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UNIVERSIDADE IGUAÇU - UNIG

LAUREANE RAMOS DA CUNHA

O AGIR ESTRATÉGICO NA FALA DO COLONIZADOR NA


OBRA “O HOMEM QUE QUERIA SER REI” DE RUDYARD
KIPLING

COORDENAÇÃO DO CURSO DE LETRAS


Graduação em Letras

Nova Iguaçu
08/07/2009

LAUREANE RAMOS DA
2

O Agir Estratégico na Fala do Colonizador na obra: “O Homem


que Queria ser Rei” de Rudyard Kipling

TCC apresentado em cumprimento às exigências da Graduação de Letras da


Universidade Iguaçu, como requisito parcial para obtenção do título de
Licenciado em Português-Inglês.

Orientadora
Profª. Ms. Luzia Cunha Cruz

Nova Iguaçu
08/07/2009
3

O PERFIL ESTRTÉGICO NA FALA DO COLONIZADOR NA OBRA: “O


HOMEM QUE QUERIA SER REI” DE RUDYARD KIPLING
_________________________________________________________________

RESUMO

O presente artigo visa a apresentar o processo de atuação dos personagens Dravot


e Carnehan na obra O Homem que Queria ser Rei de Rudyard Kipling, com base
na Teoria do Agir Comunicativo do filósofo alemão Jürgen Habermas com foco na
Teoria do Agir Estratégico. Em um ato discursivo um indivíduo age
estrategicamente quando procura influenciar o “outro” empregando argumentos
persuasivos e (ou) coercitivos, a fim de produzir resultados que estejam de acordo
com seus planos. Destarte, abordaremos os aspectos do pensamento imperialista a
partir da visão do crítico literário Edward Said analisando o comportamento do
colonizador refletido na Literatura Inglesa do século XIX. Nosso objetivo é
estabelecer parâmetros para o comportamento humano, quando o indivíduo,
inserido em um contexto social, age de uma certa forma para atingir uma meta,
colocando em jogo a sua própria vida.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria do Agir Comunicativo, Habermas, Rudyard


Kipling, Imperialismo, Ética, “Outro”.
__________________________________________________________________

THE STRATEGIC PROFILE IN THE COLONIZER’S SPEECH IN THE


WORK: “THE MAN WHO WOULD BE KING” BY RUDYARD KIPLING
__________________________________________________________________

ABSTRACT

This article aims at showing the process of performance from the characters
Dravot and Carnehan in the work The Man who Would be King by Rudyard
Kipling according to the Theory of Communicative Action from the german
philosopher Jürgen Habermas with focus in the Theory of Strategical Acting. In a
discursive act, the being shall seek to influence the “other” using persuasive and
(or) coersitive arguments with purpose to produce results that are in accordance
with his plans. In this manner we are going to show the thought from the
imperialist vision of the literary critic Edward Said analyzing the behavior of the
colonizer reflected in English literature of the nineteenth century. Our objective is
to establish parameters for the human behavior, when the individual, insert in a
social context, acts in a such way to reach a particular goal, despiting his own life.

KEY-WORDS: Theory of Communicative Acting, Habermas, Rudyard


Kipling, Imperialism, Ethics, “Other”.
4

O PERFIL ESTRATÉGICO NA FALA DO COLONIZADOR NA OBRA: “O


HOMEM QUE QUERIA SER REI” DE RUDYARD KIPLING

Introdução
O presente artigo pretende, a partir da visão histórica de Edward
Said¹
e da perspectiva da filosofia hermenêutica da Teoria da Ação Comunicativa de
Jürgen Habermas, analisar o comportamento dos personagens Daniel Dravot e
Peachey Carnehan na obra O Homem que Queria ser Rei2 de Rudyard Kipling3.

___________________________
¹ Em 1978, o palestino Edward Said , ao escrever o clássico “Orientalismo” (Orientalism), rompe
com os estudos pós-coloniais inspirados no marxismo para abraçar as teses de Foucaut. Até então
ninguém ousara interpretar a história como uma luta pela linguagem, e sim como uma luta de
classes, como Marx e seus seguidores o fizeram.
2
O Homem Que Queria Ser Rei (1975) - Tradução de BOSELLI, Cristina Carvalho - Título
original em Inglês: THE MAN WHO WOULD BE KING, é um conto dividido em dois momentos:
no primeiro, o conto é narrado por um homem desempregado que sai da sua terra em busca de uma
melhoria de vida e torna-se editor de um jornal. O narrador apresenta os personagens contando o
seu encontro com os amigos Carnehan e Dravot. No segundo momento, o narrador é o próprio
Peachey que conta as aventuras que viveu com seu amigo Dravot. A história narra as aventuras de
dois ex-soldados britânicos: Peachey Carnehan e Daniel Dravot cuja relação é marcada pela
amizade e lealdade. Os amigos decidem partir para a Índia em busca de riqueza e poder. Vivem
trapaceando e simulando personagens para não serem pegos pelas autoridades locais e com isso,
atravessam o Afeganistão, cruzam desertos, geleiras, montanhas, enfrentam bandidos e as
intempéries naturais até que enfim chegam ao (fictício) Kafiristão. Lá encontram uma terra de
bárbaros, que se reúnem em tribos isoladas, eternamente em luta umas contra as outras. Usando
seus conhecimentos de estratégia militar, além de muita esperteza, Dravot e Carnehan vão
ganhando a confiança do povo local até que conseguem seu intento. Daniel se torna o rei do
Kafiristão. Muitas vezes ajudados pela sorte, pela História e pela Maçonaria (quando Dravot torna-
se o Grande Mestre de Ofício ao descobrir os símbolos maçônicos e convencem a população de
uma tribo de que são deuses), Carnehan e Dravot vão sobrevivendo sem que sejam desmascarados.
Após ser flechado numa batalha e arrancar a flecha fora (que tinha atingido uma proteção que
possuía no peito), Dravot é aclamado pelo povo como um deus vivo, sucessor direto de Alexandre
o Grande. E isso acaba selando o destino dos amigos. Ao agir segundo suas emoções, Dravot
quebra o contrato que fizera com Peachey e pede ao povo que lhe preparem uma mulher para
casar-se com ele. A mulher, insatisfeita, morde o pescoço de Dravot. Ao ver o sangue escorrendo
pelo braço de Dravot, o povo descobre que os amigos não passam de trapaceiros e todo o reinado é
desfeito. A cada erro que Dravot comete em suas ações, Peachey está presente para orientá-lo, mas
levado pela ganância e a inconsequência do homem colonizador, Dravot é levado pelo excesso de
confiança e acaba perdendo sua própria vida. Mas, contudo, teve o que tanto almejou: a coroa de
Rei em sua cabeça.
3
KIPLING, Joseph Rudyard (1865-1936) escritor e poeta britânico, nascido em Bombaim, na
Índia, na época, parte do Império Britânico. Suas principais obras são: The Jungle Book (1894),
The Second Jungle Book (1895), Just So Stories (1902), e Puck of Pook's Hill (1906), Kim (1901);
Mandalay (1890), Gunga Din (1890), If (1910) e Ulster (1912); The Man Who Would Be King
(1888); "Life's Handicap" (1891), "The Day's Work" (1898), e "Plain Tales from the Hills" (1888).
Em 1907, Kipling recebe o Prémio Nobel da Literatura. Considera-se Kipling o principal
representante da literatura imperialista.
5

