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A Menina Desaparecida

Escritura Coletiva- Comunidade Velho Griô


Salvador-Brasil

1
O sol nem bem tinha saído, a alvorada de fogos já anunciava a festa por vir... O
movimento na pequena aldeia de pescadores já havia começado antes da
madrugada chegar. Eram os últimos preparativos para a celebração tão
esperada por aquela comunidade de gente simples. Ainda não tinha consciência
do meu sentimento, que oscilava entre a decepção de viajar para aquele lugar
em busca de sossego e encontrar o povo todo em festa. Ao mesmo tempo
estava achando bonito a mobilização e alegria daquelas pessoas, fazendo tudo
com muito capricho.

2
Desisti na minha tentativa de dormir um pouco mais e sai para a rua, andei
entre as pessoas que levavam comida e adornos de um lado para outro, as
crianças corriam e brincavam de aqui para lá entre as saias de mães e avós.
Nas casas que ficavam de frente à praça enfeitada vi algo que chamou minha
atenção, no meio das casas alvoroçadas tinha uma escura e quieta..
Entrei numa pequena lanchonete, pedi café e um misto... O senhor que atendia,
estava especialmente contente, sorridente, falando muito... entrei logo na
conversa e depois de um tempo lhe perguntei por aquela casa escura.

3
Ele respirou fundo, uma expressão triste tomou o seu rosto. Mas logo em
seguida respondeu: "Foi a menina que sumiu na praia. Ano passado, no meio
dessa festa, a menina brincava na areia da praia com os irmãos e vizinhos e
desapareceu sem deixar rastro. Eu lembro como se fosse hoje. Ela veio aqui,
comprou passoca comigo, estava linda, com um vetido azul cheio de bordados,
o cabelo preto penteado. Até brinquei com ela, falei que ela estava mais bonita
que a mãe das águas. E ela respondeu pra mim: "Eu nunca vi ela não, mas
deve ser a mais bonita de todas as rainhas". E saiu sorrindo e correndo com os
outros meninos. Foi a última vez que a ví..."
Percebi que os olhos do homem estavam cheios de lágrima. Mas ele depois de
uma breve pausa continuou a contar:
"Foi aquela comoção geral, todo mundo procurando essa menina. Veio até
policial da cidade grande, mergulhador procurando corpo, até reporter teve. As
pessoas se reuniam bem aí na beira da praia pra rezar a noite toda, foram dias
de vigília e oração.
Mas passou uma semana, um mês, dois meses e à medida que o tempo ía
passando a vila foi voltando ao normal, ano passado, por causa da memória da
menininha ninguém aqui brincou São João, nem ano novo e tampouco carnaval.
Só foi à partir da páscoa que o povo começou de novo a festejar e agora com
essa festa, tá todo mundo precisando celebrar, mas de quando em vez alguém
lembra da princesinha que sumiu na praia, a família dela então... deve tá que é
só saudade... Até hoje a mãe dela acredita que a menina vai voltar. (enxugou
mais uma vez as lágrimas e disfarçou) O senhor quer mostarda?"
4
Recusei, acabei o café e sai, muito instigado com aquela história da menina,
sem pensar me encaminhei à praia e comecei a andar a beira mar.
Ouvia musicas nas casas, agora um pouco longes, ensaios da festa que se
preparava, embebido na paisagem, na musica, nas ondas do mar me perdi nos
meus pensamentos um tempo que não sei dizer.. só sei que tomei um grande
susto quando de pronto tropecei com um velho preto que estava ali
parado,olhando para mim e rindo de um modo estranho.
-Bom dia- eu disse -disfarçando o susto.
-Bom diiia!- disse ele com um sorriso amplo e cúmplice, que eu não entendia.
-Já está pronto para a festa?- perguntei por dizer alguma coisa.
-Eu não preciso me preparar... a festa vem de qualquer modo. Mas toma a
alguns por surpresa!!- e riu de novo olhando para mim.
-Por que diz isso... pareço surpreso?- O velho riu ainda mais.
- Você não me viu, mas eu estava na lanchonete e ouvi suas perguntas sobre a
casa escura e a historia da menina... y sabe que? O você cala a boca e não faz
mais perguntas perigosa o você assume o território onde está entrando...

