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Rio de Janeiro
2006
Vivian Graça Barcellos Barreira
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Rio de Janeiro
2006
Vivian Graça Barcellos Barreira
4
Avaliada por:
Agradecimentos
Dedicatória
Epígrafe
Sumário
1. Introdução..............................................................................................................................9
2. Procedimento teórico-metodológico...................................................................................14
4. O Grupo................................................................................................................................24
4.1 - A influência de Lukács e Gramsci.....................................................................................26
4.2 - A formação econômico-social brasileira...........................................................................34
4.3 - Democracia como estratégia..............................................................................................42
4.4 - Herdeiros de 1958..............................................................................................................48
5. A Democracia e os comunistas............................................................................................55
5.1 - Os “renovadores” e o “socialismo realmente existente”...................................................60
5.2 - Modernidade, Capitalismo e Democracia.........................................................................65
5.3 - Que democracia é essa?.....................................................................................................69
6. O Desfecho............................................................................................................................74
7. Considerações finais.............................................................................................................77
8. Bibliografia...........................................................................................................................80
9. Anexo I..................................................................................................................................84
9
1. Introdução
1
“Durante muito tempo falou-se em golpe militar para se referir à deposição do governo institucional
de João Goulart. Desde a publicação da tese de René Dreifuss, no início da década de 1980, os
historiadores e cientistas políticos têm-se referido ao golpe como civil-militar, destacando a
participação decisiva de setores civis na queda de Goulart e na violação da Constituição democrática de
1946”. Cf. Rollemberg, “A ditadura civil-militar em tempo de radicalização e barbárie” in Francisco
Palomanes Martinho, Democracia e Ditadura, EdUERJ, Rio de Janeiro, 2006.
10
caso do PCB. Não documentalmente, desde março de 1958. Já a partir desse momento, o
Partido passou a defender a “via pacífica” da revolução brasileira e depois do Golpe, a união
das “forças democráticas” para pôr fim à Ditadura Militar.
Se a implementação do Golpe-Civil Militar interrompeu a democracia no país na
metade dos anos 60 já bem antes disso que o PCB não participava legalmente do jogo
democrático. O Partido Comunista Brasileiro teve seu registro eleitoral cassado pela última
vez em 1947, permanecendo clandestino até 1985. Desde a sua fundação, em 1922, o Partido
permaneceu durante muito tempo na ilegalidade. No pré-64, o PCB utilizou-se de outras
legendas, como a do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), para inserir-se no cenário de
atuação política e conseguiu bastante êxito para cargos no Legislativo. Com essa aliança, os
comunistas detinham o controle de grande número de sindicatos, federações e confederações
de trabalhadores urbanos e rurais. PTB e PCB detinham o controle da Confederação Nacional
2
dos Trabalhadores da Indústria (CNTI). Nesse momento que antecedeu ao golpe, o Partido
tentava recuperar as suas forças nos meios sindicais e de uma maneira mais geral, esforçava-se
por abandonar a linha “sectarista” traçada desde o Manifesto de Agosto de 1950.3
A Declaração de Março de 1958 foi o primeiro documento que o Comitê Central do
Partido Comunista Brasileiro, claramente, colocou-se contrário ao enfrentamento armado para
transitar ao socialismo. O pioneirismo “democrático” da Declaração advém do IV Congresso
(1954) ter deixado duvidosa parte da historiografia. Além disso, dentro do Partido, o apelo, a
posteriori, de uma identidade democrática do PCB tornou símbolo o documento. Isso se deu
ao fato de que, em 1958, já haviam ocorrido dois acontecimentos que dariam à Declaração de
Março o status que tem hoje – o de berço da renovação democrática pecebista. Foram esses os
acontecimentos: a especulação golpista antecedente e subsequente ao suicídio de Vargas –
agosto de 1954 – e a denúncia dos crimes de Stálin no relatório de Kruschev no XX Congresso
2
Marco Aurélio Santana, Homens Partidos, São Paulo: Boitempo, 2001.
3
À época, o Partido identificou sua perda de influência na sociedade brasileira em função do
“sectarismo” iniciado com a publicação do Manifesto de Agosto em 1950. O “sectarismo” resultou no
afastamento dos sindicatos e de outros movimentos de massa, nos quais o Partido engajara-se,
sobretudo, a partir de 1945. Também para a historiografia recente, é aceita a idéia de que o Manifesto
de Agosto é o documento expoente de um momento de fraca inserção na sociedade favorecido pelo
viés pouco conciliador no período.