Abordaremos as características históricas, sociais e políticas que


influenciaram a literatura da época, as questões éticas e morais exteriorizadas pela
fala dos personagens, suas ações que transpõem barreiras e atravessam fronteiras.
Nesta medida, destacamos que as relações sociais manifestam as diferentes
personalidades através do discurso e expressam comportamentos, sentimentos e
mundos subjetivos e intersubjetivos.
Trataremos também de questões como: interação e ação social, que
são temas muito bem explorados pelo filósofo e sociólogo alemão Jürgen
Habermas. Destarte, sua teoria ocupará o lugar central na análise da obra de
Kipling que terá como foco o agir em sociedade. Neste sentido, Habermas propõe
ao pensar o agir em sociedade, o resgate do conceito de “Mundo-da-
vida”4(Lebenswelt), cuja proposta é quebrar o paradigma do individualismo, e
levantar um novo paradigma: o das pretensões universais criticáveis que com a
perspectiva da virada pragmática da linguagem traz à luz do uso pragmático da
linguagem como coordenador da ação, a prática social através da racionalidade
comunicativa.

O perfil estratégico do colonizador

No século XIX, período em que a Índia foi colonizada, a Literatura


Inglesa sofre uma grande influência do pensamento imperialista ocidental com
uma forte abordagem da relação colonizador-colonizado. Na obra analisada, a
figura do colonizado é a de um ser rústico, inferior, mestiço e bárbaro enquanto a
visão de colonizador se destaca como um ser superior. Portanto, o discurso
imperialista acredita que os habitantes das colônias não possuem identidade
própria. É necessário que alguém lute pelas causas dos “fracos”.
Vemos assim que, a literatura reflete o pensamento monolítico, forte
nos países ocidentais como a França e a Inglaterra e suas ideologias. Nas obras
___________________________
4
Sobre o mundo-da-vida em Habermas, Pizzi diz que “a reconstrução do conceito de Lebenswelt
no conjunto da vida e da sociedade requer um procedimento racional. Essa racionalidade é, ao
mesmo tempo, comunicativa e historicamente situada, possibilitando a articulação de conceitos
como liberdade e igualdade, autonomia e reconhecimento recíproco, emancipação e liberação,
com base em um contexto existencial concreto e, ao mesmo tempo,pressupondo normas válidas
por todos.” PIZZI, Jovino. O Conteúdo Moral do Agir Comunicativo, 2005, p. 217.
6

literárias, portanto, há o papel do colonizador que pretende “civilizar”, impondo


seus costumes, a sua língua. O mesmo é apresentado no nosso conto em foco
quando, a princípio, se desvela uma resistência por parte dos nativos e o
colonizador é levado a “aprender” a língua nativa para então conquistar a
confiança do povo: “[...] Então ele perguntou o nome das coisas no dialeto deles:
pão, água, fogo, ídolos e tal, [...].” (KIPLING, 1975, p. 24).
Diante dessa dialética que concerne à relação colonizador -
colonizado, Said argumenta que o Oriente e o Ocidente estão interligados por
laços históricos e culturais provenientes do processo de colonização. Quanto ao
processo de orientalização do Ocidente, Said diz: “To speak of Orientalism
therefore is to speak mainly, [...], of a British and French cultural enterprise, a
project whose dimensions take it such disparate realms as the emigration itself,
the whole of India […]5.
Agir Comunicativo, Agir Estratégico e a arte da persuasão
Em sua teoria da Ação Comunicativa, Habermas segue a linha teórica
do pragmatismo, que compreende a comunicação como um ato racional - a
linguagem em uso. Assim, a ação comunicativa acontece no momento em que os
participantes desta ação interagem a fim de que haja uma compreensão entre
ambas as partes.
Nesta perspectiva, ego pretende comunicar algo: que seu discurso seja
aceito como válido por alter no sentido de ser significante e verdadeiro. Para isso,
o falante deve expressar-se de forma inteligível, permitindo que ambos possam
compreender-se mutuamente. Ao passo que, na comunicação onde um falante
utiliza o discurso em prol de alcançar objetivos próprios e garantir o sucesso da
ação, age de forma egocêntrica resultando na exclusão do outro.
No decorrer da história veremos que as personagens da obra analisada, buscam
obter um consenso. Neste enfoque, tal intento consenso está intimamente
relacionada ao Agir Comunicativo6.
____________________________
5
“Deste modo, falar de Orientalismo é falar sobretudo [...] do empreendimento cultural Inglês e
Francês, um projeto cujas dimensões tomam sentidos tão diferentes, como a própria imaginação,
o todo constituído pela Índia.” SAID, Edward W. Orientalism, 1979, p.4.

