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VIEIRA, Alberto (2002),

Los Portugueses y las islas Canarias.


Madeira, las Azores y la isla de
Lanzarote

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:

VIEIRA, Alberto (2002), Los Portugueses y las islas Canarias. Madeira, las Azores y la isla de Lanzarote,
Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-
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LOS PORTUGUESES Y LAS ISLAS CANARIAS
MADEIRA, LAS AZORES Y LA ISLA DE LANZAROTE

Alberto VIEIRA
CEHA-MADEIRA

No entender de Pierre Chaunu 1 as Canárias foram de facto um condomínio hispano-


português. Na verdade, até 1479 a disputa pela sua posse pautou a política de expansão
atlântica e a diplomacia de ambas as coroas. O processo arrastou-se pelos séculos XIV e
XV. À custa dele avançou-se para o reconhecimento oceânico e a delimitação das áreas
de influência. O reconhecimento e ocupação da Madeira estão directamente ligados a este
processo. Desta forma a disputa peninsular pela posse das Canárias abriu as portas a um
activo relacionamento humano e económico entre os arquipélagos atlânticos, que só as
represálias resultantes do processo de Restauração da monarquia portuguesa em 1640. O
rastreio desta realidade é aquilo que pretendemos aclarar, através da valorização das fon-
tes e estudos da historiografia portuguesa.
As Canárias são uma constante no imaginário da coroa e dos obreiros da expansão
atlântica. Os Portugueses dão-se por vencidos e não por convencidos com o domínio cas-
telhano. Assim, em 1494 o rei de Portugal continua a afirmar perante os seus homólogos
de Castela e Aragão que “já em outro tempo todas ou a maior parte dellas foram ávidas e
pesuidas pellos jfantes dom anrrique e don Fernando meus tyos…”2

A HISTORIOGRAFIA E O TEMA

A questão da soberania das Canárias deu azo a acesa polémica entre as coroas peninsula-
res no período de 1345 a 1479. A historiografia dedicou-lhe muitas páginas. Mas ao olhar
do historiador actual é necessário passar pelo crivo da conjuntura histórica em que foram
escritos. Uma primeira leitura evidencia que se definiram opções opostas de acordo com
a origem geográfica e nacionalidade do historiador. A linha de fronteira e o nacionalismo
são limitativos da verdade histórica Por Portugal tivemos, num primeiro momento, José
da Costa Macedo e o Visconde de Santarém a defender a prioridade da descoberta e a le-
3
gitimidade da soberania lusíada . Entretanto, a escola historiográfica espanhola, nomea-
damente Canárias, reclama a prioridade e soberania castelhana, como se poderá verificar
4
em Elias Serra Ráfols e Buenaventura Bonnet .
Nada disto é novidade pois radica-se na opinião veiculada pelo imaginário nacio-
nal, tornada indelével pelos cronistas peninsulares. Assim, em Portugal os cronistas Go-

1 . Séville et l’Atlantique (1504 et 1650), vol. VIII, tomo I, p.378.


2 . J. M. Silva Marques, Descobrimentos Portugueses, vol. I, p.662
3
Veja-se Costa BROCHADO, Historiógrafos dos Descobrimentos, Lisboa, 1960.
4
Veja-se os trabalhos publicados na Revista de História, da Universidade de La Laguna, e El Museo Canario .

1
mes Eanes de Zurara, João de Barros, Rui de Pina, Garcia de Resende e Gaspar Frutuoso
haviam justificado perante os homens do seu tempo e testemunhavam aos vindouros as
5
razões da reivindicação henriquina . Do último temos o retrato expressivo deste afronta-
mento: "... Os castelhanos contam com isso doutra maneira que nem El-Rei de Portugal,
nem o infante D. Henrique, as quiseram largar até chegarem a direito diante do papa Eu-
génio quarto, veneziano, o qual, vendo isto deu a conquista daquelas ilhas por sentença a
El-Rei D. João de Castela no ano mil quatrocentos e trinta e um, por onde cessou esta
6
contenda das Canárias entre os reis de Portugal e Castela" .
Desde o século XIV surgiram alegações de ambas as partes reivindicando a posse
destas ilhas junto do papado. Em 1345 D. Afonso IV, de Portugal, em resposta à bula
Vince Domini Sabahot de Clemente VI reclama a posse das Canárias, fundamentado na
7
prioridade do seu conhecimento e proximidade geográfica . Passados cem anos D. Duarte
alega os mesmos argumentos para reclamar ao papa Eugénio IV a posse das ilhas não
8
conquistadas . A anuência papal as pretensões portuguesas conduziu a imediata reacção
de Castela que se serviu do poder de intervenção dos seus juristas junto do papa para
9
obter a revogação da referida bula . A pesquisa de Esteban Perez Cabitos em 1477
denuncia a intenção da coroa castelhana em defender os seus direitos de posse fazendo
uso de toda a argumentação possível. No seguimento desta versão forçada temos a inter-
venção dos cronistas oficiais, como Alonso de Palencia, Diego de Valero e Andrés Ber-
10
naldes .
Não obstante o facciosismo das fontes narrativas e de alguns estudos publicados
até ao presente, existem algumas análises abalizadas, como as de Peter Russel e Florenti-
no Perez Embid, que devem merecer a nossa intenção. O primeiro em três ensaios publi-
cados em Portugal a Espanha equaciona a questão à luz da documentação disponível e da
ambiência da época. Assim em 1971 enquadrava a disputa no âmbito da pretensão penin-
11
sular pela posse e conquista da costa africana . Mais tarde equacionava a mesma questão
de acordo com o direito da época para depois explicitar, baseado nos cronistas, as razões
12
que levaram o infante D. Henrique a esta disputa . Para Perez Embid a questão deverá
ser encarada num âmbito mais vasto da disputa das coroas peninsulares pela conquista e
domínio do Atlântico. A razão do conflito se localizar, entre 1415 e 1454, nas Canárias
resulta do facto de o infante D. Henrique e os mercadores andaluzes cobiçarem a posse

5
Gomes Eanes de ZURARA, Crónica de Guiné, Porto, 1973, caps. LXVIII, LXIX, LXXIX, LXXXV, XCV; J. de BARROS,
Da Asia , década primeira, parte primeira, Lisboa, 1973, caps. XI-XIII; Ruy de PINA, Cronique del rey Dom Joham II, Coim-
bra, 1950, pág. 26; Garcia de RESENDE, Crónica de Dom João II , Lisboa, 1973, p. 45; G. FRUTUOSO, Livro primeiro das
Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1966, Cap. IX, pp. 65-76.
6
Ibid., p. 69, O cronista das ilhas deverá referir-se à letra sincere devotionis de 2 de Maio de 1421 ( Monumenta Henricina,
Vol. III, Lisboa, 1961, nº. 8, pp. 14-17) ou então à bula Romani Pontificis de 30 de Abril de 1437 que revoga a bula Rex Regum
de 8 de Setembro de 1436, veja-se Monumenta Henricina, Vol. VI, 1964, nº. 21, pp. 41-53; Ibid., Vol. V, nº 90, pp. 214-216;
Ibid., nº. 97, pp. 230-234. A Monumenta Henricina , 14 Vols., Coimbra, 1960-1973, publicada sob os auspícios da Comissão
Executiva das Comemorações do V Centenário da morte do Infante dom Henrique, é o mais importante repositório de docu-
mentação para o estudo das pretensões henriquinas quanto à posse das Canárias.
7. Monumenta Henricina, Vol. Vl, 1964, num. 89, págs. 207-214; Ibid., num. 90, págs. 214-216; Ibid., num. 97, págs. 230-234.
8. Ibid., Vol. V, 1963, num. 129, págs. 254 -258; Ibid., Vol. IX, num. 137.
9. Ibíd., Vol. VI, núm. 19, págs. 79-83; Ibid., núm. 57, págs. 139 -199; Veja-se RUSSEL, P. E.: «El descubrimiento de las Cana-
rias...», págs. 26-28.
10. Madrid, 1970, liber 33, cap. V, págs. 75-77; Veja-se LOPEZ DE TORO, J., La conquista del Gran Canaria en la Cuarta
Década del Cronista Alonso de Palencia, 1478-1480, in Anuario de Estudios Atlanticos, XVI, 1970, págs. 325-393; MORALES
PADRÓN, F.: Canarias, Crónicas de su conquista , Las Palmas, 1978.
11. «Fontes documentais...», págs. 5-33.
12. El descubrimiento de las Canarias..., págs. 26-28; O Infante D. Henrique e as ilhas Canarias (...), págs. 11-13, 22, 39.

2
das ilhas. Note-se que as ilhas eram o único bastião avançado para a afirmação da hege-
13
monia peninsular na costa ocidental africana.
Uma multiplicidade de estudiosos portugueses e espanhóis têm dedicado a sua
atenção ao estudo deste diferendo na senda de definir uma explicação satisfatória para a
posição ambígua e inconstante de ambas as coroas intervenientes. Desde Paulo Merea
(1923), Elias Serra Ráfols (1940) a Peter Russel (1971-1979), passando por Florentino
Perez Embid (1948), Vitorino Magalhães Godinho (1952) e Charles Verlinden (1961),
alinhavaram-se algumas explicações plausíveis para a política inerente aos intervencio-
14
nistas . Deste modo, parece-nos desusado retomar a referida polémica, cujo conheci-
mento remetemos para os autores supracitados. Aqui procuraremos apenas abordar as
implicações políticas, sociais e económicas da referida questão na dinâmica da expansão
atlântica e no relacionamento da ilha de Lanzarote com a Madeira. A historiografia his-
pânica olvidou esta problemática pendo toda a atenção na defesa ou argumentação favo-
rável aos direitos portugueses e castelhanos.
Só muito recentemente Jose Perez Vidal estabeleceu uma ligação entre essa inter-
venção e a pretensão Lusíada e a sua presença e influência na cultura, sociedade e eco-
15
nomia das Canárias . Esta perspectiva foi reforçada recentemente com os estudos de
16
Manuel Lobo Cabrera . O primeiro esboça uma cronologia da intervenção portuguesa
nas referidas ilhas, distinguindo dois períodos: um primeiro com a intervenção da coroa
com o intuito de legitimar a sua incorporação (1455-1479); um segundo em que essa ac-
tuação permanente é feita por particulares como agentes de comércio e transporte (1479-
17
1640) . Todavia parece-nos que o primeiro momento de disputa e reivindicação poderá
ser alargado até 1344, altura em que se iniciam as hostilidades em torno da questão. Nes-
te lapso de tempo de 135 anos a definição do legítimo proprietário das Canárias manteve-
se, mercê da situação interna da península, do afrontamento das coroas intervenientes e
da ambiguidade da política papal, agravada no momento do cisma do Ocidente (1378-
1417).
O termo desta disputa, em finais do século XV, não representa de modo algum
uma cedência portuguesa na sua política de domínio do Atlântico mas sim o reconheci-

13. Ob. cit., págs. 111-175.


14. Na Historiografia portuguesa a chamada “questão das Canárias” tem motivado diversos estudos. De entre estes destacamos aque-
les que nos parecem mais importantes: P. MEREA, "Como se sustentaram os direitos de Portugal sobre as Canárias", in Estudos de
História de Direito, Coimbra, 1923, fols. 137 y segs. E. SERRA RAFÓLS, "Portugal en las islas Canarias", in Congresso do Mundo
Português, Vol. III, Lisboa, 1940, pp. 211-241; Los portugueses en Canarias, La Laguna, 1941; Id., "Lancelloto Malocello en las islas
Canarias", in Congresso Internacional de História dos Descobrimentos, Actas, Vol. III. Lisboa, 1961, pp. 467-478; F. PÉREZ
EMBID, Los Descobrimientos en el Atlantico y la rivalidad castelhano-portuguesa hasta el tratado de Tordesilhas, Sevilha, 1948; V.
MAGALHÂES GODINHO, Documentos sobre a expansão portuguesa, Vol. I, Lisboa, 19, pp. 193-206; Ch. VERLINDEN, "Les
découvertes portugaises et la collaboration italienne d'Alphonse IV", in Congresso Internacional da Historia dos Descobrimentos.
Actas, Vol. III, 1961, pp. 593-610; Id., "Lanzarotto Malocello et la découverte portugaise des Canaries", in Revue Belge de Phillologie
et d'Histoire, Tomo XXXVI, 1958, nº. 4; Id., "Henri le navigateur et les îles Canaries", in VIII Colóquio de História Canario Ameri-
cana, t.I, Las Palmas, 1991, pp. 39-51; A. PÉREZ VOITEREZ, Problemas juridicos internacionales de la conquista de Canarias, La
Laguna, 1958; P.E. RUSSEL, "El descubrimiento de las Canarias y el debate medieval acerca de los derechos de los principes y pue-
blos paganos", in Revista de Historia Canaria, Tomo XXXVI, 1978, pp. 9-32; Id., "Fontes documentais para a História da expansão
portuguesa na Guiné nos últimos anos de D. Afonso V", in Do Tempo e da História, IV, 1971, pp. 5-33; Id., O Infante D. Henrique e
as ilhas Canárias. Uma dimensão mal compreendida da biografia henriquina, Lisboa, 1979.
15. "Esbozo de un estudio de la influencia portuguesa en la cultura internacional canaria", in Homenaje a Elias Serra Ráfols,
I, 1970, p. 372; idem, Los portugueses en Canarias. Portuguesismos, Las Palmas de Gran Canaria, 1991.
16 . Gran Canaria y los contactos con las islas portuguesas atlânticas: Azores, Madera, Cabo Verde y Santo Tomé, in Congres-
so Internacional de História Maritima , Las Palmas, 1952 (nu prelo); Id. MARTIN SOCAS, M.: Emigración y comercio entre
Madeira y Canarias en el siglo XVI, in Os Açores e o Atlântico séculos XIV a XVII , Angra do Heroísmo, 1984.
17 . Idem, Los portugueses en Canarias. Portuguesismos, Las Palmas de Gran Canaria, 1991, p.372

3
mento da relativa importância das Canárias para a prossecução dessa política exclusivista.
Estavam já traçados os rumos e destinos da expansão atlântica portuguesa. A costa afri-
cana, a norte, cede o lugar à região tropical do sul. Conforme referimos atrás a historio-
grafia peninsular dedicou muitas das suas páginas ao tratamento desta questão. A conjun-
tura histórica em que foram escritos esses textos fez com que se estabelecessem duas
perspectivas de análise diferentes, de acordo com a origem do proponente. Assim por
Portugal surgem, num primeiro momento, José da Costa Macedo e o Visconde de Santa-
18
rém a defender a prioridade da descoberta e a legitimidade da soberania lusíada. Entre-
tanto a escola historiográfica espanhola nomeadamente de Canárias, reclama a prioridade
e soberania castelhana, sendo de destacar neste caso Elias Serra Ráfols e Buenaventura
Bonnet. Esta ambiência não é novidade pois radica-se na opinião veiculada pelo imaginá-
rio nacional, tornada indelével pelos cronistas peninsulares. Assim em Portugal os cronis-
tas Gomes Eanes de Zurara, João de Barros, Rui de Pina, Garcia de Resende e Gaspar
Frutuoso haviam justificado perante os homens do seu tempo e vindouros as razões da
19
reivindicação henriquina .
O último traça de modo paradigmático essa ambiência: «Mas os castelhanos con-
tam com isso doutra maneira que nem el-rei de Portugal, nem o infante D. Henrique, as
quiseram largar até chegarem a direito diante do papa Eugénio quarto, veneziano, o qual,
vendo isto deu a conquista daquelas ilhas por sentença a el-rei D. João de Castela no ano
mil quatrocentos e trinta e um, por onde cessou esta contenda das Canárias entre os reis
20
de Portugal e Castela» .
Desde o século XIV surgem alegações de ambas as partes reivindicando a posse
destas ilhas junto do papado. Em 1345 D. Afonso IV, de Portugal, em resposta à bula
Vince Domini Sabahot de Clemente VI reclama a posse das Canárias, fundamentado na
21
prioridade do seu conhecimento e proximidade geográfica . Passados cem anos D. Duar-
te alega os mesmos argumentos para reclamar ao papa Eugénio IV a posse das ilhas não
conquistadas. A anuência papal as pretensões portuguesas conduziu a imediata reacção de
Castela que se serviu do poder de intervenção dos seus juristas junto do papa para obter a
22
revogação da referida bula . A pesquisa de Esteban Perez Cabitos em 1477 denuncia a
intenção da coroa castelhana em defender os seus direitos de posse fazendo uso de toda a

18 . No século dezanove tivemos um importante debate sobre os descobrimentos no espaço atlântico que levou ao confronto
entre a Historiografia nacionalista portuguesa e francesa. Veja-se estudos de A. De Avezac, Notice des Découvertes Faites au
Moyen Age, dans L’Ócean Atlantique antérieurement aus Grandes Découvertes Portugaises du XVe , Paris, 1845. Este debate
mereceu a atenção de Costa Brochado, Historiógrafos dos Descobrimentos, Lisboa, 1960, Pierre Chaunu, Expansão Europeia
do século XIII ao XV, S. Paulo, Pioneira, 1978, pp.183-193.
19 . GOMES EANES DE ZURARA: Crónica de Guiné, Porto, 1973, caps. LXVIII, LXIX, LXXIX, LXXXV, XCV; DE BARROS, J.:
Da Asia, década primeira, parte primeira, Lisboa, 1973, caps. XI-XIII; RUY DE PINA: Cronique del rey Dom Joam Il, Coimbra,
1950, pág. 26; GARCIA de RESENDE: Cronica de Dom João 11, Lisboa, 1973, pp. 45; Frutuoso, G.: Saudades da Terra, 1.° L.°,
Ponta Delgada, 1968, Cap. IX, pp. 65-76.
20. Ibid., p. 69, O cronista das ilhas deverá referir-se à letra sincere devotionis de 2 de Maio de 1421 ( Monumenta Henricina,
Vol. III, Lisboa, 1961, num. 8, pp. 14-17) ou então à bula Romani Pontificis de 30 de Abril de 1437 que revoga a bula Rex Reg-
num de 8 de Setembro de 1436, veja-se Monumenta Henricina, Vol. VI, 1964, num. 21, pp. 41-43; Ibid., Vol. V, n.° 90, pp. 214-
216; Ibid., num . 97, págs. 230-234. A Monumenta Henricina (14 Vols., Coimbra, 1960-.1973), publicada sob os auspícios da
Comissão Executi va das Comemorações do V Centenário da morte do Infante dom Henrique , é o mais importante reportório
de documentação para o estudo das pretensões henriquinas às Canárias.
21. Monumenta Henricina, Vol. VI, 1964, num. 89, pp. 207-214; Monumenta Henricina, num. 90, pp. 214-216; Monumenta Henrici-
na, num. 97, pp. 230-234.
22. Monumenta Henricina,., Vol. VI, núm. 19, pp. 79-83; Monumenta Henricina, núm. 57, pp. 139-199; Veja-se Russel, P. E.: «El
descubrimiento de las Canarias...», pp. 26-28.

