 1). Mona aperta um botão, e o com-
putador responde, com voz mecânica:

Beleza ainda não está convencido e argumenta que a bola é dele. Frente à impaciência de Ventania, Mo-
na sugere chamar Tum-Tum. Ventania concorda: “Boa idéia! Afinal a Tum-Tum já foi de tudo nesse mun-
do”.

Seqüência 7 (58 segundos) – discussão imaginativa sobre “as vontades da bola”

SEG. IMAGEM SOM

0–6 As crianças se concentram, uma fumaça Efeito sonoro que reforça a idéia de mistério. Mo-
azul surge entre os bonecos e o especta- na: “Tum-Tum, nós não sabemos como uma bola
dor. se sente”.

7 – 53
Surge uma máscara feminina cinza, soltan- “Na minha vida, já fui muitas bolas. Bolas de dife-
do fumaça azul no lugar dos olhos (Anexo rentes tamanhos e cores. Também já fui jogada
1), que responde a pergunta. O diálogo de maneiras mil. Com os pés, com as mãos, com
intercala imagens da máscara com cenas muitas partes do corpo. Adorei ser bola. A maior
de deficientes físicos jogando basquete em alegria da bola é estar sempre em liberdade, viver
cadeiras de rodas, jogadores de boliche, em movimento. A bola quer dar alegria a todo
meninas jogando futebol com meninos, mundo que brinca com ela. Todo mundo mesmo.”
jovens jogando vôlei de praia.
53-58 Mona: “Obrigada, Tum-Tum”

A câmera volta a focar os três bonecos Ventania: “Então, será que é divertido jogar bola
sozinho? Eu não acho nada divertido alguém ficar
com a bola só para ele”.

Seqüência 8 (1:14 segundos) – Vovô Radar reaparece em primeiro plano (Anexo 1) e fala diretamente ao
espectador: “E você? Já viveu uma situação parecida com essa? Você já foi o dono da bola? Ou então foi
você quem ficou fora do jogo? Então, conte como foi para os seus colegas. Agora é com vocês!”

COMENTÁRIO

O cenário onde se desenrola a maior parte dos diálogos é uma mistura de sala de aula com de-
pósito de entulhos (Anexo 1, figura 1). Estão lá desde mapas, lousa, pilhas de livros, arquivos, até telas
de computador velho, caixas, tambores, latas de tinta, televisão, abajur... Talvez a intenção dos produtores
tenha sido aproximar o cenário da realidade das escolas públicas, e oferecer imagem diferente da escola
do programa “Malhação” da TV Globo, por exemplo.

O musical tem estética muito simplista: dois fantoches que se sacodem ao som de uma melodia
típica de videokê. Nesse sentido, a música repete o estilo de discos comerciais como os da apresentadora
Eliana, por exemplo. Não há exploração de recursos do videoclipe, segundo a perspectiva de Machado.

Os ganchos entre as seqüências não têm muita lógica. Vovô Radar repreende Beleza por falar al-
to, não por não usar “palavrinhas mágicas”, mas essa repreensão é o gancho para introduzir o musical
sobre as tais palavrinhas. Do mesmo modo, ao criticar o comportamento egoísta de Beleza, Mona lembra
que ele não aprendeu as palavrinhas mágicas. Não há relação objetiva entre expressões verbais que
demonstram educação e o comportamento egoísta de Beleza. Fosse esse um texto escrito, ficaria eviden-
te a falta de coesão. Entretanto, por causa das ligações feitas no plano estético de edição de som e ima-
gem, a falha no roteiro tende a passa despercebida.

Outro aspecto significativo é o uso que os personagens fazem do computador. Não é preciso lo-
calizar uma fonte de informação: basta apertar um botão e o computador responde prontamente a dúvida.
A seqüência é compreensível porque o roteirista sabe que as lacunas são preenchidas mentalmente pelo
espectador: uma pessoa adulta sabe que houve um momento anterior, em que as crianças acessaram o
dicionário, introduziram a palavra que estavam procurando etc. Entretanto, cenas com o uso de mecanis-
mos de busca no dicionário poderiam ser introduzido no roteiro, já que se trata de um vídeo didático para
crianças.

Ainda sobre a mesma seqüência: toda vez que consultam um dicionário, as pessoas lêem o texto,
mesmo que seja no computador. Assim, essa seqüência poderia ser enriquecida intercalando grafismo
com a reprodução do texto que o computador falou.

A seqüência do oráculo também poderia ser revista. Do modo como o roteiro foi organizado, di-
cionário e oráculo têm o mesmo peso como fontes de conhecimento. Aliás, Beleza não se convenceu com

139
o dicionário e daí foi preciso recorrer à máscara no espelho. Sendo este um vídeo escolar, talvez fosse
mais adequado atribuir mais importância ao dicionário do que ao oráculo, na aquisição de uma informa-
ção.

Na seqüência 4, em que as Joaninhas cantam a música das “palavrinhas”, a estética é a do vide-


okê: um cenário enfeitado com a letra aparecendo na tela. Do ponto de vista da intelecção do conteúdo da
letra, a solução é adequada: ouvir e ler a letra ao mesmo tempo facilita a compreensão. Entretanto, de
antemão, o arranjo escolhido é pobre.

Na seqüência 6, que ensina o significado da palavra egoísta, o computador fala com as crianças,
mas a imagem projetada é a do chuvisco na tela, o que é insignificante para a intelecção do conteúdo. De
acordo com a perspectiva de Gunter e Scupham, mais adequado seria que a tela mostrasse a palavra
escrita, ou mesmo a interface de um dicionário, com a definição da palavra, tal qual estava sendo falada
pelo computador.

Na seqüência 7, as imagens são relevantes e editadas com timing preciso, com tempo suficiente
para serem compreendidas, mas em ritmo ágil, porém sem ser super estimulante. À medida em que Tum-
tum descreve os modos de jogar a bola “com os pés, com as mãos”, cenas de jogadores de futebol, de
vôlei e de basquete praticado por deficientes físicos preenchem a pista visual.

Finalmente, algumas quantificações: o vídeo tem sete minutos e 20 segundos, divididos em oito
seqüências. A mais longa é a seqüência 2 (1:35 minutos), em que as crianças tentam adivinhar o que tem
dentro da caixa de presente. A mais curta é a seqüência 6 (16 segundos), que traz a consulta ao dicioná-
rio. As seqüências que ensinam conteúdos escolares objetivos (seqüência 4, com o musical sobre as pa-
lavras mágicas e seqüência 6, com o uso do dicionário do computador) duram 46 segundos, descontando
a vinheta. Portanto, 10% do tempo do vídeo transmite conteúdos tipicamente escolares. O restante é gas-
to com a criação do entorno de entretenimento e com as mensagens estéticas.

140
QUADRO 5 - SÉRIE “AGORA É COM VOCÊS” – ANÁLISE DO PROGRAMA “GENTE DIFERENTE”

Título do programa: “Gente Diferente”

O título compõe a série “Agora é com vocês”

Duração: 8 minutos

Produção: TV Escola / MEC, 1997

Direção: Sérgio Giron

Story line – A brincadeira de adivinhar de onde é o sotaque do falante cria o pretexto para pensar
sobre as diferenças no português falado no Brasil.

Argumento – No segundo episódio, já é possível identificar os recursos previstos para criar a se-
rialidade da faixa. Os programas sempre começam com a mesma música, um movimento de câmera
passeia pelo cenário e fecha em zoom, enquadrando um dos personagens em plano médio. Quando o
zoom acaba, a música de abertura é substituída por efeitos sonoros que vão se diversificando, conforme o
conteúdo do roteiro (apreensão, expectativa, surpresa, ansiedade, medo etc). No segundo episódio, Ven-
tania convida Beleza para brincar. Mona aparece e os três vão participar de um jogo: Beleza toca uma fita
de vídeo com pessoas de diferentes regiões do país falando, e eles precisam adivinhar de onde são os
falantes. Vovô Radar também participa da brincadeira e explica porque há diferenças de sotaque no país.
As joaninhas do armário cantam uma música sobre sotaques diferentes e citam expressões como “ó xen-
te”, “uai” etc. No final, Vovô Radar propõe com tarefa que o espectador procure descobrir de onde vem o
sotaque falado e sua região.

ROTEIRO

São 11 seqüências, incluindo o musical, preenchidas com os diálogos das crianças, as brincadeiras, as
explicações do Vovô Radar e a tarefa para o espectador, que se encerra com o bordão “Agora, é com
vocês!”.

Seqüência 1 (2:02 segundos) – A câmera passeia pelo cenário e fecha o zoom em Beleza, enquadrado
em plano médio, escrevendo em um caderno, Ventania entra pelo lado esquerdo do quadro e eles travam
o seguinte diálogo:

Ventania: Oi, vamos brincar?

Beleza: Oi, vamos brincar?

Ventania: Você quer brincar de quê?

Beleza: Você quer brincar de quê?

Ventania: Ah, por que você fica me imitando, por quê?

141
Beleza: Ah, por que você fica me imitando, por quê?

Ventania: Ai, pára, Beleza!

Beleza: Ai, pára Beleza!

Mona aparece tenta acabar com a discussão. Beleza argumenta que era só uma brincadeira (entra fundo
musical de conotação humorística). Ventania diz que a brincadeira não tem graça e Mona repreende Be-
leza: se um dos dois não gostou, é melhor brincar de outra coisa. Beleza pega uma lupa e propõe outra
brincadeira: detetive (entra fundo sonoro que reproduz de maneira simplificada a melodia da música tema
de “Missão Impossível”, de Brian de Palma). Ventania pergunta o que é investigar e Mona explica que
“investigar é descobrir pistas, é encontrar resposta para alguma dúvida” (continua a melodia). “Mas nós
vamos investigar o quê, Beleza”, ela pergunta (fim da melodia, breve silêncio e volta dos efeitos sonoros
habituais).

Beleza pega uma fita de vídeo, propondo um jogo: a fita mostra como as pessoas falam de modo diferen-
te em muitos lugares do Brasil. Ventania pergunta se elas falam outra língua e Beleza responde que não,
as diversas regiões apenas têm sotaques e algumas palavras diferentes. No final do diálogo, ocorre a
passagem típica de cena, com o “esconde aqui, aparece ali” (Anexo 3, figuras 16 a 21)

Seqüência 2 (22 segundos) – Beleza põe a fite e desafia Ventania a descobrir de onde vem o falante
(entra um efeito sonoro de expectativa): “Um, dois, e já!”.

Seqüência 3 – (21 segundos) – ensina um conteúdo

SEG. IMAGEM SOM

0 - 21 Um homem enquadrado em plano médio, “Não me pergunte onde fica o alegrete / segue
vestido com a roupa típica do gaúcho e segu- o rumo do teu próprio coração / e cruzarás
rando um cuia de chimarrão, com um cenário pela estrada o longinete / e ouvirás toque de
de plantas no fundo (Anexo 5, figura 32) diz: gaita e violão. / Para quem chega de rosário
ao fim da tarde / ou quem vem de Uruguaiana
de manhã / tem o sol como uma brasa que
ainda arde / mergulhada no rio Ibirapuitã.”

Seqüência 4 (47 segundos) – as crianças são enquadradas em plano médio (entra efeito sonoro de es-
panto) e Ventania responde: “Já sei! É no Rio Grande do Sul!”. As crianças comemoram o acerto. Ao fun-
do do quadro, dá para ver Vovô Radar lendo um livro.

Seqüência 5 (10 segundos) – Vovô Radar entra na cena e reclama da barulheira, que o incomoda: “Não
perceberam que eu estava aqui, estudando?”, diz ele.

Seqüência 6 (33 segundos) – Mona pede desculpas e justifica o barulho: Ventania ganhou o primeiro
ponto do jogo, e eles estavam comemorando. Vovô Radar observa a próxima rodada. É a vez de Mona
adivinhar.

142
Seqüência 7 (18 segundos) - ensina um conteúdo

SEG. IMAGEM SOM

0 - 18 Enquadramento em plano médio de um ra- “Uma poesia, para vocês descobrirem, tá cer-
paz vestido com camisa estampada e o ce- to? / A folha da bananeira, de tão verde
nário do Morro da Urca, no Rio de Janeiro em amarelou / e a boca da morena, de tão doce
efeito Chroma key atrás (Anexo 5, figura açucarou / Eu sou do... / Ainda não descobriu?
31). Ele diz: / Então escuta essa, sangue bom: / Só no céu
tem três estrelas / todas três de carreirinha /
uma é Cosme e Damião / e a outra, Mariazi-
nha.”

Seqüência 8 (30 segundos) – A cena enquadra Vovô Radar e as três crianças. Beleza pede para Mona
adivinhar. Ela titubeia “são as pessoas daquela cidade famosa, que tem praia e aquela estátua enorme...”
(entra efeito sonoro que reforça a sensação de expectativa). Mona continua: “Tem aqueles desfiles bem
grandes de escola de samba...”. Beleza responde: “É o Rio de Janeiro!”. Entra ao vinheta que anuncia o
musical (Anexo 2, figuras 9 a 15).

Seqüência 9 (39 segundos) – As joaninhas do armário aparecem e cantam a seguinte música, com a
costumeira sonoridade de teclado, em ritmo de baião:

“Por que será que no Brasil tem tantos jeitos de falar? / Por que será o jeito próprio de falar de um lugar? /
Se a nossa língua é uma só / é o português / quem será que inventou esse sotaque de vocês? / Uai / Vixe/
Mas bah / Quantos jeitos de falar / Ó xente / Oi,oi,oi / Quanto jeito de falar.”

Seqüência 10 (1:37 segundos) ensina um conteúdo

A câmera foca o alto de um armário e se movimento em descida, até enquadrar Vovô Radar e as crian-
ças. Ele explica que, no Brasil, nós falamos português porque os portugueses foram nossos colonizado-
res. Mas, apesar de todos falarem a mesma língua, há diferentes modos de falar. Ele pergunta: “Alguém
sabe qual é a razão?”. As crianças respondem que não, e ele passa a explicar

SEG IMAGEM SOM

30 -95 Vovô radar sentado numa cadeira, com as “O Brasil é um país muito grande e, durante
crianças ao seu redor. O cenário é composto muitos e muitos anos, recebeu pessoas que
por um armário ao fundo, uma pilha de livros vieram de outros países. Os primeiros morado-
e um abajur . res foram os índios. Depois chegaram os por-
tugueses e também pessoas de outros países
como Itália, França, Alemanha...

95 - 97 Efeito gráfico wave promove a troca de ce-


nas, com fusão de imagens (Anexo 4, figu-
143
nas, com fusão de imagens (Anexo 4, figu-
Efeito sonoro de passagem de seqüência
ras 27 a 30).

Seqüência 11 (38 segundos) – Mona e Vovô Radar estão em primeiro plano, e iniciam o seguinte diálogo:

Mona: E você, que tal descobrir, aí na sua cidade, como foi se construindo o seu sotaque, esse seu jeiti-
nho de falar?

Beleza surge pelo lado esquerdo do quadro e Ventania surge atrás de Vovô Radar.

Beleza: Que tal descobrir as influências das línguas de outros países?

Vovô Radar: Ah! Uma brincadeira bem gostosa que você poderia fazer é descobrir palavras que são fala-
das de maneira diferente em vários lugares do Brasil. Agora, é com vocês!”

COMENTÁRIO

No segundo episódio, o objetivo educacional parece ser mostrar as variações que a língua sofre no uso
cotidiano de seus falantes, além de apontar a diversidade cultural brasileira. A primeira seqüência também
ensina uma regra de comportamento: quando alguém não acha graça, é melhor não fazer a brincadeira.
Entretanto, os recursos empregados para ensinar tais conceitos mostram algumas falhas. Em primeiro
lugar, o diálogo no inicial , o da brincadeira sem-graça de Beleza, não oferece uma conclusão palpável.
Mona o repreende por imitar Ventania, mas Beleza sequer pede desculpas. Para um programa didático,
essa é uma falha relevante. Novamente, parece que as lacunas passam despercebidas porque os códigos
estéticos preenchem o canal. E a seqüência é bem rápida.

Outro aspecto significativo de ser comentado é o texto escolhido para os falantes do Rio Grande do Sul e
do Rio de Janeiro (seqüências 3 e 7). O gaúcho declama uma espécie de poema, que poderia ter o autor
indicado. O falante carioca declama um versinho infantilóide, que poderia perfeitamente ser substituído por
um texto mais sofisticado. Afinal, trata-se da cultura escolar. Os dois falantes usam termos específicos das
suas regiões que sequer são comentados pelos bonecos; o vídeo poderia incluir , por exemplo, uma se-
qüência em que eles vão ao dicionário para conhecer o significado das expressões (aí sim, haveria uma
solução pedagógica, a exemplo do que descreve Eco, referindo-se ao emprego do termo “metempsicose”,
e as possíveis soluções que um roteiro didático tem para solucionar o hiato provocado na intelecção, por
21
causa de um termo desconhecido ). Mais ainda: quando o falante carioca diz “sangue bom”, as crianças
poderiam comentar a gíria, conversar sobre a função comunicativa deste tipo de expressão etc.

Outra lacuna significativa é aquela criada com as explicações superficiais (seqüência 10) que Vovô Radar
oferece sobre as diferenças no português falado no Brasil. Essa parece ser a seqüência didática central do
vídeo e dura um 1:37. Mal o personagem começa a explicar a situação e a seqüência é interrompida por
um efeito gráfico (Anexo 4, figuras 27 a 30) e já passa para a “tarefa” .

21 Ver capítulo 4.

144
As imagens escolhidas nas três seqüências principais, embora previsíveis, parecem funcionais à intelec-
ção do conteúdo. A imagem do gaúcho é fixa, o que diminui a taxa estética e prioriza a atenção no texto. É
uma imagem que reforça o conteúdo verbal. Já o carioca, embora use roupas que possam ser encontra-
das em qualquer lugar do Brasil (ao contrário do gaúcho), está num cenário típico do Rio de Janeiro. Mais
uma vez, a imagem estática privilegia a mensagem verbal, e reforça o conteúdo relevante a ser compre-
endido.

Um recurso estético novo foi introduzido neste episódio: na seqüência 1, quando Mona e Beleza explicam
o que é “investigar”, o efeito sonoro criado reproduz de modo simplificado a melodia do filme “Missão Im-
possível”, de Brian de Palma, uma produção holywoodiana típica da cultura de massa.

Finalmente, considerando que o objetivo era mostrar as variações na língua o porquê delas, a concretiza-
ção da meta educacional se resumiu a três seqüências: 3 e 7, retratando as falas e 10, com as explica-
ções. São 2 minutos e 26 segundos de conteúdos tipicamente didáticos (ainda que superficiais), ou 28%
do tempo. Os restantes 72% dos são preenchidos com entretenimento, efeitos estéticos e diálogos para
criar o contexto.

145
QUADRO 6 – SÉRIE “AGORA É COM VOCÊS” - ANÁLISE DO PROGRAMA “OS SISTEMAS DE ESCRITA”

Título do programa: “Os sistemas de escrita”

O título compõe a série “Agora é com vocês”

Duração: 8 minutos

Produção: TV Escola / MEC, 1997

Direção: Sérgio Giron

Story line – As crianças, instigadas pelo Vovô Radar, vão descobrir diversas formas de expressar
idéias com sinais gráficos sobre papel.

Argumento – Ventania descobre pinturas rupestres, por acaso, no computador, e chama os pri-
mos para ver. Eles conversam sobre os desenhos e depois comentam com Vovô Radar, que lhes sugere
fazer um passeio lá no outro lado do mundo, para conhecer as pessoas que “escrevem desenhando”.
Observando um globo terrestre que projeta imagens do Japão, as crianças observam um leitor de jornal e
um estudante, que lêem e escrevem na linguagem ideográfica. Eles voltam ao computador para aprender
mais sobre o ideograma, e concluem que há muitas formas de escrever. No final, Vovô Radar aparece,
comenta a descoberta das crianças, propõe a tarefa do episódio e encerra com o bordão “Agora é com
vocês!”

ROTEIRO

São oito seqüências, que alternam o diálogo entre os quatro personagens principais (sempre no
mesmo cenário) com efeitos que reproduzem imagens em movimento na tela do computador e também
num globo terrestre que as crianças observam.

Seqüência 1 (30 segundos) – O vídeo começa com um movimento de câmera que passeia pelo cenário e
mostra os quatro personagens em atividades corriqueiras. Ventania está na frente do computador e cha-
ma os primos para verem sua descoberta. A passagem de uma seqüência para a outra é feita com o habi-
tual recurso de se esconder atrás de um objeto e surgir atrás de outro, em outra área do cenário.

Seqüência 2 (48 segundos) – ensina um conteúdo

SEG IMAGEM SOM

0-4 Reprodução da onda sonora na pista de “Vocês vão ver agora umas pinturas rupestres”
imagem na tela do computador

146
A seqüência é interrompida por Mona, que acha a descoberta do primo interessante, mas diz que para ela
não é novidade. O computador continua. As imagem da pista sonora no vídeo é substituída por fotografias
de pinturas rupestres.

SEG IMAGEM SOM

21 - 48 imagens em movimento de pinturas ru- “As pessoas que moravam nas cavernas queriam
pestres (figura 36, anexo 5) mostrar o que acontecia na vida delas. Mostra-
vam, por exemplo, que os humanos precisavam
caçar animais para se alimentar”.

A seqüência termina com um “corte seco”.

Seqüência 3 (58 segundos) – As crianças voltam para o outro lado do cenário e Beleza pergunta: “Legal,
mas como você vai dizer, por exemplo, que alguém ficou alegre ou triste?”. Ventania propõe fazer “cara de
alegre” e “cara de triste” para Beleza observar e desenhar. Beleza vai buscar lápis e papel numa tomada
que dura 2 segundos é preenchida com efeito sonoro para criar sensação de “vai-e-volta. Os diálogos são
interrompidos, um fundo musical preenche o tempo em que Ventania posa e Beleza desenha. O processo
do desenho é filmado em câmera acelerada, tanto para a “cara de alegre”, quanto para a “cara de triste”.
Mona pergunta para os primos se eles conhecem outras formas de contar uma história no papel. Beleza
propõe contar a história do Vovô Radar. Ao pronunciar o nome, Beleza cria o gancho para a tomada se-
guinte.

Seqüência 4 (45 segundos) Vovô Radar estava distraído, lendo um livro e pergunta: “Alguém me cha-
mou?” Beleza mostra os desenhos que fez das expressões de Ventania, e Mona diz que agora eles preci-
sam contar uma história. Vovô Radar faz uma sugestão: “Por que vocês não vão dar um passeio lá do
outro lado do mundo? Existe pessoas por lá que escrevem desenhando!”. A vinheta gráfica avisa que vai
entrar o musical.

Seqüência 5 (34 segundos) - ensina um conteúdo

As joaninhas do armário aparecem e cantam a seguinte música, com o som de videokê ao fundo

SEG IMAGEM SOM

0–2 Uma vinheta com retalhos de estampas Efeito sonoro enfatizando o movimento dos reta-
diferentes que se movimentam introdu- lhos
zem o “musical” (Anexo 2, figuras 9 a
15): a câmera se aproxima de um armá-
rio. As portas se abrem sozinhas e sur-
gem dois bonecos em forma de joaninhas

147
As Joaninhas se chacoalham e caminham “Com quantas letras se faz uma canoa? / Quantas
da esquerda para a direita e vice-e-versa palavras se escreve com essas letras? / Dá tan-
3 – 31
no mini-cenário. tos sons, tantas mensagens / com as vinte e três
letras do nosso alfabeto. / Se você não sabia, / já
é hora de saber / que em outros lugares tem dife-
rentes modos de aprender. / Até mesmo o barulho
/ dá para a gente representar/ como nos quadri-
nhos / crás! poft! pum ! zás!”

A mesma vinheta faz o movimento contrá- Efeito sonoro enfatizando o movimento dos reta-
32 – 34 rio e fecha os retalho lhos

Seqüência 6 (1:37) – As crianças observam um globo terrestre que projeta imagens do Japão (Anexo 5,
figuras 37 a 39). Primeiro, aparece um homem lendo um jornal escrito em ideogramas. Depois, aparecem
imagens de diversas crianças escrevendo em linguagem ideográfica. Os primos fazem comentários como
“não tem a letra A, nem a letra B”, ficam se perguntando se é assim que os japoneses escrevem, “dese-
nhando” e se era isso que o Vovô Radar queria que eles descobrissem. Beleza sugere voltarem ao com-
putador, para tirar as dúvidas.

Seqüência 7 (1:38) ensina um conteúdo

As crianças estão de volta ao computador. A seqüência intercala imagens dos quatro bonecos em plano
médio com closes de cada um deles e imagens de ideogramas exibidos na tela. Esse é o diálogo:

SEG IMAGEM SOM

0 - 98 Planos médios das crianças intercalados Mona: Vamos perguntar como é que os japone-
com cenas da tela do computador exibin- ses escrevem.
do ideogramas (Anexo 5, figuras 40 e
Ventania: Seu computador, como é que os japo-
41)
neses escrevem?

Computador: No Japão, as pessoas falam e es-


crevem em japonês, mas os japoneses usam
desenhos no lugar de letras.

Beleza: Tá falando sério?

Computador: Este desenho, parecido com uma


árvore, quer dizer árvore em japonês. Quando os
desenhos ficam juntos, formam novas idéias. O
desenho de duas árvores quer dizer bosque. E o
desenho de três árvores significa floresta.

148
Mona: Agora já sei desenhar em japonês (a fala é
acompanhada pela repetição das mesmas ima-
gens, mas agora sem a moldura da tela do com-
putador). Uma árvore é uma árvore, duas árvores,
um bosque e três árvores, uma floresta.

Beleza: Agora, eu vou escrever floresta em portu-


guês (soletra a palavra enquanto a câmera foca
sua mão dispondo letras de borracha para formar
a palavra).

A seqüência acaba com Mona mostrando uma gravura da Mata Atlântica como outra forma de representar
a floresta.

Seqüência 8 (45 segundos) – Vovô Radar aparece em primeiro plano e diz: “Você pode inventar mil ma-
neiras de contar histórias, utilizando as palavras, os desenhos, figurinhas recortadas e até mesmo objetos
colados no papel. Agora é com vocês!”

COMENTÁRIO

No terceiro episódio, já é possível identificar os recursos de caracterização dos personagens: Vo-


vô Radar está sempre lendo, Mona é a criança mais inteligente, a que faz as perguntas pertinentes e, em
geral, tem as respostas certas. Beleza é sempre debochado, apesar de igualmente esperto. Ventania é o
personagem mais novo, que sempre faz perguntas para motivar explicações adicionais sobre o assunto
da seqüência ou que oferece hipóteses erradas, para motivar as correções feitas pelos outros dois.

Ao que parece, o terceiro episódio, em particular, tentou reproduzir o que se convencionou cha-
mar de “metodologia construtivista” no discurso pedagógico corrente. O programa começa com Ventania
fazendo uma descoberta no computador “por acaso”. Vovô Radar faz as vezes de professor, e os instiga a
“procurar alguma coisa lá do outro lado do mundo”, sem indicar a fonte ou o que procurar exatamente.
Curiosamente, as crianças encontram exatamente o que procuravam: japoneses lendo e escrevendo em
ideogramas e, facilmente, concluem que era isso que o Vovô Radar queria que eles fizessem. Também
com muita facilidade, elas decidem recorrer ao computador para “aprender mais” sobre os ideogramas.

Na seqüência do computador, (seqüência 7) alguns aspectos merecem comentário. Para encon-


trar uma informação, é preciso simplesmente perguntar em voz alta (diga-se de passagem que a atitude é
semelhante à do personagem David do filme “Inteligência Artificial”, de Spielberg, que vai consultar o orá-
culo. Mas esse é um filme de Hollywood). Curioso também é o modo como Ventania se refere à máquina,
chamando-a de “seu computador”. Talvez o vídeo se tornasse mais didático se aproveitasse a oportunida-
de para ensinar ao espectador como localizar informações, como acessar um site de conteúdo relevante,
como lançar palavras-chave nos programas de busca etc.

149
Por outro lado, um tratamento didático exemplar é dado à apresentação dos ideogramas para ár-
vore, bosque e floresta. Primeiro as imagens são apresentadas na tela do computador; depois são repeti-
das sob o diálogo de Mona, só que, desta vez, sem a moldura da tela. Um recurso estético reorganizou
um conteúdo importante para ser reapresentado de outra maneira, reforçando o aprendizado, sem ser
incomodamente redundante. Perfeitamente ajustado à idéia de coerência entre texto e imagem proposta
por Gunter.

Ao contrário do primeiro programa, este parece equilibrar melhor entretenimento e conteúdos es-
colares. As duas seqüências mais longas (6 e 7) são as que apresentam o ideograma e somam 3 minutos
e quinze segundos. Correspondem a 22,5% do tempo total. Somando o musical (que, apesar da sonori-
dade massificada, apresenta mais um conteúdo escolar, as onomatopéias), são 2,5 minutos ou 30% do
tempo com dados próprios do aprendizado escolar.

150
QUADRO 7 – SÉRIE “AGORA É COM VOCÊS” ANÁLISE DO PROGRAMA “O GRAVADOR MÁGICO”

Título do programa: “O gravador mágico”

O título compõe a série “Agora é com vocês”

Duração: 8 minutos

Produção: TV Escola / MEC, 1997

Direção: Sérgio Giron

Story line – Beleza inventa uma brincadeira em que uma máquina supostamente escreve no pa-
pel o que alguém diz oralmente, e cria o pretexto para enfocar a prática da escrita correta.

Argumento – Ventania quer saber para que serve a “engenhoca” que Beleza está manipulando e
este explica que é um gravador mágico, “que registra no papel o que a gente disser no microfone”. Venta-
nia quer experimentar a máquina, sem saber que Beleza ficará lá dentro, escrevendo o que ouvir o primo
dizer. Como Ventania fala muito rápido, Beleza escreve errado e é desmascarado. Na seqüência, eles se
juntam para enganar Mona. Beleza fica do lado de fora e Ventania vai para a máquina escrever. Como
Ventania não consegue escutar direito, ele também escreve errado e é desmascarado por Mona e Vovô
Radar. As joaninhas do armário cantam uma música que compara palavras com som parecido. No final,
eles comentam que é difícil escrever certo quando a gente não escuta o que o outro está ditando. A tarefa
do episódio é brincar de ditado.

ROTEIRO

São cinco seqüências que ocorrem no mesmo ponto do cenário: os personagens estão entre uma
mesa, no primeiro plano, e o gravado mágico, no fundo. Como de costume, efeitos sonoros e música de
fundo reforçam o sentido dos diálogos dos personagens.

Seqüência 1 (1:05 segundos) – A seqüência começa com a música e o movimento de câmera tí-
picos. O zoom se fecha em Beleza, que está ajustando parafusos com um alicate em uma máquina maior
que ele. A máquina tem um par de antenas e duas lâmpadas que piscam sem parar (Anexo 5, figura 33).
Ventania aparece e pergunta o que está acontecendo. Beleza explica que é uma brincadeira que ele vai
fazer com Mona e Vovô Radar. Ventania quer saber que brincadeira é essa. Beleza explica que é um
gravador Mágico “que consegue gravar os sons no papel”. Ventania quer ver como funciona. Um corte
seco encerra a seqüência.

Seqüência 2 (1:38 segundos) – Beleza entra na máquina e pede para Ventania “pegar o microfo-
ne e falar qualquer coisa”. Ventania narra um lance de gol no futebol, enquanto a lâmpada da máquina fica
piscando (Anexo 5, figura 34). Beleza pede para Ventania falar mais alto e mais devagar, “senão a má-
quina não faz direito”. O gravador expele um pedaço de papel e Ventania vai verificar a gravação. A câme-
ra enquadra o papel (Anexo 5, figura 35) onde se lê:

151
VENTANIA

DEVOLV.

BELEZA CHUTA

GOL DO BASIL

Ventania reclama da letra ruim e dos erros. Beleza sai de trás da máquina e argumenta que “é só
um detalhezinho” e que Ventania “falou muito rápido”. Então, Ventania descobre o truque: alguém se
esconde lá dentro e escreve o que o outro disser no microfone. Essa é a brincadeira. Eles ouvem a voz de
Mona se aproximando e Beleza manda Ventania se esconder dentro da máquina. Um corte seco introduz
a próxima seqüência.

Seqüência 3 (2:48 segundos) – Mona aparece pelo lado direito do quadro e pergunta “que gerin-
gonça é essa?”. Beleza explica que é um gravador mágico. Mona quer saber se Vovô Radar já viu. Beleza
o chama e explica como a máquina funciona. Eles fazem um teste: Mona pega o microfone e diz “uma
mentira cabeluda”. Em poucos segundos, a máquina expele um papel em que está escrito “uma menina
cabeluda”. Mona fica transtornada com o erro (um efeito sonoro reforça a decepção). Dentro da máquina,
Ventania percebe que escreveu alguma coisa errada: “Se não era menina cabeluda, então devia ser me-
nina cabeçuda”, calcula, e escreve a nova frase. Beleza tenta se desculpar, argumentando que foi um
“probleminha técnico”, que a frase está “quase certa”, e repreende Ventania. A máquina expele a nova
frase e Mona verifica que está errado novamente. Ventania sai de dentro da máquina e diz que não vai
continuar escrevendo porque não dá para ouvir direito. Conseqüentemente, Mona e Vovô Radar também
descobrem o segredo de Beleza. Um efeito sonoro e a vinheta gráfica anunciam a entrada do musical.

Seqüência 4 (35 segundos) – As joaninhas do armário cantam a seguinte música, em ritmo de


forró, com a habitual sonoridade de teclado:

“Vamos brincar de telefone sem fio / eu invento uma palavra / vai passando a palavra vai mudan-
do / Quero ver que palavra você diz no final / paletó não é palito / nem banana é bacana / têm sentidos
diferentes / mas o som é quase igual.”

Volta a vinheta, que promove a passagem para a seqüência da tarefa do Vovô Radar.

Seqüência 5 (54 segundos) ensina um conteúdo

SEG IMAGEM SOM

0-54 Vovô Radar enquadrado em primeiro “Viu só que confusão o Beleza aprontou? O Ventani-
plano diz: a, coitado, não conseguia escutar direito lá dentro e,
com isso, copiava errado.”

Ventania aparece e diz:


“É que, às vezes, palavras diferentes têm um som

152
Beleza aparece e diz: muito parecido.”

“É por isso que, quando se vai ditar para o outro es-


crever, deve-se falar claramente, para não fazer con-
fusão.”

Mona aparece e diz: “É isso aí mesmo, gente”

Vovô Radar: “Que tal você inventar um ditado com palavras que
tenham um som parecido. Ou então fazer um ditado
falando com a cabeça numa caixa? As palavras fi-
cam mais difíceis de se entender. E o desafio é muito
maior. Agora é com vocês!”

COMENTÁRIO

É o primeiro programa em que os bonecos não trocam de cenário e passagens de uma seqüência
para a outra são feitas apenas com cortes secos, sem efeitos gráficos. A trilha musical de fundo e os efei-
tos sonoros permanecem.

A proposta é mostrar como sons parecidos geram confusão na hora transformá-los em sílabas, a-
través da brincadeira de Beleza. A proposta parece adequada mas, um exame detalhado no roteiro mos-
tra que muito pouco foi efetivamente ensinado sobre este assunto. A seqüência 3 explorou as diferenças
entre mentira e menina, cabeluda e cabeçuda. O musical enfatizou as diferenças entre paletó e palito,
banana e bacana. O resto, foi diálogo para criar o entorno da brincadeira. O roteiro poderia ser mais didá-
tico se reservasse mais tempo para explorar a ambigüidade de sons na língua portuguesa. As crianças
poderiam conversar mais sobre sons parecidos, citar palavras, enfim, explorar mais este aspecto.O
pretexto de criar uma máquina que escreve todos os sons poderia explorar as maneiras de representar
graficamente os ruídos e, daí, ensinar o conceito de onomatopéia, por exemplo.

Na seqüência em que a câmera foca as palavras escritas de modo incompleto (seqüência 2), po-
deria-se incluir uma pequena passagem com a correção. Novamente, o sintagma iria considerar o reforço
na aprendizagem de um conteúdo, como é tarefa de um programa educativo.

Finalmente, o programa reforça a importância de falar com clareza para o outro entender, mas,
novamente, o assunto é tratado rapidamente, na seqüência 4, em que os personagens passam a tarefa.
Pode-se concluir que o episódio serviu para levantar um tema, mas não o explorou de maneira didática.

153
QUADRO 8 – SÉRIE “AGORA É COM VOCÊS” ANÁLISE DO PROGRAMA “TRAVA-LÍNGUA”

Título do programa: “Trava-língua”

O título compõe a série “Agora é com vocês”

Duração: 8 minutos

Produção: TV Escola / MEC, 1997

Direção: Sérgio Giron

Story line – Beleza e os primos vão brincar de falar no rádio e criam o pretexto para ensinar sobre
a profissão de locutor e para brincar de trava-língua.

Argumento – Beleza está brincando diante de um microfone, sob um cartaz onde está escrito “Si-
lêncio - Rádio Beleza no ar”. Ventania aparece e quer brincar com ele. Mona também quer brincar. Beleza
diz que deixa os primos participarem mas que, para isso, precisam ser bons locutores. Ventania não sabe
o que é um locutor, mas, coincidentemente, Mona está vendo um programa de televisão que mostra um
locutor lendo uma notícia jornalística. Vovô Radar aparece e dá um livro com textos de “trava-língua” para
as crianças. Elas fazem um jogo: quem ler sem errar é o melhor locutor. É permitido errar até três vezes.
No final, Vovô Radar aparece em primeiro plano, comenta a brincadeira e sugere que o espectador tam-
bém brinque de trava língua. Termina o programa repetindo do bordão “Agora é com vocês!”.

ROTEIRO

São cinco seqüências, que alternam o diálogo entre os quatro personagens principais (sempre no
mesmo cenário) com uma cena ilustrativa tirada de uma TVs, efeitos gráficos e o já tradicional pequeno
musical das joaninhas.

Seqüência 1 (1:10 segundos) – Um movimento de câmera passeia pelo cenário, focaliza o cartaz onde
está escrito “Silêncio - Rádio Beleza no ar”, desce até enquadrar o personagem em plano médio e encerra
com zoom, no início do diálogo: “Alô senhores ouvintes. Aqui quem fala é o Beleza, o melhor locutor da
Rádio Beleza” (ele enfatiza o som do “r”, imitando locutores esportivos). Ventania aparece e pergunta o
que o primo está fazendo. Beleza o repreende por não fazer silêncio. Ventania também quer brincar de
falar no microfone, mas Beleza adverte que “para brincar de rádio tem de ser um bom locutor. A minha
estação exige boa comunicação”. Ele pega uma buzina e, imitando a voz do apresentador Chacrinha, diz:
“Quem não se comunica se trumbica”. Ventania pergunta o que é um locutor. A seqüência termina com
um corte seco.

Seqüência 2 (45 segundos) – ensina um conteúdo

Mona está do outro lado do cenário e chama Ventania porque ela está vendo um vídeo que mostra um
locutor.

154
SEG. IMAGEM SOM

0 - 45 A câmera enquadra uma televisão que mostra “A orquestra sinfônica de Israel se apresentou nesta ....
um locutor humano de rádio dentro de um estú- público presente”.
dio, lendo uma notícia jornalística sobre a apre-
música de orquestra em estilo barroco
sentação da Orquestra Sinfônica de Israel.

Beleza aparece no enquadramento e explica que locutor é a pessoa que trabalha falando no rádio. Mona
completa a explicação, dizendo que o locutor lê os textos que são passados para ele.

A vinheta gráfica começa a aparecer e indica a entrada do musical.

Seqüência 3 (43 segundos) – ensina um conteúdo

SEG IMAGEM SOM

0–2 Uma vinheta com retalhos de estampas Efeito sonoro enfatizando o movimento dos reta-
diferentes que se movimentam introdu- lhos
zem o “musical” (Anexo 2, figuras 9 a
15): a câmera se aproxima de um armá-
rio. As portas se abrem sozinhas e sur-
gem dois bonecos em forma de joaninhas

As Joaninhas se chacoalham e caminham


da esquerda para a direita e vice-e-versa “O pente do padre Pedro é preto / o rato roeu a
3 – 40
no mini-cenário. roupa do rei de Roma/ Iara amarra a arara rara / a
rara arara de Araraquara / a aranha arranha a
jarra / é o trava-língua / delinqüente agüentará
dois quinqüênios seqüentes / o lacaio do cavalo
baio leva o balaio de paio / quando toca a retreta
na praça repleta se cala o trombone se toca a
trombeta / aí eu quero ver o trava-língua / quero
ver você disser ligeirinho / um tigre, dois tigres, ter
trigui / Ih! Trocou a língua!”

A mesma vinheta faz o movimento contrá- Efeito sonoro enfatizando o movimento dos reta-
41-43 rio e fecha os retalho lhos

155
Seqüência 4 (4 minutos) – As três crianças estão diante do microfone da Rádio Beleza. Beleza propõe
brincarem de “concurso de locutores”. Nesse instante, Vovô Radar aparece e diz: “Com licença, posso
interromper? Acho que tenho algo bem legal para vocês. É um livro para brincar de locutor, com textos
para ler em voz alta”. As crianças começam a brincar. Ventania é o primeiro candidato e Beleza pega a
buzina para buzinar quando os candidatos errarem. Ventania escolhe o texto “O sapo no saco”. Durante
toda a seqüência há uma música de fundo que se acelera quando as crianças começam a ler o s textos
do trava-língua. O som enfatiza a sensação de expectativa para ver quando eles vão errar. Ventania erra
na primeira tentativa e é buzinado. Tenta mais duas vezes e erra. Perde a vez para Beleza, que erra na
primeira e na segunda tentativas. Na terceira acerta. É a vez de Mona que erra na primeira e acerta na
segunda, levando apenas uma “buzinada”. Durante as buzinadas, o fundo musical assume conotação
cômica, reforçando as risadas das crianças.

Seqüência 5 (56 segundos) – Vovô Radar reaparece em primeiro plano, para passar a tarefa do especta-
dor, como de costume: “Que tal você aí na escola pesquisar com a professora, colegas, família, pessoas
da comunidade, livros com outros trava-língua? Depois, experimente também com eles. Você, na certa,
também vai se divertir bastante. Boa pesquisa. Agora é com vocês!”.

COMENTÁRIO

Até agora, este é o programa com menos recursos estéticos visuais, o que é compreensível, já
que o assunto é a expressão oral. Pela primeira vez, o fundo musical característico do programa foi substi-
tuído por uma música “de verdade”, no momento em que o locutor humano lê a notícia sobre a Orquestra
Sinfônica de Israel.

Entretanto, durante a brincadeira do trava-língua, o fundo musical (recurso estético sonoro) volta,
mas dificulta a compreensão da mensagem. O espectador precisa compreender duas mensagens no
canal sonoro: o fundo e o texto complicado do trava-língua, que as crianças estão lendo. Aqui parece ter
sido diagnosticado um defeito que é conseqüência do padrão de entretenimento na televisão. É comum
nas novelas e nos programas humorísticos introduzir sonoridades fáceis, que induzam à interpretação
cômica de um diálogo qualquer. Provavelmente, os roteiristas planejaram fazer o mesmo, a fim de tornar a
seqüência do trava-língua mais “leve”. Mas não parece ter sido uma boa idéia, já que se trata de diálogo
com a finalidade educativa de explorar a oralidade. A repetição da fórmula comercial pode ter configurado
uma distorção, que comprometeu o objetivo principal da seqüência.

Também foi identificado um tratamento didático exemplar na seqüência 4: toda vez que alguém
erra no jogo do trava-língua, Beleza buzina, mas Mona corrige o erro, enfatizando a diferença de som
entre as sílabas.

No final, quando Vovô Radar aparece no primeiro plano, há um movimento de câmera circular em
torno do seu corpo. É a primeira vez que a seqüência da tarefa apresenta esse recurso, talvez planejado
para equilibrar as tomadas estáticas durante o jogo das crianças.

156
QUADRO 9 – SÉRIE “AGORA É COM VOCÊS” - ANÁLISE DO PROGRAMA “O SEQUESTRO DOS CAVALOS-
MARINHOS”

Título do programa: “O seqüestro dos cavalos-marinhos”

O título compõe a série “Agora é com vocês”

Duração: 8 minutos

Produção: TV Escola / MEC, 1997

Direção: Sérgio Giron

Story line – Ventania pede para Beleza contar uma história e o episódio cria o pretexto para ensi-
nar recursos para despertar emoção e prender a atenção de quem está ouvindo.

Argumento – Quando Ventania e Mona pedem para Beleza contar a história, ele pergunta: com
emoção ou sem emoção? Os primos pedem “com muita emoção”. Beleza começa uma história romântica,
em que ele é o príncipe e personagem principal, que promete ajudar uma fada, mas a larga com seus
problemas. Mona e Ventania se aborrecem e dizem que essa história não tem graça. É o gancho para
entrarem as joaninhas do armário e ensinarem a estrutura de uma história típica: começa com “era uma
vez” e termina com “e foram felizes para sempre”.

ROTEIRO

São 12 seqüências, que alternam o diálogo entre os quatro personagens principais (sempre no
mesmo cenário) com ilustrações de momentos da história contada por Beleza. O timing das seqüências
da história é bastante ágil: o roteiro alterna tomadas em plano médio dos três bonecos juntos, closes de
cada um deles (Anexo 5, figuras 42 a 45), pequenas intervenções do Vovô Radar (Anexo 5, figura 46)
— cuja função parece ser apenas quebrar a seqüência, a fim de manter o espectador estimulado — e
ilustrações que representam aspectos da história que Beleza está contando. O fundo musical se alterna
entre uma melodia suave, propícia para contos de fadas, efeitos para reforçar a idéia de medo, tensão,
ansiedade e situações cômicas.

Seqüência 1 (2:09 segundos) – Um movimento de câmera passeia pelo cenário e localiza Beleza lendo
jornal. Ventania aparece e pede para Beleza contar uma história. Beleza pergunta “com emoção ou sem
emoção?” Mona aparece e enfatiza“ com muita emoção!”. Beleza começa: “Era uma vez um príncipe mui-
to bonito, simpático, inteligente e corajoso chamado... Beleza!” O diálogo é preenchido com um fundo
musical suave. Durante o diálogo, aparece uma ilustração estática do príncipe Beleza, que fica no vídeo
por quatro segundos (Anexo 5, figura 48). A fala de Beleza é interrompida por Ventania, que ri do fato de
um príncipe ser o próprio Beleza. Mona pede para Ventania deixar Beleza continuar a história.

Beleza continua: “Estava eu, caminhando na beira da praia, quando, de repente (neste momento entra a
ilustração do príncipe Beleza na praia, que fica estática no vídeo por seis segundos, até o final da fala –(
Anexo 5, figura 49) veio uma onda e quebrou na areia” (volta a tomada das três crianças).