11
do PCUS (1956). Logo a seguir, viriam o V (1960) e o VI (1967) Congresso, onde seriam
reiteradas as resoluções desta Declaração. Vale ressaltar que não houve completa adesão a
essas novas disposições de tática democrática para a implantação do socialismo.
Prova disso é que, em 1962, membros que vinham acusando o Comitê Central de se
posicionar extremamente à direita deixaram o Partido e fundaram o Partido Comunista do
4
Brasil (PC do B). A partir do golpe de 1964, a situação piorou porque o Comitê Central
passou a ser acusado por militantes que se posicionavam à “esquerda” das propostas da
direção, de ter favorecido ao êxito do golpe civil-militar, na medida em que preferiu não optar
ao enfrentamento armado como forma de derrotar a ditadura. Então, mais dissidentes
migraram para alguma organização que defendia a luta armada e o Partido perde importantes
quadros. 5
Com um posicionamento que pretendia a formação de alianças, o PCB não apostava
no enfrentamento armado para derrotar a Ditadura Militar. O Partido defendia que a derrubada
do regime deveria se dar através de soluções politicamente negociadas. Enquanto as demais
organizações comunistas surgidas do seu interior pregavam o voto nulo, os pecebistas
participavam das eleições de 1966 e ingressavam no Movimento Democrático Brasileiro
(MDB).
Com o início do governo Geisel, a promessa da distensão “lenta, segura e gradual” do
regime e o fracasso das guerrilhas rural e urbana, o PCB passava a acreditar no êxito de sua
política de alianças adotada como forma de abater a ditadura militar. Embora, entre o final de
1974 e o decorrer de 1975, nove membros do Comitê Central tenham sido assassinados pelos
órgãos de repressão, a direção do Partido insistia na manutenção da Frente Democrática para
derrotar o regime e, através do caminho institucional legal, restabelecer a ordem democrática
no país.
A extinção do Ato Institucional n. º 5 e a decretação da Anistia, em setembro de
1979, favoreceram o retorno dos dirigentes e militantes que estavam no exterior e o fim da
clandestinidade para aqueles que continuaram no Brasil. A partir daí, no encaminhamento do
4
À época de sua fundação, o PC do B seguia a linha maoísta.
5
Apolônio de Carvalho rompeu com PCB, em 1967, e fundou o Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR); Carlos Marighella, depois de expulso, fundou a Aliança Libertadora Nacional
(ALN); Jover Telles, expulso, ingressou no Partido Comunista do Brasil (PC do B).
12
VII Congresso, torna-se evidente que o Partido estava em meio a uma crise, e dividido por
lutas internas de graves conseqüências. A crise no interior do PCB agravou-se ainda mais
pelas divergências estratégicas sobre as formas de dar fim ao governo dos militares.
Uma tendência, liderada por Luís Carlos Prestes, então secretário geral do PCB,
supunha que a orientação estratégica que se desenvolvera a partir da Declaração de Março de
1958 estava marcada por uma ilusória esperança no papel histórico da burguesia.
Simultaneamente, outra tendência, autodenominada Corrente Renovadora, crescia no interior
do Partido. Inspirada nas experiências recentes do comunismo euro-ocidental, os
“renovadores” propunham que as liberdades democráticas estivessem no programa estratégico
dos comunistas. Com uma leitura que enfatizava a modernidade capitalista que emergira no
país no período ditatorial, o grupo entendia que a sociedade brasileira não abraçaria modelos
ditatoriais – nem o grupo desejava isso – nem do lado socialista. Além disso, passaram
também a contestar a política de alinhamento com a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS).