4
argumentação possível. No seguimento desta versão forçada temos a intervenção dos
23
cronistas oficiais, como Alonso de Palencia, Diego de Valero e Andrés Bernaldes .
Não obstante o facciosismo das fontes narrativas e de alguns estudos publicados
até ao presente, existem algumas análises abalizadas, como as de Peter Russel e Floren-
24
tino Perez Embid, que devem merecer a nossa intenção . O primeiro em três ensaios pu-
blicados em Portugal a Espanha equaciona a questão à luz da documentação disponível e
da ambiência da época. Assim em 1971 enquadrava essa disputa no âmbito da pretensão
25
peninsular pela posse e conquista da costa africana . Mais tarde equacionava a mesma
questão de acordo com o direito da época para depois explicitar, baseado nos cronistas, as
razões que levaram o infante D. Henrique a esta disputa26. Para Perez Embid a questão
deverá ser encarada num âmbito mais vasto da disputa das coroas peninsulares pela con-
quista e domínio do Atlântico. A razão do conflito se localizar, entre 1415 e 1454, nas
Canárias resulta do facto de o infante D. Henrique e os mercadores andaluzes cobiçarem
a posse destas ilhas. Note-se que estas ilhas se apresentavam como o único bastião avan-
çado para a afirmação da hegemonia peninsular na costa ocidental africana. 27
A questão das Canárias nos séculos XIV e XV foi o prelúdio de novas disputas e
do confronto dos objectivos exclusivistas, bem patentes nos reinos peninsulares. A defesa
do Mare Clausum e a sucessão das coroas peninsulares provocaram o afrontamento entre
Portugal e Castela, ao mesmo tempo que catalisaram as atenções das coroas europeias
para uma intervenção directa ou indirecta nesse conflito. Deste modo o litígio entre as
coroas peninsulares desenrolou-se em dois palcos afins: a Península Ibérica e o Atlântico
ocidental. No primeiro tivemos desde 1336 uma sucessão interminável de conflitos e tra-
tados de paz ou aliança. No período de 1336 a 1494 foram assinados dezoito tratados de
paz ou aliança 28. As alianças matrimoniais e os laços de parentesco da casa real peninsu-
lar condicionaram a política de sucessão e implicaram assíduas disputas pela posse do
ceptro real.
O dealbar de uma nova era no século XV conduziu a profundas alterações na di-
nâmica socio-politico-economica do Ocidente. O Mediterrâneo cede lugar ao Atlântico.
Assim a partir dessa data este último oceano, até então considerado intransponível, passa
a afirmar-se com um dos principais palcos dos acontecimentos onde actuam as coroas
peninsulares, melhor posicionadas para esta disputa29. Nesse âmbito as ilhas atlânticas
situadas ás portas do novo mundo, detêm um papel primordial nesse processo de trans-
mutação, daí o epíteto de Mediterrâneo Atlântico. Deste modo, a disputa pela posse deste
vasto oceano inicia-se no mundo insular, pois o seu domínio assegurava a hegemonia e
exclusivo das navegações e comércio no Atlântico Ocidental. Assim o entenderam os
monarcas de Portugal e Castela que, desde o século XIV disputaram a posse das Caná-
rias. Todavia, neste momento inicial do século XIV o Atlântico surgia mais como uma

23. Madrid, 1970, liber 33, cap. V, pp. 75-77; Veja-se LÓPEZ DE TORO, J.: La conquista del Gran Canaria en la Cuarta Década del
Cronista Alonso de Palencia, 1478-1480, in Anuario de Estudios Atlánticos, XVI, 1970, pp. 325-393; MORALES PADRÓN, F.:
Canarias, Crónicas de su conquista, Las Palmas, 1978.
24 . Estudos supracitados na nota l.
25 . «Fontes documentais. . . », pp. 5-33.
26. El descubrimiento de las Canarias..., pp. 26-28; O Infante D. Henrique e as ilhas Canárias (...), pp. 11-13, 22, 39.
27. Ob. cit., pp. 111 -175.
28. Assinaram-se tratados de paz e amizade em 1339, 1358, 1366, 1369, 1370, 1371, 1372, 1374, 1382, 1383, 1431, 1432, 1474,
1480, 1494.
29. CHAUNU, P.: Expansão europeia do século XIII ao XIV, S. Paulo, 1978, pp. 66-79.

5
esperança ou aventura no desconhecido do que uma certeza. Mas, volvidos cem anos,
emerge um projecto de conquista e exploração do Novo Mundo, materializado na gesta
henriquina e na acção de D. João II. Não obstante o monarca lusíada D. Afonso IV previa
essa época promissora ao reclamar junto do papado a posse das Canárias 30. Elias Ráfols
refere-nos que a posição portuguesa definia-se por uma abstenção de facto e por uma rei-
vindicação de jure, baseada na prioridade do seu conhecimento e proximidade do reino.
O mesmo sublinha que a negligência da coroa portuguesa resultava da inexistência de um
plano ultramarino 31.
A intervenção do infante D. Henrique, a partir de finais do primeiro quartel do sé-
culo XV, deu um novo rumo à querela. Assim reacende-se a pretensão portuguesa ao
domínio e cristianização das Canárias. O alheamento parcial da coroa castelhana favore-
ceu e reforçou a posição henriquina em face da burguesia do sul da Andaluzia.
A expedição de Jean de Bettencourt em 1402 destaca, por um lado, o afastamento
da Normandia desta opção atlântica e por outro o reforço da posição andaluza, uma vez
que o referido expedicionista apenas conseguiu conquistar o apoio da comunidade sevi-
lhana, nomeadamente a família Las Casas. Este facto marca um novo rumo na questão
das Canárias, uma vez que o referido cavaleiro ao submeter-se à suserania do rei de Cas-
tela legitimou à priori, a soberania castelhana32. A burguesia andaluza interessava a posse
das Canárias uma vez que estas se apresentavam como um importante mercado de escra-
vos e materiais corantes e, mesmo, como uma base de apoio para as suas posteriores
incursões no litoral africano33. O monarca de Castela, grato pela intervenção dos Las
Casas, decidiu premiar o seu esforço, solicitando em 2 de Maio de 1421 ao papa a confir-
mação da posse das ilhas de Gran Canaria, Tenerife, La Gomera e La Palma a Afonso de
Las Casas34.
Perante este evoluir dos acontecimentos ao infante D. Henrique restavam apenas
duas alternativas. Por um lado a solução diplomática, fazendo: valer os direitos portugue-
ses junto do papado e, por outro, o recurso a uma intervenção bélica, legitimada pelo es-
pírito de cruzada. Assim tivemos as expedições de D. Fernando de Castro (1424-1440) e
de António Gonçalves da Câmara (1427). Todavia as conquistas no âmbito diplomático
foram efémeras e pouco concludentes para as ambições da coroa portuguesa. A conces-
são papal em 1436 da conquista das ilhas não ocupadas por cristãos durou enquanto não
surgiu a reacção castelhana, isto é, menos de um mês35. D. Duarte, ignorando as alega-
ções apresentadas pelo bispo de Cartagena ao Concilio da Basileia (1435) e a deliberação
papal, prossegue a sua política de intervenção directa nas Canárias, concedendo ao infan-

30. Veja-se notícia desenvolvida da questão na Monumenta Henricina., Vol. I, 1960, num. 88, pp. 201-206.
31. Portugal en las Canarias..., p. 219.
32. Le Canarien, […], La Laguna/Las Palmas, Vol. I, 1960. doc. 100, pp. 440 -441, Valladolid, 26 de Junho de 1412; ibid. , Vol.
II, cap. XXVI, pp.98-100
33. LADERO QUESADA, M. A.: Los señores de Canarias en su contexto sevillano (1403-1477), in Anuario de Estudios Atlán-
ticos, num. 23, 1977, pp. 127-128; MAGALHÃES GODINHO, V.: «A Economia das Canárias nos séculos XIV e XV, in Revista
de História , S. Paulo, 1952. Em 1434 o papa Eugénio IV proibiu, pela bula Regimini gregis a escravização dos canários
( Monumenta Henrici na V, doc. Nº. 28, pp. 89-93); Ibid., nº. 52, pp. 118 -123, letra ucator omnium de 17 de Dezembro; Ibid., nº.
93, pp. 184-185, letra oudum nostras de 13 de Janeiro de 1436.
34. Monumenta Henricina Vol. III, num . 18, págs. 14-16, concedido na mesma data por 5 anos pela letra Sincere Devotions,
publ.; Ibid., nº. 9, pp. 16-17. A 26 de Maio o monarca solicitou a concessão perpétua, veja-se Ibid., nº. 10, pp. 17-18.
35. Monumenta Henricina., Vol. V, doc. Nº. 137, p.143.

6
36
te D. Henrique em 1446 o exclusivo do comércio e navegação para as Canárias . E, para
assegurar essa determinação, organizaram-se nesse ano três expedições às Canárias.
Volvidos dois anos a questão toma novo rumo com os desentendimentos entre os
Bettencourts e os Perazas. Assim Maciot de Bettencourt vende o senhorio da ilha de Lan-
zarote ao infante D. Henrique por 20.000 reais brancos ao ano, retirando-se com a família
37
para a Madeira onde recebeu grandes benesses . Com o objectivo de assegurar a posse e
organizar a administração desta nova parcela de terra o infante envia em 1450 e 1451
38.
armadas de ocupação que provocaram imediata reacção de Castela em 1452 Esta
ambiência destaca que em Portugal e Castela há um nítido alheamento das decisões do
papa e a procura de uma solução concreta para esta questão que passa, obrigatoriamente,
pela conquista, ocupação e evangelização, de facto. Reconhecendo-se o peso desta última
forma de intervenção nas decisões do papado o infante D. Henrique define uma nova
39.
modalidade de acção, enviando missionários franciscanos a evangelizar estas ilhas
O período de 1450 a 1474 é marcado por múltiplas peripécias que condicionaram
a intervenção dos reinos peninsulares nas Canárias. Por um lado a morte do infante D.
Henrique, em 1460, em consonância com os avanços com a expansão atlântica relegaram
para segundo plano as Canárias e, por outro, as tensões internas de Castela atenuaram as
suas reivindicações. Note-se que o monarca Henrique IV de Castela chegou mesmo a
doar em 1455 aos Condes de Atouguia e Vila Real o senhorio das ilhas de Gran Canaria,
40.
Tenerife e Palma A coroa portuguesa, de imediato, solicitou a confirmação papal da
41
referida doação . No entanto o monarca castelhano mediante a reclamação de Ferrão de
Peraza, vê-se obrigado a revogar essa doação. O tratado de Toledo (1480) marca o aban-
dono definitivo das pretensões portuguesas à posse das Canárias e o aparecimento de
42
novos motivos ou locais de disputa .
O reconhecimento da impossibilidade de usurpação ou posse das Canárias por
parte de Portugal não resultou de uma derrota da diplomacia portuguesa e das hostes lá
enviadas mas antes das alterações da conjuntura socio-política definidas pelo avanço da
expansão atlântica. As Canárias que num primeiro momento eram imprescindíveis para o
apoio à navegação e comércio no litoral africano perdem essa posição com o início do
povoamento da Madeira, com o avanço das navegações para sul e com a criação de feito-
rias, como a de Arguim em 1445, quer ainda com a evolução da ciência náutica e cons-
trução naval, que permitem uma maior autonomia das embarcações43. Além disso a cobi-
ça da burguesia andaluza pela zona do golfo da Guiné, materializada em incursões assí-

36. Monumenta Henricina, IX, num. 95, pp. 121-123.


37. Monumenta Henricina, IX, num. 174, pp. 273-275, 9 de Março de 1448.
38. Monumenta Henricina, XI, num. 138, pp. 172-179, 25 de Maio de 1452; Monumenta Henricina., num. 236, pp. 239-245, 10
de Abril de 1454.
39. Monumenta Henricina, XII, num. 144, pp. 30-32, 27 de Maio de 1456; Monumenta Henricina, XIII, num. 151, pp. 315-316.
40. Monumenta Henricina, IV, pp. 239-332, nota 2.
41. Monumenta Henricina, XIV, num. 140, pp. 322-324; Monumenta Henricina, num . 145, pp. 318-333.
42. Rui de PINA: Chronica do Senhor Rey Dom Affonso V, Cap. CCII, p. 591; DE LA TORRE, A., E SOAREZ FERNAN-
DEZ, L.: Documentos referentes a las relaciones con Portugal durante el periodo de los reyes católicos, Valhadolid, 1958, Vol.
I, pp. 245 e segs.
43. Cf. RUSSEL, P. E., "El descubrimiento de las Canarias y el debate medieval acerca de los derechos de los principes y pue-
blos paganos", in Revista de Historia Canaria, Tomo XXXVI, 1978, pp. 9-32, SERRA RÀFOLS, E., Los portugueses en Cana-
rias , La Laguna, 1941, ALBUQUERQUE, Luís de, Ciência e Experiência nos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1983,
pp.325-360

7
duas entre 1475-1479, tornaram urgente uma solução satisfatória que não lesasse os inte-
resses da política exclusivista portuguesa, estabelecida em 1454. O rápido (re) conhe-
cimento do litoral africano com a gesta henriquina, bem como a valorização sócio-econó-
mica desta nova área impuseram esta viragem na política ultramarina portuguesa.

DO CONHECIMENTO DO ATLÂNTICO E COSTA AFRICANA

O Atlântico, considerado revelação ou redescobrimento quatrocentista dos portugueses,


passou a assumir um lugar de protagonista activo em épocas muito anteriores a esta cen-
túria. Desde a Antiguidade, nomeadamente a partir do século VI A.C., que surgem teste-
munhos abonatórios da presença dos povos ribeirinhos do Mediterrâneo nas suas águas.
Primeiro os cartagineses e depois os árabes preludiaram a gesta concretizada em pleno no
século XV pelos portugueses e castelhanos. As provas que fundamentam a presença dos
argonautas antigos nestas paragens acumulam-se e vêm sendo apontadas desde o século
XVI como o testemunham alguns cronistas, como António Galvão, Damião de Góis e
Gaspar Frutuoso. Todavia o empenhamento da historiografia nacional nas reivi ndicações
imanentes da partilha oitocentista do continente africano conduziu a uma opinião afirma-
tiva, mantida até à actualidade, da prioridade lusíada no conhecimento do Atlântico oci-
dental, oriental e Índico.
Durante séculos o Atlântico foi considerado o mar das trevas, incapaz de ser sul-
cado pelas embarcações mediterrânicas e de se navegar com as técnicas de navegação em
uso. O empenho de cartagineses, árabes e peninsulares veio a revelar o contrário e a tor-
ná-lo, a partir do século quinze, no principal centro de convergência dos interesses euro-
peus. A ponte entre os mundos antigo e moderno fez-se por via dos árabes, mas foram os
portugueses que materializaram a nova realidade e a definição do novo espaço atlântico.
Ao grego ou romano esta vasta massa de água materializava a dicotomia do bem e do
mal, expressa em visões aterrorizadoras, contrárias à navegação mas favoráveis à sua
afirmação como paraíso dos deuses da mitologia. Mas, para o europeu, dos séculos XV e
XVI, ele será a imagem de uma esperança de total mudança dos interesses económicos.
Onde o homem antigo via o paraíso, inalcançável para os peninsulares, colocavam à sua
mão e tornava-o real44.
O conhecimento da costa africana era uma realidade resultante de algumas expe-
dições realizadas desde tempos remotos. A primeira por ordem o faraó Necao II (610-594
A.C.), depois a viagem de Sataspes (480-470 A.C.) até à Guiné, e o périplo de Hanão,
hoje considerado falso, em 485 A.C. com sessenta navios desde Cartago, que teria per-
corrido a costa africana até Cabo Verde. Estas e outras viagens referenciadas não têm
cativado o interesse da historiografia que se mostra renitente em aceitar os relatos conti-
dos nos textos clássicos.
A Historiografia dos séculos XVIII e XIX é peremptória na veracidade das infor-
mações e defendeu a ideia de que os fenícios projectaram o seu empório comercial na
costa ocidental africana. Apenas os portugueses mantiveram a tese de que esta área estava

44 . Cf. GARCÌA Y BELLIDO, A., Las Islas Atlánticas en el Mundo antiguo, Las Palmas de Gran Canaria, 1967; RUMEU DE AR-
MAS, Antonio, España en el África Atlántica, tomos I e II, Las Palmas de Cran Canaria, Ediciones del Cabildo Insular de Gran Ca-
naria, 1996. MARTÍNEZ, Marcos, Canarias en la Mitologia, S. C. de Tenerife, 1992; IDEM, Las Islas Canarias de la Antiguedad al
Renacimiento, Nuevos Aspectos, S. C. de Tenerife, 1996; MANFREDI, Valerio, Las Islas Afortunadas. Topografia de un mito, Ma-
drid, 1997.