157
Beleza: “Lá de dentro da onda, saiu um alinda menina vestida de branco (entra a ilustração da menina,
que dura seis segundos – Anexo 5, figura 50). Ela tinha os cabelos pretos, cacheados, misturados com
algas do mar. Era uma menina fada. (volta a tomada dos três) . A menina perguntou meu nome e eu falei:
príncipe Beleza. A menina me deu um beijo na testa (entra ilustração do beijo e permanece por dois se-
gundos – Anexo 5, figura 51 - depois volta a tomada dos bonecos) e pediu a minha ajuda para salvar três
amigos dela. Eram três cavalos-marinhos.” Nesse instante, desce um móbile com cavalos-marinhos sobre
os três. Mona e Ventania ficam excitados. “Que bonitinho”, diz Mona. “Que bicho engraçado”, diz Ventania
(Anexo 5, figura 47).

Beleza: “Os cavalos-marinhos tinham sido seqüestrados por um terrível monstro, ah, há, há, há, há (imita
uma risada macabra. O efeito sonoro muda de suave para apreensivo). O monstro (entra a ilustração de
um dragão carregando uma gaiola com os cavalos-marinhos e permanece por quatro segundos – Anexo
5, figura 52) colocou os bichinhos dentro de uma gaiola e levou para uma caverna no fundo (enfatiza o
“u”) do mar. A menina chorou, chorou, chorou e eu fui embora”.

Mona o interrompe: “Assim não dá! Se o príncipe não ajudar a menina, a história não tem graça” – começa
o efeito gráfico da vinheta que anuncia o musical das joaninhas.

Seqüência 2 (44 segundos) – ensina um conteúdo

SEG IMAGEM SOM

0–2 Uma vinheta com retalhos de estampas Efeito sonoro enfatizando o movimento dos reta-
diferentes que se movimentam introdu- lhos
zem o “musical” (Anexo 2, figuras 9 a
15): a câmera se aproxima de um armá-
rio. As portas se abrem sozinhas e sur-
gem dois bonecos em forma de joaninhas

“Conte uma história que prenda a atenção / que


As Joaninhas se chacoalham e caminham faça voar a imaginação / conte uma história do
da esquerda para a direita e vice-e-versa início ao fim / que tenha suspense, mas que se
3 – 42
no mini-cenário. resolva / conte uma história pra mim / você já
reparou que a maioria das histórias / começa com
“era uma vez” e termina com “e viveram felizes
para sempre?” / conte uma história do início ao
fim / que tenha suspense, mas que se resolva /
conte uma história pra mim / tá bom, eu conto:
“era uma vez, duas joaninhas cantoras” / ai que
bonitinho...”

Efeito sonoro enfatizando o movimento dos reta-


A mesma vinheta faz o movimento contrá- lhos
43-44 rio e fecha os retalho

158
Seqüência 3 (47 segundos) – Beleza concorda em continuar a história: “Eu já ia saindo, mas resolvi voltar
para ajudar. Então, então a menina segurou na minha mão, cantou uma música mágica e ... (some o fun-
do musical) a gente subiu numa prancha e mergulhou no mar”. Mona e Ventania riem, e entra um fundo
musical de conotação cômica.

Beleza (com o fundo musical suave): “Nós viajamos três dias e três noites pelo fundo do mar. Finalmente
(entra ilustração dos dois em frente a uma caverna no fundo do mar, que dura oito segundos, até o final da
fala – Anexo 5, figura 33), nós chegamos na caverna onde o monstro guardava os cavalos marinhos
numa sacola”.

Ventania interrompe lembrando que era uma gaiola, não uma sacola. Beleza argumenta que “era uma
sacola dentro de uma gaiola” e pede licença para continuar contando a história. Há um corte seco e entra
o Vovô Radar, em primeiro plano.

Seqüência 4 (3 segundos) – Vovô Radar: “Ah! Só quero ver onde vai dar essa história!” (Anexo 5, figura
46)

Seqüência 5 (1:35 segundos) – Beleza (com o fundo musical suave): “A menina fada me disse que o
monstro era muito perigoso (entra efeito sonoro que reforça a sensação de medo, a câmera enquadra
Mona e Ventania, que estão assustados).

Beleza (com o fundo musical de medo): “A única maneira de vencer o monstro era fazer uma pergunta
que ele não conseguisse responder. Prometi tomar (entra a ilustração do príncipe dentro da caverna, que
dura seis segundos – Anexo 5, figura 54) cuidado. Entrei na caverna na ponta dos pés, mas o monstro
logo me descobriu pelo cheiro”.

Ventania interrompe rindo: “Ele não tinha tomado banho!”

Beleza: “Era o perfume do beijo da fada, que tinha ficado na minha testa. Então, o monstro me viu e gritou
(entra a ilustração do monstro segurando a gaiola com um peixe-serra, que dura seis segundos – Anexo
5, figura 55) oba! Chegou carne nova para o meu peixe-serra, ah, há, há, há, há (imita a risada macabra
novamente). Sem medo nenhum, eu falei “se eu fizer uma pergunta que você não possa responder, você
me deixa livre?”.

Mona interrompe: “E aí? O que foi que ele disse?”

Beleza: “Ele disse: sim! Aí eu falei “você também liberta os cavalos-marinhos? Ele me respondeu “os
meus cavalos marinhos, que eu estou criando para comer com pão? Ah, há, há, há, há ... só se for uma
pergunta muito boa”.

Ventania interrompe: “E aí? O que é que você perguntou?”

Beleza: “Eu pensei, pensei rápido e falei ‘responda essa sabichão, qual é o animal que come com o rabo?”

Corte seco introduz a próxima seqüência.

159
Seqüência 6 (2 segundos) – Vovô Radar em primeiro plano: “Ah, essa qualquer um sabe...” (Anexo 5,
figura 46)

Seqüência 7 (36 segundos) – Beleza continua “Um animal que come com o rabo?, o monstro (entra ilus-
tração do monstro com cara de quem está pensando, e permanece por quatro segundos – Anexo 5, figu-
ra 56) ficou pensando, pensando, pensando. Aí ele disse ‘desisto, por favor, me conte a resposta. Eu juro
que deixo vocês irem embora’”.

Mona interrompe: “Anda logo, Beleza. Conte logo a resposta”.

Beleza: “Então eu falei é fácil, seu monstro. Todos os animais comem com o rabo. Nenhum deles tira o
rabo na hora de comer” (e solta uma gargalhada).

Corte seco introduz a próxima seqüência.

Seqüência 8 (2 segundos) – Vovô Radar em primeiro plano: “Eu não falei?” (Anexo 5, figura 46)

Seqüência 9 (33 segundos) – Beleza continua: “Aí (entra ilustração do príncipe libertando os cavalos ma-
rinhos que permanece por seis segundos – Anexo 5, figura 57) eu abri a gaiola, abri a sacola, peguei os
três cavalos-marinhos e me mandei.

Ventania interrompe: “E daí, Beleza? Como é que termina a história?”.

Beleza: “ A menina-fada ficou muito contente em rever os amigos. Ela me deu uma carona na prancha
dela até a beira da praia e disse que eu era um gato”.

Mona conclui: “Aí, vocês viveram felizes para sempre”.

Ventania: “Onde foi que você aprendeu essa história, Beleza?”

Beleza: “Eu aprendi na minha cabeça, ora!”.

Corte seco introduz a próxima seqüência.

Seqüência 10 (2 segundos) – Vovô Radar em primeiro plano: “E aprendeu direitinho”.

Corte seco

Seqüência 11 (6 segundos) – Ventania insiste: “Não! Sério! Quem foi que te contou?”. Beleza também
insiste: “Ninguém, Ventania, essa história eu inventei”.

Corte seco

Seqüência 10 (2 segundos) – Vovô Radar em primeiro plano: “O Beleza, quem diria, virou contador de
histórias, inventou uma história. E você, já inventou uma história assim, comprida? E uma história peque-
nininha, heim? Você também pode escrever histórias parecidas com as que você já conhece. Agora, é
com vocês!”.

160
COMENTÁRIO

De modo semelhante aos programas “O dono da bola” e “Trava-língua”, a ênfase deste episódio é
na oralidade. De antemão, um aspecto positivo se destaca: a longa história contada em primeira pessoa
(ao menos para os padrões da televisão) tem um timing muito preciso e soube intercalar diálogos do nar-
rador da história com interrupções dos ouvintes e também com os comentários em seqüências à parte do
Vovô Radar.

Os efeitos sonoros não sobrecarregaram os diálogos, a exemplo do que ocorreu no episódio do


trava-língua. As ilustrações permaneceram por tempos relativamente longos para os padrões da TV (qua-
tro, seis e oito segundos), mas corretos para o exame do conteúdo das ilustrações, como convém à lin-
guagem didática.

Um aspecto parece inadequado: ao ensinar como deve ser a estrutura de uma história, a seqüên-
cia 2, (o musical das joaninhas) explica que as histórias devem começar com “era uma vez” e terminar
com “e viveram felizes para sempre”. Certamente, essa é a estrutura dos contos populares, das novelas e
da maioria dos filmes de Hollywood. Se deve ser uma fórmula enfatizada no ensino escolar, esta é uma
questão que envolve as noções de criatividade, e precisa ser discutida.

Assim, o argumento escolhido fez deste um programa muito atraente para o espectador, além de
ser “calmo” em termos de linguagem televisiva, apesar da variedade de recursos empregados (ilustrações,
interrupções no diálogo, comentários em seqüências relâmpago do Vovô Radar, fundos musicais caracte-
rísticos).

Outro aspecto interessante é o método pedagógico que sustenta o episódio. O espectador apren-
de a contar uma história, ouvindo-a. Dicas e comentários são intercalados na estrutura principal, seja nos
diálogos ou na performance das joaninhas.

A “atuação” de Beleza também é digna de nota: o fim abrupto do príncipe largando a princesa
com problemas na praia e a justificativa do monstro (que estava criando os cavalos-marinhos para comê-
los com pão) são momentos inusitados e bem humorados da história. Esses trechos ensinam ao especta-
dor como ter criatividade na hora de usar uma estrutura narrativa gasta. O efeito dos cavalos-marinhos
descendo no cenário (Anexo 5, figura 47) também pareceu uma saída original para a estrutura narrativa
do programa: ofereceu um estímulo a mais para manter a atenção do espectador, mas não sobrecarregou
o sintagma com efeitos.

161
QUADRO 10 – ANÁLISE DO PROGRAMA “QUERIDO TITIO”

Título do programa: “Querido titio”

O título compõe a série “Agora é com vocês”

Duração: 8 minutos

Produção: TV Escola / MEC, 1997

Direção: Sérgio Giron

Story line – Beleza quebrou o guarda-chuva que ganhou de presente do tio, e quer escrever para
lhe contar a travessura, fato que cria o pretexto para ensinar o espectador como escrever uma carta.

Argumento – Beleza está com o braço enfaixado porque caiu da árvore e se machucou. Ele pre-
cisa escrever uma carta para seu tio Belo, porque quer contar que fez uma travessura: saltou da árvore
como guarda-chuva que havia ganho do tio, achando que iria plainar, como se estivesse com um pára-
quedas. A experiência não deu certo, e o guarda-chuva está quebrado. Como ele não pode escrever,
pede a ajuda dos primos. Eles decidem fazer a carta no computador, começam, mas não sabem ao certo
como continuar. Pedem ajuda a Vovô Radar e, depois, escrevem a carta.

ROTEIRO

São sete seqüências, que alternam o diálogo entre os quatro personagens, em três locais do ce-
nário: atrás de um tambor, na frente do computador e ao lado da cadeira do Vovô Radar, além do tradicio-
nal musical das joaninhas.

Seqüência 1 (1:07 segundos) – O programa começa com um movimento de câmera mais complexo que
os anteriores. A câmera passeia fazendo o trajeto de uma onda que vai e volta, passando por Vovô Radar,
depois explora aspectos do cenário até chegar em Beleza. Enquanto o zoom vai se aproximando, Venta-
nia entra pela esquerda, compondo uma tomada bastante dinâmica.

Ventania pergunta a Beleza o que houve e ele responde que “foi só um machucadinho à toa”. Mona chega
e pergunta também o que aconteceu. Beleza diz que foi uma travessura que ele fez, via contar, mas antes
gostaria de pedir um favor: precisa escrever uma carta, mas não tem como, já que está com o braço
imobilizado. Ventania concorda em escrever para o primo e se move para buscar lápis e papel. Mas Mona
tem uma idéia melhor: vão escrever no computador novo, que acabou de chegar. A seqüência acaba com
o usual recurso de se esconder atrás de um objeto e reaparecer atrás de outro, na próxima seqüência.

Seqüência 2 (1:05 segundos) - As crianças estão diante da tela do computador. Beleza começa a ditar e
Mona escreve: “Querido titio, estou bem de saúde”, mas Ventania interrompe dizendo que faltou colocar o
nome do tio. Neste momento, aparece a tela do computador, com o texto escrito por Mona. Como as cri-
anças não sabem continuar a carta, vão pedir ajuda ao Vovô Radar.

Corte seco

162
Seqüência 3 (31 segundos) – As crianças se aproximam da cadeira do Vovô Radar e dizem que não
conseguem escrever a carta e que precisam de ajuda. Vovô Radar ensina que “quando alguém escreve
uma carta, precisa saber duas coisas: para quem vai escrever e o que vai contar”. A vinheta anuncia a
entrada das joaninhas do armário.

Seqüência 4 (44 segundos) – ensina um conteúdo

SEG IMAGEM SOM

0–2 Uma vinheta com retalhos de estampas Efeito sonoro enfatizando o movimento dos reta-
diferentes que se movimentam introdu- lhos
zem o “musical” (Anexo 2, figuras 9 a
15): a câmera se aproxima de um armá-
rio. As portas se abrem sozinhas e sur-
gem dois bonecos em forma de joaninhas

As Joaninhas se chacoalham e caminham


da esquerda para a direita e vice-e-versa “Para começar uma carta / nunca esquecer local
3 – 42
no mini-cenário. e data / naturalmente, a gente escreve para al-
guém / logo, cumprimento é importante também /
querida Jô, tenho novidades / escrever cartas é
muito bom para manter as amizades / o assunto,
é claro, é o principal / mas é muito importante
assinar lá no final / espero que você goste da
minha cartinha / um beijo e um abraço da amiga
Aninha.”

Efeito sonoro enfatizando o movimento dos reta-


A mesma vinheta faz o movimento contrá- lhos
43 - 44 rio e fecha os retalho

Seqüência 5 (1:24 segundos) – Ao encerrar a vinheta, ao fundo volta a imagem das crianças com o Vovô
Radar, mas a tomada começa com um movimento de câmera, que parte da extremidade superior de um
armário e desce até enquadrar os quatro personagens em um plano médio. As crianças dizem que a pri-
meira coisa está resolvida, porque sabem que a carta é para o tio Belo. Já o assunto, “complicou”. Beleza,
que sabe qual é o assunto, decide contar a verdade: fez uma travessura e estragou o guarda-chuva que
ganhou do tio Belo. Ao descrever a travessura, o sintagma televisual se organiza a partir de quatro ele-
mentos: 1. Narração de Beleza sobre o episódio; 2. tomadas em plano médio e closes alternados dos
quatro personagens; 3. reprodução da queda de Beleza em ilustrações semelhantes às do episódio “O
seqüestro dos cavalos-marinhos”, porém com algumas animações (Anexo 5, figuras 58 a 62), e fundo
musical para criar expectativa. Quando termina o relato, as crianças já sabem a “segunda coisa” e deci-

163
dem ir escrever a carta. A transição para a tomada seguinte é feita com cada um saindo por uma lateral do
enquadramento e depois surgindo atrás do computador.

Seqüência 6 (39 segundos) – – ensina um conteúdo

SEG IMAGEM SOM

0 – 39 Duas tomadas são alternadas: das “Querido titio: ontem eu fiz uma
crianças escrevendo e da tela do
grande travessura. Subi numa
computador, com o texto escrito (Ane-
xo 5, figura 63). Eles escrevem a árvore com o guarda-chuva e pulei lá de cima.
seguinte carta, com essa organização:
Eu machuquei a mão, mas foi

de leve. O guarda-chuva é que

ficou todo quebrado. Desculpe,

tio! Foi sem querer. Estou com

saudades! Um beijo dos eu

sobrinho Beleza.”

36 - 39
As crianças comemoram o fim da car-
ta.

Seqüência 7 (58 segundos) – Vovô Radar surge em primeiro plano, para fazer o tradicional comentário e
passar a tarefa do episódio: “O Beleza tanto fez que conseguiu contar a história do guarda-chuva”. Venta-
nia também aparece para passar a tarefa: “Que tal escrever uma carta também?”. Vovô Radar continua:
“Escrever cartas é uma forma de ir a lugares distantes e de se comunicar com quem não está presente.
Então, vamos lá! Agora é com vocês!”

COMENTÁRIO

Quatro aspectos principais merecem ser comentados neste episódio. Em primeiro lugar, a crítica
feita à consulta no dicionário do episódio um (“O dono da bola”) parece ter sido resolvida aqui, já que as
crianças, desta vez, ligam o computador, escrevem, e o texto escrito é mostrado para o espectador. Entre-
tanto, em segundo lugar, o recurso foi mal aproveitado. Como pode ser verificado na transcrição da carta e
na figura 63 do anexo 5, o texto que aparece na tela do computador não reproduz a estrutura correta de
uma carta. Se era para mostrar a carta escrita, didático seria colocá-la na estrutura correta. Em terceiro
lugar, os cumprimentos ensinados pelo musical das joaninhas também ficaram faltando na carta produzi-

164
da. Finalmente, há uma falha no roteiro: Ventania cobra de Beleza o nome do tio na primeira carta, mas o
texto final continua sem o nome.

A superestimulação visual foi diagnosticada neste episódio, reproduzindo o estilo criticado por Fer-
22
rés . O diálogo da primeira seqüência, que servem de pretexto para introduzir a seqüência da primeira
carta escrita, está assim organizado:

Duração total da tomada: 1:07 segundos

00:00 – 00:12 – movimento da câmera pelo cenário, com o fundo musical característico da intro-
dução.

00:12 – 1:17 – desenvolvimento do seguinte diálogo:

Ventania: Oi Beleza!

Beleza: Oi Ventania...

Ventania: Ih, Beleza, você está triste. O que foi isso no seu braço?

Beleza: Ah, nada de grave não. É só um machucadinho à toa.

Mona: Ué, Beleza, o que foi que aconteceu com a sua mão?

Beleza: Foi uma travessura que eu fiz. Prometo contar pra vocês como foi, mas antes eu quero pedir um
favor.

Mona: Que favor?

Beleza: É o seguinte: eu preciso escrever uma carta para o meu tio, e o meu braço está machucado. Eu
não consigo escrever, e preciso da ajuda de vocês.

Ventania: E como é que a gente pode ajudar?

Beleza: Eu falo, e um de vocês escreve.

Ventania: Tá bom, vou buscar papel e lápis.

Mona: Não! Eu tenho uma idéia melhor. Ao invés de escrever com papel e lápis, podemos escrever no
computador.

Beleza: Ele está aqui?

Mona: Claro, chegou um novo ontem. E ele ainda está aqui.

22 Conforme comentário feito no início deste capítulo.

165
O diálogo (mensagem semântica) é ordenado juntamente com três ordens de mensagens estéticas (fundo
sonoro, enquadramentos e ordenação de três tipos de tomadas: planos médios das três crianças com
closes de cada uma), no seguinte ritmo:

00:12 – plano médio de Mona, Ventania e Beleza

00:13 – close de Ventania

00:14:02 – close de Beleza

00:14:24 – close de Ventania

00:15:02 – close de Beleza

00:17:23 - plano médio de Ventania e Beleza

00:18:19 – continua o plano médio de Ventania e Beleza e Mona entra pelo lado esquerdo do quadro

00:21:21 – close de Mona

00:23:16 – close de Beleza

00:26:06 - plano médio de Mona, Ventania e Beleza

00:29:03 – close de Beleza

00:32:14 – close de Mona

00:34:07 - plano médio de Mona, Ventania e Beleza

00:38:19 – close de Beleza

00:43:07 - plano médio de Mona, Ventania e Beleza

00:48:02 – close de Beleza

00:50:25 – close de Ventania

00:53:16 – close de Ventania, que se movimenta para o lado esquerdo do quadro

00:53:24 – close de Mona com Ventania entrando pelo lado direito do quadro

00:56:01 – close de Beleza

00:56:24 - plano médio de Mona, Ventania e Beleza

1:07:24 – fim da seqüência, ainda em plano médio de Mona, Ventania e Beleza

A quantificação mostra que, em 55 segundos de diálogo, foram introduzidas 21 tomadas alterando três
closes diferentes com um plano médio. A tomada mais longa dura cinco segundos, e a mais curta dura 22

166
décimos de segundo. É um padrão bem próximo ao da colagem de imagens do videoclipe, com a ressalva
de que se trata de um vídeo didático.

Na seqüência em que Beleza conta como caiu da árvore – quando são introduzidas ilustrações semelhan-
tes às do episódio “O seqüestro dos cavalos-marinhos” – o recursos da ilustração inserida também se
acelerou:

(00:46 – 1:00) “Eu pensava que ia cair bem devagarinho, como uma pena de passarinho. Que nada, caí
igual a uma pedra”

00:46 – 00:47:25 – plano médio dos quatro personagens

00:47:25 – 00:56 – ilustração com animação da queda

00:56 – 00:57:11 – plano médio dos quatro personagens

00:57:11 – 1:00 – nova ilustração da queda (fixa)

1:00 – início da seqüência 6

Ao contrário do episódio dos cavalos-marinhos, em que as ilustrações permaneciam por quatro e até oito
segundos na tela, aqui, a segunda ilustração permaneceu apenas dois segundos e a primeira durou oito,
porém com uma animação, fator que confere agilidade à tomada.

As quantificações parecem constituir uma evidência de que o programa está usando um recurso típico da
TV comercial: já que o diálogo é banal, e pode chatear o espectador, a seqüência é compensada com o
super estímulo visual.

O potencial educativo da imagem também não foi devidamente explorado. Já que a imagem “favorece o
reconhecer”, segundo Ferrés, o roteiro poderia ter aproveitado para mostrar a imagem da diagramação
correta da carta, o que não aconteceu.

167
QUADRO 11 – ANÁLISE DO PROGRAMA “A VIAGEM DO VOVÔ RADAR”

Título do programa: “A viagem do vovô Radar”

O título compõe a série “Agora é com vocês”

Duração: 8 minutos

Produção: TV Escola / MEC, 1997

Direção: Sérgio Giron

Story line – As crianças recebem uma carta do Vovô Radar, que está visitando o Egito, e conta a
história do enigma da esfinge.

Argumento – Mona, Beleza e Ventania estão esperando uma carta do Vovô Radar, que está visi-
tando o Egito. Como eles não sabem ao certo onde o Egito fica, vão verificar no mapa. Mona decide ir até
a secretaria da escola para ver se a carta chegou. Volta com a carta e começa a ler. A leitura é intercalada
com interjeições e comentários de Beleza e Ventania. Assim como nos episódios “O seqüestro dos cava-
los-marinhos”, a narrativa é complementada com ilustrações estáticas, que permanecem no vídeo por
alguns segundos. No final, Beleza e Ventania lamentam não estar no Egito também. Vovô Radar aparece,
vestido de turista e com imagens em chromakey do Egito ao fundo para comentar o aprendizado de uma
viagem como aquela.

ROTEIRO

São seis seqüências que alternam recursos já usados em outros episódios: uma história será nar-
rada por um dos personagens, mas os outros intervém, quebrando a seqüência narrativa em partes. Músi-
ca e efeitos completam o canal sonoro. O canal visual é composto por enquadramentos em plano médio
dos três personagens lendo a carta, além de closes de cada um e das ilustrações. O musical das joani-
nhas explica o que é um enigma.

Seqüência 1 (38 segundos) – O movimento de câmera pelo cenário (com a habitual música de
fundo) enquadra Mona e Ventania. Beleza entra em cena pelo lado esquerdo do quadro e o zoom se en-
cerra em um enquadramento dos três, em plano médio (Anexo 5, figura 64). Beleza diz que está pensan-
do em Vovô Radar: “ Ele não disse que ia mandar uma carta quando chegasse ao Egito”. Mona avalia:
“Pelo tempo que Vovô Radar está viajando, a carta deve chegar a qualquer instante, Beleza”. Ventania
pergunta aos primos se o Egito é muito longe, e eles decidem consultar o Mapa Mundi. A passagem para
a próxima seqüência é feita com o recurso do “esconde aqui, aparece lá”.

168
Seqüência 2 (39 segundos) ensina um conteúdo

SEG. IMAGEM SOM

0-4 As crianças ficam entre um arquivo (na Beleza: “Afinal, esse mapa é para ser usado, não é
frente) e o mapa (Anexo 5, figura 65). Mona?”

A tomada é substituída por um close Fundo musical corriqueiro é substituído por uma me-
5- 16
no dedo indicador de Mona, que pas- lodia semelhante àquelas tocadas por encantadores
seia pela região da África, até localizar de serpentes.
o Egito (Anexo 5, figura 66). As crian-
ças concluem que Vovô Radar está
bem longe.

Planos médios dos bonecos, alterna- Beleza: “ Eu estou louco para receber a carta, porque
17 - 39
dos conforme a seqüência das falas Vovô Radar deve ter histórias incríveis da viagem
para contar”. Ventania: “Será que a carta já não che-
gou? A essa hora, o carteiro já deve ter passado aqui
na escola”. Mona: “É mesmo, vou lá na secretaria ver
se a carta já chegou”.

A passagem para a próxima seqüência é feita com um desfoque da cena, seguido do recurso de
23
fade out e fusão com a tomada da próxima seqüência.

Seqüência 3 (1:34 segundos) ensina um conteúdo

SEG IMAGEM SOM

0 - 94 Mona chega com a carta e começa a “Caros amigos, estou adorando a viagem pelo Egito
abri-la. O gesto é acompanhado de
efeito sonoro para enfatizar a expecta-
tiva das crianças. Ela desdobra o pa-
pel, e começa a ler (Anexo 5, figura
67):

(o efeito sonoro corriqueiro é substituído pela melodia


do encantador de serpentes novamente).
23 No jargão técnico, o termo fade out refere-se ao efeito em que som ou imagem desparaecem gradualmente. O termo fade in, ao contrá-
rio, refere-se ao efeito em que som ou imagem surgem gradualmente.

169
Mona é enquadrada em plano médio do encantador de serpentes novamente).

Estou vivendo muitas coisas novas. Ontem, foi um


dia impressionante: conheci a esfinge do deserto”.

“Escutem só o que o Vovô Radar conta da Esfinge”.

“Não sei se vocês já ouviram falar dessa enorme


estátua que tem cabeça humana e corpo de leão ...

A câmera enquadra em plano médio o


boneco que está falando

(entra ilustração, que dura 4 segundos


– Anexo 5, figura 71). Ela chega a assustar” (entra efeito sonoro de enfatiza
a sensação de medo).

Ventania: “Nossa mãe!”

Beleza: “Psiu!”

Mona: “Ao ver a esfinge, na hora lembrei de uma


história que ouvi sobre essas estátuas meio leão,
meio humanas”.

Ventania: “Ui, que medo!”

(entra ilustração de Édipo, de perfil, e


dura 2 segundos – Anexo 5, figura Mona: “Essa história conta que, uma vez, um homem
74) chamado Édipo conseguiu enfrentar uma terrível
esfinge...

...que ficava na porta de uma cidade, assustando


(entra ilustração da esfinge, que dura 5
todo mundo”.
segundos – Anexo 5, figura 72)

Beleza: “Uaaaaaá” - assustando Ventania, que retru-


Enquadramento em Beleza e Ventania
ca - “Pára, Beleza!”.

Mona: “Deixem eu continuar! “Para passar por ela, as


pessoas precisariam responder uma pergunta com-
plicada, tipo brincadeira de adivinhação. Só que sem
graça nenhuma. Essa pergunta ficou conhecida co-

Entra a vinheta do musical. mo o enigma da esfinge.”

170
Seqüência 4 (34 segundos) – ensina um conteúdo

SEG IMAGEM SOM

0–2 Uma vinheta com retalhos de estampas Efeito sonoro enfatizando o movimento dos reta-
diferentes que se movimentam introdu- lhos
zem o “musical” (Anexo 2, figuras 9 a
15): a câmera se aproxima de um armá-
rio. As portas se abrem sozinhas e sur-
gem dois bonecos em forma de joaninhas

As Joaninhas se chacolham e caminham


da esquerda para a direita e vice-e-versa Com melodia de teclado em estilo “psicodélico”:
3 – 42
no mini-cenário.
“Um enigma é complicado / é sempre uma inter-
rogação/ é difícil de decifrar/ tem que usar a ima-
ginação / Um enigma é um desafio / uma aventu-
ra / uma emoção / Se você quer quebrar a cabeça
/ vá atrás da solução / usa coroa mas não é rei /
tem escama mas não é peixe / o que será?

A mesma vinheta faz o movimento contrá-


Efeito sonoro enfatizando o movimento dos reta-
33 - 34 rio e fecha os retalho
lhos

Seqüência 5 (2:29 segundos) ensina um conteúdo

SEG IMAGEM SOM

0 - 149 Closes e planos médios de cada boneco, Mona: “Depois de perguntar o terrível enigma, a
além de planos abertos incluindo dois ou estátua ameaçava dizendo: ‘decifra-me ou te
todos são alternados, seguindo a ordem devoro’ “
dos diálogos.
Ventania: “Puxa! E o que acontecia?”

Mona: “Aterrorizados, aqueles que passavam, de


tanto medo, não conseguiam pensar. Vocês po-
dem imaginar o que acontecia aos infelizes?”

171
dem imaginar o que acontecia aos infelizes?”

Beleza: “Viravam picadinho, Ventania” (entra efei-


to sonoro de medo).

Ventania: “Ui!”

Mona: “Então, um certo dia, quando Édipo passou


por ali, a esfinge foi logo perguntando, ‘o que é
que anda com quatro pernas de manhã, duas à
tarde e três à noite?”

Ventania: “O que será?”

Beleza: “Eu acho que é...”


(entra ilustração de Édipo respondendo
Mona: “Ele olhou para a esfinge e disse calma-
para a esfinge, e dura 5 segundos – Ane-
mente, ‘é um homem’.
xo 5, figura 73)
Beleza: “Puxa, que interessante”.

Ventania: “Por que é um homem?”

Beleza: “Eu sei, eu sei, eu sou esperto também”


(volta o fundo musical corriqueiro).

Ventania: “Então conta logo, Beleza!”


(entra ilustração do bebê, que dura 4 se-
Beleza: “Ora, comparando a vida do homem em
gundos – Anexo 5, figura 75)
um dia, ao nascer do dia, pela manhã, um bebe-
zinho ...

(entra ilustração de um rapaz, que dura 2


segundos e 14 décimos – Anexo 5, figu-
... engatinha com quatro pernas. À tarde, quando
ra 76)
já está crescidinho, ele ...

(entra ilustração de velho com bengala,


... anda com as duas pernas e, à noite, quando o
que dura 5 segundos- Anexo 5, figura
dia acaba, ele já está velhinho, e é preciso usar
77)
uma bengala para andar. Por isso, tem três per-
nas”.

Mona: “É isso mesmo, Beleza. Mas posso conti-


nuar a ler a carta?”

172
Beleza e Ventania respondem juntos: “Vamos lá,
Mona!”

Mona: “E o esperto Édipo, por ter vencido a esfin-


ge, foi coroado e passou então a ser chamado
Édipo Rei”.

Ventania: “Que sorte a dele, não é?”

Mona: “É verdade. E o vovô termina a carta as-


sim: ‘já estou aqui escrevendo a um tempão. Paro
então por aqui porque, daqui a pouco, sai a ex-
cursão que vai visitar a misteriosa pirâmide de
Queops. Eu prometo que, na próxima carta, conto
esta visita para vocês. Um grande abraço, e até a
volta. Assinado, Vovô Radar”.

Beleza: “ Que legal! Visitar uma pirâmide, eu que-


ria estar lá também”.

Seqüência 6 (45 segundos) – Vovô Radar é enquadrado em plano médio, com óculos escuros,
chapéu e câmera fotográfica. No fundo, imagens das pirâmides em chromakey criam uma tomada ágil
(Anexo 5):

“ Amigos, acabei de visitar as pirâmides. Elas são maravilhosas. O Beleza e o Ventania, quando
eu contar, vão ficar impressionados com o tamanho delas. Sabem, eu adoro viajar e passear, para viver
aventuras e descobrir coisas novas. E também foi muito legar dividir essa viagem com vocês, não é mes-
mo? Experimente você, que está sentado aí na poltroninha, contar para seus colegas alguma história de
passeio ou viagem que viveu. Você também vai sentir como é bom contar histórias. Agora é com vocês!”.

COMENTÁRIO

O último programa da série também envolve a expressão oral registrada em uma carta, unindo,
de certo modo, os temas dos episódios “O seqüestro dos cavalos-marinhos” e “Querido titio”. Novamente,
o timing preciso, com diálogos curtos, interjeições, efeitos sonoros e inclusão de ilustrações tornam a
narrativa ágil e estimulante para o espectador.

No último episódio, os personagens enfim nomeiam o cenário em que vivem: aquela mistura de
depósito com sala de aula fica na escola.

173
O conteúdo é inicialmente didático: as crianças localizam o Egito no mapa e a carta se resume a
contar uma história da mitologia e as joaninhas explicam o que é um enigma.

Entretanto, como já foi verificado em outros episódios, o tratamento do conteúdo acaba sendo su-
perficial e com lacunas. Ao retratar o mito do enigma da esfinge, a carta de Vovô Radar não menciona a
origem da história. Para ser efetivamente didático, o episódio deveria ser mais abrangente e tratar de
aspectos como a mitologia, as civilizações antigas, os autores que escreveram essas histórias e permiti-
ram que elas chegassem até nós.

O problema identificado no tratamento do assunto neste último episódio é significativo para com-
provar, mais uma vez, a influência da estética da cultura de massa nos vídeos. De fato, uma das críticas
dos apocalípticos, segundo Eco, refere-se ao fato de que os produtos midiáticos oferecem pequenas pílu-
las de conteúdo, dificultando a compreensão de um evento com abrangência, profundidade e criticidade. É
o que parece ter acontecido com o vídeo didático que enfocou o enigma da esfinge.

Além disso, como poderá ser conferido no capítulo 6, a seguir, um dos critérios de qualidade para
vídeos didáticos que tratam de conteúdos relativos à História (e o mito do Enigma da Esfinge se enquadra
nessa categoria) é a inclusão de informações precisas.

A explicação complementar do enigma no musical está excepcionalmente empobrecedora: ao in-


vés de apelar para idéias como “desvendar um enigma é sempre uma emoção”, as joaninhas seriam mais
didáticas na medida em que enfatizassem, por exemplo, a importância do raciocínio.

Finalmente, a tarefa do Vovô Radar foi redundante. Contar uma história já havia sido a tarefa do
episódio “O seqüestro dos cavalos-marinhos”. Já que se trata de uma série, e que, provavelmente será
utilizada inteira pelo professor, talvez fosse mais conveniente propor uma atividade nova, como descobrir
e resolver enigmas, por exemplo. Ou então pesquisar na biblioteca sobre histórias da mitologia.

174
Comentário sobre a série “Agora é com vocês” – 5 programas

A análise mais abrangente da série “Agora é com vocês” foca dois aspectos: 1. os con-
teúdos escolares objetivamente ensinados nos oito episódios e 2. o tratamento dado aos conte-
údos, através de recursos típicos da linguagem televisiva. Em relação aos conteúdos, o “saldo
final” é o seguinte:

QUADRO 12 – RELAÇÃO DE CONTEÚDOS TRATADOS NA SÉRIE “AGORA É COM VOCÊS”

- importância da partilha para a convivência em comunidade

- uso de expressões que demonstrem educação

- o que é egoísmo

- diversidade de expressões e sotaques na língua portuguesa

- influência de outros povos na língua falada no Brasil

- diversidade de símbolos existentes para representar idéias

- palavras que têm sons semelhantes mas significados diferentes

- importância de se expressar verbalmente com clareza para ser compreendido

- pronúncia de sílabas complicadas da língua portuguesa

- estrutura da narrativa de ficção (com final feliz)

- como escrever uma carta

- fazer travessuras pode nos machucar

- uma travessura pode trazer prejuízos materiais

- mitologia antiga

Como era de se esperar numa série de vídeos da área de Língua Portuguesa, os pro-
gramas enfatizam questões próprias da linguagem – 10 dos 14 temas encontrados fazem isso.
Outros três temas referem-se a normas sociais de comportamento e um se refere a um conteú-
do cultural clássico: a mitologia. Como é proposta do governo, os vídeos promovem a interdisci-
plinariedade, ao relacionar conteúdos de Língua Portuguesa com outros temas. À primeira vista,

175
portanto, os vídeos estudados estão cumprindo a função didática para a qual foram planejados.
Mas a análise da linguagem televisiva empregada pode comprometer o objetivo original.

Assim, o exame da série completa revelou aspectos positivos e negativos do tratamento


dados aos conteúdos. Como aspectos positivos estão as notações previstas no roteiro para re-
forçar um conteúdo importante (como no caso dos ideogramas do episódio “Os sistemas de
escrita), a ênfase na correção (quando Mona salienta o modo correto de ler uma palavra durante
o jogo do episódio “Trava-língua”) ou o timing adequado para tornar um diálogo interessante,
porém num ritmo adequado para a linguagem didática (como no episódio “O seqüestro dos ca-
valos-marinhos”).

Por outro lado, alguns aspectos comprometem o gênero didático. Em primeiro lugar, o
musical padronizado, usando uma melodia de máquina de videokê, aproxima-se muito de pro-
dutos típicos da indústria cultural, como discos gravados por apresentadoras de programas in-
fantis da TV comercial (legitimamente criticados por educadores). Alguns roteiros apresentam
falhas de continuidade, como o episódio da carta, em que os ensinamentos não foram de todo
aplicados na produção final, ou como a ligação sem lógica entre o comportamento egoísta de
Beleza e as palavrinhas mágicas, conforme comentário do episódio “O dono da bola”.

Os roteiros parecem ter muita habilidade para lidar com as imagens, mas pecam quando
precisam utilizar o texto escrito na tela, conforme os problemas apontados na seqüência da
consulta ao dicionário, no episódio “O dono da bola” e na aparência da carta, no episódio “Que-
rido titio”.

Os recurso usados para construir os ganchos da serialidade são bastante previsíveis:


música de abertura, movimento de câmera passeando pelo cenário no início do episódio e se
encerrando no zoom sobre o personagem, vinheta com grafismos para introduzir o musical, o
musical em si, o bordão final “Agora é com vocês!”. São recursos comumente encontrados em
programas do tipo “Zorra Total”, da TV Globo, por exemplo.

Beleza é um personagem bem estruturado: egocêntrico mas simpático e sempre debo-


chado. Haja visto o inesperado final que ele deu à história do seqüestro: assim que a menina
fada contou seu problema, o príncipe Beleza virou as costas e foi embora. Ou o trecho em que
ele explica que o monstro estava criando os cavalos-marinhos para “comer com pão”. A caracte-
rização visual do personagem também é significativa: enquanto Ventania usa boné e Mona usa
maria-chiquinha no cabelo, Beleza usa óculos escuros daqueles típicos de meninos de 10 anos.

Finalmente, um problema central pode ser generalizado para todos os episódios: con-
forme a suspeita inicial, a estética típica dos produtos da indústria cultural é marcante na lingua-
gem televisiva empregada.

176
Em primeiro lugar, foi identificado o superestímulo obtido, principalmente, com alternân-
cia de tomadas curtíssimas para o ritmo de processamento do cérebro (algumas com 2 décimos
de segundo de duração), ausência de silêncio para permitir reflexão sobre o conteúdo tratado
(quase não há silêncio: sob os diálogos há sempre uma melodia alternada com efeitos sonoros)
e efeitos gráficos que suplantam problemas de coerência e coesão no roteiro.

Em segundo lugar, como já apostavam os apocalípticos de Umberto Eco, os conteúdos


educativos são tratados com superficialidade e de modo fragmentado. Haja visto o problema do
episódio do enigma da esfinge ou da causa para as variações na língua portuguesa falada pelos
brasileiros.

Em terceiro lugar, como já havia alertado Adorno, a cultura de massa padroniza a men-
sagem para atender públicos e consumidores e essa padronização é identificada nos vídeos da
série. O guia da TV Escola informa que eles são destinados ao Ensino Fundamental, mas não é
possível saber para quais séries. Alguns programas são muito elementares, mas outros abor-
dam conteúdos mais complexos (basta comparar o episódio “O dono da bola” com o “Trava-
língua”, por exemplo). Os produtores poderiam argumentar que fazem materiais diversos para
que o professor escolha. Mas é legítimo aplicar ao vídeo um critério de organização menos pre-
ciso que aquele do livro se são ambos materiais didáticos?

Pode ser exagero, mas convém tecer um último comentário: embora enfoquem os pro-
blemas da linguagem, em nenhum momento os vídeos tocam em questões como o pensar so-
bre a linguagem e o pensar sobre o pensar, como recomendam Jerome Bruner e Neil Postman.
Uma pedagogia emancipadora, ainda que implementada pela televisão, deveria priorizar essas
questões. Por se tratar de vídeos didáticos, preparados para serem usados no ensino formal, os
roteiros deveria incluir passagens que explicassem as lacunas diagnosticadas.

177
VÍDEOS DA SÉRIE

“ORTO E GRAFIA”

178
QUADRO 13 – ANÁLISE DO PROGRAMA “LINGÜIÇA”

Título do programa: “Lingüiça”


O título compõe a série “Orto e Grafia”
Duração: 3’29’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, 1999/2000
Direção Andréa Pasquini

Story line – Diálogos travados no cotidiano de uma família formada por pai, mãe e um casal de filhos
servem de pretexto para ensinar ortografia da língua portuguesa (Ver anexo 6, figuras 78 a 81, com a
caracterização dos personagens).

Argumento – O programa começa com uma esquete em que a personagem Tininha, a filha, está
passando mal porque comeu lingüiça. Surf, o irmão, fica irritado com o comportamento dela, que só
chora. A mãe repreende o filho, porque ele não é solidário com Tininha. No final, o irmão, sentindo-se
injustiçado, desanda a chorar também. A mãe fica desconsolada com o comportamento dos filhos. O
diálogo ensina a ortografia de palavras que usam e que não usam o trema. Após a esquete, o pro-
grama se desdobra em dois quadros principais. No primeiro, os personagens do pai e da mãe fazem
as vezes dos apresentadores “Orto” e “Grafia” (anexo 6, figura 79). Esses apresentadores reapresen-
tam as palavras destacadas na esquete. No segundo quadro, eles propõem um ditado e o corrigem
no final. A cada episódio, a esquete muda, e mudam as palavras destacadas. As vinhetas e as se-
qüências que introduzem a reapresentação das palavras e o ditado são repetidas, exatamente do
mesmo jeito, em toda a série.

ROTEIRO

Vinheta de abertura - 11 segundos


Sobre fundo musical, uma caricatura passeia em close pela tela, diminui de tamanho e se instala no
canto superior esquerdo da tela. O formato oval do rosto caricato faz as vezes da letra “O” na forma-
ção da palavra “ORTO”. Na seqüência,a letra “e” entra rolando e se instala abaixo da caricatura. As
letras da palavra “GRAFIA” são puxadas por uma mão, num longo braço. Por fim, uma mão fazendo o
gesto de positivo “ajeita” as letras do logotipo (anexo 8, figuras 92 a 99). A tela fica preta por menos
de um segundo e um efeito gráfico de cortina introduz a primeira cena da esquete (anexo 7, figuras
88 a 91)

Seqüência 1 – (2:06 segundos)


Os personagens mãe, filha e filho estão na cozinha de casa . Eles estão sentados ao redor da mesa.
Ao fundo há uma pia e uma janela com cortinas. No lado direito há uma geladeira com design antigo.
A menina chora sem parar, e o menino reclama. Eles travam o seguinte diálogo:

SEG IMAGEM SOM


00: 11 Os bonecos estão sentados ao redor Filha: chora sem parar
da mesa da cozinha. Ao fundo, há
uma pia, uma geladeira e uma jane- Filho: Ô menina chata! Vive reclamando, vive
la. fazendo escândalo! Mas que saco!

Mãe: Calma, calma, minha filhinha. Já vai pas-


sar. Espera só mais um pouquinho, tá?

Filho: Tudo isso, essa armação toda só por


causa de uma ...

Efeito sonoro de mola

00:32 – Introdução de uma tarja preta na ... lingüiça!


00:37 base da tela com a palavra “lingüiça” Se fosse por causa de uma feijoada inteira.
escrita em letras de fôrma minúscu- Tenha dó mãe!
las (exemplo no anexo 15, figura

179
146). Mãe: Não amola Surf!. Ela não tem culpa, devia
estar estragada, eu acho.
00:37 Some a tarja preta
Filho: Estragada? Todo mundo comeu! Ela
comeu umas quinhentas. E você vem me dizer
que estava estragada! Só ela faz escândalo
nesta casa.

Mãe: Vamos...

1:00 – 1:05 Introdução de uma tarja preta na Efeito sonoro de mola


base da tela com a palavra “aguar- ... aguardar só mais um pouquinho , que o re-
dar” escrita em letras de fôrma mi- médio vai começar a fazer efeito.
núsculas.
1:05
Some a tarja preta Filho: Vamos aguardar mais um pouquinho e...

1:08 – 1:13 Efeito sonoro de mola


Introdução de uma tarja preta na agüentar essa tortura! Essa chatice!
base da tela com a palavra “agüen-
tar” escrita em letras de fôrma mi-
1:13 núsculas. Mãe: Você é um chato de galocha. E, se não
maneirar com a sua irmã, vai ver o que aconte-
Some a tarja preta ce!
1:17 – 1:22
Efeito sonoro de mola
Introdução de uma tarja preta na Enquanto a gente espera, que tal você acabar
base da tela com a palavra “enquan- o seu lanche e se mandar daqui?
1:22 to” escrita em letras de fôrma mi-
núsculas. Filho: Mãe! Você está me mandando embora?
Mas que mãe desnaturada! Você tem coragem
Some a tarja preta de falar assim com seu filho? Sangue do seu
sangue? Enxotando seu filho assim, sem mais
nem menos, como se fosse uma galinha? Ain-
da mais depois de tanto tempo que eu...

1:45 Introdução de uma tarja preta na Efeito sonoro de mola


base da tela com a palavra “agüen- ... agüentei essa chata!
tei” escrita em letras de fôrma mi-
núsculas.

1.50 Some a tarja preta Filha (pára de chorar): Eu já estou melhorando,


viu Surf?

Filho: Ah, é? Agora eu é que vou fazer escân-


A mãe apóia os dedos sobre os dalo, porque você me mandou embora (começa
olhos e abaixa a cabeça, num gesto a berrar)
de desolação com o comportamento
dos filhos.

2:06 FIM DA ESQUETE

VINHETA (6 segundos)
Sobre fundo musical, a frase “Vamos ler de novo? É animada com letras coloridas que dançam na
tela. Um efeito sonoro arremata a animação (Anexo 9, figuras 100 a 103).

Seqüência 2 – (2 segundos)
A boneca que representa a mãe e o boneco que representa o pai fazem as vezes dos apresentadores
“Orto” e “Grafia”, num cenário composto por uma mesa em frente a prateleiras de livros. Duas penas
dentro de um frasco de caneta tinteiro decoram a mesa. O boneco olha para o espectador e diz:
“Neste programa, você aprendeu a escrever...” (Anexo 9, figura 104).