Num primeiro momento, a Corrente Renovadora uniu-se à direção do Partido para
derrotar o grupo prestista. Grande parte do grupo liderado por Prestes acabou ingressando no
Partido dos Trabalhadores (PT) e no Partido Comunista do Brasil (PC do B), embora, alguns
ainda tenham permanecido no PCB. A Corrente Renovadora, com forte expressão intelectual,
também, acabou derrotada numa luta interna que se estendeu de 1978 a 1983 e diluiu-se entre
o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e o PT. 6
Os pecebistas “renovadores”, pejorativamente chamados de eurocomunistas por seus
partidários opositores, são o tema dessa monografia. Há a hipótese de que a Corrente
Renovadora acredita que a sua própria luta a favor do “aprofundamento da democracia” – só é
possível graças ao nível anterior de valorização da democracia no interior do PCB, com
origem na renovação democrática pecebista dos anos 50 – exposta primeiro, na Declaração de
Março de 1958. Isso porque pretendeu fazer do início do movimento de valorização da
democracia política no comunismo brasileiro responsabilidade do PCB e, além isso, provar a
6
Cf. Marcos Del Roio. “De um século a outro: Trajetória e atualidades da questão comunista no
Brasil” IN: MAZZEO, Antônio Carlos, LAGOA Maria Izabel. Corações vermelhos: os comunistas
brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003.
13
realidade do país, é elaborada, uma nova proposta estratégica para os comunistas brasileiros -
Democracia como estratégia. E, no início dos anos 80, mostro que esse grupo pretende-se
herdeiro, por seu prosseguimento na valorização da democracia, do grupo renovador dos anos
50, responsável pela elaboração da Declaração de Março de 1958 - Herdeiros de 1958.
No capítulo cinco, intitulado A Democracia e os comunistas, analiso a relação entre o
grupo e o motivo da acirrada luta interna, a “radicalização democrática”, de três diferentes
maneiras. A primeira delas analisa o “socialismo realmente existente” para a noção de
contexto dos “renovadores”. A segunda trata de como a modernidade gerada pelo capitalismo
favorece a implantação da democracia. E no terceiro momento, procuro analisar os resultados
da democracia objetivada pelo grupo “renovador” em face à realidade nacional e à tradição
comunista.
No capítulo seis, intitulado O Desfecho, discorro sobre o final da luta interna do PCB
que se estendeu até a conclusão do VII Congresso, em 1984. Dedico, nesse momento, algum
espaço aos opositores partidários da Corrente Renovadora. Mas, a centralidade ainda é a busca
da Corrente Renovadora em se diferenciar dos outros pecebistas. Assim, procurei chamar de
desfecho a própria visão que a Corrente Renovadora encarou seu movimento no interior do
Partido. A saber, a derrota de seu projeto: a derrota da democratização política no programa
estratégico dos pecebistas.
Nas Considerações finais, faço um balanço dos resultados achados sobre o tema. A
influência do viés político de Lukács-Gramsci no discurso “renovador”, uma nova
interpretação da história brasileira, a estratégia socialista democrática, a unidade/conflito na
invocação da memória pecebista, a importância do contexto: Leste Europeu e
redemocratização do Brasil, a ruptura/continuidade na tradição marxista brasileira.
2. Procedimentos Teórico-metodológicos
trabalho admite que a Corrente Renovadora diferiu da cultura política comunista adotada pelo
PCB no pós-64. Mas está longe de se aprofundar nos méritos ou desacertos dessa inovação no
Partido, estamos antes preocupados em colocar a cultura política como começo de tudo - das
mudanças, das possibilidades mais concretas que se abriram após a distensão do regime
militar.
Para tratar do tema dessa monografia – a Corrente Renovadora – vamos trabalhar,
enormemente, com as idéias do grupo prontas a influenciar o cenário político brasileiro.. Por
essa vontade e a atitude de se inserir no processo de redemocratização da sociedade brasileira,
no retorno ao Estado democrático de direito, é que identificamos os comunistas do PCB como
dotados de uma cultura política. Consideramos o grupo de intelectuais como dotados de uma
sub-cultura política comunista porque enxergamos rivalidades com o restante do PCB, acenos
da saída (para a maioria) do Partido no início dos anos 80. Lembrando que:
7
Almond, G. e S. Verba. The civic culture. Political attitudes and democracy in five nations. Boston,
Litle/Brown, 1965 citado por Raimundo Santos, Modernização e política. Rio de Janeiro: Forense
Universitária/Edur, 1996, p. 47. 7 Pécaut, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo,
16
“Pécaut (1990) chama a atenção para o fato de que o conceito de cultura política não deve
encerrar exclusivamente a idéia da semelhança de atitudes individuais, consideradas fora de
qualquer contexto institucional, como nos autores clássicos. Mas do que isso, ele refere tanto
um fenômeno de sociabilidade política quanto uma adesão a uma mesma leitura do real”. 8
Nesta monografia, é descabida uma análise mais completa do que vem a ser a
ideologia marxista ou os aspectos do plano-político ideológico do Partido Comunista
Brasileiro. Coube sim, a definição de cultura política para atender os objetivos aqui expostos,
que estão ligados exclusivamente, a especificidade do grupo de pecebistas bastante atuantes na
política brasileira.