8
por revelar no início das navegações henriquinas. Se para os arquipélagos próximos da
costa o contacto com as populações do litoral africano foi uma realidade. O mesmo já não
se poderá dizer da Madeira e dos Açores, cujo distanciamento do litoral, e a navegabili-
dade dos mares circunvizinhos não foram de molde a favorecê-lo, ainda que de forma
ocasional. Talvez por isso mesmo seja impossível detectar o rasto da sua existência e
conhecimento na tradição histórico-literária, o que não sucede com as Canárias, por
exemplo.
O oceano continuou por muito tempo como um mar intransponível, repercutindo-
se em Edrisi (1099-1154) as teses de Séneca e Avieno. Mas com o advento do novo mi-
lénio algo estava para acontecer no Ocidente: as cruzadas, por um lado, os progressos
técnicos (bússola, o leme e o navegar à "bolina") e económicos, por outro, conduziram à
abertura dos portos oceânicos. Ás expedições dos árabes, primeiro dos aventureiros de
Lisboa em 1147, depois de Ibn Fatima e Mohamed Ben Ragano, seguiram-se outras, com
alguma frequência, sob o comando de italianos, bretões, bascos, biscainhos e catalães, ao
longo do século XIV. Das últimas, para além do testemunho em texto, perdurou expres-
são na cartografia, a partir de finais do primeiro quartel do século catorze45.

EXPEDIÇÕES PORTUGUESAS ÀS CANARIAS- SÉCULOS XIV-XV

Desde o século XIII a costa ocidental africana, aquém do Bojador, passou a ser
devassada pelas populações ribeirinhas do litoral mediterrânico que, dando continuidade
à tradição clássica da pesca, encontraram aqui infindáveis riquezas. Primeiro foi o apro-
veitamento dos recursos disponíveis nos mares circundantes e depois a procura de plantas
tintureiras (urzela) e o resgate de escravos canários. Após a pioneira viagem dos irmãos
Vivaldi, em 1291, seguiram-se outras entre 1342 e 1339, sendo de referenciar as hipotéti-
cas viagens dos "Matelots de Cherebourg", antes de 1312, de Lanzarotte de Malocello, ao
serviço do rei de Portugal, cerca de 1310 e, finalmente, a de Angiolino del Tegghia de
Corbizi e Nicoloso de Recco em Junho de 1341, ao serviço de D. Afonso IV de Portugal.
Outras viagens se seguiram mas a falta de registo faz com que escapem ao nosso conhe-
cimento 46. Elas, no entender de Raymond Mauny, deixaram traços evidentes na cartogra-
fia do século XIV. Como consequência disso os portulanos e cartas passaram a represen-
tar desde 1325 as ilhas.
A todas estas expedições junta-se outra relatada por Fortunato de Almeida 47, do
almirante Lançarote da Franca (ou Pessanha)48, que teria descoberto as ilhas de Lanzarote
e La Gomera, conforme se deduz de uma carta de D. Fernando de 29 de Junho de 137049.
O Almirante não teve oportunidade de tomar posse por reacção dos indígenas. Note-se
que o mesmo, de origem genovesa, sucedeu a Manuel de Pessanha e terá morrido em
1376 numa expedição às Canárias.

45 . RUMEU DE ARMAS, Antonio, España en el África Atlántica, tomos I e II, Las Palmas de Cran Canaria, Ediciones del Cabildo
Insular de Gran Canaria, 1996.AZNAR VALLEJO. E. Viajes y Descubrimientos en la Edad Media, Madrid, 1994.
46. Veja-se a síntese feita por MACÍAS HERNÁNDEZ, A., Descubrimiento, in Gran Enciclopedia de Canarias, t. V, Santa Cruz de
Tenerife, Ediciones Canarias, 1997, pp.1273-1275.
47. Fortunato de Almeida, História de Portugal, vol. III, pp.85 -108
48. Esta ilha de Nossa Senhora de Franca é também confundida com as ilhas de El Hierro, Tenerife e La Palma.
49. Os documentos em Descobrimentos Portugueses, vol. I, nº.115, pp.126-127, nº.137, p.155, nº.162, pp.186-187; Monumenta
Henricina, Vol. I, nº.104, pp.245-247, nº.106, pp.251-252, nº.112, pp.252-253.

9
O progresso na representação cartográfica das ilhas é resultado de uma assídua
observação presencial a que não pode ser alheio o incremento das expedições ao vizinho
arquipélago das Canárias. Em 1344 o próprio papa de Avinhão estava ao corrente do que
aí se passava, concedendo o senhorio das ilhas Afortunadas a D. Luís de La Cerda. Tal
ordem condicionou uma acesa disputa pelo arquipélago das Canárias, que só teve o epí-
logo em 1479 com o tratado de Alcáçovas. Enquanto os monarcas de Leão e Castela
manifestavam o regozijo a posição do rei português D. Afonso IV foi de desagravo e rei-
vindicação por carta de 12 de Fevereiro de 1345: “os nossos naturais foram os primeiros
que acharam as mencionadas ilhas”. A recusa era fundamentada pela proximidade geo-
gráfica e pelas expedições realizadas, pois, como refere o monarca lusitano, "os nossos
naturais foram os primeiros que acharão as mencionadas ilhas". Também o protelamento
da conquista é justificado pela "guerra que se ateou primeiro entre nós e os reis sarrace-
nos".
As expedições portuguesas ao longo da costa africana não foram alheias à presen-
ça em Portugal de Manuel Pessanha, contratado em 1317 por D. Dinis para criar a frota
real e preparar os marinheiros nos conhecimentos necessários na arte de marear. Na reali-
dade, a já referenciada viagem de 1341 às Canárias, é apontada como uma consequência
disso. Note-se, ainda, que o rei D. Dinis havia conseguido em 1320 o necessário apoio
por parte do papado para levar a cabo uma guerra de corso na costa africana, o mesmo
acontecendo com o seu sucessor em 1341. A presença de armadas nestas paragens é um
indício de que os mares eram frequentados com assiduidade. Para além disso estas via-
gens propiciaram aos marinheiros um primeiro conhecimento das ilhas próximas haven-
do, por outro lado, uma relação entre a última armada e a expedição enviada neste ano às
Canárias. O confronto aberto em terras peninsulares com os árabes fez esquecer por
algum tempo a disputa pelo novo espaço oceânico. Os portugueses tinham esperado até à
sua definitiva saída do Algarve e à solução de problemas internos para regressarem ao
oceano. O mesmo sucedeu com os reis católicos que fizeram depender o apoio à viagem
de Colombo da vitória na guerra contra os mouros, que teve lugar em Granada no início
de 1492.

O INFANTE DON HENRIQUE E O SENHORIO DE LANZAROTE

O infante D. Henrique não se ficou apenas pela Madeira pois manifestou empenho na
conquista de algumas das ilhas das Canárias. Daqui resultou o conflito bélico e diplomá-
tico que perdurou até 1479. A questão não era nova, pois arrastava-se já desde o século
XIV, novos são os protagonistas e os interesses em jogo. A importância do conflito não
se esgota na expressão das ambições dos seus protagonistas, uma vez que se reflecte no
devir histórico consequente ao firmar as conexões humanas e comerciais com a Madei-
50
ra . Os cronistas, como os do seu tempo51, revelam-nos esta obsessão do infante e do rei
pela posse das Canárias. Garcia de Resende diz-nos da intenção de incluir estas ilhas no
dote da infanta Dona Joana, sendo esta situação considerada a garantia para segurar a zo-

50
. "Esbozo de un estudio de la influencia portuguesa en la cultura internacional canaria", in Homenaje a Elias Serra
Ráfols, I, 1970, p. 372; idem, Los portugueses en Canarias. Portuguesismos, Las Palmas de Gran Canaria, 1991.
51 . O Conde de Arraiolos em carta de 22 de Abril de 1433 refere “as ilhas Canarias que desejais” (Livro dos Conselhos de El-Rei D.
Duarte (Livro da Cartuxa), Lisboa, Ed. Estampa, 1982, p.56, e Monumenta Henricina, IV, Coimbra, 1962, nº.21, pp.99-108)

10
na da Guiné de qualquer investida castelhana 52.
A disputa pela posse das ilhas Canárias foi o prelúdio de outras e do confronto de
objectivos exclusivistas, bem patentes nos reinos peninsulares. A defesa do Mare Clau-
sum e os problemas sucessórios das coroas provocaram o afrontamento entre Portugal e
Castela, ao mesmo tempo que catalizaram as atenções da Europa para uma intervenção
directa ou indirecta no conflito. Tudo começou no mundo insular, pois o seu domínio as-
segurava a hegemonia e exclusivo das navegações e comércio no Atlântico.
A intervenção do infante D. Henrique, a partir de finais do primeiro quartel do século
XV, deu um novo rumo à querela. Com ele retomou-se a pretensão portuguesa ao domí-
nio e cristianização das Canárias. O alheamento parcial da coroa castelhana favoreceu e
reforçou a posição henriquina em face da burguesia andaluza. A esta interessava a posse
das Canárias pelo facto de serem um importante mercado de escravos e materiais coran-
53
tes e, mesmo, base de apoio para as posteriores incursões no litoral africano . O monarca
de Castela, grato pela intervenção da família de Las Casas, decidiu premiar o seu esforço
solicitando, em 2 de Maio de 1421, ao papa a confirmação da posse das ilhas de Gran
54
Canaria, Tenerife, La Gomera e La Palma a Afonso de Las Casas .
Perante isto, ao infante D. Henrique restavam apenas duas alternativas: por um lado a
solução diplomática, fazendo valer aos direitos portugueses junto do papado e, por outro,
o recurso a uma intervenção bélica, legitimada pelo espírito de cruzada, no sentido de
ocupar as ilhas ainda não conquistadas. Assim, tivemos as expedições de D. Fernando de
Castro (1424-144055) e de António Gonçalves da Câmara (1427). No âmbito diplomático
as vitorias foram efémeras. A concessão papal em 1436 do direito de conquista das ilhas
não ocupadas por cristãos durou enquanto não surgiu a reacção castelhana, isto é, menos
56
de um mês . Todavia D. Duarte, ignorando as alegações apresentadas pelo bispo de Car-
tagena ao concílio da Basileia (1435) e a deliberação papal, prossegue a política de inter-
venção directa no arquipélago, concedendo ao infante D. Henrique em 1446 o exclusivo
57
do comércio e navegação . E, para assegurar esta determinação organizaram-se no mes-
mo ano três expedições.
Em 1448 a questão toma novo rumo com os desentendimentos entre os Bettencourts e
os Perazas, o que veio favorecer os desejos do Infante D. Henrique. Maciot de Betten-
court aceitou a proposta de venda do direito de posse do senhorio da ilha de Lanzarote
por 20.000 reais brancos ao ano e alguns interesses na Madeira, para onde se retirou com
58
a família . Com o objectivo de assegurar a posse do senhorio o infante enviou em 1440 e

52. Diz o cronista: “… requeressem as ilhas das Canarias, que el Rey sempre desejou para mayor segurança de Guine.” (Crónica de D.
João II e Miscelânea, Lisboa, 1973. O mesmo é repetido por Ruy de Pina, Chronica del rey Dom Joam II, Coimbra, 1950, p.26).
53
. M. A. LADERO QUESADA, "Los señores de Canarias en su contexto sevillano (1403-1477) ", in Anuario de Estudios
Atlanti cos, nº 23, 1977, pp. 127-128;V. MAGALHÃES GODINHO, "A Economia das Canárias nos séculos XIV e XV, in
Revista de História , S. Paulo, 1952. Em 1434 o papa Eugénio IV proíbe pela bula "Regimini gregis" a escravização dos caná-
rios (Monumenta Henricina, V, nº 28, pp. 89-93); nº. 52. pp. 118-123, letras "ucator omnium" de 17 de Dezembro; Ibid., nº. 93,
pp. 184-185, letras "oudum nostras" de 13 de Janeiro de 1436.
54
. Monumenta Henricina, nº. 18, pp. 14-16, concedida na mesma data por 5 anos pela letra "Sincere Devotionis", publ.
Ibid., nº. 9, pp. 16-17. A 26 de Maio o monarca solicitou a concessão perpétua, veja-se Ibid., nº 10, pp. 17-18.
55 . Temos alguns testemunhos desta expedição na chancelaria régia, confronte-se sumário da documentação no final.
56
. Monumenta Henricina, Vol. V, nº. 137, p.143.
57
. Ibid., IX, nº. 95, pp. 121 -123. Confronte Gomes Eanes de Zurara, Crónica de Guiné, Lisboa, 1989, Cap. LXXXIV, pp.
156-157.
58
. Ibid., IX, nº. 174, pp. 273 -275, 9 de Março de 1448.

11
59
1441 duas armadas, que provocaram imediata reacção de Castela em 1452 . A isto
seguiu-se o recurso aos missionários franciscanos com o intuito de evangelizar os aborí-
60
genes . Entretanto em 1455 o monarca Henrique IV de Castela doa aos Condes de Atou-
61
guia e Vila Real o senhorio das ilhas de Gran Canaria, Tenerife e Palma . De imediato a
62
coroa portuguesa solicitou a confirmação papal da referida doação . Mas, o monarca cas-
telhano, mediante a reclamação de Fernão de Peraza, teve de voltar atrás na sua palavra.
A proximidade da Madeira ao arquipélago canário em conjugação com o rápido surto
do povoamento e valorização socio-económica do solo madeirense orientaram as aten-
ções do madeirense para esta promissora terra. Assim, decorridos apenas 26 anos de
povoamento, os colonos madeirenses actuam na disputa pela posse das Canárias ao ser-
viço do infante. Em 1446 João Gonçalves, sobrinho de Zargo, foi enviado pelo infante a
Lanzarote como plenipotenciário para firmar o contrato de compra da ilha. Acompa-
nham-no caravelas de Tristão Vaz, capitão donatário em Machico e de Garcia Homem de
63
Sousa, genro de Zargo . Passados alguns anos, em 1451, o infante enviou nova armada,
organizada pelos moradores de Lagos, Lisboa e Madeira, participando nela Rui Gonçal-
64
ves, filho do donatário do Funchal .
Esta intervenção madeirense na empresa Canárias conduziu a uma maior aproxima-
ção dos dois arquipélagos ao mesmo tempo que influenciou o traçado de vias de contacto
e comércio. Do nosso lado foi o saque fácil de mão-de-obra escrava para a safra do açú-
65
car e o recurso ao cereal e à carne, necessários à nossa dieta alimentar . Pelas Canárias
foi o recurso à Madeira com porto de abrigo das gentes molestadas com a conturbada si-
tuação que aí se viveu no século XV. Esta corrente emigratória começou com Maciot de
Bettencourt. O sobrinho do conquistador de Lanzarote preferiu o sossego da vila do Fun-
66
chal ao governo da sua ilha . Este foi o primeiro passo de ramificação atlântica desta fa-
67
mília normanda . No desterro de Maciott de Bettencourt acompanharam-no a sua filha
Maria e os seus sobrinhos e netos Henrique e Gaspar. Todos eles conseguiram uma posi-
ção de prestígio e avultadas fazendas mercê do relacionamento matrimonial com as prin-
cipais famílias da Madeira. D. Maria de Bettencourt, por exemplo, casou com Rui Gon-
çalves da Câmara, filho segundo do capitão do donatário do Funchal.
A empresa henriquina pela posse das Canárias mobilizou todos os grupos empe-
nhados no processo de expansão atlântica, ficando disso testemunho em alguns epitáfios.

59
. Ibid., XI, nº. 138, pp. 172-179, 25 de Maio de 1452; Ibid., nº. 236, pp. 239-245, 10 de Abril de 1454.
60
. Ibid., XII, nº. 144, pp. 30-32, 27 de Maio de 1456; Ibid., XIII, nº. 151, pp. 315 -316.
61
. Ibid., XIV, pp. 239-332, nota 2.
62
. Ibid., XIV, nº. 140, pp. 322-324; Ibid., nº. 145, pp. 318-333.
63
. A. Artur SARMENTO, "Madeira & Canárias", in Fasquias e Ripas da Madeira, Funchal, 1931, pp.13-14.
64
. Monumenta Henricina, Vol. XI, pp.172-179.
65
. Veja-se L.SIEMENS e L. BARRETO, "Los esclavos aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505) ", in Anua-
rio de Estudios Atlanticos, nº. 20, 1974, pp. 111-143 e o nosso estudo "O Comércio de cereais das Canárias para a Madeira nos
séculos XVI e XVII", in Coloquio de Historia Canario Americana (1984), Las Palmas, 1988.
66
. G. FRUTUOSO, Saudades da Terra , Lº I, Ponta Delgada, 1966, 69; Ibid., Lº IV, Vol. II, Ponta Delgada, 1981, pp. 263; J.
Dias LEITE, Descobrimento da ilha da Made ira..., Coimbra, 1947, pp. 32; Monumenta Henricina, Vol. IX, nº.174, pp. 273-275.
67
. G. FRUTUOSO, ob. cit., Lº IV, Vol. I, Ponta Delgada, 1977, pp. 103-113; F. Augusto da SILVA, "Bettencourt", in Eluci-
dário Madeirense, Vol. I, Funchal, 1984, 138-139; H. Henriques DE NORONHA, Nobiliário Genealógico das famílias que
passaram a viver esta ilha da Madeira..., Vol. I, S. Paulo, 1947, pp.51-74; Nobiliario de Canarias , Tomo I, La Laguna, 1952,
pp. 595-600; L. DE LA ROSA OLIVEIRA, "Los Bettencourt en Las Canarias y en America", in Anuario de Estudios Atlánti-
cos, nº. 2, pp.130-135.