180
Seqüência 3 – (12 segundos)
Sobre um fundo vermelho, as palavras destacadas nas tarjas pretas durante a esquete são reapre-
sentadas, escritas em letra de fôrma minúscula, na cor amarela. A letra “u” com e sem trema vem de
em branco. A cada palavra que surge, há um efeito sonoro de campainha. A voz em off da boneca lê
as palavras: Lingüiça – aguardar – enquanto – agüentar. (Anexo 9, figura 105).

Seqüência 4 – (2 segundos)
A câmera foca apenas a boneca mulher no mesmo cenário da seqüência 2. Ela olha para o especta-
dor e diz: “ Guardou? Não vá esquecer, heim?”

VINHETA (7 segundos)
Sobre fundo musical, a frase “Escreva você mesmo” é animada com letras coloridas que dançam na
tela. Um efeito sonoro arremata a animação (Anexo 10, figuras 106 a 109)

Seqüência 5 (14 segundos)


No mesmo enquadramento da seqüência 4, a boneca olha para o espectador e diz:
“Já que você aprendeu essas palavras, adivinhe como se escreve tranqüilo, adequado, conseqüên-
cia, seqüestro”.

VINHETA (12 segundos)


Os bonecos interagem com cubos feitos de tecido, em que estão escritos os números de dez a um. A
pista sonora traz música e efeitos. Eles se alternam, cada um mostrando um bloco. No número um,
eles aparecem juntos, a boneca beija a bochecha do boneco. Um efeito sonoro reforça o beijo. (Ane-
xo 11, figuras 111 a 121)

Seqüência 6 (3 segundos)
O boneco, no mesmo cenário da mesa com as prateleiras de livros, e em enquadramento semelhante
ao da boneca nas seqüências 4 e 5, olha para o espectador e diz: “Muito bem! Você acertou! É assim
que se escreve...” (Anexo 12, figura 122)

Seqüência 7 (9 segundos)
Sobre um fundo vermelho, as palavras ditadas pela boneca na seqüência 5 são escritas em letra de
fôrma minúscula, na cor amarela. A letra “u” com e sem trema vem de em branco. A cada palavra que
surge, há um efeito sonoro de campainha. A voz em off da boneca lê as palavras tranqüilo – adequa-
do – conseqüência - seqüestro”. (Exemplo no Anexo 12, figura 123).

Seqüência 8 (4 segundos)
Os dois bonecos apresentadores, ainda no cenário da mesa com as prateleiras de livro, em enqua-
dramento aberto, acenam com as mãos e dizem “tchau”. A pista sonora reproduz um fundo musical.
Um grafismo em forma de cortina, com o logotipo da TV Escola, fecha o cenário. (Anexo 12, figuras
124 a 127).

COMENTÁRIO

Os programas da série “Orto e Grafia” sempre usam uma esquete com conotação
humorística, cujos diálogos incluem palavras escritas com ortografia semelhante e também
palavras que podem ter a ortografia confundida como, por exemplo, “agüentar” e “aguardar”,
no episódio “Lingüiça”, que enfoca o uso do trema.
A esquete, apesar de ter como principal função atrair a atenção do espectador para
as palavras, também é o momento em que o vídeo comunica valores.
A exemplo da esquete humorística seriada na TV comercial, nesses trechos, é preci-
so sempre gerar um conflito para ser resolvido (ou endereçado) de alguma forma. No episó-
dio em questão, a normalidade é quebrada com o mal estar de Tininha. Surf reclama da
choradeira da irmã e é repreendido pela mãe. Como um típico garoto egocêntrico, ele não
se conforma de ter levado um pito e começa a fazer manha também. E a esquete acaba.

181
O espectador adulto pode identificar ali o reforço de um típico comportamento de cri-
ança. Para o espectador criança, fica a lição de que, quando a gente se sente preterido,
deve armar um berreiro...
Em relação ao sintagma televisivo, o programa parece empregar os recursos de ma-
neira adequada ao propósito pedagógico, que é ensinar ortografia apelando para a memória
visual do espectador. A esquete cria empatia e as palavras são apresentadas nos canais
visual e sonoro, enfatizadas com o recurso da tarja preta (Anexo 15, figura 146) e do efeito
de cartoon. Já que o objetivo é estimular a memória, a seqüência imediatamente seguinte
repete todas as palavras, porém com visual diferente: elas aparecem uma a uma, fixas na
tela e com a regra de ortografia do episódio destacada (Anexo 9, figura 105). A seqüência
seguinte, a do ditado, cria uma situação para que o espectador pense por hipótese, a partir
dos sons e sinais gráficos que acabou de aprender, e adivinhe como são escritas palavras
com sons semelhantes. No final, o ditado é corrigido. O timing do vídeo também é bastante
didático. As palavras ficam em média 2 segundos na tela, às vezes até por 3 ou 4 segundos.
Cada uma das etapas é devidamente marcada por uma vinheta, que desliga a atenção da
seqüência anterior e prepara o espectador para a próxima fase. A leitura das palavras tanto
na seqüência da revisão da esquete quanto na do ditado é feita sem fundo musical, o que
valoriza a sonoridade da palavra em si. O efeito sonoro serve para dar ritmo à fala, mas não
parece desviar a atenção.
Talvez a seqüência da correção do ditado tenha um problema: Orto sempre começa
com a frase “Muito bem! Você acertou! É assim que se escreve...”. É claro que recursos co-
mo esse servem para criar laços emotivos entre o emissor e o receptor da mensagem, facili-
tando a comunicação em um canal é unidirecional como é o vídeo didático. Entretanto, com
o passar do tempo, pode gerar uma distorção: algumas vezes, o aluno vai acertar, outras
não. E sempre vai ouvir o mesmo bordão. O bordão pode soar artificial, ou até irônico. Tal-
vez fosse mais adequada uma frase menos enfática, mas que não oferecesse problemas.
Algo como “Será que você acertou?”. Não seria uma “palavra de ordem”, como é comum
acontecer em mensagens publicitárias que precisam obter a adesão do espectador. Entre-
tanto, num vídeo didático, em tese, não há problema no uso de mensagens não tão enfáti-
cas. Poderia ser uma solução melhor.

182
QUADRO 14 – ANÁLISE DO PROGRAMA “PROSTRADO”

Título do programa: “Prostrado”


O título compõe a série “Orto e Grafia”
Duração: 3’21’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, 1999/2000
Direção Andréa Pasquini

Story line – Novamente, os diálogos travados no cotidiano de uma família formada por pai, mãe e um
casal de filhos servem de pretexto para ensinar ortografia da língua portuguesa.

Argumento – No programa 2, o casal está conversando na cozinha. O marido, com ar reflexivo, la-
menta a passagem do tempo, o fato de ver os filhos grandes e de estar ficando velho. A mulher tenta
animá-lo. Ele insiste em permanecer cabisbaixo. Ela fica brava e vai embora, dizendo que não é ve-
lha. O diálogo serve de pretexto para ensinar palavras com a grafia do “r” forte ou fraco.
Após a esquete, o programa se desdobra nos dois quadros principais, de forma estruturalmente idên-
tica ao programa 1. No primeiro quadro, os personagens do pai e da mãe fazem as vezes dos apre-
sentadores “Orto” e “Grafia” (anexo 6, figura 79). Esses apresentadores reapresentam as palavras
destacadas na esquete. No segundo quadro, eles propõem um ditado e o corrigem no final. As vinhe-
tas e as seqüências que introduzem a reapresentação das palavras e o ditado são repetidas, exata-
mente do mesmo jeito.

ROTEIRO

Vinheta de abertura (11 segundos)


Repete-se a vinheta do primeiro programa

Seqüência 1 – Esquete (1:22 segundos)

Na esquete, os bonecos travam o seguinte diálogo:

SEG IMAGEM SOM


00: 00 A mulher trabalha na pia, de costas Mulher: O que você está fazendo parado aí?
para o espectador, cantarolando. O
homem está sentado com os cotove- Homem: Eu? Nada não.
los apoiados na mesa, cabisbaixo.
Mulher: Você está …
Introdução de uma tarja preta na
00:17 base da tela com a palavra “prostra- (efeito sonoro)
do” escrita em letras de fôrma mi- … prostrado…
núsculas.
Você está se sentindo bem?
Some a tarja preta
00:22
Homem: Ah, estou um pouco…
Introdução de uma tarja preta na
00:22 base da tela com a palavra “pertur- (efeito sonoro)
bado” escrita em letras de fôrma Perturbado…
minúsculas.
sabe?
Some a tarja preta
00:22
Mulher: O que houve?

Homem: Nossos filhos, eles estão crescendo!

Mulher: É, o tempo vai passando, a gente vai

183
ficando velho.

Homem: Você não está…


Introdução de uma tarja preta na
00:28 base da tela com a palavra “surpre- Efeito sonoro
sa” escrita em letras de fôrma mi- surpresa?
núsculas.

Some a tarja preta Mulher: Não. Para falar a verdade, eles cresce-
00:33 ram tão depressa, que eu nem tive tempo de
me…
Introdução de uma tarja preta na
00:34 base da tela com a palavra “surpre- (efeito sonoro)
ender” escrita em letras de fôrma surpreender.
minúsculas.

Some a tarja preta


00:38 Homem: Eles eram do tamanho de uma…
Introdução de uma tarja preta na
base da tela com a palavra “lagarti- (efeito sonoro)
xa” escrita em letras de fôrma mi- lagartixa…
núsculas.
e agora estão do tamanho de um jacaré!
Some a tarja preta
00:40 Mulher: Nossa! Que comparação mais…
Introdução de uma tarja preta na
00:41 base da tela com a palavra “zoológi- (efeito sonoro)
ca” escrita em letras de fôrma mi- Zoológica…
núsculas.

Some a tarja preta … que mal gosto.Acho que a gente deve fazer
00: 46 alguma coisa divertida. Vamos!

Homem: Por quê?

Mulher: Ah! Pra gente se distrair, esquecer


essas coisas. A gente precisa de um pouco de
diversão, de…
Introdução de uma tarja preta na
00:55 base da tela com a palavra “entrete- (efeito sonoro)
nimento” escrita em letras de fôrma entretenimento!
minúsculas.
Homem: É, minha velha, você tem razão.
Some a tarja preta
00:59 Mulher: Não me chame de velha! Velha,nunca!
Você está pensando o quê? Você sim é que
está velho…
Introdução de uma tarja preta na
1:04 base da tela com a palavra “boroco- (efeito sonoro)
xô” escrita em letras de fôrma mi- borocoxô…
núsculas.
cheio de mania. Quer saber de uma coisa?
Some a tarja preta
1:09 Homem: Eh, ah…desculpa, foi sem querer!

Mulher: Querendo ou não, você fica em casa,


que eu vou sair e me divertir. Seu velho gros-
1:15 A mulher vira as costas para o mari- seiro!
do, e sai se sacudindo. Antes de
passar pela porta, olha para trás e Efeito sonoro
faz uma careta. Fundo musical de chorinho.

1:22 FIM DA ESQUETE

184
VINHETA (6 segundos)
“Vamos ler de novo?”, igual ao primeiro programa.

Seqüência 2 (2 segundos)
Igual ao primeiro programa. Orto olha para a câmera e diz: “Neste programa, você aprendeu a escre-
ver...”

Seqüência 3 (20 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras destacadas nas tarjas pretas durante a esquete são reapre-
sentadas, escritas em letra de fôrma minúscula, na cor amarela. A cada palavra que surge, há um
efeito sonoro de campainha. A voz da mulher, em off, lê as palavras:
Prostrado – perturbado – surpresa – surpreender – lagartixa – zoológico – entretenimento - borocoxô

Seqüência 4 (2 segundos)
Igual ao primeiro programa. Grafia olha para a câmera e diz: “Guardou? Não vá esquecer, heim?”.

VINHETA (7 segundos)
“Escreva você mesmo”, igual ao primeiro programa.

Seqüência 5 (23 segundos)


No mesmo enquadramento da seqüência 4, a boneca olha para o espectador e diz:
“Já que você aprendeu essas palavras, adivinhe como se escreve lagarto, bugiganga, contingente,
adivinhar, reivindicar, frustrado”.

VINHETA (12 segundos)


Bonecos interagindo com os cubos numerados de dez a um, igual ao primeiro programa.

Seqüência 6 (5 segundos)
“Muito bem! Você acertou! É assim que se escreve...”, igual ao primeiro programa.

Seqüência 7 (11 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras ditadas pela boneca na seqüência 5 são escritas em letra de
fôrma minúscula. A voz em off dela lê as palavras que estão aparecendo na tela:
Lagarto – bugiganga – contingente – adivinhar – reivindicar – frustrado.

Seqüência 8 (4 segundos)
Seqüência do tchau, igual ao primeiro programa.

COMENTÁRIO

A esquete do episódio “Prostrado” ensina o uso do “r” forte ou fraco, em situações


como “perturbado” e “surpresa”. O conflito é gerado pela crise existencial do pai, que está
surpreso como o tempo passou rápido e fez as crianças crescerem depressa. A mãe tenta
animá-lo, mas ele insiste na melancolia. Ela fica brava e se ofende quando ele a chama de
velha, largando-o sozinho com os seus pensamentos. Aparentemente, tem-se aqui mais
uma típica discussão de casal. Mas o olhar atento revela o que a esquete ensina: a melan-
colia é problema de quem a tem. Quem não sofre, vai curtir a vida.
Como se trata de uma série que desenvolve os episódios sempre dentro da mesma
estrutura, os comentários sobre a linguagem utilizada se repetem: emprego adequado dos
recursos para enfatizar a grafia e a sonoridade das palavras, redundância para exercitar a
memória, ordenação construída com vinhetas, timing didático.

185
QUADRO 15 – ANÁLISE DO PROGRAMA “CHICLETE”

Título do programa: “Chiclete”


O título compõe a série “Orto e Grafia”
Duração: 2’50’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, 1999/2000
Direção Andréa Pasquini

Story line – Novamente, os diálogos travados no cotidiano de uma família formada por pai, mãe e um
casal de filhos servem de pretexto para ensinar ortografia da língua portuguesa.

Argumento – No programa 3, a mãe tenta dar remédio para o filho, Surf, que não quer tomá-lo. O pai
aparece e tenta amenizar a situação, oferecendo prêmios ao filho, desde que ele aceite tomar o re-
médio. A mãe os repreende, dizendo que o filho vai tomar porque precisa e pronto. Quando o filho se
distrai, ela enfia o frasco na boca dele e o faz engolir a força. O diálogo serve de pretexto para ensi-
nar palavras escritas com “x” e com “ch”. Após a esquete, o programa se desdobra nos dois quadros
principais, de forma estruturalmente idêntica aos programas 1 e 2. No primeiro quadro, os persona-
gens do pai e da mãe fazem as vezes dos apresentadores “Orto” e “Grafia” (anexo 6, figura 79). Es-
ses apresentadores reapresentam as palavras destacadas na esquete. No segundo quadro, eles
propõem um ditado e o corrigem no final. As vinhetas e as seqüências que introduzem a reapresenta-
ção das palavras e o ditado são repetidas, exatamente do mesmo jeito.

ROTEIRO

Vinheta de abertura (11 segundos)

Seqüência 1 (1:15 segundos)

Na esquete, os bonecos travam o seguinte diálogo:

SEG IMAGEM SOM


00: 00 Mãe e filho estão na cozinha da Mãe: Toma, toma tudo direitinho. Engole tudi-
casa, entre a pia e a mesa. A mãe nho.
segura uma garrafa de remédio e
tenta fazer o filho tomá-lo. O filho Pai: Mas o que é isso?
não pára de tossir. O pai entra pela
porta da cozinha. Mãe: Você não ouviu ele tossindo o dia inteiro?

Pai: Mas o que eu perguntei se refere ao remé-


dio. Que remédio é esse?

00:15 Introdução de uma tarja preta na Mãe: Xarope...


base da tela com a palavra “xarope” (efeito sonoro)
escrita em letras de fôrma minúscu-
las. ... xarope de guaco com mel. E, mesmo com
mel, ele acha ruim.
00:20 Some a tarja preta

Pai: Se você tomar o xarope, eu te dou um...

00:22 Introdução de uma tarja preta na (efeito sonoro)


base da tela com a palavra “chiclete” ... chiclete
escrita em letras de fôrma minúscu-
las.

00:25 Some a tarja preta Filho: Uéééé! Que horrível esse xarope. Prefiro
ficar com tosse do que tomar essa porcaria.

186
Mãe: Isso não é porcaria. É xarope. Que...

00:32 Tarja preta com a palavra “chatice” (efeito sonoro)


... chatice

00:36 Some a tarja preta Chega! Tem que tomar e acabou!

00:38 Tarja com a palavra “chocolate” Pai: Em vez de chiclete, eu te dou um...

00:41 Some a tarja preta (efeito sonoro)


... chocolate. Toma o xarope, vai!

Mãe: Pára de fazer...

(efeito sonoro)
00:42 Tarja preta com a palavra “chanta- chantagem com esse menino! Tem que tomar e
gem” não vai ganhar nada. Vai tomar porque precisa
e acabou. Acabou! Chega!
00:45 Some a tarja preta
Filho: Ah! Não quero nem chiclete, nem choco-
late. Que tal uma camisa...

00:56 Tarja preta na base da tela com a (efeito sonoro)


palavra “xadrez” ... xadrez novinha? Que tal, heim, pai?

1: 00 Some a tarja preta


Pai: Uma camisa xadrez?
(efeito sonoro de cartoon)
Mas ela falou para não te dar nada (outro efeito
sonoro de cartoon)

A mãe aproveita que o filho está Filho: Então eu não vou tomar. Chega! Eu vou
com a boca aberta chorando e dá o chorar. Buááááá´...
remédio. O pai fica rindo.

1:15 FIM DA ESQUETE

VINHETA (6 segundos)
“Vamos ler de novo?”

Seqüência 2 (2 segundos)
Orto olha para a câmera e diz: “Neste programa, você aprendeu a escrever...”

Seqüência 3 (20 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras destacadas nas tarjas pretas durante a esquete são reapre-
sentadas, escritas em letra de fôrma minúscula, na cor amarela. A cada palavra que surge, há um
efeito sonoro de campainha. A voz da mulher, em off, lê as palavras:
Xarope – Chiclete – chatice – chocolate – chantagem – xadrez

Seqüência 4 (2 segundos)
“Guardou? Não vá esquecer, heim?”

VINHETA (7 segundos)
“Escreva você mesmo”

Seqüência 5 (23 segundos)


No mesmo enquadramento da seqüência 4, a boneca olha para o espectador e diz:
“Já que você aprendeu essas palavras, adivinhe como se escreve xixi (neste momento, ela olha para
baixo e põe a mão na boca, num gesto de embaraço), chimarrão, xícara.

187
VINHETA (12 segundos)
Bonecos interagindo com os cubos numerados de dez a um.

Seqüência 6 (5 segundos)
“Muito bem! Você acertou! É assim que se escreve...”

Seqüência 7 (11 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras ditadas pela boneca na seqüência 5 são escritas em letra de
fôrma minúscula. A voz masculina, em off dela lê as palavras que estão aparecendo na tela:
Xixi – chimarrão – xícara. No final, ele salienta: “E lembre-se que a palavra xícara tem acento no xi”.

Seqüência 8 (4 segundos)
Seqüência do tchau.

COMENTÁRIO
Na esquete do episódio “Chiclete”, que ensina a grafia de palavras com “x” e com
“ch”, o filho não quer tomar remédio, o pai tenta convencê-lo a tomar em troca de um chicle-
te, depois de um chocolate. A mãe repreende o pai, acusando-o de fazer chantagem, e diz
que é preciso tomar o remédio, e pronto. O filho ainda tenta negociar o xarope por uma ca-
misa xadrez, mas o pai acata a decisão da mãe: “ela disse que não é para te dar nada...”
O conflito parece reproduzir uma situação que povoa o imaginário sobre a educação
dos filhos. A mãe, que está em casa todos os dias, é sempre severa. O pai, que em tese fica
com as crianças nas horas de folga, tende a ser menos rígido e, neste caso específico, um
pouquinho imoral, já que faz chantagem. A lição que fica é que o filho deve fazer o que é
certo, e sem chantagem. Ao contrário dos dois episódios anteriores, este parece endereçar
a esquete para uma solução moral. Logo, é mais adequada a um programa didático.
No campo do tratamento do conteúdo escolar, um novo recurso foi empregado. Ao
corrigir as palavras do ditado, o roteiro inclui uma fala para Orto, que enfatiza o uso do acen-
to gráfico: “E lembre-se que xícara tem acento no xi”. Fica mais didático, obviamente.
Como se trata de uma série que desenvolve os episódios sempre dentro da mesma
estrutura, os comentários sobre a linguagem utilizada se repetem: emprego adequado dos
recursos para enfatizar a grafia e a sonoridade das palavras, redundância para exercitar a
memória, ordenação construída com vinhetas, timing didático.

188
QUADRO 16 – ANÁLISE DO PROGRAMA “XI - CHUVA”

Título do programa: “Xi - Chuva”


O título compõe a série “Orto e Grafia”
Duração: 3’05’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, 1999/2000
Direção Andréa Pasquini

Story line – Novamente, os diálogos travados no cotidiano de uma família formada por pai, mãe e um
casal de filhos servem de pretexto para ensinar ortografia da língua portuguesa.

Argumento – No programa 4, o pai e a mãe se preparam para sair. O pai a espera na sala, nervoso,
reclamando que ela está sempre, sempre atrasada. A mãe aparece, mas lembra que esqueceu o
chapéu, e volta buscá-lo. Reaparece, mas como pegou só o xale, volta para pegar o chapéu. O pai
fica irritadíssimo. Quando a mãe finalmente está pronta, começa a chover e ela desiste de sair... O
diálogo serve de pretexto para ensinar palavras escritas com “x” e com “ch”. Após a esquete, o pro-
grama se desdobra nos dois quadros principais, de forma estruturalmente idêntica aos programas 1 a
3. No primeiro quadro, os personagens do pai e da mãe fazem as vezes dos apresentadores “Orto” e
“Grafia” (anexo 6, figura 79). Esses apresentadores reapresentam as palavras destacadas na esque-
te. No segundo quadro, eles propõem um ditado e o corrigem no final. As vinhetas e as seqüências
que introduzem a reapresentação das palavras e o ditado são repetidas, exatamente do mesmo jeito.

ROTEIRO

Vinheta de abertura (11 segundos)

Seqüência 1 (1:38 segundos)

Na esquete, os bonecos travam o seguinte diálogo:

SEG IMAGEM SOM


00: 00 O pai está na sala da casa, que é Pai: Ôh! Mas sempre atrasada, sempre! Que
composta por duas poltronas com coisa! Eu nunca vi nada igual
um abajur aceso entre elas. Na pa-
rede do fundo, há um quadro com
um vaso de flores em estilo impres-
sionista e duas prateleiras de livros.
No lado direito do cenário há uma
janela com cortina.

Mãe entra pelo lado esquerdo do Mãe: Estou quase pronta, quase, quase. Ah!
quadro. Faltou o

00:16 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro de cartoon)


“chapéu” chapéu

00:20 Fim da tarja preta


Pai: Éh, éh... cada vez é uma coisa. Hoje é o
chapéu, ontem foi a bolsa. Semana passada,
demorou porque tinha quebrado uma...
00:25 Surge tarja preta com a palavra
“xícara” (efeito sonoro de cartoon)
xícara!
00:29 Fim da tarja preta

Mãe: Pronto, pronto, estou preparada. Pode-


mos ir. Você acha que eu estou bonita?

189
Pai: Você está sim, mas você está sem o cha-
péu. Você só pegou o ...
00:35 Surge tarja preta com a palavra
“xale” (efeito sonoro cartoon)
xale!
00:40 Fim da tarja preta
Mãe: Ih! É mesmo! Vou pegar o meu chapéu, e
pronto.

Pai: Já é a quinta vez que ela vai pegar o cha-


péu e, toda vez que ela vai, demora pra ...

00: 45 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“chuchu” chuchu. Haja paciência!

00:48 Fim da tarja preta

Mãe volta segurando dois chapéus Mãe: Qual você prefere?

Pai: Qualquer um. Anda logo!

Mãe: Ah, estou indecisa, me ajuda, vai?

Pai aponta o chapéu azul, com um Pai: Ah! Este aqui. Este aqui está ótimo
gesto que denota impaciência

Mãe: Ah, este não! Este parece com o da mi-


nha ...

1:03 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“xará” xará.

1:06 Fim da tarja preta Pai: Tá bom! Eu escolho o outro. Pronto!

Mãe: É isso mesmo. Vou guardar o outro e já


volto.

Mãe sai e entra novamente pelo Pai: Não demora!


lado esquerdo do quadro
Mãe: Vamos?

Pai: Vamos.

Mãe: Pegou a ...

1:15 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“chave” chave?

1:18 Fim da tarja preta Pai: Ih, esqueci. Vou pegar.

Mãe: Ah, anda logo! Estamos atrasados!

1:21 Entra efeito de relâmpago na janela Entra efeito sonoro de relâmpago


do lado direito do quadro

Pai sai e retorna pelo lado direito do


quadro

1:22 Surge tarja preta com a palavra “Xi” Mãe: (efeito sonoro cartoon) Xi! Tá chovendo.
Com...
1:25 A tarja preta permanece, mas a
palavra “Xi” é substituída pela pala- (efeito sonoro cartoon)

190
vra “chuva”. ... chuva eu não vou sair. De jeito nenhum.
Com chuva, não!
1:29 Fim da tarja preta

1: 35 O pai abaixa a cabeça, num gesto Entra efeito sonoro e cartoon.


de desolamento. Entra fundo musical

1: 38 FIM DA ESQUETE

VINHETA (6 segundos)
“Vamos ler de novo?”

Seqüência 2 (2 segundos)
Orto olha para a câmera e diz: “Neste programa, você aprendeu a escrever...”

Seqüência 3 (20 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras destacadas nas tarjas pretas durante a esquete são reapre-
sentadas, escritas em letra de fôrma minúscula, na cor amarela. A cada palavra que surge, há um
efeito sonoro de campainha. A voz da mulher, em off, lê as palavras:
Chapéu – xícara – xale – chuchu – xará – chave – xi - chuva

Seqüência 4 (2 segundos)
“Guardou? Não vá esquecer, heim?”

VINHETA (7 segundos)
“Escreva você mesmo”

Seqüência 5 (23 segundos)


No mesmo enquadramento da seqüência 4, a boneca olha para o espectador e diz:
“Já que você aprendeu essas palavras, adivinhe como se escreve chá, charrete, xaxim, xaxado, chur-
rasco

VINHETA (12 segundos)


Bonecos interagindo com os cubos numerados de dez a um.

Seqüência 6 (5 segundos)
“Muito bem! Você acertou! É assim que se escreve...”

Seqüência 7 (11 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras ditadas pela boneca na seqüência 5 são escritas em letra de
fôrma minúscula. A voz em off dela lê as palavras que estão aparecendo na tela:
Chá – charrete – xaxim – xaxado – churrasco

Seqüência 8 (4 segundos)
Seqüência do tchau.

COMENTÁRIO

O episódio “Xi-Chuva” repete o conteúdo escolar do episódio “Chiclete”, e enfoca


palavras escritas com “x” e com “ch”. O conflito da esquete é gerado pela impaciência do
pai, que não se conforma com o atraso da mãe. Ela está sempre, sempre atrasada!
A mãe vem e volta três vezes. Primeiro, vai pegar o chapéu, mas vem só com o xale.
Volta com dois chapéus e pede para o marido ajudá-la a escolher um. O marido faz a esco-
lha, mas ela não concorda, porque é igual ao da sua xará... Ela se decide e volta para guar-
dar um dos chapéus. Na hora de sair, o marido esqueceu de pegar a chave. A mulher apro-

191
veita para zombar dele. Quando tudo parece finalmente pronto, começa a chover e a mulher
se recusa a sair com chuva...
Tem-se aqui, novamente, uma esquete que reproduz velhos clichês de comporta-
mento social: mulheres demoram para se arrumar e deixam os homens impacientes. A re-
cusa a sair com chuva reforça o estereótipo do comportamento feminino. O endereçamento,
neste caso, reforça idéias pré-concebidas.
O restante se repete: emprego adequado dos recursos para enfatizar a grafia e a so-
noridade das palavras, redundância para exercitar a memória, ordenação construída com
vinhetas, timing didático.

192
QUADRO 17 – ANÁLISE DO PROGRAMA “AÇÚCAR”

Título do programa: “Açúcar”


O título compõe a série “Orto e Grafia”
Duração: 2’40’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, 1999/2000
Direção Andréa Pasquini

Story line – Novamente, os diálogos travados no cotidiano de uma família formada por pai, mãe e um
casal de filhos servem de pretexto para ensinar ortografia da língua portuguesa.

Argumento – No programa 5, a família está reunida na cozinha, tomando o café da manhã. A mãe
oferece uma xícara de café, e a filha recusa, porque está amargo. O pai sugere por açúcar. No meio
da conversa, a menina começa a assoprar açúcar e é repreendida pelo pai. Ela responde a repreen-
são, e começa a assobiar. O pai fica irritado e a manda para o quarto de castigo. Quando ela está
saindo da cozinha, o irmão é que começa a assobiar, para zombar da irmã. O diálogo serve de pre-
texto para abordar palavras escritas com “s”, “ss” e “ç”. Após a esquete, o programa se desdobra nos
dois quadros principais, de forma estruturalmente idêntica aos programas 1 a 4. No primeiro quadro,
os personagens do pai e da mãe fazem as vezes dos apresentadores “Orto” e “Grafia” (anexo 6,
figura 79). Esses apresentadores reapresentam as palavras destacadas na esquete. No segundo
quadro, eles propõem um ditado e o corrigem no final. As vinhetas e as seqüências que introduzem a
reapresentação das palavras e o ditado são repetidas, exatamente do mesmo jeito.

ROTEIRO

Vinheta de abertura (11 segundos)

Seqüência 1 (1:25 segundos)

Na esquete, os bonecos travam o seguinte diálogo:

SEG IMAGEM SOM

00: 00 A família está em volta da mesa da Efeito sonoro de galo cantando


cozinha, tomando café da manhã. A
mãe oferece café à filha, que o re-
cusa, porque está amargo. Filha: Ai, eu não vou tomar isso de jeito ne-
nhum.

Mãe: Por que, meu amor?

Filha: Está amargo, amarguíssimo!

Pai: Não se fala amarguíssimo. Fala-se ama-


ríssimo.

Filho: Amaríssimo? Gostei! Adorei!

Mãe: Se está amaríssimo, ponha...

00: 23 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“açúcar” açúcar.

00: 27 Fim da tarja preta


Filha: O quê? Estava sem?

Filho: Não precisa pôr cem. Ponha só duas

193
colheres. Não precisa...

00:34 Surge tarja preta com a expressão (efeito sonoro cartoon)


“cem colheres” cem!

00: 40 Tarja preta permanece, mas a ex-


pressão “cem colheres” é substituída
pela expressão “sem açúcar” Pai: Não é cem colheres de açúcar. Ela disse
só que estava ...
Fim da tarja preta
00: 44 (efeito sonoro cartoon)
... sem açúcar!

Mãe: As duas palavras soam iguais, mas se


escrevem com letras diferentes, viu?

Filho: Não vi nada.


Filha começa a assoprar o açúcar
na direção do irmão Filha: Não?
(efeito sonoro de cartoon)

Mãe: Não assopra isso Tininha! Voou açúcar


por toda a mesa! Que coisa!
Filha continua assoprando o açúcar
Efeito sonoro cartoon

Filha: Hum!...
Surge tarja preta com a palavra
1:00 “assopro” (efeito sonoro cartoon)
Assopro sim. A boca é minha! O ...
Tarja preta permanece, mas a pala-
1:03 vra “assopro” é substituída pela (efeito sonoro cartoon)
palavra “sopro” sopro é meu...

Fim da tarja preta


1:05

Pai: responda direito a sua mãe, menina!

Filha começa a assobiar

Pai: Não quero ouvir você...


Surge tarja preta com a palavra
1:11 “assobiar” (efeito sonoro cartoon)
assobiar de novo. Basta!
Fim da tarja preta
1:15
A filha continua assobiando
A filha faz uma careta para os pais e
para o irmão, vira as costas num Pai: Então vamos para o quarto, sem discus-
gesto brusco e sai pela porta da são. Vamos!
cozinha.

A mãe faz um gesto de reprovação


ao filho que fica assobiando, para
zombar da irmã O filho começa a assobiar

1: 22 Entra fundo musical


FIM DA ESQUETE
1:25

194
VINHETA (6 segundos)
“Vamos ler de novo?”

Seqüência 2 (2 segundos)
Orto olha para a câmera e diz: “Neste programa, você aprendeu a escrever...”

Seqüência 3 (20 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras destacadas nas tarjas pretas durante a esquete são reapre-
sentadas, escritas em letra de fôrma minúscula, na cor amarela. A cada palavra que surge, há um
efeito sonoro de campainha. A voz da mulher, em off, lê as palavras:
Açúcar – cem – sem – assoprar – sopro - assobiar

Seqüência 4 (2 segundos)
“Guardou? Não vá esquecer, heim?”

VINHETA (7 segundos)
“Escreva você mesmo”

Seqüência 5 (23 segundos)


No mesmo enquadramento da seqüência 4, a boneca olha para o espectador e diz:
“Já que você aprendeu essas palavras, adivinhe como se escreve assegurar, acertar, aço

VINHETA (12 segundos)


Bonecos interagindo com os cubos numerados de dez a um.

Seqüência 6 (5 segundos)
“Muito bem! Você acertou! É assim que se escreve...”

Seqüência 7 (11 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras ditadas pela boneca na seqüência 5 são escritas em letra de
fôrma minúscula. A voz em off dela lê as palavras que estão aparecendo na tela:
Chá – charrete – xaxim – xaxado – churrasco

Seqüência 8 (4 segundos)
Seqüência do tchau.

COMENTÁRIO

O episódio “Açúcar” avança no tratamento didático. Além de exercitar a grafia de pa-


lavras escritas com “ç”, “s” e “ss”, o roteiro inclui a correção do superlativo da expressão
amargo e salienta a diferença entre as expressões “cem” e “sem”. A fala do pai também é
criteriosa no uso da partícula “se” : “Não se fala amarguíssimo. Fala-se amaríssimo”.
O conflito da esquete é construído a partir do comportamento inadequado da filha,
Tininha. Ela começa a assoprar o açúcar e, quando é repreendida pelo pai, diz que assopra
porque “a boca é minha, o sopro é meu”. A falta de educação motivada pelo egocentrismo é
castigada: ela é mandada para o quarto, e obedece. Está certo que o irmão aproveita para
zombar dela, mas o endereçamento salienta o comportamento obediente da filha, depois de
uma travessura.
O restante se repete: emprego adequado dos recursos para enfatizar a grafia e a so-
noridade das palavras, redundância para exercitar a memória, ordenação construída com
vinhetas, timing didático.

195
QUADRO 18 – ANÁLISE DO PROGRAMA “HORA -ORA”

Título do programa: “Hora - ora”


O título compõe a série “Orto e Grafia”
Duração: 2’54’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, 1999/2000
Direção Andréa Pasquini

Story line – Novamente, os diálogos travados no cotidiano de uma família formada por pai, mãe e um
casal de filhos servem de pretexto para ensinar ortografia da língua portuguesa.

Argumento – No programa 6, novamente o pai está nervoso com o atraso da mãe. Ele a repreende
porque ela deve pegar o trem, e está atrasada. Ela, com toda a calma, pergunta que horas são, e, ao
saber o horário, diz que está atrasada para ir ao cabeleireiro. O pai fica furioso, dizendo que ela não
pode ir ao cabeleireiro, porque precisa pegar o trem. Ela responde que ele está enganado: a viagem
está marcada para o dia seguinte. O diálogo serve de pretexto para abordar palavras com e sem “h”
no início. Após a esquete, o programa se desdobra nos dois quadros principais, de forma estrutural-
mente idêntica aos programas 1 a 5. No primeiro quadro, os personagens do pai e da mãe fazem as
vezes dos apresentadores “Orto” e “Grafia” (anexo 6, figura 79). Esses apresentadores reapresentam
as palavras destacadas na esquete. No segundo quadro, eles propõem um ditado e o corrigem no
final. As vinhetas e as seqüências que introduzem a reapresentação das palavras e o ditado são re-
petidas, exatamente do mesmo jeito.

ROTEIRO

Vinheta de abertura (11 segundos)

Seqüência 1 (1:35 segundos)

Na esquete, os bonecos travam o seguinte diálogo:

SEG IMAGEM SOM

00: 00 O cenário é a fachada da frente da Efeito sonoro “tic-tac”


casa: no primeiro plano há uma
cerca baixa de madeira, no plano de Pai: Aaaaah! Assim não é possível, assim não
fundo há uma janela com cortinas e dá! É sempre assim. Ela não tem jeito mesmo.
jardineira florida. O pai entra pelo Sempre atrasada, sempre, sempre. Desde que
lado esquerdo do quadro e pára no eu a conheço, ela está sempre atrasada. Mas é
meio do cenário, entre a cerca e a tão distraída que dá pena. Eu sempre fico ner-
janela. voso...

(entra efeito sonoro de cartoon)

... com ela por causa disso!

A mãe entra pelo lado direito do Mãe: Lá, lá, lá, lá, lá...
quadro, cantando

Pai: Ah, mas você não toma jeito, né? Aposto


que nem sabe que...

00:22 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“Horas” horas são. Sempre atrasada, né? Sempre,
sempre!

00:26 Fim da tarja preta


Mãe: Eu? Atrasada?

196
00:29 Surge tarja preta com a expressão (efeito sonoro cartoon)
“Ora bolas” Ora bolas, eu não marquei nenhum compro-
misso hoje, viu?

00:32 Fim da tarja preta


Pai: Mas você vai viajar, não lembra? Vai dizer
que você esqueceu? Você esquece tudo!

Mãe: Ah, é mesmo! Acabei de lembrar. Que...

00:37 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“Horas” ... horas são?

00:40 Tarja preta permanece, mas a pala-


vra “Horas” é substituída pela ex-
pressão “Ora, quero saber a hora” Pai: Como que horas são?

Gesticula como quem está muito (efeito sonoro cartoon)


nervoso
Mãe: Ora, quero saber a hora. Você não tem
00:43 Fim da tarja preta relógio aí?

Pai: Ora, quero saber a hora... Você não sabe


que o trem tem um...

00:45 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“horário” horário para sair?

00:48 Fim da tarja preta


Mãe: Oras, claro que eu sei que o trem tem ...

00:49 Surge tarja preta com a expressão (efeito sonoro cartoon)


“Hora certa” hora certa para sair. Mas você ainda não me
disse que horas são, ora bolas!
00:52 Fim da tarja preta
Pai: Ora, são quase três da tarde, madame. E
seu trem é às três e quinze. Vamos, vamos, se
apresse!

Mãe: É verdade, preciso ir andando. Vou ao


cabeleireiro. Tchauzinho.

Pai: Como, vai ao cabeleireiro? Você tem de


viajar, e está atrasada!

Mãe: Não estou não senhor. Minha passagem


é para amanhã...

1:32 Entra efeito sonoro de gargalhada

O pai, irritado, esconde o rosto entre Pai: Aaaaaaaaai!


as mãos

1:33 Entra fundo musical

1:35 FIM DA ESQUETE

VINHETA (6 segundos)
“Vamos ler de novo?”

197
Seqüência 2 (2 segundos)
Orto olha para a câmera e diz: “Neste programa, você aprendeu a escrever...”

Seqüência 3 (18 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras destacadas nas tarjas pretas durante a esquete são reapre-
sentadas, escritas em letra de fôrma minúscula, na cor amarela. A cada palavra que surge, há um
efeito sonoro de campainha. A voz da mulher, em off, lê as palavras: ora – ora bolas – hora – hora
certa.

Seqüência 4 (2 segundos)
“Guardou? Não vá esquecer, heim?”

VINHETA (7 segundos)
“Escreva você mesmo”

Seqüência 5 (18 segundos)


No mesmo enquadramento da seqüência 4, a boneca olha para o espectador e diz:
“Já que você aprendeu essas palavras, adivinhe como se escreve oração, horário, horta

VINHETA (12 segundos)


Bonecos interagindo com os cubos numerados de dez a um.

Seqüência 6 (5 segundos)
“Muito bem! Você acertou! É assim que se escreve...”

Seqüência 7 (11 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras ditadas pela boneca na seqüência 5 são escritas em letra de
fôrma minúscula. A voz em off dela lê as palavras que estão aparecendo na tela: oração – horário –
horta.

Seqüência 8 (4 segundos)
Seqüência do tchau.

COMENTÁRIO

No episódio “Ora- Hora”, a ênfase é dada em expressões derivadas da palavra “ora”


e da palavra “hora”. Na esquete, novamente o marido está aflito com o atraso da mulher,
que deve pegar o trem em 15 minutos, e ainda nem apareceu. Entretanto, desta vez ele se
enganou: ela está calma porque a viagem está marcada para o dia seguinte... O endereça-
mento ridiculariza o comportamento ansioso do pai.
Ao contrário do episódio “Açúcar”, neste, o tratamento didático talvez pudesse ser
mais adequado. Ao enfocar a grafia da palavra “ora”, em contextos de interjeição, e da pala-
vra “hora”, como substantivo, o roteiro poderia incluir diálogos que enfatizassem a classifica-
ção morfológica das duas palavras sendo, desse modo, mais didático. Não é difícil imaginar
uma solução: ao primeiro “Ora bolas” da mãe, o pai poderia dizer algo como “Não me venha
com essa interjeição! É hora de você viajar!”.

198
QUADRO 19 – ANÁLISE DO PROGRAMA “FELIZ – FELICIDADE”

Título do programa: “Feliz - felicidade”


O título compõe a série “Orto e Grafia”
Duração: 2’49’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, 1999/2000
Direção Andréa Pasquini

Story line – Novamente, os diálogos travados no cotidiano de uma família formada por pai, mãe e um
casal de filhos servem de pretexto para ensinar ortografia da língua portuguesa.

Argumento – No programa 7, o pai e a mãe estão na cozinha, abraçados, olhando pela janela. Eles
conversam sobre o que é a felicidade, pensam no quanto são felizes juntos e namoram. Neste episó-
dio, um fundo musical romântico e um efeito sonoro de passarinhos preenche todo o tempo da esque-
te. O diálogo cria o pretexto para a abordagem de palavras com som de “s” mas que são escritas com
“z”, “x”, “c” e “s”. Após a esquete, o programa se desdobra nos dois quadros principais, de forma es-
truturalmente idêntica aos programas 1 a 6. No primeiro quadro, os personagens do pai e da mãe
fazem as vezes dos apresentadores “Orto” e “Grafia” (anexo 6, figura 79). Esses apresentadores
reapresentam as palavras destacadas na esquete. No segundo quadro, eles propõem um ditado e o
corrigem no final. As vinhetas e as seqüências que introduzem a reapresentação das palavras e o
ditado são repetidas, exatamente do mesmo jeito.

ROTEIRO

Vinheta de abertura (11 segundos)

Seqüência 1 (1:09 segundos)

Na esquete, os bonecos travam o seguinte diálogo:

SEG IMAGEM SOM

00: 00 Pai e mãe na cozinha, olhando para Efeito sonoro de passarinhos


a janela, abraçando-se e beijando- Entra fundo musical
se. Efeito sonoro de beijo

Mãe: Ah, como somos felizes

Pai: Quem?

Mãe: Nós, meu amor! Nós dois. Você não per-


cebeu ainda? Por acaso você não acha que
nós somos felizes?

00:18 Entra tarja preta com a palavra “fe- Pai: É... eu sou..
liz”
(efeito sonoro cartoon)
... feliz. Você é feliz, logo nós somos...

00:22 Tarja preta permanece, mas palavra (efeito sonoro cartoon)


“feliz” é substituída pela palavra ... felizes, certo?
“felizes”

00:24 Fim da tarja preta Mãe: Você demora mas entende, não é meu
amor?

Pai: Entende o quê, querida?

199
Mãe: Que nós somos felizes. Você sabe o que
é...

00:32 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“felicidade” ...felicidade?

00:36 Fim da tarja preta


Pai: Eu? Acho que não. Ah! Quero dizer, acho
que sim. Felicidade é estar...

00:40 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“casado” ... casado com você, certo?

00:43 Tarja preta permanece, mas a pala- Mãe: (efeito sonoro) Exato. Exatamente isso.
vra “casado” é substituída pela pala- Somos felizes porque somos casados.
vra “exato”

00:47 Fim da tarja preta

Pai: É, eu não tenho nenhuma...

00:50 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“dúvida” ... dúvida sobre isso. Por quê? Você duvida?

00:53 Fim da tarja preta Mãe: Eu? Eu não duvido. Você é quem...

00:58 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“duvida” ... duvida.

1:01 Fim da tarja preta Pai: É, eu não tenho nenhuma dúvida sobre
isso. Eu sou feliz porque eu te amo.

1:09 FIM DA ESQUETE Fim do fundo musical

VINHETA (6 segundos)
“Vamos ler de novo?”

Seqüência 2 (2 segundos)
Orto olha para a câmera e diz: “Neste programa, você aprendeu a escrever...”

Seqüência 3 (20 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras destacadas nas tarjas pretas durante a esquete são reapre-
sentadas, escritas em letra de fôrma minúscula, na cor amarela. A cada palavra que surge, há um
efeito sonoro de campainha. A voz da mulher, em off, lê as palavras: feliz – felizes – felicidade – ca-
sado – exato – dúvida – duvida.

Seqüência 4 (2 segundos)
“Guardou? Não vá esquecer, heim?”

VINHETA (7 segundos)
“Escreva você mesmo”

Seqüência 5 (21 segundos)


No mesmo enquadramento da seqüência 4, a boneca olha para o espectador e diz:
“Já que você aprendeu essas palavras, adivinhe como se escreve juízo – justiça – cúmplice – cumpli-
cidade.

VINHETA (12 segundos)


Bonecos interagindo com os cubos numerados de dez a um.

Seqüência 6 (5 segundos)
“Muito bem! Você acertou! É assim que se escreve...”

200
Seqüência 7 (10 segundos)
Sobre um fundo vermelho, as palavras ditadas pela boneca na seqüência 5 são escritas em letra de
fôrma minúscula. A voz em off dela lê as palavras que estão aparecendo na tela: juízo – justiça –
cúmplice - cumplicidade

Seqüência 8 (4 segundos)
Seqüência do tchau.