6
No que se refere ao Agir Comunicativo, Habermas diz que “o entendimento através da linguagem
funciona da seguinte maneira: os participantes da interação unem-se através da validade pretendida
de suas ações da fala[...]. Através das ações de fala são levantadas pretensões de validades
criticáveis, as quais apontam para um reconhecimento intersubjetivo.” HABERMAS: Pensamento
Pós-metafísico, 2002, p. 72.
7

Na teoria do Agir Comunicativo os interlocutores pretendem chegar a


um entendimento através da interação numa troca intersubjetiva a fim de obter um
consenso. Para isso, ego precisa aceitar como válido o proferimento de
alter. Ao passo que no Agir Estratégico7, o interlocutor pretende influenciar a
ação do “outro” de acordo com seu interesse particular e induz o comportamento
alheio a agir conforme o seu desejo. Vejamos a fala de Peachey ao tentar
induzir o amigo ao qual acabara de conhecer durante a viagem de trem, a pagar o
envio de um telegrama ao seu amigo Dravot que espera por uma notícia de
Peachey na estação de uma cidade que fica a caminho do destino do colega de
viagem:
[...] Você vai fazer baldeação no Entroncamento de Marwar
para chegar no território de Jodhpur e ele vai chegar no
entroncamento de Marwar na madrugada do dia 24, pelo
Correio de Bombaim. Você pode estar no Entroncamento de
Marwar nesse momento? Não queria incomodar, porque sei
como é precioso o pouco lucro que se consegue nesses Estados
da Índia Central... mesmo se você fingir que é correspondente
do Sertanejo. [...] Tenho que dar notícias dizendo o que me
aconteceu, senão ele não vai saber para onde ir. Acharia mais
que gentil da sua parte se você pudesse sair da Índia Central a
tempo de se encontrar com ele no Entroncamento de Marwar, e
dizer: “Ele foi para o sul por uma semana”. Ele sabe o que quer
dizer. É um homem grande de barba ruiva, e muito alinhado.
Estará dormindo como um cavalheiro, com toda a bagagem em
volta, numa cabina da segunda classe. Mas não precisa ficar
com medo. Você abre a janela e diz: “Ele foi para o sul por uma
semana”, e ele entenderá. Só vai encurtar sua temporada por
aqueles lados uns dois dias. Estou pedindo como um estranho
que vai para o oeste – falou com afetação. [...] e espero que
você dê o recado direitinho, pelo amor da minha mãe e da sua
também. [...].
É mais que um probleminha – continuou – e é por isso que
estou pedindo; e agora sei que posso confiar em você. Um
vagão da segunda classe no Entroncamento de Marwar, um
ruivo dormindo. Jure que vai se lembrar. Salto na próxima
estação, e tenho que ficar lá até ele chegar ou me mandar o que
desejo.”
(KIPLING, 1975, p. 8)

De acordo com a passagem acima citada, percebemos que o agir


estratégico tem por meta atingir um determinado fim que pode ser alcançado ou
não. Sendo assim, a comunicação é utilizada para provocar efeitos

_______________________________
7
Habermas afirma que “No Agir Estratégico a constelação do agir e falar modifica-se. Aqui as
forças ilocucionárias de ligação enfraquecem; a linguagem encolhe-se, transformando-se num
simples meio de informação.” HABERMAS: Pensamento Pós-metafísico, 2002, p. 74.
8

perlocucionários8 que são efeitos que não guardam nenhuma relação com o
significado do proferimento, pois o falante só pode agir estrategicamente
ocultando os interesses particulares que subjaz o seu discurso. Neste sentido,
Peachey, ao tentar convencer o amigo, percebe que este se encontra na mesma
situação financeira que ele, ou seja, sem dinheiro, para pagar o envio do
telegrama. E no ato comunicativo, os amigos conversam sobre assuntos
pertinentes à condição em que eles se encontram: a condição de “vagabundos”.
Vejamos as passagens abaixo que nos mostram o momento em que as personagens
se identificam:
Peachey: “Se a Índia só tivesse homens como você e eu que,
como os corvos, não sabem o que vão comer no dia seguinte,
esta terra não pagaria setenta milhões de impostos: seriam
setecentos milhões”.
O amigo: “Quanto mais eu olhava para a sua boca, mais me
sentia inclinado a concordar com ele. Falamos da política, a
política da Vagabundagem que vê as coisas pelo lado avesso
[...].”
(KIPLING, 1975, p. 8)

A partir da dinâmica do agir orientado para o sucesso, pode-se afirmar


que Peachey, ao comunicar-se com o amigo utiliza, em seu discurso, argumentos
que despertam a afetividade do companheiro, a fim de que este leve pessoalmente
o recado ao amigo Daniel Dravot. Carnehan dispõe de proferimentos como:
“Meu negócio é muito urgente.”; “Não queria incomodar [...].”; “Acharia mais
que gentil da sua parte se você pudesse [...].”; “Pelo amor da minha mãe e da sua
também [...].”; “[...] e agora sei que posso confiar em você.”
Não obstante, o colega de viagem envolvido emocionalmente, se sente
na obrigação de ajudá-lo e, ao partir para o seu destino, faz uma parada no
Entroncamento de Marwar, onde Dravot já esperava por uma notícia de Carnehan.
Pelas descrições que Peachey havia dado sobre Dravot, o amigo mensageiro
entregou o recado sem obter qualquer recompensa, pois a maior recompensa seria
ajudá-los. Vejamos, através do trecho abaixo o momento em que o “mensageiro”
entrega o recado de Carnehan a Dravot, e, persuadido por Carnehan, sente
satisfação em ter o seu dever cumprido:
“[...] Vim lhe dizer que ele foi para o sul por uma semana. Foi
para o sul por uma semana!
O trem começara a se movimentar. O ruivo esfregou os olhos.