12
Nuno Gonçalves, que morreu em 1459, apresenta no seu epitáfio, existente no Museu do
convento de Cristo em Tomar, o seu orgulho em ter participado nesta campanha: “…E
PER MAMDADO DO BIRTUOSO IFANTE DOM ANRRIQUE FOY A CANARIA A
PRIMEIRA BEZ QUE FOY DESCUBERTA EM A QUALL FOY CATIVO HE E O
DITO SENHOR IFANTE HO MANDOU TIRAR…”68. Também sabemos que o Infante
terá mandado religiosos às Canárias. Foi o caso de Frei Diogo Álvares da Cunha, falecido
em 1460, que em epitáfio existente na igreja de S. Francisco da Covilhã declara: “… E
FOY NAS ILHAS DE CANARJA PER MANDADO DO MUJTO HONRRADO
PRJNCJPE E MYTO VJRTUOSO SENHOR HO INFANTE DON ANRJQUE…” 69. Al-
guns, como João de Albuquerque, do conselho do rei, procuraram testemunhar os seus
feitos através da inscrição sepulcral: “… O QUAL EM IDADE DE XVII ANOS FOY
NA JDA DA GRÃ CANREA ONDE SE COMBATEO COM HUU INFANT… DO
REY DA DITA CANAREA E O DESBARATOU E TROUXE PRESO AO ARAYAL,
SOO PER SY.” 70
Também como resultado das diversas expedições e investidas tivemos muitos
escravos, que assumiram uma posição de destaque ma Madeira, mas que também apare-
cem no reino, nomeadamente no Algarve 71.

A DIPLOMACIA RÉGIA E PAPAL

Esta multissecular rivalidade de Portugal e Castela pela partilha do Mundo, para além
do aspecto diplomático e político, corporizados nos diversos tratados, não pode ser disso-
ciada, por um lado, da ideia de respublica cristiana, onde o papado actua com mediador
implacável, e, por outro, da implícita sonegação da opção de partilha do mundo aos
demais reinos europeus, que provocou uma imediata resposta, a partir do século XVI, ser-
vindo-se do corso como arma.
Até ao século XV o Atlântico foi apenas um oceano que interessou aos reinos penin-
sulares mas a partir da era de quinhentos, revelados os grandes mercados e rotas oceâni-
cas, todos os europeus acharam-se no direito de compartilhar a terra, entretanto revelada
por portugueses e castelhanos. Foi somente a partir de então que o oceano passa a ser o
centro de discórdia, gerada pela cobiça.
A questão da partilha, tendo em conta a doutrina tradicional que definia o direito de
posse das terras descobertas, o chamado direito de res nullius 72 bem como os direitos
exclusivos de navegação e comércio, alicerçariam a teoria do mare clausum. Isto é, o mar
oceano, conforme foi sendo revelado, ficou na posse dos seus descobridores. Para Portu-

68. J. M. Silva Marques, Descobrimentos Portugueses , vol. I (suplemento), pp.158-159.


69. J. M. Silva Marques, Descobrimentos Portugueses , vol. I (suplemento), p.270
70. J. M. Silva Marques, Descobrimentos Portugueses , vol. I (suplemento), P.293
71. Confrronte -se ZZur arra,, ob. ccit..,, caaps. IX X, LX XV IIII , LLX IXX; Feernnaando C Cala peez C
Coorrr ea,, C
Coonnttrribbuto de iittaalia nooss ee de caanárrios par a o
de senvolvimennttoo ddee LLaggos ee de Saggrress,, iin Acctas IIIII C Coollóqquuiioo IInte rnaaccional de Hiisstória da Maadde ira, Funchhaal, 1993, pp.. 764-765. Em
1439 Af onnssoo SSimões,, o prriioor de Tavvir a,, erra pprropriieetá riioo de uuma eescrravvaa cannááriia, porr nome Beeatrriz G Gomeiiraa [J. M Silvva M Maar quuees,
D essccobrimeentos Poorrttugguueesess,, vol. IIII , p.550088]].
72
. Veja-se o que diz a este propósito Gaspar Frutuoso (Livro Primeiro das Saudades da Terra , P. Delgada, 1984, p.66):...os
legistas e canonistas têm uma regra que diz: primo accupanti conceditur locus, que quer dizer: o pri mei ro, que ocupa e possui
algum lugar, fica pelo descobrimento das terras, antes de serem dada as conquistas delas. O que primeiro descobria alguma
ficava senhor dela, se queria e podia sustentar sua posse. Até que pelo Santo Padre (como senhor que é supremo e logo-tenente
de Deus na terra, do esperitual e temporal do Universo) foi isto determinado e limitado antre os Reis de Portugal e Castela,..."

13
gal e Castela, estrategicamente posicionados à saída do Atlântico Sul, foi fácil e legitima
a defesa desta opção. Diferente foi, no entanto, a opção dos demais europeus, que parece
terem acordado tarde para a chamada. Aqui, far-se-á valer a teoria do mare clausum pe-
ninsular era um suicídio para as suas aspirações expansionistas. Deste modo ao mare
clausum antepôs-se o mare liberum, isto é aqueles que defendiam ser este um património
comum, legado a todos pelo testamento de Adão. Este confronto de opções gerou um
aceso debate jurídico73, mas também foi causador de afrontamentos violentos, materiali-
74
zados nas actividades de corso .
A respublica cristiana definida pela autoridade papal joga um papel importante. Deste
modo há que ter em atenção, não só as atitudes do papado, através das diversas bulas,
mas também a perda de autoridade provocada pelo cisma do Ocidente e movimento pro-
testante. Esta crise da potesta papal permitiu a que a partilha do mundo fosse legitimada
por situações de facto.
Neste contexto de disputa pelos novos espaços e rotas oceânicas, que são expressão
inúmeros tratados e bulas, a Madeira jogou um papel importante no sentido que foi o
primeiro espaço a entrar na órbita do mercado europeu. As disputas acesas no velho con-
tinente estendem-se à Madeira. A ilha, como primeira jóia do império português é a mais
lidima expressão dessa cobiça que se adivinha, por isso parte das opções portuguesas são
delineadas na Madeira. A partilha do mar oceano teve na Madeira um marco decisivo da
sua expressão.
A disputa pelo mar oceano é anterior à expansão quatrocentista. Tudo começou com a
questão das Canárias, a partir do momento que o papa Clemente VI concedeu a Castela a
posse destas ilhas. A resposta de D. Afonso IV de Portugal dá a entender o empenho
75
lusíada na sua posse e conquista . Esta ideia foi retomada com D. Duarte na década de
setenta da centúria seguinte, conduzindo à negociação do primeiro tratado de partilha do
mundo, que teve lugar em Alcáçovas em 1479.
Até à assinatura deste tratado tivemos um período de activo antagonismo entre os rei-
nos peninsulares, materializado na forma de fronteiras e na disputa pela posse das Caná-
rias. Esta última é expressa por diversas expedições de ambos os lados e de uma hábil
diplomacia junto do papado. O Tratado de Alcáçovas tem o mérito de encerrar, ainda que
temporariamente, esta disputa e de salvaguardar para Portugal a posse exclusiva da Costa
da Guiné. Note-se que nos quatro anos que antecederam a sua assinatura esta área africa-
na esteve sob pressão das incursões da burguesia andaluza. O facto mais significativo do
tratado está em Castela reconhecer de direito a Portugal o exclusivo da navegação e co-
mércio na Guiné. A par disso ele legitima a partilha do mar oceano a partir do paralelo
das Canárias, sendo por isso a consagração internacional do mare clausum português,
como se poderá verificar pela ratificação papal através da bula "aeterni regis clementia"
de 21 de Junho de 1481.
Esta atitude, assumida pelo nosso principal rival e pontificado, vem legitimar a opção
monopolista da coroa portuguesa da navegação para as terras recém-descobertas e ocupa-

73
. Confronte-se Paulo Merea "Os jurisconsultos portugueses e a doutrina do mare clausum" in Novos Estudos de História do
Direito , Barcelos, 1937; Frei Serafim de Freitas, Do justo Império Asiático dos Portugueses, 2 Vols., Lisboa, 1960 (com intro-
dução de Marcelo Caetano); Michel Mollat du Jourdin, L'Europe et la Mer, Paris, 1993, pp.160-162.
74
. Ana Maria Pereira, O essencial sobre o corso e pirataria, Lisboa, 1985.
75
. Veja-se Monumenta Henricina, 14 vols., 1960-1973; Alberto Vieira, "O Infante D. Henrique e o Senhorio de Lanzarote:
implicações políticas, sociais e económicas" in II Jornadas de Lanzarote y Fuerteventura, Vol. I, Arrecife de Lanzarote, 1990.

14
76 77 78
das. As medidas internas, definidas em 1443 , 1446 e 1474 , tiveram o beneplácito do
nosso rival e a ratificação pontifical. Estas eram severas, pois permitiam a pena de morte
aos infractores. Foi isto que sucedeu a Eustache Delafosse, mercador de Tournay, preso a
6 de Janeiro de 1480 na Costa da Guiné. Valeu-lhe a evasão que o evitou de morte cer-
79
ta .
A legitimidade para esta opção ficou definida pelas bulas papais. Em 1418 e 1438 o
papa reconhecera a acção portuguesa na luta contra o infiel, apelando aos cristãos que
80
aderissem a esta cruzada. Já em 1454 o papa Nicolau V reconhece o labor lusitano,
dando-lhe em compensação o domínio exclusivo das navegações, pescarias e comércio
nas ditas terras, em boa hora reveladas. Diz o texto da bula: E esta conquista que vai des-
de o Cabo Bojador e do Cabo não, correndo por toda a Guiné, e passando além dela vai
para a playa meridional, declaramos pelo teor da presente que também tocou e pertenceu
ao mesmo rei D. Afonso, os seus sucessores e ao Infante, com exclusão de quaisquer
outros, e que perpetuamente lhes tocam e cabem por direito". Esta posse é concedida no
temor da "inveja, malícia ou ambição" de "algumas pessoas de outros reinos e nações".
Esta bula foi confirmada por outra de Calixto III em 145681.
Os tratados divisórios de área de influência tiveram implicações directas no arquipéla-
go madeirense. As pazes conseguidas entre Portugal e Castela em 1479 levaram a um
certo apaziguamento dos conflitos no mar. No decurso da década de setenta o temor das
armadas castelhanas havia-se agravado. Assim, em 146982 saíram a repique 600 homens
contra os castelhanos, em 147383 os madeirenses tiveram de enfrentar uma destas arma-
84
das, que regressou em 15 de Agosto de 1479 colocando em perigo a navegação em a
costa da Ilha, onde tomaram barcas e uma caravela do Algarve, carregadas de açúcar,
seguindo-se em Santa Cruz o assalto a duas naus. Este temor dos corsários castelhanos
levou os madeirenses a proporem ao senhor da ilha a necessidade de fortificar o porto do
Funchal, aspiração que só será atendida por D. Manuel, em finais do século.
Esta represália castelhana não deve ser alheia ao empenho dos madeirenses no proces-
so de conquista das Canárias. Desde 1446 que é muito notada a presença de Madeirenses
nas expedições às Canárias com o objectivo de conquista de qualquer das ilhas. Os
Madeirenses são os primeiros a apoiar esta obstinada intenção do Infante D. Henrique85.

76
. Carta régia de 22 de Outubro de 1443 proibindo a navegação além do Bojador sem licença expressa do Infante D. Henri-
que, publicada Descobrimentos Portugueses, Vol. I, p. 435.
77
. Carta régia de 22 de Outubro de 1446 proibindo a navegação às Canárias sem a autorização do Infante, publicado, Ibidem,
p. 445.
78
. Lei de 31 de Agosto de 1474, em que D. Afonso V, condena à pena de morte todos aqueles crimes resultantes da navegação
ou comércio sem licença régia, Ibidem, III, p. 153.
79
. Confronte-se Voyage d'Eustache Delafosse sur la Côte de Guiné au Portugal et en Espagne(1479-1481), ed. de Denis Escu-
dier, Paris, 1992.
80
. Bula de Nicolau V, Romanus pontifex de 8 de Janeiro, publ. J.M. Silva Marques. Ob. cit., Vol. I, pp. 503-535.
81
. Bula inter cetera de 13 de Março de 1456, publicado Ibidem, pp. 535-540.
82
. Arquivo Regional da Madeira, Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal, T.I, fl. 1vº-2vº, Arquivo Histórico da
Madeira , Vol. XV, pp. 47-48.
83
. Arquivo Regional da Madeira, Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal, T.I, fl. 12vº, A Arquivo Histórico da
Madeira, Vol. XV, p. 73.
84
. Arquivo Regional da Madeira, Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal, TI, fl. 14-15, Arquivo Histórico da Madei-
ra , Vol. XV, p. 98.
85
. José Pérez Vidal, Los Portugueses en Canarias, Portuguesismos , Las Palmas, 1991. "O Infante Don Henrique e o senhorio
de Lanzarote: implicações politicas, sociais e económicas", in II Jornadas de História de Lanzarote y Fuerteventura, Arrecife,
1990, T.I, pp. 261-274; Manuel Lobo Cabrera, "As tentativas frustradas para ocupação de uma das ilhas Canárias pelos por-
tugueses", in Portugal no Mundo, vol. I, Lisboa, 1989, pp.150-160.

15
Mas a morte do Infante não quebrou o empenho português pela posse das Canárias,
nomeadamente os madeirenses estavam empenhados em que as mesmas ilhas não esca-
passem à órbita portuguesa. Aí estava um importante mercado de mão-de-obra escrava
necessária para a preparação do solo da ilha a fim de lançarem as sementes86. Certamen-
te que a notícia do tratado de pazes e de abandono definitivo da pretensão portuguesa à
posse das Canárias não foi bem acolhido pelos madeirenses. Estes viam no arquipélago
vizinho um espaço promissor como, na verdade, se veio a confirmar nos anos seguin-
tes87. Note-se que já em 1466 o Infante D. Fernando recomendava aos madeirenses que
abandonassem esse mercado e se virassem para os Açores: "que tam bõo tanto e das
minhas ylhas dos Açores e tam bõo retorno averem e milhor que de Canarias se em elle
quiserem entrar" 88. Mesmo assim eles teimaram nesta aposta e continuaram as suas liga-
ções com estas ilhas, conseguindo salvo-conduto para tal. Era o caso de Nuno Cayado em
1477 89.
A política de monopólio, consignada nas bulas papais e tratados peninsulares, tinha
reflexos práticos no dia a dia da actividade externa da ilha. Em primeiro lugar foram as
medidas limitativas da presença e fixação de estrangeiros no Funchal. Estes até 1489 não
tiveram a vida facilitada, pois só nesta data D. Manuel recomenda que fossem considera-
dos como "naturaes e vizinhos de nossos regnos"90. Nas cortes de 1482, os mercadores da
Madeira e Lisboa levantaram a sua voz contra os mercadores estrangeiros. Foi, na verda-
de, D. Manuel quem promoveu a fixação de estrangeiros na ilha, contrariando a política
xenófoba dos madeirenses. A presença de mercadores castelhanos é uma realidade muito
tardia e apenas se torna notada no final do século XVI com a união das coroas peninsula-
res.
A morte em 1474 de Henrique II de Castela ficou vago o trono, sendo D. Joana a pre-
tendente com ausência de D. Afonso V que a pretendia desposar. Mas os seus intentos
são gorados na Batalha de Toro e D. Joana acolhe-se a um Convento onde vem a falecer
em 1530. Deste enlace não consumado terá nascido um filho que, mantido em maior se-
gredo, foi desterrado para a Madeira. Este seria Gonçalo Fernandes, vizinho do Arco da
Calheta. Com ele ficou reconhecido a Portugal os direitos de posse das ilhas da Madeira e
Açores. Esta indicação poderá estar relacionada com os interesses de Aragão e Castela a
91
reivindicar o domínio religioso da Madeira, através dos franciscanos .
É de notar que esta partilha do mundo a dois teve impacto na sociedade e fundamen-
talmente na Historiografia oficial. Reflexo disso é o que nos testemunha Gaspar Frutuoso
em finais do século XVI: "... e não entendo esta mistura, como neste mar houve dois sen-
hores diversos. Também me faz duvidosa a terra das Antilhas, como, passando por este
mar da navegação Portugal, as mandaram descobrir e povoar e possuem, pacificamente,
os reis de Castela."92.

86
. L. Siemens e L. Barreto, "Los esclavos aborígenes canarios en la isla de la Madeira (1455-1505" in Anuario de Estudios
Atlanti cos, nº 20, 1974, pp. 111-143; Alberto Vieira, Os Escravos no arquipélago de Madeira. Séculos XV a XVII, Funchal,
1991.
87
. Alberto Vieira, O Comércio Inter-Insular nos séculos XV e XVI , Funchal, 1986.
88
. Arquivo Regional da Madeira, Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal , T.I, fls. 226-229v , Arquivo Histórico da
Madeira , XVI, 36-40.
89
. Eduardo Aznar, Documentos Canarios en el registro del Selo (1476-1511 ), La Laguna, 1981, nº 458.
90
. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Gavetas , XV-5-8, Évora, 22.DEZ.1489.
91
. Confronte-se Monumenta Henricina, vol. III, 1961, pp.14-17, 49-56
92
. Livro primeiro das Saudades da Terra , Ponta Delgada, 1984, p.65.