5
Assustado eu disse: - O senhor me desculpe. Não éra a minha intenção...
O velho continuou me olhando de uma maneira desconcertante e falou:
- Ah bom! Deixe de fofoca e vá aproveitar sua viagem forasteiro.
De repente tomei coragem, respirei fundo e falei:´
- Mas o senhor há de convir que uma menina não se pode sumir assim numa
cidadezinha como essa. Uma pessoa não se evapora assim...
De repente um vento muito forte soprou levantando a areia fina da praia. Levei
a mão aos olhos para protegê-los da poeirada e ao abrir os olhos novamente,
de uma forma surpreendente o velho não mais estava lá. Procurei em
volta...nada de velho...

6
Agora sim que era de mais... a menina sumiu a beira do mar e o velho sumiu
numa nuvem de pó... senti a eletricidade do medo no meu corpo... mais que
historia tão instigante. Perante as palavras do velho o único prudente seria calar
a boca, ficar na praça, dançar e beber até a noite, e voltar amanha para casa
sem perguntar nada... Só que algo mais forte do que eu me puxava, me
arrastava a aqueles territórios estranhos.
Queria falar mais com aquele velho... queria saber da menina... queria entrar
no circulo.
Retomei a caminhada a beira do mar, com o coração palpitando e olhando em
volta.
Agora tudo era para mim suspeito, cada casa, cada pessoa poderia estar
guardando o segredo...
Decidi voltar na lanchonete, aquele homem era bem mais generoso na sua fala,
mas quando cheguei lá, o homem que tinha atendido não estava, no seu lugar
estava uma moça, que sorriu para mim com picardia. Eu, confuso olhe para um
canto. e fiquei na porta sem sabe o que fazer. Uma voz me disse:
-Oh moço! compre um doce de coco!!! um real!!! só um real-
Era uma velha, muito velha e encolhida que esticava o braço e se encostava em
direção a mim. Eu recue e falei que não queria, mas ela piscou o olho e disse:
-Você vai precisar... coma sim... depois não vai dizer que não foi advertido- e
sorriu.
Eu senti pavor, de um real para ela, peguei o doce e sei rápido... todo mundo
parecia me olhar.

7
Saí andando sem olhar pra trás e entrei por uma rua meio deserta onde tinha
duas casas abandonadas. Estava com tanto medo que minhas pernas tremiam.
Parei então para descansar debaixo de uma árvore que tinha um tronco muito
grosso e sentei em suas raízes, enormes. Fiquei ali paradinho, segurando o
doce de côco...quando comecei a ouvir vozes de crianças brincando. O som
vinha de dentro de uma das casas abandonadas. A casa não tinha mais telhado,
nem portas, nem janelas, eram só ruínas tomadas pelo mato.
Não devia... mas decidi entrar. Algo puxou o meu braço. Fui surpreendido por
um menino descalço, sem camisa, de cabelos arrepiados. Que falou:
- Moço...dá esse doce pra eu!
Olhei para o menino e falei:
- Eu te dou o doce, contanto que você me ajude a encontrar a menina que
sumiu na praia.
-Humm...Tá bom ajudo o sinhô, mas suncê vai ter de dar mais doce, de quando
em quando. E apois... se encontrar princesinha...o sinhoô dá pra eu brinquedim,
tá?
- Feito!! Te dou mais doce e depois um brinquedo.
E dei o doce ao menino, que comeu numa alegria incomum, ria bastante,
lambuzando-se com o doce. Naquele momento sentí muita alegria, como nunca
tinha sentido em minha vida e comecei a rir, rir de prazer.

8
O menino falava muito... ave maria!!
depois de que comeu o doce fomos andando até acabar de novo na praia... ele
ia pulando e correndo sem parar de falar... pelo que entendi, segundo ele não
adiantava fazer nada até o final da tarde, quando a noite começara a cair.
assim que andamos muito, eu só escutava e tentava juntar a muitas coisas
diferentes que ele dizia. Depois de muito falou que era melhor ir na praça, curtir
a festa. ( O menino danado até me mandou beber umas cachacinhas!!!) e voltar
na praia na hora certa.
Assim que fomos a praça, em quanto chegamos ele se perdeu entre a criançada
e eu fiquei olhando o movimento.... logo senti fome.... não sabia a hora, mas
com certeza teria passado a hora do almoço.
fui comer um acarajé, a baiana sorriu... já eu não sabia se eu estava
imaginando coisas, mas que brilho estranho nos seus olhos!... Era desesperante
sentir que todo mundo estava sabendo cada passo que eu dava e me
observando...
voltei na praça irritado...
já se instalava uma banda de músicos...