___________________________
8
Habermas define os atos da fala como locucionários, o qual o falante simplesmente diz algo,
expressa um estado de coisas; ilocucionários, quando a linguagem é usada objetivando o
9

– Foi para o sul por uma semana – repetiu. –Agora é só seguir


o plano. Ele disse que ia lhe dar alguma coisa? Porque não vou.
– Não disse nada – falei, e fui embora; continuei observando as
luzes vermelhas desaparecerem no escuro.
Fazia um frio terrível, pois o vento levantava rajadas de areia.
Voltei ao meu trem [...] e fui dormir.
Se o homem de barba ruiva tivesse me dado uma rupia, eu a
teria guardado como recordação de um caso bem curioso. Mas
a consciência do dever cumprido era a minha única
recompensa.”
(KIPLING, 1975, pág. 9)

Podemos observar mais uma vez que na dinâmica da linguagem


voltada para o agir estratégico uma pessoa influencia a outra motivada pela
intenção de atingir o seu objetivo a qualquer custo e obter vantagens para si,
persuadindo e induzindo o comportamento alheio sem que o outro perceba a sua
intenção. Assim, todas as possibilidades de obter um consenso encontram-se
esgotadas. Nessa ótica, Lúcia Aragão afirma que:
“Na ação estratégica, um ator procura influenciar o
comportamento do outro por meio de sanções ou da
perspectiva de gratificação a fim de fazer com que a interação
continue conforme o primeiro deseja [...]”
(ARAGÃO, 1997, p. 115 )

Ao procurarem por um lugar no mundo onde pudessem reinar e


conquistar bens, Carnehan e Dravot reencontram, na redação de um jornal de uma
pequena cidade de Londres, o amigo que conheceram na viagem de trem. Este os
ajuda disponibilizando mapas da Índia. Então, ao planejarem suas aventuras,
encontram-se envolvidos em um processo comunicativo cujas ações são
amparadas em todo tempo pelo consenso a fim de que seus planos não sejam
comprometidos pelo desacordo. Vejamos o discurso de Dravot quando ele e seu
amigo Carnehan decidem viajar para a Índia:
“Pensamos no assunto meio ano, fizemos questão de procurar
nos livros e mapas e decidimos que agora só existe um lugar no
mundo que dois fortes podem chamar de ótimo. É o Kafiristão.
Pelos meus cálculos, fica no canto de cima à direita do
Afeganistão, a uns quilômetros de Pashwar. Lá existem trinta e
dois ídolos pagãos e nós vamos ser os números trinta e três e

_______________________________
entendimento mútuo; e perlocucionários, que é o ato no qual o ator, através da comunicação, causa
um efeito no ouvinte, e, consequentemente, obtém vantagens pessoais.

“Eu caracterizei o compreender e o aceitar de ações de fala como sucessos ilocucionários; todos
os fins e efeitos que vão além disso devem ser chamados “perlocucionários”. HABERMAS,
Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, p.
72.
10

trinta e quatro. É um país montanhoso, e as mulheres são


lindas!”
(KIPLING, 1975, p. 15)

Cabe ressaltar neste momento que a arte da persuasão é explicitada


na literatura quando as personagens tentam ludibriar a população nativa com
promessas de crescimento e melhoria de vida em determinados discursos como o
de que os ocidentais, brancos, cultos têm a técnica do plantio, armamento
moderno, treinamento de soldados e estratégias de guerra, ou seja, todas as
novidades que trazem benefícios e os torna mais fortes. Observe o trecho da obra
em que Carnehan conta ao velho amigo editor de jornal sobre suas conquistas
junto a Dravot:
“[...] Aí uma porção de homens chegou ao vale, o Carnehan e o
Dravot os pegaram com os rifles antes que soubessem onde
estavam, correram para o vale, subiram para o outro lado,
encontraram uma aldeia igual à primeira, o povo todo caiu com
a cara no chão, e o Dravot disse: “Então qual é o problema
entre as duas aldeias?”e o povo apontou uma mulher, bonita
feito você e eu, que tinha sido raptada, e o Dravot levou ela de
volta para a primeira aldeia e contou os mortos: eram oito.
Para cada morto Dravot derramou um pouco de leite no chão e
rodou os braços feito um cata-vento e disse: “tudo bem”.
Então ele e o Carnehan pegaram os donos das aldeias pelos
braços, levaram-nos para o meio do vale, mostraram-lhes o
jeito de riscar uma linha com uma lança bem dentro da terra, e
deram a cada um deles um tufo de grama dos dois lados da
linha. O povo todo gritou e desceu como o diabo, e o Dravot
disse: “Ide arar a terra, e ela dará frutos, e os multiplicará”; foi
o que fizeram, mesmo sem ter entendido.[...]. Na semana
seguinte, eles aravam a terra do vale quietos feito abelhas e
muito mais bonitos; [...] Ele e o Carnehan escolheram vinte
homens bons e os ensinaram a atirar com rifle, rastejar e
avançar em formação, e eles gostaram muito daquilo; que
beleza vê-los pegando o jeito da coisa! Então ele tirou o
cachimbo e a bolsa de fumo e deixou cada um numa vila, e lá
fomos nós ver o que tinha que ser feito na próxima aldeia. Era
tudo pura pedra e lá estava uma cidadezinha, e o Carnehan
disse: “Mandem plantarem no outro vale”; tirou-os de lá e lhes
deu umas terras que ainda não tinham sido tomadas. . Era uma
tribo pobre, e sacrificamos um cabrito antes de deixar que
fossem para o novo Reino. Isso era pra impressionar o pessoal,
e então eles se acalmaram, e o Carnehan voltou pra junto de
Dravot, que fora para outra aldeia, pura neve e gelo e quase que
só montanha.[...]”
(KIPLING, 1975, p. 25)