16
DA CONQUISTA AO POVOAMENTO E COMÉRCIO

A mobilidade social é uma característica da sociedade insular. O fenómeno da ocupação


atlântica lançou as bases da sociedade e a emigração ramificou-a e projectou-a além
Atlântico. As ilhas foram assim, num primeiro momento, pólos de atracção, passando
depois a actuar como áreas centrífugas. A novidade aliada à forma como se processou o
povoamento activou o primeiro movimento. A desilusão associada às escassas e limitadas
possibilidades económicas e a cobiça por novas e prometedoras terras, estão na origem do
segundo movimento.
Nesta diáspora atlântica, iniciada na Madeira, é de referenciar o caso da emigração
inter-insular dos arquipélagos do Mediterrâneo Atlântico. As ilhas, pela proximidade e
forma similar de vida, aliadas às necessidades crescentes de contactos comerciais, exerce-
ram também uma forte atracção entre si. Madeirenses, açorianos e canários não ignora-
vam a condição de insulares e, por isso mesmo, sentiram necessidade do estreitamento
destes contactos. Um dos aspectos reveladores das conexões madeirenses e açorianas foi
o relacionamento com as Canárias.
Para Perez Vidal93 a presença portuguesa no arquipélago resultou da sua interven-
ção em dois momentos decisivos: um primeiro, demarcado pelas acções da coroa e do
infante D. Henrique, nos séculos XIV e XV que terá o seu epílogo em 1497 com o tratado
de Alcáçovas; o segundo, de iniciativa particular, abrangendo os séculos XVI e XVIII,
em que os impulsos individuais se sobrepõem à iniciativa oficial. Este último foi o mo-
mento de expressão plena da presença lusíada e do seu paulatino definhar em face da
Restauração da monarquia portuguesa e da guerra de fronteiras mantida até 1665. A ques-
tão ou disputa pela posse das ilhas Canárias foi o prelúdio de novos confrontos com o
objectivo de monopólio das navegações atlânticas. O inicial afrontamento foi entre Por-
tugal e Castela, tendo como palco as ilhas Canárias. Esta disputa começou em meados do
século catorze mas só na centúria seguinte por iniciativa do infante D. Henrique teve a
sua maior expressão.
A expedição de Jean de Betencourt em 1402 marca o início da conquista das Canárias
enquanto a sua subordinação à soberania da coroa castelhana e o reconhecimento em
1421 pelo papado desta nova situação fez reacender a polémica do século XIV. Ao infan-
te português restavam apenas duas possibilidades: a solução diplomática, fazendo valer
os seus direitos junto do papado e o recurso a uma intervenção bélica, legitimada pelo
espírito de cruzada que a ela se pretendia associar. Desta última situação resultaram as
expedições de D. Fernando de Castro (1424 e 1440) e de António Gonçalves da Câmara
(1427). Mas em todas as frentes as conquistas foram efémeras e de pouco valeu, por
exemplo, a compra em 1446 da ilha de Lanzarote a Maciot de Bettencourt, por 20.000
reais brancos ao ano e regalias na ilha da Madeira. Disso apenas resultou a ramificação
desta importante família à Madeira e, depois, aos Açores. O litígio encerra-se em 1480
com a assinatura de um tratado em Toledo. Desde então a coroa portuguesa abandona a
sua reivindicação pela posse dessas ilhas com garantias de que a burguesia andaluza não
se intrometerá no trato da Guiné.

93. Los portugueses en Canarias. Portuguesismos, Las Palmas de Gran Canaria, 1991

17
Esta corrente migratória resultante do descontentamento gerado em face da conquista
e ocupação do arquipélago canário iniciara-se já por volta de meados do século XV, sen-
do seu arauto Maciot de Bettencourt. O sobrinho do primeiro conquistador das Canárias,
amargurado com o evoluir do processo e em litígio com os interesses da burguesia de
Sevilha, cedeu o direito do senhorio de Lanzarote ao infante D. Henrique mediante avul-
tada soma de dinheiro, de fazendas e regalias na Madeira. Iniciava-se assim uma nova
vida para esta família de origem normanda que das Canárias passa à Madeira e aos Aço-
res, relacionando-se aí com a principal nobreza da terra, o que lhe valeu uma lugar de
relevo nas sociedades madeirense e micaelense do século XV.
Acompanharam o desterro de Maciot de Bettencourt a sua filha Maria e os sobrinhos e
netos Henrique e Gaspar. Todos eles conseguiram uma posição de prestígio e avultadas
fazendas mercê do relacionamento matrimonial com as principais famílias da Madeira. D.
Maria Bettencourt, por exemplo, casou com Rui Gonçalves da Câmara, filho segundo do
capitão do donatário do Funchal e futuro capitão do donatário da ilha de S. Miguel. João
de Bettencourt fixou-se na Banda de Além, na Ribeira Brava, e aí instituiu morgado que
esteve na origem de uma das mais importantes famílias da ilha que se evidenciou faça-
nhas marroquinas e orientais94. Em 1524, com sua mulher Isabel Fernandes, fundou a
capela de Nossa Senhora da Apresentação. Um João de Bettencourt foi capitão de Mala-
bar95.
Se à componente política se deverá conceder o mérito de abertura e incentivo das
conexões humanas, ao económico ficou a missão de reforçar e sedimentar este relacio-
namento. Desta forma os contactos comerciais surgem em simultâneo como consequên-
cia e causa das migrações humanas. Todavia tal intercâmbio só adquiriu a plenitude no
século XVI, incidindo preferencialmente no comércio de cereais dos mercados de Tene-
rife, Fuerteventura e Lanzarote. A proximidade da Madeira ao arquipélago canário e o
rápido surto do povoamento e valorização sócio-económica do solo orientaram as aten-
ções do madeirense para esta promissora terra. Assim, decorridos apenas vinte e seis anos
após a ocupação do solo madeirense, embrenharam-se na controversa disputa pela posse
das Canárias ao serviço do infante, em 1446 e 1451.
A presença madeirense na empresa de Canárias conduziu a uma maior aproxima-
ção dos dois arquipélagos ao mesmo tempo que influenciou o traçado de vias de contacto
e comércio entre os dois arquipélagos. Pela Madeira tivemos, primeiro, o saque fácil de
mão-de-obra escrava para a safra do açúcar e, depois, o recurso ao cereal e à carne,
necessários à dieta alimentar do madeirense 96. Pelas Canárias foi o recurso à Madeira
com o porto de abrigo das gentes molestadas com a conturbada situação que aí se viveu
no século XV. Em 1476 com a conquista levada a cabo por Diogo de Herrera, muitos dos
descontentes com a nova ordem emigraram para a Madeira ou Castela. De entre eles
podemos referenciar Pedro e Juan Aday, Juan de Barros, Francisco Garcia, Bartolomé
Heveto e Juan Bernal97.

94. FRUTUOSO, G.: Saudades da Terra, L.° II, Ponta Delgada, 1968, pp. 227, 274; LEITE, J. DIAS: Descobrimento da ilha da
Madeira..., Coimbra, 1947, pp. 39-41 e 72: DRUMOND, J. P DE FREITAS: Documentos historicos a geógraphicos sobre a ilha da
Madeira, ms. da Biblioteca Municipal do Funchal, fols. 9-1l v.°; GONÇALVES, E.: Os homens-bons do concelho do Funchal em
1471, in Das Artes a da História da Madeira , Vol. V, num. 4, pp. 8 e 74.
95. SILVA, F. Augusto da: Elucidário Madeirense, Vol. I, pp. 136-139.
96. Veja-se SIEMENS, L., e, BARRETO, L.: Los esclavos aborigenes canarios en la isla de la Madera (1455-1505), in Anuario de
Estudios Atlánticos, núm. 20, 1974, pp. 111-143 e o nosso estudo «O comércio de cereais das Canárias para a Madeira nos séculos
XVI a XVII», in VI Coloquio de Hístoria Canario Americana (1984), Las Palmas, 1988.
97. SARMENTO, A. Artur, Madeira & Canárias, in Fasquias a Ripas da Madeira, Funchal, 1931, p. 20.

18
A corrente migratória resultante do descontentamento gerado em face da conquis-
ta e ocupação do arquipélago canário iniciara-se já por volta de meados do século XV,
sendo seu arauto Maciot de Bettencourt. O sobrinho do primeiro conquistador das Caná-
rias, amargurado com o evoluir do processo e em litígio com os interesses da burguesia
de Sevilha, cedeu o direito do senhorio de Lanzarote ao infante D. Henrique mediante
avultada soma de dinheiro, de fazendas e regalias na Madeira 98. Iniciava-se assim uma
nova vida para esta família de origem normanda que das Canárias passa à Madeira e aos
Açores, relacionando-se aí com a principal nobreza da terra, o que lhe valeu uma lugar de
relevo nas sociedades madeirense e micaelense do século XV99. Acompanharam o dester-
ro de Maciot de Bettencourt a sua filha Maria e os sobrinhos e netos Henrique e Gaspar.
Todos eles conseguiram uma posição de prestígio e avultadas fazendas mercê do relacio-
namento matrimonial com as principais famílias da Madeira. D. Maria Bettencourt, por
exemplo, casou com Rui Gonçalves da Câmara, filho segundo do capitão do donatário do
Funchal e futuro capitão do donatário da ilha de S. Miguel.
A compra em 1474 por Rui Gonçalves da Câmara da capitania da ilha de S. Miguel
implicou a ramificação da família aos Açores. Com D. Maria Bettencourt seguiu para Vi-
la Franca o seu sobrinho Gaspar, que mais tarde viria a encabeçar o morgado da tia em S.
Miguel, avaliado em 2.000 cruzados100.

BETHENCOURT

CANÁRIAS

JEAN DE BETHENCOURT

MADEIRA

MACIOT DE BETHENCOURT

AÇORES

MARIA DE BETHENCOURT

BASPARD DE BETHENCOURT

BRASIL

FRANCISCO BETENOURT E SAA

98. FR RUT
UTUOS OSO G.: Saudades da Ter
O,, G. erra, L.."" I, a, 1966, 699;; Ibidd.,., L.
I, Poonnttaa D elgadda, L.° IV,
V, V ol. I I, Poonnttaa D elga da,
a, 1981, pág ág. 263; DIA IAS,S,
J LLeiitte: D essccobrimeento da iilha daa M Madeirraa....., Coimbr a, 1947, ppáág. 3322;; M Monumeenta Heenriciinnaa,, V ol. IX , num. 117744,, pp. 273-275.
99. FFRUTTU UOSSO,, G..:: SSaauuddaadde s da Teerra., L.°° IV V, VVol. II, Poonntaa DDellgga da, 119977, pp. 103-111133; SI LV A,, F A AUG GU STO da,,: B Bettteencoouur t,
inn EEluuccidário Maade irense , Vol. II, Func haal, 1984, 138-139; N OR ROONH HAA, H HEENR RIQQUEESS de.. N obiliário ggenneealógicoo ddaass ffaam míliiaass qquuee
passaram a viive r essta ilha dda M Madeiirraa...., V
Vol. II, S.. Pa uloo,, 19477,, 51-74; N Nobbiilliario de Canarias, Tomo 1, La Laaguna,, 1995522, pppp. 55995--
600; D E LA AR ROOSA A O LIIV EIIRA A, L.: Los Betttennccourrtt een Laas C Caanarria s y en A Amérricaa, inn AAnuario de EEssttuuddiiooss AAttllánntticos,, nnúm. 2, 1956,
pp. 130-135.
100. Vej eja -se FRU CTUOS OSO, O, G..:: SSaauuddad
adess ddaa Tererra, L..°° IV
IV , Vol.. II
II,, Po
Ponnttaa Del
elgadda,a, 19811,, pp
pp. 261-272.

19
Se esta primeira vaga migratória traçou o rumo e destino madeirense, a expedição
pacificadora de D. Agustin Herrera, conde de Lanzarote, em 1582, sedimentou e estreitou
os contactos entre a Madeira e Lanzarote101. O próprio conde de Lanzarote, na curta esta-
dia na ilha, foi um dos arautos deste relacionamento, pois ligou-se aos Acciaiolis, impor-
tante casa de mercadores e terra tenentes florentinos, fixada na ilha desde 1515102. As
suas hostes seguiram-lhe o exemplo, tendo muitos dos trezentos homens do presídio cria-
do família na ilha 103. No período de 1580 a 1600 os espanhóis surgem em primeiro lugar
na imigração madeirense104. O descerco em 1640 trouxe consigo consequências funestas
para tal relacionamento. Assim os madeirenses residentes em Lanzarote foram alvo de
represálias, sendo de referir o confisco dos bens do filho varão de Simão Acciaioli que
casara com a filha do Conde de Lanzarote105.
Nas Canárias o impacto lusíada evidenciou-se muito cedo, sendo a Madeira um dos
principais eixos do movimento. A presença alargou-se às ilhas de La Palma, Lanzarote,
Tenerife e Gran Canaria. Os portugueses assumiram um lugar de relevo, situando-se entre
os principais obreiros da valorização económica das ilhas. Eles foram exímios agriculto-
res, pescadores, pedreiros, sapateiros, mareantes, deixando marcas indeléveis da portuga-
lidade na sociedade canária 106. Uma vez que os contactos entre a Madeira e as Canárias
foram mais frequentes é natural a presença de uma importante comunidade madeirense
nesse arquipélago, com principal relevo para as ilhas de Lanzarote, Tenerife e Gran
Canaria. Aí foram agentes destacados do comércio e transporte entre os dois arquipélagos
ou artífices, nomeadamente sapateiros. Os açorianos, maioritariamente das ilhas Terceira
e S. Miguel, surgem em menor número e preferentemente ligados à faina agrícola.
A tradição bélica e aventureira de alguns madeirenses levou-os a participar acti-
vamente nas campanhas de conquista de Tenerife, recebendo por isso, como recompensa,
inúmeras dadas de terra. Daí resultou a forte presença lusíada nesta ilha, onde em algu-
mas localidades, como Icode e Daute, surgem como o grupo maioritário. Aliás Granadilla
foi fundada por Gonzalo Gonzalez Zarco, da família de João Gonçalves Zarco, capitão do
donatário do Funchal. A prova mais evidente da importância da comunidade lusíada na
ilha está documentada nos "acuerdos del cabildo de Tenerife" onde foram sempre refe-
renciados em segundo lugar. O mesmo se poderá dizer para a ilha de La Palma onde os
portugueses marcaram bem forte a sua presença, tendo a testemunhá-lo a existência de
alguns registos paroquiais feitos em português. Entretanto em Lanzarote o forte impacto
madeirense está comprovado pelas inúmeras referências da documentação e pelo teste-
munho de Vieira y Clavijo de que a Madeira era familiar para os lanzarotenhos que era aí
conhecida como a ilha.
A comunidade portuguesa em Canárias propiciou inúmeras influências, hoje ainda
visíveis nas aportações linguísticas e etnográficas. Os portuguesismos são uma constante

101. BO NNE NET,, S.


S.: Laa exxpe
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50-63.
103. SAR ARMENTTO, O, A..AR
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105. SA AR M E N T O , A
T O .A. A RT U R Ennssaaiiooss hhiissttóóricoss da miinhaa tteerra, vooll. II , ppp..5--6
R :
106. Confro ronte -se es
estudos de Al Alber to Viiei eirara ee Manuell LLob obo Cabbrerera
ra nnaa Bibliog ogr afi
fia..

20
na nomenclatura dos ofícios, utensílios e produtos a que estiveram ligados: açúcar, vinho,
pesca, construção civil e fabrico de calçado. No inverso também temos alguns testemu-
nhos da presença dos aborígenes de Canárias na Madeira e Açores. A presença como
escravos ou os assíduos contactos entre as ilhas favoreceram esta influência. Na ilha de S.
Miguel, não obstante estarem testemunhados apenas dois guanches – um pastor e outro
mestre de engenho – – a sua presença deixou rastro na toponímia com o pico e lagoa do
canário. Na Madeira as evidências da presença dos guanches são denunciadas pela docu-
mentação e na sobrevivência na alimentação do gofio, que ficou conhecido no Porto San-
to como “gofe”.
Os contactos entre as ilhas dos dois arquipélagos não assumiram a dimensão das
situações supracitadas. Aqui as migrações são mais evidentes no sentido dos Açores para
Canárias. Os emigrantes açorianos, oriundos na sua maioria da Terceira e S. Miguel,
fixam-se nas ilhas de Gran Canaria, Lanzarote e Tenerife. Nesta última ilha estão asso-
ciados à introdução do pastel.
O movimento das populações é concomitante com o movimento de trocas comer-
ciais, sendo evidentes as inter-relações. Os produtos da terra são o principal móbil do
processo. O vinho e os cereais estão na origem deste movimento nos dois sentidos. A
referência mais antiga reporta-se ao fretamento em 1511 de uma embarcação para condu-
zir ao Faial 1000 fanegas de cevada. Mas durante a primeira metade do século XVI o
cereal foi o principal produto que os açorianos conduziram às Canárias em troca de
vinho, que surge com alguma frequência na Terceira. Os Açores contribuíram no século
XVII para o abastecimento de cereais às Canárias. Os primeiros registos conhecidos refe-
rem a exportação 1716 moios de cereal entre 1620 e 1640. A isto sucede-se um intervalo
marcado pelas guerras de independência, sendo o movimento retomado a partir de 1669.
Daqui até ao final da centúria assinalam-se 4693 moios de trigo107. Ao invés a Madeira
assumiu-se como um importante consumidor do cereal oriundo das Canárias, nomeada-
mente das ilhas de Lanzarote e Fuerteventura108.

ABERTURA Do PREÇO DO TRIGO EM VEREAÇÃO (em moios)


ORIGEM SÉCULO SÉCULO TOTAL
XVI XVII
CANÁRIAS 5030 1600 6630
(em geral)
LANZAROTE 2452,5 14838,5 17291
FUERTEVENTURA 6 2680 1686
TENERIFE 1170 1170
TOTAL 8658,5 19118,5

107 . Veja-se: GIL, Maria Olímpia de Rocha, O Arquipélago dos Açores no século XVII. Aspectos sócio-económicos (1575-1675),
Castelo Branco, 1979; LOBO CABRERA. Manuel, com Elisa Torres Santana), "Aproximación a las relaciones entre Canarias y Azo-
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108 . VIEIRA, Alberto, O comércio de Cereais das Canárias para a Madeira nos séculos XVI e XVII, in VI Colóquio de História
Canário – Americana, Las Palmas, 1984, t. I, pp.327-351, IDEM, Madeira e Lanzarote, comércio de escravos e cereais no século
XVII, in IV Jornadas de História de Lanzarote e Fuerteventura, vol. I, Puerto del Rosário, 1995.

