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Adriano Botelho

Geografia
dos sabores:
Ensaio sobre a dinâmica da cozinha brasileira

A
culinária de um país é parte do gênero
de vida de seu povo. Exprime não só
os fatores físicos de sua geografia como
também seus aspectos humanos, econômicos, so-
ciais e culturais. Podemos, por meio de um proces-
so de “engenharia reversa”, “desconstruir” uma
receita para encontrarmos os produtos agrícolas
e as técnicas de cultivo, os temperos utilizados e o
tipo de pecuária dominantes em uma região. Mas
o prato não se resume a seus aspectos materiais.
É necessário, também, que façamos uma “arqueo-
logia dos sabores”, ou seja, uma dedução do tipo
de clima e solo principais, dos grupos étnicos pre-
sentes, das migrações existentes, das influências
exteriores, bem como das características culturais.
Portanto, podemos, a partir das receitas represen-
tativas de sua culinária, descobrir muitos dos ele-
mentos que compõe a geografia física e humana
de uma região. E, como numa via de mão-dupla,
o conhecimento antecipado dos fatores geográ-
ficos que configuram uma dada sociedade pode
contribuir para a explicação de seus hábitos ali-

Sabores do Brasil 61
mentares. Como disse Sophie Bessis: “Dize-me o de nossa cozinha é sua relativa homogeneidade na
que comes e direi que Deus adoras, sob qual la- alimentação cotidiana da maioria dos brasileiros,
titude vives, de qual cultura nasceste, e em qual com pequenas variações regionais, dominada
grupo social te incluis. A leitura da cozinha é uma pela dupla feijão com arroz, acompanhada pela
fabulosa viagem na consciência que as sociedades farinha de mandioca, salada e carne (de gado,
têm delas mesmas, na visão que elas têm de sua porco, ave ou peixe).
identidade”. Para realizar uma geografia dos sabores do Bra-
Quando falamos em cozinha brasileira (ou sil, devemos levar em conta tais aspectos de sua
cozinha italiana, francesa, chinesa, etc.), estamo-nos culinária, relacionados tanto com os pratos típicos
referindo a formas culturalmente estabelecidas (a diversidade) quanto com a alimentação coti-
que fazem parte de um sistema alimentar com- diana (a homogeneidade). Também não podemos
posto por um conjunto de técnicas, produtos, há- pensar a cozinha brasileira somente em termos de
bitos e comportamentos relativos à alimentação. receitas tradicionais, pois, como já se mencionou,
Porém, não se trata de algo estático, pois os in- a culinária, como manifestação sociocultural, faz
tercâmbios entre os distintos povos são constan- parte de um processo dinâmico que expressa as
tes e cada vez mais intensos, e as sociedades que transformações por que passa uma sociedade.
geram suas culinárias também se modificam ao Nesse sentido, é que pretendemos analisar, no
longo do tempo. Desse modo, como nos lembra presente artigo, a geografia culinária do Brasil.
a antropóloga Maria Eunice Maciel, uma cozinha
não pode ser reduzida a um mero inventário ou Os pratos típicos:
repertório de ingredientes, nem convertida em a geografia da diversidade
fórmulas e combinações de elementos cristaliza-
das no tempo e no espaço. Ao passarmos os olhos por um livro de re-
A cozinha brasileira foi, desde seu início, ceitas de cozinha brasileira, logo percebemos a
dinâmica, pois é, sabidamente, fruto de influên- diversidade regional expressa nas distintas recei-
cias de diferentes grupos sociais que se relacio- tas típicas de suas culinárias. São exemplos dessa
naram e continuam a se relacionar (nem sempre diversidade: o barreado e o arroz de carreteiro na
de forma harmônica) ao longo de nossa história. Região Sul; a moqueca (capixaba, de banana da
E dada a grande extensão do País, sua diversida- terra), o tutu de feijão, a feijoada, o feijão-tropeiro
de climática, de relevo e solos, bem como as dife- na Região Sudeste; a tapioca, a carne-de-sol com
renças de povoamento de suas distintas regiões, baião-de-dois, a paçoca de carne-seca, a buchada
podemos afirmar que uma das marcas da culiná- de bode, a galinha à cabidela, o bobó de cama-
ria brasileira é sua diversidade, que se expressa, rão, o sarapatel, o vatapá e o acarajé na Região
geograficamente, por meio dos “pratos típicos” Nordeste; o pato no tucupi, a maniçoba, o tacacá
regionais. Porém, paradoxalmente, outra marca na Região Norte; o arroz com pequi, o tutu com
lingüiça, a guariroba, a mojica e o pacu assado na

