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SOCIEDADE 5 POLÍTICA 9
Think Tank - A Revista da Livre-Iniciativa
Ano XIII - no 48 - Set/Out/Nov - 2009

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Arthur Chagas Diniz
Elcio Anibal de Lucca
Alencar Burti
Paulo de Barros Stewart
A REVOLUÇÃO CULTURAL SOCIALISTA A EROSÃO ÉTICA DO LEGISLATIVO Jorge Gerdau Johannpeter
Rodrigo Constantino Marli Nogueira Jorge Wilson Simeira Jacob
José Humberto Pires de Araújo
Raul Leite Luna

14 15
Ricardo Yazbek
Roberto Konder Bornhausen
ESPECIAL MATÉRIA DE CAPA Romeu Chap Chap
CONSELHO EDITORIAL
Arthur Chagas Diniz - presidente
Alberto Oliva
Aloísio Teixeira Garcia
Antônio Carlos Porto Gonçalves
Bruno Medeiros
Cândido José Mendes Prunes
Jorge Wilson Simeira Jacob
José Luiz Carvalho
O BOM, O MAU E O FEIO Luiz Alberto Machado
CONSUMO DE TÓXICOS NO BRASIL... Nelson Lehmann da Silva
Uma visão liberal do fato Ricardo Vélez Rodríguez Octavio Amorim Neto
Roberto Fendt
Rodrigo Constantino
William Ling
DESTAQUE 19 LIVROS 26 Og Francisco Leme e
Ubiratan Borges de Macedo
(in memoriam)

DIRETOR / EDITOR
Arthur Chagas Diniz

JORNALISTA RESPONSÁVEL
Ligia Filgueiras
RG nº 16158 DRT - Rio, RJ

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tância para nós. Escreva para
Editorial
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Sr. editor o momento em que estamos A América Latina, afirma Ro-


Sou um empresário de médio
N redigindo este Editorial, a Po- drigo Constantino, caminha a pas-
porte que produz motores elétricos. lícia Federal divulga informações sos largos rumo ao socialismo, ten-
Os problemas que tenho encon- sobre o gigantesco volume de re- do como principal exemplo a
trado para expansão são rela- cursos financeiros que é captado Venezuela de Hugo Chávez. A re-
cionados ao imposto, especial- por igrejas evangélicas, enviado a volução bolivariana, graças até
mente o ICMS, o PIS e o IPI. Uma paraísos fiscais e finalmente apli- então aos elevados preços do pe-
empresa de consultoria local cado em negócios no Brasil. Com tróleo, ocupou posições inima-
recomendou-me expandir a pro- isso, o Senado e seus escândalos gináveis alguns anos atrás. O au-
dução e, com isso, diminuir os vão perder a primazia no noticiá- tor vê nos escritos de Antônio
custos administrativos que incidem rio. Tem sido constante, ao longo Gramsci o resumo da tomada do
sobre cada unidade produzida. da era Lula, a divulgação parcial poder pelos socialistas, sem a ne-
Ora, isto é o contrário do que vem de informações sobre casos laten- cessidade de revoluções armadas.
ocorrendo no Brasil, onde o PIB
cresce, mas a fatia dos impostos
tes visando afastar o interesse da O que torna a estratégia gramscista
destinados a pagar a burocracia mídia e, consequentemente, dos tão perigosa é exatamente o fato
aumenta, apesar do permanente leitores do noticiário que não be- de ela apodrecer os pilares demo-
crescimento do PIB. Afinal, eco- neficie os atuais donatários do país. cráticos, subvertendo seus valores e
nomia de escala funciona? Entre os articulistas desta edi- corroendo esses mesmos pilares. A
ção, a juíza Marli Nogueira avalia preocupação com a apatia moral
Heitor Fazzamelo Cunha a erosão ética do legislativo. Ela do Congresso brasileiro é um peri-
Florianópolis - SC torna evidente a queda moral dos goso elemento nessa construção.
ocupantes do Poder Legislativo, O economista Oscar Roberto
A economia de escala fun- mostrando que o afastamento en- Júnior, em fins de 2006, fez um exa-
ciona, sim. Se você se expandir, tre governantes e governados ge- me detalhado do que ocorreu na
você continuará a ter um diretor rou uma lassidão moral que trans-
comercial, um financeiro, alguém
América depois do que se con-
encarregado de recursos hu- formou os ocupantes de cargos vencionou infelizmente chamar de
manos, enfim, toda uma estrutura executivos e legislativos em interme- “Consenso de Washington”. As re-
administrativa cujo custo por uni- diários de verbas federais e esta- comendações do encontro e as
dade produzida vai ser menor em duais. A ocupação de cargos exe- aplicações recomendadas, apesar
função do número de motores cutivos é feita por indicação dos das críticas socialistas, trouxeram
produzidos. O que acontece no legisladores, que passam a se com- extraordinários benefícios a inúme-
Estado é que o governo lulista prometer em aprovar contas e pro- ros países da América. Apenas o
emprega um número cada vez jetos do governo. A juíza conclui que resultado das privatizações e a san-
maior de assessores em cargos de é lamentável o comportamento gria evitada são notáveis no Brasil.
confiança para premiar sindi- aético de nossos políticos, malba- Oscar chama a atenção para a Vale
calistas e petistas de um modo ratando os esforços que toda a do Rio Doce, a Embraer, a conces-
geral. Não se pode nem alegar
que se tem uma saúde pública nação faz para crescer. são de rodovias e um sem-número
mais eficiente e que o nível da O que fazer diante do consu- de outras privatizações que criaram
educação fundamental melhorou. mo maciço de entorpecentes? O empregos em grande escala.
Em tese, nós poderíamos ter professor da UFJF, Ricardo Vélez Em NOTAS estamos avaliando
impostos bem menores do que os Rodríguez, analisa o avanço do trá- o Projeto de Lei Complementar
40% do PIB que hoje pagamos. fico no Brasil a partir da decisão que institui o Fundo Nacional de
Eu diria que não seria absurdo dos principais cartéis de transformar Compensação Tributária, com a fi-
pensar em uma carga tributária o Brasil não apenas em um gran- nalidade de compensar perdas es-
da ordem de 25% do PIB. de consumidor (o que já é), como taduais e municipais decorrentes
Vá em frente, expanda-se, e também em produtor e distribuidor da desoneração do Imposto de
não tome o governo brasileiro de drogas. Descriminalizar a dro- Renda.
como paradigma.
O editor ga não é uma solução e já foi ten- O Livro dos Insultos é a obra
tada, sem êxito, em outros países, resenhada por Rodrigo Constantino
como Holanda e Suíça. Soluções na última página desta edição, que
Envie as suas mensagens para
a rua Rua Maria Eugênia, 167 - estão mais próximas daquelas usa- é acompanhada pelo Sumário do
Humaitá - Rio de Janeiro - RJ - das pela cidade de Medelín na livro Entre os cupins e os homens,
22261-080, ou ilrj@gbl.com.br. Colômbia, já copiadas em algu- um extraordinário trabalho do sau-
mas cidades brasileiras. doso professor Og Leme.

SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48 4
Sociedade

A revolução cultural socialista


Rodrigo Constantino
Economista e escritor

América Latina caminha a titucionais mais sólidos, o que não Socialista Italiano. Gramsci era
A passos largos rumo ao so- impediu algum progresso na meta um simpatizante da revolução
cialismo, tendo como principal socialista. Não é possível com- bolchevique de 1917, e foi um
exemplo a Venezuela de Hugo preender corretamente o fenô- dos fundadores do Partido Co-
Chávez. São 15 países com go- meno sem levar em conta a munista Italiano. Preso pelo
vernos alinhados ao Foro de São questão cultural, a verdadeira regime fascista de Mussolini, ele
Paulo, cuja meta é resgatar na revolução arquitetada no campo começa a escrever notas na
região aquilo que se perdeu no das ideias. E quando se fala em prisão que mais tarde se tornarão
leste europeu. A “revolução boli- revolução cultural, o nome de os Cadernos do Cárcere. O tema
variana” vai se alastrando pelo Gramsci merece destaque. central presente em seus escritos
continente, turbinada pelos petro- Nascido na Itália em 1891, será sua estratégia de tomada do
dólares venezuelanos. No Brasil Antonio Gramsci foi um marxista poder, distinta do modelo le-
encontrou alguns obstáculos ins- intelectual, membro do Partido ninista. Para Gramsci, o “assalto

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Sociedade

ao poder” de Lênin não seria o ção”. O que torna a estratégia


método adequado nos países gramscista tão perigosa é exata-
ocidentais. A estratégia gramscista mente o fato de ela apodrecer os
de transição para o socialismo pilares democráticos de dentro
contará com aspectos mais da própria democracia, subver-
graduais, alterando a cultura para tendo seus valores e corroendo
permitir a conquista final do poder esses pilares.
pelas classes subalternas. Esta Democracia, etimologica-
tem sido a receita praticada na mente falando, quer dizer “go-
América Latina nas últimas dé- verno do povo”. No pensamento
cadas, com resultados claramente gramsciano a burguesia é “não-
positivos do ponto de vista dos povo”. Portanto, a democracia
marxistas. seria o governo do proletariado e
Fazendo sua parte na tentativa dos camponeses, excluindo os
de esclarecer melhor esse fenô- burgueses. Os gramscistas falam
meno, o general Sérgio Augusto em “democracia radical” ou
de Avellar Coutinho escreveu o “radicalismo democrático” para
livro A Revolução Gramscista no se referir a esse modelo. Basta
Ocidente, que faz um didático Antonio Gramsci (1891-1937) lembrar que o presidente Lula
resumo da concepção revo- chegou a afirmar que na Vene-
lucionária de Gramsci. Conforme coisa do passado burguês, as zuela de Chávez havia um “ex-
o próprio autor afirma, o obje- classes desaparecem e todos cesso de democracia”. Essa
tivo do livro é tentar “traduzir” vivem felizes para sempre. Pode deturpação da ideia de demo-
Gramsci, decodificar seu pensa- parecer incrível para alguns que cracia é útil para a causa socia-
mento. Esta é uma valiosa con- essa utopia ainda possa con- lista, pois eles podem falar em
tribuição para a causa da li- quistar tantos adeptos. Mas basta “socialismo democrático”, distan-
berdade, justamente porque a um olhar mais atento em volta ciando-se no imaginário popular
estratégia gramscista de tomada para constatar que isso é fato: o do regime ditatorial adotado na
do poder parece eficaz e está em socialismo ainda encanta muita União Soviética. Isso garante o
estágio avançado na região. gente. E com os instrumentos respaldo de legalidade, evitando
Conhecer melhor o inimigo é estratégicos fornecidos por assim eventuais resistências e
fundamental para combatê-lo de Gramsci, o perigo aumenta expo- reações da sociedade.
forma eficiente. E quem não nencialmente. Além disso, Gramsci defende
entender melhor a amplitude do Como explica o general Avellar o “pluralismo das esquerdas”,
fenômeno, que se alastra em Coutinho, o conceito de “socie- admitindo as alianças dos par-
inúmeros aspectos culturais, dade civil” é central entre as tidos e das organizações de
ficará impotente diante do avanço categorias desenvolvidas por
socialista, do “caminho da servi- Gramsci. Trata-se de um espaço
dão”, como dizia Hayek. social público onde as pessoas se
Muitos preferem acreditar organizam em aparelhos volun-
inclusive no óbito da ideologia tários privados para exercer a
socialista depois da queda do hegemonia. Seria “o lugar onde
Muro de Berlim e da União as classes subalternas são cha-
Soviética. Doce ilusão! O mori- madas a desenvolver suas
bundo apenas recuou um pouco, convicções, a formar o consenso
fez algumas plásticas superficiais, e a lutar por um projeto hege-
mudou a embalagem, mas con- mônico mais avançado”. Essa
tinua bastante vivo. As ideias de hegemonia, por sua vez, seria a
Gramsci serviram justamente capacidade de influência e de
para esta mudança tática, para a direção política e cultural de um
adaptação dos socialistas à nova grupo social. O grupo dirigente
realidade. Mas a meta continua seria justamente aquele que tem
a mesma: conquistar o poder e a hegemonia, ou seja, “que tem
criar o “novo homem” e o “novo capacidade de influir e de orientar A Revolução Gramscista no Ocidente,
mundo”, onde a necessidade é a ação política, sem uso da coer- de Sérgio Augusto de Avellar Coutinho.