9
Enquanto a bandinha tocava, percebi que já estava anoitecendo. Saí
caminhando entre as pessoas que dançavam e parei pra descansar num
banquinho bem próximo ao tabuleiro da baiana. Ela aproximou-se de mim com
uma cocada e falou:
- Pegue meu filho... por favor, aceite, é de coração.
Respondi que não gostava de doce de coco. Ela então disse:
- Eu sei que você não gosta, percebi quando olhou para a cocada no meu
tabuleiro hoje mais cedo.
- Então por que me oferece? (Perguntei surpreso)
- Leve, para dar de presente ao seu amigo. Ele vai te ajudar na sua busca.
- Como sabe a senhora do menino? Fala como se me conhecesse...
- Sou médium sensitiva, sonhei com o seu rosto durante dias... Assim que o vi
comprando no meu tabuleiro, logo o reconheci. Sei que você irá conseguir pôr
fim a esse mistério que tanto nos aflige.
- Vou pôr fim é a essa viagem. Não fico aqui nem um minuto mais. (falei
desesperado)
A baiana pegou minhas mãos, trazendo-me para próximo do seu corpo. Deu um
abraço bem forte e gostoso. Senti muita paz. Ela então falou com um sorriso
meigo e olhar terno:
- Não desanime filho. Você vai vencer essa parada. Ao resgatar a menina,
estará resgatando a si mesmo. Agora vá que seu amigo já está a sua espera...
logo ali no caís. Ah... leve esse amuleto, pode ser útil no momento do embate.
E quando estiver com a criança, aconteça o que acontecer não olhe pra traz.
E foi atender algumas pessoas que queriam comprar o seu abará...

10
Lá vai eu... que não sabia como tinha-me envolvido naquele assunto!!!
de caminho para o cais parei no boteco, e para cumprir todas as indicações, e
para acalmar meu pulso sobre saltado pedi um trago de cachaça, que joguei de
uma vez só... sentindo um confortável calor descendo no peito.
O menino aguardava, no seu rosto tinha uma expressão de impaciência...
estava zangado... começou a andar sem me olhar...
-o que foi?- perguntei intrigado.
- Você porque demoro tanto? !, se você não faz as coisas bem não vamos a
achar ela!!!, eu vou perdé meu presente, o povo vai ficá triste e toda a culpa
vai ser do sinhó!!!
Eu fiquei surpreso e falei:
- Olha!, veja o que trouxe para você... e dê o doce. Não fique assim.
Parecia outro menino... desta vez, ainda que pegou o doce e comeu até com
prazer, estava dramaticamente serio.
Eu seguia ao menino que parou junto a um bote pequeno, jogou uma coisas
dentro e fez indicação de subir...
Eu fiquei paralisado.... :
-para onde vamos?
Ele olhou para a linha que no horizonte divide o mar e o céu...
- mas logo vai a escurecer!-eu disse- Será boa idéia.
-por isso mesmo sinhô- respondeu impaciente-ela não vai vir até aqui.
- mas...
eu dava voltas tentado fugir de aquilo, e ele me olhava impassível, aí :
-O sinhô vai ou não vai procurá à menina?- perguntou seco .
Sem responder subi no bote, e começamos a remar.

