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Era uma vez um homem que tinha uma árvore na cabeça. No princípio era apenas um
arbusto com folhas esguias e acastanhadas. Depois os ramos começaram a engrossar e as folhas a
ganhar largura e uma cor mais viçosa. Era uma verdadeira árvore, alta, pujante e bonita. O homem,
quando o arbusto começou a ganhar forma no meio da sua cabeça, ficou assustado. Quem é que não
ficava? Depois foi-se habituando. Quando o arbusto se transformou em árvore, passou a senti-la
como coisa sua, como uma parte de si mesmo. Apenas o incomodava o peso que tinham o tronco e os
ramos, obrigando-o, por vezes, a vergar o pescoço em direcção à terra.
O homem não era alto nem forte. A sua pele era pálida e faltava uma luz que iluminasse os
seus olhos e tirasse deles a tristeza que os tornava mortiços e graves. Era um homem de muito poucas
falas e, talvez por isso, poucas pessoas sabiam o seu nome. Chamava--se Tenório, mas, como tinha
uma árvore na cabeça, passaram a tratá-lo por outro nome, mais engraçado e fácil de decorar:
Arbóreo.
O homem não gostava do nome, mas não tinha possibilidade de escolher outro. Fora
inventado pela maioria das pessoas que o conheciam, que com ele se cruzavam na rua, que o viam
debruçado à janela, que o confundiam com a mancha verde das florestas e dos jardins. Que havia ele
de fazer? Chamavam-lhe Arbóreo e era por esse nome, e só por ele, que ia ficar conhecido.
Um dia Arbóreo, quando a Primavera estava à porta, gostou do cheiro adocicado que lhe
entrava pelas narinas e pensou: de onde virá este cheiro tão doce, tão bom? Não encontrou resposta.
Aquele cheiro abria-lhe o apetite e dava-lhe um grande bem-estar. De onde viria ele?
Levou a mão até aos ramos da árvore que tinha na cabeça e sentiu umas formas macias e
arredondadas. Como na terra onde vivia existiam poucos espelhos, correu até ao rio e, esperando que
as águas estivessem calmas, viu nelas a sua imagem reflectida. Então exclamou: «São frutos!»
Eram realmente frutos, embora não fossem nem pêssegos, nem peras, nem maçãs. Eram
redondos e sumarentos. Eram diferentes de todos os que até então tinha cheirado ou comido. Que
frutos seriam?
Enquanto trincava uns e arrancava outros com cuidado para os guardar num pequeno saco
de pano que levava na mão, pensou: «É engraçado, têm o mesmo gosto de certas ideias que me
passam pela cabeça». E não estava longe da verdade. É que, se os frutos nasciam da árvore que tinha
na cabeça, era natural que tivessem um paladar parecido com o de certas ideias.
Uma das coisas que Arbóreo gostava de fazer era dormir a sesta debaixo das árvores de
copas largas que havia na cidade onde morava. Agora já não precisava de as procurar. Podia dormir à
sua própria sombra. Não era uma sombra grande, mas dava perfeitamente para se refrescar e para
ouvir em sossego o chilrear dos pássaros.
Os pássaros. Sim, os pássaros. Gostavam de vir poisar nos seus ramos, buscar o abrigo das
suas folhas largas e verdes, encontrar um sítio descansado para passarem a noite.
Arbóreo sabia de cor o canto dos pássaros e percebia neles uma fala que era diferente da
que usavam as pessoas, mas que servia para se entenderem.
Eram bonitos os pássaros. Uns eram pintassilgos, outros melros, outros ainda tentilhões ou
pardais. Todos tinham as suas rotas, os seus hábitos, os seus modos de aproveitar os embalos do
vento.
Arbóreo gostava de ser acordado pelo chilreio da passarada e pelo riso das crianças que
atravessavam os grandes terreiros da cidade a brincar a tudo aquilo que lhes dava na cabeça,
inventando guerras, perseguições e casamentos, duelos e julgamentos.
– Vamos roubar um dos frutos da cabeça de Arbóreo – gritou um miúdo sardento, enquanto
ele dormia debaixo do cogumelo da sua copa larga.
Logo os outros, que com ele andavam em fingimentos de guerra e de paz, se apressaram a
fazer coro:
– Vamos deixá-lo careca de frutos!
Foi com o som áspero desta frase que Arbóreo acordou, interrogando os seus visitantes.