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Sociedade

massa, principalmente para en- conceitos podem ser preservados perdem o seu valor funcional e
fraquecer e neutralizar as “trin- se forem “instrumentais”, bas- ético perante a sociedade civil”.
cheiras” burguesas. Como explica tando aprimorá-los para contri- Serão utilizadas táticas como
o autor, “ele admite até alianças buírem também para a formação “denuncismo”, isolamento, cons-
com partidos adversários em da nova mentalidade. Os meios trangimento e inibição, patru-
certas circunstâncias que contri- de comunicação social (imprensa, lhamento, penetração ideológica
buam para o êxito do movi- rádio e televisão) serão os prin- e infiltração de intelectuais. Trata-
mento”. Esse pragmatismo, uma cipais canais de difusão do novo se de uma batalha longa, que
herança maquiavélica, ajuda a senso comum. Além destes, o exige paciência, mas que cria as
manter a imagem democrática setor editorial, a cátedra, o magis- condições necessárias para a
também, em relação ao modelo tério, a expressão artística e o meio tomada do poder.
de partido único dos bolche- intelectual tradicional serão impor- O uso das crises a favor do
viques. O partido, o “moderno tantes veículos dessa transfor- movimento também faz parte das
príncipe”, realizará as transfor- estratégias de tomada do poder.
mações radicais que estabele- As crises econômicas não pro-
cerão o socialismo após a fase da
luta hegemônica, que terá criado
o clima adequado para a revo-
“ O objetivo final
de Gramsci é o
vocam imediatamente a crise
institucional, mas “permitem a
difusão de certas ideias e pen-
lução, subvertendo os valores comunismo, samentos que se podem enca-
tradicionais da sociedade bur- abolindo o Estado minhar para um subsequente
guesa e condicionando toda a e as classes. O agravamento da crise”. Como
população para o socialismo. disse Roberto Campos, “os co-
Na estratégia gramscista, o meio defendido munistas sempre souberam
papel dos intelectuais orgânicos é para isso é a chacoalhar as árvores para
crucial. O novo intelectual não é concentração apanhar no chão os frutos”. E
apenas um orador eloquente, absurda de poder acrescentou: “O que não sabem
mas um dirigente que orienta, no Estado ampliado. é plantá-las”. O fato é que os
influencia e conscientiza as comunistas sempre exploraram as
massas. O grupo de luta deve lutar A ingenuidade de crises para expandir sua ideologia
também pela assimilação e quem leva a sério e tentar conquistar mais poder. As
conquista ideológica dos intelec- esse tipo de coisa classes subalternas podem se
tuais tradicionais. Estes terão é realmente apresentar como única solução
participação consciente ou in-
consciente, podendo assumir o
papel de intelectual orgânico por
espantosa.
” institucional. O presidente Lula já
usou esse argumento em relação
aos invasores do MST, alegando
convencimento e adesão, ou por ser o único capaz de “conversar”
ingenuidade, acomodação ou até mação. Assim como a estratégia com o movimento. Além disso, a
por capitulação. Para Gramsci, atribuída a Goebbels no nazismo, crise parlamentar pode repre-
todos os membros do partido, em os argumentos serão repetidos ad sentar uma oportunidade interes-
todos os níveis, são intelectuais. nauseam através de uma “or- sante de tomada do poder, pois
Eles devem realizar na sociedade questração”. mantém todas as aparências de
civil uma profunda transformação O sistema defensivo da bur- fidelidade ao jogo político demo-
política e cultural, “amestrando” guesia deverá ser neutralizado. crático.
as classes burguesas também, Entre as principais instituições- O objetivo final de Gramsci é
levando-as a aceitar as mudanças alvo estão os partidos políticos, o o comunismo, abolindo o Estado
intelectuais e morais como parte parlamento, a classe empresarial, e as classes. O meio defendido
de uma natural e moderna evo- a Igreja, as forças armadas, o para isso é a concentração ab-
lução da sociedade. Para tanto, aparelho policial e a família. surda de poder no Estado am-
eles contam com o apoio dos Como explica o autor, “o em- pliado. A ingenuidade de quem
organismos privados, como preendimento de neutralização é leva a sério esse tipo de coisa é
sindicatos e organizações não- complexo e é conduzido pelo realmente espantosa. Ignoram o
governamentais. amplo trabalho psicológico, alerta de Lord Acton, de que o
Será criado na sociedade um político e ideológico que realiza o poder corrompe, e o poder
novo senso comum, que irá esvaziamento do moral do ele- absoluto corrompe absoluta-
destruir a capacidade individual mento humano das organizações mente. Para chegar à “liberdade”,
de bom senso. Alguns velhos burguesas, de tal modo que elas vão antes criar uma ditadura

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Sociedade

totalitária, e esperar que os todo- temos o conceito de “politi- pública” como critério de verdade
poderosos simplesmente decidam camente correto”, que passou a maior que a própria lógica, o uso
abrir mão de todo esse poder. dominar qualquer debate e da ecologia como projeto superior
Para abolir as classes, vão criar ofuscar a livre opinião ou inde- ao desenvolvimento econômico ou
uma enorme classe privilegiada, pendência intelectual. Trata-se de mesmo o ecoterrorismo para
a nomenklatura, e aguardar o “socialização” da opinião, e o atacar o progresso capitalista, etc.
momento em que esses privi- patrulhamento ideológico é uma Em suma, o projeto de con-
legiados resolvam acabar com poderosa arma nesse sentido. quista do poder pelos comunistas,
todos os privilégios. Que tipo de Além disso, o conceito de le- calcado nas contribuições de
observador medíocre da natureza galidade está sendo substituído Gramsci, parece estar em um
humana poderia aceitar tais pelo de “legitimidade”, esvaziando estágio bem avançado na
premissas? Não é à toa que o as normas e leis em troca das América Latina. Hugo Chávez,
comunismo parece uma nova “reivindicações justas”. Invadir Rafael Correa, Evo Morales e
religião, dependente da fé acima terras ou saquear estabeleci- tantos outros governantes vão
da lógica. Um “paraíso” terrestre mentos passa a ser um ato “le- conquistando cada vez mais
é oferecido, prometendo o fim das gítimo”, pois representa um passo poder. Mesmo o governo Lula
necessidades, enquanto os na luta pela “justiça social”. conseguiu avanços nessa direção,
intermediários demandam mais Existem outros exemplos, sem falar das tentativas fracas-
que o dízimo: a submissão com- como o ataque aos valores sadas como o Ancinav, Conselho
pleta do indivíduo! familiares tradicionais, o uso Nacional de Jornalismo, etc. O
Ao término do livro, o general manipulado da questão racial próprio Lula teria dito que dirige
Avellar Coutinho oferece alguns para negar a tolerância multir- um fusca enquanto Chávez dirige
sinais do avanço da estratégia racial burguesa, o uso dos uma Ferrari rumo ao socialismo.
gramscista no Brasil que não “direitos humanos” como pro- Mas a meta é a mesma. O pior
podem fugir dos olhares mais teção ao criminoso, identificado é que, por se tratar de uma
atentos. Os mais jovens não como vítima da “sociedade verdadeira revolução cultural,
notam a mudança cultural burguesa”, enquanto a vítima real suas raízes são profundas e
porque não conheceram os va- é tratada com indiferença por ser dificilmente serão revertidas
lores antigos, e os mais velhos identificada geralmente como rapidamente. A luta pela liberdade
encaram as modificações como burguês privilegiado, a “satani- será árdua. Mas algo precisa ser
“naturais” ou “espontâneas”, zação” do “bandido de colarinho feito. Como teria dito Confúcio,
ignorando a “penetração cultural” branco”, identificado como “é melhor acender uma pequena
bem conduzida pelos intelectuais burguês corrupto e fraudador do vela do que praguejar contra a
orgânicos. Em primeiro lugar, povo, a utilização da “opinião escuridão”.

SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48 8
Política

A erosão ética do legislativo


Marli Nogueira
Juíza do Trabalho em Brasília, pós-graduada em Direito Constitucional pela UnB e
diplomada pela Escola Superior de Guerra

dores e também para os servi- Durante séculos governantes e


“...a virtude não nasce das dores do Senado, entre tantos governados viviam muito próximos
riquezas, mas da própria virtude outros, assistimos agora ao caso uns dos outros, frequentando os
vêm, aos homens, as riquezas e rumoroso envolvendo o Senado mesmos ambientes, falando a
todos os outros bens, tanto em atos secretos, gratificações mesma linguagem e cultivando os
privados como públicos.” dadivosas a funcionários, nomea- mesmos valores. Seja na pólis
(Platão, in Apologia de Sócrates) ções de apadrinhados e até grega, seja nas cidades romanas
mesmo a existência de passagens (apenas para citar algumas das
á virou rotina. Perdemos o secretas, como se o Senado fosse mais antigas civilizações), o
J controle sobre a avalanche um daqueles velhos castelos homem escolhido para uma
de escândalos que nossos po- medievais cheios de labirintos função pública era conhecido de
líticos se dedicam a protagonizar. secretos, em que os soberanos se todos aqueles que ficariam su-
Eles são tantos e tão variados que escondiam de seus inimigos, jeitos às suas decisões. Sabia-se
se torna um equívoco afirmar que tramavam os próximos ataques onde ele morava, quem eram seus
o brasileiro “não tem memória”. contra seus desafetos ou guar- pais, quem era sua mulher, quan-
É que não há memória suficiente davam os tesouros pilhados em tos filhos ele tinha, com quem se
para armazenar todos os es- suas guerras. relacionava, o que costumava
cândalos que, volta e meia, nos Mais do que indignação, con- comer e vestir, qual era o tamanho
deixam até mesmo atordoados, tudo – até porque a indignação, do seu patrimônio e de seu co-
sem saber em que – e em quem – à força de tanto ser experi- nhecimento sobre as neces-
acreditar. mentada, parece um sentimento sidades dos governados. Dessa
Como se não bastassem os esgotado, que já não vale mais forma, era possível um maior
escândalos sobre o mensalão, a nada –, devemos procurar as controle dos governantes pelos
questão das ambulâncias, os razões que levam a esse estado governados, sendo praticamente
sanguessugas, as passagens de coisas e as consequências que impossível que os primeiros prati-
aéreas distribuídas com o dinheiro delas possam advir. Como é im- cassem atos dos quais os se-
dos contribuintes, os marajás da possível esmiuçá-las todas nesse gundos não ficassem cientes. E
Petrobras, os planos de saúde pequeno espaço, importa refletir esse controle produzia, sem dú-
vitalícios para os distintos sena- pelo menos sobre algumas delas. vida, uma exigência de que os

SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48 9
Política

governantes procurassem se pau- preparo. É por essa razão que, Edmund Burke cerca de 2 mil
tar por uma conduta ética, sob aberto o certame eleitoral, vemos anos depois, sintetizada na cé-
pena de caírem em desgraça desfilar na televisão os mais lebre frase “para que os maus
popular. E, ainda assim, não variados tipos de oportunistas, vençam, basta que os bons não
foram poucos os exemplos dos muitos deles com passagens pela façam nada”.
que se desviaram desse norte, polícia. É igualmente equivocado, Muito contribuiu, ainda, para
com consequências nefastas para portanto, afirmar que “o brasileiro esse estado de ausência de regras
o seu povo. não sabe votar”. Como toda de conduta a gradativa destrui-
Com o decorrer do tempo, en- escolha envolve um conhecimento ção de todos os valores que for-
tretanto, essa proximidade foi se sobre as opções oferecidas, e jaram a civilização ocidental, os
perdendo, fruto da enorme ex- sendo desconhecido por completo quais foram perdendo terreno
plosão demográfica gerada a o perfil dos candidatos para a para o hedonismo exacerbado,
partir da Revolução Industrial e maioria dos cargos eletivos, o voto como se apenas a autossatisfação
dos avanços tecnológicos pro- já não passa de um jogo lotérico, material fosse suficiente para se
movidos pelo capitalismo, propi- com os eleitores honestos atirando viver em paz consigo mesmo.
ciando vida mais longa e de a esmo para ver se acertam em Como as pessoas não se sentem
melhor qualidade para todo alguém decente. mais na obrigação de prestar
mundo, o que acabou por cul- O fato é agravado, ainda, pela contas à sociedade, também os
minar na completa dissociação forte centralização do poder, a políticos experimentam o mesmo
entre governantes e governados, despeito de, em nossa Consti- conforto. Embora se fale tanto na
diminuindo sensivelmente o grau tuição, declararmo-nos um país necessidade de “transparência”
de certeza sobre o caráter da- federativo. Fica fácil, por isso, agir dos atos públicos, na verdade ela
queles que passariam a ditar as sem ética e “se lixando para a opi- será de pouca valia para alterar
regras de seu país e, consequen- nião pública”, como recentemente o ambiente vergonhoso de nossa
temente, o controle sobre suas afirmou um de nossos parla- política. Enquanto houver a
ações. O poder político ficou, mentares. Enquanto isso, au- menor possibilidade de alteração
assim, apartado do povo, em que menta na sociedade o sentimento dos dados a serem divulgados,
pese à ação da mídia, muitas vezes de impotência e de frustração, a seja no momento de sua cap-
até mesmo comprometida com ponto de fazer com que os jovens tação, seja no de seu registro, seja
aqueles que exercem o poder. Hoje honestos nem queiram mais no de sua divulgação, a trans-
temos, de um lado, os que exercem ingressar na atividade política. parência não poderá ser tomada
o poder político e, de outro, os Esse desprezo pela política nos como sinônimo de probidade. A
cidadãos, havendo entre ambas as condena ao anátema contido no verdadeira probidade consiste no
categorias uma distância tão alerta de Platão: “se os bons não autopoliciamento diuturno, na-
descomunal que já não é mais quiserem governar, terão de quela velha obsessão pelo agir
viável saber quem é quem. submeter-se ao governo dos corretamente, e não na propa-
Cientes disso, os políticos não maus”, advertência repetida por gação de dados que de forma
se pejam de, cada vez mais, se
envolver em atos de improbidade,
cientes de que será extremamente
difícil apanhá-los em todos eles.
E, quando isso ocorre, sabem que
há ainda a forte chance de se
manterem impunes, sequer sendo
obrigados a devolver todo o
dinheiro desviado ou a pagar
pelos seus crimes até mesmo com
a cadeia, como ocorre em países
desenvolvidos.
De outro lado, o cidadão,
percebendo a facilidade com que
se pode ficar rico da noite para o
dia no exercício de uma atividade
política, esforça-se por ingressar
nela, ainda que tenha plena
consciência de sua total falta de Durante séculos governantes e governados viviam muito próximos uns dos outros.

SET
ET/OUT/NOV
OV - 2009 - N
Nº 48 10
Política
alguma servem para assegurar- esquecer que o governo nada jamais pretenderam estabelecer,
nos da lisura com que foram produz e, portanto, não gera ri- seja criando novas leis no vácuo
praticados. quezas). Sem falar, é claro, na sua de regras que o próprio Legislativo
A imoralidade governamental forte contribuição para o agra- deixou de aprovar. Perde-se,
sempre acaba jogando sobre os vamento do problema quando portanto, o clima de segurança,
ombros de todos nós as suas coloca em postos-chave da má- indispensável para o desenvol-
consequências. Na mesma medi- quina estatal pessoas sem preparo vimento. E por mais que se
da em que o Legislativo – ou algum, deflagrando uma batalha apregoe que a economia brasi-
qualquer um dos Poderes – se insana pela disputa de cargos, leira vai muito bem, obrigado,
afunda em um lamaçal de escân- preferencialmente aqueles do- resta a certeza de que nosso
dalos, os demais Poderes, não tados de orçamento milionário, desempenho econômico seria
imunes ao mesmo mal, também mas sem que se veja a adequada significativamente mais expressivo,
se desvirtuam. A turbulência destinação desse orçamento. atraindo muito mais investimentos
gerada pelos escândalos passa a externos, caso pudéssemos asse-
desviar o órgão público de suas gurar aos investidores estran-

“governamental
funções precípuas, gerando uma geiros que eles irão pisar em solo
perda de tempo e de dinheiro (do A imoralidade firme e confiável.
nosso dinheiro) para a propalada Ademais, também a indepen-
“apuração dos fatos”. Somos, sempre acaba dência do Poder Judiciário se
assim, obrigados a suportar uma deteriora, na medida em que
carga tributária cada vez maior, a jogando sobre esforços sempre serão feitos para
fim de bancar não apenas a os ombros de todos pressioná-lo a fim de livrar po-
corrupção dos políticos, como nós as suas líticos aliados de eventuais con-
também o faz-de-conta das in- denações. Se tal não ocorresse,
vestigações, seja na esfera admi- consequências. Na certamente nossas cadeias já es-
nistrativa, seja no âmbito judicial. mesma medida em tariam lotadas só de assaltantes
Não é à toa que falta sempre que o Legislativo – do Estado.
dinheiro para a educação, a ou qualquer um Verificando-se tal desordem
saúde, a segurança... política não somente na esfera
Deixando o Legislativo de dos Poderes – federal, como também nas 27
cumprir sua missão consti- se afunda em Unidades da Federação e nos
tucional, para ficar cuidando de um lamaçal de quase 6 mil municípios brasileiros


CPIs de toda espécie, transfor- – embora estes últimos não
mando-se em uma imensa escândalos. possuam Poder Judiciário –, o
delegacia de polícia, e para de- desequilíbrio entre os Poderes não
dicar-se às reuniões das “comis- poderia ser maior. Um círculo
sões de ética” (que, na verdade, A independência entre os vicioso se instala, tornando quase
jamais conseguem punir exem- Poderes também fica prejudicada impossível a não-perpetuação
plarmente o parlamentar faltoso), porque o Executivo, igualmente dessa engrenagem em constante
a tão decantada “harmonia” entre desviado de suas atribuições, atrito. A democracia abre lugar à
os poderes desaparece, abrindo- volta-se para ações de salvamento demagogia e, pois, à oclocracia. A
se espaço para um dos mais abo- do Legislativo, não por um desejo par de todas essas consequências
mináveis desvios da democracia: de colocá-lo no caminho certo, que a falta de ética acarreta, uma
a invasão de competências. mas apenas com vistas a garantir outra, provavelmente a mais
Como resultado, o Executivo a intocabilidade de sua base terrível, se faz sentir de imediato:
passa a legislar a todo instante, aliada e, assim, obter apoio para o péssimo exemplo dado aos
quer por meio de medidas pro- seus projetos de governo (ou cidadãos, principalmente aos mais
visórias cujas matérias, na maior desgoverno). Passa a haver, desse jovens, que passam a entender
parte das vezes, nem ostentam modo, uma interferência de um que se os “grandes” podem
qualquer caráter de relevância ou Poder em outro, violando o roubar o dinheiro público, sem
urgência (art. 62/CF), quer por sagrado princípio da nítida que nada lhes aconteça, também
instruções normativas, portarias e tripartição de Poderes. eles podem cometer os mais
outros atos ministeriais que só O Judiciário, por seu turno, hediondos crimes impunemente.
infernizam a vida dos empre- também se arvora de legislador, Mas como nem todos contam
sários, únicos a promover a seja interpretando de forma com o mesmo apadrinhamento,
riqueza do país (é preciso não abusiva aquilo que as leis escritas muitos acabam envolvidos em