COMENTÁRIO

O episódio “Feliz- felicidade” desenvolve o tópico iniciado no programa “Açúcar”, e


enfoca a grafia de palavras escritas com “s”, “z”, “x” e “c”, mas com o som semelhante do
fonema /s/.
A estrutura da esquete mudou desta vez. No lugar do conflito que desencadeia uma
situação humorística, tem-se aqui um diálogo de conotação existencial: o pai e mãe pensam
em como são felizes porque se amam. O ritmo das tomadas é mais lento e o fundo musical
reforça o clima de romantismo e suavidade. O endereçamento salienta o pai como uma pes-
soa meio desajeitada para falar de amor, ao contrário da mãe, que o faz com desenvoltura.
Talvez a esquete reproduza o clichê de que homem não pode ser sentimental.
Além das palavras com o fonema /s/, a esquete também mostra a diferença entre
"dúvida” e “duvida”. Mas, aqui, há uma pequena falha, se o programa for comparado ao
episódio “Chiclete”. Lá, ao corrigir o ditado, Orto reforça: “lembre-se que xícara tem acento
no xi”. Aqui, na seqüência da repetição das palavras da esquete (“Vamos ler de novo”), seria
perfeitamente possível (e mais didático), incluir uma fala que também enfatizasse o uso do
acento. Durante a esquete, inclusive, o acento poderia aparecer na tarja preta em outra cor
e receber um efeito sonoro exclusivo.

201
QUADRO 20 – ANÁLISE DO PROGRAMA “MAL - MAU”

Título do programa: “Mal - mau”


O título compõe a série “Orto e Grafia”
Duração: 2’55’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, 1999/2000
Direção Andréa Pasquini

Story line – Novamente, os diálogos travados no cotidiano de uma família formada por pai, mãe e um
casal de filhos servem de pretexto para ensinar ortografia da língua portuguesa.

Argumento – No programa 8, o pai e o filho estão na sala, conversando. O filho critica a irmã, e o pai
o repreende por fazê-lo. O filho diz que o pai está mal humorado, e quer saber porque. O pai respon-
de que é porque o carro quebrou longe de casa. O filho lamenta, mas diz que, ao menos, o pai vai
andar e fazer exercício para perder a barriga. O pai repreende a graça do filho. O filho pergunta então
se é um bom filho, ao que o pai responde que sim. Então, o filho aproveita para pedir um dinheirinho.
O diálogo cria o pretexto para enfocar a diferença entre “mal” e “mau”. Após a esquete, o programa se
desdobra nos dois quadros principais, de forma estruturalmente idêntica aos programas 1 a 7. No
primeiro quadro, os personagens do pai e da mãe fazem as vezes dos apresentadores “Orto” e “Gra-
fia” (anexo 6, figura 79). Esses apresentadores reapresentam as palavras destacadas na esquete. No
segundo quadro, eles propõem um ditado e o corrigem no final. As vinhetas e as seqüências que
introduzem a reapresentação das palavras e o ditado são repetidas, exatamente do mesmo jeito.

ROTEIRO

Vinheta de abertura (11 segundos)

Seqüência 1 (1:17 segundos)

Na esquete, os bonecos travam o seguinte diálogo:

SEG IMAGEM SOM

00: 00 O pai e o filho estão ma sala da Pai: Você não pode deixar mais ele fazer isso
casa. com sua irmã. Ela é muito boa.

Filho: Não é não. Ele disse que ela é muito má.

Pai: Você acredita mais nele do que em mim ou


em você? Se alguém é mau aqui, esse alguém
é ele! Sua irmã não é...

00:15 Surge tarja preta com a palavra “má” (efeito sonoro cartoon)
... má. Mas ele quase sempre é ...

00:18 Tarja preta permanece, mas a pala- (efeito sonoro cartoon)


vra “má” é substituída pela palavra ... mau. Tudo o que ele faz está quase sempre
“mau” cheio de ...

00:20 Tarja preta permanece, mas a pala- (efeito sonoro cartoon)


vra “mau” é substituída pela palavra ... maldade
“maldade”
Filho: Ah, pai, você é que está...

00:22 Tarja preta permanece, mas a pala- (efeito sonoro cartoon)


vra “maldade” é substituída pela ... mal-humorado.
palavra “mal-humorado”

202
00:25 Fim da tarja preta Pai: Estou mesmo

Filho: todo mundo percebe. Não precisa nem


disfarçar.

Pai: É que meu...

00:29 Surge a tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“automóvel” automóvel quebrou e eu tive de largar ele na
rua!
00:32 Fim da tarja preta
Filho: Na rua? Onde?

Pai: Perto do ...

00:35 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“albergue” ... albergue do Silva.

00:37 Fim da tarja preta


Filho: Xi, é longe mesmo. Mas andar até que é
bom para essa barrigona, né pai?

Pai: Ah! Você é muito...

00:44 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“malcriado” ... malcriado, viu seu moleque?

00:47 Fim da tarja preta


Filho: Ah, sou não, puxa vida! Mas fala a ver-
dade, eu não sou um...

00:53 Surge tarja preta com a expressão (efeito sonoro cartoon)


“mau filho” ... mau filho, sou?

00:57 Fim da tarja preta Pai: Você é um...

1:01 Surge tarja preta com a expressão (efeito sonoro cartoon)


“bom filho” ... bom filho, é muito carinhoso.

1:05 Fim da tarja preta


Filho: Então empresta um dinheirinho, vai?

1:17 FIM DA ESQUETE Entra fundo musical de rock.

VINHETA (6 segundos)
“Vamos ler de novo?”

Seqüência 2 (2 segundos)
Orto olha para a câmera e diz: “Neste programa, você aprendeu a escrever...”

Seqüência 3 (22 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras destacadas nas tarjas pretas durante a esquete são reapre-
sentadas, escritas em letra de fôrma minúscula, na cor amarela. A cada palavra que surge, há um
efeito sonoro de campainha. A voz da mulher, em off, lê as palavras:
Má – mau – maldade – mal-humorado – automóvel – albergue – malcriado – mau filho – bom filho

Seqüência 4 (2 segundos)
“Guardou? Não vá esquecer, heim?”

VINHETA (7 segundos)
“Escreva você mesmo”

203
Seqüência 5 (23 segundos)
No mesmo enquadramento da seqüência 4, a boneca olha para o espectador e diz:
“Já que você aprendeu essas palavras, adivinhe como se escreve paulista, palmeira, mau-caráter,
mal-agradecido.

VINHETA (12 segundos)


Bonecos interagindo com os cubos numerados de dez a um.

Seqüência 6 (5 segundos)
“Muito bem! Você acertou! É assim que se escreve...”

Seqüência 7 (11 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras ditadas pela boneca na seqüência 5 são escritas em letra de
fôrma minúscula. A voz em off dela lê as palavras que estão aparecendo na tela:
Paulista – palmeira - mau-caráter - mal-agradecido.

Seqüência 8 (4 segundos)
Seqüência do tchau.

COMENTÁRIO

O objetivo deste episódio é enfocar a grafia de “mau”, adjetivo, e “mal”, substantivo,


além de palavras que são escritas com “u” e com “l”, mas tem o som semelhante /w/.
Na esquete, o filho aparentemente se preocupa com o mal-humor do pai mas, quan-
do o pai se mostra tocado, Surf aproveita a deixa e pede “um dinheirinho”. O endereçamento
caminhou para um comportamento oportunista.
O tratamento didático é adequado no início, quando o diálogo enfatiza o uso da ex-
pressão como adjetivo: “ela é má” e “ele é mau”. Entretanto, talvez ficasse ainda mais didá-
tico se a tarja preta reproduzisse a frase toda, ao invés de somente colocar as expressões
“má” e “mau”. Ao fazer a redundância da frase na pista sonora e na pista visual do vídeo,
enfatizando o contexto do uso, o programa facilitaria a compreensão de quem tem especial
dificuldade com a grafia dessas palavras.

204
QUADRO 21 – ANÁLISE DO PROGRAMA “PROBLEMA”

Título do programa: “Problema”


O título compõe a série “Orto e Grafia”
Duração: 2’31’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, 1999/2000
Direção Andréa Pasquini

Story line – Novamente, os diálogos travados no cotidiano de uma família formada por pai, mãe e um
casal de filhos servem de pretexto para ensinar ortografia da língua portuguesa.

Argumento – O programa 9 tem estrutura um pouco diferente dos anteriores, e enfatiza apenas a
palavra “problema”, que é repetida oito vezes durante o diálogo confuso entre o marido e a mulher,
que conversam sobre o problema de saúde do irmão dele. Após a esquete, o programa se desdobra
nos dois quadros principais, de forma estruturalmente semelhante aos programas 1 a 8. Entretanto,
no primeiro quadro, em os personagens do pai e da mãe fazem as vezes dos apresentadores “Orto”
e “Grafia” (anexo 6, figura 79), eles reapresentam apenas a palavra “problema”. No segundo quadro,
eles propõem um ditado, composto por outras palavras escritas com “pr”, e o corrigem no final. As
vinhetas e as seqüências que introduzem a reapresentação das palavras e o ditado são repetidas,
exatamente do mesmo jeito.

ROTEIRO

Vinheta de abertura (11 segundos)

Seqüência 1 (1:08 segundos)

Na esquete, os bonecos travam o seguinte diálogo:

SEG IMAGEM SOM

00: 00 O marido e a mulher estão no jardim Efeito sonoro de passarinhos


da casa, conversando. Três enqua-
dramentos se alternam: um plano Mãe: O que houve? Você não está com cara
americano dos dois, com closes de boa. Qual é o ...
cada um. As tomadas duram de 0,5
a 2 segundos

00:06 Surge tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“problema” e permanece durante o ... problema?
desenrolar do diálogo
Pai: Meu irmão foi ao médico

Mãe: E qual é o ...

(efeito sonoro cartoon)


... problema de ele ir ao médico?

00:13 Some a tarja preta Pai (efeito sonoro cartoon): O problema é que
ele está com um problema de saúde.

Mãe: E posso saber qual é o problema de saú-


de dele?

Pai: Não, não pode. O ...

205
(efeito sonoro cartoon)
... problema é justamente esse. Ele tem um...

00:24 Volta a tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“problema” ... problema, mas ninguém sabe qual é.

00:27 Fim da tarja preta


Mãe: Então, como você sabe que ele tem um
problema?

Pai: O médico disse.

Mãe: E o que o médico disse?

Pai: Ah, eu já falei! Ele disse que o meu irmão


está com um...

00:37 Volta a tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“problema” ... problema.

00:40 Fim da tarja preta

Mãe: Tá, entendi. E qual é esse ...

(efeito sonoro cartoon)


... problema?

Pai: (efeito sonoro cartoon) Mas ele não sabe!

Mãe: Então, como ele sabe que seu irmão está


com um...

(efeito sonoro cartoon)


... problema, se ele que é médico, não sabe
qual é o ...

(efeito sonoro cartoon)


... problema?

Pai: Mas esse é o problema! Agora, eu tenho


dois problemas. O primeiro é que meu irmão
tem um ...

00:58 Volta a tarja preta com a palavra (efeito sonoro cartoon)


“problema” ... problema. E o segundo é saber como é que
o médico sabe que ele tem um ...
1:05 Fim da tarja preta

(efeito sonoro cartoon)


... problema, se ele, que é médico, não sabe
qual é o problema!

1:08 FIM DA ESQUETE Entra efeito sonoro de barulho de macaco

VINHETA (6 segundos)
“Vamos ler de novo?”

Seqüência 2 (2 segundos)
Orto olha para a câmera e diz: “Neste programa, você aprendeu a escrever...”

206
Seqüência 3 (3 segundos)
Sobre um fundo vermelho, as palavras destacadas nas tarjas pretas durante a esquete são reapre-
sentadas, escritas em letra de fôrma minúscula, na cor amarela. A cada palavra que surge, há um
efeito sonoro de campainha. A voz da mulher, em off, lê a palavra “problema”

Seqüência 4 (2 segundos)
“Guardou? Não vá esquecer, heim?”

VINHETA (7 segundos)
“Escreva você mesmo”

Seqüência 5 (23 segundos)


No mesmo enquadramento da seqüência 4, a boneca olha para o espectador e diz:
“Já que você aprendeu essas palavras, adivinhe como se escreve prognóstico, procurar, pronunciar,
propagar”.

VINHETA (12 segundos)


Bonecos interagindo com os cubos numerados de dez a um.

Seqüência 6 (5 segundos)
“Muito bem! Você acertou! É assim que se escreve...”

Seqüência 7 (11 segundos)


Sobre um fundo vermelho, as palavras ditadas pela boneca na seqüência 5 são escritas em letra de
fôrma minúscula. A voz em off dela lê as palavras que estão aparecendo na tela:
Prognóstico – procurar – pronunciar – Propagar

Seqüência 8 (4 segundos)
Seqüência do tchau.

COMENTÁRIO

Na esquete, um diálogo aparentemente non sense repete 16 vezes a palavra “pro-


blema”. A palavra surge, em média, a cada 4 segundos de diálogo. Na tela, a palavra surge
quatro vezes, mas permanece por tempo bem acima da média dos outros programas: chega
a permanecer por sete segundos.
Como se trata de uma palavra de grafia e pronúncia complicada para o estudante do
Ensino Fundamental (e até para muitos adultos!), tem-se aqui uma solução adequada para a
memorização da grafia e pronúncia. O formato da série se ajustou perfeitamente a este tó-
pico: o diálogo repetitivo e sem muito sentido deixa espaço para que o espectador se con-
centre na palavra destacada. E a redundância no grafismo televisual facilita a memorização.

207
QUADRO 22 – ANÁLISE DO PROGRAMA “POR QUE”

Título do programa: “Por que”


O título compõe a série “Orto e Grafia”
Duração: 2’55’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, 1999/2000
Direção Andréa Pasquini

Story line – Novamente, os diálogos travados no cotidiano de uma família formada por pai, mãe e um
casal de filhos servem de pretexto para ensinar ortografia da língua portuguesa.

Argumento – No programa 10, o pai e a filha estão na sala. Elas conversam sobre uma dúvida de
ortografia. Quando a mãe aparece, a filha começa a chorar. Os pais passam a discutir o porquê do
choro da filha, e um culpa o outro. No final, descobrem que ela chora porque a mãe está pisando no
seu pé. A discussão utiliza as diversas grafias da expressão por que. Após a esquete, o programa se
desdobra nos dois quadros principais (o da revisão das palavras e o do ditado). Entretanto, ao invés
de ditar palavras soltas, desta vez, os bonecos ditam um diálogo que utiliza as diferentes formas da
grafia do por que.

ROTEIRO

Vinheta de abertura (11 segundos)

Seqüência 1 (1:14 segundos)

Na esquete, os bonecos travam o seguinte diálogo (exemplos das tarjar com as variações da expres-
são por que estão no Anexo 14, figuras 134 a 140):

SEG IMAGEM SOM

00: 00 O pai e a filha estão na sala da ca- Filha: Então, pai, sabe aquela história do acém,
sa, conversando. sabe que tá certo? Você...

00:03 A mãe entra pelo lado esquerdo do Filha: buá!


quadro. Nesse instante, a filha olha
para baixo e começa a choramingar.

Os pais passam a discutir o motivo Mãe: Tadinha da Tininha...


do choro da filha. Quatro enquadra-
mentos se alternam: um plano ame- Pai: É, parte o coração vê-la chorando. Acho
ricano dos três e closes do pai, da que ela chora e nem sabe ...
mãe e da filha. As tomadas duram
entre 0,5 e 2 segundos.

00:12 Surge tarja preta com a expressão (efeito sonoro cartoon)


“por quê” ... por quê.

00:16 Fim da tarja preta


Mãe: Deixa de ser implicante. É claro que ela
sabe...

00:16:05 Surge tarja preta com a expressão (efeito sonoro cartoon)


“porque” ... porque está chorando. Ela sabe muito bem o
motivo pelo qual está chorando.
00:19 Fim da tarja preta
Pai: Duvido que ela saiba o ...

208
00:22 Surge tarja preta com a expressão (efeito sonoro cartoon)
“o porquê” ... porquê do seu choro.

00:24 Tarja preta permanece, mas a ex- Mãe: Um dos...


pressão “o porquê” é substituída
pela expressão “porquês”
(efeito sonoro cartoon)
00:28 Fim da tarja preta ... porquês vem das implicâncias do pai dela!

00:28 Close no pai, que faz cara de sur- (efeito sonoro cartoon)
preso Pai: O pai dela sou eu, oras!

Mãe: Claro! É de você mesmo que eu estou


falando. Você é muito implicante com ela.

Pai: E eu posso saber...

00:35 Surge tarja preta com a expressão (efeito sonoro cartoon)


“por que” ... por que sou implicante?

Mãe: Você é implicante...

00:37 Tarja preta permanece, mas a ex- (efeito sonoro cartoon)


pressão “por que” é substituída pela ... porque tudo o que ela faz você acha errado e
expressão “porque” a critica. E é esse o porquê. Parece que não vê
nada!
00:41 Fim da tarja preta

Pai: Ah, não sei ...

00:46 Surge tarja preta com a expressão (efeito sonoro cartoon)


“porque razão” ... porque razão você fala isso!

00:49 Fim da tarja preta


Mãe: Ah, eu já me enchi de explicar as coisas.
Minha filhinha, pode parar de chorar...

00:54 Surge tarja preta com a expressão (efeito sonoro cartoon)


“porque” ... porque eu não vou deixar ninguém mais te
amolar, viu?
00:58 Fim da tarja preta

00:59 Surge tarja preta com a expressão Filha: Buá! (efeito sonoro cartoon) Por que?
“por que?”

Fim da tarja preta Mãe: Porque eu não quero mais que você cho-
re por causa da implicância dela.

Filha: Não, não é isso.

Mãe: Como assim?

Filha: Por que você não pára de pisar no meu


pé!

1:10 Close no pai, que começa a rir da (entra efeito sonoro cartoon)
trapalhada

1:14 FIM DA ESQUETE

209
VINHETA (6 segundos)
“Vamos ler de novo?”

Seqüência 2 (2 segundos)
Orto olha para a câmera e diz: “Neste programa, você aprendeu a escrever...”

Seqüência 3 (20 segundos) - Imagem no Anexo 14, figura 141.


Sobre um fundo vermelho, as palavras destacadas nas tarjas pretas durante a esquete são reapre-
sentadas, escritas em letra de fôrma minúscula, na cor amarela. A cada palavra que surge, há um
efeito sonoro de campainha. A voz da mulher, em off, lê as palavras: por quê – por que – porquê –
porquês – porque.

Seqüência 4 (2 segundos)
“Guardou? Não vá esquecer, heim?”

VINHETA (7 segundos)
“Escreva você mesmo”

Seqüência 5 (19 segundos)


No mesmo enquadramento da seqüência 4, a boneca olha para o espectador e diz:
“Já que você aprendeu a escrever porque de diversas maneiras, escreva a seguinte história: por que
você chegou tarde? Porque o carro quebrou, e eu sei porque razão ele quebrou. Ah, então seu atraso
tem um porquê”.

VINHETA (12 segundos)


Bonecos interagindo com os cubos numerados de dez a um.

Seqüência 6 (5 segundos)
“Muito bem! Você acertou! É assim que se escreve...”

Seqüência 7 (11 segundos) – Imagens no Anexo 14, figuras 142 a 145


Sobre um fundo vermelho, as frases ditadas pela boneca na seqüência 5 são escritas em letra de
fôrma minúscula. A expressão porque, grafada de diversas formas é destacada em branco. A voz em
off dela lê as frases que estão aparecendo na tela:

Por que
você
chegou tarde?

Porque
o carro quebrou, e...

eu sei porque
razão ele
quebrou

Ah! Então seu


atraso tem um
porquê

Seqüência 8 (4 segundos)
Seqüência do tchau.

210
COMENTÁRIO

Do ponto de vista da qualidade didática, os episódios “Problema” e “Por que” vão


para lados opostos: enquanto aquele usou o sintagma com eficiência, é pouco provável que
este tenha atingido o objetivo didático, que era ensinar as diversas grafias da expressão.
A origem do problema está no ajuste forçado do conteúdo que, para ser compreendi-
do, precisa de uma explicação metalingüística a um formato televisivo estruturado em recur-
sos que apelam para a memorização.
Não é difícil imaginar uma esquete mais apropriada. Bastaria que Tininha estivesse
fazendo a lição de casa e pedisse aos pais que a ajudassem a resolver o problema dos usos
da expressão “por que”. Poderiam ser criados diálogos como esses:

Tininha: Por que (a expressão aparece na tela) às vezes é junto e às vezes é sepa-
rado?
Mãe: Porque (expressão aparece na tela) uma forma indica pergunta e outra indica
resposta.
Tininha: E por que algumas vezes tem acento?
Pai: Por que aí está sendo usado como substantivo, como o motivo, o porquê (ex-
pressão aparece na tela) de alguma coisa acontecer.

Para ser ainda mais pedagógico, o grafismo da tarja poderia sofrer uma pequena
modificação e aparecer assim:
Por que = pergunta
Porque = resposta
O porquê = o motivo, a razão
E assim por diante.
A seqüência do ditado não é menos infeliz. Ao propor que o espectador reescreva a
história, grafando a expressão conforme o contexto de uso de cada frase, a tarefa exige do
estudante uma conhecimento que não foi apontado na esquete: lá a ênfase foi dada na me-
morização das expressões; aqui, a exigência é a do conhecimento metalingüístico. Ao ajus-
tar o conteúdo à fórmula da série, o roteiro gerou uma incoerência pedagógica.

211
COMENTÁRIOS DA SÉRIE “ORTO E GRAFIA” – 10 PROGRAMAS

De todas as séries analisadas, “Orto e Grafia” é a que melhor representa a produção


em “linha de montagem” na televisão. A cada episódio, apenas a esquete e as palavras são
modificadas. As vinhetas e a identidade visual de apresentação de cada novo termo ( Ane-
xo 9, figura 105; Anexo 12, figura 123) permanecem idênticas. Obviamente, trata-se de um
formato que facilita a produção. O guia da TV Escola utilizado para seleção dos programas é
de 2002, e possui 20 episódios. No guia lançado em 2004, são 40. Já as séries “Na ponta
da língua” e “Agora é com vocês” não tiveram novas produções.
Em relação à esquete que abre cada episódio, pode-se dizer que o principal objetivo
é criar diálogos para encaixar palavras. Entretanto, a dramatização em geral tem conotação
humorística baseada no desenvolvimento de um conflito qualquer, e a solução, ou endere-
çamento, da narrativa se sustenta em valores. No conjunto de dez episódios, foram identifi-
cados os seguintes endereçamentos:

- Quando alguém se sente preterido, deve armar um berreiro...


- A melancolia é problema de quem a tem. Quem não sofre, vai curtir a vida.
- Os pais não devem chantagear os filhos. Os filhos devem fazer o que é certo, e
sem chantagear os pais.
- Mulheres demoram para se arrumar e deixam os homens impacientes.
- Os filhos devem obedecer os pais, ainda que seja a ordem de ficar de castigo...
- A mulher te mais desenvoltura para falar de sentimentos que o marido.
- Quando o filho agrada o pai e o deixa tocado, pode aproveitar para pedir um di-
nheirinho...

Em relação aos conteúdos didáticos, nos dez episódios foram identificados os seguintes
tópicos:

- Grafia do monema “gu + vogal”, com e sem o trema;


- Grafia do “r” ao lado de consoantes
- Palavras com o som /ƒ
/ mas escritas com “x” ou “ch” (em dois programas)
- Palavras com o som /s/, mas escritas com “s”, “ss”, “ç”, “z”, “x” e “c” (em dois pro-
gramas)
- Ora, interjeição, e hora, substantivo
- Mau, adjetivo, e mal, substantivo
- Pronúncia e grafia da palavra problema
- Usos da expressão por que

212
O potencial pedagógico do sintagma televisivo planejado nos roteiros mostrou que a
série privilegia o aprendizado pela memorização. As palavras são destacadas com grafis-
mos e efeitos sonoros, e os exercícios estimulam a associação por semelhança sonora. Por
esse motivo, os programas que ensinam palavras com som semelhante mas com grafia dife-
rente são mais felizes que os programas que envolvem memória visual e conhecimento me-
talingüístico, ainda que elementar.
Da série “Orto e Grafia” deve ser tirada a lição de que, se por um lado, a rotina de
produção industrial agiliza a produção dos programas (fator, obviamente, importante para
encher a grade da TV Escola), por outro, por vezes, compromete a qualidade do ensino me-
diado pelo vídeo. Por outro lado, as distorções podem ser evitadas desde a equipe de rotei-
ristas tenha clara a idéia, num primeiro momento, de método didático possível a cada forma-
to televisivo criado, Num segundo momento, é preciso saber delimitar conteúdos possíveis
de serem ensinados por aquele método e conseqüentemente, adequados ao formato criado.
Só depois disso é hora de começar a produzir os roteiros.

213
VÍDEOS DA SÉRIE

“NA PONTA DA LÍNGUA”

214
QUADRO 23 – ANÁLISE DO PROGRAMA “CONCORDÂNCIA VERBAL”

Título do programa: “Concordância verbal”


O título compõe a série “Na ponta da língua”
Duração: 19’ 40’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, sem data
Direção: Messina Neto
Conteúdo inicial: Dad Squarisi
Desenvolvimento de conteúdo: Lenira Buscato, Paula Parisi e Beatriz Marcondes
Roteiro: Douglas Salgado

Story line – Um grupo de adolescentes estudantes de escola pública aprende regras de gramática da
língua portuguesa em atividades do dia-a-dia (Anexo 16, figuras 148 a 157, com caracterização dos
personagens e cenários)

Argumento – No primeiro programa, os adolescentes Chico, Marina, Pedro, Maurício e Analu resol-
vem elaborar um documento reivindicando à prefeitura que dê fim a um terreno baldio vizinho da es-
cola. Eles filmam o terreno, entrevistam moradores, fazem uma pesquisa para saber o que a maioria
prefere que seja construído no local. Quando começam a escrever o documento, deparam-se com
dúvidas de concordância verbal. A situação gera o pretexto para a abordagem das regras gramaticais
sobre esse tópico da língua. Os conteúdos didáticos são tratados nas conversas entre os colegas,
nas revisões feitas em aulas informais com a professora Alice e na seqüência chamada “Regra Ge-
ral”, em que a professora, falando com o espectador, ensina normas básicas do tópico tratado no
programa.

ROTEIRO

Vinheta de abertura (11 segundos)


Sob fundo musical funk, intervenções gráficas apresentam os sete personagens da série: os alunos
Maurício, Chico, Analu, Pedro e Marina, Bento, servente da escola, e Alice, a professora. Eles se
sucedem dentro da mesma estrutura gráfica, que consiste numa cena de 1 segundo. Um efeito de
degradê apaga o plano de fundo. Atrás de cada personagem surge uma composição de círculos. A
seguir, o nome de cada um “despenca” do alto, em letras no estilo decorativo. O nome “salta” de vol-
ta, os círculos somem, o degradê regride e a cena volta ao estado de origem. Uma fusão a liga com a
cena do próximo personagem (Anexo 17, figuras 158 a 174), que tem o fundo substituído por uma
composição com círculos. Quando os sete personagens são apresentados, uma nova composição de
círculos introduz uma imagem de baixo para cima com os cinco alunos (Anexo 17, figuras 175 a
179). O título da série “Na ponta da língua” desliza da esquerda para a direita. A composição é então
substituída por outra e o título de cada episódio “despenca” e se fixa no centro da tela (Anexo 17,
figuras 180 e 181).

Seqüência 1 (44 segundos)

O vídeo começa com uma espécie de “meta-reportagem”: a pista sonora reproduz um fundo musical
em estilo eletrônico e a voz em off de Marina, lendo o documento que os alunos preparam para enviar
à prefeitura. A pista de imagem mescla cenas panorâmicas e closes dos alunos inspecionando o lo-
cal. Trata-se do formato de reportagem mostrando uma reportagem sendo feita. A linguagem é bas-
tante ágil, com tomadas curtas, movimentos intensos de câmera e efeitos:

SEG IMAGEM SOM


Anexo 18, figuras 182 a 199

00: 00 Plano aberto de quatro alunos ins- Fundo musical – música eletrônica
pecionando o terreno baldio.

215
00:01 Marina segura a filmadora, Maurício
tem uma câmera fotográfica e Mari-
na, uma filmadora.

00:01 Efeito de “chicote” cria um close em


Analu e depois enquadra o grupo

00:01 Zoom em Analu

00:04 Corte seco e enquadramento de


Chico e Pedro, que fotografam entu-
lhos

00:06 Corte seco e enquadramento em


plano aberto do local. A câmera
passeia pelo terreno, mostrando
entulho, madeira, pneus velhos. A
tomada sugere que são imagens
gravadas pelos alunos Música eletrônica em background

00:10 Marina: Em frente da escola estadual Parque


das Nações há um terreno baldio que tem cau-
sado problemas para os moradores da vizi-
nhança e para os alunos desta escola.

00:11 Corte seco e movimento de câmera


explorando detalhes de um balde Volta do fundo musical
velho.

00:15 Corte seco e enquadramento de um


pneu velho, em close, fazendo as
vezes de moldura para enquadrar
Analu, no plano de fundo.

00:16 Corte seco e close no display da


filmadora que Marina segurava.

00:17 Corte seco e plano aberto, com um


movimento de câmera de baixo para
cima, partindo de entulho até en-
quadrar Chico e Pedro no plano de
fundo.

00:22 Corte seco e close num objeto que


não pode ser identificado, mas que
serve de moldura para enquadrar
00:24 Chico e Pedro no plano de fundo

Corte seco e close no bloco de ano-


tações, em que uma mão masculina
escreve a palavra “dengue”

00:26 Corte seco e enquadramento em


plano médio, com pneus no primeiro
plano, com Pedro e Analu no plano

216
de fundo, fazendo anotações.

00:29 Corte seco. Em plano aberto, movi-


mento de câmera da esquerda para
a direita, mostra entulhos do terreno
(porta de carro, poltrona velha, baci-
a, latão, pneus, caixas de feira).

00:34 Corte seco. Novamente, pneu velho


serve de moldura para enquadrar
Pedro e Analu fazendo anotações.

00:36 Corte seco e close numa bacia com


água suja.

00:41 Fusão de imagem da bacia para a Marina: O mato, o lixo, os ratos e as baratas
tela do computador em que os alu- têm provocado mal cheiro e doenças
nos estão escrevendo o texto que foi
lido em off por Marina, na sucessão
de imagens do terreno baldio.

00:44 FIM DA SEQÜÊNCIA

Seqüência 2 (7 segundos)
Os alunos estão numa sala de aula com estantes cheias de livros, uma mesa e um raque com
computador. A seqüência começa com um close na tela do computador, em que Marina termina de
escrever o texto que foi lido em off na seqüência 1. O close mostra a frase “baratas tem provocado”,
sem acento no verbo. Analu está sentada ao lado de Marina e diz que faltou acento. “Onde?”,
pergunta Marina. “No tem”, responde Analu. “Tem tem acento?”, pergunta Marina. “Capítulo
concordância verbal, Marina. Lembra que a Alice ensinou essa regra?”, responde Analu.

Seqüência 3 - VINHETA “REGRA GERAL” (8 segundos)


Uma animação gráfica intercala as letras da expressão “Regra Geral” com fotos do rosto da professo-
ra Alice. As letras e as fotos vão e vem, sobre um fundo em que círculos se movimentam. Ao final,
cria-se uma composição com as fotos, os círculos e o título da vinheta. Um jazz é usado como fundo
musica (Anexo 19, figuras 200 a 209).

Seqüência 4 (1:26 segundos) – Seqüência didática – ensina um conteúdo


Os alunos estão numa sala de aula

SEG IMAGEM SOM

00:00 Plano fechado da professora, em Alice: O verbo tem que concordar em número e
frente a uma prateleira de livros pessoa com o sujeito. Essa é a regra básica da
concordância verbal
00:02

00:01 Corte seco, entra grafismo 1 Efeito sonoro game


(composição com círculos que se
movimentam. Texto desce em
estilo persiana – Exemplo do efeito
gráfico no Anexo 20, figuras 210
220). Caracteres do grafismo:
“Verbo deve concordar em número
e em pessoa com o sujeito” (Ane-
xo 20, figura 221)

217
00:07 Corte seco, volta enquadramento Alice: O sujeito da oração pode estar explícito. Eu
da professora não gosto de música comercial

00:09 Corte seco, grafismo 2 Efeito sonoro game


(composição de círculos e texto
que Alice está lendo). Caracteres
do grafismo: “Eu não gosto de
música comercial”

00:13 Corte seco, volta enquadramento Alice: Ou o sujeito pode estar subentendido...
da professora

00:15 Corte seco, entra grafismo 3 Efeito sonoro game


(composição de círculos e texto Alice: Adoro músicas com letras e melodias criati-
que Alice está lendo). Caracteres vas
do grafismo: “Adoro músicas com
letras e melodias criativas”

00:20 Corte seco, volta enquadramento Alice: Já na segunda oração, o eu não aparece,
da professora mas a gente sabe que ele está ali, oculto. E quem
dá a pista...

00:28 Corte seco, entra grafismo 4 Efeito sonoro game


(composição de círculos e pala- Alice: ... é o verbo adorar na primeira pessoa do
00:36 vras-chave do texto que Alice está singular, adoro. E quem adora? Eu adoro
lendo). São três telas que se su-
cedem, em três segundos: 1.
“Verbo adorar na primeira pessoa
do singular” – “Adoro” / 2. “Quem
adora?” / 3. “Eu adoro” - Anexo
20, figuras 222 e 223)

00:40 Corte seco, volta enquadramento Alice: A gente pode dizer então, que uma das
da professora utilidades da concordância...

00:43 Enquadramento da professora, Alice: ... é evitar a repetição. Ao concordar o


entra tarja com a expressão “evitar sujeito com o verbo, eu não precisei repetir quem
a repetição” concordou. Se o verbo está na primeira pessoa
do singular, o sujeito só pode ser eu.
00:52 Some a tarja. Continua enquadra-
mento da professora Alice: Adoras, por exemplo,...

00:55 Enquadramento da professora,


entra tarja com a expressão “Ado-
ras”

00:58 Some a tarja. Continua enquadra-


mento da professora Alice: ...só pode ser a forma verbal da segunda
pessoa, tu. Mas isso vale para as orações com
1:09 Enquadramento da professora, um único sujeito. Quando a frase tem mais de um
entra tarja com a expressão “For- sujeito, veja o que acontece
ma verbal da segunda pessoa tu”
(Anexo 20, figura 224) Efeito sonoro game
Alice: Eu e Marina adoramos música criativa. O
1:13 Corte seco, entra grafismo 5 sujeito composto, eu e Marina, pede o verbo na
(composição de círculos e texto primeira pessoa do plural, adoramos. Eu e Marina
que Alice está falando) Caracte- adoramos música criativa.
res: “Eu e Marina adoramos músi-
ca criativa”

1:26 Corte seco, volta enquadramento

218
da professora Alice: Criatividade também é qualidade dos bons
textos. Ao ler um texto do seu agrado, perceba
como o autor trabalhou a questão da concordân-
cia verbal.
FIM DA SEQÜÊNCIA

Seqüência 5 - VINHETA “REGRA GERAL” (8 segundos)


Uma animação gráfica intercala as letras da expressão “Regra Geral” com fotos do rosto da professo-
ra Alice. As letras e as fotos vão e vem, sobre um fundo em que círculos se movimentam. Ao final,
cria-se uma composição com as fotos, os círculos e o título da vinheta. Um jazz é usado como fundo
musica (Anexo 19, figuras 200 a 209).

Seqüência 6 - (12 segundos)


A câmera volta para a sala de aula, onde os alunos discutem a concordância dos verbos do texto.
Como eles têm opiniões diferentes, Chico e Analu tentam se lembrar das regras, para convencer os
colegas de que estão com a razão. Quando discutem a concordância do verbo ter (levantada na se-
qüência 2), a voz em off de Chico é preenchida com um grafismo:

SEG IMAGEM SOM

00:00 Close em Chico Chico: Nesta frase, Marina...

00:02 Sucessão de grafismos com mo- Efeito sonoro game


vimento de círculos, texto descen- ... o mato, o lixo, os ratos e as baratas formam um
do em estilo persiana e destaque sujeito composto. Então, o verbo vai para o plural.
para o verbo “têm” - (Anexo 20,
figuras 210 a 220):

00: 07 Corte. Close em Chico Têm, na terceira pessoa do plural, leva acento
circunflexo.

00:12 FIM DA TOMADA

Seqüência 7 - (41 segundos)


A câmera foca Pedro em plano fechado, que diz morar perto do terreno e que testemunhou o surgi-
mento de “rato em uma pá de casa lá do pedaço”. Seguem-se diálogos com depoimentos dos mora-
dores. Sobre a voz em off dos entrevistados, a pista de imagem alterna imagens dos alunos filmando
os moradores com imagens obtidas pela câmera dos próprios estudantes (Anexo 21, figuras 233 a
237). Um fundo musical de rock progressivo, que começa na entrada dos depoimentos dos morado-
res, torna a seqüência mais excitante.

Seqüência 8 - (4:03 segundos)

Corte seco. Close na tela do computador. Maria está digitando o texto coletivo. A pista de som repro-
duz a voz de Marina lendo o texto que está sendo escrito. A pista de imagem alterna planos abertos
da turma com closes de quem está falando. As tomadas duram entre 1 e 3 segundos, em média. Um
grafismo é introduzido para reforçar a dúvida quanto à conjugação do verbo provocar. Quando Marina
cmeça a ler a próxima frase, o fundo musical de rock progressivo cessa:

“Mais de um morador já viu ratazanas em suas casas, o que não acontecia antes. Segundo eles, já
houveram várias reclamações junto à Prefeitura, mas até agora nada foi feito”.

Marina fica na dúvida se o verbo haver deve vir no singular ou no plural. Analu argumenta que “verbo
haver no sentido de existir é singular”, e Chico complementa: “É impessoal, Marina, então fica houve
reclamações”.

Marina continua:

“Além disso, o terreno é invadido por gente que o utiliza para as mais diferentes finalidades. Há mó-
veis abandonados. Vidro quebrado, ferro velho enferrujado provocou / provocaram ferimentos em
algumas crianças”.

219
Novamente, Marina fica na dúvida e os colegas não entram num acordo. Enquanto ela escreve o
trecho, a pista de imagem alterna closes do teclado com closes na tela. Um grafismo destacando o
verbo hora no singular, ora no plural, enfatiza a dúvida dos alunos (Anexo 22, figuras 240 a 243).

Eles decidem deixar do jeito que está para conferir com a professora Alice, mais tarde. E Marina con-
tinua:

“Uma das crianças até precisou tomar soro contra tétano, porque o corte era muito fundo”.

Pedro continua a ditar o texto:

“Com a chegada do verão, a situação pode se agravar, porque a proliferação de insetos como bara-
tas, moscas e pernilongos colocarão em risco a saúde e o bem-estar das pessoas”.

Marina volta a ditar:

“Fazem dez dias que a situação piorou, pois foram jogados pneus velhos e isso está deixando todo
mundo alarmado. Além disso, todo mundo sabe que o mosquito da dengue pode se reproduzir na
água que fica parada nos pneus, e espalhar a doença”.

Pedro:
É urgente uma limpeza na área e uma proposta de uso desse terreno público”.

Analu sugere falar da pesquisa. Eles comentam entre si os resultados, mas não entram num acordo:
o melhor é construir quadra de esportes, campo de futebol, quadra de tênis ou piscina? Chico argu-
menta que é melhor pedir primeiro o que for mais barato. Maurício discorda, argumentando que “eles
demoram tanto par atender, que é melhor pedir tudo de uma vez!”

Maria tenta solucionar o problema, sugerindo que se coloque que “a maioria preferiu que, no terreno,
fosse construída uma quadra de esportes”. E continua:

“A comunidade escolar se compromete a fazer a conservação do terreno mas, para isso, precisa do
investimento e do apoio da prefeitura. Em anexo, seguem as assinaturas dos moradores que partici-
param da pesquisa realizada. Atenciosamente...”

Neste instante, a professora Alice entra na sala. Os alunos contam que estão preparando um docu-
mento para reclamar à prefeitura dos problemas do terreno. A professora os alerta para o risco de
serem mal-interpretados e “se meterem em confusão”. Eles respondem que não há perigo “porque
tudo está documentado”. Eles mostram a carta que acabaram de redigir, alertando que “o que está
pegando é a concordância verbal”. E pedem para a professora corrigir o texto.

Seqüência 9 - (9:11 segundos) – Correção da carta

Alice pega a carta e começa a corrigir os verbos, nesta seqüência:

SEG IMAGEM SOM

00:00 Entra grafismo com a composição Efeito sonoro game


de círculos em movimento. A frase Alice: Deixa eu ver. Ah, olha só, mais de um mo-
desce em estilo persiana, a expres- rador já viu ratazanas em suas casas, o que não
são “mais de um”, é destacada, acontecia antes.
depois volta ao normal. O texto des-
ce para a borda inferior do quadro.

00:03 Corte. Plano fechado de Alice Alice: Quando o sujeito é formado por expressões
como mais de ou menos de, o verbo sempre deve
concordar com o numeral que veio antes

Os alunos dizem frases para exercitar a regra. Sobre a voz deles, na pista de imagem, são alterna-
dos closes de quem está falando com grafismos reproduzindo as frases e destacando as expressões

220
“mais de”, “menos de”, “um”, “dez”, “viu” e “viram”. O ritmo é o mesmo do grafismo descrito no quadro
acima, com quatro operações em dois segundos, em média.

Pedro: Mais de um morador viu gente jogando lixo à noite na rua


Analu: Mais de um morador viu
Marina: Mais de dez moradores disseram que, de noite, gente entra lá e faz o que não deve.
Analu: Mais de dez moradores disseram

Alice complementa a questão: “Muito bem. Então, a mesma regra vale para expressões como cerca
de e mais de um. No caso da expressão mais de um, também ocorre o plural em duas situações.
Quando há reciprocidade...”

Marina: “Depois do jogo, mais de um jogador se cumprimentaram” (entra grafismo com a frase)

Alice: “Isso mesmo. Jogadores cumprimentaram-se entre eles. Ou então, quando a expressão se
repete”.

Chico: “Mais de um aluno, mais de um professor compareceram à inauguração”.

Alice: “Mais de um aluno, mais de um professor, então o verbo vai para o plural”

A professora continua na carta e elogia o uso correto do verbo haver. Na seqüência, ela pergunta
como ficaria o uso do verbo existir no lugar de haver.

Chico lê a frase: “Já existiram diversas reclamações junto à prefeitura, mas nada foi feito”. A voz em
off é preenchida com um grafismo, nas mesma seqüência dos anteriores, destacando a expressão
“existiram”.

Analu argumenta: “Por que o verbo existir não é impessoal, tem sujeito. Portanto, neste caso, ele
estaria no plural”.

Alice continua com a frase “Vidro quebrado ou ferro velho enferrujado provocou / provocaram ferimen-
tos em algumas crianças”. Marina conta que esse foi o ponto polêmico, em que eles não chegaram a
conclusão. Alice explica:

SEG IMAGEM SOM

00:00 Entra grafismo com a composição Efeito sonoro game


de círculos em movimento e a ex- Alice: Então. Quando há a idéia de exclusão, o
pressão “Exclusão = verbo no singu- verbo vai para o singular.
lar”

00:04 Corte. Plano fechado de Alice Alice: Se, ao contrário, a idéia é de inclusão,

00:06 Entra grafismo com a composição Efeito sonoro game


de círculos em movimento e a ex-
pressão “Inclusão = verbo no plural” Alice: ... o verbo então vai para o plural. Nesse
caso ...

00:12 Corte. Plano aberto do grupo Alice: ... aqui, específico, a ...

00:14 Corte. Close em Chico Alice: ... idéia é de ...

00:15 Corte. Plano aberto do grupo Alice: ... inclusão porque tanto o vidro quanto o
ferro velho ...

00:17 Entra o grafismo com a frase com- Alice: ... são os responsáveis pelos ferimentos
pleta, porém apenas com o verbo no causados nas crianças.
plural.

221
Alice continua: “Com a chegada do verão, a situação pode se agravar, porque a proliferação de inse-
tos como baratas, moscas e pernilongos colocarão em risco a saúde e o bem-estar das pessoas”.
Ops! Colocarão?

Analu diz que a frase é do Pedro e Alice a repreende por “dedurar”.

SEG IMAGEM SOM

00:00 Plano aberto do grupo Alice: Esse é um típico caso em que as pessoas
tendem a ter uma certa dificuldade em fazer a
concordância. Por isso, eu acho que valeria a
pena a gente prestar um pouquinho mais de a-
tenção a essa frase. Se vocês perceberem bem,
o verbo está bem distante do sujeito.

00:16 Corte. Plano com Marina na frente, Alice: Entre eles há muitas palavras no plural
desfocada, e Analu no fundo, focada

00:18 Corte. Plano aberto do grupo Alice: Quando isso acontece, a tendência é jus-
tamente fazer a concordância com essas palavras
que estão no plural, e foi exatamente isso que
aconteceu aqui. Eu vou dar um outro exemplo,
para ver se eu me faço mais clara. A construção
de prédios e de casas está alterando a paisagem
da região. Normalmente, as pessoas colocam o
verbo no plural, estão. Mas é errado, porque o
sujeito é a construção. É a construção que está
alterando. Voltando para p exemplo de vocês, o
sujeito da frase é a ...

00:52 Entra grafismo. Sobre fundo branco, Alice: ...proliferação de insetos, o núcleo do sujei-
aparece a frase “a proliferação de to está no singular e é com esse substantivo que
insetos como baratas, moscas e o verbo deve concordar.
pernilongos, colocarão em risco a
saúde das pessoas” . A expressão
“proliferação” alterna-se nas cores
preto e vermelho, num efeito de
pisca-pisca.

00:56 No mesmo grafismo, o verbo “colo-


carão” é substituído pelo verbo “co-
locará”, que recebe o mesmo efeito
de pisca-pisca

Alice continua, corrigindo a frase “Fazem dez dias que a situação piorou”, argumentando que “o verbo
fazer, indicando tempo passado, é impessoal e que “o correto é faz dez dias”. Ela complementa a
informação, conjugando o verbo haver, que teria a mesma estrutura: “há dez dias que a situação pio-
rou”. O diálogo é preenchido com imagens da turma em plano aberto e grafismos com a costumeira
composição de círculos, a entrada, a correção e a saída da frase.

A correção prossegue no trecho “é urgente uma limpeza da área e uma proposta de uso”. Ela explica
que, normalmente, o verbo vai para o plural: “são urgentes”. A professora continua: “mas há uma
outra possibilidade também que é o verbo concordar com o núcleo mais próximo, porque ele está
colocado antes do sujeito composto”. A frase é preenchida com um grafismo no estilo costumeiro, que
reproduz a frase “é urgente uma limpeza da área e uma proposta de uso” e destaca a expressão “lim-
peza da área”. Os alunos decidem colocar o verbo no plural. Os diálogos são preenchidos com esta
seqüência de imagens:

222
00:00 – plano da turma
00:09 – grafismo com a frase: “é urgente uma limpeza...”
00:18 – mudança no verbo do grafismo: de “é urgente uma limpeza...” para “são urgentes uma limpe-
za...”
00:19 – efeito de pisca-pisca no verbo “são”
00:25 – plano da turma
00:28 – grafismo com a frase: “é urgente uma limpeza...”
00: 29 – destaque para a palavra “limpeza”
00:32 – plano da turma
00:36 – grafismo com a frase: “são urgentes uma limpeza e uma proposta”
00:37 – destaque para as palavras “limpeza” e “proposta”
00: 41 –plano da turma

Alice passa a corrigir o trecho “de acordo com uma pesquisa realizada na comunidade, a maioria dos
entrevistados preferiu que, no terreno, fosse construída uma quadra de esportes. Ela diz que a con-
cordância pode ser feita tanto com maioria, com verbo no singular, quanto com entrevistados, com
verbo no plural. E pergunta aos alunos por que. Eles ficam na dúvida, e ela ensina que depende do
ponto-de-vista que se quer destacar. Se idéia for destacar o conjunto, então o verbo deve concordar
com a expressão “maioria”. Se a idéia for destacar os entrevistados, então o verbo deve vir no plural.
Os alunos avaliam que preferem enfatizar a presença dos entrevistados, e optam pela segunda cons-
trução.