A citação de Sophie Bessis foi retirada do artigo de Maria Eu- Região Centro-Oeste.
nice Maciel, “Uma cozinha à brasileira”, Estudos Históricos, n. Cada uma dessas receitas revela um gênero
33, Rio de Janeiro, 2004.
de vida, uma maneira de relacionamento do ho-

Maciel, Maria Eunice. “Uma cozinha à brasileira”, Estudos
Históricos, n. 33, Rio de Janeiro, 2004. mem com o meio geográfico que foi desenvolvida

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Baiana fazendo acarajé.
Foto: Christian Knepper (Embratur)

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durante vários séculos e que recebeu influências A segunda, originária da atividade de cria-
diversas de grupos étnicos distintos. A proximi- ção bovina e caprina e economicamente baseada
dade do mar ou de rios, a mediterraneidade, o na pecuária extensiva, foi marcada pelo clima
tipo climático, a intensidade da presença das cul- semi-árido e pela escassez de rios perenes. Além
turas indígena, africana e européia, as atividades disso, o peso da escravidão foi muito menor que
econômicas desenvolvidas, o grau de desenvol- no litoral, e, como conseqüência, a influência in-
vimento dos meios de comunicação são alguns dígena foi mais forte, ao lado da portuguesa. A
dos elementos sociogeográficos que contribuem significativa presença da carne-de-sol, cuja técni-
para a formação de uma cozinha regional. ca de conservação foi trazida pelos portugueses,
Uma observação: a partir do estudo das co- bem como da farinha de mandioca, marca da
zinhas regionais do Brasil, podemos concluir que influência indígena na alimentação do brasilei-
as cinco macrorregiões administrativas definidas ro, são os elementos basilares da alimentação no
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti- interior do Nordeste. A paçoca de carne-de-sol é
ca (IBGE) guardam, em seu interior, grande di- exemplo emblemático dessa combinação: carne-
versidade física e cultural, diferenciando-se, as- de-sol mesclada à farinha de mandioca.
sim, do conceito clássico de região, desenvolvido A cozinha do Centro-Oeste, por sua vez,
pela Geografia tradicional de base francesa, que revela as influências dos fluxos populacionais
transformou essa unidade de análise em elemen- que se encontraram nessa região, quase sempre
to fundamental para os estudos dessa disciplina. originários de outras partes do país e que se mes-
Quando se fala em cozinha nordestina, por claram com os elementos regionais. Pode-se per-
exemplo, não podemos deixar de considerar que ceber a influência da culinária mineira e paulista
há, na região, pelo menos duas cozinhas distin- em Goiás, a da nordestina e nortista no Tocantins
tas: uma do litoral e outra do interior. e a da paulista no Mato Grosso do Sul.
A primeira, originária da civilização do açú- A Região Norte, por sua vez, tem como base
car do século XVI, tem como fundamento as con- de sua culinária os peixes e a mandioca, além dos
tribuições dos grupos sociais presentes no litoral frutos típicos, como o açaí e a castanha-do-pará,
nordestino (destacando-se a contribuição do afri- fartamente usados. A ubiqüidade da rede hidro-
cano, escravo, e do português, senhor de enge- gráfica na região e a forte presença da cultura in-
nho, dono de plantações, funcionário da Coroa dígena explicam, em parte, suas particularidades.
ou comerciante). Seu contato mais intenso com O tucupi, por exemplo, é elemento típico da culi-
a Europa, por meio do comércio de açúcar, tam- nária paraense. Elaborado a partir da mandioca
bém deve ser considerado, quando estudamos as brava, bem como do jambu, verdura típica que
características de sua culinária. As receitas tradi- possui propriedade anestésica, causa uma leve
cionais do vatapá, do acarajé, do caruru – que uti- sensação de tremor na língua. O tucupi e o jambu
lizam condimentos provenientes da África para estão presentes em duas iguarias típicas: o tacacá
sua elaboração – revelam não só a forte presença (prato a base de camarão) e o pato no tucupi.
africana na culinária dessa parte do Brasil mas A culinária típica do Sudeste do Brasil re-
também a intensa troca comercial de produtos vela, também, grande diversidade. No Espírito
realizados entre o Brasil e o continente africano Santo, por exemplo, a base tradicional são os
no período colonial. peixes e os frutos do mar, sendo a moqueca ca-

