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Folha de S.

Paulo, 22 de março de 2009

+ Marcelo Gleiser

Como sabemos?
Nossa construção da realidade, por
ser sempre filtrada, é incompleta

Como sabemos que o mundo é do jeito que é? Fácil, diria uma pessoa pragmática: basta
olhar e medir. Vemos a árvore, a cadeira, a mesa; ouvimos o vento, a música, as vozes
das pessoas. Sentimos o calor e o frio na nossa pele. Uma vez que essa informação
sensorial é integrada pelo nosso cérebro, construímos uma concepção do real que nos
permite funcionar no mundo.
Sabemos aonde ir, o que comer, o que evitar tocar; sentimos o prazer de uma boa
refeição, de um abraço carinhoso. Mas e quando vamos além dos nossos sentidos,
usando instrumentos para estender a nossa concepção da realidade? Não vemos galáxias
a olho nu (talvez Andrômeda, em noites muito especiais) e muito menos um átomo de
carbono. Como sabemos que estão lá, que existem?
Quando Galileu mostrou seu telescópio para os senadores de Veneza, muitos se
recusaram a aceitar que o que viam era real. Mais recentemente, no final do século 19, o
grande físico e filósofo austríaco Ernst Mach se recusava a aceitar a existência dos
átomos pois estes, segundo ele, nunca poderiam ser visualizados. Mach e os senadores
estavam errados.
O que se vê através dos telescópios é perfeitamente real. Captamos os fótons -as
partículas de luz- emitidos (ou refletidos, no caso de planetas e luas) pelo corpo celeste.
Se a fonte não emite nas faixas visíveis do espectro, ou está tão longe que não podemos
captar fótons entre o vermelho e o violeta, captamos ondas de rádio ou micro-ondas,
radiação eletromagnética que nossos olhos não enxergam, mas que nem por isso é
menos real.
Quando elétrons pulam de órbita nos átomos, também emitem (ou absorvem) fótons,
que podem ser detectados por instrumentos ou, no caso de serem visíveis, pelos nossos
olhos. Os instrumentos usados no estudo dos fenômenos naturais são uma extensão dos
nossos sentidos. Um dos feitos mais espetaculares da ciência é justamente essa
ampliação da realidade, o ver além do visível.
A situação se complica quando a complexidade do fenômeno nos força a filtrar dados,
selecionando apenas uma parte do que ocorre. Nossos cérebros fazem isso
constantemente, o que chamamos de "foco"; caso contrário, seríamos inundados a tal
ponto por sons e imagens que não conseguiríamos fazer nada. Quando olhamos para
uma estrela a olho nu ou com um telescópio óptico, vemos apenas parte dela, o que ela
emite no visível. Uma visão completa da estrela incorporaria suas emissões no
infravermelho, no ultravioleta, no raio X etc. A consequência desse fato é simples, mas
profunda: nossa construção da realidade, por ser sempre filtrada, é incompleta. Sabemos
apenas aquilo que medimos.
No caso das partículas elementares, o problema é ainda mais grave. O gigantesco
acelerador LHC, por exemplo, que deve entrar em funcionamento dentro de alguns
meses na Suíça, criará em torno de 600 milhões de colisões entre partículas por
segundo. Essas colisões geram 700 megabytes de dados por segundo, mais de 10
petabytes por ano. Um petabyte equivale a mil trilhões de bytes (1015), 1 milhão de
discos rígidos com 1 gigabyte cada.
Para tornar a pesquisa viável, os grupos de cientistas filtram os dados, selecionando
eventos designados "interessantes". Essa seleção, por sua vez, é baseada em teorias
atuais que especulam sobre o que existe além do que já conhecemos. Apesar de as
teorias serem sólidas, elas só serão confirmadas pelos experimentos. Existe o risco de
que fenômenos inesperados, não-previstos pelas teorias, sejam eliminados pela
filtragem dos dados.
Nesse caso, nossas próprias teorias limitam o que sabemos sobre o mundo - uma
conclusão um tanto paradoxal.

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor
do livro "A Harmonia do Mundo"

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