Alice termina a correção parabenizando os alunos pela construção “Em anexo, seguem as assinatu-
ras dos moradores que participaram da pesquisa realizada. Um grafismo com a reprodução da frase
preenche a voz em off da professora mas, desta vez, não há palavra destacada.

Terminada a correção, os alunos mostram um cartaz com um gráfico em forma de pizza, que repro-
duz os resultados da pesquisa (Anexo 23, figuras 248 a 250). Enquanto a câmera explora detalhes
do cartaz, entra um fundo musical em estilo eletrônico, que dura 26 segundos. Marina salienta que
“42% optaram por uma quadra de esportes”. Alice aproveita para comentar que “se o substantivo
estiver no singular, depois da porcentagem, a concordância pode ser feita tanto no singular quanto no
plural?”. Enquanto ela fala, a tela é preenchida com o grafismo de círculos, que introduz a expressão
“substantivo no singular depois da porcentagem = concordância tanto no singular quanto no plural”.
Bento, o servente da escola, está na classe e reforça o que acabou de ser dito:

Bento: Dona Alice, eu posso dar um exemplo?


Alice: Claro, Bento!
Bento: Então, eu posso construir a minha frase assim, né? 42% da população prefere
Pedro interfere: Ou 42% preferem
Maurício (aproveita a deixa de Pedro): um campo de futebol!
Marina: Não, não! A gente tinha combinado que ia ficar preferem uma quadra de esportes
Alice: Tá, tá. Mas se o substantivo que acompanha a porcentagem estiver no plural, a tendência atu-
almente é que o verbo concorde com ele.
Marina: Então, 42% votaram pela quadra de esportes
Chico: 27% escolheram uma horta comunitária
Pedro: 16,5% votaram por uma praça pública
Maurício: 13% preferiram um parque para as crianças

223
O diálogo acima dura 42 segundos. Neste tempo, são incluídas as seguintes imagens:

1. Close de Bento
2. Grafismo com os círculos, a frase “42% da população prefere...”, destaque da expressão “popula-
ção prefere”, volta ao normal, sumiço da frase e permanência da composição com círculos
3. Close de Pedro
4. Plano aberto da turma
5. Grafismo com a regra “se o substantivo que acompanha a porcentagem estiver no plural, a tendên-
cia é que o verbo concorde com ele” – as palavras “substantivo”, “plural”, “tendência” e “verbo” ficam
em negrito e depois voltam ao normal
6. Troca de frase sobre o mesmo fundo: “42% dos entrevistados votaram pela quadra de esportes” –
as palavras “entrevistados” e “votaram” são destacadas em negrito e voltam ao normal
7. Troca de frase sobre o mesmo fundo: “27% escolheram uma horta comunitária” – a palavra “esco-
lheram” é destacada em negrito e volta ao normal
8. Troca de frase sobre o mesmo fundo: “16,5% votaram por uma praça” – a palavra “votaram” é des-
tacada em negrito e volta ao normal
9. Troca de frase sobre o mesmo fundo: “13% preferiram um parque para as crianças” – a palavra
“preferiram” é destacada em negrito e volta ao normal

No final, Alice percebe um último erro no cartaz: 1,5% não optaram. “A concordância aqui deve ser
feita com o numeral 1. O plural só seria possível se fosse 1,5% dos entrevistados não optaram, con-
cordando com entrevistados e não com a porcentagem”. A frase é preenchida com a mesma estrutura
de círculos se movimentando para criar a composição e a sucessão das seguintes frases:
“1,5% não optaram”, que depois é substituída pela construção correta “1,5% não optou” e depois pela
frase “1,5% dos entrevistados não optaram”, com efeito de destaque para as palavras “entrevistados”
e “optaram”.
Feitas as correções, os alunos percebem que estão com pouco tempo, e se apressam para finalizar o
material e levá-lo até a prefeitura. O fundo musical da seqüência 1 volta, sob imagens dos alunos
organizando papéis, fotos, fita de vídeo etc. A câmera passeia pela sala, revela detalhes e une ima-
gens com o efeito do chicote.

Seqüência 10 - (4 segundos) – VINHETA DE PASSAGEM DO TEMPO

Uma montagem com imagens de relógios sobre fundo musical indica a passagem do tempo. Sobre a
montagem dos relógios surge a frase “quatro meses depois...”. A pista sonora é preenchida com efei-
to sonoro de tic-tac e despertador de relógio.

Seqüência 11 - (55 segundos) – ENDEREÇAMENTO DA REIVINDICAÇÃO

A pista sonora reproduz um pagode tocado por grupo amador.


A pista de imagens reproduz a seguinte seqüência:

SEG IMAGEM

00:00 Pedro compra cachorro quente. Marina se aproxima. Corte seco

00:06 Plano aberto, pessoas entram na quadra. Corte seco

00:08 Plano fechado, movimento de câmera horizontal, da esquerda para a direita do quadro,
mostrando os membros do grupo que toca o pagode. Corte seco

00:11 Plano aberto da quadra, cheia de gente. Pedro está no centro do enquadramento. Corte
seco

224
00:13 Close em Marina, olhando ao redor e sorrindo. Corte seco

00:15 Close no cartaz em que está escrito “A prefeitura fez o que a maioria dos moradores
propuseram”. Corte seco

00:17 Plano aberto da quadra mostra um grupo jogando Capoeira. Corte seco

00:20 Close em Marina. No plano de fundo há uma ilustração de personagem do Pókemon.


Corte seco

00:22 Plano fechado de Chico. No plano de fundo lê-se o cartaz “Há meses sonhamos com
essa realidade”. Corte seco

00:23 Plano aberto do grupo jogando Capoeira. Corte seco

00:26 Plano fechado de Marina e Alice. Marina aponta o cartaz no fundo da quadra (“A prefei-
tura fez...”). Corte seco

00:29 Close em Analu na frente do cartaz (“Há meses...”). Corte seco

00:32 Plano médio de Alice e Marina sambando. A câmera em zoom focaliza novamente o
cartaz (“Há meses...”).Corte seco

00:35 Plano médio da quadra, do lado de fora. Corte seco

00:40 Outro plano médio da quadra, do lado de dentro

00:55 FIM DA SEQÜÊNCIA

VINHETA DE ENCERRAMENTO - (1:20 segundos)


Sobre um fundo com composição de círculos, sobe uma tarja que imita película cinematográfica, com
frames de cenas de diversos episódios da série. Ao término da subida da película, começa a subida
dos créditos do programa. O fundo musical é semelhante ao de abertura.

COMENTÁRIO

A série “Na ponta da língua” parece colocar em prática as idéias defendidas por Car-
neiro (ver capítulo 4), para quem os programas didáticos tendem a ser melhor recebidos
quando misturam o conteúdo pedagógico com formatos típicos da televisão de entreteni-
mento. Assim, os vídeos mesclam as lições de gramática (expressas de maneira formal nas
explicações da professora Alice e na seqüência “Regra Geral”) com a narrativa ficcional (ex-
pressa nos dilemas e projetos dos estudantes), o impacto visual (construído em grafismos e
seqüências que imitam a estrutura do vídeoclipe) e a emotividade (obtida com recursos de
som e de imagem nas seqüências iniciais e finais, principalmente).
Este último aspecto, o da emotividade, talvez seja o que melhor representa a propos-
ta de unir conteúdo escolar com entretenimento, ao incluir conflitos que devem ser resolvi-
dos no final do programa. Assim, no primeiro episódio, “Concordância verbal”, os alunos
preparam um relatório para reivindicar à prefeitura que resolva o problema de um terreno
baldio sujo, transformando-o em uma quadra de esportes para a comunidade. O empenho
dos alunos traz resultados: no final, eles participam da festa de inauguração da quadra. To-

225
dos aparecem sorridentes e satisfeitos. Tem-se um final feliz, portanto. Do ponto de vista
puramente pedagógico, as lições poderiam ser perfeitamente ensinadas sem mostrar a con-
clusão do pedido feito à prefeitura.
A caracterização dos personagens também foi feita em sintonia com as fórmulas da
ficção seriada comercial. Cada estudante pode ser visto como um estereótipo (logo um re-
trato simplista) do público escolar. Marina é uma “hippie de fachada”, usa roupas típicas,
mas não tem comportamento tão diferente de Analu, a “patricinha” da turma. Chico é o poe-
ta e toca violão. Maurício é o desenhista e Pedro, um migrante do Nordeste. Marina, Analu e
Chico têm sotaque paulistano. Maurício tem sotaque de paulista do interior e Pedro tem so-
taque nordestino. Pode-se dizer que o grupo é um retrato da diversidade típica da cidade de
São Paulo e, nesse sentido, repete a centralidade no Sudeste, já criticada tanto em livros
didáticos, quanto na produção de novelas da TV Globo.
Em relação aos conteúdos ensinados, embora a série misture entretenimento e edu-
cação formal, o roteiro não perde a perspectiva didática. Das 11 seqüências que compõem o
episódio, quatro são vinhetas (abertura e encerramento do programa, abertura e encerra-
mento da seqüência “Regra Geral”), três compõem a narrativa ficcional (abertura, depoimen-
tos de moradores da comunidade e festa de inauguração da quadra) e quatro são planeja-
das para ensinar regras de concordância verbal (seqüências 2, 4, 6, 9), com tempo
proporcionalmente maior. Essas quatro seqüências ocupam 11 dos 19 minutos e 47
segundos do programa, que incluem os créditos.
Os recursos de linguagem empregados têm aspectos positivos e negativos, segundo
a perspectiva teórica desta pesquisa. Como aspecto negativo, pode-se destacar o uso do
timing e enquadramentos típicos da TV comercial. Como aspecto positivo, pode-se destacar
o emprego de recursos de redundância para facilitar a compreensão de um conceito: quan-
do uma informação é importante, ela é repetida com recursos diferentes nos canais sonoro e
visual. Portanto, o resultado é atraente e didático, ao mesmo tempo.
Vejamos exemplos de aspectos negativos. Na abertura do vídeo, são usados movi-
mentos exagerados de câmera, tomadas de 1 segundo ou menos, fundo musical excitante e
enquadramentos que distorcem a realidade. Os alunos examinam um terreno que está vi-
rando depósito de lixo, mas um pneu velho serve de moldura para enquadrar o grupo. Em
outras palavras, um entulho, que é originalmente feio e perigoso, embeleza a tomada no
local. Trata-se de um exibicionismo estético que distorce a realidade (figuras do Anexo 18).
No final da seqüência 9, os alunos organizam o material produzido, e as tomadas novamen-
te são rápidas, cheias de efeitos e movimentos de câmera, com fundo musical excitante. A
situação se repete na última seqüência, a da inauguração da quadra.
O emprego desses recursos deve ser visto com cuidado, se o propósito for gerar um
programa que ensine de fato, e não seja só atraente. Não é exagero perguntar se não há a
possibilidade de uma abertura excitante criar no aluno a disposição mental para o entrete-

226
nimento, dificultando a concentração exigida nas seqüências que ensinam o conteúdo esco-
lar. Talvez, para garantir a aprendizagem, o vídeo já devesse começar em tom mais calmo e
reflexivo para, desde o início, exigir do espectador estudante a concentração mental neces-
sária para a compreensão do conteúdo das seqüências 2, 4, 6 e 9.
Por outro lado, há passagens em que o roteiro soube dosar mensagem estética e
mensagem semântica, criando tomadas ao mesmo tempo atraentes e instrutivas.
A seqüência “Regra Geral” talvez seja o melhor exemplo. Nela, a professora Alice fa-
la diretamente ao espectador, em plano fechado, com fundo neutro. Um fundo musical muito
discreto dá ritmo à fala, mas é quase imperceptível, e não age como ruído, sobrecarregando
o canal, a exemplo da situação diagnosticada na série “Agora é com vocês”. Além disso,
palavras-chave e exemplos do que ela está falando aparecem ora sob uma tarja colorida na
parte inferior do quadro (Anexo 20, figuras 224), ora nos grafismos que preenchem a pista
visual (Anexo 20, figuras 221 a 223). A opção pelo grafismo televisual se enquadra na situ-
ação descrita por Gunter (ver capítulo 4), na qual o uso desse tipo de recurso destaca um
aspecto em detrimento de outro. Se o destaque for pedagogicamente planejado, facilita a
compreensão da idéia. Se for usado apenas como recurso ilustrativo, pode comprometer a
intelecção. As análises indicam que o planejamento foi didático na série “Na ponta da lín-
gua”, pode pode ser verificado no roteiro acima.
Entretanto, um detalhe não pode passar despercebido: a velocidade com que a com-
posição de círculos,a entrada do texto, os destaques ou correções e a saída do texto se su-
cedem. Veja-se a tomada da seqüência 6, em que os alunos discutem a concordância do
verbo ter na terceira pessoa do plural. Em seis segundos, o espectador deve processar a
regra de gramática falada por Chico, a animação gráfica com os círculos, o surgimento do
texto no grafismo, a correção do verbo ter e a saída do texto, mais o efeito sonoro de game.
Não seria informação estética em excesso, prejudicando a memorização de uma regra gra-
matical?
Outro aspecto positivo foi encontrado no início da seqüência 9, quando a professora
ensina a regra para o uso das expressões “mais de” e “menos de”. O roteiro inclui tomadas
dos alunos dando exemplos de uso, uns aos outros, usando as informações da carta que
estão escrevendo. Trata-se de um recurso de redundância semântica, mas com variação
estética, que torna a mensagem mais inteligível.
Portanto, a impressão geral é de que o vídeo é didático, tem informação relevante,
mas, algumas vezes, peca pelo excesso de informação não-verbal no sintagma e usa cli-
chês comerciais talvez não muito adequados ao gênero didático.

227
QUADRO 24 – ANÁLISE DO PROGRAMA “ORTOGRAFIA”

Título do programa: “Concordância verbal”


O título compõe a série “Na ponta da língua”
Duração: 22’19’’
Produção: TV Escola / MEC – Brasil, sem data
Direção: Messina Neto
Conteúdo inicial: Dad Squarisi
Desenvolvimento de conteúdo: Lenira Buscato, Paula Parisi e Beatriz Marcondes
Roteiro: Douglas Salgado

Story line – Um grupo de adolescentes estudantes de escola pública aprende regras de gramática da
língua portuguesa em atividades do dia-a-dia (Anexo 16, figuras 148 a 157, com caracterização dos
personagens e cenários)

Argumento – No segundo programa, Maurício faz um teste para uma vaga como pintor de cartazes e
se atrapalha com a ortografia das palavras. Ao chegar à escola, lamenta-se com os colegas, e mostra
o papel com os erros cometidos. A professora Alice chega e se oferece para corrigir os erros de Mau-
rício. A situação gera o pretexto para a abordagem das regras de ortografia da língua. No final, os
alunos produzem cartazes para o festival de poesias da escola, sem cometer erros. . Os conteúdos
didáticos são tratados nas conversas entre os colegas, nas revisões feitas em aulas informais com a
professora Alice e na seqüência chamada “Regra Geral”, em que a professora, falando com o espec-
tador, ensina normas básicas do tópico tratado no programa.

ROTEIRO

Vinheta de abertura (11 segundos)


Sob fundo musical funk, intervenções gráficas apresentam os sete personagens da série: os alunos
Maurício, Chico, Analu, Pedro e Marina, Bento, servente da escola, e Alice, a professora. Eles se
sucedem dentro da mesma estrutura gráfica, que consiste numa cena de 1 segundo. Um efeito de
degradê apaga o plano de fundo. Atrás de cada personagem surge uma composição de círculos. A
seguir, o nome de cada um “despenca” do alto, em letras no estilo decorativo. O nome “salta” de vol-
ta, os círculos somem, o degradê regride e a cena volta ao estado de origem. Uma fusão a liga com a
cena do próximo personagem (Anexo 17, figuras 158 a 174), que tem o fundo substituído por uma
composição com círculos. Quando os sete personagens são apresentados, uma nova composição de
círculos introduz uma imagem de baixo para cima com os cinco alunos (Anexo 17, figuras 175 a
179). O título da série “Na ponta da língua” desliza da esquerda para a direita. A composição é então
substituída por outra e o título de cada episódio “despenca” e se fixa no centro da tela (Anexo 17,
figuras 180 e 181).

Seqüência 1 (35 segundos)


Fundo musical de rock. Maurício desce uma escadaria e passeia por uma rua comercial. A seqüência
mescla planos abertos do local, planos fechados do estudante e closes em placas nas ruas, escritas
com erros de ortografia (Anexo 24, figuras 255 a 260):

“Borraxaria”
“Aproveite nossos preços baichos”
“Disk comida chineza”
“Estassione aqui”
“Comida cazeira”
“Concerta roupas”
“Rita manicuri”
“Açougue Boi Bão”

228
Maurício pára numa banca de rua que anuncia “Promossão imperdível” de bonés. Ele repete a pala-
vra, estranhando a grafia. Um efeito gráfico sobrepõe todas as placas juntas (Anexo 24, figuras 261
a 263). Aos 35 segundos, outro efeito gráfico faz a transição para a próxima seqüência, que se de-
senrola na cantina da escola (Anexo 25, figuras 268 a 274).

Seqüência 2 (2:23 segundos)


Movimentando-se da esquerda para a direita, a câmera passeia pela cantina da escola e enquadra,
em plano aberto, Chico, Marina e Pedro. Chico toca violão e tenta compor uma poesia. Analu se a-
proxima e pergunta por Maurício, irritada, porque eles precisam organizar o festival de poesia. Maria
pede calma, porque o colega foi fazer um teste para um emprego como pintor de cartazes.

Maurício chega, cabisbaixo. Os colegas perguntam como foi o teste e ele responde que acha que
“não deu”. “O que foi? Seu estilo não agradou?”, Chico pergunta. Maurício responde que o estilo a-
gradou sim, “Mas eu vacilei nas palavras”, salienta. Ele conta que precisou fazer uma placa, a partir
de um texto ditado pelo dono do estabelecimento, “porque muitos clientes encomendam serviços por
telefone”, explica. “E o empregado que eles precisam lá tem que ter aquela intimidade com as pala-
vras. Senão, é aquele vexame: sai palavra errada, tem que refazer. É uma tremenda dor de cabeça
para o dono”.

Marina tenta consolar o colega. A conversa cria o pretexto para ensinar um truque de memorização
de ortografia:

SEG IMAGEM SOM

00:00 Close em Analu Analu: Eu me lembro bem do dia em que você


escreveu na lousa ...

00:03 Corte, plano aberto do grupo Analu: ... em cima tudo junto e embaixo separado.
Naquele dia, a Alice ficou vermelha de vergonha,
que a diretora achou que ela estava com febre

00:11 Corte. Close em Maurício Maurício: Nossa, essa eu não esqueço mais.

00:13 Corte, plano aberto do grupo, com Maurício: Foi o dia do “V”
Bento se aproximando

00:15 Corte. Close em Bento Bento: “V” de vitória?

00:16 Corte. Close me Analu Analu: “V” de vê se não esquece mais.

00:18 Corte. Close em Bento Bento: Não entendi

00:20 Corte. Close nas mãos de Maurício, Maurício: Óh: em cima ...
fazendo um “V” com os dedos indica-
dor e médio.

00:21 Entram caracteres da expressão “em Maurício: ... é sempre separado.


cima” (Anexo 22, figura 246)

00:23 Somem caracteres

00:23 Entram caracteres da expressão “em- Maurício: E embaixo, é sempre junto


baixo” (Anexo 22, figura 247)

00:25 Somem caracteres

00:26 Corte. Plano do grupo Analu: Viu só? Você sabe. É só relaxar, prestar
atenção.

00:29 Corte. Close em Analu Ler um pouco também ajuda. E saber algumas
regrinhas também. Mas, para isso, a Alice tem
uns truques ótimos, como esse que ela ensinou.
00:40 FIM DO DIÁLOGO

229
Os colegas se questionam se Maurício foi tão mal quanto pensa. Para comprovar, ele mostra o ras-
cunho do ditado que anotou. A câmera foca o papel com os erros (Anexo 21, figuras 238 e 239).

Alice chega e os alunos pedem para ela dar umas dicas de ortografia. Alice pergunta como foi o teste,
e Maurício começa a contar: “O gerente ditou um texto que o cliente mandou por telefone...” (efeito de
faid out até o som desaparecer).

Seqüência 3 (5 segundos) - VINHETA


Sobre a imagem em close de Maurício, surgem uma série de relógios girando em sentido contrário,
com efeito sonoro de tic-tac. Um efeito de fusão liga a imagem dos relógios à da próxima seqüência.
(Anexo 26, figuras 284 e 285)

Seqüência 4 (1:04 segundos)


O gerente do estabelecimento dita o texto do cartaz para Maurício: “manicure e pedicure”. Maurício
fica na dúvida sobre a grafia e pede o papel “para eu ter o exemplo”. O gerente responde que “anotou
rápido” e que não é preciso ter o papel. Maurício tenta adivinhar a grafia das palavras.A câmera en-
quadra o papel com as anotações dele. Sobre fundo musical de música eletrônica, Maurício pinta a
placa. A seqüência tem timing ágil, movimentos de câmera e efeitos de “chicote”e fusão de imagem.
A sucessão de imagens dura 11 segundos, nesse ritmo:

SEG IMAGEM SOM

00:00 Close de Maurício Fundo musical de música eletrônica

00:01 Fusão de imagem do close com um


movimento de câmera que parte d
mão pintando para o rosto

00:03 Fusão com imagem do cartaz. A câ-


mera faz um movimento de semi-
círculo, explorando os erros de orto-
grafia

00:05 Fusão de imagem. Câmera filma


Maurício de costas, ainda trabalhando
no cartaz

00:07 Fusão de imagem. Maurício de frente


para a câmera, em plano médio, ava-
liando o resultado final

00:09 Fusão de imagem. A câmera explora


o cartaz novamente, mostrando a
produção visual atraente, porém com
erros de ortografia

00:11 Fusão de imagem. Maurício olha o


cartaz e põe o boné

FIM DA TOMADA

Seqüência 5 (2 segundos) - VINHETA


A série de relógios com efeito sonoro de tic-tac faz a ligação com a tomada da cantina.

Seqüência 6 (31 segundos)


Os diálogos são preenchidos com planos abertos do grupo e planos fechados de cada um. Alice diz
que pode imaginar como a placa ficou bonita, mas que, olhando as anotações, percebe que ele co-
meteu erros graves. Os colegas dizem que Maurício “’é um artista”, e Analu comenta: “mas é um fra-
casso nas palavras, né, professora?”. Os colegas a repreendem pela grosseria. A professora propõe
ao grupo ir até a “sala multiuso” para conversar sobre regras de ortografia.

230
Seqüência 7 (1:10 segundos)
Um efeito gráfico de espiral liga a tomada da cantina coma tomada da sala multiuso (exemplo do
efeito no Anexo 25, figuras 268 a 274). A câmera enquadra o grupo de cima, com lente grande
angular. No centro inferior do quadro vê-se uma revista da TV Escola (Anexo 16, figura 157).

Alice propõe iniciar a conversa pelo significado da palavra ortografia. A definição dada pela professo-
ra é preenchida com um plano médio dela e de Bento, segurando um dicionário mais um grafismo no
mesmo estilo dos anteriores (com a composição de círculos que se movimentam, texto que desce em
estilo persiana, destaque para as palavras-chave, volta ao normal e texto descendo em estilo persia-
na). O texto do grafismo é “Orthós + Graphé”.

Alice: Ortografia vem do grego orthós e graphé. Orthós significa certo, direito, e graphé, escrita. No
dicionário, vocês podem encontrar mais de um significado para a palavras ortografia. Mas o que inte-
ressa para nós agora é aquele que diz que ortografia é a escrita correta das palavras.

Bento, examinando o dicionário, diz que “é muita palavra para uma pessoa só saber”, e pergunta
como que se faz para decorar tudo aquilo. A professora responde que, com certas palavras, não há
outro jeito, a não ser memorizar, porque não há uma regularidade. Subitamente, ela pergunta: “vocês
não estão organizando o festival de poesias da escola?”. Marina diz que, além de organizar, eles
também estão participando com poesias. Alice argumenta que essa é uma boa oportunidade para
lembrar algumas regras de ortografia porque “certamente elas irão ajudar tanto nos textos de divulga-
ção, quanto nas poesias que vocês estão criando”.

Corte seco

Seqüência 8 (4:50 segundos) – O desafio

A câmera enquadra Analu: Que tal um desafio? A palavra é...

Alice: ... é um gancho para uma poesia.

A professora sugere a palavra família, e Chico pergunta se pode ser uma música. Ele começa a tocar
violão e os colegas cantam a música “Família” da banda Titãs. À medida que eles cantam, a letra da
música é exibida sobre uma tarja azul que aparece na parte de baixo da tela (Anexo 20, figura 231)

Alice: Pera aí! Aproveitando o ensejo da música do Chico, Mau, vamos retomar o seu texto. Aqui,
você escreveu família com lh (neste instante, a câmera foca Analu, que diz “nossa!”, e todos olham
para ela com ar de reprovação). Apesar do som semelhante, o correto é família (ela enfatiza o som
“li”). Para você saber se esse som lia é com l ou lh, você tem duas maneiras. Ou você já tem memori-
zada a forma correta, ou então você vai ter que recorrer ao dicionário. Mas não vale desistir na pri-
meira tentativa, heim? Você pode até encontrar a grafia de cara, mas nem sempre isso acontece.

A pista de imagem é preenchida com planos fechados da professora e dos alunos, prestando atenção
na fala dela.

Eles continuam o desafio.

Alice: Palavras que a gente fala com som de “z”, mas que são escritas com “s”, “x” ou “z” (durante a
fala,a pista de imagem reproduz um grafismo com a composição de círculos e o texto em persiana e
com destaque de palavras-chave (exemplos no Anexo 27, figuras 286, 287, 296 e 297)
.

Marina declama:
“Com atenção, examino casamentos. Os motivos, confessor, nem sempre entendo. Quem casou, quis
casa, não hesitou. Diriam sim, mesmo se quisesse dizer não. Os juízos da razão, o apaixonado de-
vastou nas chamas desta insana emoção. De tudo isso, fica a questão: na ecologia do amor, além da
amizade, respeito e carinho,o que ainda há para merecer preservação?

Durante a fala, a pista de imagem reproduz cenas de objetos que remetem a romantismo e cerimônia
de casamento:

nesse ritmo:

231
SEG IMAGEM SOM

00:00 Bonecos de bolo, surge o texto “exa- Poesia declamada por Marina
mino casamentos”

00:04 Colar de pérolas,surge a palavra “ca-


sou”

00:07 Sobre a mesma imagem do colar, a


palavra “”casou” é substituída pelas
palavras “casa” e “hesitou”

00: 09 Imagem de um véu de noiva que em-


baça a tela. Surge a palavra “sim”

00:11 Novamente a imagem dos bonecos


de bolo. Surge a palavra “quisesse
dizer”

00: 16 Câmera explora um conjunto de obje-


tos: grinalda de noiva, espelho, caixi-
nha de música.

00:23 Sobre a mesma imagem, surge a


palavra “amizade”

00:27 Imagem dos bonecos de bolo. Câme-


ra se desloca e foca um broche com
pedras coloridas

00:29 Fusão de imagem com plano médio


de Marina

FIM DA TOMADA

Analu: Palavras que a gente diz com som de “g”, mas que são escritas com “j” ou “g” (a pista de ima-
gem é preenchida com o grafismo no mesmo estilo do desafio anterior)

Pedro declama:
“Cheguei hoje da caatinga, e deixei meus trem tudo pra trás: mulher, filho e animar. E a fé em dia mió.
Só plantação não deixei, porque o que era verde, a seca matou. Abandonado nessa cidade de São
Sebastião, ainda ontem sonhei que falava com o imperador. Magestade, para tirar da miséria o povo,
só tem que dizer: terra pra quem trabalha e estudo pros ingnorante. E se me perdoa ser tão petulan-
te, deixo aqui mais a última sugestão: pro xadrez manda urgente os nogento da corrupção.

SEG IMAGEM SOM

00:00 Câmera passeia por um cenário com Poema recitado por Pedro, com fundo musical
rede de dormir, cactus, acordeão, folclórico
chapéu de vaqueiro. Surge a palavra
“caatinga”

00:04 Some a palavra “caatinga” e a câmera


continua a deslizar para a direita

00:20 Fusão de imagem com um close de


detalhes do acordeão. Câmera explo-
ra o instrumento com um movimento
horizontal

232
00:22 Entra o texto “magestade”. Câmera
continua se deslocando e explora
detalhes do chapéu de vaqueiro

00:30 Fusão de imagem, com outro close do


acordeão. Câmera explora o instru-
mento num movimento vertical, de
cima para baixo.

00:37 Surge a palavra “sugestão” e some


em um segundo

00:40 Sobre mesma tomada, surge a pala-


vra “urgente” e some em um segundo

00:42 Fusão de imagem com plano médio


de Pedro

FIM DA TOMADA

Marina: Agora eu quero propor uma: palavras que se falam com som de “x”, mas que se escrevem
com “ch”ou com “x” (a pista de imagem é preenchida com o grafismo no mesmo estilo dos desafios
anteriores)

Analu declama: Eu sei. Enquanto mexia na xícara meu chá, pensava numa enchente de enxadas.
Mas calejadas remexem a terra e, a cada golpe, puxam a miséria do mês, Ah! Doce prazer um chazi-
nho me dá (Seqüência de imagens deste texto estão no Anexo 27, figuras 288 a 295).

SEG IMAGEM SOM

00:00 Câmera enquadra, em plano fechado, Declamação de Analu, com fundo musical instru-
objetos requintados para servir chá. mental suave
Mãos femininas bem tratadas põem
água na xícara

00:02 Surgem as palavras “mexia” e “xícara”


e somem em um segundo

00:03 Surge a palavra “chá”

00:04 Fusão de imagem. Close na xícara


com a mão feminina mexendo vaga-
rosamente o chá

00:05 Surge a palavra “enchente”

00:06 Surge a palavra “enxada”. Somem as


palavras

00:07 Surge a palavra “remexem”. Some em


menos de um segundo

00:09 Surge a palavra “puxam”

00:11 Fusão de imagem. Novo enquadra-


mento da mesma xícara

00:13 Fusão de imagem. Mãos femininas


segurando a xícara

00:14 Surge a palavra “chazinho”

233
00:17 Fusão de imagem com close de Analu

FIM DA TOMADA

Maurício: Oh, agora uma bem difícil. Palavras que pronunciamos com som de “s” e que escrevemos
de várias formas: com “s”, “’ç”, “sc”, “sç”, “ss” e até com “xc” (a pista de imagem é preenchida com o
grafismo no mesmo estilo dos desafios anteriores)

Chico: Eu sei, eu sei um bom. Pobres cidades, podres adolescentes. Cem mil miseráveis nascem
todos os dias. Pobres cidades, podres adolescentes. Viver sem esperança? O crime compensa? Ci-
dades adolescentes, pobres podres. Cem mil assassinados a cada mês. Excelência, é só isso que
tenho a dizer? Seqüência de imagens no Anexo 27, figuras 298 a 305)

SEG IMAGEM SOM

00:00 Câmera varre uma cena urbana, vê- Texto declamado por Chico, com fundo musical
se um viaduto, postes, trânsito de de rap
carros e pedestres. Surge a palavra
“cidades”

00:05 Surge a palavra “adolescentes”

00:07 Efeito de fade out24 na imagem, mas


as palavras permanecem

00:08 Efeito de fade in e surge uma cena de


sem-teto dormindo na calçada. Some
a palavra cidades e entra a palavras
“nascem”

00:09 Efeito de fade out na imagem. Some


a palavra “adolescentes” e permane-
ce a palavra “nascem”

00:10 Efeito de fade in e surge imagem de


uma página de jornal com fotos de
crianças com tarja preta nos olhos

00:11 Efeito de fade out. Somem imagem e


palavras

00:13 Efeito de fade in. Surge imagem de


sem-teto dormindo em sofá velho. A
câmera enquadra a cena em ângulo
de graus.

00:14 Surge a palavra “compensa”

00:15 Efeito de fade out. Permanece a pala-


vra “compensa” e surge a palavra
“adolescentes”

00:16 Efeito de fade in. Surge imagem de


adolescente grávida, de perfil. Palavra
“adolescentes” permanece.

00:17 Efeito de fade out. Permanece pala-

24 No jargão técnico, o termo fade out refere-se ao efeito em que som ou imagem desparaecem gradualmente. O termo fade in, ao contrá-
rio, refere-se ao efeito em que som ou imagem surgem gradualmente.

234
vra “adolescentes”

00:20 Efeito de fade in e surge outra ima-


gem de moradores de rua. Surge a
palavra “assassinados”

00:22 Efeito de fade out. Permanece a pala-


vra “assassinados”

00:23 Efeito de fade in. Surge nova imagem


de jornal com foto de mulher de perfil.
Permanece a palavra “assassinados”
e entra a palavra “excelência”

00:25 Fusão de imagem. Close de Chico

FIM DA TOMADA

Seqüência 9 (50 segundos) – Ensina a usar o dicionário


Alice: Sensacional, Chico! Então, olha só: a gente deve prestar muita atenção a palavras como essas.
Se vocês não têm certeza absoluta quanto à grafia, tentem grafar de várias maneiras, para ver se a
memória visual de vocês aponta uma delas como sendo a correta. Estimulem a memória visual de
vocês, tentando lembrar a forma correta e, se ainda assim ficar difícil, o dicionário tá aí para ajudar.
Na hora de pesquisar no dicionário, é preciso testar as várias possibilidades. A palavra xícara, por
exemplo. Vocês podem fazer duas tentativas: com x ou ch. Mas para uma palavra como hesitar, por
exemplo, há várias possibilidades, sobretudo se vocês não têm a menor idéia de como ela é grafada.
Vocês podem tentar com o h inicial ou sem ele, com x, s ou z na penúltima sílaba.

Seqüência de imagens sob a voz professora:

Plano médio de Chico de costas, Alice e Bento de frente (4 segundos)


Plano fechado de Alice (3 segundos)
Close de Chico prestando atenção (1 segundo)
Close de Alice (6 segundos)
Close de Chico e Maurício (1 segundo)
Close de Alice (8 segundos)
Efeito gráfico com animação de um dicionário que surge pequeno do lado esquerdo, gira e se instala
no lado direito, em primeiro plano (3 segundos) – Anexo 25, figuras 264 a 267
Corte. Close de uma mão pegando o dicionário. Movimento de zoom out foca três crianças consul-
tando o livro (2 segundos)
Alunos folheando o dicionário, filmados de outro ângulo (2 segundos)
Close em página do dicionário, com efeito gráfico na palavra “xícara” (4 segundos) – Anexo 28, figu-
ras 306 a 313
Corte. Movimento de câmera parte da lousa e se desloca para a esquerda, enquadrando três meni-
nos consultado o dicionário (4 segundos)
Fusão de imagem com os mesmos meninos, filmados de outro ângulo (2 segundos)
Close na página do dicionário (1 segundo)
Efeito gráfico com a palavra “hesitar”, semelhante ao efeito da palavra “xícara” (9 segundos)
Corte. Close de Alice

TEMPO TOTAL: 50 segundos

235
Seqüência 10 (2:22 segundos) – Ortografia para distingüir linguagem formal e linguagem colo-
quial popular
Marina: E aquelas palavras que a gente escreve como se fala, e vai ver não é nada daquilo? Porque
o meu irmãozinho tá aprendendo a escrever e, daí, ele escreve acho do jeito que ele ouve.

Alice: Pois é. É o caso de buneca (entra grafismo com a composição de círculos e com a expressão
“buneca”, que desce em efeito persiana. A palavra é corrigida e desce. O efeito dura 5 segundos.
Imagens no Anexo 26, figuras 278 e 281) em vez de boneca. Isso acontece porque eles pensam
que se escreve do mesmo jeito que a gente fala. Mas isso não é verdade, não é? E algo parecido
aconteceu com o Mau aqui no texto, não é Mau? Você escreveu manicuri e pedicuri com i no final. E
o correto é manicure e pedicure. Muitas pessoas, e eu acho que o Mau também, né, falam dessa
maneira. E é comum as letras e e o, quando átonas, serem pronunciadas como i e u, respectivamen-
te. Chico, por favor, recite para a gente um poema de Oswald de Andrade.

A fala dura 40 segundos e é preenchida com planos de Alice e dos alunos, que duram entre 1 e 4
segundos.

Chico lê o poema (Anexo 29, figuras 314 a 320):

SEG IMAGEM SOM

00:00 Plano fechado de Chico. Entra tarja Chico: No baile da corte...


azul com a frase “No baile da corte”

00:03 Entra frase “foi Conde d’Eu quem dis- ... foi Conde d’Eu quem disse ...
se”

00:04 Entra frase “para Dona Benvinda” ... para Dona Benvinda ...

00:06 Entra frase “Que farinha de Suruí” ...Que farinha de Suruí...

00:08 Entra frase “Pinga de Parati” ... Pinga de Parati ...

00:10 Entra frase “Fumo de Baependi” ... e fumo de Baependi ..

00:12 Entra frase “É comê bebê pitá e caí” ... É comê bebê pitá e caí

00:16 Entra crédito: Relicário – Oswald de


Andrade

00:18 FIM DA TOMADA

Começa tomada sobre a literatura modernista (Anexo 30, figuras 321 a 344):

SEG IMAGEM SOM

00:00 Close de Alice Alice: Sabem por que eu pedi para o Chico ler
esse poema para nós? Porque a literatura...

00:06 Começa grafismo com a composição ... modernista (Entra fundo musical de percussão)
de círculos, seguida do passeio de ... brasileira tinha como uma de suas marcas a
00:15 imagens que remetem à literatura mo- recuperação da fala popular transposta pra escri-
dernista. São nove imagens mais o ta
crédito “Movimento Modernista, anos
20” circulando sobre a fala e o fundo
musical

00:15 Close de Alice

Alice (em plano fechado): Quando se escreve um texto em que as personagens têm uma fala mais
coloquial, a escrita pode tentar reproduzir a fala (entra grafismo com composição de círculos e repro-

236
dução do verso “É comê bebê pitá e caí). É um recurso que o autor usa para dar mais autenticidade
para a caracterização dos personagens (fim do grafismo). No entanto, quando se escreve um texto
mais formal, aí as palavras devem seguir as normas da ortografia. Por isso tudo é que o dicionário é
muito importante. Vocês têm a chance de consultar e testar as várias possibilidades.

Bento: É, mas que dá trabalho abrir o livrão e caçar as palavras, ah, isso dá!

Alice: É, mas há regras que facilitam esse trabalho. Mas, para isso, a gente precisa conhecê-las (fim
do fundo musical iniciado no grafismo com as imagens da literatura modernista). Por exemplo, Mau,
beleza, que você escreveu com s, deveria ser escrita com z, por causa da regra (começa o fundo
musical da vinheta “Regra geral”).

Seqüência 11 - VINHETA “REGRA GERAL” (8 segundos)


Uma animação gráfica intercala as letras da expressão “Regra Geral” com fotos do rosto da professo-
ra Alice. As letras e as fotos vão e vem, sobre um fundo em que círculos se movimentam. Ao final,
cria-se uma composição com as fotos, os círculos e o título da vinheta. Um jazz é usado como fundo
musica (Anexo 19, figuras 200 a 209).

Seqüência 12- Regra (55 segundos)

SEG IMAGEM SOM

00:00 Grafismo com a composição de círcu- Fundo musical – música eletrônica


los e a palavra “Ortografia”

00:01 Some a expressão “Ortografia” e entra


a expressão “Orthós + Graphé”

00:02 Close de Alice Alice: Substantivos derivados de adjetivos e que


terminam com esse som eza são todos escritos
Entra tarja com as palavras “rico – ri- com z. Pobre, pobreza, rico, riqueza, fraco, fra-
queza” (Anexo 22, figura 244) queza...

Somem a palavras em entram “eza – z”


(Anexo 22, figura 245)

00:18 Entra grafismo com a composição de


círculos e aparecem os sufixos “ês” e
“esa”

00:21 Corte. Close de Alice

00:25 Entra grafismo com as palavras “Portu- ... Já os adjetivos que indicam lugar de origem se
gal”, “Português”, “Portuguesa” escrevem com ês ou esa no final

Somem as palavras, mas o fundo gráfi-


co permanece ... Pra guardar a regra, pense na seguinte histó-
ria. Manuel veio de Portugal. É português. Sua
Entra a palavra “chinesa” mulher, Fátima de Maria, é portuguesa também.
No Brasil, eles apreciaram a comida chinesa, no
Entra a palavra “inglesa” chinês Ching Li, e adoraram a torta de batatas,
receita de uma dama inglesa. Portuguesa, inglesa
Entram as palavras “Portuguesa” e e chinesa, embora muita gente ache que é com z
“Chinesa” se escreve mesmo é com s...

Somem as três palavras

Entram as palavras “Brasil”, “brasilei- ... como Brasil, brasileiros e brasileiras, que eu e
ros” e “brasileiras”, com o efeito de você sabemos muito bem que...
destaque para a letra “s” (Anexo 26,
figuras 279 a 283)

00:55 Corte. Close de Alice também se escrevem com s e não com z

237
Fim do fundo musical

Seqüência 13 - VINHETA “REGRA GERAL” (4 segundos)


Uma animação gráfica intercala as letras da expressão “Regra Geral” com fotos do rosto da professo-
ra Alice. As letras e as fotos vão e vem, sobre um fundo em que círculos se movimentam. Ao final,
cria-se uma composição com as fotos, os círculos e o título da vinheta. Um jazz é usado como fundo
musica (Anexo 19, figuras 200 a 209).

Seqüência 14 - (2:20 segundos)


Volta para a sala.

Maurício: Carinhoso eu acertei, professora. Eu não tinha certeza, mas eu lembrei (entra grafismo com
as palavras “famoso” e “carinhoso”) de famoso e gostoso, e coloquei s no final.

Alice: E você fez muito bem de pensar assim. A gente descobre o jeito certo de escrever uma palavra
buscando uma razão para ela. Por isso, você estava certo. A terminação oso acompanha alguns adje-
tivos como (entra grafismo com a composição de círculos e as palavras “bondoso”, “talentoso” e
“cheiroso”. O grafismo dura 3 segundos) bondoso, talentoso, cheiroso.

Analu: Em compensação, a gente escrito junto? Parece filme policial de ação, né?

SEG IMAGEM SOM

00:00 Plano fechado de Alice Neste caso, agente vem de agir, e significa aquele
que age. É diferente de...

00:05 entra tarja com a expressão “A ... a gente, nós.


gente = nós”. (Anexo 20, figura
232).

00:09 Corte. Entra imagem de Maurício ... Então, voltando aqui pro texto do Mau...
segurando o cartaz com erros

00:11 Um efeito de chicote aproxima a ... vocês podem perceber que, às vezes, a grafia
câmera em close da expressão está ligada ao que a palavra quer dizer. A gente aqui
“agente”. Um efeito gráfico separa é separado...
a letra “a”, corrigindo-a de acordo
com a fala da professora.

00:19 Corte. Close de Alice ... A gente espera por você.

00:22 Corte. Entra imagem de Maurício Agora, só mais um probleminha aqui no texto. A
segurando a placa. Um efeito de abreviatura de horas. Nas unidades de medida como
chicote aproxima a câmera em hora, a abreviatura vem sempre sem a letra s, ou
close na expressão “9 HS”. Um seja, sem a marca do plural.
efeito gráfico produz um “X” sobre
a expressão e a corrige para “9 h”
(Anexo 31, figuras 345 a 353)

00:38 Corte. Close em Maurício


FIM DA TOMADA

Maurício: então, depois disso tudo, eu acho que eu dancei. Eu não vou conseguir o emprego. Eu
preciso freqüentar mais o dicionário e estudar as regras de ortografia.

Chico: Não esquenta não, Mau. Vai ver o cara até te contrata mesmo assim. Não tem tanta gente
assim sabendo bem essas coisas como deveria. A gente tá sempre aprendendo.

Analu: Inclusive lembrar que, na hora da dúvida, tem que consultar o dicionário, né, Mauzinho?

Chico: Vamo embora lá, Mau. A gente ainda tem que pintar os cartazes e os panfletos para o festival
de poesia.

238
Pedro: E esse, a gente garante que vai sair dez!

A câmera filma o grupo da mesma perspectiva do início da seqüência 7, com a câmera enquadrando
o grupo de cima, com lente grande angular. No centro inferior do quadro vê-se uma revista da TV
Escola. O efeito gráfico de espiral (exemplo no Anexo 25, figuras 268 a 274) faz a ligação com a
seqüência seguinte. Um efeito sonoro de cartoon reforça o grafismo.

Seqüência 15 - (2:25 segundos)


Sobre fundo musical em estilo eletrônico, são alternadas imagens de Chico e Maurício pintando, com
detalhes dos cartazes. A alternância é feita com recursos de fusão de imagens. As tomadas dos es-
tudantes e os detalhes dos cartazes duram entre um e três segundos. São 20 alternâncias em uma
seqüência de 36 segundos (exemplos de imagens no Anexo 32, figuras 354 a 365)

Seqüência 16 (3:10 segundos) – Festival de poesias


As cenas mostram os alunos entrando no anfiteatro. Bento distribui os panfletos e chama mais gente
par ao festival. Lá dentro, Analu, Marina, Chico e Maurício declamam suas poesias.

Analu: Poesia. Se não faz leia. Se não lê, ouça. Se não ouve, cante. E não se espante. Há um poeta
gritando para pular fora de você agora. Da maneira que for. Cantando, escutando ou, se preferir,
compondo. Poesia é música de palavras perfeitas.

Marina: Poesia não é pão, mas também alimenta. Um verso por dia é exercício de imaginação. Dieta
boa para o espírito, queima calorias e mantém acesa a alegria do coração.

Chico: Quando eu penso em toca, vivo um mundo de fantasia despertadas por uma flor, uma fonte,
uma chuva à beira-mar, um suspiro ao luar. Musicar é se inspirar nos oceanos, tatear as mais longín-
quoas esferas. Ou simplesmente um olhar, uma imagem, um instante para guardar.

Maurício: Poeira, tristeza, miséria. A parada tá difícil mano. E a vida, tá arrepiando. E quem não tem
nada, só vai levando porrada, porrada, porrada.

Maurício senta no fundo do teatro. Alice aparece e conversa com ele:

Alice: Parabéns, Mau-Mau! Foi lindo! Foi o máximo!

Maurício: Você gostou do poema?

Alice: Eu adorei seu poema, Mau. E gostei muito também desse panfleto que você fez para o festival
de poesia. E o melhor de tudo, sem nenhum erro de ortografia.