SET
ET/OUT/NOV
OV - 2009 - N
Nº 48 11
Política

questões judiciais e, por conse-


guinte, encontrando pior sorte em
suas ações (e lá vai mais di-
nheiro!). Já os integrantes das
classes mais altas escoram-se na
certeza da impunidade, baseados
na rede de relacionamentos de
sua família e na facilidade de
poderem contar com bons ad-
vogados. Alastra-se, então, o
sentimento de injustiça, e o ci-
dadão, em vez de respeitar o
Estado, passa a odiá-lo ou, no
mínimo, a assumir uma postura
de indiferença causada por um
forte sentimento de impotência
diante de tantos desmandos.
Mesmo as associações de
classe, como a OAB e a ABI, que Não há desculpa para a crescente falta de ética que domina os Poderes da República.
tiveram forte participação na vida
nacional em tempos idos, atual- o espírito democrático se faça para Nicômaco: “Tanto a virtude
mente já não conseguem mudar sentir realmente é necessário que como o vício estão em nosso
o rumo dos acontecimentos. Suas as instituições cumpram o seu poder. Com efeito, sempre que
manifestações não passam, hoje, papel de forma responsável e está em nosso poder o fazer
de um aglomerado de palavras eficaz, sob pena de se ter uma também o está o não fazer, e
vãs que nenhuma repercussão democracia meramente formal, sempre que está em nosso poder
decisiva terão no desfecho de sem qualquer conteúdo digno o não também o está o sim; de
nossas crises políticas ou no desse nome. modo que, se está em nosso
resgate dos valores civilizacionais. Inadmissível é o argumento de poder o realizar quando é belo,
Lamentavelmente, por falta de que “sempre foi assim” ou de que também o estará quando é ver-
instrução – resultado de um ab- os problemas que acabamos de gonhoso, e, se está em nosso
soluto e contínuo descaso com a apontar “ocorrem em todos os poder o não realizar quando é
Educação – muita gente tende a lugares”. Se além do aperfei- belo, também o estará, do mes-
enxergar o Estado como uma çoamento tecnológico o homem mo modo, não realizar quando é
entidade “alheia”, uma res nullius, não buscar o aperfeiçoamento de vergonhoso.”
de onde o dinheiro brota espon- seu arcabouço ético e moral, de Não há a menor desculpa,
taneamente e aos borbotões, e de nada adiantarão os artifícios portanto, para a crescente falta
onde as decisões – boas ou más criados para controlá-lo porque de ética que domina os Poderes
– podem ser tomadas sem que sua vida estará sempre ameaçada da República, constituída de
soframos as suas consequências. por todos aqueles que, sendo homens feitos, plenamente
A maioria das pessoas não se dá responsáveis pelo uso da má- responsáveis por seus atos. Está
conta de que essa entidade cha- quina estatal, mas sem moral neles – e não em qualquer outra
mada Estado nada tem de etéreo, alguma, não hesitarão em usá-la pessoa, instituição ou mecanismo
constituindo, ao contrário, a contra quem estorvar os seus de controle – o agir certo e o agir
soma de todos nós, que nela intentos. errado. Da mesma maneira como
depositamos as nossas espe- É interessante observar que está em nós – todos nós – exigir
ranças (e o nosso suadíssimo di- todos aqueles que a todo instante que suas promessas de campanha
nheiro), o que nos dá todo o vociferam contra os “golpes” sejam plenamente cumpridas, e o
direito de exigir, em contrapartida, contra a democracia (vide Hon- nosso trabalho, respeitado.
o trabalho profícuo e honesto dos duras) são os primeiros a admitir, Porque é profundamente la-
que se propõem a nos governar. complacentemente, o maior de mentável que o comportamento
Esquecem-se, os desavisados, todos os golpes: a traição da aético de nossos políticos jogue
de que democracia não significa confiança de seu povo e o roubo pelo ralo grande parte de tudo
apenas o funcionamento rotineiro acintoso de seu dinheiro. aquilo que os brasileiros, com
das instituições nem a existência Lembremos a advertência de tanto sacrifício, conseguem pro-
de eleições periódicas. Para que Aristóteles em seu célebre Ética duzir a cada dia.

SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48 12
Especial
Uma visão liberal do fato

Aeroporto José Lina


Santos Dummont Sarney Vieira

que está de melhor aconte- Senado brasileiro tem parti- destituição de Lina Maria
O cendo no país é a discussão O cipado de um festival de hor- A Vieira da Secretaria da Re-
sobre privatizações nos principais rores sem fim. Desde a revelação ceita Federal, meses após ter sido
aeroportos brasileiros. A priva- da existência de mais de 10 mil escolhida para o cargo por
tização empreendida no governo funcionários, 183 diretorias e a Guido Mantega, Ministro da Fa-
anterior (Fernando Henrique Car- promulgação de 623 atos secre- zenda, causou espécie. Funcioná-
doso) trouxe extraordinários bene- tos, a situação moral de Sarney ria de carreira, petista de cartei-
fícios para o país nas áreas de si- ficou insustentável. O diretor rinha, Lina Vieira perdeu o cargo
derurgia, telefonia, mineração e Agaciel Maia, compadre do pre- sem qualquer justificativa, mas o
especialmente à Vale do Rio Doce, sidente do Senado, e João Carlos governo vazou, informalmente, a
que transformaram setores croni- Zogbi, diretor financeiro da casa, explicação de que teria ela perdi-
camente deficitários em gerado- ambos nomeados pelo amapa- do o cargo pela queda da arre-
res de lucros, divisas e empregos. maranhense, se viram postos em cadação. Ora, a arrecadação
Uma boa administração dos ae- situação delicada. Agaciel pela caiu porque a atividade econô-
roportos brasileiros, com o apri- posse não declarada de um imó- mica caiu, e o próprio governo foi
moramento da infraestrutura vel milionário estimado em R$ 5 agente dela ao reduzir alíquotas
aeroportuária é vital ao desenvol- milhões, e Zogbi porque seu filho incidentes sobre diferentes produ-
vimento do turismo e do transpor- intermediava empréstimos consig- tos com ênfase para automóveis,
te aéreo. Dos principais aeropor- nados a funcionários da casa. O para a linha branca e para ma-
tos brasileiros, apenas 10 são ren- festival de irregularidades parece teriais de construção. Seria mui-
táveis. O próprio aeroporto San- não ter fim. Estimulado por Lulla to mais honesto atribuir sua que-
tos Dummont continua deficitário, e com seu apoio integral, o caci- da a choques de natureza con-
que resiste à renúncia ou a qual- tábil que teve com a Petrobras,
apesar de seu enorme volume de
quer tipo de afastamento. Reapa- que mudou seu regime durante
tráfego. receram no Senado vozes como as
É importante que o modelo o exercício, ou mesmo a falta de
de Renan Calheiros e Fernando “agilidade” que Lina não teria
de privatização seja aquele que Collor. Sarney é acusado de impro- dado aos inquéritos abertos na
ofereça maior segurança aos in- bidade administrativa, nepotismo Receita Federal referentes ao gru-
vestidores, com isso elevando o e falta de decoro parlamentar. po empresarial titulado por Fer-
valor do negócio. Para a realiza- O responsável pelo Conselho de nando Sarney, rebento do fami-
ção em 2014, da Copa do Mun- Ética, o suplente Paulo Duque, sem gerado Senador. Dilma nega ter
do de Futebol, a privatização é qualquer exame rejeitou todas as tido o encontro com a então se-
fator-chave. representações. cretária da Receita Federal.

SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48 14
Matéria de Capa

Consumo de tóxicos no Brasil: causas


e equacionamento do problema
Ricardo Vélez Rodríguez
Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa”, da UFJF.

nossa sociedade tradicional- grave que não há como tapar o situação do Rio, precursora, nos
A mente assumiu a atitude sol com a peneira. O Brasil conta anos 80 e 90, da crise brasileira
ambígua das famílias de classe com 890 mil usuários de drogas. atual. II – Decisão estratégica dos
média com filhos narcodepen- A violência decorrente do narco- narcotraficantes: tornar o Brasil
dentes: tenta negar o problema. tráfico bateu às nossas portas, e produtor, consumidor e exportador
Até ontem, era comum enxergar temos de pensar em soluções de cocaína. III – Quadro nacional
a nódoa nos outros: os colom- para o problema. Não adianta de violência decorrente da pro-
bianos eram os produtores das mais repassar o problema para os dução, do consumo e da comer-
drogas da morte. Os americanos outros. cialização de entorpecentes. IV –
e europeus, os consumidores. Em face dessa problemática, O que fazer diante do consumo
Mas a situação hoje é de tal forma desenvolverei quatro itens: I – A maciço de entorpecentes?

SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48 15
Matéria de Capa

I – A SITUAÇÃO DO RIO, (como foi feito em cidades co- o Brasil no organograma de


PRECURSORA, NOS ANOS 80 E lombianas) nas áreas carentes. O produção/consumo/exportação
90, DA CRISE BRASILEIRA ATUAL. sucesso obtido no Morro Dona de tóxicos.
Marta soa mais como exceção, no Os narcotraficantes tinham,
O Rio de Janeiro antecipou-se, contexto violento das mil e tantas na década passada, lucros anuais
no Brasil, à violência do narco- favelas que cercam a cidade, onde de aproximadamente US$500
tráfico. Roberto Campos assim a polícia encena o entra-e-sai que bilhões. Esses ganhos hoje são
tipificou, no ano de 1996, a crise fortalece o poder dos bandidos. calculados em US$320 bilhões.
da cidade, sugada pelo turbilhão O governador Cabral, que se Seria ingênuo pensar que os
de decadência econômica, vio- inspirou no exemplo de Medellín, produtores de narcóticos tivessem
lência, desemprego, medo e deixou pela metade a obra ini- a mentalidade do quitandeiro da
perda de esperança: “A Guana- ciada. Daí por que a violência não esquina. Muito pelo contrário,
bara sofre de um círculo vicioso e planejavam friamente os seus
da síndrome do medo. É uma negócios. O jornalista Amauri

“ desagregador
trágica causação circular. O de- Mello [“Crime a futuro”, O Globo,
semprego provoca a margina- Além do fator 13/06/2003] lembrava que, em
lidade; a marginalidade gera a 1989, a máfia italiana estava
violência; a violência afasta in- representado pelo interessada em incrementar os
vestidores e agrava o desem- negócios do narcotráfico no
prego; e o desemprego fomenta
socialismo moreno Brasil, diante do combate que
a marginalidade. Os investidores de Brizola, houve estavam sofrendo, da parte dos
nacionais vivem sob a ameaça do uma deliberação Estados Unidos e dos governos
sequestro ou têm de pagar tributo do crime locais, os cartéis andinos da coca.
a traficantes e pseudo-sindicalistas Segundo Amauri, que trabalhou
para diminuição de roubos”.
organizado no na Europa, policiais italianos
[Roberto Campos “O Rio sob o sentido de incluir tiveram uma série de conversas
signo do atraso e da violência”, o Brasil no naquele ano com jornalistas
Carta Mensal, nº 491, 1996]. organograma latino-americanos (entre os que
O quadro atrás desenhado ele se encontrava) acerca das
não perdeu atualidade, embora se
de produção/ últimas pesquisas dos órgãos de
tenham passado treze anos. É consumo/ segurança da Itália em relação
exportação

verdade que houve, no Rio, duas aos negócios do narcotráfico.
mudanças: de um lado, a entrada de tóxicos. Os mafiosos delinearam uma
dos dólares da exploração pe- política de penetração no Brasil,
trolífera na bacia de Campos, na a fim de tender com o nosso país
última década; de outro, o atual uma cabeça de ponte para o
governo estadual decidiu dar diminui, ao passo que na cidade narcotráfico internacional. Eis,
combate aberto aos traficantes colombiana literalmente des- segundo o testemunho de Amauri,
nos morros onde eles se tornaram pencou. as linhas mestras dessa política:
fortes. Mudou a situação de vio- “1) Estimular associação com
lência e insegurança para os II – DECISÃO ESTRATÉGICA DOS negócios em áreas de massa
cidadãos? Não. Por dois motivos: NARCOTRAFICANTES: TORNAR O populacional carente; 2) reco-
primeiro, as divisas do petróleo BRASIL PRODUTOR, CONSUMIDOR E mendar atividades que gerassem
não foram canalizadas para in- EXPORTADOR DE COCAÍNA. grandes volumes de notas, como,
vestimentos de longo curso, que por exemplo, vender material de
melhorassem as condições de Foi uma cruel coincidência o construção nas tais áreas. Ou
vida da grande faixa da popu- Rio ter mergulhado no caos de participar de transporte coletivo.
lação situada nos subúrbios; men- violência e decadência que acaba Além da facilidade de justificar
cionemos dois itens esquecidos: de ser ilustrado? Aparentemente, movimento de dinheiro, também
transporte ferroviário e saúde sim. Mas, examinadas as coisas estabeleceria uma simpática
pública. mais de perto, não. Além do fator relação com a vizinhança... 3)
Segundo, o Estado do Rio não desagregador representado pelo participar do Poder Legislativo de
efetivou uma clara política de socialismo moreno de Brizola, fora para dentro, vereança em
segurança pública, aliada a houve uma deliberação do crime pequenas cidades isoladas nas
investimentos em serviços sociais organizado no sentido de incluir regiões de fronteira e avançar

SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48 16
Matéria de Capa

com representação federal, duas toneladas de cocaína para Paraty, no início de julho, afirmou:
dando preferência às regiões com o exterior. Dados preocupantes “Eu fui a favelas em que não
corredores para a pasta de coca; são revelados, igualmente, pelas aparecia polícia desde 2003. Há
4) Estimular o jogo (naquele polícias de outros Estados, como mil favelas no Rio. Eu acho que a
período discutia-se muito a Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio situação do tráfico não é vista
reabertura de cassinos no Brasil); Grande do Sul, Minas Gerais, como uma calamidade nacional.
5) criar chefes brasileiros.” Bahia, etc., em relação às E, no meu ponto de vista, é o que
apreensões de drogas destinadas o Rio é: uma calamidade nacional.
III – QUADRO NACIONAL DE ao consumo externo. O Brasil se Há gangues fora de controle em
VIOLÊNCIA DECORRENTE DA converteu, como previam os ma- muitos territórios. (...) O Estado
PRODUÇÃO, CONSUMO E fiosos, em importante corredor de não está funcionando, e os crimi-
COMERCIALIZAÇÃO DE exportação de drogas para o nosos sabem disso. Os criminosos
ENTORPECENTES. mundo. estão se tornando mais fortes,
Pior: o nosso país virou con- perderam todo o respeito pelas
Os noticiários policiais revelam sumidor. O Brasil está trilhando leis e pela sociedade” [Jon Lee
que os principais pontos dessa caminho inverso daquele do res- Anderson, “Calamidade nacio-
política da morte foram cumpridos tante do mundo no consumo de nal”. Entrevista a André Miranda,
à risca. Resultado: o Brasil é, hoje, cocaína. Conforme informava O Globo, 8/7/09, 2º Caderno,
importante consumidor de nar- recentemente o Relatório Mundial p. 1 e 4].
cóticos, além de se ter convertido sobre Drogas - 2009, da Organi-
em centro de refino de cocaína e zação das Nações Unidas, en- IV – O QUE FAZER DIANTE DO
de exportação de entorpecentes quanto Europa e EUA reduziram CONSUMO MACIÇO DE
para Estados Unidos e Europa. A o consumo nos últimos anos, o ENTORPECENTES?
eleição do chefe cocalero Evo Brasil é um dos cinco países da
Morales, na Bolívia, garantiu a América do Sul que registraram Várias providências saltam à
exportação de pasta de coca para aumento no número de usuários vista: em primeiro lugar, é
o Brasil, notadamente para o de drogas, sendo que 890 mil necessário pressionar, nos foros
Estado de São Paulo. Estatísticas brasileiros consomem cocaína internacionais, os principais países
policiais informam que, em 2008, (0,7% da população em 2007), consumidores de narcóticos para
foram apreendidos, no aeroporto quando seis anos antes o índice que se engajem na diminuição do
de Guarulhos, 200 quilogramas era de 0,4% [Cf. César Maia, consumo de entorpecentes. O
de coca [SBT, “Consumo de Exblog, 25/06/2009]. atual governo americano parece
drogas no Brasil”, noticiário O jornalista americano Jon ter aberto os olhos para essa
nacional de 9/7/09]. Aplicando Lee Anderson, que veio ao Brasil realidade. Em visita à Colômbia,
cálculo utilizado pela DEA, no recentemente para escrever realizada em março deste ano,
sentido de que são apreendidos matéria sobre consumo de drogas a Secretária de Estado Hillary
10% das drogas que circulam, no Rio para a prestigiosa revista Clinton declarou: “A nossa insa-
teríamos que pelo aeroporto The New Yorker, em entrevista ciável demanda por drogas ilegais
mencionado saíram, num ano, concedida na Festa Literária de impulsiona o narcotráfico. A

No Rio de Janeiro, o Dona Marta soa


mais como exceção no contexto
violento das mil e tantas favelas que
cercam o estado.

SET/OUT/NOV - 2009 - Nº 48 17
Matéria de Capa

cultura instrumentos eficazes para


desenvolver o ambiente da paz.
Em quinto lugar, devem ser
reformuladas as políticas sociais
de âmbito nacional, como o
programa “bolsa-família”. Na
forma em que este está sendo
desenvolvido pelo atual governo
não redime as populações ca-
rentes, somente lhes dando um
auxílio temporal que as torna
caudatárias do favor oficial. O
ideal seria adaptar esses pro-
gramas de uma forma que tirasse
os carentes da sua situação de
penúria, integrando-os ao pro-
cesso produtivo. Temos um exem-
O Brasil é um dos cinco países da América do Sul que registraram aumento plo importante de políticas sen-
no número de usuários de drogas. satas nesse terreno na forma com
que o governo colombiano co-
nossa incapacidade para evitar o do tráfico fizeram-se sentir com locou em funcionamento o pro-
contrabando de armas causa a toda a sua crueza e passaram a grama “bolsa-escola” (inspirado
morte de policiais, soldados e civis. afetar ao resto da sociedade. Algo no exemplo brasileiro), mas aper-
Sinto fortemente que temos co- semelhante tinha acontecido na feiçoado de forma a colocar as
responsabilidade” [“Insaciable Suíça, com a abertura, em Zu- famílias carentes no caminho da
consumo” – Editorial. El Colom- rique, de áreas restritas para o educação básica dos filhos, da
biano, Medellín, 30/3/2009]. consumo livre de drogas. Algo capacitação para o mercado de
Em segundo lugar, é primor- semelhante aconteceu na Es- trabalho dos chefes de família e
dial restabelecer o primado do panha, com as políticas liberais da integração dessas famílias à
Estado no comando da socie- dos anos 80. Não se trata de sociedade.
dade. Duas providências são criminalizar sumariamente os Em sexto lugar, incorporar o
essenciais: a, restabelecer a usuários, mas eles devem ser item redução do consumo de
credibilidade da Justiça, mediante enquadrados nas suas responsa- drogas aos já existentes, para
uma legislação mais dura para bilidades como dependentes avaliar o desempenho dos go-
com os criminosos; b, reformular químicos, ajudando-os a superar vernos municipais nas cidades
a representação política no Con- a dependência. brasileiras onde foi introduzido o
gresso e nas Assembléias Legis- Em quarto lugar, devem ser programa “Como Vamos”, rea-
lativas estaduais; hoje a popu- formuladas políticas realistas de lizado inicialmente em Bogotá e
lação não possui instrumentos segurança pública, centradas na Medellín. As cidades brasileiras
para cobrar, dos seus represen- idéia de preservar os direitos que hoje participam desse
tantes, responsabilidade em face básicos dos cidadãos à vida, à Movimento (denominado Rede
da sua missão. As reformas po- liberdade e às posses. Ora, esses Social Brasileira por Cidades
lítica e eleitoral são inadiáveis. direitos hoje se encontram seria- Justas e Sustentáveis) são as
Somente assim poderemos ter mente ameaçados nas nossas seguintes: Belém (PA), Belo
uma legislação penal acorde com cidades. É evidente que essas Horizonte (MG), Brasília (DF),
as exigências da nossa sociedade. políticas não devem ser apenas Curitiba (PR), Florianópolis (SC),
Em terceiro lugar deve haver, repressivas. Mas elas devem ser Goiânia (GO), Holambra (SP),
no seio da sociedade, um debate complementadas com políticas Ilha Bela (SP), Ilhéus (BA),
amplo acerca da necessidade de sociais que ajudem as comuni- Januária (MG), Maringá (PR),
limitar o consumo de drogas. A dades a se protegerem da cultura Niterói (RJ), Peruíbe (SP), Porto
questão da liberação das mesmas da violência. É importante co- Alegre (RS), Recife (PE), Salvador
tem-se mostrado uma solução nhecer a fundo o exemplo de (BA), Ribeirão Bonito (SP), Rio de
inviável. Nos países onde houve cidades como Bogotá e Medellín, Janeiro (RJ), Santos (SP), São Luís
uma política nesse sentido, como que encontraram na maciça (MA), São Paulo (SP) Teresópolis
na Holanda, os efeitos perversos modernização da educação e da (RJ) e Vitória (ES).