21
FONTE: Vereações da câmara do Funchal: auto de abertura do preço109.

O cereal das Canárias representava uma fatia importante dos abastecimentos ne-
cessários à cidade do Funchal. Assim, para o período de 1510 a 1640, as mesmas actas da
câmara do Funchal assim o denunciam:

ABERTURA Do PREÇO DO TRIGO EM VEREAÇÃO (em moios)

AÇORES 108.000
CANÁRIAS 27.777,5
EUROPA 54.967,5
OUTROS 5.302,5
FONTE: Vereações da câmara do Funchal: auto de abertura do preço110.

O período da União das duas coroas deverá ter contribuído para o reforço destas
relações e ao estabelecimento de uma rede de negócios que tinha vértices em S. Miguel,
Tenerife e Inglaterra. Dentro deste contexto o Porto de Ponta Delgada revela alguma vita-
lidade neste relacionamento surgindo, para o período de 1620 a 1676, trinta e uma
embarcações chegadas das Canárias contra vinte e oito que partiram rumo a este arquipé-
lago111.
Nos séculos XVIII e XIX o movimento comercial das ilhas atlânticas assentava
nas trocas em torno do vinho tendo como destino preferencial o mercado norte-
americano. Aqui a tendência foi para a desvalorização das ligações inter-insulares em
favor das intercontinentais, fazendo com que o movimento interno inter-arquipélagos se
tornasse cada vez mais esporádico.

CONCLUSÃO

Para os portugueses a perda das Canárias abriu um flanco que viria a pôr em causa a ideia
de “maré clausum” português. O infante D. Henrique e os monarcas pagaram caro esta
perda, cuja disputa se jogou tanto junto da diplomacia papal, como no campo de batalha.
Não obstante o senhorio insistir nos anos sessenta no corte do relacionamento e conse-
quente comércio o certo é que os madeirenses e açorianos lhe fizeram caso. Assim a dis-
puta pela posse das Canárias foi o motivo que deu início ao estreitamento de relações
comerciais entre os arquipélagos atlânticos. Sem dúvida que está aqui a maior vitória des-
ta peleja, que originou a complicada trama de relações inter-insulares, que marcaram rea-
lidade económica marcante nos séculos XV e XVI.

109 . COSTA, José Pereira da Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século XV, Funchal, CEHA, 1995. IDEM, Verea-
ções da Câmara Municipal do Funchal. Primeira Metade do Século XVI, Funchal, CEHA, 1998.
110 . COSTA, José Pereira da Costa, Vereações da Câmara Municipal do Funchal. Século XV, Funchal, CEHA, 1995. IDEM, Verea-
ções da Câmara Municipal do Funchal. Primeira Metade do Século XVI, Funchal, CEHA, 1998.
111. Confro ronte -se , GI
GI L,, M
Mar
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O Por to de Pon
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gueses. Documentos para a sua História. I, pp-86-90

1435
Alegações de D. Afonso de Cartagena, Bispo de Burgos, contra a conquista das Canárias
pelos portugueses
Publ. MARQUES, João Martins da Silva (publ. e prefácio de), Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História I pp. 291-346

1436.Julho.31
Bula “dudum cumad nos” de Eugénio IV. D. Duarte

28
Publ. MARQUES, João Martins da Silva (publ. e prefácio de), Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História. I, pp. 350-351

1439.Abril.28
Carta de perdão a Beatriz Gomeira, canária, escrava de Afonso Simões, prior de Tavira,
que havia sido acusada de furto.
Publ. MARQUES, João Martins da Silva (publ. e prefácio de), Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História I, (Supl.) pp. 508

1441.Abril.23
Carta de comutação de pena de degredo para Ceuta a Lopo Martins, escudeiro, que mili-
tara na conquista de Ceuta e na expedição às Canárias, comandada por D. Fernando de
Castro
Publ. MARQUES, João Martins da Silva (publ. e prefácio de), Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História I, (Supl.) pp. 137-138

1444.Junho.9
Carta de privilégio de vassalo aposentado concedida a João Preto, vassalo do Rei, em
atenção aos serviços na Tomada e descerco de Ceuta, expedição às Canárias, não obstan-
te os seus setenta anos de idade.
Publ. MARQUES, João Martins da Silva (publ. e prefácio de), Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História I, (Supl.) pp. 143

1445.Março.29
Carta de perdão a Nuno Fernandes, do degredo em que fora condenado, em atenção ao ter
servido na tomada e descerco de Ceuta e na expedição às Canárias.
Publ. MARQUES, João Martins da Silva (publ. e prefácio de), Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História. I, (Supl.) pp. 149-150

1446.Fevereiro.3
Carta de privilégio e defesa de irem navios portugueses às ilhas Canárias sem ordem e
licença do Infante D. Henrique
Publ. D MARQUES, João Martins da Silva (publ. e prefácio de), Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História. I, pp. 445-446

1452.Janeiro.2
Privilégio de vassalo aposentado, concedido a Vasco Afonso, que serviu na tomada de
Ceuta e expedição às Canárias.
Publ. MARQUES, João Martins da Silva (publ. e prefácio de), Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História, I, (Supl.) pp. 158-159

1479.Setembro.4
Tratado de Pazes perpétuas entre o rei de Portugal e os Reis de Castela e Aragão. Ratifi-
cação do Tratado de Toledo de 6 de Março de 1480.
Publ. MARQUES, João Martins da Silva (publ. e prefácio de), Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História, III, pp. 181-209

29
1480.Março.6
Ratificação pelos reis de Castela do Tratado de Alcáçovas.
Publ. MARQUES, João Martins da Silva (publ. e prefácio de), Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História, III, pp. 210-211

1481.Junho.21
Bula “Aeterni Regis Clementia” de Xisto IV confirmando as bulas de Nicolau V, Calisto
III e o Tratado de Alcáçovas.
Publ. MARQUES, João Martins da Silva (publ. e prefácio de), Descobrimentos Portu-
gueses. Documentos para a sua História, III, pp. 222-238

DOCUMENTOS

Doc. 1

1345- FEVEREIRO-12: Carta D’el-rei D. Afonso IV ao Papa Clemente VI.


Publ. J. M. Silva Marques, Descobrimentos Portugueses, vol. I, pp.86-90.

Ao Santíssimo Padre a Senhor Clemente, pela graça de Deus Sumo Pontífice da Sacros-
santa Igreja Católica Afonso, rei de Portugal a do Algarve, seu humilde a devoto filho,
com a devida reverência devotadamente beija os bem-aventurados pés. Aquele que sobre
uma pedra angular fundou a sua Igreja quis que ela, pelos tempos adiante, fôsse governa-
da pelos seus sucessores de maneira que, regulada em tudo por conta pêso a medida, fi-
zesse repetidos e salutares progressos; e que a fé cristã, continuamente dilatada corn o
aurnento dos fiéis e o abatimento da perfídia pagã, dominasse totalmente. Por isso vós,
como dïgníssimo sucessor do Senhor e a quern foi cometida toda a solicitude e vigiláncia
do rebanho cristão, tratais, não só de o defender da bôca dos lobos, mas também de o au-
mentar: é o que entendemos na carta que Vossa Santidade nos dirigiu e em que nos diz
que, para exterminar as cepas ruins da seita infiel que sem nenhum proveito ocupam toda
a terra das Ilhas da Fortuna, e para plantar em vez delas as dilectas vinhas do Senhor,
Vossa Santidade criou Principe a D. Luiz nosso parentes. Em resposta à qual carta nós
temos por bem mostrar, respeitosamente e pela devida ordem, que foram os nossos natu-
rais quem primeiro descobriu aquelas ilhas.
Corn efeito, vendo nós que as mencionadas ilhas estavam mais perto de nós que
de nenhum outro principe, e que éramos nós quern mais facilmente as podia subjugar,
demos a êste caso a nossa atenção; e desejando pôr em efeito este cuidado, mandámos
gentes nossas corn alguns navios para explorarem as condições daquela terra, as quais
tendo chegado às ditas ilhas, tomaram pela força assim homens como animais e outras
coisas que, corn grande alvoroço, trouxeram a nossos reinos. Quando, porém, quisemos
mander a nossa armada corn grossa multidão de peões e homers de armas para conquistar
aquelas ilhas, foi este nosso propósito impedido pela guerra que sobreveio, primeiro entre
nós e o rei de Castela, e logo entre nós a os reis sarracenos. Temos a certeza de que todos
estes factos por serem notórios, chegaram ao conhecimento de Vossa Santidade, sendo

30
certo ainda que, segundo colhemos da relação escrita do dito D. Luiz, os embaixadores
que há pouco tempo enviámos a Vossa Santidade, pesando tudo isto; entenderam, e corn
razão, que nós sofreríamos agravo corn a provisão e adjudicação das referidas ilhas feita
por vós ao mesmo D. Luiz. E assim o fizeram chegar aos vossos ouvidos, ponderando
que, tanto pela nossa vizinhança corn aquelas ilhas, como pela facilidade a oportunidade
qua nós temos, mais que ninguém, de as conquistar, e ainda por termos nós já começado
com felicidade esta emprêsa, deveríamos ser, primeiro que quaisquer outros, convidados
por Vossa Santidade para lhe dar louvável conclusão; ou pelo menos que, como a razão
pedia, Vossa Santidade no-lo deveria fazer saber.
Nós, porém, apesar do que fica dito, desejando seguir no rasto doe nossos ante-
cessores, que procuraram sempre obedecer aos mandamentos apostólicos, conformamos
em tudo a nossa vontade ao vosso desejo a disposição acima referidos; o que fazemos em
reverência a vós e à Santidade Apostólica, e sobretudo por haverdes escolhido para prín-
cipe daquelas ilhas o nobre e prudente varão D. Luiz nosso parente, o qual, com a ajuda
da graça divina, e dando Vossa Clemência e a Sé Apostólica as mãos a esta obra tão
grande a tão pia, se mostrará tão zeloso obreiro e cultor da vinha do Senhor Sabaoth, ou
seja da igreja de Deus, que com o seu ministério haverão de aumentar o decoro e a glória
da Cristandade.
E quanto ao que Vossa Piedade nos roga, e sobre que mais especialmente nos
exorta em nome do Senhor, e vem a ser que pela reverência devida a Deus e à Sé Apostó-
lica, e em zelo da mesma fé, tenhamos por muito recomendados o referido negócio e o
dito D. Luiz, e lhes prestemos todo o auxílio que em nós couber de maneira que pelo
menos o dito D. Luiz possa tirar livremente e levar de nossos reinos e terras para aquela
empresa navios, gente de armas, mantimentos e outras coisas para ela necessárias, tudo
isto, porém à sua custa e pelos seus justos valores, afiançamos a Vossa Benigna Clemên-
cia que temos como recomendados, no sentido indicado, tanto o príncipe como o negócio,
e que, se nos fosse possível, lhes daríamos auxílio e favor. Mas quem é que pode dar
aquilo que não tem ? Quem é que tendo os seus cordeiros com sede deixa correr partes
para uso dos outros vizinhos a água nascida nos seus prédios? Pois não deve começar por
nós a caridade barn ordenada? E não é também verdade, Pai Espiritual, que ainda há pou-
co tempo por intermédio dos nossos embaixadores, expusemos à vossa Beatitude as
necessidades em que somos postos pela defesa e dilatação da fé cristã, por virtude das
quais suplicámos à Apostólica Santidade que se dignasse de auxiliar-nos concedendo-nos
pia e paternalmente o dízimo das igrejas de nossos reinos para acudirmos às referidas
necessidades? E sendo assim, quem é que obrigaria um rei a pedir se não tivesse necessi-
dade? Queira, pois, vossa Santidade dar-nos por escusados neste ponto em que a mesma
impossibilidade nos escusa: Navios e gente de armas, ainda que muitos mais tivessemos
do que temos, de nenhum modo os poderíamos dispensar e mandar em auxílio de outrem,
porquanto são absolutamente necessários a nós e a nossos reinos, em virtude da guerre
que temos, e entendemos de continuar contra os agarenos, nossos vizinhos pérfidos e
poderosos. Quanto, porém, a lever livremente de nossos reinos a terras mantimentos a
outras coisas necessárias à referida emprêsa, como dito é, pela reverência que devemos a
Deus, a vossa Santidade e à Sé Apostólica, e por consideração para com o sobredito Prin-
cipe nosso parente, dar-lhe-emos nisso todo o favor e ajuda que em nós couber, com tanto
que se possa fazer sem inconveniente para os nossos reinos e seus habitantes. O Altíssi-

31
mo guarda a vossa Santidade por longos anos. Dada no castelo de Montemór-o-Novo a
12 de Fevereiro.

Doc. 2 112

1370-JUNHO-29: Carta de D. João I, confirmando a Lopo Afonso da Franca, filho de


Lançarote da Franca, as mercês feitas por D. Fernando a seu pai, que se transcreve.
Publ.: Fortunato de Almeida, História de Portugal, vol. III, Lisboa, s.d., pp.88-90

Dom joham, per graça de Deus Rey de purtugall a algarve. A quantos esta carta vyrem
fazemos saber que lopo affonso daframqua, cavalleyro noso vassalo almyrante das gallés
mostrou perante nos duas cartas delrey noso yrmão cuia alma Deus aia scriptas em pur-
gamynho asignadas per sua maão a aselladas dos seus seellos de chumbo pendentes col-
gados per fio de sirgo E o theor de verbo ad verbum de cad hũa tall he:

Dom Fernando pera graça de Deus rrey de purtugall e dalgarve A quantos esta carta
vyrem fazemos saber que nos querendo fazer graça a mercee a llansarote daframqua
almyrante noso vassalo per muytos seruyços que ataaquy Recebemos delle a entendemos
de rreceber ao dyante E avendo delle nos as yllas que trobou a nos gaanou que som no
mar do cabo nom as quães nom som pobradas porque dellas nom teemos feyto mercee a
pessoa que as aia de pobrar a gouuir de nosa muy livre a pura vontade a de nosa ciencia
certa daamos e doamos a outorgamos a fazemos pure a pura doacção antre uiuos per
sempre valledeyra ao dicto llansarote noso almirante pera ssy epera todos seus erdeyros a
successores das duas yllas primas que trobou de nosa senora aframqua 113 a de Gumeyra
com todas sas terras e rremdas que tenam a ajam de teer a direitos a perteenças E com
todas sas orillas a entradas a saidas a montes a fontes a rryos e rybeiros a portos a maar a
caça a piscaryas a com todallas outras cousas que aas dictas yllas perteencem a posam
perteêcer E direitos reaaes a corporaaes a tam cumpridamente como os nos devyamos
daver a assy como ell os myllor puder daver e mais cumpridamente E com toda jurdiçam
crrime a cyvel mero e mysto Imperio a subjeçam assy nas pessoas como nos beés afora
apelaçam do crrime que Resalvamos pera nos que mandaamos que venha as nosa Corte E
mandaamos os que forem mooradores das dictas yllas que lle receedam com todollos
direitos a rremdas a foros a perteenças que ao dyante se collerem em rezõ de ssua pobra-
çam pella guisa que Recudiram a nos sse sse collessem per nos E damollos a somettemol-
los por subjectos é todo a per todo ao dicto llansarote daframqua a todollos sos erdeyros a
successores per todo sempre como a sus senores ca queeremos a outorgamos que ell faça
a possa fazer dãquy ao dyante das dictas yllas como da sa propria posiçam esguardando
sempre os nosos direytos reaaes a da nosa coroa E ell per ssy a como a myllor poder
daver a per sa propria autoridade tome a posa tomar a posse das dictas yllas a perteéças

112 . Os documentos são considerados apócrifos. Veja-se os comentários de Fortunato de Almeida [História de Portugal, vol. III,
pp.85-108] e Charles Verlinden [La découverte des archipels de la ‘Meditérranée-Atlantique’ (Canaries, Madère et Açores) et la navi-
gation astronomique primitive, Revista Portuguesa de História, vol. XVI, 1976,] a crítica interna feita por Elias Ser ra Ráfols [Lança-
rotto Malocello en Canarias, in Resumo de comunicações ao Congresso Internacional de História dos Descobrimentos, Lisboa, 1960,
p.70] e Luís de ALBUQUERQUE [Introdução à História dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, Publicações Europa-América,
1989, pp.94-101.]
113 . À margem em outra letra: dicta Lançarote

32
dellas como dicto he e a avrey per fyrme stavil a valledeyra a que nom posam contrello
nem rrey né principe né bispo nê rriquo homé né infançom né alcayde né capitam né
cavalleyro de terra né marreantes E mandaamos que esta doacçam seia como dicto he val-
ledeyra a stavil nom embargoando todallas leys a degreedos e degrataães a constituyçoés
e costumes e glosas e openyões e outras quaaesquer cousas que seiam cõtra esta dooaçam
ou a cõtradigam porquanto nos quereemos a mandaamos que ne aiam e ella ne a posam
epecer Ca nos de nosa ciencia e poder assoluto que avemos a quereemos que esta dooa-
çam seia valledeyra per todoo sempre e guaardada pera guisa que dicto he E é teestemu-
nho desto lle mandaamos daar ao dicto llamsarote dafrarnqua noso almyrante esta nossa
caarta signada per nosa rnaão E asscellada do noso scello do chumbo Dante é sanctarem
XXIX dias de junjo elrrey o maãdou per uasco uicéte bacharel é leys a fez era de jiiijc e
oyto anos.