Maurício: Aprendi a lição. A palavra exata e precisa se escreve com ortografia correta.

Alice: Muito bem. Quem tem talento não se aperta!

Pedro aparece no palco e começa a ler o seu poema:

“Poesia é ação inspirada, que recria a realidade, materializando sonhos em palavras...”


Entra efeito de faid out no som e na imagem.

VINHETA DE ENCERRAMENTO - (1:20 segundos)


Sobre um fundo com composição de círculos, sobe uma tarja que imita película cinematográfica, com
frames de cenas de diversos episódios da série. Ao término da subida da película, começa a subida
dos créditos do programa. O fundo musical é semelhante ao de abertura.

239
COMENTÁRIO

A exemplo do episódio “Concordância Verbal”, o episódio “Ortografia” mistura conte-


údo pedagógico e entretenimento. Desta vez, a narrativa começa com Maurício saindo de
um teste para emprego como pintor de cartazes. Ele anda pelas ruas, observando placas
com erros grosseiros de ortografia. Ao chegar na escola, lamenta-se com os colegas, já que
teve muitas dúvidas quando escreveu o texto solicitado pelo gerente. Os colegas ficam com
pena dele, que está precisando do emprego, e o consolam. O espectador não fica sabendo
se Maurício ganhou ou não o emprego, mas o final feliz é construído em cima da produção
de cartazes para o festival de poesia da escola. Desta vez, Maurício faz lindos cartazes,
sem erros de ortografia, graças à aula de revisão ministrada pela professora Alice, nas se-
qüências 7 a 14.
Por se tratar de uma narrativa seriada, a estrutura do segundo programa é seme-
lhante à do primeiro: o cotidiano é modificado por um pequeno conflito (a dificuldade de
Maurício) que leva os alunos a se interessarem por regras de gramática. Novamente, as
lições são expressas na conversa entre a professora e os alunos (que enfoca casos práti-
cos) e na seqüência “Regra Geral” (organizada com estrutura semelhante a um capítulo de
livro didático). Novamente, nota-se a presença de impacto visual, produzido nos grafismos e
nas seqüências de abertura – quando Maurício anda pela cidade – e na seqüência em que
ele pinta o cartaz para o teste e, mais tarde quando, junto com Chico, pinta os cartazes do
festival. Nessas três seqüências, foi empregado o formato do videoclipe, com música exci-
tante, tomadas curtas, movimentos de câmera e efeitos gráficos. Aqui, deve-se repetir a
pergunta: será que esses recursos não inibem a iniciativa de se concentrar na mensagem
semântica?
A caracterização dos personagens deu mais um passo. Analu, a “patricinha” tam-
bém é arrogante e um pouco egoísta. Ela fica impaciente com a demora de Maurício, a pon-
to de os colegas precisarem chamar sua atenção. Afinal, o colega está fazendo um teste
para um emprego. Ela também zomba do colega por causa dos erros e, novamente, é re-
preendida pelos outros. Nos próximos programas, ela se caracteriza como a colega de clas-
se média, um pouco “fresca”, mas, ainda assim, tolerada pelos amigos...
A distribuição de conteúdos escolares e entretenimento foi razoável novamente. Já
na seqüência 2, ainda durante a conversa entre os colegas na cantina, Analu relembra uma
dica de Alice, para memorizar a grafia correta das expressões “em cima” e “embaixo”. A
seqüência 8 desenvolve um jogo entre os colegas, durante o qual palavras com grafia difícil
são projetadas na tela. O recurso é útil para exercitar a memória visual do espectador, estra-
tégia pedagógica atualmente valorizada no ensino da ortografia. Na seqüência 9, a fala da
professora sob uma tomada com animação gráfica ensina a consultar o dicionário. Este é

240
um típico caso em que a redundância entre a fala e a imagem se somam para criar um re-
curso altamente pedagógico, agilizando o processamento de uma informação – a técnica de
consulta ao dicionário, neste caso. Na seqüência 10, Alice também comenta a diferença
entre a fala coloquial (usando como exemplo a literatura modernista) e o registro formal da
língua, destacando a ortografia como um dos principais recursos para estabelecer a diferen-
ça entre os registros. A seqüência “Regra Geral”, novamente, trata o assunto na estrutura
típica do livro, mas inclui uma pequena narrativa, que apela de novo para a memória visual
como recurso eficiente para aprender ortografia.
São, portanto, 16 seqüências, das quais 9 têm conteúdo mais próximo do entreteni-
mento (diálogos que sustentam o conflito da narrativa) e 7 focam o conteúdo didático do
episódio. Apesar o número menor de seqüências, o conteúdo ocupou mais tempo de vídeo:
aproximadamente 15 minutos são focados no ensino de normas de ortografia.
Em relação à linguagem, pode-se repetir aqui os comentários do primeiro episódio.
Como aspecto negativo, foram encontrados o já citados timing muito rápido e as tomadas
exibicionistas, que são recursos típicos da TV comercial, e podem prejudicar a aprendiza-
gem do tópico da gramática pelo vídeo. Como aspecto positivo, novamente deve-se desta-
car o emprego de recurso da repetição de uma informação importante de modos diferentes,
nos canais sonoro e visual. Uma das soluções mais interessantes está na passagem em
que a professora Alice ensina a técnica de “caçar palavras” no dicionário. Enquanto ela fala,
uma animação gráfica localiza a palavra na página do livro (Anexo 28, figuras 306 a 313).
A comparação entre duas passagens da seqüência 10 pode ser bastante significativa
para elucidar o potencial da linguagem televisiva. Ao ensinar aos alunos que é permitido a
um autor reproduzir graficamente a pronúncia popular, Alice pede a Chico que leia o poema
“Relicário” de Oswald de Andrade. O sintagma foi organizado da seguinte forma: Chico é
enquadrado em plano fechado, com uma estante de livros atrás. À medida em que ele fala,
o texto é reproduzido sobre uma tarja azul, na parte inferior do quadro (Anexo 29, figuras
314 a 320). Esse é o típico formato da “talking head” que, de acordo com Gunter (1987) é
um dos formatos que mais facilitam a compreensão de uma idéia, embora não sejam muito
atraentes. Neste caso, foi uma escolha adequada para valorizar a sonoridade das palavras
do poema.
Por outro lado, na passagem imediatamente posterior, a professora Alice descreve o
registro da fala coloquial como uma das marcas da literatura modernista. Neste momento, a
pista de imagem reproduz uma sucessão de gravuras e fotografias do modernismo, que
passeia pela tela. É um trecho curto, de 9 segundos, com 9 imagens, movimento e fusão
(Anexo 30, figuras 321 a 332). A sensação é de que a pista visual sobrecarrega o sentido
da visão e dificulta que se preste atenção no teor da fala da professora. Como se sabe, na
TV, a imagem tende a se impor à fala. Neste caso, a solução priorizou o exibicionismo, dei-
xando a compreensão do conteúdo para o segundo plano.

241
A supremacia da imagem sobre o texto no sintagma televisivo talvez tenha sido a ra-
zão da distorção encontrada na seqüência 8, do desafio com palavras e poemas. Trata-se
de uma incoerência de conteúdo, que talvez não tenha sido percebida ou considerada im-
portante pelos roteiristas. Nesta seqüência, Marina propõe um poema com “palavras que se
falam com som de x, mas que se escrevem com ch ou com x”, e Analu declama:
“Enquanto mexia na xícara meu chá, pensava numa enchente de enxadas. Mas cale-
jadas remexem a terra e, a cada golpe, puxam a miséria do mês, Ah! Doce prazer um chazi-
nho me dá.”
O conteúdo do poema, ao que tudo indica, reflete o ponto de vista de alguém que
saboreia um chá enquanto pensa na miséria dos outros e sente prazer naquele momento!
Aqui, deve-se perguntar até que ponto o encaixe de palavras justifica conteúdo tão distorci-
do para um vídeo produzido para alunos de escolas públicas. Pode ser que o poema tenha
sido elaborado em função do arquivo de imagens disponível para a produção. Neste caso,
por serem imagens de mãos cuidadas e utensílios sofisticados, os roteiristas tenham optado
pela idéia acima. Se for assim, tem-se aqui mais uma evidência de como as rotinas de pro-
dução da TV podem comprometer a qualidade de um programa didático.
Para piorar a situação, o poema seguinte é recitado por Chico toca no outro extremo
da pirâmide social:
“Pobres cidades, podres adolescentes. Cem mil miseráveis nascem todos os dias.
Pobres cidades, podres adolescentes. Viver sem esperança? O crime compensa? Cidades
adolescentes, pobres podres. Cem mil assassinados a cada mês. Excelência, é só isso que
tenho a dizer?”
O que se tem aqui, são visões de classes sociais opostas, tratadas de maneira frag-
mentada e anuladas pelo jogo de imagens. Não custa lembrar que essa confusão é uma das
mais tradicionais críticas dos teóricos de Frankfurt à cultura de massa.
Logo, além do excesso de informação não-verbal no sintagma e do uso de clichês
não muito adequados ao gênero didático, os vídeos produzidos também cometem erros ao
fragmentar e anular categorias perceptivas da realidade, na tentativa de encaixar conteúdos
na estrutura de um roteiro televisivo. São esses os principais problemas encontrados.

242
COMENTÁRIO SOBRE A SÉRIE “NA PONTA DA LÍNGUA” – 6 programas

A série é composta por 6 episódios: Concordância Nominal, Concordância Verbal,


Ortografia, Acentuação, Crase e Verbos. Como já é sabido, cada um deles parte de um pe-
queno conflito surgido no cotidiano escolar para gerar a narrativa ficcional e abordar tópicos
da gramática. O quadro 25 resume cada um deles.

QUADRO 25 – RESUMO DOS CONFLITOS DOS EPISÓDIOS DA SÉRIE “NA PONTA DA


LÍNGUA”

Programa 1 – Concordância Nominal


Pedro assistiu o filme “Central do Brasil” e se identificou com o jeito de falar dos personagens. Ele
conversa com os colegas sobre o filme. A professora Alice aproveita para, a partir dos erros na fala
de Dora (que é professora, logo deve dominar a norma culta, mas incorpora os trejeitos do romeiro)
mostrar a diferença entre a fala coloquial e a fala formal, enfatizando o papel da concordância nomi-
nal nessa distinção.

Programa 2 – Concordância Verbal


Ao escrever uma carta para a prefeitura, reclamando do terreno baldio e pedindo a construção de
uma quadra de esportes, os alunos se deparam com dificuldades na concordância verbal. Corrigindo
a carta, a professora Alice revisa o tópico gramatical. O enredo mostra como fazer uma reivindicação
devidamente documentada à prefeitura.

Programa 3 – Ortografia
Maurício faz um teste para ser pintor profissional de placas e cartazes, mas esbarra nos erros de
ortografia. Ele leva o texto da placa que pintou para a escola. Alice o corrige, e aproveita para revisar
o tópico gramatical. Ao mesmo tempo, os alunos estão preparando um festival de poesia na escola. O
programa aborda a poesia modernista e encoraja os alunos a escreverem seus próprios poemas. No
mesma categoria “poesias” são incluídas o poema “Relicário” de Oswald de Andrade e a música “Fa-
mília” da banda de rock Titãs. No final, os alunos apresentam seus próprios poemas, durante o festi-
val.

Programa 4 – Acentuação gráfica


Pedro chega à escola falando do mutirão para construção de casas da sua comunidade. Os morado-
res aproveitaram o momento de união para estudar Português. Pedro será o professor e pede a ajuda
de Alice para dar as aulas. Os amigos de Pedro têm dificuldades para acentuar as palavras. A turma
ajuda Pedro e aproveita o momento para revisar as regras de acentuação. O programa intercala as
seqüências em que Alice ensina Pedro com as em que Pedro ensina os vizinhos. O conteúdo sempre
começa a ser desenvolvido na seqüência de Alice e é concluído na seqüência de Pedro. No final, a
turma toda vai até o bairro, ajudar no mutirão.

Programa 5 – Crase
Ao ler um cartaz sobre um show beneficente que será promovido no bairro, Analu se irrita com os
erros no uso da crase. Os colegas relembram o dia em que aprenderam esse tópico. O vídeo volta no
tempo e mostra a aula. Entretanto, há uma falha no roteiro, já que a seqüência mostra uma revisão,
embora o diálogo da seqüência anterior desse a idéia de que os alunos iriam relembrar o dia da aula.
No final, eles corrigem o cartaz e o convite para o grupo que está promovendo o evento. O programa
termina com todos indo assistir o jogo do Brasil na Copa do Mundo. Alice aproveita para mostrar co-
mo uma crase pode mudar o sentido dos primeiros versos do Hino Nacional, que os jogadores come-
çam a cantar (“Ouviram do Ipiranga às margens plácidas / De um povo heróico o brado retumbante” e
“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas / De um povo heróico o brado retumbante). O episódio
termina com todos cantando o Hino Nacional em frente à televisão.

Programa 6 – Verbos
Os colegas criam uma rádio na escola, a “Rádio Boca” que, nos intervalos, entrevista a professora
Alice, respondendo dúvidas de alunos de outras séries sobre conjugação verbal. Durante a progra-
mação os alunos também divulgam campanhas sociais no bairro, como a da prevenção da dengue,
pedem ajuda para uma creche e entrevistam Bento, o zelador, que pede aos alunos para colabora-
rem mantendo a limpeza e a organização na escola. O programa acaba com todos participando de
um mutirão para manter a escola limpa, iniciado após a produção de cartazes de conscientização.

243
O resumo mostra que a série articula gramática com expressão verbal, nos episódios
em que os alunos redigem a carta, produzem cartazes e poesias. Há também a abordagem
do comportamento solidário, quando eles corrigem o material de divulgação do show benefi-
cente, fazem campanhas na rádio, ajudam Pedro a preparar as aulas para os amigos do
bairro e se engajam na campanha de Bento, para a conservação da escola. Os programas
também valorizam o hábito de consultar o dicionário e a gramática e ler poemas de autores
brasileiros.
O episódio número seis, sobre verbos, também oferece uma lição à parte sobre o
uso do rádio na escola. Os alunos produzem o programa da rádio Boca usando recursos
típicos da linguagem radiofônica: criam vinhetas, dão notícias, fazem entrevistas e campa-
nhas institucionais, mas fazem tudo de maneira “artesanal”. A vinheta institucional da rádio,
por exemplo, é assim produzida:

LOCUÇÃO EFEITO SONORO

Chico:
Rádio boca... enfatiza o “r”, à moda dos locutores dos anos
50 e dá tapinhas na garganta para trepidar a
voz

... a rádio que não tem... Marina tomba uma garrafa plástica cheia de
pedrinhas, para imitar barulho de chuva

Marina e Analu imitam passarinhos


...tempo ruim!

Os alunos criam vinhetas ao vivo para a faixa “Boca livre”, que faz campanhas soci-
ais e “Boca no trombone”, espaço concedido para quem quer fazer uma reclamação. No
episódio número 6, é no “Boca no trombone” que Bento vai pedir aos estudantes que não
sujem tanto a escola.
Um aspecto curioso é que os alunos nunca têm aula. Os tópicos da gramática são
sempre ensinados em seqüências de revisão, que a professora Alice faz na cantina, nos
intervalos, ou no programa da rádio Boca. Talvez tenha sido a estratégia encontrada pelos
roteiristas para que os conteúdos sejam ensinados da seguinte maneira: a professora vai
fazendo perguntas, os alunos avaliam os exemplos, respondem e ela confirma a regra. É o
método que o senso comum docente rotula de “construtivista”.
Após assistir os seis episódios, o espectador de fato tem uma visão geral de situa-
ções concretas de uso da gramática, conhece truques para memorizar regras, vê como esse
aprendizado está integrado ao cotidiano escolar. Entretanto, não é demais questionar se
após os 120 minutos de programa, o aluno da escola pública terá guardado na memória as
normas de gramática ou as aventuras da turma, os chiliques de Analu, os comentários poé-
ticos de Chico. Essa é uma investigação que ainda precisa ser feita. Caso a gramática se

244
sobreponha ao enredo na memória do estudante, é ponto para o vídeo. Se, ao contrário, a
narrativa ficcional se sobrepõe ao conteúdo didático, então tem-se uma variação aperfeiço-
ada da escola do programa “Malhação”.

245
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A ANÁLISE DOS VÍDEOS

O exame dos 20 programas que compõem a séries “Agora é com vocês”, “Orto e
Grafia” e “Na ponta da língua” totalizou 211 seqüências e 130 minutos de programação.
As faixas têm em comum o fato de pertencerem à categoria dos programas educativos es-
pecialmente produzidos para a instrução formal. Se as escolhas de produção estão ajusta-
das ao propósito inicial, essa é uma discussão que começa a ser feita agora.
Antes de prosseguir no raciocínio, convém relembrar alguns aspectos teóricos consi-
derados nesta pesquisa. O primeiro deles é o conceito de gênero, o tipo elementar que co-
locada um dado programa num conjunto e não no outro. Como se viu aqui, diversos aspec-
tos definem o gênero, desde o título do programa, passando pelo tipo de personagem que
aparece no sintagma televisivo, até os elementos de linguagem mais comumente emprega-
dos.
Num sentido muito elementar, o gênero didático (educativo voltado à instrução for-
mal) se distingüe do entretenimento porque, enquanto este se empenha em surpreender,
divertir, chocar, aquele é organizado para ensinar um conceito ou habilidade específicos.
Obviamente, isso não quer dizer que o gênero educativo não entretenha, e que o entreteni-
mento não eduque. Ainda que de maneira precária, pode-se resolver essa questão do se-
guinte modo: os programas didáticos da TV Escola devem se empenhar em ensinar conteú-
dos e habilidades que compõem a cultura escolar. Para isso, devem fazer uso do gênero
educativo e formatos típicos deste gênero: a video-aula, a entrevista, o game, a reportagem,
o grafismo televisual (concretizado em animações que reforcem aspectos importantes do
conteúdo que está sendo ensinado25).
Entretanto, é legítimo recorrer a formatos do entretenimento para concretizar um pro-
jeto: a esquete humorística, o videoclipe, a narrativa seriada, o desenho animado, o filme, o
grafismo televisual em vinhetas divertidas. Um critério ponderado poderia ser aquele em que
os formatos tipicamente didáticos são empregados de modo majoritário, relegando aos for-
matos do entretenimento a tarefa de introduzir um assunto ou repetir uma informação impor-
tante, para facilitar a memorização ou a compreensão. Além disso, considerando a crítica
feita à linguagem televisiva comercial, especialmente em Adorno, Sartori e Gunter, é perti-
nente avaliar se os formatos empregados lidam com o sintagma televisivo tendo em vista
resultados pedagógicos ou se seguem os mesmos critérios da TV massificada.
Vejamos. Dos 130 minutos analisados, 62 usaram formatos mais próximos do entre-
tenimento: esquetes humorísticas ou diálogos sem informações relevantes para o objetivo
do vídeo, videoclipes, vinhetas meramente decorativas. Os restantes 68 minutos se concen-
traram na informação relevante para o aprendizado escolar: ortografia, fonética e regras de

25 Sobre este aspecto, ver Gunter, no capítulo 4.

246
concordância da língua portuguesa, técnicas de expressão oral e escrita, literatura, arte e
valores morais importantes para o convívio social.
É claro que os dados quantitativos não permitem que se chegue a uma avaliação ca-
bal da qualidade dos programas. Para isso, seria preciso investigar os usos dos vídeos e
checar o aprendizado dos estudantes, com mecanismos adequados, o que não é o propósi-
to aqui. Entretanto, ao levar em conta o quadro cultural e teórico que norteia a presente
pesquisa, é sintomático que trechos que apelam para a a recepção descompromissada ocu-
pem tempo muito parecido com o dos trechos que exigem o esforço do aprendizado. Será
esse equilíbrio benéfico para o aprendizado da norma culta do português? Ou o entreteni-
mento age como ruído na hora de ensinar a língua? Esta é uma questão que aguarda futu-
ras investigações.
Considerando o caminho percorrido até aqui, a tese caminha para o final. Como pô-
de ser visto, o potencial da televisão ainda é pouco conhecido na educação escolar. A com-
plexidade e o alto custo da produção aliados aos problemas inerentes ao sintagma televisi-
vo são algumas das barreiras que uma educação não-alienante deve enfrentar. Quem pode
responder a pergunta... “como produzir TV para a escola”?
Na tentativa de oferecer ao menos algumas respostas elementares, o próximo
capítulo apresenta referências da qualidade na produção educativa colhidas na Inglaterra. O
capítulo final sugere critérios de qualidade que talvez possam auxiliar aqueles que se empe-
nham em criar programas atraentes, mas que façam diferença efetiva no repertório do estu-
dante da língua portuguesa.

247
CAPITULO 6

Critérios de qualidade para


a televisão educativa

6.1 O exemplo britânico

No momento em que o governo brasileiro trabalha para aprimorar um projeto de TV didá-


tica para o sistema educacional público nacional, a questão dos critérios de qualidade na produção
audiovisual ganha relevância, ao mesmo tempo em que introduz um novo problema: como definir
“qualidade na televisão”?

Tradicionalmente, o assunto é debatido com mais freqüência na crítica jornalística do que


no meio acadêmico. Ao menos no caso brasileiro. Um exame nos catálogos das editoras especia-
lizadas em publicações acadêmicas, por exemplo, mostra que a televisão, freqüentemente, é obje-
to de estudos nas mais diversas perspectivas. Mas a oferta de respostas, ainda que elementares, à
pergunta “o que é qualidade na televisão?” ainda permanece com lacunas.

Uma tentativa de descrever aspectos da televisão de qualidade foi feita por Leal Filho
(1997), que apresentou ao público brasileiro a experiência inglesa na criação da BBC (British
Broadcasting Corporation). De fato, quando o assunto é criatividade, relevância e compromisso
público, a BBC surge como o melhor exemplo a ser seguido. Leal Filho credita à legislação pecu-
liar, somada ao caldo cultural britânico os fatores que, historicamente, constroem o “jeito BBC”
de fazer televisão.

Nesse sentido, o aspecto extraordinariamente diferente para o repertório brasileiro é o fato


de os cinco canais abertos da Inglaterra (BBC1, BBC2, ITV, Channel 4 e Five) serem vistos como
um serviço público antes de um ramo lucrativo das telecomunicações. Conseqüentemente, para
cumprir a tarefa social do canal, os órgãos governamentais constantemente fomentam estudos
acadêmicos e discussões sobre os critérios de qualidade que devem nortear a programação. Co-
nhecer essa empreitada de perto certamente enriquece a experiência brasileira.

248
Ao se referir à BBC como “a melhor TV do mundo”, Leal Filho destaca aspectos da legis-
lação de radiodifusão que fazem do canal uma referência na produção educativa de qualidade –
sem deixar de lado a preocupação com o entretenimento e com a conquista da audiência: “(...)
Desde a forma de concessões de canais até o controle da qualidade dos programas, há mecanis-
mos do Estado atuando (1994, p.35). Ainda conforme o autor: “Essa vinculação revela que o bro-
adcasting britânico continua sendo considerado um patrimônio da nação, apesar das várias trans-
formações por que passou nos seu setenta anos de história”(1994, p. 35).

Fatos relativamente recentes no cenário britânico, como a criação dos canais a cabo em
1994 (fruto de uma parceria entre a BBC e o Grupo Pearson, na época proprietário do Financial
Times) e a expansão da tecnologia de televisão digital na Europa (a meta é que, até 2010 todo o
sistema analógico tenha sido completamente substituído pelo digital), entretanto, obrigaram o
governo a rever aspectos institucionais que, atualmente, sustentam o broadcasting.

Em julho de 2003, o parlamento aprovou o novo Communications Act. Trata-se de uma lei
abrangente, que contempla aspectos técnicos, legais e culturais. Com a promulgação do novo ato,
foi criado o Office of Communications, o Ofcom, que passou a centralizar as tarefas antes atribuí-
das a oito instituições encarregadas de regular os sistema de radiodifusão: Broadcasting Stan-
dards Commission (BSC), Independent Television Commission (ITC), Office of Telecommunica-
tions (Oftel), Radiocommunications Agency (RA), Radio Authority (RA), Advisory Committees
on Telecommunications (ACTs), Spectrum Auctions e Spectrum Management Advisory Group
(Smag). O texto é dividido em 31 seções, que descrevem funções, tarefas e poderes do Ofcom.
Como a legislação é um dos aspectos relevantes para caracterizar a produção televisiva, vale a
pena deter-se nos tópicos referentes à questão da qualidade.

Assim, em relação às tarefas do Ofcom, que envolvem o que os britânicos entendem como
qualidade na TV, está aquela de “promover o interesse dos cidadãos em relação às questões da
comunicação, promovendo a apropriada competição nos mercados relevantes” do serviços de
rádio e televisão. Um dos requisitos básicos para a competição pela qualidade, na visão britânica,
é a oferta de pluralidade “calculada para atrair a variedade de gostos e interesses” do público te-
lespectador. O governo também chama para si a tarefa de proteger os cidadãos dos efeitos nocivos
dos programas. Não há a descrição detalhada de penalidades, mas o telespectador sabe que pode
reivindicar o direito de não ser exposto a um programa que prejudique sua formação ou a de seus
filhos, por exemplo, inclusive com via institucionais criadas especificamente para esse fim. Caso
alguma denúncia seja formalizada, o Ofcom, como órgão regulador, está autorizado a tomar as
decisões que considerar adequadas.

249
Além disso, é tarefa do órgão fomentar o investimento em inovações na produção e aten-
der aos interesses de públicos específicos como os portadores de deficiências, as crianças, os ido-
sos e a população de baixa-renda que, em geral, tem menos acesso aos bens culturais. A 11ª seção
da lei descreve a tarefa de promover a media literacy. Este é um aspecto que tem muito a ensinar.
Partindo da lei, passando pelo sistema educacional até chegar ao senso comum do telespectador,
todo o sistema de radiodifusão está organizado para conter o uso doentio e alienado do poder das
imagens televisivas. Assim, o governo é chamado a promover (ou encorajar outras instituições a
fazê-lo) um conhecimento mais aprimorado sobre a natureza e as características do material
veiculado nos canais eletrônicos de comunicação, explicando ao público como esse material é
selecionado e disponibilizado nas redes.

Os canais de TV normalmente se engajam na tarefa, trabalhando em duas frentes. Em


primeiro lugar, colocam no ar uma grade de programação diversificada. Ao longo de um dia, é
possível encontrar programas extremamente diversos que vão do esporte, passando pelas notícias,
documentários até o entretenimento. Em segundo lugar, as redes produzem programas e materiais
pedagógicos diversos, que auxiliam os educadores na tarefa de estimular a leitura competente da
televisão. Curioso é que até mesmo os canais com um perfil mais comercial se empenham na tare-
fa, o que pode ser entendido como uma evidência da coesão do sistema. Como se trata de um ser-
viço oferecido ao cidadão britânico, cria-se uma cultura que valoriza a importância da qualidade,
de modo similar ao que deve ocorrer nos serviços de saúde, correios, gás etc. Ter televisão de
qualidade, portanto, é um direito do cidadão. Essa concepção é ensinada e perpetuada no sistema
educacional, e cria o caldo cultural necessário para a manutenção do sistema. Conseqüentemente,
os canais têm público cativo para programas inovadores e de conteúdo relevante. Obviamente, a
televisão britânica também exibe novelas, filmes produzidos em Hollywood, jogos de futebol e até
uma versão do programa Big Brother. Entretanto, ao mesmo tempo em que são exibidos progra-
mas massificados, são exibidos documentários, filmes e outros de caráter educativo.

Para comprovar a idéia de que a estrutura garante a diversidade, basta examinar a grade de
programação do domingo à tarde, quando o telespectador médio liga a televisão. O quadro 13
mostra a grade de programação da tarde do domingo 4 de julho de 2004.

250
QUADRO 26 – Exemplo de grade de programação dos canais públicos britânicos

1. BBC 1 – 13h30, exibição dos jogos de tênis do campeonato de Wimbledon, 18h35, telejornal
“BBC News” de abrangência nacional, 18h55, telejornal “South East Today”, de abrangência
regional, 19h final da Euro 2004, campeonato de futebol; 22h, BBC News.

2. BBC 2 – das 12h50, “Wildlife on TWO”( programa sobre a vida animal selvagem), às 13h20,
exibição do filme “Purple Plain” (filme do diretor Robert Parrish, produzido em 1954), às 15h,
exibição do filme “Mackenna's Gold”, (filme do diretor J Lee Thompson, produzido em 1969), às
17h, “Some Mothers Do 'Ave 'Em” (telenovela), às 17h35, “Songs of Praise” (faixa que aborda a
história dos compositores de músicas religiosas), às 18h5, “Hampton Court Palace Flower Pre-
view Show” (faixa que apresenta ao público os jardins mais famosos do Reino Unido), às 18h35,
apresentação dos resultados do torneio de Wimbledon, 20h20, “Mrs Brown” (dramatização so-
bre o suposto romance da rainha Victoria com seu conselheiro John Brown).

3. CHANNEL 4 – 12h55 Big Brother, 13h30 Big Brother, 14h05 Big Brother's Little Brother,
15h10 Friends (telenovela), 15h40 Filme The Neverending Story (1984), às 17h25 Wreck De-
tectives (programa que acompanha um grupo de pesquisadores que tentam recuperar a história
e o uso de objetos antigos e, em geral, muito danificados), 18h25 Scrapheap Challenge (pro-
grama em que um grupo de “engenheiros amadores” precisam construir alguma máquina usan-
do sucata, em apenas um dia), 19h30 Channel 4 News, 20h Extreme Archaeology (programa
em que um grupo de arqueologistas “radicais” exploram lugares ermos e de difícil acesso).

4. ITV – 12h05, Grande prêmio da França de Fórmula 1, 16h Agatha Christie's Poirot
(seriado baseado em versões para a TV de romances policiais da escritora), 18h Local News,
Weather (previsão do tempo, 18h15 ITV News (telejornal), 18h30 Coronation Street (telenove-
la), 19h, Euro 2004 exibição ao vivo da final do campeonato de futebol Euro 2004, 22h, ITV We-
ekend News (telejornal), às 22h15, exibição do docudrama “When Hitler Invaded Britain”.

5. Five – 12h Rooted (série religiosa para crianças, que relata a vida de crianças nascidas no
Reino Unido mas que voltam para seus países de origem, de religião islâmica), 12h35 docu-
mentário “The Story of Art Deco”, 13h five News Update (telejornal), 13h15 “The Chart” (exibição
de videoclipes musicais), 13h45, filme “Starman” (filme do diretor John Carpenter, produzido em
1984), 15h45 Forbidden Planet (filme do diretor Fred McLeod Wilcox, produzido em 1956),
17h35 Five News and Sport (telejornal) , 17h50 Police Academy 2: Their First Assignment (fil-
me do diretor Jerry Paris, produzido em 1985), 19:30 The Bridges of Madison County (filme do
diretor Clint Eastwood, produzido em 1995), 22h10 Robocop (filme do diretor Paul Verhoeven,
produzido em 1987).

251
Entre o meio-dia e às 22h, os cinco canais exibiram 41 faixas, incluindo filmes, jogos es-
portivos, telejornais, novelas, documentários educativos e programas de entretenimento. Uma
avaliação quantitativa mostra que a programação foi assim dividida: 22% das faixas exibiram
programas educativos; 12% exibiram esportes; 20% exibiram filmes; 10%, novelas, 22%, telejor-
nais e 14%, entretenimento. Como se vê, o maior número de faixas dedica-se a conteúdos infor-
mativos e educacionais. Depois vêm os filmes, entretenimento e esportes e, por último, telenove-
las. É verdade que uma análise quantitativa da duração de cada faixa colocaria jogos de futebol e
o programa Big Brother no topo da lista. Entretanto, somados os telejornais e programas educati-
vos, há equilíbrio entre informação, educação e entretenimento. Logo, o espectador tem oportuni-
dades de escolha. Obviamente trata-se de uma amostra simplista. Entretanto, dá uma idéia da tele-
visão “real” que o serviço público foi capaz de oferecer naquele dia. A diversidade atendeu tanto
quem queria espairecer, quanto quem queria aproveitar o tempo livre para aprender alguma coisa
interessante.

No longo prazo, esse estilo de programação solidifica a idéia da TV como fonte de conhe-
cimento, amplia o repertório cognitivo de telespectador, cria um público que procura programas
de qualidade e, conseqüentemente, fomenta a produção inovadora, tanto em termos de conteúdo
quanto de linguagem. Essa é uma lição.

6.2 Televisão e educação escolar

A produção de materiais pedagógicos é outro braço do sistema de radiodifusão visto como


serviço público. Os cinco canais matêm faixas de programação dedicadas às pessoas em idade
escolar, e disponibilizam vídeos, CD-ROMs, DVDs e livros em suas lojas virtuais. Guias para
usar programas de TV na sala de aula são disponibilizados em arquivos no formato PDF, que po-
dem ser copiados por qualquer professor.

Um exemplo interessante de material educativo são as coleções “What's this Channel 4?”
e “Just Write”. A primeira série parte dos bastidores de um dia de trabalho no canal para mostrar
como funcionam as rotinas de produção. O primeiro programa acompanha o trabalho de uma e-
quipe durante um dia. O segundo, descreve como a grade é gerada e o terceiro descreve quais
foram os passos para produzir o primeiro programa, que acompanhou a equipe de produção. Em
três programas, a série ajuda o estudante-espectador a compreender como funciona uma compa-
nhia de comunicação, ensina linhas gerais de produção de roteiros, mostra que critérios são consi-

252
derados para formatar a linha editorial dos programas, e como esses critérios resultam numa gra-
de. Obviamente, apenas um canal comprometido com a qualidade pode se mostrar desse jeito.

A faixa “Just Write” é apresentada por um escritor britânico chamado Michael Rosen, co-
nhecido no Reino Unido pela produção de poemas para o público infanto-juvenil. O roteiro ofere-
ce dicas de como escrever em estilos diversos. O vídeo um, com os programas um a cinco, enfoca
a produção de notícias para o rádio, artigos jornalísticos, catálogos publicitários, manuais de pro-
dutos (para o usuário de um skate, neste caso), e textos para websites. O vídeo dois, com os pro-
gramas 6 a 10, enfoca a produção de tipos de finais diferentes para uma história, poesias, comé-
dias, roteiros de TV e histórias assombradas. No website do canal, é possível adquirir um guia
para o professor utilizar os vídeos, um livro de atividades, com páginas diagramadas para serem
reproduzidas em fotocópia, e um CD-ROM com exercícios complementares.

6.3 Histórico

Obviamente, toda essa estrutura não é resultado da decisão “espontânea” das companhias
em produzir conteúdo educativo. Antes disso, é conseqüência da presença forte de mecanismos
governamentais de controle. Entre esses mecanismos estão as pesquisas encomendadas pelo par-
lamento, tanto ao Ofcom quanto a grupos de estudos independentes.

Tão logo assumiu as atividades, a direção do Ofcom iniciou uma ampla pesquisa quantita-
tiva e qualitativa, para medir e compreender a legitimidade do sistema público de radiodifusão. A
primeira fase intitulada “Is television special?” foi publicada em 21 de abril de 2004, e sistemati-
zou respostas para a questão: em que medida o atual sistema atende às necessidades do serviço
público de radiodifusão?

A pesquisa considera que a legitimidade social de um sistema de broadcasting se sustenta


em quatro pilares, a saber: valores sociais, extensão e equilíbrio (isto é, programação abrangente,
mas que saiba dosar a distribuição de tempo para cada assunto), qualidade e diversidade.

De todos os aspectos investigados, um é particularmente relevante para a presente pesqui-


sa, e refere-se ao que a legislação, o público e os profissionais de radiodifusão entendem por pro-
gramas de qualidade.

Assim, partindo do texto do Communications Act, o relatório (2004, p.26) começa a carac-
terizar como propriedades do critério de qualidade: 1. originalidade e inovação; 2. padrões aceitá-
veis de gosto e decência; 3. produções que considerem valores sociais como educação, identidade

253
cultural, informação para fortalecer a democracia, a tolerância e a inclusão social e 4. programa-
ção ambiciosa, que desafie, provoque e estimule a audiência.

As pesquisas de opinião feitas com o público espectador e com produtores resultaram nos
seguintes aspectos (2004, p.12):

1. Alto-nível técnico e de habilidades profissionais: ação, boas locações


etc;

2. Alta proporção de programas inéditos, isto é, sem repetições;

3. Programas adaptados a padrões gerais de gosto e decência;

4. Programas que façam você pensar;

5. Programas inovadores, que divulguem novas idéias;

6. Alta proporção de programas feitos no Reino Unido.

O relatório também transcreveu declarações dos entrevistados, sobre o conceito de quali-


dade (2004, p.12-13);

“Quando os produtores se esforçam na produção. Bons atores, foto-


grafia, movimentos de câmera, bons roteiros.”

“Quando o programa suporta a passagem do tempo. Em 20 anos, as


pessoas vão estar assistindo o programa.”

“Alguma coisa que desafie o status quo, que não se ajuste ao que as
pessoas pensam.”

“Que tenha integridade, que não seja uma adaptação boba e mostre a
história real.”

“Programas que eu possa deixar meus filhos assistirem, satisfeita.”

254
“Programas que me façam conversar sobre eles e pensar sobre eles
depois de assisti-los.”

“Programas que a gente curta assistir e queira assistir novamente na


próxima semana.”

Embora os critérios sejam bastante genéricos para os referenciais brasileiros, não é difícil
localizá-los na programação dos cinco canais. Veja-se o exemplo do documentário “The Great
Plague”, que o Channel 4 exibiu em reprise no sábado, 19 de junho, às 20h. O documentário, de
90 minutos, enfocou a história da peste bubônica, que dizimou a população de Londres no verão
de 1665.

O roteiro intercala depoimentos de pesquisadores de áreas como história, ciência política,


medicina e antropologia das universidades de Cambridge e Londres, dramatizações que recriam o
ambiente da época e animações gráficas. Um locutor em off oferece explicações adicionais. Trata-
se de um programa que atende às expectativas de qualidade do público. Assim:

1. O “alto nível técnico e de habilidades profissionais” foi concretizado na criação de um


estilo gráfico adequado à época. As animações gráficas, a vinheta de introdução dos blocos (trata-
se de um canal com intervalos para a publicidade) e a apresentação dos créditos usam tipologia e
grafismos que remontam à Idade Média. O espectador tem acesso a uma estética peculiar, diferen-
te do padrão moderno mais comum. Os depoimentos dos entrevistados foram gravados em igrejas
e universidades com arquitetura medieval, iluminação contrastante e ângulos de câmera incomuns
para a captação de um depoimento, em um cenário atípico, porém coerente com o conteúdo. A
dramatização foi reproduzida com naturalismo e perfeição. Os atores estão sempre suados e sujos,
os dentes são escuros. Ratos transitam pelas casas, as pessoas urinam nos becos. Entretanto, para
enfatizar a conotação de recriação, apesar do naturalismo, essas cenas são gravadas com lente
grande angular, que distorce levemente a imagem. Um ponto forte é a reprodução dos bubos in-
flamados nas axilas e na coluna cervical dos doentes. O programa usou sofisticados recursos de
maquiagem para dar o espectador a exata noção de quão terrível era a doença e do quanto as pes-
soas sofreram.

2. Apesar de tratar de um episódio trágico, entretanto, o programa não é sensacionalista,


nem trata o fato como algo pitoresco na história do povo britânico. Não é difícil imaginar um tra-
tamento desonesto para o fato. Bastaria que o roteiro criasse seqüências ridicularizando a falta de
higiene e as crendices comuns na época. Mas não foi o que aconteceu. Nesse sentido, o programa

255
atendeu ao requisito de “se ajustar a padrões gerais de gosto” e a “não fazer uma adaptação boba
da história”.

3. Ao apresentar didaticamente as estratégias que a população da época adotou para tentar


conter a peste (por exemplo, mantendo toda a família de um infectado presa dentro de casa e, as-
sim, facilitando o contágio entre pessoas que poderiam não estar contaminadas até então) e expli-
cando porque o governo determinou aquelas medidas, o programa estimulou as pessoas a pensa-
rem sobre a evolução do pensamento científico e sobre o controle de doenças que a humanidade
foi capaz de criar. Nesse sentido, o programa atende ao requisito de “fazer pensar”.

4. Ao que parece, o principal objetivo das dramatizações é permitir ao espectador compre-


ender o cotidiano e a mentalidade vigente na época. Há, por exemplo, seqüências que mostram
uma família inteira sendo trancada, sem resistências. Esse foi um recurso que atendeu ao requisito
do “fazer as pessoas conversarem sobre o programa depois”. Prova disso foi a lista de discussão
produzida no website do canal, após a exibição. Os telespectadores queriam entender porque as
pessoas aceitaram aquelas condições de tratamento. A resposta foi dada pelo professor Justin
Champion, especialista no período inicial da época moderna, do Departamento de História da
Universidade de Londres, que explicou que a mentalidade da época não dava chance de escolha
às pessoas. A sociedade era profundamente hierarquizada e disciplinada. Além disso, a ansiedade
existente no turbulento período anterior à revolução inglesa indicava que as pessoas tinham uma
predisposição para obedecer, porque queriam se proteger da desordem.

Não é difícil imaginar a situação que gerou a pergunta. O espectador assistiu o programa,
pode ter discutido esse aspecto com outras pessoas e resolveu checar o dado, já que tinha um ca-
nal disponível para isso.

No final do documentário, o roteiro oferece informações atuais sobre a peste bubônica: ela
ainda é endêmica em algumas regiões da Ásia, mas uma pessoa infectada pode ser curada com
antibióticos. Entretanto, há notícias de que o exército dos Estados Unidos estaria criando uma
espécie resistente, que poderia ser usada como arma biológica.

A exemplo do “The Great Plague”, uma diversidade de programas de qualidade são con-
tinuamente produzidos e exibidos nos cinco canais. Paralelamente, órgãos governamentais, uni-
versidades e grupos de estudo e pesquisa continuamente promovem sondagens de opinião e análi-
ses de conteúdo, a fim de manter a compreensão profunda e abrangente da função social do bro-
adcasting.

256
6.4 Screen Education

Evidentemente, a promoção de estudos e discussões dessa abrangência são resultado de


um longo histórico de preocupação com os efeitos nocivos da televisão massificada, por um lado,
e com o desenvolvimento de produtos ajustados aos propósitos educativos, especialmente para o
público em idade escolar, por outro.

Educadores de todo o Reino Unido contam com um centro de referências para pesquisar,
fazer cursos e adquirir materiais relativos ao uso do cinema e da televisão na educação. Trata-se
do British Film Institute. Nos anos 70, a instituição abrigou a Society for Education in Film and
Television que, entre outros projetos, publicou a revista Screen Education. Um exame nas produ-
ções teóricas de 30 anos atrás ajuda a entender como os ingleses foram aprimorando o conheci-
mento sobre o uso dos audiovisuais no processo escolar.

Inicialmente intitulada Screen Education Notes, a publicação trouxe, no primeiro número,


em outubro de 1971, os resumos das discussões realizadas na conferência “Film and Youth”, em
Mannheim, na Alemanha. O editorial explica o propósito da publicação (1971, p.2):

“Os editores pensam também que a literatura do filme deve ser tratada
de forma abrangente nas páginas do "Notes", pelo menos o suficiente para
chamar a atenção dos leitores para todos os livros publicados sobre o ensino
do cinema e filmes, e sobre educação em geral. No entanto, levará algum
tempo para pôr as coisas em dia. Propomos também rever os novos materiais
de ensino de filmes, com a finalidade específica de influenciar a escolha de fu-
turos materiais.”

A leitura dos índices dos 32 números editados entre 1971 e 1988 mostram que a Society
for Education in Film and Television privilegiou a análise crítica das estruturas de comunicação
midiática disponíveis na Inglaterra, da linguagem e do conteúdo de programas, tanto educativos
quanto para o público em geral, e o desenvolvimento de métodos de ensino da linguagem audio-
visual na escola.

A perspectiva dos editores é clara: partindo do pressuposto de que o filme não é “transpa-
rente”, eles definem como prioridade fomentar o desenvolvimento das habilidades de leitura que
este tipo de linguagem implica. Dominando os códigos específicos, o leitor (criança ou adulto)
pode usufruir dos benefícios do vídeo.

Na tentativa de definir a área de estudos compreendida pela educação para o uso dos mei-
os de comunicação, Bennet (1976) traça um panorama histórico estrutural. “O estágio mais antigo

257
da educação para a mídia (por volta de 1940, ou um pouco antes) tinha uma ênfase moral” (1976,
p. 16). Nos anos 60, principalmente com a difusão dos Cahier du Cinéma, na França, o estudos
passaram a valorizar a análise estética dos audiovisuais. O objetivo “era reavaliar o cinema de
Hollywood, em termos de estruturas artísticas, particularmente o autor” (p.16). Ainda assim, a
análise de cunho moral permanecia hegemônica e freqüente no trabalho cotidiano dos professores.

Entretanto, fatos significativos nos anos 60 e 70 fomentaram formas de abordagem da mí-


dia na escola, que levassem em conta as especificidades da comunicação audiovisual e seus nexos
sociais. Entre as influências decisivas para essa mudança, Bennett destaca o trabalho de professo-
res alemães em Berlim, que passaram a utilizar a teoria crítica da Escola de Frankfurt nas aulas
sobre mídia, de professores franceses em Bourdeaux, que criaram ligações entre mídia e as teori-
as da semiologia, e de professores finlandeses, que relacionaram os produtos da mídia com a pro-
dução mais ampla da sociedade capitalista.

Bennett identifica quatro linhas principais nas abordagens recentes: 1. há os que não rejei-
tam a sociedade de massas, tal qual ela existe, mas acreditam que os cidadãos podem controlar os
meios de comunicação na medida em que forem capazes de “olhar através dos mecanismos de
manipulação das mensagens”. É tarefa da educação desenvolver as habilidades necessárias a esse
olhar; 2. também há os que, embora também não desprezem as estruturas de comunicação de
massa, propõem a criação de meios de comunicação autônomos; 3. e há os que tentam “reformu-
lar o ideal de massa em termos marxistas, como uma classe” (p.17). Aqui, “a educação para a
mídia tenta revelar os componentes da comunicação de massa utilizados para reforçar as deman-
das do sistema capitalista, e para fomentar uma resposta de classe” (p.17). 4. finalmente, a quarta
postura, embora não seja oposta à terceira, prefere se concentrar na idéia de consciência ao invés
de focar o “estado da sociedade”. “Fortemente influenciada por Roland Barthes e Cristian Metz,
essa aproximação floresceu na França, mas ganhou força em muitos outros países (na Grã-
Bretanha é expressa nas revistas Screen Education e Screen) (p.17).” A principal característica
dessa tendência é que ela se concentra no esforço de revelar como “cada documento audiovisual é
uma estruturação da realidade” (p.17).

O momento chave da aproximação entre a educação escolar e a comunicação audiovisual


foi, segundo a autora, a “crise de 1968”. A partir daquele momento, uma “onda de reformas edu-
cacionais se espalhou pela Europa” (p.17). A maioria dessas reformas se concentrou na educação
secundária, enfatizando “menos esforço na memorização, mais criatividade e cooperação; divi-
sões menos rígidas entre as áreas de estudo; maior abertura da escola para o mundo exterior”
(p.18).