De acordo com os argumentos ressaltados acima, considerar a


importância do desenvolvimento da nação e “libertação humana” é garantir o
clima de segurança aos quais os nativos se encontram submetidos. Assim, o
colonizador pode tirar proveito das condições precárias do povoado e construir,
11

aos poucos, o seu império e com isso conquistar a confiança do povo local que
depois de estar sob o domínio ocidental, perde o direito sobre si. Desta forma, o
imperador ganha a liberdade de aplicar as devidas penalidades a quem infringir a
lei imposta pelo dominador.
Ao analisarmos a obra de Rudyard Kipling, observamos que todo esse
jogo do império ocidental encontra-se presente na dialógica das personagens
quando, ao longo do conto, fortalecem-se ganhando cada vez mais aliados e
poder. A sorte parece ser uma fiel companheira e por tornarem-se seres
admiráveis, faz-se iminente o sonho de serem reis. Veremos que os anseios
imperialistas encontram-se muito bem explicitados na fala de Peachey Carnehan:

“Fizemos amizade com o sacerdote, fiquei lá sozinho com dois


do Exército, treinando os homens, um Chefe enorme apareceu
na neve com tímpanos e trompas zunindo, porque ouviu dizer
que tinha um deus novo circulando por ali. O Carnehan
apontou para a mancha escura dos homens no meio da neve, a
meio quilômetro de distância, e disparou num deles. Então
enviou uma mensagem ao Chefe dizendo que, a não ser que
quisesse ser morto, devia chegar, apertar a minha mão e deixar
as armas de lado. O Chefe veio primeiro sozinho, e Carnehan
apertou a sua mão e rodou os braços, como o Dravot fazia, e
ele ficou muito espantado e cutucou a minha sobrancelha.
Então o Carnehan foi até o Chefe, e lhe perguntou, por mímica,
se tinha algum inimigo que detestava. “Tenho”, disse o Chefe.
O Carnehan escolheu os melhores homens e botou os dois do
Exército para treina-los, e no fim de quinze dias os homens
sabiam manobrar feito Voluntários. Então marchou com o
Chefe para um grande planalto no alto de uma montanha, os
homens do Chefe correram para uma aldeia e a tomaram;
éramos três Mártinis atirando na mancha escura que eram os
inimigos, Aí, tomamos aquela aldeia também, e dei ao Chefe
um trapo do meu casaco e disse: “Ocupai até a minha volta”,
como está nas Escrituras. Só para lembrar, quando eu e o
Exército estávamos a um quilômetro de distância mais ou
menos, atirei uma bala perto dos que tinham ficado na neve, e o
povo todo caiu com a cara no chão.”
(KIPLING, 1975, p. 26)

Diante de tais circunstâncias, a observação acerca do agir estratégico


na fala das personagens, faz emergir um aspecto importante da arte da persuasão:
o disfarce (persona), dissimulação, papéis caracterizados pelos atores com suas
variadas formas de expressão: linguagens gestuais e verbais entre outras. Estas são
táticas usadas para manipular situações que se firmam sobre a necessidade dos
aldeões. Assim, através das forças externas como, por exemplo, ameaças de
morte, reprimem e enfraquecem a linguagem tornando-a incapaz de exercer o
papel de coordenadora da ação, criando um sentimento de impotência.
12

Reside aqui a necessidade de ter um “rei” forte, sábio, para governar a


nação:
“Eu não fui Rei – disse Carnehan. – O Dravot é que foi Rei e
ficou lindo com a coroa de ouro na cabeça e tudo mais. Ele e o
outro sujeito ficaram nessa aldeia, e toda manhã o Dravot
sentava ao lado do velho Imbra, o povo vinha e o adorava. Era
ordem do Dravot.
(KIPLING, 1975, p. 24)

Para sustentar a posição privilegiada, se faz necessário um equilíbrio


emocional e mental que possibilite a interpretação de símbolos que concernem ao
mundo subjetivo de um determinado grupo social e traduzem sua cultura. Desse
modo, os protagonistas do conto garantem o status de reis:

“Peachey”, disse o Dravot, “não vamos mais lutar. Agora é usar


a cabeça; por isso, me ajude” e levou aquele Chefe que deixei
em Bashkai. Depois o chamamos de Billi Fish, porque parecia
demais com o Billy Fish que dirigiu o tanque de Mach, no
Bolan, nos bons tempos. “Aperte a mão dele”, disse o Dravot, e
eu o fiz e quase caí, pois o Billy me fez a Saudação. Eu não
disse nada, mas tentei a Saudação de Grau de Mestre, mas foi
um erro. “Ele é um Companheiro, é o que ele é”, falei para
Dan. “Ele sabe a senha?” “Sabe”, disse o Dan, “e todos os
companheiros sabem. É um milagre! Os Chefes e os sacerdotes
tomam parte nos trabalhos da Loja do Grau de Companheiro de
um jeito muito parecido com o nosso, e fizeram marcas nas
rochas; não conhecem o Terceiro Grau, mas vão descobrir. É
verdade divina Aprendi nesses anos todos que os afgans
conheciam até o Grau de Companheiro, mas isso é um milagre.
Um Deus e um Grão-Mestre da Fraternidade sou, e uma Loja
do Terceiro Grau vou abrir, e vamos juntar os sacerdotes e os
Chefes das aldeias.”
(KIPLING, 1975, p. 27)