Doc. 3114

1385-Novembro-8: Carta de D. João I, confirmando a Lopo Afonso da Franca, filho de


Lançarote da Franca, as mercês feitas por D. Fernando a seu pai.Tem inserta a carta de D.
Fernando de 7 de Julho de 1376 em que se afirma não ter sido possível tomar posse das
ilhas por oposição dos indígenas e castelhanos, recebendo em compensação o monopólio
das saboarias pretas de Tavira, Castro Marim, Alcoutim e aldeia de Martin Longo.
Publ.: Fortunato de Almeida, História de Portugal, vol. III, Lisboa, s.d., pp.90-91

Dom Fernando etc. a quantos esta caarta uyrem fazemos saaber que llamsarote dafram-
qua sõr das yllas a noso vassalo nos enuiou dizer que nos fizemos mercee a ell e todollos
seus erdeyros a successores das dictas yllas de nosa senora aframqua115 e dagumeyra em
guisa que dellas per ssua propria auctoridade e como myllor a pudesse daver tomasse
posse das dictas yllas E que ora a dicta caarta nom he guaardada né cumprida ném o dicto
llamsarote entregue desa naturall posiçam per rezõ dos naturales dellas e outros lle fazeré
força sobrello a épecerem sa posse em guisa que nom ha firmydom sa senoria né a ende
ell nada a rrecebe grã dapno a pedio me per mercee que a esto lle ouvesse alguú remedio
sendo que a nosa uontade he de lle dar posiçam em que tena mãnteença que troba fally-
mento per rezõ daficada guerra que ouve com os dictos gaãchos a castellaõs Porem que-
reendo lle fazer graça a mercee como a muy boo merecente confirmamos e mãteemos
capitom moor das dictas yllas o susudicto llamsarote daframqua noso almyrante das gal-
lés E é cõntentamento e satisfaçom das rrendas e mais perteéças dellas de noso motu pro-
pio liure uontade certa ciencia e puder assoluto teemos per bé e quereemos que ell tena e
aia de nos e lle fazemos dooaçam per todolo sempre das ssaboaryas prretas da uilla de
Tauilla e de Castomari e de Alcouti e daldeia de martílõgo é ho rregno dalgarbe E que-
reemos e outorgaamos e mãdaamos que o dicto capitom moor e todollos ses successores
que depois dell vyrem aiam e logré e posuã as dictas ssaboaryas e aiam e posam daver as
rrendas e direytos dellas e façam dellas aquillo que lles aproover como de sa propia posi-
çam E mandaamos ao noso cõtador é ho dicto rregno que o metta é elas de posse e aos
nosos veedores a almoxarifes e scripuaães e officiaães que ora som ou forem ao dyante e

114 . Documento considerado apócrifo. Veja-se os comentários de Fortunato de Almeida, História de Portugal, vol. III, pp.85-108.
115 . À margem com outra letra: dicta Lançarote

33
a outros qaaesquer que per nos esto ouverem deveer que llas leixem lograr e aver pera
guisa que dicto he sé outro nenhuú ébargo que lle sobrello aia de por E quereemos que
esta dooaçam seia fyrme e stavil per todollo sempre e que nenhuã pesoa lle nõ vaa con-
trello E esto lle faço de graça a de certa ciencia per muyto seruiço que eu e a casa de pur-
tugall rrecebemos dell e daquelles eende ell uem a dell entendemos de rreceber aodyante
E em teestemúo desto maandey daar esta mjha caarta per my sinada a asscellada do meu
scéllo do chumbo ao susudicto llamsarote daframqua Dante é uilla nova dar Raiña VII
dias de juljo elrrey o maãdou steuam paaez a fez era de mjl a iiijc e xiiij anos.

E pediu nos o dicto lopo affomso que lle dessemos nosa confyrmaçam das dictas ssa-
boaryas prretas E uisto per nos sseu rrequeremênto e os muytos e boõs seruyços de so
padre a que Deus perdoe capitom moor das yllas na guerra e nauegaçam e que hora teve
hõrado fim na de llamsarote E as muytas e grãdes rezooés que teemos pero outorgar E
quereendo llo nos conecer com graças e mercees o que cadhuú señor he theudo a fazer
aaquelles que o seruem bê e - lealméte Confirmamos lle as dictas ssaboaryas pretas dauil-
la de Tavilla a de Crastomari e dalcouti a daldea de Martilõgo assy e pera guisa que as
dictas ssaboaryas o susudicto se padre avya e possuja como he contheudo é a dicta caarta
E porem mandaamos aos veedoros de nosa fazenda e cõtador em ho rregno dalgarbe e
almoxarifes e scripuaães e offìciaaês e juizes e justiças e a outros qaaesquer que esto
ouveré deveer que lle leixem daver e posujr as dictas ssaboaryas pretas de tavilla de cras-
tomarl dalcouti daldea de Martilõgo e llas guaardem e façam cumprir e guaardar como
nas dictas caartas he contheudo E em testemuno dello lle mandaamos daar a nosa caarta
asinada per nos e ascellada do noso scello do chumbo. Dante é guimaraés VIII dias de
nouébro elrrey o mandou rodrigalvarez a fez E de mjl iiijc XXIII anos.

Doc. 4

1448/Março/9. Transacção feita entre o Infante D. Henrique e Micer Maciote, sobre a


ilha de Lanzarote.
ANTT, Místicos, lº.3, fl.242vº.
Publ.: J. M. Silva Marques, ob.cit., vol.I, nº.359, pp.456-457.

§ Eu o Jffamte dom hamrrique rregedor e gouernador da cauallaria da hordem de nosso


senhor / ihesu christo duque de viseu e senhor da couilhãa faço saber a vos joham af-
fomsso malheiro meu almoxarife da minha jlha da madeira e ao escpriuam desse offiçio
E a quaaes quer outros meus almoxarifes e escripuãães que depois de vos hi vierem / que
míçer maçiote caualleiro / o portador da presemte me tem ora dada toda a sua rremda e
senhorio que elle avia e poderia aver em a sua jlha de lamçarote que he em canaria E esto
emquamto a elle aprouguer / E que eu lhe de e mamde pagar nessa dita minha jlha pol-
la 116 dita rremda e senhorio em cada hũu anno a elle ou a seus filhos e herdeiros / falle-
çemdo elle desta vida presemte / vimte mill rreaes brancos § E porem vos mamdo que
desta pascoa que ora vijra da era ajuso escripta dees e paguees ao dito míçer maçiote ou
per sua morte aos ditos seus filhos e herdeiros a quallquer delles a que esto pertemcer / os

116 . Riscada a palavra polla, que está repetida.

34
ditos vimte mill rreaaes que lhe assi mamdo dar por toda a sua rremda e senhorio da
d[i]ta sua jlha de lamçarote E assi dhi em diamte em cada huu anno emquamto a elle
aprouguer eu assi auer a dita sua rremda e senhorio / Ou prouguer depois de seu falleçi-
mento ao dito seu filho e herdeiros a que as ditas rremdas e senhorio da dita jlha de lam-
çarote perteemçer § Empero sse sse (sic) acomteçer depois que a dita jlha for em meu po-
der / que ella fosse per força ou per direito tomada de castellããos ou framçeses ou algũuas
outras gemtes / que eu todauia sem embargo de ella ser perdida seia obrigado e theudo de
mandar pagar ao dito micer maçiote ou a seus herdeiros os ditos vímte mill rreaaes em
cada hũu / anno Por quamto eu tomo a dita jlha em mínha deffemsam E a emtemdo com a
graça de deus de deffemder e emparar de quaaes quer que de feito ou de direito queíram
fazer comtra ella algũ ua offemssa ou a queyram comquístar per quallquer guísa que seia
§ E nam a deffemdemdo em nem emparamdo / seemdo perdida / depois que eu della for
em posse / que seia obrigado de pagar os ditos vimte míll rreaaes ao dito míçer maçiote
ou a seus herdeiros depois de sua morte como dito he E mamdo aos meus herdeiros e so-
çessores que depois de mím vierem e a dita mínha jlha da madeira herdarem / que cum-
pram e guardem este comtrauto mamdamdo pagar em cada hũu anno ao dito míçer ma-
çíote / e depois delle a seus herdeíros os ditos Vínte míll rreaes fazemdo lhe assi sempre
dello em cada hũ u anno muj boom pagamento sem duujda alg ua nem embargo E o dito
vosso escripuam rregiste esta carta em seu líuro e fique ao díto miçer maçiote por sua
guarda E pera per ella aver seu pagamemto em cada hũu anno e vos cobrarees conhecí-
mento das pagas que lhe fezerdes e mamdo aos comtadores que vo llo rreçebam em des-
pesa / feita euora noue días de março joham baldaya a fez anno do naçimento de nosso
senhor Jhesu christo de mill e iiijc Rviij annos § e estes vínte míll rreaaes suso escriptos
lhe pagarees todos em dínheiros ou naquellas cousas que o dito míçer maçiote lhe prazera
tomar em paguo delles pollo preço que la vallerem de que elle seia comtemte.

Doc. 5

1491-1493. TESTAMENTO de D. Maria de Bettencourt, mulher do terceiro Capitão da


Ilha de S. Miguel, Rui Gonçalves da Câmara filho de Zarco
Publ. Arquivo Histórico da Madeira, vol. III, pp.55-62; Maria Clara Pereira da Costa,
Testemunhos Históricos Acerca do Papel de Algumas Mulheres no Contexto Social
Madeirense- séc. XV e XVI, in Actas – III Colóquio Internacional de História da Madei-
ra, Funchal, CEHA, 1993, pp.314-320

João Luis Pestana Silva - Escrivão da provedoria dos Ruzidos a Capellas Confrarias a
Captiuos nestas Ilhas da Madeira a Porto Santo - Em obecervansia do despacho do meu
Ministro o Provedor proprietario dos Ruzidos a Capellas comfrarias e Captiuos Joao Jose
Bitancurte Freitas a Menezes clue manda satisfazer a cota por embargos em que Requer o
Morgado Luis Vicente de Carvalhar Esmeraldo seguinte por certidão o testamento a insti-
tuição da Capella dos Martris (sic) hereta no Convento de Sao Francisco desta cidade
cujo testamento se acha lansado no tombo quarto deste Juizo a folhas trinta a quatro et
sequentibus cujo testamento he o seu theor pella forma maneira seguinte

35
Testamento de Donna Maria de Bitancor Saibão quantos este instrumento de treslado de
testamento dado por autoridade de justissa virem que no anno do Nacimento de Nosso
Senhor Jezus Christo de mil a quatrocentos a noventa a tres annos em o deradeiro dia do
Mês de Novembro do dita hera em Villa Franca do Campo da ilha de São Miguel perante
os honrador, Gonsallo Vas o mosso a Joao Rodrigues Escudeiros Juizes Ordinarios o pre-
zente anno estando hi Gaspar de Bitancor fidalgo da Caza do Duque Nosso Senhor a logo
per elle foi requerido aos ditos Juizes como hera verdade que a Senhora Donna Maria de
Bitancor sua tia que Deus haja hera falecida deste mundo a que elle e o Senhor Capitão
ficarão por seus testamenteiros segundo a mais compridamente se comtenha do dito tes-
tamento que hera em poder de mim tabalião pello qual requeria a elles ditos Juizes que
the mandacem dar o treslado delle em pubrica forma para per elle requerer a fazer todo o
que hera mandado pella dita testadoura a visto per elle Juizes seu requerimento mandarão
logo a mim Tabalião que the desse o treslado delle de verbo a de verbo em pubrica forma
do qual o theor he este que se o diante segue a eu Afonso Rodrigues Tabalião que este
escrevi.

Em nome de Deus Amen. Saibão quantos este instrumento de sedula de testamento virem
como eu Dona Maria de Bittancor molher de Ruy Gonçalves da Camara fidalgo da Caza
do Duque e do Conselho Del R.ey a Capitão da Ilha de S. Miguel dos Reynos de Portu-
gal, sendo emferma de emfermidade que o Senhor Deus me deu, com todo o meu sizo a
entendimento, temendo o dia a hora de meu finamento que não sei quando sera e o estrei-
to dia do juizo do meu Senhor Deus a que todos somos oubrigados a por descarrego de
minha consiencia a ordemnar bem minha alma mandei fazer esta cedula de testamento
por esta guiza que se ao diante segue:

Primeiramente emcomendo a minha alma a Deus meu Senhor que a criou, que delta se
queira amerciar a hisso a Senhora Virgem Santa Maria com todolos Santos a Santas da
corte dos seus que per mim queirão rogar a minhas culpas a pecados me queirão perdoar.
Mando que quando o Senhor Deus aprover de me levar deste mundo que meu corpo seja
enterrado em o Mozteiro de S. Francisco desta Villa do Funchal em a capella Mor com
Lisensa de Luís Alves117 e a tal capella he emtanto que a minha capella que eu mando
fazer no dito Mosteiro for feita, mando que me dem logo nella minha ousada. Mando que
ao dito dia do meu emterramento me digão hũa missa cantada com todos seus ouffisios
de finado a missas Rezadas me digão no dito dia quantas se poderem dizer no dito mos-
teiro a hirão dizer sobre a minha sepultura a Oração a me darão de oferta no dito dia hum
moyo de Trigo a hũa pipa de vinho e dois tavoleiros de peixe seco a me porão tudo de
redor da minha sepultura emquanto se dicerem a missa cantada a vinte a duas toxas boas
nella de sera emquanto dicerem o oufficio a missas todas e para as rezadas quanta sera for
mister a insenso quanto for mister aos oito dias a roes a anno me dirão outras tantas mis-
sas pella dita maneira e a oufferta dos ditos oito dias a mes ao anno sera cada vez de trin-
ta alqueires de trigo a hum cuarto de vïnho e o dito pescado a ao anno tres carneiros man-
do que me fassão hũa capella em o dito mosteiro de São Francisco aonde o meu corpo
seja mudado tanto que ella for feita a qual capella será da bobeda e a melhor pedra de
cantaria que nesta ilha se poder aver a poer se ha em elle hum muito bom muimento de
pedra da melhor que se poder achar dentro nella se lansara minha ousada a hisso mesmo

117 . Luiz Alvares da Costa, fundador do convento

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se lansara no dito muimento a ousada de meu pay que Deus haja que está dentro no dito
mosteiro a tambem mando a meus testameiros que mande a Ilha de Lansarote pella ousa-
da de minha May que Deus haja a que a lansem dentro no dito Muimento com a ousada
de meu Pay a minha, a qual capella sera feita ande hora esta a porta per onde se serve o
dito Mosteiro a se ade fazer a dita porta em outro cabo segundo o dito Capitão meu mari-
do tem ordemnado mando que se lamse na dita minha capella a ousada de Henrique de
Bitancor meu sobrinho a um cabo da dita capella, mando aos ditos meus testamenteiros
mandem por as armas do dito meu Pay em a dita capella selicet o escudo e a cota darmas
a bandeira coadrada a isto porquanto elle he de lenhagem do Rey de Fransa e tam bem
the purão hum brazão em que estem as ditas armas as quaes armas são hum lião rompente
com hũa for de lis a me porão as ditas armas em o meu moimento de pedra no lugar don-
de melhor paressa a sejão bem abertas para dahi se renovarem a tirarem para as bandeiras
a escudo de meu Pay e de redor do muimento me porão o meu letreiro segundo virem
meus testamenteiros se deve poer, mando aos meus testamenteiros que comprem estas
couzas para a dita capella duas vestimentas conpridas hũ a sera de pano de seda da masco
branco fino com uma crus de letras de ouro detras como de diante a da metade da crus
asim detras como de diante se pora o dito Lião Rompente com hũa flor de lis que são as
armas de meu Pay a outra vestimenta de pano de linho para se dizer missal decote a
ambas as vestimentas serão forradas de pano de linho com todo o que lhes pertencer em
maneira que sejão de todo perfeitas a acabadas mais comprem os ditos meus testamentei-
ros para. a dita capella dois calis de prata com suas patenas a hum delles sera dourado e o
outro branco para decote mando que comprem para a dita capella duas galhetas de prata a
hũa pedra dera a tualhas a ornamento segundo pertencer ao dito altar a hum missal de
pergaminho para o altar, o qual altar sera da evucação do Spirito Santo (1) com hũa ima-
gem de Santa Anna a hum cabo do Retabulo que mando que comprem para ella a seja
rico, mais comprarão para a dita capella dois frontais para o dito altar hum rieo o outro
mais sumenos para decote, mando aos ditos meus testamenteiros que mandem fazer hũ a
crus de prata dourada com um corseficio em meio a sera de oito marcos de prata a qual
crus mando que seja levada quando for per algum finado a isso mesmo nas peresisois
quando lá forem e para todo outro serviço de Deus mando que comprem hũa campainha
para quando alevantarem a nosso Senhor o altar da sua capella mando a meus testamen-
teiros que mandem dizer sempre hũa missa rezada cada dia em a dita capela pella minha
alma a de meu Pay a de minha May a pagarão ao Capellão segundo for de rezão e tera
pera sempre na dita capella hũa toxa decote para hesse seserdote para quando alevantar
ao senhor de as velas de sera para a missa a lhe darão para a capella hũ a caixa ou huns
almairos para tres vestimentas a ornamento da capella para dizer cada dia missa e os ou-
tros ornamentos estarão em poder de meus testamenteiros e a dita capella fechada com
hũa chaves a qual tera o saserdote e nas missas que disser sempre me emcomendara a
nosso senhor e em fim da missa sempre me dirão hum responso sobre a minha sepultura
eu tomo para a minha alma toda a minha metade de todos meus bens asim moveis eomo
de rail onde querem que achados forem sem se delles tirar tersa porquanto não tenho
outro herdeiro salvo a minha alma a dezerdo todos os meus parentes herdeiros que não
herdem nada da dita minha metade a couza alguma. Somente tomo para minha alma por
se comprir todo que dito he a di indiante se contem. Deixo para meus testamenteiros para
me comprirem estas couzas nesta minha cedula de testamento contheudas ao dito Capitão
meu marido e a Gaspar de Bitancor meu subrinho dos quaes eu rogo a emcomendo que