258
Com a aproximação entre as áreas, a produção de materiais audiovisuais se desenvolveu
significativamente, apesar das dificuldades comuns à época, tais como equipamentos caros, pouca
familiaridade dos educadores para operar as máquinas, alto custo de manutenção e de aquisição
de filmes e fitas de vídeo etc. Trinta anos após as primeiras experiências, os equipamentos ficaram
mais baratos e, na Inglaterra, especificamente, o problema da falta de material didático audiovisu-
al foi contornado com diversas medidas tais como a ampliação das atividades do British Film
Institute, a produção educativa dos cinco canais abertos (que pode ser gravada por qualquer escola
ou professor) e com a criação do British Universities Film and Video Council.

O BFI é uma organização não-governamental criada em 1933, com o objetivo de promo-


ver “a compreensão e a apreciação da rica herança cultural britânica no campo do filme e da tele-
visão”, conforme descreve o site da instituição. Para concretizar esse objetivo, o BFI desenvolve
projetos como o “The National Film Theatre”, cinema que exibe mais de mil filmes por ano, des-
de raras produções do cinema mudo, até clássicos cult contemporâneos. As exibições são seguidas
de eventos complementares tais como discussões com diretores de cinema, produtores, atores,
críticos e escritores. O instituto mantém uma editora, que publica livros e revistas especializados,
uma biblioteca com um dos maiores acervos mundiais de material impresso sobre a imagem em
movimento escrito em inglês, além de um arquivo audiovisual com cerca de 275 mil filmes, 210
mil programas de TV, sete milhões de fotografias e 15 mil pôsteres. A coleção começou a ser
formada em 1935. O BFI também promove cursos, inclusive para professores da educação básica,
e financia pesquisas e projetos educacionais que promovam a media literacy nas escolas do Reino
Unido. Todos os anos, uma série de eventos especiais são programas para fomentar o interesse
pelo cinema e pela televisão de qualidade. Os eventos são direcionados para a família inglesa e
para estudantes, com conteúdos ajustados aos diversos estágios escolares .

O British Universities Film and Video Council é uma instituição fruto de parceria entre o
governo e as universidades privadas. Criado em 1948, o BUFVC tem como objetivo “fomentar o
uso da imagem em movimento na educação básica e universitária do Reino Unido e nas pesquisas
em geral”. A instituição mantém o maior arquivo de programas educativos feitos na Inglaterra e
disponibiliza cópias aos membros que pagam uma licença anual para o copyright. Há também
projetos de consultoria a educadores, biblioteca a promoção de cursos de curta duração sobre o
uso de audiovisuais na educação.

Além de contornar o problema da oferta de material, os ingleses tiveram também de pen-


sar numa nova questão tipicamente pedagógica que surgia: em qual parte do currículo o estudo
dos audiovisuais deve ser incluído?

259
Para Bennett, a resposta fica particularmente trabalhosa ao considerar que “a educação pa-
ra a mídia é essencialmente interdisciplinar ou, antes disso, é anti-disciplinar” (p. 20). A experiên-
cia inglesa tem mostrado, entretanto, que as áreas da língua materna e dos estudos sociais, pela
própria natureza dos seus conteúdos, são as que mais facilmente incluem conceitos de educação
para a mídia.

Analisando o resultado das práticas cotidianas dos educadores, a autora aponta as linhas
mestras da prática corrente (p.19):

“Por enquanto, os audiovisuais ou a leitura da comunicação podem ser


analisadas em diferentes caminhos: como representação de uma ideologia,
como exemplo de uma estética particular etc, uma análise adequada deveria
incluir práticas críticas que mostrassem como é pertinente conhecer os códigos
audiovisuais”.

Um dos principais problemas diagnosticados, já nos anos 70, referia-se à tendência dos
professores em dividirem os vídeos em dois grandes conjuntos: programas para serem usados em
atividades de leitura crítica da comunicação, e programas para servirem de suporte para outros
assuntos como História, Matemática, Geografia etc. Bennett alerta para o fato de que não há, ne-
cessariamente, oposição entre produção de conhecimento para estudar a mídia e para estudar ou-
tros tópicos, através de meios audiovisuais. Entretanto, a segunda concepção de programas é sem-
pre mais comum e mais utilizada.

Ela argumenta que, com a intensidade e a freqüência das campanhas de governos e em-
presas produtoras de programas, criou-se uma expectativa tal que gerou uma espécie de mito em
torno das tecnologias de comunicação: a moda da educação tecnológica se sustentava no mito de
que, através do material audiovisual, o estudante teria a chance de acessar diretamente a fonte de
informação, testar e questionar os dados, sem a “intervenção humana” do professor. Para essa
perspectiva, a proposta da leitura crítica era tida como “perigosa”. De fato, trata-se do contrário, já
que “o estudo da mídia é, na verdade, um caminho para ‘aprender a ver’ e, assim, absorver mais
informações de uma mensagem didática audiovisual” (p.20).

Além disso, conhecer a metalinguagem também é importante para fomentar a criatividade,


principalmente na produção de vídeos por alunos. Bennett critica a ingenuidade da crença no fato
de que a liberdade de expressão, por si só, é suficiente para desenvolver a criatividade do estudan-
te (p.21):

260
“Se considerarmos que há, de fato, ao menos dois momentos na cri-
atividade – expressão e combinação – veremos que ela geralmente é interpre-
tada de uma maneira muito simplificada. O ato da invenção deve ser descrito
como a recombinação de elementos de uma experiência anterior em uma nova
forma, baseada numa necessidade afetiva”.

Logo, se se concentrar apenas na necessidade afetiva (que é mais comum), o professor não
contempla todos os aspectos da criatividade. O resultado pode ser uma reprodução de fórmulas,
sem ganhos cognitivos significativos. Novamente, a leitura do conteúdo concomitante à leitura da
linguagem em si, surge como proposta mais adequada para explorar os audiovisuais em todas as
suas possibilidades. Ao aprender a avaliar criticamente as combinações escolhidas para um dado
sintagma televisivo, o estudante aprimora sua própria capacidade de combinar aqueles elementos.
Essa é a essência da media literacy.

6.5 Televisão e criatividade

Indagando o que significa criatividade na televisão, Buscombe (1980) contrapõe duas i-


déias que, aparentemente, não combinam: a criatividade como a essência da produção artística e a
televisão como a concretização da produção industrial.

Segundo o autor, um exame das críticas sobre televisão nos jornais ou nos textos produzi-
dos em festivais de exibição de audiovisuais mostram que, em linhas gerais, o termo “criativo”
remete para idéias como “pessoal, individual, original” (1980, p.5): “Parece que a criatividade é
invocada para descrever aqueles caminhos em que a televisão se livra do status de produto e al-
cança a condição de arte”.

A polêmica se sustenta na evidência de que a produção televisiva, mais do que qualquer


outra prática cultural, é estritamente dependente de tecnologia avançada. Logo, requer uma estru-
tura industrial para operar com eficiência. Além disso, “não é apenas no nível técnico que a televi-
são está se tornando incrivelmente industrializada. Em termos econômicos a TV é mais industrial
do que qualquer outra mídia, e cada vez mais” (p.5). Logo, se não há espaço para a criatividade no
ritmo industrial, a qualidade é um ideal, de antemão, comprometido.

Mas um exame mais apurado da situação revela nuances pertinentes. Nos extremos opos-
tos estão a idéia de criatividade como o trabalho do artista iluminado, que produz algo anterior-
mente inexistente, e o trabalho do escritor de roteiros televisivos que, de antemão, recebe instru-
ções sobre os personagens (definidos através de pesquisas de mercado) e os cenários, disponíveis

261
de acordo com o orçamento. A tarefa é rechear a estrutura com seqüências narrativas. Trabalho
industrial, e nada criativo.

Entre os dois extremos, Buscombe encontra outras possibilidades. Uma delas é a que atri-
bui o caráter de criatividade como algo possível apenas ao formato ficcional. Nesse sentido, um
diretor de novela ou filme para a televisão pode ser criativo. Um editor de telejornal não. O autor
relativiza a questão (1980, p.9): “Nos dois tipos de programas [ficção e notícias] há um script e
uma performance: há um material de onde a produção parte, seja o programa um conjunto de ins-
truções sobre como criar dálias ou um roteiro de palhaçadas para um grupo de marionetes.” Evi-
dentemente, há diferenças no roteiro dos dois gêneros. Um programa de notícias deve partir de
fatos verídicos; um filme pode partir, mas não necessariamente.

Mas, por outro lado, a performance é também bastante similar. Ambos os scripts devem
ser interpretados por pessoas treinadas e pagas pelo trabalho. “Os locutores, afinal, podem rees-
crever seus scripts e ajustá-los ao seu estilo pessoal, do mesmo jeito que os atores o fazem” (p.9).
A diferença, portanto, é menos no trabalho em si e mais no modo como as funções em cada tipo
de programa são reconhecidas (p.10):

O noticiário é por um lado, naturalmente, o caso extremo, como o


drama é por outro lado. Entre os dois, encontra-se uma variedade de pro-
gramas, nos quais a criatividade é mais ou menos reconhecida. Na produção
de certos tipos de documentário, uma abordagem criativa é estimulada (docu-
mentário é "o tratamento criativo da realidade" - John Grierson). Com outros ti-
pos de documentário, como, digamos, um programa escolar sobre geografia,
não é assim. Neste caso, o critério de julgamento é competência: é feito tão
bem como deveria ser? Já na primeira situação, a competência é tomada como
pré-estabelecida, e o teste é: há alguma qualidade pessoal?

Por trás desse argumento, o autor identifica uma crença cristalizada, segundo a qual pro-
gramas noticiosos ou educativos apresentam a realidade diretamente, o que não é verdade. Todo
programa de TV é sempre uma mediação.

Uma resposta viável para o dilema da criatividade, portanto, é aquela que contempla tanto
a esfera da produção industrial quanto as possibilidades de inovação dentro do sistema. Nesse
sentido, criatividade na TV é um termo que perdeu um pouco os laços com o sentido original (a
criação autoral e única), e serve como marca distintiva, para rotular programas. A necessidade do
rótulo, o autor explica, vem do histórico duplo papel que a televisão desempenha socialmente. Ela
é, ao mesmo tempo, um serviço público, “que nos ensina desde como nadar até a tomar a decisão

262
de voto”, e um meio de expressão cultural, que precisa atingir públicos diversos. “Claramente, há
uma contradição entre esses papéis. Essa contradição nunca será resolvida, e sempre haverá ten-
são entre os dois papéis”, avalia (p.13).

Uma saída prática para gerenciar a tensão, sem corroer as estruturas produtivas até aqui
sedimentadas, é a fixação de rótulos que ajudam produtores e espectadores a organizarem a com-
preensão dos diversos sintagmas televisivos, atribuindo valores diferenciados para cada tipo de
programa (o que se converte em ferramenta útil para a venda de publicidade, inclusive). Um des-
ses rótulos é a criatividade, sustentada pela presença de diretores ou autores específicos, que têm
habilidade reconhecida em lidar com as estruturas televisivas. Para o senso comum do espectador
e até para a imprensa, esses profissionais têm competência reconhecida para criar programas cria-
tivos, logo com qualidade, ainda que trabalhem dentro das rotinas de produção industrial.

Resta saber que qualidade é essa. Embora concordem que não seja possível chegar a uma
conclusão final do que seja qualidade em televisão, pesquisadores ingleses têm se empenhado em
estabelecer ao menos critérios elementares para julgar a produção televisiva.

6.6 Sete lados da qualidade na TV

Mulgan (1990) parte da idéia de que a qualidade na televisão “é uma das coisas que é mais
difícil colocar-se contra” (p.3). Daí a palavra caber tão confortavelmente no discurso tanto do
pesquisador crítico quando do executivo de TV comercial. Essa confusão também é possível por-
que, objetivamente, mais de meio-século após as primeiras emissões, não há como afirmar com
certeza quais efeitos a televisão provoca na audiência: se ela promove a violência e o comporta-
mento anti-social, ou a curiosidade saudável sobre a vida das outras pessoas, é uma questão ainda
em aberto. “Também há poucos argumentos sólidos sobre para que a televisão deveria servir:
induzir a docilidade, expandir a consciência, prover trivialidades inofensivas ou servir de produto
de exportação” (1990, p.4).

Na impossibilidade de oferecer uma definição precisa, o autor se empenha na tarefa de, ao


menos, estabelecer critérios genéricos de qualidade. Para ele, são sete perspectivas principais: a do
profissionalismo, a da audiência vista como consumidora, a da análise estética, a da televisão co-
mo um ritual cultural, a da formação da pessoa humana, a perspectiva ecológica e a da diversida-
de.

263
Na visão dos produtores, a qualidade geralmente se resume às escolhas técnicas para ex-
pressar uma idéia: iluminação que suaviza ou dramatiza, movimentos de câmera que revelam
detalhes e expressões, script, direção técnica e de atores, dinâmica com a qual a narrativa se de-
senrola etc. Embora sejam mais facilmente aplicáveis à dramatização, esses critérios constituem
um conjunto de valores que, em princípio, podem ser aplicados a qualquer sintagma televisual.
“Embora não haja como comparar uma novela com um documentário, pode-se julgar cada um
referindo-se à gramática ou às tradições da forma televisiva” (p.9). Na visão da comunidade de
produtores, a qualidade tem forte relação com a autonomia de produção. “Assim como o autor ou
o artista, o produtor deve ser o único responsável pelo processo criativo: qualquer concessão tanto
para os alto escalões da burocracia quanto para as pressões do mercado são indesejáveis” (p.9).

Mulgan questiona esse princípio (e até o chama de ideológico), argumentando que a pro-
dução na TV, por ser altamente co-operativa (isto é, envolver um número grande e diversificado
de profissionais) depende mais do compromisso de todas as pessoas envolvidas, do que da liber-
dade de criação do diretor. Isso não quer dizer que a liberdade não deva permanecer como um
ideal a ser perseguido, desde que seja feita a ressalva de que “a liberdade de expressão e a auto-
nomia profissional dependem mais da cultura predominante e da abundância dos recursos do que
das relações entre administradores e produtores, simplesmente”(p.10).

Numa perspectiva diametral, é a “soberania do consumidor” que garante a qualidade, na


visão dos “marqueteiros de programas”. Curiosamente, observa Mulgan, esse critério é defendido
não pelos consumidores, eles próprios, mas por produtores procurando entrar no mercado. E essa
é uma perspectiva recente. “Se nos anos 60 e 70 as discussões sobre o broadcasting o relaciona-
vam à ética, às responsabilidades da profissão, aos modelos de representação, seu acesso e res-
ponsabilidade; o debate atual enfoca principalmente o negócio, a competição e a rentabilidade”
(p.11).

O autor credita a afirmação desse conceito a dois fatores. Em primeiro lugar, as inovações
tecnológicas trouxeram uma mudança material: com a entrada da TV a cabo por assinatura e com
o surgimento das produtoras independentes (graças ao barateamento dos equipamentos) a BBC
foi pressionada a tomar consciência das “forças de mercado”. “A necessidade de satisfazer a audi-
ência tem se tornado muito mais importante” (p.11). Em segundo lugar, a influência dos econo-
mistas “neo-clássicos”, que defendem a idéia de soberania do consumidor, também afetaram a
estrutura do broadcasting, na medida em que pregam valores como obrigações do produtor, re-
presentação honesta do produto, padrão de qualidade na produção etc.

264
Mulgan vê dois problemas nesse quadro: 1. “o consumidor abstrato é muito menos limita-
do do que aquele que realmente assiste TV”. Logo, o discurso é mais útil para o afirmar as distin-
ções do produtor do que para despertar o senso de exigência do público; 2. “Não há uma relação
direta entre produtores e usuários de televisão”. De fato, a relação-chave se dá entre os anuncian-
tes e os produtores ou entre o governo – no caso das TV públicas – e os produtores. Logo, a “so-
berania do consumidor” não tem tanta relevância nos resultados concretos.

Além disso, o critério de qualidade para o consumidor se sustenta na idéia de que a televi-
são pode ser vista como uma utilidade, tal qual comida, roupas ou carros. “A única qualidade re-
levante é aquela que pode ser medida através da predisposição da audiência para pagar mais por
um programa do que por outro” (p.14). O argumento cai por terra ao considerar, por exemplo, que
a maioria dos programas – no Reino Unido, pelo menos - não compete apenas por entretenimen-
to, mas provê o espectador com novos conhecimentos. Logo, “apesar de simples, um programa
que ensina como consertar um carburador pode ter muito mais valor do que o drama de costumes
mais suntuosamente produzido” (p.14).

Entretanto, uma idéia pertinente para a televisão, vinda da visão mercadológica, é a da


“competitividade não relativa a preços” (p.15):

“Um produto que é de melhor qualidade (ou mais confiável) que outro,
embora de certa forma comparável, será competitivo mesmo se custos e
preços forem, por outro lado, os mesmos. De forma similar a todas as indús-
trias culturais, a radiodifusão é dominada por uma competição que não envolve
preços, já que raramente existe qualquer correlação clara entre custos embuti-
dos e o preço, valor ou qualidade do que é vendido.”

Ainda assim, a aproximação com o olhar econômico ajuda a compreender a questão da


qualidade, na medida em que, atualmente, o broadcasting público britânico tem, para os progra-
mas de televisão, as mesma estratégia de “fortalecer a marca BBC, assim como o faz a IBM com
os computadores ou a Parker com as canetas” (p.15).

Em outras palavras, a estratégia de qualidade, com vistas para o mercado, é o cultivo do


“clássico olhar inglês”, como por exemplo, adaptações literárias baseadas no estilo de vida da
classe média-alta e da aristocracia nos tempos do apogeu do império. No longo prazo, essa estra-
tégia cria uma reputação para o canal, de tal modo que até mesmo os programas simplistas e de
produção barata se beneficiam da “grife BBC”, tornando-se produtos competitivos no mercado de
radiodifusão por assinatura para outros países, por exemplo.

265
Uma das maiores falhas na avaliação da TV, segundo o autor, está na crença de que o es-
pectador recebe a televisão já com gostos e preferências totalmente formados. “A televisão é erro-
neamente vista como uma receptora antes de uma formadora de cultura e valores” (p.15).

Entretanto, há os que não compartilham dessa distorção, e tentam estabelecer critérios de


qualidade – estética – para o sintagma televisual. Esses partem das características intrínsecas da
TV enquanto medium. “Eles procuram uma estética televisual, um conjunto de regras de julga-
mento similares àquelas que podem ser aplicadas a um filme ou um livro” (p16). Apesar de mui-
tos estudiosos se debruçarem sobre os critérios de qualidade estética na televisão, há mais de 20
anos, Mulgan é categórico em afirmar que “ainda não há qualquer consenso sobre como eles po-
deriam ser filosoficamente fundamentados”. Ainda assim, o autor arrisca alguns pontos de parti-
da:

1. A qualidade está implícita na durabilidade e na atemporabilidade de um programa. A


melhor televisão é aquela que não é efêmera, perecível, tal qual a literatura e os filmes clássicos;

2. Outra perspectiva é aquela que crê na qualidade como a habilidade que a televisão tem
de ser congruente com sua natureza de mídia: instantânea, superficial e, no extremo, mera diver-
são ou “papel de parede”. A melhor televisão é aquela que evita a tentação de ser como a literatu-
ra e, ao contrário, produz apenas efeitos imediatos, no melhor estilo MTV;

Para o autor, a tensão entre essas duas posições revela um fundamento em comum: ambas
subescrevem a visão de Neil Postman, para quem a real metalinguagem da televisão é o entrete-
nimento e, por isso, a natureza dessa mídia é, inevitavelmente, trivializar problemas e abrandar
qualquer efeito educacional. A diferença é que a primeira perspectiva localiza a qualidade no “du-
elo” contra a natureza da mídia. A segunda valoriza o “tirar proveito” dessa natureza.

3.Uma visão alternativa à televisão como “destruidora de significado” é apresentada por


Umberto Eco. Ele rejeita a idéia de inovação e da alta taxa de informação como condição para a
qualidade. Ao invés disso, argumenta que não deveria ser surpreendente que as pessoas se sentis-
sem atraídas pela natureza repetitiva de muitas fórmulas da televisão, geralmente vistas como
inimigas da qualidade. É que a estrutura previsível pode ter qualidades ainda não compreendidas.
Nesse sentido, a estética da televisão seria aquela que enfatiza as virtudes da intimidade e da con-
tinuidade. “Para Eco, portanto, a qualidade real depende da manutenção da crença na tradição
antes da mudança. Uma estética apropriada para a televisão deve, conscientemente, ajustar-se
contra a preponderância moderna da experimentação, e mudar apenas se for do seu interesse pró-
prio” (p.18).

266
4. Mulgan também cita Pierre Bourdieu, que contrapõe a “estética popular” (comprometi-
da com a praticidade, a utilidade, a sensualidade, a cordialidade e a diversão) e a “alta estética”
(marcada pela distinção, diferença e hostilidade ao mundo de resultados práticos). Assim, a estéti-
ca popular foca a função da televisão: se ela entretém ou informa, se a comédia diverte, se o sus-
pense assusta. Para a estética refinada, por outro lado, a melhor televisão é aquela que experimen-
ta com a forma. Portanto, essas duas estéticas desempenham papéis diferentes na vida cotidiana,
assim como vêm formando as históricas diferenças de classe e capital cultural. Na Inglaterra, es-
pecificamente, Mulgan identifica essas duas estéticas nas tensões entre o estilo televisivo ameri-
cano (visto como indústria do entretenimento) e o inglês (antes de britânico) com aspirações para
a arte e a seriedade. Num mesmo canal, as tensões podem ser encontradas entre os grupos que
trabalham com as novelas e aqueles que trabalham com documentários ou programas sobre arte,
por exemplo.

No final das contas, para Bourdieu, talvez seja impossível desenvolver critérios estéticos
objetivos para qualquer mídia de massa, porque gosto e qualidade funcionam como marcas soci-
ais antes de ter uma base objetiva. Portanto, pode-se falar em um “olhar ingênuo” e em um “olhar
estético”. “A natureza de mídia de massa da televisão, uma mídia de olhar ingênuo, pode tornar
inconveniente o desenvolvimento de uma estética” (p.19).

Se a meta é focar a qualidade utilitária da TV, a perspectiva da mídia como um instrumen-


to de rito cultural parece pertinente. Segundo essa perspectiva, a comunicação mediada não se
resume à simples passagem de imagens e informações de um lugar para outro, mas trata-se, sim,
de um ritual de comunhão. Partindo da afinidade etimológica das palavras “comunicação”, “co-
munidade” e “comunhão”, os adeptos dessa perspectiva acreditam que o significado flui menos de
um programa ou canal em particular, que de um sistema de comunicação como um todo, com
tradições histórico-culturais. Assim, o broadcasting deve ser visto “menos como um meio de
transmitir imagens de produtores para consumidores e mais como um meio de criar experiências
comuns para milhões de pessoas vivendo em uma nação ou comunidade”(p.20).

A paradigmática pergunta “você viu?” é, segundo o autor, uma evidência da legitimidade


dessa perspectiva. Portanto (p.20):

“Visto como um tipo de ritual, a forma da televisão é tão importante


quanto o conteúdo. O propósito da televisão é simplesmente criar uma comuni-
dade de espectadores engajados na mesma atividade em tempo real, compar-
tilhando experiências, ficções ou características.”

267
O critério de qualidade que emerge dessa perspectiva refere-se à capacidade que um pro-
grama ou canal, em particular, tem de sustentar o papel de aglutinador social. Entretanto, é preciso
cuidado para não provocar distorções. “O ritual da televisão reflete antes de resolver conflitos que
permanecem por trás da superfície de qualquer sociedade” (p.21).

A aglutinação de pessoas em torno da mídia, no longo prazo, quem sabe, atua como ins-
trumento de formação da pessoa humana. O valor e a qualidade da televisão dependem do uso e
da importância que cada comunidade atribui ao meio. Em última instância, dependem da concep-
ção que cada cultura ou comunidade tem de pessoa. Contemporaneamente, duas visões têm dispu-
tado espaço: a pessoa como consumidora X a pessoa como cidadã.

Ao contrário da visão mercadológica (para a qual todos os assuntos são igualmente váli-
dos), para uma visão mais politizada, alguns tipos de comportamentos são melhores que outros.
Conseqüentemente, alguns programas são melhores que outros em vista de, por exemplo, formar
o comportamento cidadão, que inclui (p.23):

“Consciência dos prazeres e dores dos outros, das estruturas econômi-


cas e sociais mundiais, da ciência e da religião, ou do significado do esclare-
cimento e da maturidade espiritual que promovem a completa realização do po-
tencial humano. Outros pediriam à televisão que tornasse as pessoas mel-
hores, oferecendo modelos de papéis, provendo estruturas narrativas que
ofereçam sentido à vida. A qualidade de um programa ou serviço televisivo de-
penderá, em linhas gerais, do sucesso em concretizar esses objetivos.”

Ainda segundo a perspectiva da cidadania ativa, a qualidade na televisão implica na capa-


cidade de oferecer amplo acesso ao sistema – não só na recepção, mas também como meio de
expressão para o máximo número de pessoas possível. “Está implícita a idéia de que os atos da
criação e da comunicação são, em algumas situações, superiores ao ato da recepção” (p.24). “Es-
sas diversas tentativas de ligar a pessoa com a televisão têm em comum a crença na ligação entre
informação e ação” (p.24).

Por outro lado, o autor alerta para o fato de – embora relevantes e legítimas – as perspecti-
vas que ligam as necessidades da pessoa e a televisão tendem a enfatizar o “senso de lugar”. Nu-
ma direção oposta – e igualmente legítima – é possível chegar a uma teoria não-local de necessi-
dade humana na televisão (p.24):

“A televisão também pode ser vista como um meio para criar estruturas
estáveis de significado, para resolver ou trabalhar em cima de problemas. Vista
nessa perspectiva, ela é melhor quanto cria estruturas subconscientes ou ar-

268
quetípicas com as quais as pessoas podem lidar com a vida. A mais alta quali-
dade é realizada não quando a TV está enraizada numa cultura local ou reve-
lando informações sobre o mundo, mas sim quando é menos localmente enrai-
zada e mais atemporal.”

Por outro lado, o autor adverte que a idéia de cidadania não é neutra e nem plenamente re-
alizável na televisão, um meio intrinsicamente centralizado e manipulativo. “Aparentemente, ar-
gumentos democráticos podem ser facilmente usados para legitimar as disputas entre as diversas
elites” (p.23). Ele fala, por exemplo, na clássica disputa entre as elites locais e as que privilegiam
grupos nacionais ou internacionais, uniões corporativas e uniões tradicionais etc. Ainda assim, é
mais produtivo ter esperanças otimistas.

Em outro ponto de vista, constuma-se usar a metáfora da ecologia para descrever o siste-
ma de radiodifusão de qualidade, na medida em que se trata de “um delicado e complexo sistema
que não é facilmente reduzível a uma descrição econômica”. A experiência tem mostrado que “ele
[o sistema] responde melhor à nutrição e ao cuidado que à força bruta e aos mecanismos de plane-
jamento. Como uma ecologia, requer adaptação permanente, risco e experimentação” (p.25).

Emprestando expressões do campo da ecologia para explicar problemas da televisão, os


adeptos falam em melhor qualidade na radiodifusão comparando-a com melhor qualidade da água
ou da comida. E referem-se à não-poluição, significando não colocar imoralidades, hipocrisias e
falsidades na programação.

Mulgan considera a fundo a questão do delicado equilíbrio, e atenta para a má-condução


dessa idéia. É que o equilíbrio pode ser comprometido, por exemplo, com posturas radicais que
defendem um policiamento rígido da programação para evitar, por exemplo, que crianças sejam
expostas à violência, à exploração do sexo ou aos valores oportunistas. Se exagerado, o policia-
mento também é poluidor. Sob a perspectiva da ecologia, “pode ser que a sociedade saudável
precise de elementos subversivos para manter a integridade moral e cultural e para aprender sobre
si mesma” (p.25). Em outras palavras, aquilo que é ruim precisa ser mostrado para ser compreen-
dido, mas desde que seja endereçado para uma conclusão não-poluída.

A saída, como já disse o autor, é encontrar um meio de nutrir e cuidar do sistema, sem im-
posições intransigentes, que, na prática, são manipulação. Combinar doses de programas contro-
versos com políticas de educação para a mídia, e fomentar espaços de debates produtivos são
meios ecológicos para buscar a qualidade na televisão.

269
Pragmaticamente, na falta de um critério concreto para definir o que é bom ou ruim, sau-
dável ou mórbido na TV, muita gente se apóia no conceito de diversidade como saída funcional.
Nesse sentido, “a qualidade pode ser oferecida através da grande diversidade de programas (...)
que se movem entre programas para a audiência de massa e programas para as minorias, da co-
média para a vida natural e para o filme” (p.26). Aqui também há um problema (p27):

“A idéia abstrata da diversidade deixa uma questão não respondida so-


bre quão bons ou ruins os programas ou canais são: não há algo obviamente
bom a ser tirado da diferença entre verdades e mentiras, ao menos que nós
sempre acreditemos que a verdade sempre prevalecerá sobre as mentiras.
Também há muito pouco o que dizer sobre um sistema onde as minorias sim-
plesmente falam para elas mesmas”.

Talvez uma saída para encaminhar a diversidade como critério de qualidade deva partir
não do conteúdo dos programas, mas do modo como as pessoas os usam. Um canal que ofereça
diversas possibilidades de uso (relaxamento, diversão, educação) terá mais qualidade.

Resumindo, a idéia de qualidade na televisão engloba definições que variam conforme a


perspectiva dos que dela se aproximam (marqueteiros, produtores, acadêmicos críticos) e, conse-
qüentemente, conforme a função que a ela atribuem. Se a TV é para entretenimento, esclareci-
mento, formação do cidadão, desenvolvimento do potencial humano, produção de lucro financei-
ro, sustentação do capital cultural das elites hegemônicas, revelação da natureza da sociedade e da
vida cotidiana, preservação da sociedade e da coesão comunitária, cada um desses propósitos trará
consigo um referencial de qualidade.

A lição que o autor traz de todos os debates é que ainda se sabe muito pouco sobre a TV,
suas funções e efeitos (ou insignificância), sobre a natureza da audiência ou sobre como a televi-
são é realmente usada. Se for possível definir um critério pragmático de qualidade na televisão, o
maior desafio é manter um “senso de proporção e perspectiva”, segundo Mulgan (p.30):

“Não somente equilíbrio entre mudança e conservadorismo, mas tam-


bém entre interesses e ideologias diferentes. Quando o peso dos anunciantes
cresce, é importante reforçar os valores de realidade, desprendimento e hones-
tidade; quando o espectador é visto muito mais como consumidor, é muito mais
importante reforçar sua posição como cidadão e, de fato, como alguém que
pode contribuir para fazer a televisão, assim como recebê-la. Quando a tele-
visão é vista como 'uma torradeira com imagens', torna-se importante mostrá-la
também como aspirante à arte, e quando a televisão é vista como um produto
de massas, comprado e vendido no mercado internacional, torna-se muito mais

270
importante reforçar que o serviço televisivo também forma e define papéis so-
ciais na vida de uma comunidade".

Tudo isso depende, entretanto, do ponto de partida da avaliação. Neste ponto, está a per-
gunta: televisão para quê? Se a resposta for “para oferecer conhecimento relevante e educação
emancipadora”, então o próximo passo é pensar nos tipos de programas que atendem aos requisi-
tos desse uso específico.

6.7 Formatos para a TV educativa

Uma tentativa de responder sistematicamente à questão “televisão para quê?” é oferecida


por Scupham (1966). Para tanto, o autor propõe a categorização de programas em termos de audi-
ências para as quais eles são endereçados, que funções devem desempenhar em cada caso e quais
características sustentam a eficiência de cada proposta. Sobre os programas educativos, ele ofere-
ce as seguintes considerações.

Basicamente, o gênero educativo pode ser dividido em dois sub-grupos: programas plane-
jados para integrar sistemas formais de educação (da pré-escola ao ensino universitário) e pro-
gramas para serem assistidos em casa, mas produzidos com o definido propósito “de ajudar as
pessoas a, progressivamente, dominarem alguma habilidade ou compreenderem algum corpo de
conhecimento” (1966, p.194). Enquanto o primeiro grupo pode ser composto por programas epi-
sódicos, o segundo, via de regra, é composto por programas seriados.

Esses dois sub-grupos têm três características em comum. Em primeiro lugar, ambos são
endereçados a audiências definidas, que têm objetivos específicos (aprender a cuidar do jardim ou
entender a Teoria da Relatividade, por exemplo). O autor salienta que “audiência definida” não
significa, necessariamente, audiência restrita. Nesse sentido, “toda a população adulta da Grã-
Bretanha” é tão específica quanto “os alunos do primeiro ano do curso de graduação em matemá-
tica da Universidade de Hull” (p.194). Nos dois casos, valem as mesmas regras.

Em segundo lugar, ambos os programas, tal qual as conferências, mas diferente de livros,
aulas práticas ou seminários, dependem da eficiência em sustentar a atenção voluntária da audiên-
cia. “O grau de atenção é geralmente sustentado por um interesse pré-existente, pela qualidade
intrínseca do programa e pela extensão da atenção que pode ser obtida ou limitada por fatores
como idade e inteligência” (p.195).

271
Em terceiro lugar, a comunicação efetiva será obtida somente se houver pontos em co-
mum entre o conteúdo do vídeo e o repertório da audiência, obtidos principalmente por significa-
dos de linguagem compartilhados. Ocorre que, muitas vezes, a audiência em si é heterogênea.
Logo, o roteiro deve encontrar meios de utilizar somente definições claras e descrições precisas,
além de encontrar meios de obter o retorno da recepção.

Cada sub-grupo também possui funções específicas, que devem ser levadas em conta na
hora da produção. Para o conjunto dos vídeos destinados ao ensino formalizado em salas de aula,
Scuphan destaca cinco finalidades centrais:

I. Vídeos que podem substituir parcialmente a performance do professor.


Mais comum no ensino universitário, esse tipo de material é útil, por exemplo,
para ensinar um conteúdo novo ou optativo. Ao invés de ministrar as aulas, o
professor pode passar a tarefa para o vídeo, e apenas gerenciar a produção de
exercícios e exames, posteriormente. Evidentemente, nem todas as áreas do co-
nhecimento podem utilizar esse recurso, dada a natureza dos conteúdos curricu-
lares. E também é preciso contar com alunos maduros e disciplinados o suficien-
te.

II. Vídeos que podem oferecer as bases do conhecimento para o trabalho do


professor. Especialmente úteis ao educador que se inicia num assunto novo, es-
ses programas oferecem dados elementares sistematicamente organizados. A
partir deles, é possível procurar informações adicionais e preparar atividades pe-
dagógicas. O professor pode também utilizá-los como material pedagógico, pos-
teriormente. O sucesso desse tipo de vídeos depende, no entanto, da habilidade
que os produtores tiverem para planejar cuidadosamente a programação. Geral-
mente trata-se de uma seqüência de vídeos que precisa do suporte adicional de
material impresso.

III. Vídeos que reforçam algum aspecto do currículo. Conteúdos que não podem
ser devidamente exercitados dentro da sala de aula podem ser reforçados com a
televisão. Ao tratar da oferta de energia nas aulas de Geografia, por exemplo, o
educador pode reforçar esse conteúdo mostrando todo o ciclo de extração e refi-
no e consumo do petróleo, através de um programa de TV.

IV. Vídeos que enriquecem aspectos do currículo. Diferentemente do terceiro


grupo, este funciona como complemento, ao destacar aspectos paralelos ou adi-
cionais de um conteúdo curricular específico. “Enriquecimento difere de reforço
272
na medida em que o primeiro transcende as demandas imediatas do currículo”,
explica Scuphan. “A demonstração de um processo industrial qualquer pode ser
reforço para estudantes de tecnologia mas é enriquecimento para alunos de ad-
ministração” (p.197).

V. Vídeos que renovam o currículo. Pela natureza da mídia, a TV é um dos recur-


sos mais eficientes para introduzir novidades no repertório escolar. Muito mais
do que os livros didáticos, por exemplo. Assim, ao produzir programas a partir
de seminários acadêmicos, onde são apresentadas recentes descobertas ou in-
venções em um campo específico, o sistema de broadcasting auxilia o educador
a equilibrar doses de conhecimento clássico com notícias frescas sobre o mesmo
assunto.

Para o conjunto dos vídeos educativos destinados à recepção doméstica, Scuphan oferece
quatro rótulos centrais:

I. Programas para grupos com interesse na cultura acadêmica. São aqueles pro-
duzidos para pessoas que tenham experiência e conhecimento para se dedicarem
ao estudo de uma matéria, seja ou não para obter um certificado. História da arte,
profilaxia de doenças etc.

II. Programas de formação profissional. São aqueles que oferecem aprimoramento


ou atualização numa área profissional específica. Psicologia infantil para professo-
res, estilos para designers de interiores etc.

III. Programas para o público em geral. Geralmente, referem-se a assuntos genéri-


cos, mas com objetivos mais práticos, tais como técnicas de desenho, culinária, fo-
tografia etc.

IV. Programas genéricos para enriquecer o repertório cultural. São aqueles pro-
gramas que, embora façam referência a aspectos da cultura acadêmica, são organi-
zados de maneira menos sistemática e atuam como uma espécie de estímulo ao
espectador, que pode se interessar pelo assunto, e procurar informação adicional
depois. Assuntos diversos como Astronomia, Psicologia, Filosofia, Artes etc po-
dem ser tratados nesses programas.

Entretanto, o autor salienta, tão importante quanto a rotulação de programas (sistemática


útil às rotinas de produção) é a compreensão dos diversos estilos – e conseqüentes comportamen-

273
tos e preferências – da audiência. Aqui, é possível orientar a divisão dos dois sub-grupos de pro-
gramas para o mundo do espectador.

Assim, basicamente, são dois tipos de audiência: as “comprometidas” e as “não-


comprometidas”. O autor define o primeiro grupo como aquele “cujos membros estão fortemente
motivados, preparados para acompanhar uma série regularmente, equipados com a literatura auxi-
liar necessária e dispostos a realizar tarefas adicionais, tanto individualmente quanto em grupo”
(p.198). O segundo grupo é aquele “dos membros do público em geral com um interesse comum
em um assunto suficiente para se envolver em uma série de programas, mas sem acompanhá-los
regularmente, nem acessar a literatura auxiliar ou desenvolver as tarefas” (p.198).

Cada audiência se comporta de um modo diferente. Logo, é preciso planejar roteiros que
se ajustem a hábitos diversos. Assim, a mensagem será eficientemente aproveitada.

O que caracteriza uma audiência comprometida, antes de tudo, é a motivação prévia para
se dedicar à compreensão da mensagem televisual, tendo em vista a aquisição de um conhecimen-
to ou habilidade. Para esses espectadores, programas de renovação, reforço e enriquecimento são
os formatos mais adequados.

Os recursos de linguagem empregados são bem específicos. A experiência da BBC, por


exemplo, tem mostrado que as características mais importante nessa linha é o foco apurado no
repertório da audiência, traduzido em clareza, roteiro estruturado e enxuto, timing preciso, uso de
figuras relevantes para o significado, não para simples ilustração. “Tem sido experimentalmente
mostrado que nem as cores ou a sofisticada fotografia trazem contribuições significativas para o
processo de aprendizado desses grupos, a não ser que os recursos sejam necessários para apresen-
tação compreensiva do conteúdo” (p.200). Logo, quanto mais atenta e motivada está a audiência,
menos tolerante ela é com a inserção de digressões e casualidades no roteiro. Ao contrário, há
preferência no uso de “palavras sem imagens, quando as palavras são adequadas para invocar uma
imagem mental, abstrações, quando elas são requeridas, e passagens apenas com a cabeça-
falante” (p.200).

Já as audiências não-comprometidas têm comportamento bem diferente. “Neste caso, de-


ve haver uma ‘intenção missionária’ de atrair e sustentar a maior audiência possível, que será,
necessariamente, muito heterogênea, tanto em termos de classe social quanto de repertório educa-
cional” (p.201). Por não contar com a motivação prévia, nem o apoio de literatura auxiliar, os
roteiros dessa segunda categoria precisam, ao mesmo tempo, possuir uma espécie de “gramática
escolar”, explicando, de maneira sucinta porém eficiente, noções elementares envolvidas no as-

274
sunto, além de encontrar meios de manter o espectador intrigado. Além disso, esses programas
(p.201):

“Não devem esperar atingir o mesmo grau de compreensão em todos os te-


lespectadores, mas segurar cada um durante as passagens que possam ser entedio-
sas para ele; os programas devem estimular o interesse antes de presumir que há um
interesse no assunto e, para conseguir isso, deverão usar uma variedade de recursos
visuais e sonoros, ilustrações atraentes e um bom grau de simplificação, que poderia
ser inaceitável tanto para um professor quanto para um espectador num contexto uni-
versitário.”

Ao tentar esboçar a estrutura de um sistema de radiodifusão educativa adequado aos dois


propósitos elementares (educação sistemática para públicos específicos e educação genérica para
públicos amplos), Scupham lista tarefas pendentes em 1966:

1. Oferecer programação educativa que atenda necessidades nacionais, re-


gionais e locais tanto para o nível escolar quanto pós-escolar;

2. Localizar os “grupos-alvo” que merecem programas específicos (edu-


cadores, adolescentes, analfabetos etc);

3. Facilitar o acesso a programas gravados;

4. Otimizar os recursos existentes, utilizando o conhecimento de professo-


res locais, por exemplo;

5. Estabelecer um sistema nacional de nomenclatura e classificação de


conteúdos do currículo escolar para orientar a produção de vídeos didá-
ticos (de reforço, enriquecimento e renovação) específicos.

Além disso, estudos desenvolvidos pela BBC mostraram que as audiências não-
comprometidas são sempre maiores, porém mais inconstantes. Já as audiências comprometidas,
embora menores, são mais regulares e assíduas.

A lição que deve ser tirada é que, uma vez que a meta de um canal educativo é, efetiva-
mente, ensinar habilidades e conhecimentos, é preciso decidir que tipo de audiência focar, tendo
em vista o que deve ser ensinado. Pode ser que o foco em audiências restritas, no longo prazo,
surta mais efeito do que a manutenção de audiências extensas, no aprendizado de assuntos diver-
sos como política, ciências, arte etc.

275
Por causa da abrangência e complexidade do assunto, o estudo da televisão educativa na
Inglaterra (no sentido mais genérico do termo) também se desdobrou em discussões mais genéri-
cas, mas não menos relevantes. Dentre elas, três foram selecionadas para a presente pesquisa, por
dois motivos.

Em primeiro lugar, por causa do histórico peculiar da TV brasileira (em que o modelo
comercial é hegemônico) e, de acordo com a hipótese fundamental desta tese (de que o modelo
educativo pode estar repetindo os mesmos vícios da produção comercial), os estudos acadêmicos
talvez não estejam dando a devida atenção a problemas importantes, mas não facilmente visíveis
decorrentes da introdução do cinema hollywodiano na sala de aula. Com efeito, faixas como o
“Cine Conhecimento” do canal Futura e a exibição de filmes que transportam para a tela clássicos
da literatura brasileira na grade da TV Escola (usados nas aulas Português) são exemplos mais
corriqueiros. Não é porque estão sendo aproveitados num contexto educativo que os filmes de
ficção perdem características que fazem deles sintagmas culturais controversos. Dois desses pro-
blemas são discutidos por Collins (1973), que avalia o papel cognitivo do mito personificado nas
no filme de ficção, e Dyer (1973), que justifica a introdução do estudo das celebridades produzi-
das pelo cinema e pela TV, como conteúdo instrumento de media literacy.

Em segundo lugar, o texto de Turnbull, escrito em 1973, também foi selecionado porque
descreve um problema vivido na Grã-Bretanha dos anos 70 e que hoje é identificado no contexto
brasileiro. Ao analisar o impacto da introdução do vídeo nas aulas de História, o autor relata as
dificuldades a serem enfrentadas, e como selecionar vídeos de qualidade para os propósitos peda-
gógicos da disciplina.

6.8 Cinema, mito e conhecimento

Partindo da idéia do mito como uma forma de conhecimento que faz a mediação dramati-
zada entre a realidade e a compreensão humana, no trato de problemas existenciais que não po-
dem ser conhecidos cientificamente, Collins (1973) reitera a legitimidade deste tipo de fenômeno
cultural. “Os mitos tendem a produzir conjuntos compartilhados de concepções que promovem a
solidariedade social” (p. 10). Além disso, os mitos (antigos e contemporâneos) são úteis para dar
significado a experiências. A despeito de serem irreais ou não-históricos, ainda assim são potentes
para organizar as intuições, aspirações e desejos humanos, determinando suas ações e, conseqüen-
temente, a história. A seguir, ele avalia o cinema de massa como a corporificação dos mitos con-
temporâneos.

276
Collins considera a posição de autores em evidência nos anos 70 (Marcuse, Hobsbawm),
para quem o cinema e a televisão tinham um papel central na produção de consciências, normal-
mente falsas ou distorcidas. Sem desmerecer a legitimidade dessas posições, o autor, na tentativa
de oferecer análise mais abrangente, pergunta: “Se as idéias são falsas, porque elas são importan-
tes, largamente consumidas e creditadas? (...) Como podem os mitos produzidos pela mídia de
massa merecerem nossa atenção? ” (p.11). A resposta é simples: a influência dos mitos contempo-
râneos (como os antigos) deriva da sua capacidade de atrair e organizar “necessidades humanas
autênticas, sentimentos e aspirações”. Daí vem o poder da narrativa cinematográfica hollywoodi-
ana. O autor vai além (p.12):

“A veracidade de um mito não determina sua importância. As ações


que ele descreve podem ser triviais, mas o relato do que elas incorporam pode
ser de grande significação. Podemos dizer, por exemplo, que o sacrifício de
Isaac cometido por Abraham é de pouca importância histórica, porém dotado
de grande significação mitológica. A importância das ações que um mito define
está não no seu papel em uma cadeia de causas no mundo objetivo, porém no
grau em que eles representam e reforçam as ações e aspirações humanas”.

O aspecto central a ser considerado refere-se à diferença entre as mentalidades científica e


mítica, e como tratar essa diferença de maneira didática. De fato, tanto o historiador quanto o ro-
mancista e o cineasta trabalham de modo similar: selecionam certos eventos do passado, pesam a
importância de cada aspecto, trabalham com alguns e negligenciam outros. “Nossa visão do pas-
sado, nossa história, é feita, construída, como uma narrativa ficcional”, alerta. Apesar disso, a
sociedade acredita no “mito” da história como um conhecimento objetivo.

Trata-se de um engano simplesmente? Collins enfatiza que não. O conhecimento científi-


co objetivo se manifesta no reconhecimento de que os códigos e idéias que usamos para estruturar
nossa experiência não são neutros, mas são escolhas que se firmam historicamente (p.12): “So-
mos, assim, capazes de distingüir entre estruturas simbólicas e o que elas representam. Nosso co-
nhecimento objetivo consiste no reconhecimento do relativismo da nossa própria cultura e discer-
nimento”.