Percebe-se que Dravot, entremeado com a posição de poder e riqueza,


manifesta o desejo de abrir uma Loja. Carnehan, como mediador de suas ações,
nota que o companheiro encontra-se inclinado a agir de forma precipitada
arriscando a posição de Rei e de Grão-Mestre, alerta o irmão do perigo de abrir a
Loja: “Isso é contra a lei”, eu disse, “abrir uma Loja sem autorização de
ninguém, e você sabe que nunca tomamos parte nos trabalhos de uma Loja
antes.” (KIPLING, 1975, p.27).
Apesar de Carnehan buscar obter um consenso com Dravot, este se
encontra afetado por influências externas se mostrando irredutível:
“É um golpe de mestre em matéria de política”, observou
Dravot. “Quer dizer, é dirigir o país como um vagão descendo
a ladeira. Não podemos parar agora para perguntar, senão se
viram contra nós. Estou com quarenta Chefes sob os meus pés,
e faço e desfaço deles de acordo com o merecimento. Acomode
13

esses homens nas aldeias, e providencia para iniciarmos os


trabalhos de uma Loja qualquer. O templo do Imbra fica sendo
a sede da Loja. As mulheres vão fazer uns aventais do jeito que
você mostrar. Receberei os Chefes hoje à noite e iniciamos os
trabalhos da Loja amanhã.”
(KIPLING, 1975, p. 27)

Vejamos que ambos compartilham de uma mesma história de vida e


utilizam no discurso objetos simbólicos pertencentes a um mesmo universo
cultural. Dravot não dá ouvido ao seu irmão de caminhada, e ainda o convence a
agir conforme a sua vontade. Assim, o universo em que os amigos encontram-se
inseridos constitui o pano de fundo para a ação comunicativa. Neste enfoque,
Aragão diz:
“Na atividade de orientar-se para o entendimento, as pessoas
acabam por instituir um conjunto de sentidos gramaticalmente
pré-determinado, a partir do qual os indivíduos socializados se
abastecem para compreender, interpretar e agir sobre o
mundo”.
( ARAGÃO, 1997, p.43)

Para este universo cultural, o qual os indivíduos compartilham,


Habermas usa a expressão “mundo de vida”9. A este universo pertence uma
multiplicidade de elementos fundamentais que envolvem a ação dos indivíduos
sobre o mundo: personalidade, cultura e organização social em que estão
inseridos. Neste sentido, os participantes encontram-se envolvidos no processo
comunicativo, movendo-se e reconhecendo-se em seus respectivos mundos e
agindo sobre eles.
Assim, ressaltamos que, na ação comunicativa, Habermas desenvolve a
Teoria da Verdade Consensual. Esta teoria apóia-se nas pretensões de validez do
discurso baseadas em um critério de verdade fundamentado, o que distancia sua
teoria do uso da linguagem apenas para nomear estado-de-coisas e busca a
comunicação livre, porém, propensa a críticas por parte do ouvinte, isto legitima o
discurso e elimina interesses próprios resultando assim em uma situação “ideal”
de fala. Segundo Aragão:

_________________________________
9
“A visão habermasiana de “mundo de vida” é descrito como um mundo no qual os atores da
comunicação são engajados nele e que comunguem das mesmas bases, das mesmas normas. As
certezas que acompanham a ação podem ruir, não por causa das circunstâncias objetivas
decepcionantes, mas devido a objeções ou a contradições dos outros que possuem valores
diferentes ou que seguem normas incompatíveis entre si”. SIEBENEICHLER, Flávio Beno.
Jürgen Habermas. Razão comunicativa e emancipação. Tempo Brasileiro, 2002. p. 116.
14

“Ao elaborar uma teoria consensual da verdade que se opõe ao


modelo de verdade como correspondência entre enunciados e
estado-de-coisas, a intenção de Habermas é fundamentar o
critério de verdade no uso original da linguagem, como forma
de alcançar entendimento entre falantes e ouvintes, totalmente
isenta de qualquer coação. Numa teoria consensual da verdade,
o critério para asseverar a verdade de um enunciado seria a
possibilidade de se obter consenso, entre os participantes de
uma situação de comunicação, sobre seu conteúdo.”
(ARAGÃO, 2002, p. 110)

De acordo com a teoria do consenso, o falante deseja comunicar algo


verdadeiro, entretanto, precisa tornar o ambiente propício ao entendimento e isso
pressupõe que o conteúdo abordado permita uma eventual intervenção por parte
do ouvinte. Desta forma, o locutor permite, ao tornar o ambiente dialógico, a
interação e a ação social.
Até aqui vimos que Peachey tem procurado, através do consenso,
ajudar o amigo a tomar decisões seguras. Entretanto, Dravot não deseja mais
“fazer uma Nação”, tudo que conquistou até agora como Rei torna-se pequeno
diante da sua ganância. Desde então, tem almejado “construir um Império”: “[...]
vamos ser imperadores, imperadores da Terra!”.
Não obstante, Dravot sente a necessidade de arrumar uma esposa, e
fazer dela uma Rainha. Em divergência do pensamento de Peachey, Dravot quebra
o contrato que fizera juntamente com seu amigo. Vejamos o contrato que Peachey
e Dravot assinaram, testemunhado pelo amigo editor do jornal antes de partirem
rumo à grande aventura:

“Este contrato entre mim e você dá testemunho em


nome de Deus. Amém e assim por diante:
(Um) Que eu e você vamos entrar neste negócio
juntos, isto é, vamos ser Reis do Kafiristão.
(Dois) Que você e eu , enquanto este negócio estiver
sendo resolvido, não vamos olhar para nenhuma
Bebida, nem para nenhuma Mulher preta, branca ou
mestiça, pois se meter com uma e outra é prejudicial.
(Três) Que vamos nos conduzir com Dignidade e
Discrição, e se um de nós se meter em confusão o outro
responde por ele.
Assinado neste dia por você e eu.
Peachey Taliaferro Carnehan.
Daniel Dravot.
Dois cavalheiros decentes.”