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E o menino falou:
- Ah... já ía simbora. Só tô vindo que o sinhô deu a cocada pr'eu. num gosto de
disimbaraçá nada pra ninguém assim... pruque despois as pessoa isquece deu...
Num se isqueça do brinquedim que o sinhô prumeteu.
- Claro que eu não vou esquecer. Não falei?!! Então... O estranho é que eu não
tô me reconhecendo... Eu nunca entrei no mar. sempre tive vontade de sair
assim num barquinho. Mas nunca tive coragem. Quando ia na praia, só ficava
na beirinha, onde rebentavam as marolas. Adorava pegar tatuzinho do mar.
Hoje estou aqui! me distanciando cada vez mais da areia, anoitecendo, sem
colete salva-vidas e guiado por um menino.
- Um minino e um véio.(ria bastante apontando pra mim)
Percebi que eu estava aparentemente mais velho, minhas mãos estavam mais
enrugadas, os pelos dos meus braços estavam brancos. Assustado perguntei:
- Que brincadeira é essa? Não sou velho. É apenas o vento e o sol que tomei
hoje que ressecou a pele e clareou os pelos. Não passei protetor solar e minha
pele é muito sensível...
- Num pricisa chorá. No barquim, sinhosinho deve de ter cuidado cum as idéia
que tem da vida...
Tive a sensação de já ter vivido aquilo, e falei:
- Engraçado... olhando agora a vila do barco, me veio a lembrança que já viajei
pra cá com meus pais quando era muito pequeno. Meu pai adorava passar
férias por essas bandas. E só lembrei disso agora. Também é difícil pra mim
lembrar da minha infância...
- O pai do sinhosinho éra bacana qui só cumigo! Ele mermo qui fazia os
briquedim e dava pr'eu...
- Como é que é menino? Como pode ter conhecido meu pai. Ele morreu antes
de você nascer... Êpa! mas como é que você sabe que meu pai fazia brinquedo.
- O sinhô num alembra deu... mas eu alembro. O sinhô brincava mais eu... eu
tava no dia que sinhosinho viu a menina se afogando... Sinhosinho até tentô
ajudá a menina, mas ficou cum medo da água e voltou pra cima do recife.
Sinhosinho passô um monte de dia chorando, sem cumer, bricá, falá... aí foi
simborá e eu nunca mais ví... Qui bom qui sinhosinho voltô.

12
Enquanto eu escutava o menino, as imagens se amontoavam e confundiam na
minha cabeça, perdi a noção do tempo, do passado, do futuro, da realidade.
A imagem do mesmo menino falando ia mudando frente a mim, ia se
transformando em gestos e vozes...
Era meu pai, olhando-me desde a morte com carinho, depois era o velho da
praia rindo de mim. Todo dava voltas e a imagem continuava mudando: era
minha primeira namorada afastando-se, depois a baiana con seu sorriso doce,
um amigo da infância quase esquecido, minha avó me chamando... e
finalmente... a menina perdida...
Todo foi silencio, o tempo parado, meu coração suspendido num fio ... a menina
frente a mim, não tinha passado e nem futuro. A menina afogada na minha
infância e menina perdida eram a mesma menina, bela, sorrindo... me
olhando... ela começou a cantar baixinho.... era um canto sem nome, perdido
no fundo do coração humano que crescia, um canto que tinha na sua melodia
toda a dor e toda a alegria e todo o milagre e toda a fúria.
Sem poder me conter comecei a chorar... como um rio chegando no mar.

13
Splash!!! Pulou um peixe amarelo dentro do barco e ficou se batendo. Corri
peguei o peixe e joguei ele no mar. O peixe pulou novamente dentro do barco.
Fiquei assustado com aquilo, parecia que ele queria ficar perto da gente. O
menino então pegou o peixe e começou a conversar com ele:
- Ah! meu amiguim!!! Cumé qui sê tá? (pegou um pedacinho da cocada e deu
pra o peixe) Leva a gente pra onde tá a menininha.
O peixe comeu o doce, olhou para o menino e pulou na água. E ìa saltando no
mar.
O menino então ordenou:
-Agora é só a gente seguir o peixim!
E lá se fomos nós atrás daquele peixe que reluzia à luz da lua. A essa altura dos
acontecimentos, mais nada me surpreendia.
Até que chegamos numa ilha. Encostamos o barco e saímos andando na beira
da praia iluminada pela lua cheia. O menino jogou na água mais um pedacinho
de cocada e pediu pro peixe ficar alí na beirinha nos esperando. Olhei pra trás e
percebi que não dava mais pra avistar a vila.
De repente começamos a ouvir uma cantiga, a mesma cantiga que tinha
imaginado a menina cantar. Saí andando em sua direção.
O menino então falou sussurrando:
- Sinhosinho num vá... "ele" querendo inganá o sinhô, num é a minininha!
E eu não queria nem ouvir o menino, só queria encontrar a menina, e continuei
indo encantado ao encontro da voz.
- Sinhosinho... aí minha nossa senhora! vorta homi!!! (o minino me segurava)
Até que ele jogou um pouco de água perfumada em meu rosto. èra como se
tivesse acordado dum sonho. e o menino falou:
- Ainda bem sinhosinho... a gente num tem mais tempo... a menina tá pru lada
de cá.
Continuamos andando mais rápido e o canto lá do outro lado ía ficando cada
vez mais grave, truculento.
Até que avistamos uma cabaninha de palha e dentro dela encontramos a
menina... muito parecida com minha amiga de infãncia. Estava dormindo.
Sacudí ela para que acordasse. Ela despertou e me perguntou:
-Quem é você?
-Eu não sei quem é você, mas sua família está à sua espera.
E o menino falou:
- E o meu brinquedim?
Um urro forte, agora mais próximo.