A mentalidade mítica, por outro lado, não reconhece o simbolismo como uma representa-
ção, mas como uma realidade co-existente com a realidade, “fundindo significante com significa-
do” (p.12).

A abrangência desse raciocínio tem muito a ensinar, principalmente sobre o problema da


confusão entre mito e raciocínio científico. No caso brasileiro, é conveniente aproximar essa am-

277
bigüidade à proposta de usar filmes de ficção holywoodianos para ensinar um conteúdo científico
da área de História. Prática, inclusive, encorajada pela TV Escola. Como tratar mentalidades e
linguagens díspares, a ciência e o cinema de ficção, no propósito de ensinar sobre um fato históri-
co?

Collins oferece uma possibilidade, ao explicar que o cinema, como narrativa mítica, tem
um “poder estético”: a força emocional do filme vem da fusão entre o real e o imaginário,
materializados na tela. Na medida em que o leitor souber identificar os momentos dessa fusão, ele
se torna habilitado a aprender mais sobre as mentalidades e os modelos de explicação vigentes
sobre uma fato histórico. Vejamos o exemplo do autor, que faz referência ao filme “The Tall
Men”, dirigido por Raoul Walsh, em 1955.

A história se concentra em dois refugiados vindos do Sul, os irmãos Allison, no período


pós-guerra civil nos Estados Unidos, quando o país tentava iniciar a reconstrução nacional. Eles
viajam sozinhos para o Norte à procura de emprego e sofrem com a fome e o clima hostil do lu-
gar. Quando chegam ao destino, vão trabalhar numa companhia de mineração. “Os traços da soci-
edade yankee são representados num homem dependurado na rocha e determinado na desfigura-
ção da austera e bela paisagem”, avalia Collins (P.14).

Na cidade, os irmãos Allison acertam uma parceria ambígua com Nathan Stark, um típico
capitalista yankee engajado numa das atividades de maior poder simbólico do filme de western
comum na época: a condução de gado. O modo como os protagonistas da história enfrentam as
dificuldades da empreitada e a disputa que eles travam, mais tarde, pelo amor de uma moça cor-
porificam, segundo o autor, uma narrativa mítica do antagonismo entre a mentalidades sulista
(hierarquizada, individualista e agrária) e nortista (crença na idéia de nação coletiva, capitalista e
industrial). “O filme dramatiza a tensão e as possibilidades de harmonia entre as éticas coletivistas
e individualistas no momento particular da reconstrução” (p.14).

Portanto, ao conhecer de modo abrangente e profundo os conceitos históricos implicados


no filme “The Tall Men”, o leitor terá a chance de ampliar sua capacidade de compreensão a res-
peito de fatos importantes para a sociedade americana. Collins cita o historiador americano Frank
Thistlethwaite para quem a Guerra Civil Americana é um divisor de águas no histórico conflito
entre o individualismo e o coletivismo travados entre Norte e o Sul. Portanto, a escravidão e o
racismo não foram as únicas causas da tentativa de separação da república, como supõe o senso
comum. Questões mais amplas, de ordem econômica, ética e política foram responsáveis pela
guerra. Esse raciocínio pode ser desenvolvido, por exemplo, com a leitura (apropriada) do filme
de Raoul Walsh.

278
Além da força intrínseca à estética da narrativa mítica, outro fator colabora para fazer do
filme uma fonte de informação sedutora: a presença das “estrelas cinematográficas”. Se o propósi-
to é usar os audiovisuais em todo o seu potencial cognitivo, os atores, além dos personagens, de-
vem ser tratados didaticamente. Essa é a proposta de Dyer (1973).

6.9 Celebridades na sala de aula

Considerando o fato de que, principalmente no cinema comercial, as celebridades são a


parte principal do marketing produzido para vender o filme, o autor conclui que,
conseqüentemente, filmes são produzidos para se ajustar às estrelas, e não o contrário. Ao longo
da história, os tipos de estrelas criados determinaram os tipos de filmes produzidos. A
compreensão dos meandros desse processo é valorizada como recurso importante para
desenvolver as habilidades de leitura dos audiovisuais.

Dyer apresenta os propósitos do estudo das celebridades. Em primeiro lugar, a análise de-
ve oferecer condições para que o estudante compreenda que “uma estrela é o executor de um pa-
pel em filmes, mas é também a corporificação de um imaginário” (1973, p.17). O autor insiste
nessas definições: “executor” antes de “ator” e “corporificação” antes de “expressão”. É verdade
que muitas estrelas são bons atores, mas muitas outras não o são, o que não compromete a efici-
ência do filme como produto comercial. Além disso, para ter certeza de que o filme será bem re-
cebido pelo público, roteiristas e diretores devem encaixar a estrela nos estereótipos já cristaliza-
dos. Daí o fato de elas serem a corporificação de um imaginário facilmente reconhecível e com-
partilhado. A expressão de sutilezas e ambigüidades, por exemplo, fica para filmes cult e atores
sérios.

A imagem que a celebridade incorpora é material que oferece ricas possibilidades de aná-
lise. O autor propõe um passo-a-passo, sugerindo que o estudo se desdobre em três categorias: 1.
o veículo, ou papel típico que a celebridade representa (Charles Bronson, John Wayne, Marilyn
Monroe, Sharon Stone etc); 2. a publicidade que é feita em torno da estrela (biografias, notícias
em revistas de fofocas, conteúdos do website oficial etc) e 3. o contexto cultural em que a celebri-
dade vive.

Para identificar o padrão de papel formatado para criar e sustentar uma celebridade, Dyer
sugere simplesmente uma análise sistemática de sinopses de filmes estrelados pelo ator ou atriz.
Categorias como “mulher-fatal”, “homem em busca de vingança”, “artista sensível” etc oferecem
um panorama dos estereótipos que compõem o imaginário popular. O próximo passo é verificar a

279
imagem construída no material publicitário. “No auge de Hollywood, todas as fontes de informa-
ção sobre uma celebridade, em larga medida, eram controladas pelos estúdios para os quais a es-
trela era contratada”, ele explica (p. 18). Ao perceber uma afinidade entre os “veículos” (papéis) e
a publicidade sobre a pessoa do artista, o estudante tem evidências empíricas para concluir que se
trata de uma invenção mercadológica antes de uma imagem “pura” a ser seguida. “A publicidade
e a promoção social preenchem a imagem que é mencionada na tela” (p.18).

O passo seguinte é encontrar ligações entre veículo-publicidade e o contexto cultural mais


amplo, obviamente influenciado pelo teor dos produtos da cultura de massa. Essa ligação pode ser
feita a partir de três categorias principais: “símbolos sexuais”, “heróis do consumo” e “tipos soci-
ais”. Como o aspecto mais marcante de uma celebridade é sua imagem, a conotação sexual que
ela representa é um aspecto significativo para compreender o contexto cultural. Para entender essa
dinâmica, basta comparar símbolos como a atriz Audrey Hepburn e a cantora pop Britney Spears.
Cada uma, em seu contexto, representa aquilo que o “molde imaginário” diz às adolescentes o que
é interessante fazer.

Além disso, já nos anos 40, os pesquisadores notaram uma modificação no perfil do herói
cinematográfico: de herói das realizações para heróis do consumo. “Num mundo de trabalho alie-
nado e oportunidades limitadas para a criatividade, é fácil ver como as pessoas tendem a se identi-
ficar mais com um herói consumista do que com um lendário herói criativo e de espírito livre”
(p.19). Em outras palavras, mais sedutora é a imagem da celebridade que “venceu na vida” nos
seguintes modos: certo dia, andava na rua, foi descoberta, por acaso, por um caça-talentos e, re-
pentinamente, a vida pobre e sofrida foi substituída por uma vida de fama, viagens, bens de luxo
etc. É fácil identificar esse padrão em biografias de celebridades como a cantora Madonna, o jo-
gador argentino de futebol Diego Maradona ou até a modelo Gisele Bündchen.

Finalmente, a noção de tipo social é definida como “uma imagem vívida e durável de co-
mo as pessoas deveriam ser, deveriam não ser ou simplesmente estão destinadas a ser” (p.19). Sob
a rubrica de “tipo social”, Dyer inclui aspectos do comportamento, da aparência e das atitudes que
compõem complexos típicos e facilmente reconhecíveis.

Entretanto, o próprio autor assume, é mais adequado considerar relativamente a noção de


tipo social. Ninguém consegue produzir uma imagem completamente ajustada a um modelo com-
pletamente aceito. Entretanto, a noção de tipo social é válida didaticamente na medida em que
(p.20):

“São os modelos que as pessoas aspiram ser e, principalmente, os cri-


térios que elas usam para julgar os outros. Tipos sociais representam o como

280
nós pensamos que o mundo deveria ser ordenado – mas não o que nós encon-
tramos no mundo como na verdade ele está ordenado”.

Uma celebridade, portanto, é a garantia da existência daqueles tipos sociais que preen-
chem o imaginário das pessoas comuns. É a encarnação desses tipos que faz da estrela uma pes-
soa plena de intensidade e carisma.

No final das contas, o estudo das estrelas da cultura de massa pode relevar um mundo bem
diferente. Ao compreender as relações entre a fabricação de uma celebridade ajustada ao contexto
(comercial e cultural), o estudante pode verificar em que medida comportamentos socialmente
aceitos muitas vezes são fomentados e valorizados para sustentar a indústria do cinema e da tele-
visão, num círculo vicioso e lucrativo para os empresários da mídia: valores que moldam estrelas
que aparecem na TV e perpetuam valores que criam novas estrelas. Trata-se da repetição de um
protótipo, nos moldes já descritos por Machado26.

A atenção ao papel das celebridades é aspecto relevante para a análise crítica de progra-
mas educativos brasileiros por dois motivos. Primeiro, porque é prática comum (e valorizada no
meio profissional) recorrer a um ator ou atriz famosos para apresentar programas didáticos. O
argumento é que o carisma da celebridade contribui para despertar o interesse do aluno no conte-
údo do programa. Pode ser. Por outro lado, como mostra Dyer, uma estrela traz consigo todo um
conjunto de referências culturais quase sempre impregnadas de valores úteis ao mercado. Portan-
to, é conveniente questionar qual é o efeito para o aprendizado do estudante de escola pública da
periferia de São Paulo da presença da atriz Giovana Antonielle apresentando o programa Cine
Conhecimento do canal Futura. Será que a escolha de uma celebridade não funcionaria, no final
das contas, como um ruído? Já que a estrela corporifica valores de consumo, símbolo sexual e
vida fácil, o que garante que essa imagem não irá afetar, ofuscar a mensagem realmente significa-
tiva do programa?27

6.10 Critérios de seleção

Para finalizar, convém recobrar aqui aspectos do texto de Turnbull (1973), que descreve a
introdução de material audiovisual nas aulas de História em escolas inglesas, nos anos 70. Segun-
do o autor, à época, “o argumento era que a fútil tentativa de ensinar fatos (que normalmente re-

26 Ver capítulo 4, item 4.3.


27 Em tempo: sintomática é a vinheta de abertura do programa Cine Conhecimento, feita a partir de cenas do
camarim emq ue a atriz está se vestindo e sendo maquiada para apresentar o programa. Um escolha como essas
sinaliza que a presença da celebridade se impõe ao conteúdo educativo em si.

281
sultam em alunos sabendo listas de reis, rainhas, batalhas e atos do parlamento, mas tendo pouca
compreensão da história) estava ultrapassada” (1973, p. 10). Ao invés disso, os professores deve-
riam se concentrar em habilidades; uma delas refere-se à capacidade de ler (literatcy) (p.10):

“Os professores deveriam tentar proporcionar aos estudantes uma


consciência do passado – um sentido de tempo – uma compreensão de valores
diferentes dos nossos valores contemporâneos – um senso de mundança mas
não, necessariamente, de melhoria. Os estudantes devem ser ensinados a va-
lorizar evidências, ter consciência de preconceitos e propagandas, para ter
uma mente crítica.”

O autor credita essas mudanças na mentalidade à introdução de novos materiais pedagógi-


cos na escola, principalmente filmes e textos facilmente reproduzíveis em máquinas Xerox. Com
essas mudanças tecnológicas, o professor foi forçado a abandonar a prática do ditado e da reten-
ção de dados, e os estudantes experimentaram uma nova experiência cognitiva, a saber, a capaci-
dade de compreender além da de simplesmente memorizar.

Evidentemente, a introdução dos audiovisuais na escola da época trouxe problemas de or-


dem didática e administrativa. Se a Inglaterra do ano 2004 parece ter resolvido esse problema, a
experiência brasileira, ao que tudo indica, ainda está trilhando o caminho de dificuldades, princi-
palmente em escolas públicas no interior do País.

Turnbull fala da dificuldade que professores e funcionários tinham para lidar com a tecno-
logia, da falta de dinheiro e recursos para manter os equipamentos, da falta de instalações adequa-
das nas escolas (problemas igualmente diagnosticados na pesquisa “A TV da Escola”, comentada
no capítulo 2) e também da dificuldade que os educadores têm para avaliar a qualidade daquilo
que está disponível, e para selecionar um vídeo que atenda às necessidades de uma aula específi-
ca. O autor oferece, então, respostas elementares para o problema que começava a ser delineado.

Em primeiro lugar, ele enfatiza que o pensamento histórico envolve questionamentos e


não aprendizagem de fatos. Trata-se de um processo de interpretação de evidências. É esse racio-
cínio que deve nortear a produção de vídeos de caráter educativo. Além disso, um conjunto ele-
mentar de critérios de qualidade envolve:

1. informação factual correta;

2. consideração das evidências que sustentam o ponto de vista privilegiado;

282
3. formação do autor ou diretor, e conhecimento dos motivos que o levaram a fazer o ví-
deo;

4. certificação de que o autor contempla os pontos de vista alternativos à visão hegemô-


nica, e que as representa no vídeo;

5. certificação de que o autor atentou para a compreensão do fato histórico e não o está
usando apenas para divulgar posições políticas, morais ou religiosas.

Ao saber diagnosticar essas características, o educador terá condições de selecionar mate-


rial adequado aos propósitos emancipadores do ensino. Evidentemente, para realizar tal tarefa,
além de dominar conteúdos centrais da sua área de trabalho, o professor deve ser eficientemente
alfabetizado na linguagem do vídeo, para identificar aqueles aspectos por trás de todo o aparato de
movimentos de câmera, grafismos, sons e montagem.

Como se vê, uma diversidade de aspectos, mais objetivos e mais genéricos, mais imedia-
tos e mais complexos, está relacionada à idéia de qualidade na televisão. Políticas públicas para o
setor, mecanismos de regulação, engajamento da iniciativa privada, pesquisas de opinião, sistema-
tização de projetos e análise crítica de conteúdos e linguagem são algumas das iniciativas que,
historicamente, fomentaram a qualidade da televisão educativa britânica. Embora não haja uma
receita para ser seguida (até porque trata-se de culturas e histórias muito diferentes), a projeção do
modelo britânico no cenário brasileiro pode trazer contribuições significativas para o aprimora-
mento da programação das TVs públicas e também comerciais.

Além disso, a produção de uma mídia educativa não tem como ser pensada separada de
uma educação para a mídia, concomitantemente produzida, por causa da própria natureza do apa-
rato. Ao atentar para o fato de que a televisão envolve mecanismos complexos de leitura que, via
de regra, não têm como se ensinados em instâncias educativas como a família ou a pedagogia
“tradicional”, torna-se pertinente e urgente uma proposta de educação para a mídia. Ao menos é
essa a lição que pode ser tirada da experiência inglesa.

Projetar conceitos do modelo britânico no cenário da TV Escola é o passo final da presen-


te pesquisa. Essa projeção, aliada à análise do restante da amostra, resultou na sugestão de um
conjunto de critérios de qualidade para a produção de vídeos educativos, de um modo geral, mas
principalmente para a criação de roteiros para as aulas de Português para o Ensino Fundamental.

283
CAPÍTULO 7

Referenciais para a produção


didática brasileira

Considerando a revisão bibliográfica, a análise dos programas da TV Escola e os referen-


ciais pesquisados na Inglaterra, é hora de organizar critérios que possam auxiliar educadores, ro-
teiristas e produtores na criação de vídeos didáticos de língua portuguesa para alunos das quatro
últimas séries do Ensino Fundamental. As sugestões colocadas aqui têm como meta resultar em
programas afinados com os conteúdos e habilidades definidos nos Parâmetros Curriculares Na-
cionais, mas que também levem em conta a perspectiva crítica dos autores revisados.

Antes, porém, cabe uma ressalva: o termo “qualidade” empregado não é entendido como
uma escala de valores. Antes disso, os critérios apenas compõem um conjunto de propriedades
típicas, que podem fazer do vídeo didático um sintagma televisivo diferente dos demais, já que os
objetivos e mediações desse tipo de programa são também diferentes.

Outro aspecto importante a ser esclarecido é que, a despeito da posição defendida por
Carneiro (1999) e outros – para quem os formatos do entretenimento fazem os vídeos mais atraen-
tes e , conseqüentemente, tornam o público mais receptivo – a postura sustentada aqui é a de que
programas educativos devem manter uma lógica interna, e apelar para o esforço mental, para a
concentração e para a reflexão. A insistência nessa postura se justifica pelo fato de que, como
alertou Castells, as redes de comunicação são universais (atingem todos) e seletivas (endereçam
certos conhecimentos para certos grupos e classes). Pois bem, ao se aproximar da rede comercial,
a TV Escola repete o modelo alienante do sintagma comercial hegemônico que o estudante da
escola pública recebe em casa. A cada vez que um vídeo utilizou um formato massificado, tirou
mais uma chance do aluno experimentar novas atitudes mentais diante da televisão, que, em tese,
são possíveis.

Ademais, a maleabilidade do sintagma televisivo permite que o roteirista crie programas


atraentes pelo próprio caráter de relevância de um conteúdo escolar. Quem acredita que é preciso
ser divertido, leve, animado para ensinar pelo vídeo, pode estar subestimando a capacidade de

284
compreensão e o interesse em aprender do aluno da escola pública. Lembrando Bourdieu, o cam-
po da indústria cultural “produz para consumidores desses bens”, e nem sempre faz as melhores
escolhas em termos de categorias analíticas da realidade. Portanto, é no campo da cultura erudita,
dos bens “produzidos para produtores de bens” que os roteiros devem buscar referências. Isso
num contexto em que a escola se empenha para modificar a capacidade de compreensão, ao invés
de apenas reproduzir percepções conservadoras da realidade, é bom salientar.

Portanto, os recursos da linguagem da TV, quando empregados com critérios de qualida-


de, tornarão os conteúdos compreensíveis e atraentes. E darão ao aluno a chance de conhecer algo
novo e relevante. Na série “Na ponta da língua”, por exemplo, ao invés de cantar música dos Ti-
tãs, assistir Central do Brasil, jogo de futebol, a turma poderia viver as mesmas histórias conver-
sando sobre a fina ironia de Machado de Assis ou Chico Buarque, dois exemplos de uso da língua
para compreender criticamente a realidade.

Surge, assim, o primeiro critério: abordar o ensino da língua materna pela TV de mo-
do novo e relevante.

Um ponto de partida poderia ser a concepção de Bruner, para quem o ensino escolar deve
ser um “estilo de vida”, antes de um mero programa. Esse estilo, esse modo de encarar a realidade
a partir do aprendizado da língua, poderia roteirizar princípios da educação relevante, na perspec-
tiva do autor:

1. O princípio da perspectiva, mostrando como diversos autores da literatura criticaram


preconceitos e injustiças de sua época; como aquilo que foi considerado “direito” no passado, hoje
soa anacrônico, injusto, ridículo. E como a linguagem é um instrumento útil para identificar, forta-
lecer ou combater idéias.

2. O princípio do constrangimento poderia, por exemplo, orientar uma seqüência de con-


sulta ao dicionário. Ao tentar explicar algo que está sentindo, mas não tem palavras, o personagem
pode mostrar ao espectador o encanto de duelar com a língua. Ao procurar a definição de uma
palavra, identificar sinônimos e outros termos pertencentes ao mesmo campo semântico, um sen-
timento difuso se tornaria uma rica lição de expressividade. Se tiver habilidade, o roteirista pode
pensar em seqüências em que a exteriorização da atividade cognitiva implícita em cada persona-
gem vai sendo didaticamente construída. A seqüência seguinte poderia buscar exemplos na poesi-
a, na descrição de estados mentais feitas pela escritora Clarice Lispector, por exemplo.

3. No longo prazo, ao ensinar o estudante a identificar questões sociais e existenciais im-


portantes, a compartilhar perspectivas, a empenhar-se em compreender e expressar essas questões,

285
a programação da TV pode oferecer contribuição significativa na construção do princípio da iden-
tidade da criança e do adolescente.

Muito provavelmente, essa abordagem resultaria em roteiros com elevada taxa de infor-
mação semântica. Os elementos estéticos da TV deveriam ser minuciosamente planejados para
tornar idéias abstratas e complexas facilmente compreensíveis.

Na base desse planejamento está o segundo critério de qualidade: a idéia de ordem, fun-
damentada em três perspectivas:

1. Na perspectiva da teoria da indústria cultural, os vídeos poderiam ordenar bens simbóli-


cos segundo o potencial cognitivo de cada exemplo. Como se sabe, uma das críticas feitas à cultu-
ra de massa é que ela nivela no mesmo patamar as obras elaboradas, fruto de um exercício de
expressão, e aquelas resultado do emprego de fórmulas, que são sucesso de vendas. O resultado é
a falta de critérios para escolher e avaliar um filme, um livro ou um programa de TV. Os vídeos
contribuem para manter essa confusão de critérios ao colocar, no mesmo programa, letra de músi-
ca pop e literatura modernista brasileira como sendo, ambos, exemplos de linguagem poética. Não
é demais pedir à TV didática que faça seleção cuidadosa de frases, poemas, músicas e filmes para
integrar à narrativa, às vinhetas ou aos exemplos dados nos vídeos. Não há porque, na série “Na
ponta da língua”, “enfeitar” a seqüência em que os alunos fazem coleta seletiva na escola com a
música “Joga fora no lixo”, da dupla Michael Sullivan e Paulo Massadas, só por causa da palavra
lixo na letra. Esse é um critério de escolha comercial dos mais previsíveis, que empobrece o sin-
tagma.

2. Na perspectiva crítica da Filosofia da Educação, os vídeos poderiam ensinar que a lin-


guagem ordena o pensamento. E que há regras para pensar com clareza e para se comunicar com
objetividade. O ensino da língua, segundo Postman, é o terreno privilegiado para encontrar meios
de ensinar que a linguagem é o modo mais precioso que o ser humano tem para construir o mun-
do. Há quem julga uma criança da quinta série muito nova e inexperiente para compreender essas
questões, mas o autor tem posição contrária. E acredita na idéia de ordem como um instrumento
importante para ensinar a distinção ente o sagrado e o profano, o moral e o imoral, o justo e o in-
justo, através do uso de palavras. Os programas da série “Agora é com vocês” poderiam perfeita-
mente tratar dessas questões. Ao usar um termo grosseiro qualquer, Beleza poderia ser repreendi-
do por Vovô Radar, que aproveitaria a situação para ensinar que certas palavras não podem ser
ditas em certas situações, e que nosso conhecimento de certo e errado, justo e injusto depende da
qualidade das palavras que temos incorporadas ao nosso vocabulário.

286
3. Finalmente, na perspectiva da teoria da informação aplicada ao audiovisual, os vídeos
poderiam ser uma oportunidade para ordenar as mensagens estética e semântica, tendo em vista a
compreensão de um conteúdo importante, sempre.

O uso de recursos como efeitos, grafismo televisual e fundo musical precisam ser minu-
ciosamente avaliados, para verificar se eles enfatizam o dado importante da seqüência ou se fun-
cionam como ruído na mensagem. Enquadramentos mirabolantes e movimentos de câmera usa-
dos para sustentar uma voz em off provavelmente dispersam a atenção do espectador (Gunter,
1987).

A sugestão é que o texto ordene a sucessão de imagens. Dar ritmo ao sintagma através da
música pode não ser boa idéia, se a meta for ensinar um conteúdo escolar. Vejamos. Na série “Na
ponta da língua”, os movimentos de câmera poderiam ser fartamente usados nas situações em que
os alunos exploram um objeto: uma escultura, uma pintura, uma câmera de vídeo, por exemplo.
Nesses momentos, o fundo musical deve ser nulo ou mínimo, para enfatizar o canal visual. Co-
mentários dos alunos sobre os detalhes do objeto que analisam deveriam ter timing preciso porém
lento, para “casar” texto e imagem, mas permitir a compreensão da idéia por trás da seqüência.

O que se propõe aqui é que o vídeo didático evite o formato do videoclipe: aquela seqüên-
cia em que imagens se sucedem ao ritmo de uma música e apelam para a um estado mental de
admiração relaxada que, definitivamente, não combina com educação escolar pela TV. Veja-se o
exemplo da série “Na ponta da língua”. O vídeo de 20 minutos inclui diálogos relevantes para o
assunto ensinado, e outros que têm a mera função decorativa (já que o programa parte do formato
de narrativa de ficção), vídeo-aulas na seqüência “Regra Geral”, e seqüências que organizam som
e imagem na estrutura do videoclipe, em geral nas aberturas e nas situações em que os alunos
estão realizando alguma tarefa. A teoria considerada nesta pesquisa mostra que seqüências como a
da vídeo-aula e a do videoclipe estão em lados opostos numa escala de esforço mental necessário
para o aprendizado de um conteúdo (Sartori, Gunter, Postman, Scupham). Ao iniciar o programa
“Ortografia” com o “agito visual”, o vídeo pode, de antemão, comprometer a atenção do estudan-
te: ainda que inconscientemente, ele vai identificar ali a televisão descompromissada que assiste
em casa, e todo o trabalho de ensinar gramática pode ser comprometido. Ao passo que, iniciando
o programa numa linguagem mais estruturada, lenta, reflexiva, o vídeo pode apelar para um outro
estado mental, mais próximo àquele exigido pelo livro didático.

Para ilustrar melhor este aspecto, basta comparar dois trechos do episódio “Ortografia” da
série: aquele em que a professora Alice descreve características da literatura modernista (Anexo
30, figuras 321 a 344) e aquele em que Chico lê o poema “Relicário”, de Oswald de Andrade

287
(Anexo 29, figuras 314 a 320). No primeiro, uma sucessão muito rápida de imagens e um fundo
musical disputam espaço com a fala da professora, em off. No segundo, Chico é enquadrado em
plano fechado, e recita o poema, sem fundo musical. Um efeito gráfico reproduz os versos na
parte inferior da tela. Todo o sintagma foi organizado para enfatizar a musicalidade do poema.
Nesse sentido, a seqüência de Chico é mais ordenada (e didática) do que a da professora Alice.
Nota-se que o mesmo programa misturou lógicas de combinação das mensagens estética e semân-
tica de modos diversos, o que provavelmente modifica o estado mental do espectador: o estudante
pode ter ficado mais evasivo num trecho e mais concentrado no outro. A proposta é que não haja
essa mistura, em função da necessidade de ordem.

Além disso, há a seqüência em que os alunos lêem supostos poemas formados por pala-
vras com sons semelhantes, porém escritas com grafia diversa. Os textos são lidos em off, sobre
fundo musical afinado com o conteúdo do poema. Na tela, vê-se uma sucessão de imagens temá-
ticas e o surgimento de algumas das palavras que exemplificam a ortografia. São quatro códigos
exibidos ao mesmo tempo, num ritmo de edição ágil: verbal e não-verbal visual (palavras e ima-
gens); verbal e não-verbal sonoro (poema lido e fundo musical). O superestímulo de códigos pode
ter sido o fator que colocou em segundo plano a distorção do poema da Analu: a da fidalga que se
deleita tomando chá, pensando na pobreza alheia...

Se houvesse ordem no arranjo do sintagma, isto é, se os elementos fossem organizados pa-


ra enfatizar a expressividade do poema, o conteúdo controverso viria à tona com mais facilidade,
e essas incoerências poderiam ser evitadas. É preciso pensar numa gramática elementar típica.

Ao comentar fatos, obras, pessoas, o vídeo didático deve primar pela exatidão. Assim, o
terceiro critério é o da precisão e coerência nas informações.

Partindo da quarta concepção de educação para a mídia descrita por Bennet (1976), a de
que “cada documento audiovisual é uma estruturação da realidade”, é justo cobrar do vídeo didá-
tico a máxima precisão possível nas informações veiculadas, a fim de oferecer olhar mais apurado
sobre o aspecto da vida que é abordado.

Como precisão, pode-se definir dois conjuntos genéricos de características: o campo das
informações restritas (nomes, datas, locais) e o campo das informações estruturais (contexto histó-
rico e social, mentalidades). Além disso, a precisão também deve ser considerada na ordenação
dessas informações no roteiro. Por serem planejados para estudantes do país inteiro, com repertó-
rios muito diversificados, os vídeos devem explorar em detalhes os pontos-chave do conteúdo a
ser ensinado, principalmente por meio de significados de linguagem compartilhados. É conveni-
ente pensar em seqüências que articulem som e imagem enfatizando as definições e descrições
288
importantes para os objetivos de aprendizagem. Também pode-se experimentar usar sinônimos
regionais para as idéias centrais do programa. Na pista de imagem, pode-se reproduzir a figuras
que tenham o mesmo conteúdo (uma planta, uma caricatura, um lugar) porém em estilos diferen-
tes (fotografia, xilogravura, pintura a óleo, imagem atual). Um caminho possível para a ordenação
precisa é a criação de roteiros estruturados e enxutos (sem seqüências e diálogos decorativos),
timing preciso e uso de imagens fixas ou em movimento relevantes para o significado, não para
simples ilustração.

Segundo Scupham (1966), o que caracteriza a audiência de um programa didático é o inte-


resse prévio pelo assunto que será tratado no vídeo. Para tirar proveito dessa características (via de
regra inexistente no receptor da TV comercial), o vídeo poderia usar os seguintes recursos:

1. Seqüências com palavras sem imagens, quando as palavras são mais adequadas
para invocar uma imagem mental;

2. Inclusão de raciocínios abstratos, quando eles são requeridos para compreender


o contexto de um fato, por exemplo;

3. Passagens apenas com a cabeça-falante (talking-head), para enfatizar a mensa-


gem semântica

Ainda de acordo com Scupham, a programação didática deve atender necessidades nacio-
nais, regionais e locais, identificar “grupos-alvo” que merecem programas específicos e conside-
rar o conhecimento de professores locais. No contexto dos vídeos brasileiros sobre língua portu-
guesa, essas recomendações se desdobrariam em programas que envolvessem:

- questões relativas à fala local – obviamente, crianças que vivem na zona rural ou nas
periferias das grandes cidades são as que, em tese, terão mais dificuldades para se a-
propriar da norma culta da língua. Mas é dever da TV didática levar essa norma. Ob-
viamente, não se trata de empurrar um modo de falar, menosprezando o repertório do
estudante – o que configura um erro “clássico” combatido há muito tempo na educa-
ção. Mas a TV, pela natureza da sua linguagem, tem como planejar seqüências com-
preensíveis que permitam o acesso ao registro formal da língua. Basta considerar esses
aspectos na criação do roteiro.

- questões relativas à distorção entre a idade e a série – como se sabe, quanto mais
velho para a série em que está, mais dificuldade o estudante tem para aprender. As es-
tatísticas brasileiras têm mostrado que este é um grupo-alvo que merece atenção. As-
sim, por exemplo, um roteiro televisivo que ensina ortografia para o estudante de 20

289
anos que cursa a oitava série deverá incluir passagens que enfatizem dificuldades de
aprendizado históricas;

- se a meta é criar programas que façam diferença no aprendizado, então é preciso pro-
duzir programas regionais, de preferência partindo da experiência do educador
que conhece o cotidiano do lugar. Ao criar vídeos para serem usados no território
nacional, a TV Escola poderá reproduzir o mesmo erro das novelas da Globo: retratar
o Interior do país emoldurado pelo olhar da classe média urbana do Sudeste, como já
alertaram pesquisadores da cultura de massa no Brasil.

Finalmente, para incluir o contexto ou a mentalidade importantes para o aprendizado de


uma idéia, vale considerar as recomendações de Turnbull (1973). Vejamos. Ainda que a meta de
um episódio seja ensinar normas de concordância nominal, o roteiro deverá, inevitavelmente,
incluir falas, poemas, trechos de livros que ilustrem o uso da regra que é ensinada. Esses exem-
plos podem ser retirados do contexto de origem e serem usados na condição de fragmentos, o que
constitui um modo, pode-se dizer, conservador de ensinar gramática. Por outro lado, ao incluir
exemplos de conteúdo crítico significativo, a seqüência que exemplifica a regra pode servir de
gancho para abordar um conteúdo crítico de análise de algum aspecto da realidade.

Nesse sentido, cada episódio poderia selecionar um fato do passado ou do presente e ques-
tioná-lo usando as normas do registro formal da língua. Ao invés de diálogos decorativos, as se-
qüências poderiam ser oportunidades para ensinar o espectador a interpretar evidências que con-
firmem ou refutem pontos de vista, usando a linguagem. Quanto mais pontos de vista alternativos
à visão hegemônica forem identificados, mais próximo do ensino da linguagem como algo novo e
relevante estará o programa.

A análise da programação da TV Escola mostra que alguns programas “esbarram” nesse


critério de precisão, mas não o cumprem com propriedade. Um fato tratado de modo ligeiro, que
poderia se desdobrar em algo muito mais crítico e relevante, por exemplo, foi o episódio da orga-
nização da escola e da coleta seletiva de lixo (animada pela música de Sullivan e Massadas). Co-
mo se sabe, a visão crítica e amadurecida do problema da degradação ambiental envolve questões
de ordem econômica e de hegemonia política. Aceitar o desafio de articular essas questões com o
ensino do português certamente daria muito mais trabalho. Por outro lado, não haveria a necessi-
dade de incluir videoclipes e outras frivolidades para o sintagma educativo. A própria abordagem
surpreendente tornaria o programa provocador e atrativo.

290
Se, no final de tudo isso, houver o receio de que o programa ficou muito “pesado” para o
estudante, é hora de falar do quarto critério: o vídeo didático deve ser uma produtiva oportuni-
dade para desenvolver aquilo que os ingleses chamam de media literacy.

Para explicar este critério, é conveniente relembrar o modelo computacional de aprendiza-


gem descrito por Bruner, porque certos aspectos fornecem lições importantes para o produtor de
TV28. Assim, segundo este modelo, todo sistema que processa informação (o vídeo pode ser um
deles) tem de ser organizado por regras que determinam o que fazer com os dados recebidos. Vis-
to deste modo, um programa de TV oferece informações factuais mas, ao mesmo tempo, ensina
um modo de compreensão.

Ainda segundo Bruner, ao crer na eficácia das regras, é possível confiar também na possi-
bilidade de ensinar qualquer assunto a qualquer criança, de qualquer idade. O desafio é encontrar
um modo de representar um conhecimento, por mais complicado que seja, através de processos de
elaboração menos e menos complexa. Ora, um roteiro de TV, ao se desdobrar em seqüências for-
madas pela articulação de recursos verbais e não-verbais de som e imagem, num ritmo e numa
lógica de montagem específicos, tem o potencial para agir desse modo. A precisão no arranjo das
informações estética e semântica pode ser a chave para a realização de tal tarefa.

Entretanto, para que haja o envolvimento do educando, é necessário que ele, como espec-
tador, tenha o preparo para reconhecer a especificidade do programa que está assistindo, e partici-
pe conscientemente da proposta cognitiva . É nesse sentido que Bennet29 não separa o programa
didático do programa que ensina a ver programas. Para exlicar melhor o último critério de quali-
dade, convém recobrar a idéia de códigos e sub-códigos de Eco (1993).

Considerando o conceito de código como o léxico possível ao conjunto de emissores e re-


ceptores das mensagens televisivas e a de sub-código como a capacidade de reconhecer um tipo
de programa – o didático, neste caso – é relativamente fácil prever seqüências integradas ao ar-
gumento principal, que ensinem aspectos da leitura do sintagma televisivo em si. Uma proposta
seria a criação de um programa introdutório para uma série pedagógica. Neste programa, os pró-
prios personagens, diretores, roteiristas e pedagogos surgiriam explicando a natureza do vídeo
educativo, os objetivos dos episódios e o modo como o espectador deve reagir diante daquele
vídeo. A originalidade dessas introduções (incomuns em qualquer outro sub-código) já serviriam
para despertar a atenção do espectador. Assim, talvez não fosse mais necessário recorrer ao estí-
mulo sensorial da abertura em ritmo de videoclipe. Além disso, seria uma produtiva oportunidade

28 Ver capítulo 3.
29 Ver capítulo 6.

291
para reforçar aspectos importantes ou mais complexos de cada um dos episódios. Vejamos como
seria na prática.

Na série “Agora é com vocês”, por exemplo, episódio metalingüístico seria aquele em que
os próprios personagens se apresentam como integrantes de um programa educativo, expliquem
qual é a diferença entre programas de marionetes humorísticos e educativos. A seguir, eles adian-
tam quais habilidades serão focadas em cada um dois oito episódios e aconselham o espectador a
prestar especial atenção em determinados aspectos. Quando algum programa envolvesse um as-
sunto mais amplo – o enigma da esfinge, contado de modo muito fragmentado, inclusive – o epi-
sódio metalingüístico poderia mostrar de onde os produtores tiraram aquela informação. Seria
uma oportunidade para o espectador perceber que a TV às vezes vem do livro. Numa tentativa
mais ousada, a introdução poderia mostrar erros na produção e o modo como esses erros foram
corrigidos.

A esperança é que, ao incluir o programa metalingüístico como parte introdutória do pro-


grama educativo, ensina-se três vezes: o conteúdo escolar, a habilidade de leitura competente da
mídia televisiva e o gosto por programas elaborados com o exclusivo propósito de ensinar.

292
Considerações finais

O fim chegou! Agora, peço licensa para falar em primeira pessoa.

Após quatro anos de estudos, finalmente, consegui esboçar, ainda que muito preca-
riamente, algumas linhas de ação para responder uma pergunta que talvez não tenha uma resposta
definitiva: como é que a televisão pode ensinar coisas importantes? Como o tempo foi limitado e
as escolhas (restritivas) deveriam ser feitas, esta pesquisa partiu de uma perspectiva bem definida
– a teoria da indústria cultural – e procurou ser coerente a esse olhar crítico.

Apesar das críticas feitas à gênese da televisão, isto é, a própria natureza deste
meio, em que as imagens se impõem à palavra, não permitiria a verdadeira atividade intelectual,
minha posição é de esperança otimista na mídia. Daí a seleção de programas didáticos – metodo-
logicamente separados dos educativos em geral – produzidos por um canal estatal, com o único
objetivo de ensinar. Por outro lado, ao selecionar material que em tese, estaria livre dos efeitos
nocivos da indústria cultural, e ao conseguir identificar problemas semelhantes, creio que conse-
gui esboçar um alerta importante: nosso histórico não está nos permitindo usar a TV da melhor
maneira.

Ao que parece, dois aspectos são relevantes para a constituição desse histórico. Em pri-
meiro lugar vem o fato de as experiências iniciais com transmissão de sinais e a criação do pri-
meiro canal brasileiro, nos anos 50, ficarem nas mãos da iniciativa privada (cf. Revista USP. São
Paulo, Edusp, 2002-2003, edição nº 56). É evidente que o desenvolvimento do mercado para obter
retorno do capital investido foi prioridade refletida na programação criada. Assim, o
entretenimento surgiu como produto mais rentável, e esse foi o formato que se estabeleceu na
nossa cultura televisiva. Hoje, é difícil se desvencilhar dos vícios desse modelo, até mesmo na TV
Escola.
Em segundo lugar, vem o fato de a expansão do modelo televisivo em redes de abrangên-
cia nacional, implantado a partir de 1969, ter ficado nas mãos da TV Globo, conivente com o re-
gime militar na censura da informação relevante. A conseqüência mais imediata desse evento,
segundo Rezende (2000), é que a televisão brasileira acabou criando um estilo peculiar em que
exibicionismos estéticos (cenários, efeitos gráficos, voz e aparência dos apresentadores, dinâmica
de alternância nos diálogos, edição ligeira, música induzindo a percepção do fato) compensam a

293
falta de conteúdo crítico e relevante. Esse estilo foi útil para a despolitização geral promovida
durante os anos da ditadura. Hoje, compromete o desenvolvimento de uma linguagem elaborada
para fins educativos. É hora desses vícios serem superados.

Além disso, apesar do caráter de novidade que a linguagem audiovisual traz para a escola
pública, por trás da produção estão pessoas, as mesmas que cometeram erros e acertos na produ-
ção didática convencional. A pesquisa indica que as intenções dos gestores da TV Escola são no-
bres. De fato, a programação é voltada para a melhoria da escola pública. Mas a correria e as difi-
culdades cotidianas talvez não lhes tenham dado tempo de pensar em questões muito específicas,
como as que tratamos aqui. Nesse sentido, esperamos ter oferecido alguma colaboração para me-
lhorar uma proposta promissora.

Foi essa pesquisa que também me trouxe uma das oportunidades mais extraordinárias da
minha vida: o estágio na Open University, na Inglaterra. Essa experiência me deu mais segurança
para tentar sondar respostas complicadas, mas necessárias e muito estimulantes. Pude ver que
aquelas perguntas aparentemente mirabolantes que eu fazia aqui, há muito são testadas e respon-
didas no Reino Unido, a referência mundial em televisão educativa. Enquanto no Brasil há uma
tendência em valorizar o programa educativo “leve”, na Inglaterra há quem defenda com veemên-
cia a sobriedade e o aprofundamento no trato da informação televisiva produzida para a escola.
Pesquisas encomendadas pela BBC (e disponíveis em arquivos internos da OU) mostram, inclusi-
ve, que os alunos não têm paciência com programas que “enrolam”. Talvez a origem deste com-
portamento esteja no fato de que a televisão foi tratada com mais seriedade naquele país. E talvez
seja a hora de começarmos a fazer isso aqui também.

Portanto, agora, tenho segurança para eleger um ponto polêmico que vou levar adiante: a
incompatibilidade entre aprendizado e entretenimento, no limitado espaço de um vídeo de 20 mi-
nutos. Creio que a vida escolar já tenha seus momentos de descontração, e que o uso do vídeo
possa desprezar esses momentos. Ademais, a produção de TV é muito cara para ficar desperdi-
çando recursos com humor e amenidades. Reitero, portanto, a crença na legitimidade do programa
instrutivo. Se ele ficar “pesado”, é tarefa professor completar a recepção, explicando o que ainda
ficou difícil de ser entendido. Nós, que estamos do lado de cá da emissão, temos a obrigação de
selecionar conteúdos importantes e tratá-los da maneira mais didática possível, com objetividade.
E isso é trabalho para a uma vida inteira.

A experiência acumulada nesses quatro anos, se não foi suficiente para responder a per-
gunta original que me motivou, ao menos abriu novas perspectivas.

294
Uma delas, é a crença no urgente estabelecimento de rotinas de avaliação do vídeo didáti-
co diferentes daquelas feitas a partir de referenciais estabelecidos no modelo comercial. Em outras
palavras, ao invés de investigar apenas se os professores e os alunos usam e gostam dos progra-
mas da TV Escola, é preciso encontrar mecanismos para descobrir também o que, efetivamente,
eles aprendem com a televisão. Além disso, é preciso criar oportunidades de estudo comparado,
para saber quando a televisão é mais eficiente e quando o livro é melhor que o audiovisual. Esse
estudo poderia gerar áreas típicas para a TV e todos os esforços seriam empenhados nessas áreas,
otimizando recursos intelectuais e financeiros.

Ademais, seria necessário pensar em rotinas de criação e produção de programas que se


livrassem dos vícios da produção comercial. Ao invés de encaixar conteúdo escolar em formatos
originalmente criados no âmbito comercial (tais como a esquete, a narrativa seriada, o videoclipe,
o telejornal), a produção da TV Escola deveria partir de perguntas tipicamente pedagógicas:

1. Quais são os conteúdos ou habilidades a serem ensinados?

2. Quais são os métodos pedagógicos apropriados para ensinar esses conteúdos e habilida-
des?

3. Como transformar esses métodos em formatos televisivos?

4. Como avaliar o potencial cognitivo desses formatos?

A partir daí, começa a produção do roteiro.

Pode ser que os produtores já façam isso, e eu não estou sabendo. Entretanto, se o fazem,
devem melhorar a forma, porque a análise dos resultados mostrou problemas.

Ao sistematizar formatos e estilos tipicamente didáticos, as rotinas de produção poderiam


ser organizadas de modo a otimizar as diversas esferas da pesquisa e da produção para a TV Esco-
la. Um exemplo ajuda a esclarecer este ponto.

Suponhamos que houvesse, de antemão, a preocupação em avaliar pedagogicamente a sé-


rie “Agora é com vocês”, ou a série “Na ponta da língua”. Enquanto os roteiros fossem escritos,
produtores e pesquisadores pensariam em seqüências que pudessem ser substituídas na hora da
edição, para realizar testes que medissem quais dos recursos televisivos são mais apropriados para
ensinar um conteúdo central do programa: se é o diálogo, o grafismo televisual, a talking-head,
por exemplo. De uma só vez, seriam produzidos programas, meios mais seguros de avaliação e
material para fomentar à pesquisa na área.

295
Finalmente, como se sabe, uma das maiores restrições à produção televisiva,
evidentemente, é o orçamento. Muitos programas são reprisados, outros não são produzidos do
modo como deveriam. Algumas vezes, conteúdos da cultura brasileira são ensinados pelo olhar
estrangeiro de um programa doado pelo governo francês ou canadense. Mas um projeto
estratégico de gestão de informações poderia amenizar esse problema.

A sugestão é que, a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais, dos dados obtidos em
testes como o Saeb e o Pisa e de estudos críticos, o governo federal produza um banco de dados,
sistematizando conteúdos que carecem de programas, sugerindo métodos pedagógicos mais apro-
priados para tratar esses conteúdos e fornecendo até pré-roteiros adequados. Esses dados poderi-
am ser disponibilizados a cursos de graduação e especialização em comunicação social e a institu-
ições culturais interessadas na produção de programas para a grade da TV. A criação de uma rede
de cooperação certamente otimizaria uma produção típica para a escola pública brasileira.

Para encerrar, gostaria de comentar um aspecto encontradono texto de Susan Bennet, já ci-
tado diversas vezes aqui. Ao oferecer um panorama histórico estrutural do uso dos audiovisuais na
educação, a autora relata experiências em diversos países da Europa, entre os anos 60 e 70, e con-
clui que as melhores iniciativas tomaram fôlego em governos de esquerda, que se dispuseram a
realizar mudanças estruturais no sistema de radiodifusão como um todo. Evidentemente, essa mu-
dança afetou a programação educativa. Em geral, para melhor. Talvez essa primeira década de
2000 seja a nossa oportunidade de viver o que a Finlândia viveu nos anos 60. A disputa atualmen-
te travada entre o governo brasileiro e as empresas de comunicação para regulamentar o audiovi-
sual é um indício do que pode vir por aí. Tomara que essa seja uma grande oportunidade para as
TVs educativas se firmarem frente ao modelo comercial.

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