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pixaba seu prato mais conhecido. Já a cozinha
característica mineira e paulista sofreram forte A diversidade das
influência da atividade comercial interna exerci- cozinhas regionais
da por sua população no período colonial, sendo
o feijão-tropeiro sua mais conhecida expressão. e no interior das
Feijão misturado a farinha de mandioca, torres- macrorregiões é fruto
mo, lingüiça, ovos, alho, cebola e tempero era ali-
mento básico dos condutores de tropas de mulas, da combinação, ao
responsáveis pelo fluxo comercial entre a região longo da história, de
central do País, o litoral do Rio de Janeiro, e o Sul,
tradicional fornecedor de gado em pé ou charque. elementos geográficos,
O uso de legumes, frutos e tubérculos nativos é
sociais e culturais. São
marcante na culinária mineira, bem como o da
carne bovina, suína e de aves. Já a culinária flu- expressões elaboradas da
minense é marcada pela influência portuguesa,
identidade dos brasileiros
acusada pela presença do bacalhau. Outro ponto
forte da cozinha fluminense é a feijoada comple- que vivem nas distintas
ta, que se tornou um dos pratos de exportação,
partes do País.
simbolizando a própria cozinha brasileira.
Já a Região Sul do Brasil revela, em sua
culinária, o quadro humano que caracterizou A diversidade das cozinhas regionais e no
sua ocupação: a presença portuguesa no extremo interior das macrorregiões é fruto da combinação,
sul e no litoral, a alemã e italiana na área serra- ao longo da história, de elementos geográficos,
na centro-norte, bem como a eslava no estado do sociais e culturais. São expressões elaboradas da
Paraná. No extremo sul, fronteira norte da região identidade dos brasileiros que vivem nas distintas
pampeana, denominada por Fernand Braudel de partes do País. Mais além da culinária regional,
“civilização da carne”, a atividade pecuária extensi- expressão da diversidade, a cozinha brasileira é
va determinou o consumo generalizado da carne um fator de unidade nacional, por meio da iden-
bovina sob a forma de churrasco. As origens por- tificação do binômio feijão com arroz como prato
tuguesas no litoral do Rio Grande do Sul, Santa típico de subsistência cotidiana do brasileiro, ou
Catarina e Paraná podem ser detectadas nos pra- seja, como elemento de identidade nacional.
tos a base de peixe e frutos do mar e no barreado,
típico do litoral paranaense, que consiste em uma O feijão com arroz do dia-a-dia.
carne cozida, por longo tempo, em panela de bar-
ro, servida com arroz e farinha de mandioca. Na Para além das diferenças regionais, o prato
região serrana de Santa Catarina e do Rio Grande do cotidiano que está presente em quase todas as
do Sul, o clima subtropical e a presença de imi- mesas do País é formado pelo binômio feijão com
grantes alemães e italianos garantiram a presença arroz, acompanhado por salada, algum tipo de
não só do vinho e do trigo na cozinha local, mas carne e farinha de mandioca. O dicionário Auré-
também de receitas originárias da Europa. lio define o par feijão-com-arroz como “aquilo que

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O binômio feijão com arroz é base
da alimentação do brasileiro,
superando diferenças regionais e
sociais.