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Destaque

O Consenso de Washington
Oscar Roberto Júnior
Professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e consultor na área de cenários econômicos

Venezuela, Equador e Paraguai. dores (girondinos) sentaram-se à


O economista Oscar Roberto O que sugeriu o Consenso de direita da mesa de trabalho e os
Júnior em fins de 2006 desen- Washington e, de fato, foi aplicado radicais jacobinos à esquerda.
volveu um trabalho crítico em no Brasil trouxe extraordinários Naquele período os jacobinos,
relação ao chamado Consenso benefícios ao país. junto com os proletários urbanos
de Washington. A expressão (sans-cullotes), assumiram a
alimentou o desejo, entre boa O Editor liderança da Revolução e pren-
parte dos latino-americanos, de deram seus opositores, os giron-
acreditar – ou fingir acreditar – dinos.
que as reformas eram projetadas O CONFLITO IDEOLÓGICO Em 1793 – e no ano seguinte
pelos Estados Unidos em função – o chamado período de terror, o
exclusiva de seus próprios inte- o campo da Ciência Política, movimento se radicalizou sob o
resses e impostas pelas instituições N os termos direita e esquerda comando de Robespierre. Houve
financeiras internacionais, sedia- surgiram na Revolução Francesa execuções em massa, e as sen-
das em Washington e sob seu (1789-1799). Como se sabe, tenças de morte atingiram tam-
controle. Essa tese foi abertamente essas acepções tiveram origem na bém os revolucionários consi-
explorada pelos governos po- Convenção Nacional, em 1792, derados traidores ou acusados de
pulistas, entre eles os do Brasil, porque os deputados conserva- conspirações. Essa onda de terror

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Destaque

respingou no próprio Robespierre, pelas instituições financeiras para lançar o Plano Brady (do
que foi executado na guilhotina. internacionais sediadas em nome do então secretário do
Com a sua morte chegou ao fim Washington e sob seu controle, Tesouro, Nicholas Brady) para
a supremacia do grupo jacobino, notadamente o FMI e o Banco refinanciar a dívida dos países
isto é, os girondinos instalaram no Mundial, e talvez também o Banco pobres.”3
poder a alta burguesia até o Interamericano de Desenvol- Seus dez pontos principais são:
comando ser entregue a Napo- vimento. Qualquer pessoa com o (i) o controle do déficit fiscal; (ii)
leão Bonaparte. mais leve traço de antiame- privatizações; (iii) a priorização do
Este trabalho foi iniciado apre- ricanismo poderia ser convencida gasto público; (iv) e a expansão
sentando a origem dos termos a espumar de indignação diante da base a ser tributada; (v) o
direita e esquerda como uma da idéia de que Washington estava abandono do controle da taxa de
espécie de convite à reflexão sobre procurando impor seus interesses juros, uma vez que ela deveria ser
o maniqueísmo que sempre existiu determinada pelo mercado; (vi) a
entre as duas correntes e que diminuição do controle sobre o


se acentuou a partir de 1945, comércio exterior e também (vii)
com o fim da Segunda Guerra Na ocasião em sobre os investimentos diretos
Mundial. que o Consenso estrangeiros; (viii) a desregula-
Para aqueles que defendiam a mentação, a qual extinguiria as
linha de atuação soviética, o mal
foi discutido e leis e regras que restringem a
do mundo teve sua gênese nos apresentado ao competição entre as empresas do
corredores e salas do poder de mundo, no final dos mercado; (ix) a garantia pelo
Washington. E para o outro lado, anos 1980 e início Estado (sistema judiciário) do
naturalmente, o mal era repre- direito de propriedade privada; e
sentado pelos mesmos ambientes dos anos 1990, a – finalmente – (x) uma taxa de
do Kremlin. economia brasileira câmbio para países subdesen-
Talvez essa seja uma das pos- enfrentava mais um volvidos que aumentasse e di-
síveis explicações para a enorme versificasse as exportações, por-
rejeição que o Consenso de ciclo de planos tanto, aumentasse a competi-
Washington sofreu nos quatro econômicos e crises tividade dos produtos nacionais
cantos do mundo, havendo nela, que – na verdade – no exterior. Isto é, uma taxa de
portanto, um forte viés ideológico câmbio monitorada pelas auto-
e não técnico.
a deixava cada ridades monetárias, não pelas
vez mais

Como diz Jonh Williamson1: forças do mercado. Destaca-se,
“Desde o início, a expressão debilitada. todavia, que esse item foi motivo
Consenso de Washington pro- de divergências internas na
vocou controvérsia. Um dos equipe do Consenso. (Williamson,
debatedores do meu trabalho, 1992)
Richard Feinberg, argumentou e, com isso, segundo se esperava,
que ela deveria ter sido chamada seria fácil recrutá-la para a causa O CENÁRIO ECONÔMICO NO
‘convergência internacional, da antirreforma”. 2 BRASIL: UMA RÁPIDA ABORDAGEM
porque (i) a mudança no pen-
samento econômico que ela O CONSENSO Na ocasião em que o Con-
resumia era de âmbito mundial, senso foi discutido e apresentado
em lugar de confinado a “É definido como convergência ao mundo, no final dos anos
Washington; e (ii) a extensão do dos governos de diferentes países 1980 e início dos anos 1990, a
acordo ficava muito aquém do em torno das políticas recomen- economia brasileira enfrentava
consenso. É claro que Feinberg dadas pelo governo americano e mais um ciclo de planos eco-
estava correto em ambos os agências internacionais, como o nômicos e crises que – na verdade
pontos, mas era tarde demais Fundo Monetário Internacional e – a deixava cada vez mais de-
para mudar o nome de marca”. o Banco Mundial. A expressão foi bilitada. O cenário de caos
Mais adiante o professor co- cunhada pelo economista inglês durante aqueles fatídicos anos
menta: “A expressão alimentou o John Williamson, numa con- gerava moedas e pacotes eco-
desejo de acreditar que as ferência do Institute for Interna- nômicos (como eram chamadas
reformas eram projetadas pelos tional Economics, em Washin- na época as medidas de corre-
Estados Unidos em função dos gton, em 1989. Na ocasião os ção dos rumos) que eram apre-
seus próprios interesses e impostas Estados Unidos preparavam-se sentados à população como a

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Destaque

populares, fez com que o governo


do presidente Sarney encerrasse
o ano de 1989 com uma nova
moeda, o cruzado novo, e com
inflação de 1.362,61%! Ou seja,
após três ministros da Fazenda,
dois planos e todos os custos
impostos ao País, o Brasil con-
tinuava na estaca zero.
Por sinal, sobre fixação de
preços há uma interessante ob-
servação do austríaco Mises.
Escreveu ele na década de 1950:
“Em geral, os governos recorrem
ao controle de preços depois de
terem inflacionado a oferta de
moeda e de a população ter
começado a se queixar do cor-
rente aumento de preços (...) O
No Brasil os governos Sarney, Collor e FHC foram marcados por diversos pacotes econômicos. primeiro exemplo famoso é o caso
do imperador Diocleciano. Na
quintessência da política eco- político, os brasileiros acreditaram segunda metade do século III, os
nômica. Em pouco tempo, porém, que seria possível manter os imperadores romanos dispunham
uma nova moeda surgia (ou uma preços congelados por um longo de um único método financeiro:
antiga era ressuscitada) e com ela período e que essa situação, desvalorizar a moeda corrente por
vinha a reboque mais um plano. portanto, os beneficiaria. Assim meio de sua adulteração. Nessa
Um dos inúmeros exemplos do sendo, nos primeiros meses de época primitiva, anterior à in-
descontrole pode ser exposto da 1986 o plano foi recebido com venção da máquina impressora,
seguinte forma: em 1986, o go- enorme entusiasmo, mas, com o até a inflação era primitiva.
verno substituiu o cruzeiro pelo passar do tempo, a realidade veio Envolvia o enfraquecimento do
cruzado. Em 1989, o cruzado à tona: “congelar” preços é im- teor da liga metálica com que se
pelo cruzado novo. Um ano de- possível em uma economia cunhavam as moedas, especial-
pois ressurgiu o cruzeiro, que deu aberta, principalmente no setor de mente as de prata. O governo
lugar, em 1993, ao cruzeiro real. serviços. Consequentemente, pro- misturava à prata quantidades
E, com o plano do mesmo nome, dutos desapareceram das prate- cada vez maiores de cobre (...) A
em 1994, o real. (Banco Central leiras, as reservas internacionais consequência dessa adulteração
do Brasil) baixíssimas provocaram uma mo- das moedas e do aumento
O governo Sarney (1985- ratória parcial da dívida externa e associado da quantidade de
1990) foi inaugurado com o o nível geral de preços trouxe de dinheiro em circulação foi uma
Plano Cruzado, um programa volta o processo inflacionário. alta dos preços, seguida de
de corte da inflação lastreado em: Criou-se, então, mais um pla- um decreto destinado a controlá-
(i) congelamento de preços de no emergencial. Dessa vez, deu- los. (...) A consequência foi a
produtos e serviços; (ii) conge- se a ele o nome do ministro que desintegração do Império Ro-
lamento do salário mínimo e dos substituíra o anterior: Plano Bres- mano e do sistema de divisão do
salários, pela média de seu valor ser (em referência a Luís Carlos trabalho”. 5
dos últimos seis meses; (iii) Bresser Pereira, substituto de Enfim, sabe-se desde o Império
alteração da unidade do sistema Dílson Funaro). Preços e salários Romano que o tabelamento de
monetário, de cruzeiro para foram congelados por 90 dias. preços não resolve problema
cruzado, com valor correspon- Em seguida, sofreram ajustes algum. É uma medida inócua do
dente a mil unidades de cruzeiro; mensais e depois seguiram as leis ponto de vista econômico e que,
(iv) criação do seguro-desem- do mercado. Moeda valorizada, portanto, atende políticos po-
prego; (v) câmbio fixo, com o taxa alta de juros e corte das pulistas que esperam aprovação
cruzado valorizado, entre outros despesas públicas eram outros rápida do povo em detrimento do
tópicos.4 dos seus componentes. futuro.
Por falta de conhecimento A inviabilidade de tais medidas, O primeiro presidente eleito
técnico e pela força do marketing somada à moratória e a pressões pelo povo desde 1960, Fernando