(KIPLING, 1975, p.17)


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Nota-se que o caráter decisivo de Dravot deixa Peachey preocupado,


afinal, há entre os dois uma fidelidade, um amor fraterno que se firma no cuidado
de um com o outro. Vejamos os argumentos de Peachey e a resistência de Dravot:
Peachey Carnehan: “Pelo amor de Deus, deixe as mulheres de
lado!”, eu disse. “nós fizemos todo o serviço sozinhos, apesar
de eu não servir para nada. Pense no Contrato, e fique sem
mulheres.”

Daniel Dravot: “Quem está falando de mulheres?”, disse o


Dravot. “Eu falei esposa: uma Rainha que dê um Filho ao Rei.
Uma Rainha saída da tribo mais forte, que fará você irmão de
sangue deles e ficará do seu lado dizendo o que o povo acha de
você e dos problemas lá deles. É isso que eu quero.”

Peachey Carnehan: “Pela última vez , eu estou lhe pedindo,


Dan, não.” Falei. “Vai nos trazer confusão. A Bíblia diz que os
Reis não devem gastar energia com mulheres, principalmente
quando têm um Reino novo em folha para construir.”

Daniel Dravot: “Pela última vez estou lhe respondendo, eu


vou”, [...].
(KIPLING, 1975, p. 33)

Por conseguinte, Dravot, contrariando a cultura da aldeia, se mostra


transtornado por haver uma resistência por parte dos aldeões em arrumar-lhe uma
esposa, pois, segundo a lenda, a filha de um homem natural não pode casar-se
com um deus. Se isto acontecer, diz Billy Fish10: “Ela tem que morrer.” (Kipling,
1975, p. 33).
Os aldeões, finalmente, separam uma moça para casar-se com Dravot:
“‘A moça está com um pouco de medo’, disse o sacerdote. ‘Ela acha que vai
morrer’, [...].” (KIPLING, 1975, p. 34).
Dravot, ao conhecer a moça, agrada-se dela e a abraça. Ao abraçá-la,
ela, assustada, “dá um guincho” em seu pescoço e o fere fazendo-o sangrar. Neste
momento, a sua verdadeira identidade é revelada e o povo revolta-se contra
Daniel Dravot: “Nem Deus nem Demônio, só homem!” (KIPLING, 1975, p. 36).
Armada a confusão, Daniel acusa o seu amigo Peachey de não ter
cuidado bem do seu exército permitindo que se instaurasse um motim no meio de
seus comandados. Sobre este episódio narra Carnehan:

“É culpa sua”, ele falou, “por não ter cuidado melhor do seu
Exército. Tinha um motim no meio e você não sabia, seu cão
danado, maquinista de trem, colocador de placas, carregador de
___________________________
10
Na obra, Billy Fish é o chefe de Bashkai, um sacerdote que acompanha e assiste aos amigos
nas questões religiosas e culturais das aldeias. Único homem que sabe da farsa de Peachey e
Daniel e os acompanha até o desfecho da aventura dos amigos.
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missionário!” Ele se sentou numa pedra e me chamou de todos


os nomes que lhe apareceram na cabeça. Eu estava tão triste
que nem fiquei com raiva, apesar de ter sido a burrice dele que
armou a confusão.”
“Desculpe Dan”, eu disse, “mas não se pode contar com os
nativos. Esse negócio foi a nossa perdição. Quem sabe não
conseguimos alguma coisa lá em Bashkai?”
“Então vamos para Bashkai”, respondeu o Dan, “e, pelo amor
de Deus, quando eu voltar aqui vou passar uma vassoura nesse
vale que não vai ficar um micróbio!”
– Andou aquele dia inteiro, e a noite toda caminhou
pesadamente na neve, mastigando a barba e resmungando.
(KIPLING, 1975, p. 36)

Decretada a sua decadência, Daniel Dravot se vê confuso, pois


arruinara todas as conquistas até então alcançadas por ele e seu irmão Carnehan. E
por conta de um ato impensado, quebra o contrato e torna-se vítima de seu próprio
ímpeto colocando em jogo a sua vida e a de seus fiéis companheiros Peachey
Carnehan e Billy Fish:
“Não tem chance de sair dessa”, disse o Billy Fish. “Os
sacerdotes já mandaram mensageiros às vilas dizendo que
vocês são apenas homem. Por que não continuaram sendo
deuses até as coisas ficarem mais firmes? Sou um homem
morto”, disse o Billy Fish, e se atirou na neve e começou a
rezar para os seus deuses.”
– No dia seguinte estávamos num país pra lá de ruim: sem um
lugar seguro e sem comida. [...] Ao meio dia chegamos ao alto
de uma montanha plana toda coberta de neve e, quando
subimos havia um Exército em posição nos esperando!
“Os mensageiros andaram depressa”, disse o Billy Fish com
um risinho. “Estão nos esperando.”
–Três ou quatro homens começaram a atirar do lado inimigo e
um tiro perdido acertou o Dan na barriga da perna. Foi o que
trouxe de volta a razão. Ele olhou o Exército por cima da neve
e viu os rifles que tínhamos trazido para o país.
“Nós colaboramos”, falou. “É Inglês esse povo. E foi minha
maldita loucura que trouxe você até aqui. Volte, Billy Fish, e
leve seus homens. Você já fez o que pôde, agora chega.
Carnehan, aperte a minha mão e vá embora com o Billy.
Talvez, não matem vocês. Vou encontrá-los sozinho. Fui eu
quem fez isso. Eu, o Rei!”
“Vai”, falei. Vai para o Inferno, Dan! Estou aqui com você.
Billy Fish, você some, e nós dois vamos enfrentar esse povo.”
“Eu sou um chefe”, disse o Billy Fish calmo. Fico com vocês.
Meus homens podem ir.”