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é de cada dia; o comum; habitual”. Trata-se de
verdadeiro elemento de identidade nacional, que
abarca a população de norte a sul do País.
O feijão é um alimento básico para o brasilei-
ro. Seu cultivo já era conhecido, em suas diversas
variedades, tanto no Brasil pré-Cabralino como
na Europa e na África. Dessa forma, sua assimi-
lação pela culinária brasileira teve poucos obstá-
culos. Segundo dados da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a média atual
de consumo de feijão é de 12,7 kg brasileiro/ano.
Em pesquisa realizada pelo DataFolha no Municí-
pio de São Paulo, 34% dos entrevistados respon-
deram, espontaneamente, que seu prato preferido
era o feijão com arroz, e 76% afirmaram comer a
combinação com assiduidade. A preferência do
consumidor é regionalizada e diferenciada, prin-
cipalmente quanto à cor e ao tipo de grão.
Trata-se de alimento rico em proteínas que
constitui ingrediente principal da dieta da popu-
lação mais pobre. O feijoeiro comum é cultivado
ao longo do ano, na maioria dos estados brasilei-
ros, proporcionando constante oferta do produ-
to no mercado. Isso ocorre tanto em culturas de
subsistência quanto em cultivos que se empre-
gam avançadas técnicas. Devemos destacar que
o cultivo de feijão é também mais acessível ao
pequeno produtor familiar, pois pode ser realiza-
do em pequenas propriedades, utilizando pouca
tecnologia e mão-de-obra familiar, em contrapo-
sição à tradicional monocultura latifundiária de
cultivos como a soja e a cana-de-açúcar.
A Região Sul ocupa lugar de destaque no
cenário nacional de plantação de feijão, seguida
pelas regiões Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e
Norte, respectivamente. A larga disseminação e o
uso em todas as partes do feijão, aliados à oferta
constante e ao preço acessível, são importantes
Arroz com feijão, ovo e bife.
fatores para explicar o sucesso desse grão nos há-
Delfim Martins / Pulsar Imagens bitos alimentares brasileiros.

Sabores do Brasil 67
O arroz, por sua vez, veio a substituir a fa- Novos hábitos alimentares do
rinha de mandioca como principal acompanhan- brasileiro?
te do feijão. Essa última continua a ser, em algu-
mas regiões (sobretudo a Norte, a Nordeste e a Na década de 1940, apenas 30% da popu-
Centro-Oeste), um terceiro elemento indispensá- lação do País era urbana. Atualmente, 80% dos
vel à mesa. O arroz foi introduzido no Brasil nos brasileiros vivem em cidades. A urbanização re-
primeiros séculos da colonização portuguesa e, presenta uma transformação nos hábitos cultu-
paulatinamente, foi ganhando importância nos rais tradicionais da sociedade brasileira. Novos
hábitos alimentares brasileiros, até tornar-se ele- costumes são difundidos pelos meios de comuni-
mento essencial de nossa culinária cotidiana. Tra- cação e pela mobilidade populacional impulsio-
ta-se de um dos alimentos com melhor balancea- nada pelas migrações internas; relações sociais
mento nutricional, fornecendo 20% da energia e tradicionais dão lugar a outras, em geral, mais
15% da proteína per capita necessária ao homem; dinâmicas; idéias circulam com maior rapidez,
é, também, uma cultura extremamente versátil, transformando modos de vida regionais conso-
que se adapta a diferentes condições de solo e lidados há séculos. Entre tais mudanças, novas
clima. Seu cultivo ocorre de norte a sul do País, formas de alimentar-se ganham espaço em nossa
tendo sido adaptado a áreas menos úmidas (ar- sociedade. O ritmo de vida urbano mais intenso,
roz de sequeiro). Apesar da relativa dispersão da tanto para os homens como para as mulheres, é
rizicultura no território nacional, cerca de 60% da um dos elementos explicativos para as transfor-
produção do Brasil é proveniente da Região Sul. mações nas práticas alimentares dos brasileiros.
O País se destaca como o maior produtor fora do Ao lado da intensa urbanização observada
continente asiático, estando entre os dez maiores a partir da década de 1950, devemos levar em
produtores mundiais. conta o desenvolvimento da indústria alimen-
Dessa forma, podemos explicar a relativa tícia para atender às novas configurações fami-
homogeneidade da alimentação cotidiana não liares e às novas necessidades dos moradores
somente pelas influências culturais dos distintos do meio urbano. Dessa forma, observamos uma
grupos sociais que conformaram a sociedade, industrialização crescente dos alimentos consu-
mas também pelas condições agrícolas e agrárias midos nos lares, com a proliferação de alimentos
do Brasil. Alimento de subsistência, rico em nu- congelados e desidratados, biscoitos e massas,
trientes, adaptado ao clima e solos de quase todo molhos e pratos prontos, etc. Mais do que apenas
o País, que pode ser cultivado em pequenas pro- responder às necessidades do mundo contempo-
priedades, de oferta constante e preços acessíveis, râneo, o setor de alimentos industriais cria novas
o binômio feijão com arroz é base da alimentação necessidades para o consumidor, por meio de
do brasileiro, superando diferenças regionais e agressivas estratégias de marketing.
sociais. Porém, com a crescente urbanização de Ao lado da industrialização dos alimen-
nossa sociedade, com as transformações na es- tos, ocorre, nas últimas décadas, a proliferação
trutura socioeconômica e na cultura, bem como de restaurantes de comidas rápidas, como forma
com a intensificação dos fluxos e intercâmbios de atender à parcela da população impossibilita-
internacionais, novos hábitos alimentares entram da de retornar à casa com a finalidade de fazer
em cena. sua refeição. O fast-food tornou-se presente na ali-