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Destaque

Collor de Mello (1990-1992), ção daquele período defenestrou vernos de países subdesenvol-
inaugurou seu governo com mais o presidente do poder, dando vidos deveriam gastar menos, ao
um conjunto de medidas que lugar ao vice-presidente, Itamar mesmo tempo em que deveriam
deveriam resolver os problemas Franco. direcionar o gasto para áreas que
enfrentados pelo Brasil. Mais uma tivessem um retorno econômico
vez, a nação foi vítima de um NO CAOS BRASILEIRO, O maior e fossem efetivas em
plano sem pé nem cabeça, o CONSENSO DE WASHINGTON melhorar a distribuição de renda
malfadado Plano Collor. Apre- (os governos deveriam direcionar
sentado com a típica empáfia do O Consenso foi criado e apre- os recursos gastos em inves-
eleito, abrangia as seguintes sentado ao mundo – como men- timentos nas empresas estatais e
medidas: (i) reintrodução do cru- cionado antes – no final dos anos em subsídios para áreas de
zeiro (extinto no Plano Cruzado); 1980 e início dos anos 1990. Ou saúde, educação e investimentos
(ii) criação de uma série de seja, em uma ocasião em que as em infraestrutura). Além disso,
tributos; (iii) sequestro dos ativos autoridades brasileiras estavam como forma de aumentar os
em depósito à vista e na caderneta desbussoladas quanto aos rumos recursos para financiar esses
de poupança a partir do equi- da economia, a ponto de trans- gastos o autor indica que os
valente a US$ 1200 (da época); formar a sociedade em uma governos deveriam expandir a
(iv) aplicações com lastro em espécie de laboratório onde base tributária. Essa última
títulos públicos e privados (open/ planos eram testados a um custo medida, por sua vez, não apenas
over) foram limitadas ao equi- elevadíssimo para todos. A aumentaria os recursos dispo-
valente a US$ 600 ou 25%, inflação destruía a transparência níveis para o investimento público,
prevalecendo o maior limite, entre das contas públicas, o plane- mas também aumentaria a
outras operações. (O governo jamento estratégico das empresas igualdade horizontal na tributação
comprometeu-se a devolver esses e cobrava um altíssimo preço da sem – contudo – desestimular a
cruzados bloqueados em cru- base da pirâmide social – mais economia, ou melhor, apenar os
zeiros em 12 prestações iguais e suscetível à perda do poder mais ricos. (Williamson, 1992)
sucessivas, a partir de setembro aquisitivo. Em uma referência aos go-
de 1991. Os recursos confis- O País se transformara em um vernos brasileiros mais recentes,
cados seriam corrigidos moneta- cassino derivado da emissão de todos, sem exceção, ampliaram
riamente e acrescidos de juros de títulos públicos. (É sabido que a os gastos dando pouco valor às
6% a.a. até a data da primeira especulação dá ao mercado li- restrições orçamentárias que se
devolução.) (v) privatizações, (vi) quidez, mas, naqueles anos, a impõem a uma nação que se
extinção de autarquias; (vii) especulação se sobrepôs à produ- diz séria.
câmbio flutuante; (viii) congela- ção e ao investimento.) O governo Lula (2003-2006),
mento dos preços de bens e Ora, os termos do Consenso por exemplo, recebeu do presi-
serviços, entre outras medidas. nunca foram aplicados em seu dente Fernando Henrique Car-
Como resultado, o Brasil en- conjunto, portanto a crítica ge- doso (1995-2002) uma carga
trou em um processo de estag- neralizada se torna absurda. tributária altíssima, correspon-
flação, com mais de um milhão Pontos há, é claro, que deviam ser dente a aproximadamente 36%
de desempregados e a inflação reestudados e reanalisados, o do Produto Interno Bruto, e a
alcançando o patamar de 20% próprio professor Williamson disse elevou a pouco mais de 38%. Fez
mensais. isso. Por essa razão é que a crítica isso para manter gastos de custeio
Com esse cenário, o governo ideologizada se torna oca, sem em detrimento dos investimentos
viu-se obrigado a criar o Plano sustentação. em infraestrutura, programas
Collor II. Seu objetivo maior era sociais com forte conotação
cortar despesas públicas e o fim AS SUGESTÕES DO assistencialista (Bolsa Família),
da correção monetária, isto é, a CONSENSO E O BRASIL uma vez que acompanham pouco
desindexação da economia. as famílias que dele participam
(Sandroni, 2005) Em relação aos gastos pú- e, sem dúvida, para se reeleger
Apesar de tudo, a inflação blicos: (i) o controle do déficit naquele ano. O que, de fato,
chegou a 2.863,90% (1990) e fiscal; (ii) a privatização; (iii) dar aconteceu.
429,76% (1991). O Produto prioridade ao gasto público; e (iv) Sobre o Bolsa Família, é im-
Interno Bruto caiu 5,05% no pri- a expansão das base a ser tribu- portante destacar que o tema não
meiro ano do governo Collor e tada. é novo. Um dos mais brilhantes
cresceu 1,03 no segundo (Banco Para Williamson, essas medi- representantes do monetarismo
Central). O escândalo de corrup- das seriam justificadas, pois go- no século XX, Milton Friedman,

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Destaque

propôs o “imposto de renda Banco Central julgam necessário portamento sensato para quem
negativo”, que nada mais é que a operar com a maior taxa de juros quer ver o Brasil melhor, portanto
transferência de dinheiro direta- reais do mundo, a saber: Brasil, não há nada de novo na reco-
mente para o bolso dos pobres, 9,3%; Turquia, 6,8%; Israel, mendação do Consenso de
em vez de programas pelos quais 5,6%; China, 4,7%; EUA, 4,0%. Washington. É preciso entender
o Estado fornece produtos e (Taxas ao ano/outubro 2006. que Estados perdulários geram
serviços para aliviar a pobreza. No Fontes: Banco Central e Uptrend crises e miséria, não riqueza e
Brasil, porém, foi determinado que Consultoria Econômica) desenvolvimento.
as famílias beneficiadas com o “Dívida alta, gasto excessivo Se o Brasil tem errado no
programa devessem ter crianças com juros e baixo crescimento campo do déficit público, houve
na escola e seguir com rigor o econômico são os fatores que acertos nas privatizações. Acre-
cronograma de vacinas. Sabe-se excluem o Brasil do grupo dos dito, porém, que mais organi-
que os recursos têm sido liberados países classificados de grau de zações deveriam ser privatizadas,
sem o necessário acompanha- investimento”, segundo a diretora como o Banco do Brasil, Petro-
mento. (Como distribuição de de risco soberano da agência bras, Sabesp, presídios, etc.
renda é um dos itens do Con- Standard and Poor’s (S&P), Lisa O economista André Franco
senso, o tema se torna expressivo Schineller. E continua: “Um país Montoro disse o seguinte a
também nesse paper.) com essa classificação tem melhor respeito do assunto: “A questão
Com déficit nominal (aquele avaliação da sua economia e das privatizações voltou ao debate
que contabiliza o serviço da dívida, passa a ter acesso a grandes político, sendo apresentada por
além de todas as despesas do fontes de financiamento, como seus críticos como um grande
governo) de 2,8% do PIB, dívida os fundos de pensão norte-ame- prejuízo para o Brasil. E quem
interna de um trilhão e quarenta ricanos.” 7 privatiza seria um vendilhão do
e dois bilhões de reais (em Na América Latina somente o patrimônio nacional, manco-
outubro de 2006)6 e frequentes Chile e o México receberam o munado com poderosos grupos
déficits nas contas da Previdência, “grau de investimento”. Isso financeiros. Será isso verdadeiro?
Brasília está armando uma bom- ocorreu porque, entre outros Quem foi prejudicado e quem foi
ba-relógio para um futuro pró- tópicos, ambos reduziram brus- beneficiado com as privati-
ximo. E, vale lembrar, para manter camente seu déficit público. zações?” E continua: “Primeiro, o
esse gap contábil os técnicos do Em poucas palavras, desen- setor siderúrgico (Cosipa, CSN,
volvimento econômico se dá Açominas, etc.). Até sua privati-
também via investimento privado, zação essas empresas geravam
e o Brasil se transformou em uma grandes prejuízos e exigiam
nação nada acolhedora a esse aportes do governo federal de
setor. Vejamos: (i) poucas ativi- cerca de US$ 1 bilhão por ano.
dades econômicas remuneram no Após as privatizações o setor se
nível de juros cobrado no Brasil; tornou um dos mais eficientes do
(ii) a taxa de juros alta se reflete mundo, a ponto de os Estados
na taxa de câmbio, sendo um Unidos tomarem medidas prote-
componente da valorização exces- cionistas contra as empresas
siva do real; (iii) por não sermos brasileiras.”8
investment grade deixamos de Em outro artigo do mesmo
receber poupança externa a jornal, a ex-presidente da CSN,
preços competitivos; (iv) a carga Maria Sílvia, diz: “Para ilustrar, o
tributária sobre o faturamento das prejuízo consolidado das em-
empresas corresponde a 34% do presas siderúrgicas em 1992 foi
PIB (a total, como foi dito, chega de US$ 260 milhões, enquanto
a aproximadamente 38%), e o seu lucro consolidado em 2005
retorno em infraestrutura é baixís- foi de US$ 4 bilhões. (...) Na
simo. Todos esses itens apenam o siderurgia foram investidos US$
empreendedor e têm sua origem 16 bilhões, após a privatização,
no emprego dos recursos públicos em proteção ambiental, quali-
(o governo gasta mal) e no déficit dade e modernização, prepa-
público (e gasta muito). rando o setor para um novo ciclo
Milton Friedman propôs o “imposto de Interromper a sangria das de expansão da capacidade. A
renda negativo”. contas nacionais é um com- Vale do Rio Doce investirá US$ 4,6

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Destaque

O Índice de Liberdade Econômica (ILE) apontou, em 2006, Hong Kong como a economia mais aberta do mundo.

bilhões em 2006, mais de dez sentirmos vítimas de alguma conta 50 variáveis independentes,
vezes o valor investido em 1997. exploração. Praticamos um maso- distribuídas por 10 fatores de
Sem mencionar a aquisição da quismo imaginário, uma fantasia liberdade econômica: comércio,
mineradora canadense de níquel de sofrimento. Não porque a carga fiscal, intervenção gover-
Inco, por US$ 18 bilhões. (...) A pobreza latino-americana seja namental, política monetária,
Vale, que tinha 11 mil funcionários irreal – ao contrário, é bastante investimento estrangeiro, bancos
em 1997, em 2006 tem 44 mil real para as favelas de Lima e do e finanças, salários e preços,
empregados diretos e 93 mil Rio de Janeiro, ou os casebres de direito de propriedade, regulação
indiretos. Além disso, seus investi- Oaxaca – mas porque gostamos e mercado informal. O valor final
mentos poderão criar mais 33 mil de culpar algum malvado por do índice é a média aritmética
empregos diretos entre 2005 e nossas carências.” 10 entre as notas atribuídas aos dez
2010, além do mesmo número de Outro ponto do Consenso fatores.
empregos indiretos, ou seja, 66 refere-se à diminuição do controle Segundo o cálculo, as eco-
mil novos empregos.” Do setor exercido pelo Estado sobre o nomias mais abertas do mundo
siderúrgico, a autora passa para mercado. A saber: (v) o abandono são: Hong Kong (1,28), Cin-
telecomunicações. Vejamos: “A do controle da taxa de juros, a gapura (1,56), Irlanda (1,58),
base de clientes de telefones celu- qual passaria a ser determinada Luxemburgo (1,60), Reino Unido
lares cresceu mais de 1.300%, de pelo mercado; (vi) a diminuição do (1,74), Islândia (1,74), Estônia
sete milhões em 1998 para cerca controle sobre o comércio exterior (1,75); Dinamarca (1,78), Es-
de 100 milhões atualmente.” 9 e também (vii) sobre os inves- tados Unidos (1,84) e Austrália
Podemos acrescentar à lista a timentos diretos estrangeiros e, (1,84). O Brasil ocupa a 89°
telefonia fixa, a Embraer, estradas por fim (viii) a desregulamentação posição (dados de 2006), com
e bancos e, sem exceção, todos que extinguiria as leis e regras que valor de 3,08, isto é, esse nível de
geraram resultados favoráveis aos restringem a competição entre nota implica uma economia
acionistas e aos consumidores. empresas no mercado. “predominantemente fechada”,
Isto é, mais uma vez argumentos Talvez o item principal seja o que atrás apenas das “economias
contra as privatizações, principal- diz respeito ao comércio exterior fechadas”, quando o “ILE” se
mente se envolverem capital e à liberdade das empresas. A encontra entre 4 e 5, como Cuba
estrangeiro, têm como objetivo mais completa classificação de (4,10) e Venezuela (4,16). (Fonte:
preservar empregos daqueles que abertura e liberalização das Jornal Valor Econômico)
vivem à custa dessa “irmandade” economias nacionais é o Índice de Estudos internacionais apon-
chamada Estado e/ou uma forte Liberdade Econômica (ILE) ela- tam forte correlação entre os
cor ideológica. No Manual do borado pela Herigate Foun- graus de abertura econômica e os
Perfeito Idiota Latino-Americano dation11. A metodologia consiste níveis de desenvolvimento hu-
está escrito: “Agrada-nos ser na classificação das economias mano e de liberdade política. Esse
ineptos com a consciência limpa. nacionais numa escala numérica quadro é um dos fatores que
Temos prazer mórbido em nos de um a cinco. O índice leva em deixam nítida a 69° posição do