A cultura política é o que se passa de fato, é aquilo que os comunistas fazem quando
acreditam que o socialismo pode e/ou deve vir. Está mais próxima do dia-a-dia, da apreensão
do real em pequenos espaços-temporais. Deixemos as palavras de Lincoln de Abreu Penna,
que melhor traduziu a diferença entre a cultura política e a ideologia:
“Acrescentamos que ela [cultura política] difere das ideologias em razão da cultura política
ser construída por uma vivência, isto é, uma experiência que se traduz em uma identidade
muito própria de ação. Ao contrário da ideologia, enquanto utopia que é essencialmente um
vir-a-ser, quando a consideramos enquanto representações e não como um exercício do
poder, uma vez que neste caso toda ideologia é uma ideologia dominante, porque revela os
valores das classes que detém o poder”. 9
Ática, 1990. citado por Raimundo Santos, Modernização e política. Rio de Janeiro: Forense
Universitária/Edur, 1996, p. 50.
8
Pécaut, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo, Ática, 1990 citado por Raimundo
Santos, Modernização e política. Rio de Janeiro: Forense Universitária/Edur, 1996, p. 50.
9
Lincoln de Abreu Penna, “A Cultura Política Comunista no Brasil: 1950-1964” in Cadernos do
NPEH-IFCS, ano I, número 3, 1996, p. 16 citado por ROSSA, André Luiz. O Jornal Voz Operária e as
mudanças político-deológicas do PCB sobre a realidade e a revolução brasileira, do Manifesto de
Agosto de 1950 à Declaração de Março de 1958. Monografia. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais,
UFRJ, Rio de Janeiro, 1999.
17
comunista porque, ao contrário, se a sua raiz de disputa fosse num futuro mais longínquo a
própria ideologia estaria em jogo.
Nesse trabalho, o que se busca não é a mera exposição das idéias da Corrente
Renovadora aos receptores da mensagem. É antes, uma análise crítica do que disse o grupo e
de que maneira preparou sua mensagem para os comunistas, mas também para o mundo fora
dele. Assim, a fala do grupo vai ser observada rigorosamente e mesmo o que deixou de ser
dito pelos “renovadores” será questionado. Portanto, para uma abordagem investigativa da
micro-história social, pretendo usar da:
“(...) as estratégias pessoais ou familiares não são puramente instrumentais: são socializadas,
na medida em que são inseparáveis de representações do espaço relacional urbano, dos
recursos que ele oferece e das limitações que impõe, a partir das quais os atores sociais se
orientam e fazem suas escolhas. Trata-se portanto de desnaturalizar – ou ao menos de
desbanalizar – os mecanismos de agregação e de associação, insistindo nas modalidades
relacionais que os tornam possíveis, recuperando as mediações existentes entre ‘a
racionalidade individual e a identidade coletiva’”. 11
10
Ciro Flamarion Cardoso, Ronaldo Vainfas, “História e Análise de Textos” in CARDOSO, Ciro
Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 375.
11
Jacques Revel, “Microanálise e construção do social”. In Jacques Revel (org.). Jogos de escalas: a
experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1998, p. 25.
18
O meu olhar para o objeto não irá agir sem levar em conta a consciência histórica. O
rumo que as coisas tomariam é alvo de especulação, sobretudo, de intelectuais comunistas que
desejavam se inserir no cenário político, então: “é excepcional que as fontes apresentem por si
mesma as alternativas, e mais ainda as incertezas com que se defrontam os atores sociais do
passado (...) noções como as de fracasso, de incerteza e de racionalidade limitada”.13
Percebemos que a Corrente Renovadora (em seu extrato intelectual) no que se refere
às suas visões interpretativas do Brasil é, ao mesmo tempo, historiografia marxista e
historiografia brasileira.
O Partido Comunista Brasileiro foi fundado, em março de 1922, por homens oriundos,
em sua maioria, do movimento anarquista. Alguns meses depois, o Partido tem o seu registro
eleitoral cassado, pela primeira vez, em julho. Depois disso, o Partido entra de novo para o
12
Idem, p. 26.
13
Idem, p. 30.