14
Peguei a menina com uma mão e o menino com a outra e corri... corri, corri
sem olhar atrás, sentia um bafo forte trás da orelha, e um urro bem pertinho,
mas assegurei o estomago e só corri, corri, corri. Quando cheguei na praia me
sentia já cair, mas cheguei no bote, joguei os meninos no bote empurrei-o e
pulei dentro caindo em cima deles, cobrindo-os... e sentindo que era o fim. O
bicho estava em cima!!!

Para minha surpresa o bote parecia ser levado..., os urros do bicho que nem vi,
passaram a ser lamentos, queixas cada vez mas longe e por ultimo voltou a
cantar... dava uma dor, o canto pegava o coração, era tão comovente, eu quis
voltar a cabeça, mas os meninos apertaram minhas mãos, juntaram suas
bochechas com as minhas e falaram baixinho:
-agüenta!
e nenhum dos três olhamos para atrás. Fixamos a mirada nas luzes bem longe,
da aldeia e deixamo-nos levar na maré.
Num ponto a barca parou de avançar, eu fiquei desconcertado, mas o menino
retomou o mando e falou:
- o espiritu do mar já não va empurra mas, agora temos que remá.

15
Começamos a remar com muito esforço, quando senti que alguma coisa na
água estava movimentando-se, senti um impacto no remo, parecia um peixe,
depois debaixo no barco... até que tibuuuummm!!! Uma batida bem forte que
quase vira o barco.
Quando me dei conta, a menina já não estava dentro do barco. ela tinha caído
na água e me olhava há uns dez metros do barco pedindo socorro.
Também os remos tinham caído no mar. E agora?!!
O menininho então suplicou:
- Chegô a hora sinhosinho... Vai lá, salva a menininha... ô vai ficar chorando
parado uma vez mais?!!
Mas eu estava paralisado pelo medo.

16
Estava mudo... olhei para o menino como numa suplica,
Mas o menino com olhos muito abertos gritou con força
-Vaaaaaiiiiiiiiiiii!!!!!
Foi como si me tivesse empurrado mesmo. Cai na água: Fundo e frio, não
conseguia enxergar, não sabia para onde nadar. Estava em pânico.
Comecei a ouvir o canto de novo... e senti maior medo ainda... comecei a nadar
desesperadamente e sai na superfície, sem ar e meio afogado... vi a menina um
pouco mas longe, ja sem força, nadei enlouquecido até ela. Quando consegui
pegá-la, senti uma coisa imensa que nós rodeava, o peixe gigante? uma sereia?
varias? o mostro da ilha?...não sei, só sei que a menina e eu fomos levados pela
coisa até o bote, onde caímos suavemente.
A cara do menino, que foi quem viu mesmo a coisa, era de estupor. Ele nunca
iria a revelar o quietinha visto.
Ficamos os três deitados sem ar no fundo do bote...