Notemos que a quebra de um contrato desencadeia uma série de ações que


afetam a convivência humana. Nessa dimensão política do agir em sociedade, o
“contrato moral nutre o agir comunicativo” Diante dessa afirmativa, PIZZI (2005,
p. 290) diz que “ o contrato representaria o aspecto formal desse compromisso
moral, qual seja, o acordo em torno de interesses particulares, grupais e
institucionais, [...], representa a base de uma sociedade.”
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Destarte, uma vez envolvido pela desventura de suas emoções, Dravot


percebe que é tarde demais, pois ele, Billy Fish e Carnehan são feitos prisioneiros
depois de uma emboscada. Billy Fish morre degolado, Dravot é levado para uma
ponte de corda e, lançado ao precipício, morre com a sua coroa na cabeça. Uma
morte digna de um Rei:

“Vocês acham que não vou morrer feito um nobre?” Ele se


virou para o Peachey, o Peachey que chorava igual criança:
“Eu trouxe você até aqui, Peachey”, disse: “tirei você da sua
vida tranqüila para ser morto no Kafiristão, onde você chegou a
ser Comandante-em-Chefe das Forças do Imperador. Diga que
me perdoa, Peachey.” “Perdôo”, falou Peachey. “De todo o
coração o perdôo, Dan.” “Aperte minha mão, Peachey”, disse
ele, “Agora me vou. E se foi, sem olhar para os lados, e ficou
pendurado no meio daquelas cordas balançando... “Cortem,
vagabundos”, gritou; e eles cortaram, e o velho Dan caiu,
rodando, rodando, rodando, trezentos mil metros, porque levou
meia hora caindo até bater na água, e pude ver o seu corpo
preso numa rocha com a coroa de ouro do lado.”
(KIPLING, 1975, p. 38)

Após a morte de Dravot, Peachey Carnehan Taliaferro é crucificado e


sobrevive. Segue-se a narração de Peachey:

“Mas o senhor sabe o que fizeram com o Peachey, no meio dos


pinheiros? Eles o crucificaram, meu senhor, como pode ver
pelas mãos do Peachey. Usaram cravos de madeira nas mãos e
nos pés dele, e ele não morreu. Ficou lá pendurado, gritando;
desceram com ele no dia seguinte, disseram que era um
milagre não estar morto.”
(KIPLING, 1975, p. 38)

Peachey, já debilitado pelos ferimentos da crucificação, volta à cidade


onde iniciou suas aventuras com Dravot. Na redação do jornal, reencontra o
amigo editor e narra todo a sua história e, logo após, morre de insolação dois dias
depois de ter sido internado pelo amigo em um asilo.
Concluímos assim que, um indivíduo ao agir estrategicamente, pode
destruir todo um projeto de vida porque limita a possibilidade de interação e
comunicação. O homem é um ser político por natureza e isto pressupõe que a
linguagem seja a condição una para o exercício da vida em sociedade. Assim, a
ética será o princípio norteador do agir comunicativo, da prudência e do bom
senso.
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Conclusão

No decorrer do presente artigo, analisamos o jogo da persuasão


embutida na fala das personagens e a argumentação contida no discurso
imperialista dos dominadores que afeta todas as práticas sociais e políticas. Na
narrativa O Homem que Queria ser Rei, o processo de atuação dos protagonistas
representa a maneira de pensar da soberania ocidental que vê o “outro” como
mestiço e rude. Nesta ótica, a pretensão de Edward Said é de romper com a visão
política monolítica do oriente. Ele argumenta que nenhuma cultura é pura ou
única, todas são heterogêneas e extremamente diferenciadas.
Ao longo deste artigo observamos que a estratégia de Carnehan se
firma em ações bem calculadas, conscientes, enquanto Dravot age sempre pela
emoção. Assim, Carnehan possui uma visão mais abrangente, o que lhe permite
um autocontrole. Porém, a ação dos dois se firma nos ideais imperialistas que os
afastava progressivamente de suas culturas, fazendo-os adentrar em um mundo
desconhecido, distante e perigoso, e, impulsionados pelo desejo de adquirir bens
materiais e poder, mentem, trapaceiam, desvirtuando-se dos valores morais
necessários à boa convivência humana. Desta forma, o agir estratégico estabelece
uma “influência recíproca” de indivíduos que se posicionam em relação a outros,
guiados pelo sucesso. Ao passo que o agir comunicativo se traduz na linguagem
partilhada intersubjetivamente, e permite aos atores sociais interagirem-se,
distanciando-se do egocentrismo e compreendendo–se mutuamente.
A partir dessas considerações, o nosso estudo possibilitou demonstrar
que a ação orientada para o sucesso exclui à comunicação e o seu papel de
coordenadora da ação. Assim, ética é uma postura à qual os homens em processo
de humanização e, portanto, de libertação, têm de assumir, perante outros
indivíduos e a sociedade. A consciência moral é consolidada na busca do exercício
democrático onde predomina o diálogo como elemento fundamental no processo
de interação social. Desse modo, temos refletido à luz da filosofia habermasiana, a
ética discursiva que se contrapõe à visão individualista do dominador, da negação
do outro e, consequentemente, da exclusão social.
O exercício democrático que propõe a autenticidade dos sujeitos,
participação e respeito à cultura, é um compromisso de todos os atores sociais no
exercício da solidariedade e cooperação. Assim, a comunicação sem coerção é o
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ingrediente básico para a troca intersubjetiva e o reconhecimento de si na


complexa esfera do “mundo-da-vida”.
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Referências Bibliográficas

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________________ A Inclusão do Outro. Trad. SEABRA, George e SOCTHE,


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_________________ Passado como Futuro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,


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21

_________________ Pensamento Pós-Metafísico: Estudos Filosóficos. 2ª ed. –


Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Universitário nº 90 (Série Estudos Alemães),
2002.

__________________ The Theory of Communicative Action - translated by


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PIZZI, Jovino. O Conteúdo Moral do Agir Comunicativo. Rio Grande do Sul: Ed.
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SIEBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e


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