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Destaque

País no IDH, considerado médio existente nessas nações. Em ou-


desenvolvimento humano. Uma tras palavras, a queda nas im-
reflexão interessante sobre o tema portações, devido ao encareci- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
“liberdade econômica e mercado mento dos produtos estrangeiros, E NOTAS
internacional” é expressa nas reduziria bruscamente a com-
seguintes palavras: “Se o mercado petitividade dos nossos produtos KUCZYNSKI, Pedro -Pablo &
internacional é coisa de gigantes e, consequentemente, a penetra- WILLIAMSON, John. Depois do
que esmagam os fracos, por que ção deles em mercados concor- Consenso de Washington: Reto-
mando o Crescimento e a Reforma na
Israel, Andorra, Mônaco, Lie- renciais. América Latina. São Paulo, Editora
chtenstein, Taiwan, Cingapura, Conclusão: este trabalho não Saraiva, 2004.
Hong Kong, Luxemburgo Suíça, tem como objetivo uma abor- SANDRONI, Paulo. Dicionário de
Economia do Século XXI, Rio de
Curaçao, Grande Caimã e dagem técnica sobre o conjunto Janeiro, Editora Record, 2005.
Dinamarca estão entre as nações de medidas proposto pelo Con- MISES, von Ludwig. As seis lições,
mais ricas (e menores) do mun- Rio de Janeiro, Instituto Liberal, 1979.
MONTANER, Carlos Alberto &
do?” (Manual do perfeito idiota MENDOZA, Plínio Apuleyo; Manual


latino-americano, pp 67/68) do Perfeito Idiota Latino-Americano,
Vinod Thomas, economista do Como o Consenso Rio de Janeiro, Editora Bertrand
Brasil, 2000.
Banco Mundial, diz: “Mesmo foi proposto THOMAS, Vinod. O Brasil visto por
levando-se em conta o grande dentro, Rio de Janeiro, José Olympio
tamanho do Brasil e de seu principalmente Editora, 2005.
mercado interno, a parcela mais para países latino- 1
O economista inglês John
recente de cerca de 30% em americanos, talvez Williamson trabalhou no Ministério da
Fazenda (The Exchequer) da Inglaterra
relação ao PIB de exportação e
importação de bens e serviços é
tenha faltado aos e no Fundo Monetário Internacional.
Foi professor do Instituto de Tecno-
relativamente baixa, comparada à seus criadores a logia de Massachusetts e da Univer-
parcela de 50% na China”.12 reflexão de que sidade Princeton. Durante quatro anos
também lecionou na PUC-Rio. Nos
No final dos tópicos, o Con- nos anos 1980 e últimos anos, se dedicou ao Instituto
senso de Washington sugere a de Economia Internacional, em Wa-
participação do Estado: (ix) a 1990 um dos mais shington.
2
Kuczynski Pedro-Pablo; William-
garantia do direito de propriedade preocupantes son, John. Depois do Consenso de
privada se dá via Estado, através problemas de parte Washington: Retomando o cresci-
do Sistema Judiciário e; (x) é mais mento e a reforma na América Latina.
importante para os países expressiva da região Editora Saraiva, 2004. pp 285, 286
3
Notas para um dicionário bra-
– entre eles o Brasil –

subdesenvolvidos ter uma taxa de sileiro de política, Revista Veja, Edição
1626, de 1/12/1999.
câmbio que aumente e diversifique tenha sido a inflação. 4
Maiores detalhes sobre os planos
as exportações (e assim aumente Cruzado, Bresser e Collor: Sandroni,
a competitividade dos produtos Paulo; Dicionário de Economia do
nacionais no exterior) do que uma Século XXI. Rio de Janeiro, Editora
Record, 2005.
taxa de câmbio determinada pelo senso de Washington. Tem, sim, 5
Mises, von Ludwig; As seis lições,
mercado. como escopo mostrar que nelas Rio de Janeiro, Instituto Liberal, 1979.
Como o Consenso foi pro-
6
Fonte: Banco Central.
não há nada do “imperialismo” de 7
Baixo crescimento atrasa reclassi-
posto principalmente para países Washington, como gostam de ficação do País. O Estado de São
latino-americanos, talvez tenha dizer aqueles que deram a ele uma Paulo, 28/11/2006.
faltado aos seus criadores a
8
Montoro Filho, André Franco;
forte conotação ideológica. Um Quem tem medo das privatizações,
reflexão de que nos anos 1980 e cenário econômico protago- O Estado de São Paulo, 4/11/2006.
1990 um dos mais preocupantes nizado pelo corte dos gastos
9
Marques, Maria Sílvia Bastos; Pri-
problemas de parte expressiva da vatização - a verdade dos números,
públicos e, na melhor das hi- O Estado de São Paulo, 25/10/2006
região – entre eles o Brasil – tenha póteses, superávit nominal, com 10
Montaner, Carlos Alberto;
sido a inflação, portanto pro- o dinheiro público bem empre- Manual do Perfeito Idiota Latino-
gramas com forte foco na ex- Americano. Rio de Janeiro, Editora
gado, empresas privadas agres- Bertrand Brasil, 2000 (pp77)
portação, com moeda nacional sivas, além do mercado aberto e 11
Um think-tank estadunidense espe-
artificialmente desvalorizada, respeito aos contratos, é o ideal cializado em pesquisa e análise de po-
provocariam ainda mais inflação, líticas públicas.
para hospedar investimentos no 12
Thomas, Vinod; O Brasil visto por
dada a retração nos níveis de sentido mais abrangente do ter- dentro, Rio de Janeiro, José Olympio
importação. Outro tópico a ser mo. Ou seja, aquilo que precisa- Editora, 2005, p40.
destacado é o nacionalismo mos para crescer.

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Livros

A atualidade de Mencken
Resenha de O Livro dos Insultos, de H. L. Mencken, Ed. Companhia das Letras - SP - 1988

“A democracia é a arte e a ciência de morais dos petistas, agora são


administrar o circo a partir da jaula todos membros do governo, bei-
dos macacos.” (H. L. Mencken) jando as mãos do presidente Lula
e seus camaradas. Para Mencken,
enry Louis Mencken foi um “o governo ideal de qualquer
H iconoclasta difícil de ser homem dado à reflexão, de Aris-
reduzido a algum rótulo simplista. tóteles em diante, é aquele que
O “Nietzsche americano” não deixe o indivíduo em paz – um
poupava ninguém de sua ácida governo que praticamente passe
pena. Todos eram ridicularizados despercebido”. Mas ele era realista
por ele, que considerava o homem o suficiente para saber que esse
médio um grande idiota e covarde. ideal levará uns vinte ou trinta
A obra O Livro dos Insultos, pu- séculos para se concretizar, depen-
blicada em 1988 no Brasil, recebe dendo de homens tão covardes que
agora uma segunda edição, com necessitam do governo como uma
tradução de Ruy Castro. Trata-se de espécie de pai.
uma verdadeira metralhadora Os ataques ao governo conti-
giratória, com especial valor na era nuam: “Todo governo é composto
da ditadura do politicamente cor- homem superior: seu objetivo per- de vagabundos que, por um
reto. Apesar de escritos na década manente é oprimi-lo e manietá-lo”. acidente jurídico, adquiriram o
de 1920, seus artigos parecem Como ler isso e ignorar o que se duvidoso direito de embolsar uma
bastante atuais. A idolatria que passa no Brasil, onde a medio- parte dos ganhos de seus se-
Obama despertou, por exemplo, cridade é alçada ao patamar de melhantes”. No Brasil, essa parte já
seria material farto para a ironia de deus? A meritocracia tem seus dias chega a praticamente metade de
Mencken. contados num país onde a amizade tudo gerado pelos indivíduos. Em
Vejamos, por exemplo, essa com os governantes vale mais que um país onde o discurso patético de
afirmação: “A civilização torna-se qualquer coisa para subir na vida. pagar impostos para “comprar
cada vez mais histérica e babona Mencken acrescenta: “Para o cidadania” ainda encontra forte
e, especialmente sob a democracia, governo, qualquer idéia original é eco, o alerta de Mencken não po-
tende a degenerar num mero bate- um perigo potencial, uma invasão deria ser mais útil: “O homem in-
boca entre dementes. O único de suas prerrogativas, e o homem teligente, quando paga os seus
objetivo da prática política, por mais perigoso é aquele capaz de impostos, não acredita estar
exemplo, é manter o povo alar- pensar por si próprio, sem ligar fazendo um investimento prudente
mado (e, portanto, clamando por para os tabus e superstições em e produtivo de seu dinheiro; ao
ser conduzido em segurança) por voga”. Experimentem fazer declara- contrário, sente que está sendo
uma galeria interminável de capetas ções contra o consenso da manada multado em nome de uma série de
e papões, todos, claro, imagi- hoje em dia para ver a reação da serviços que, em sua maior parte,
nários”. Como ler essas linhas e não turba! Se algo mudou desde os lhe são inúteis e, às vezes, até
pensar na histeria com o aqueci- tempos de Mencken, com certeza prejudiciais”. Num país onde o
mento global, que tomou conta da não foi para melhor nesse sentido. governo financia até invasores de
humanidade? Como ignorar o “Revoluções políticas quase propriedade privada, poderíamos
pânico frequente com epidemias, nunca realizam nada de verdadeiro dizer que Mencken foi bondoso
como a SARS, a vaca louca, a gripe mérito; seu único efeito indiscutível demais em sua análise.
suína? Até mesmo a crise econômica é enxotar uma chusma de ladrões Para finalizar, demonstrando o
é utilizada para alastrar pavor nos e substituí-la por outra”, escreveu caráter atemporal da percepção de
leigos, passando-se logo em se- Mencken. Se considerarmos a che- Mencken, um sucinto resumo da
guida o chapéu dos impostos e gada do PT ao poder uma “revo- situação atual brasileira: “Todo
concentrando mais poder nos gover- lução”, tais palavras não servem homem decente se envergonha do
nos. Num mundo habitado por como uma luva? Nem mesmo todos governo sob o qual vive”. E não é
covardes, os charlatões fazem a festa. os ladrões foram enxotados, pois verdade?
Os ataques de Mencken ao muitos simplesmente mudaram de
governo jamais perderão validade. lado e se aliaram ao novo governo.
Os caudilhos nordestinos, antes por Rodrigo Constantino
Ele disse: “Todo governo, em essên-
Economista e escritor
cia, é uma conspiração contra o alvos dos mais terríveis ataques

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