17
Quando coloquei a cabeça para fora, ví que boiava na água uma rosa amrela.
Depois uma branca... outra amarela, uma vermelha, uma rosa... margaridas,
crisântemos. Uma boneca... um barquinho lindo de isopor, cheio de flores e
uma pequena escultura de uma sereia de cabelos longos. Quando percebi, o dia
já estava amanhecendo, as crianças dormiam no barco como dois anjinhos. O
"peixe-guia" apareceu, alegre e saltitante. A essa altura, já estávamos perto da
praia, fogos de artifício pipocando no ar. O som de um doce batuque, como
fundo sonoro. Pessoas entregando flores ao mar.
Aquilo parecia a imagem de um sonho.
De repente, percebi do barco um burburinho na areia, as pessoas se
movimentando, tentando segurar uma senhora vestida de preto, que
determinada, conseguia sempre escapar do cerco e ía cada vez mais
aproximando-se do mar. A mulher parecia uma fera tentando escapar da prisão,
ninguém era páreo para ela, que ora derrubava ora se desvencilhava das
pessoas. Juntou bastante gente na praia para assistir aquela cena, Até que o
preto velho que tinha me assustado anteriormente ao sumir junto com a areia
levantada pelo vento, apareceu ordenando às pessoas que deixassem a mulher
solta. Duas crianças correram chorando e segurando na barra da saia da
mulher. E o velho veio ao encontro delas e falou:
- Deixem crianças. A mãe de vocês precisa de um pouco de paz. Eu tentei de
tudo para que ela esquecesse a minha querida neta que desapareceu no mar,
mas sempre aparecia alguém para lembrar e questionar essa tragédia. Deixem
ela entrar no mar.
A mulher olhou para todos como que se despedindo e lançou-se ao mar ao olhar
atento de toda a praia, algumas pessoas tapavam os olhos com as mãos, outras
gritavam desesperadas, implorando que as pessoas não permitissem aqule
suicídio. Muita gente chorando.
A mulher foi afundando. Emergiu novamente e afundou. Aparentemente
delirando a mulher continuava a se afogar voluntariamente. Até que aproximou-
se bastante do nosso barco...

18
Com o barulho as dois crianças tinham acordado.. e olhavam a cena mudos de
espanto.
A mulher se afogando na nossa frente, com olhos que já não olhavam mais para
este mundo, nem a sua própria filha que estava diante dela voltando entre nós.
Tentei esticar meus braços para salvar a senhora, contra a sua vontade se for
preciso, ainda que sabia que não seria fácil porque ela estava com roupas que
ao molhar ficaram muito pesadas e porque vi no seu rosto que iria brigar para
apagar a dor que carregou durante um ano, com a sua morte, ainda que esse
fora o dia para essa dor acabar.

Peguei no vestido dela, mas ela estava afundando e me levou com tal força que
a barca virou, todos caímos na água violentamente, soltei a mulher e voltei na
superfície para procurar as crianças mas só achei o menino, deixe-lo sobre o
bote virado para embaixo e afundei para procurar a menininha...
e a vi...
nadando fundo atrás da mãe que já estava longe...
As duas foram mar adentro buscando uma à outra para não mais voltar...

19
Continuei tentando encontrá-las, mas nenhum sinal das duas.
Dois barcos pequenos chegaram perto de nós. Alguns homens nos ofereceram
ajudas e entramos eu e menininho para um dos barcos. Eu chorava bastante. O
menininho pôs-se a gritar para todos:
- O sinhosinho aqui troxe a princesinha de vorta. Mas agora, hum triste!!!
Princesinha e mãe dela num tão mais aqui!
Foi aquele chororô. Até que ouvimos um barulho vindo de baixo do barco que
estava virado. Algumas batidas no casco. três homens mergulharam e
conseguiram desvirar o barco... e lá estavam a menininha sem fôlego,
segurando a sua mãe desacordada. Elas tinham conseguido respirar o ar preso
no oco do barco. Trouxeram as duas p/ dentro do barco. levaram para a areia.
A meninha viva mas exausta e a mãe deitada, desacordada. Será que tinha
morrido. Fizeram uma roda em volta do corpo. Todos olhavam espantados para
a menininha, o preto velho chorava desolado, triste pela mulher e feliz por rever
a menina.
A mulher já estava sem os sinais vitais. Todos já haviam desistido de reanimá-
la. Foi então que apareceu entre as pessoas a baiana, que me viu chorando e
veio me consolar:
- Ô filho, não fique assim, você fez o que pôde e consegui trazer a menininha de
volta.
A mãe dela foi quem desistiu, você teve fé! Dei aquele amuleto p/ você usar no
momento de maior perigo, mas ele só funcionou devido à sua grande e
verdadeira fé.
Então falei à baiana:
- Muito obrigado pela força, baiana. Mas aqui está seu amuleto, não cheguei a
usá-lo. No embate com a criatura monstruosa.
- Que presente divino!!! Talvez o embate maior seja agora! O embate entre a
vida e a morte. Coloque-o no ventre da mulher filho e peça com todo o seu
amor.
Coloquei o amuleto sobre a mulher, a menina colocou a sua mão sobre a mãe,
as pessoas deram-se as mãos. Por um instante nada se ouviu por aquelas
bandas, um silêncio absoluto por alguns segundos. De repente, uma ventania
muito forte surgiu vinda do mar...