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fassão por minha alma como querião que fizessem pellas suas a emcarrego suas consien-
cias de todo o que eu mando fazer per minha alma e a leixo per meu trabalho e pello bem
que fizerem ao dito Capitão meu marido quinze mil reis e ao dito Gaspar de Bitancor des
mil reis a esto em cada hum anno em suas vidas emquanto tiver o dito carrego e a dito
meu marido emquanto senão cazar este em posse de todos os meus bens a aja os frutos
delles comtanto que elle cumpra todo o que neste testamento e sedula mando fazer e não
o comprindo assim o se cazar mando ao dito Gaspar de Bitancor meu sobrinho e testa-
menteiro que logo parta com o dito meu marido e haja a sua mão todos meus bens assim
moveis como Raiz a as parta logo sobre si a saiba quantos são a tirem Belle escripturas a
sertidão e se o dito meu marido os quizer de arrendamento tanto por tanto que por elles
derem com pergão mando que lhes dem a elle per menos algua couza e o dito meu mari-
do emquanto nao cazarse o dito Gaspar de Bitancurte meu testamenteiro por seu falesi-
mento nomiarao outro cillicet hũa pessoa so que tenha administração dos ditos meus hens
da dita capella a asim o segundo o nomiara o terceiro a asim por ordem o que for nomia-
do por seu falesimento nomear outro que tenha o dito carrego o qual que asim tiver o dito
carrego depois do falesimento dos duos meus testamenteiros avera por seu trabalho os
bem fizer a de seis hum cesto a meada hum anno do todo o que os ditos mews bens em
cada hum anno renderem e a dita Capella ser sempre provida e governada dos ditos mews
testamenteiros em maneira que sempre andarão os ditos ornamentos que the ora de pri-
meiro mando dar e compo uns lhe forem gastados lhe dem logo outros pella dita maneira
por que eu deixo por meus testamenteiros aos sober ditos que espero que o fasao bem
como devem a cumprem a servisso de Deus a bem de suas almas a minha a não ser os
que depois vierem como o farão eu mando que seja tornada conta aos ditos meus testa-
menteiros por El Rey Nosso Senhor a quern seu carrego tiver a qual conta lhe tomarão
em cada hum anno segundo a ordemnaçao e Regimento do Reino a achando que alguns
de meus testamenteiros o nao fassa como deve a como cumpre a serviso de Deus e des-
cargo de minha consiensia a como se comtem nesta minha cedula de testamento mandoa
que El Rey ponha outro testamenteiro e em seu logo que seja pessoa alta e pertencente
para ter o dito carrego e seja morador em esta ilha e cazandosse o dito meu marido o dito
Gaspar de Bitancor ficara so com o dito carrego a nomeara quern o dito carrego tenha a
asim pello semilhante o dito meu marido se cazado nao for mando a meus testamenteiros
que tirem em cada hum anno hum captiuo e de terra de mouros a tanto que for fora que
venha a esta ilha a minha Capella a ahi seja lhe dado de vestir unestamente e lhe dem de
comer sinco dias a honra das sinco chagas de Nosso Senhor nos quaes sinco dias o dito
captiuo estara as missas que dicer da dita Capella a cada missa sinco pater noster e sinco
ave marias e sete puter (sic) nostre com sete ave marias a honra das sete Dons do Spirito
Santo a dira sete ave marias a onra da Assunção da Virgem Maria e acabados os cinco
dias darão ao dito captivo mil reis para a sua despesa a se hira com a pas de Deus. Mando
aos meus testamenteiros que cazem em cada anno hua mossa orpha e lhe dem des mil reis
de moeda para corrente e a mais pobre que se poder achar e de boa fama. Mando aos
meus testamenteiros que dem para o dito mosteiro de Sao Francisco hum bom escravo
para servir o dito mosteiro. Mando aos ditos testamenteiross que da dita minha ametade
forrem Sintra a Antão Fabiga e a João Gonsalves branco e a Lourensinho a sua jrmã Feli-
pa a mais mando que sua may sirva nas obras da Igreja de Santa Maria da ilha de Sao
Miguel a mais mando que caterina que estava com o galego que sirva os pobres emfer-
mos no Esprital da dita ilha de Sao Miguel a passo ao Capitao meu marido haja por bem

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deve tomar todos estes escravos como dito he e a sua parte lhe seja pagada da minha a
metade o dito Capitao meu marido tem arendada a lombada agora da Ponta do Sol desta
ilha a João Esmeraldo e recebido logo o dinheiro do dito arendamento dante mão a asi
tem arendado asaboaria a Antonio de Espidola pella dita maneira a eu tenho ja outorgado
o dito arendamento da dita lombada a agora digo que hei por bons os ditos arendamento e
os outorgo a mando que tenhão a valhão a se cumprão como nelles he como he contheudo
a pelo dito meu marido digo e se cumprão como nelles he contheudo a pello dito meu
marido feito a outorgado mando a meus testamenteiros que tanto que eu falecer me man-
dem logo dizer no dito mosteiro as missas de Santo Amador compridas porquanto nos
temos arendada a dita lombada com dito he que he parte de nossa fazenda e temos rece-
bido o dinheiro do dito arendamento e na outra fazenda que fica nao he tanta que se possa
logo fazer nem comprir o que tras por mim he mandado mando que os ditos meus testa-
menteiros o fasão o mais em breve que poderem enenhum rezido nem outra nenhuma pe-
soa algua não possa em ello emtender salvo se elles tardar tanto tempo em comprir o que
dito he clue a justissa paressa que he por sua culpa a mingua delles então os constranjão a
fazer todo o que he contheudo nesta minha cedula de testamento e a dita Capella e Orna-
mentos della e a dita sepultura com alforias don escravos sera a primeira couza que se
fizer a dahi avante os outros legados pesso por merce a El Rey a ao Duque Nosso Senhor
que por meu falecimento e do dito Ruy Gonsalves Capitão meu marido dem a saboaria de
toda esta ilha da Madeira segundo as usa o dito meu marido temos a Gaspar de Bitancor
meu subrinho e esto requeiro e pesso aos ditos senhores da parte de Deus que dem as di-
tas saboarias ao dito Gaspar de Bitancor meu subrinho per quanto he neto de meu Pay
mice Misioto que Deus haja per quanta estas sabuarias ouve ao dito meu marido per huns
vinte mil reis que o dito meu Pay Mice Missioto tinha nesta Jlha da Madeira por hum
contrato que o emfante Dom Henrique que Deus haja tinha feito com o dito meu Pay pela
hilha de Lansarote que hera de meu Pay de juro pello qual o dito Infante Dom Henrique
the tinha dados os ditos vinte mil reis de juro nesta Ilha da Madeira a tanto que se o dito
Infante se finou o dito meu marido se comtratou com o Infante Dom Fernando que Deus
haja que ouve as ditas seboarias pellos ditos vinte mil reis se algua couza remaneser e
meado hum anno de meus bens alem das despezas que mando fazer mando que meus tes-
tamenteiros o gastem a despemdam em obras piedozas e meritorias segundo Deus a suas
consiensias silet (sic) em tirar captivos a cazar orfas e mando aos ditos testamenteiros que
a primeira couza que fizerem seja a dita capella e todas as couzaz a eila nesesarias a per-
tensentes e asim minha sepultura e asim alforrias dos ditos escravos farao todo este pri-
meiro que outro algum legado a todas estas cauzas susedidas se farao da dita minha me-
tade das rendas della e do movel a raiz se não vendese nem demenuira em nenhum tempo
a sera sempre viva a rendera para o que dito he e esta cedula de testamento passo por ser-
viso do Senhor Deus a por emenda de meus pecados e desfalesimento a hei por revoga-
dos todos os outros instrumentos de testamentos e sedulas antes deste feito e este quero
que valha deste dia para todo o sempre e afaste a fora todos os meus parentes a parentas
com aquelle que o direito manid e se mais quizer não lhes dou nada por esta he a minha
derradeira vontade de tomar tudo meu para minha alma como dito he e pesso a El Rey
Nosso Senhor a ao Senhor Duque a as suas justissas que asim o fassao e mandem comprir
mando a meus testamenteiras que dem a Catherina Cordeiro por servisso que me fes lhe
dem sem mil reis mando que dem a filha de Diogo preto por nome chamada Maria Fal-
coelha sem mil reis despois de a capella acabada mando que dem a Antao Gomes meu

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criado sincoenta mil reis a mim me apras sem embargo dito do o que asima e atras he es-
crito que o dito capitao meu marido a testamenteiro emquanto elle viver e se senão cazar
elle proveija e governe toda a minha fazenda e fasa e cumpra todo o que eu nesta sedula
de testamento mando fazer e não seja oubrigado a dar conta a nenhua pesoa porquanto
tudo deixo e emcarrego de sua alma a comsiensia e este seja emquanto se elle não cazar
que elle cazado for mando a dito Gaspar de Bitancor meu subrinho e testamenteiro due
logo tome a posse de todos mews hens a cumpra em sua villa todo o que por mim he
mandado a por seu falesimento a asim do dito meu marido nao se cazando se fasa todo
como he declarado a esta minha sedula de testamento emquanto o mundo durar a par
morte de meu marido a de Gaspar de Bitancor meu subrinho e testamenteiro os que des-
pois elles vierem lhe seja tornado a conta cada anno pello Juiz dos Ruzidos asim como
em sima he comteudo nesta cedula de testamento escrita no dito mosteiro a nove dias de
Fevereiro de mil a quatro centos a noventa a hum annos a qual sedula parecia ser asigna-
da Por Frei Antonio Trade do dito mosteiro e Padre da dita defunta a aprovada nas costas
e por Affonso Annes tabalião geral na dita Ilha com testemunhas e o dito instrumento de
Aprovacao em ella comteudos silecet o dito Frey Antonio a Frey Lourenso frades do dito
mosteiro e Fernão de Azevedo e Fernão Martins carpinteiro a Afonso Pires morador na
dita Ilha Joanne Annes Homem trabalhador a outros a asignado do pubrico do dito taba-
lião.

Em nome de Deus Amen - Saibao quantos esta cedula de em adiamento e declaracao de


testamento virem como eu Donna Maria de Bitancor estando duente da duensa natural em
todo o meu siso a emtendimento que me Deus deu temendo a hora da morte a estreito jui-
zo a que todos avemos de hir em descarrego de minha comsiensia a com conselho de meu
confesor en fis este em adimento a declaracao alem de hua sedula ou testamento que eu
fis na Ilha da Madeira porem não dou lugar que por este meu em adimento se quebre a
dita sedula o testamento que ja feito tenho so em avendo em ella digo que mando que
meu corpo seja emterrado na Igreja do Arcanjo São Miguel em direito de Sao Francisco e
despois dos dias de Ruy Gonsalves da Camara meu marido mando que seja deitada minha
ousada com seu corpo donde quer que elle gouver primeiramente digo que meu Marido
Ruy Gonsalves da Camara e eu temos as saboarias na Ilha da Madeira a qual o Senhor
Ynfante Dom Fernando que Deus haja deu ao dito meu Pay de juro para filhos e Nettos
edesendentes por linha direita em pagamento de vinte mil reis que o infante Dom Henri-
que que Deus haja lhe hera oubrigado a dar em cada hum anno para elle e filhos e Nettos
edesendentes por linha direita a misse Missiote meu Padre de compra de hua hilha de
Lansarote que o dito meu Padre vendeu e trespasou ao dito Senhor Infante Dom Henrique
os cuais ditos vinte mil reis de juro por morte do dito meu Padre o dito Ruy Gonsalves da
Camara meu marido em susedemos em pagamento dos ditos vinte mil reis e o Senhor
Infante Dom Fernando deu as ditas saboarias ao dito meu marido de juro para filhos e
nettos de nos desendentes e porquanto esta heransa a mim a aos que de minha linhagem
desenderem por descarrego de minha consiensia digo e declaro que o nomeio por meu
herdeiro na dita saboaria a Gaspar de Bitancor meu subrinho filho de minha irmam eNet-
to do dito mise mesiote de Bitancor meu Padre e peso por merce a El Rey Noso Senhor e
ao Senhor Duque que por comprir verdade e justissa a que oubrigados são a por descarre-
go das almas dos senhores infantes queirao dar e comfirmar a dita saboaria ao dito Gas-
par de Bitancor meu subrinho Digo que mando a meus testamenteiros silicet ao dito Ruy

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Gonsalves da Camara meu marido e ao dito Gaspar de Bitancor meu subrinho que de
minha parte de hum milhão (sic) de dinheiro que nos deve Janes Esmeraldo dem a Biatris
Rodrigues da Camra filha do dito meu marido sem mil reis para emchuval para seu caza-
mento por muito bom servisso que me tem feito e fas em minha emfermidade mando que
dem a meu subrinho Gaspar de Bitancor meu testamenteiro outros sem mil reis por muito
bom servisso digo reis outro sim por muito e bom servisso que elle e sua mother me tem
feito mando que dem a Catherina de Olivensa des mil reis a Solanda (sic) Lopes outros
des mil reis Mando que dem a Fellipa Galvoa oito mil reis mando que dem a Julia Soares
oito mil reis mando que dem a Izabel Dias oito mil reis Mando que dem a Catherina Ro-
drigues que esta na Ilha da Madeira oito mil reis mando que dem a Vicente de Abreu
doze mil reis mando que dem a Maria de Rodrigues quatro mil reis mando que dem a
Ines Rodrigues dois mil reis a todo este mando que the dem a the seja dado por servisso
que me tem feito a por que são minhas criadas que Roguem a deus pella minha alma
Decaro em a dita minha sedula e testamento digo que eu deixo por meus testamenteiros
ao dito Ruy Gonsalves da Camara meu marido a ao dito Gaspar de Bitancor meu subri-
nho e que por falesimento dos sober ditos que Pique o carego ao filho mais velho do dito
// Gaspar de Bitancor meu subrinho coma quer que o dito Ruy Gonsalves da Camara meu
marido ordenar que veja o que bem fara e asim fique para sempre de filho e neto por lin-
ha direita do dito meu subrinho sempre a mayor e quando fosse achado que o filho maior
nao hero para semelhante carrego entao mando que fique ao outro segundo e sendo couza
que os ditos filhos e desendentes do dito meu subrinho ficarem menores de idade para
semelhante carrego o terem antao mando que o mais chegado parente do dito meu subri-
nho aquelle que o dïto meu marido ordemnar athe que o dito mosso seja de idade para
unestamente ter o dito carrego a sendo couza que da linhagem do dito Gaspar de Bitancor
meu subrinho nao ouver filho lidimo que antao fique o dito carrego ao mais chegado pa-
rente por linha direita do dito meu subrinho todavia que o seja com quem quer que o dito
Ruy Gonsalves da Camara meu marido ordemnar e pesso por merce a El Rey nosso
Senhor e ao Senhor Duque meu Senhor que mandem comprir e goardar as condissõiss
desta minha sedula diemadimento e declaração como em elle he comteudo mais mando
que dem para as obras do mosteiro de Sao Francisco desta Ilha de Sao Miguel que he da
emvucacao de Santa Maria des mil reis mando que se dem para a Igreija de Santa Cathe-
rina da dita Ilha de Sao Miguel seis mil reis mando que dem para o Campanarios desta
igreija do Arcanjo Sao Miguel quatro mil reis para que sejoa Rogadores ao Senhor pella
minha alma mando que todo este que em esta minha cedula diemadimento a declaração
esta escrita digo que eu o fis por firme e estavel e valiozo para todo o sempre por que eu
o fis em todo o meu sizo e entidimento que Deus me deu em esta cama aonde ora jaze
sem prema nem constrangimento de nenhua pessoa mar antes por descarrego de minha
consiensia por serviso de meu Senhor Deus e acomselhando me com meu Padre da minha
Alma Frei Henrique meu comfesor que por meu mandado fiz esta sedula de emadimento
e declaraçao em minha cama donde ahi jazo duente desta duensa e emfermidade, que
meu Senhor Deus deu feito aos vinte a cinco dias de Novembro de mil a quatro centos e
noventa a tres annos a qual asim parecia ser asignada pello dito Frei Henrique e feita dia
a mes a hera e aprovado nas costas corn instrumento de Aprovaçao por tabaliao aos vinte
a seis dias de Novembro da dita hera a cozeita com sete sellos em sera e com sete teste-
munhas em ella comteuda silecet Pedro Affonso a Joao Rodrigues escudeiros e Joao
Gonsalves filho do Gonsalo Vas e fernao Martins carpinteiro e Afonso Esteves ferreiro e

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Luis Gago Gil da Costa carpinteiro e o Padre frei e outros e eu Afonso Rodrigues taba-
liam Publico em esta Ilha de Sao Miguel pello Senhor Duque que este instrumento em
publica forma do trestamento tresladei e tirei para Gaspar de Bitancor testamenteiro da
dïta defunta e com elle meu publico e costumado signal assigney que tal he.

Passa o referido na verdade constante do testamento que se acha lansado no tombo quarto
deste Juizo da donde fis passar a prezente certidao e ao proprio tombo me reporto. E
outro sim declaro q. nao fasso extrahir sertidao da Instetuiçao da Capella Hereta no Con-
vento de São Francisco apontada no Artigo dos Embargos por della nao ter licensia e do
seu instituidor. Funchal doze de Julho digo instituidor que instetuisse a saber dita Capella
de São João. Funchal doze de Julho de mil a setecentos a noventa e dois. Eu, João Luiz
Pestana Silva escrivão dos Rezidos a Capellas o fiz escrever e subscrevi a asigney.

aa) João Luiz Pestana Silva

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