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Andar vazio

"Qual o mínimo de atividades necessárias para a arte que uma pessoa pode
realizar e ainda
assim pretender o título de artista?" Howard Becker

Recentemente vimos na Bienal de São Paulo uma situação que exemplifica


diversos pontos da
problemática atual das artes visuais, não somente no Brasil, onde o fato
ocorreu, mas penso eu, no mundo. Pois se a definição do que é arte
incomoda, a do que é artista não é menos complicada.

A gaúcha Caroline Pivetta da Mota, pichadora, interviu no salão da Bienal no


parque do Ibirapuera, com tinta em spray as cândidas e sacrossantas
paredes destinadas a obras da produção artística contemporânea, que
segundo a mesma estavam vazias, sem as peças escolhidas pelo apurado
gosto da curadoria.
A pichadora foi entregue às autoridades sob a acusação de destruição de
patrimônio cultural e amargou dois meses por não ser a primeira vez que se
envolve nesse tipo de manifestação -- repetiu o ato na galeria Choque
Cultural, em Pinheiros, e no Centro Universitário Belas Artes sendo
processada por este último.
Apesar do relativo atraso desse texto, e de o acontecido ter sido resolvido
com a intervenção do ministro da Cultura, Juca Ferreira,penso que esse fato
não deva ser esquecido, mesmo que não seja possível, por questão de
espaço e pela complexidade desse aparentemente simples ato, esgotar o
assunto nessa coluna.
Desde o auge do pensamento iluminista (sem querer pensar em um
linearidade histórica), as
obras de arte, que sempre foram objetos de culto de uma elite formadora de
opinião, tem sido
discutidas num interesse de aproximar os homens independentemente de
suas origens sociais e culturais. Claro, e isso já foi discutido por todas as
gerações posteriores, tal pensamento não passou de falácia hipócrita e o
que realmente mudou é que as convenções sobre o que é Belo ou relevante
culturalmente apenas passou do domínio da Religião, para o domínio do
Estado e, agora, para o controle exclusivo de um Mercado ávido pela
constante criação de objetos que possam ser produzidos para serem
consumidos e colecionados e, se descartáveis, substituídos por modelos
mais recentes e que necessariamente aponte para um futuro quase
nunca ou quase sempre(paradoxo contemporâneo) tornado realidade.
A pichação parece-me uma forma válida de manifestação artística, não
vista dessa forma pela dificuldade do mercado em tornar vendável o que é
produzido entusiática e gratuitamente por jovens de várias cidades
mundiais -- fenômeno que as próprias mas media ajudaram a difundir com
suas produções cinematográficas -- e, parece-me não ter ligação com o
chamado
grafite, muito mais bem aceito por derivar diretamente da pintura. Paul
Klee e Basquiat são as mais óbvias referências que inserem os grafiteiros no
contexto erudito da História da Arte. Mas a pichação vai além disso. Sua
poética que também mantém relação com a pintura, seja a rupestre, seja
com o expressionismo abstrato e com a busca iniciada no século passado de
novos materiais e suportes, experimentados por dadaístas, artistas pop e
tudo o que foi exaustivamente pensado pelos pós-vanguarda nos anos 60 e
70 e que culminou nessa crise da
decantada "morte da arte" pela qual dizem estarmos passando.
Tal como na arte processual, um dos mais interessantes problemas da
pichação está no processo de sua feitura. Como Pollock o gesto é parte
importante na criação. O movimento dos corpos dos "artistas do muro", a
busca por locais cada vez mais inacessíveis envolve riscos e a necessidade
de movimentos impossíveis. Pichadores apoiam-se sobre os ombros dos
outros para alcançar lugares altos; de ponta a cabeça seguro pelas pernas
para o topo das edificações, contorções no dorso para pintarem a lateral de
pontes e passarelas: Uma dança dissociada da música que poderia
encantar, caso visse, Rudolf Laban.
Os nomes e apelidos que são as temáticas mais constantes nesse tipo de
obra fazem jus à vaidade de Leonardo que tanto lutou para, dignificando-o,
inserir o artista no contexto das profissões liberais, mas ao mesmo tempo,
esses signos são grafados de uma forma quase sempre ilegível,
desconstruindo sua imediata associação aos paradigmas semióticos de
quem as contempla. Como uma decomposição cubista, força-nos ao
raciocínio, a uma busca dentro de nossa própria capacidade imaginativa.
Se recortados mentalmente pelo observador, um muro pichado pode
muitas vezes ter uma aparência coerente e harmônica, mesma quando feita
por várias mãos. Os tons de cinza do concreto e o avermelhado dos tijolos
expostos pela degradação do embolso são constantemente modificados e
manchados pelos gases químicos da poluição urbana e pela ação do tempo
tal qual os trabalhos em gordura de Joseph Beuys. Movimento não-ilusório.
"Todo homem é um artista" dizia ele em frase famosa.
A atitude da gaúcha Caroline Pivetta da Mota, artista, parece-me com a de
Duchamp em "La fontaine"posta a contragosto nas paredes de um templo
institucional. Recusada pela curadoria, banida da exposição tal qual os
impressionistas em Paris. Calada e posta na prisão como inúmeros artistas
na recente historia política do país, por impor uma nova estética dissonante
aos anseios das pessoas que cercadas pelo conforto das bugingangas
tecnológicas, dos produtos descartáveis que a mídia seduz, da assepsia dos
pensamentos politicamente corretos em voga.
Então devemos mudar o foco da perguntar Becker no inicio do texto,
utilizando o seu próprio pensamento para determinar quais convenções são
compartilhadas pelos participantes do circuito de arte, para qualificar quem,
dentre todas as ações possíveis, é o responsável por aquela ação específica
que distingue o “artista” dos outros.

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