20
O céu escureceu-se e todos ficamos ali aguardando e tremendo, de repente as
nuvens se apartaram, o sol saiu, a ventania parou e a senhora abriu os olhos,
sentou-se e falou:
- eu vi ela... minha filha... eu vi ela.... tava na água... tão bonita.. e ela cantava
uma musica linda... porque me trouxeram? - y gritou- Porque me fizeram
voltar?

Ai eu recue e abri passo, de atrás de mim saiu a menininha:


- mamãe... tou aqui.... eu voltei com você... ele que nos trouxe de volta as
duas.
E se abraçou á mãe e choraram... choramos todos na verdade: a baiana, o
menino, o velho preto, a vendedora de doces, os músicos que chegaram nesse
instante tocando e chorando, mas um choro que trouxe todas as alegrias e
tristezas de aquele vilarejo, as velhas e as novas, as esquecidas, as nunca
faladas.
Depois de todo mundo chorar bastante os músicos foram puxando para a praça
e alegrando as melodias...

A festa seria recomeçada!!!!!

21
Todo mundo foi seguindo a bandinha, menos eu, que fiquei alí na areia da praia
só observando as pessoas afastarem-se alegres. Fiquei acordado a noite toda,
numa aventura de tirar o fôlego, mas estava muito bem disposto, éra como se
toda a tristeza da minha alma tivesse sido lavada, limpando também todo o
cansaço, stress e desânimo da minha vida. O que eu buscava sem saber,
naquela pequena vila de pescadores, era a paz de espírito que agora sentia. A
saudade agora tinha um gosto doce, não havia espaço para culpa no meu ser.
A velhinha vendedora de doces se aproximou de mim, ela não mais me
assustava, consegui enxergar beleza naquela senhora. Ela tirou então um
bolinho de chocolate coberto com confeitos coloridos, me entregou e disse
enquanto eu comia o bolinho:
- Esse era o doce preferido de vocês... Seu pai adorava dividir esse bolinho com
você, bem aqui nesse tronco de pau, que você tá sentado agora. Seu pai me
ajudou muito nessa vida.
- É mesmo, agora me lembro, a senhora é Dona Pequena. A senhora
conversava muito com meu pai, rezava a gente com folhas, fazia remédios e
conhecia um monte de cantigas. Meu pai dizia que a senhora podia se
comunicar com minha mãe e que dizia que ela estava num lugar muito bonito,
cuidando da gente aqui na terra.
- É mesmo...(sorrindo) você lembrou mesmo. Mas de uns anos pra cá, seu pai
apareceu pra mim, estava preocupado com você, com o seu caminho na vida.
Ele disse que estava triste com a sua tristeza, que você precisava curar algumas
dores do passado. Tá vendo aquelas pipas coloridas?
-São as pipas que meu pai fazia.
Saí correndo e encontrei o menininho feliz segurando as duas pipas:
- O pai do sinhozinho tava aqui. Ele trouxe meu brinquedim, ele disse essa é
pra mim e essa é pra sinhosinho. Ele que impinô essa pra suncê, quando cê
olhô pras pipa, o seu pai ficô contente qui só e falô:
"É assim que eu quero te ver... olhando pro alto, acreditando nos seus sonhos,
assim como está subindo essa pipa, também está levantando a sua alegria,
esperança e fé na vida."

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