Steve Ettlinger • CONVERSA
Você continua a comer
A vida
secreta dos
ingredientes
Marcelo Träsel
Jill Enfield
Por que isso é ruim? mo eu, estão envolvidas em edu-
Twinkies depois de
conhecer seus ingredientes?
Não. Estou muito mais interessado
em alimentos locais e integrais. É
claro que eu já conhecia essas op-
ções. Vivi na França por um tempo
e trabalhei como cozinheiro, então
eu gosto de comida de verdade.
Mas agora definitivamente é algo
de que preciso em minha vida.
Após escrever o livro, fiquei ainda
mais fã dos agricultores locais.
A comida processada é
mesmo tão ruim para nós?
Essa pergunta exige uma resposta
muito longa. O termo “comida pro-
cessada” é amplo e pode designar
muitos tipos de comida. Qualquer
coisa salgada, como o bacalhau, é
processada. Qualquer coisa cozida é
processada, na verdade. Além disso,
nós precisamos de alimentos in-
dustrializados para viajar. É por isso
“Comida fresca não dá que a comida processada tem nos
acompanhado por eras. É por isso
dinheiro”, diz o jornalista que as pessoas inventaram o salga-
que desvendou a indústria mento e a defumação. Isso nos deu
alimentícia em um livro maior liberdade de movimentação
e é o que nos permitiu chegar ao
polêmico e esclarecedor século 21. No entanto, creio que há
um problema quando as pessoas
consomem muita comida de con-
veniência, especialmente salgadi-
texto Pegue uma embalagem de biscoito em sua cozinha e dê uma lida no nhos e doces, porque elas não for-
rótulo. Você conhece a origem e a função de todos os ingredientes? necem boas calorias, estão repletas
fotos O jornalista americano Steve Ettlinger também não sabia, mas de gordura, sódio e açúcar. O con-
viajou o mundo para descobrir e relatou tudo no livro Twinkie, sumo desse tipo de “bobagem” deve
Deconstructed (Twinkie, Desconstruído, sem edição brasileira). A ideia ser diminuído. Outro ponto pro-
surgiu durante um piquenique com a família. Seu filho perguntou o blemático é o grande aparato in-
que é o polissorbato 60: “Dá em árvores?” Ettlinger não soube o que dustrial necessário para produzir os
responder e decidiu descobrir e compartilhar esse conhecimento com ingredientes desse tipo de comida.
outros consumidores. Foi pesquisar a origem de todos os ingredientes No livro, eu exploro a origem de to-
do famoso bolinho recheado Twinkie, vendido há mais de 70 anos das essas coisas e descubro que a
nos Estados Unidos. Em alguns casos, a origem está em refinarias de maior parte da comida industriali-
química cuja localização é protegida por leis antiterrorismo. Noutros, zada é feita com ingredientes que
nas fazendas de milho e soja do Meio Oeste americano. (Ah, sim: vêm de grandes petroquímicas e fá-
o polissorbato 60 de certa forma dá em árvores. Trata-se de um bricas de químicos básicos. Veja só:
polímero derivado de milho e óleo vegetal. É um emulsificante: 14 dos 20 produtos químicos mais
faz com que a água e a gordura se combinem. No caso do Twinkie, usados nos Estados Unidos fazem
sua função é substituir a capacidade estabilizante dos ovos e do parte direta ou indiretamente da
leite, que ajudam no crescimento das massas.) receita do Twinkie.
Primeiro, esses alimentos dependem de produ-
tos químicos vindos do petróleo. A alta do pre-
ço do petróleo é um problema, mas não só: um
dia, ele vai acabar. Segundo, esses produtos quí-
micos são usados para produzir soja e milho, os
principais ingredientes dos alimentos indus-
trializados. De fato, oito dos ingredientes do
Twinkie vêm do milho. Terceiro, é um proble-
ma depender da soja, que é importada, grande
parte dela do Brasil, inclusive. Se esses produtos
dependem de insumos que se tornarão mais ca-
ros ou mais raros no futuro, isso é um proble-
ma. Além disso, esse tipo de produção extensiva
tende a degradar o solo. Provavelmente seria
melhor para todos se usássemos menos quími-
cos para produzir comida. Nós pagamos subsí-
dios com nossos impostos, especialmente à in-
dústria petroquímica, para fazer herbicidas,
pesticidas e fertilizantes, que permitem produ-
zir essa comida e vendê-la com o apoio do go-
verno a preços artificialmente baixos.
No livro, você afirma que diretores
e funcionários do setor não quiseram
dar declarações. Por que a indústria
alimentícia é avessa à transparência?
Acho que eles tiveram muitos problemas no
passado com pessoas apontando quanta ajuda
o governo oferece a essa indústria e o quanto a
comida produzida é ruim para a saúde, em con-
trapartida. Eles também sabem que, mesmo
incentivando o consumo de novos produtos,
como barras de cereais, aparentemente bons
para a saúde, na verdade você pode comer cas-
tanhas e frutas e ficar bem satisfeito. Comida
fresca não dá dinheiro para a indústria alimen-
tícia. Então, a única maneira pela qual eles po-
dem fazer dinheiro é adicionando algo pelo
qual se tenha de pagar, como uma embalagem
atraente. Veja os flocos de milho. As empresas
ganham muito mais vendendo cereais matinais
do que vendendo milho. Então, quanto mais
nós discutimos e aprendemos sobre isso, pior é
para a indústria. Não vale a pena para eles in-
formar o consumidor.
Os governos estão fazendo
esforços no sentido de informar
o cidadão sobre a alimentação?
Esse será um ponto interessante a observar
com o nosso novo presidente. Ele está rece-
bendo muita informação de pessoas que, co-
car o consumidor sobre comida e
alimentação saudável. Em parti-
cular, pessoas que promovem o
consumo de alimentos integrais e
produzidos localmente, frutas e
vegetais e assim por diante. Há
gente pedindo a ele que plante
um jardim orgânico no quintal da
Casa Branca. Algo assim não
aconteceria no governo Bush nem
aconteceu em outros governos.
Nixon e Reagan fizeram tudo o
que puderam para dar apoio atra-
vés de leis e dinheiro a grandes
companhias de processamento de
milho e soja. Essas companhias,
por sua vez, encorajaram os agri-
cultores a plantar apenas um ou
dois tipos de grão em fazendas
enormes. No passado, as fazendas
produziam diversos tipos de vege-
tais e frutas. Alguns agricultores
estão voltando a fazê-lo. É nesse
sentido que Barack Obama ajuda-
rá a mudar o envolvimento do
governo americano na agricultu-
ra. Por sinal, temos um ministro
da agricultura, mas há um movi-
mento para mudar o título da
pasta para Ministro da Alimenta-
ção e Agricultura. Acho que essa é
uma grande ideia.
Qual foi a reação de seus
filhos quando você explicou
a eles de onde vem
o polissorbato 60?
Na verdade, eles nunca gostaram de
Twinkie. Em todo caso, eles não fi-
caram nada animados com os pro-
cessos industriais envolvidos. (risos)
Acho que, sem ter de treinar muito,
eles sempre vão preferir comer uma
maçã ou um iogurte no lugar de
uma bobagem dessas.
LIVRO
Twinkie, Deconstructed,
Steve Ettlinger, Penguin/USA
ACESSE
www.educarparacrescer.com.br