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mentação cotidiana do brasileiro, seja por meio exteriores aos consumidores. A “alta cozinha” se
dos estabelecimentos self-service; de bares que transforma em uma forma de diferenciação so-
servem “pratos feitos” ou sanduíches; ou das ca- cial e de expressão de status, enquanto que a co-
deias internacionais de junk-food. mida anunciada pelas grandes redes de fast-food
O outro lado da moeda da industrialização ou pelas corporações da indústria de alimentos
e massificação dos alimentos é a valorização das se reporta mais a um estilo de vida do que ao
cozinhas regionais e estrangeiras. O gosto pelo alimento em si. Um exemplo é o crescimento das
“diferente” e pelo “exótico” é uma das marcas linhas de alimentos light, que vendem um estilo
da cultura pós-moderna dos grandes centros de vida saudável e a busca de um corpo adequa-
cosmopolitas do mundo inteiro, e as metrópo- do aos padrões sociais dominantes.
les brasileiras não constituem exceção à regra. Nesse sentido, um novo capítulo da cozi-
Pode-se, então, falar em “disneylandização” da nha brasileira está prestes a ser escrito em virtu-
culinária mundial, na medida em que simulacros de dessas mudanças. Estaríamos caminhando em
das diferentes cozinhas mundiais proliferam no direção a uma homogeneização empobrecedora,
globo. A intensificação das relações comerciais que poderia significar o fim das cozinhas regio-
e financeiras, bem como a revolução nos meios nais? Os hábitos alimentares do brasileiro esta-
de comunicação e transporte contribuíram para riam sofrendo uma transformação fundamental,
a maior sensação de proximidade do consumi- na qual o feijão com arroz do dia-a-dia estaria per-
dor com relação a diferentes partes do mundo. dendo lugar para outros pratos? Ou as cozinhas
A culinária, expressão sociocultural das diversas regionais passariam por uma redescoberta e re-
sociedades, não poderia deixar de ser afetada por valorização, tornando-se mais acessíveis aos bra-
essas transformações em âmbito global. sileiros e estrangeiros?
Por fim, o próprio ato de alimentar-se, há As respostas a essas perguntas somente o
muito, deixou de apenas suprir nossas necessi- tempo trará. Mas devemos ter claro que a culiná-
dades fisiológicas. Mais além de expressão cul- ria brasileira é marcada, historicamente, pela di-
tural, como já anteriormente discutido, a alimen- versidade, pela influência das distintas possibi-
tação está cada vez mais inserida no contexto lidades humanas e naturais abarcadas pelo País.
do que Baudrillard chamou de “a sociedade de As mudanças em nossa alimentação e em nossa
consumo”. A cozinha passa a ser afetada por mo- culinária são parte de transformações sociais,
dismos e a seguir as regras do mercado, subordi- econômicas e culturais mais amplas, que consti-
nando as autenticidades culturais ao imperativo tuem, como mencionado, um processo dinâmico.
da homogeneização dos gostos, cada vez mais di- A direção que essas mudanças podem assumir,
tados pela mass mídia e por necessidades que são por sua vez, depende dos rumos que a popula-
ção brasileira der a seu modo de vida.

A referência à Disney se dá devido ao pioneirismo de um de
seus parques, Epcot Center, em simular diferentes áreas de ci-
dades como Cidade do México, Paris, Roma, Tóquio ou Pe-
quim, onde se pode vivenciar “artificialmente” cada uma des- Adriano Botelho
sas cidades, e, inclusive, saborear as iguarias típicas de cada Diplomata; Mestre e Doutor em Geografia Humana
um desses países. A prática do simulacro de outras culturas é pela Universidade de São Paulo.
uma das características da chamada cultura pós-moderna.

Baudrillard, Jean. A sociedade de consumo.

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