19
processo eleitoral só, em 1945, com o fim da Ditadura Vargas. Dois anos mais tarde, o partido
volta a ilegalidade permanecendo nessa situação até 1985. A historiografia especializada não
deixa de considerar esse largo tempo na ilegalidade para justificar a atuação do PCB junto à
sociedade em diferentes momentos.
Durante os primeiros anos de vida do Partido, a luta político-ideológica será contra os
mesmos anarquistas, que tinham forte influência no movimento operário, principalmente em
São Paulo. Na história do Partido Comunista Brasileiro, sempre houve a disputa com outros
movimentos para exercer influência sobre o proletariado. O embate acabava saindo do
sindicato e chegando até as publicações internas do Partido. Então, num primeiro momento,
precisou-se dizer porque o comunismo – e não o anarquismo – era a única forma de luta que
daria a vitória ao proletariado.
A fundação do PCB coincidiu com a chegada do marxismo no Brasil. Ou melhor, o
pensamento marxista chega ao Brasil junto com o Partido Comunista e com a Internacional
Comunista. Isso explica porque o marxismo brasileiro esteve, por tanto tempo, obediente aos
ditames da União Soviética e do marxismo-leninismo. Além disso, explica porque não houve
concorrentes “marxistas” ao PCB por bastante tempo na história brasileira. No entanto,
explicaria algo mais importante sobre esse trabalho: a tradição marxista no Brasil não se achou
“democrática”.14 O marxismo no Brasil não teria sofrido influência direta da Segunda
Internacional, que pregava o caminho institucional para chegar ao socialismo, e dessa maneira,
só penetrou aqui as idéias de “revolução” do marxismo-leninismo através da IC.
A chegada da influência da IC propriamente ocorreu a partir de seu VI Congresso
(1928-1929) quando passaram a preocupar-se, mais fortemente, sobre o movimento
revolucionário nas colônias e ex-colônias do mundo moderno. Por acreditarem que nenhuma
delas estava livre, de fato, dos laços de dependência com o capitalismo, a IC chamava esses
países de semi-colônias e colônias. Eram países da América Latina, Ásia e África. Assim, as
teses da IC acabaram influindo no III Congresso do PCB (1929). Michel Zaidán aponta que:
“Para os comunistas brasileiros, essas inovações teórico-políticas terão uma tradução muito
específica: obreirismo e revolução democrático-burguesa antiimperialista, cujos efeitos na
14
Carlos Nelson Coutinho apud Marco Aurélio Garcia, As esquerdas e a democracia, Rio de Janeiro:
Paz e Terra: CEDEC, 1986.
20
15
Michel Zaidán, “O Grande Tournant: o VI Congresso da Internacional Comunista (1928-1929)” in
REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). História do Marxismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991,
v.1, p. 103.
21
“sectarismo”. Durante toda sua história, o PCB está em voltas com suas auto-críticas. Desde o
final da década de 1950 que a direção partidária considerou um “erro” a política iniciada, em
16
1947, de “esquerdismo”. A diminuição da influência do PCB junto à sociedade teria
prejudicado o Partido. Para Mazzeo:
16
Sobre “desvios de esquerda” e de “direita” confira Pandolfi (1992). Os “desvios de direita” teriam
colocado o Partido numa posição de alinhamento com a burguesia em detrimento do triunfo
revolucionário. Os “desvios de direita” são mais freqüentes entre os dissidentes que dariam origem ao
PC do B e, no pós-64, aos militantes que migraram para as organizações de luta armada.
17
Antônio Carlos Mazzeo. Sinfonia inacabada. Marília: Unesp; São Paulo: Boitempo, 1999, p. 78.
22
18
Idem, p. 82.
19
Os dois plenos do CC realizados em abril e agosto de 1957 são muito interessantes a respeito dessa
característica de renovação e da marcha forçada que a nova cúpula partidária encaminharia depois dos
fortes abalos do relatório Kruschev. Cf. Santos, 1996.
23
“Parte da intelectualidade brasileira inclusive mantinha estreitos vínculos com o Partidão. Rui
Facó, Nelson Werneck Sodré e Alberto Passos Guimarães, constituíram uma corrente que
explicava a causa do atraso e subdesenvolvimento do Brasil como decorrentes da ação
predatória do imperialismo e parasitismo dos latifundiários”.20
20
Hiran Roedel et al, PCB: oitenta anos de luta, Rio de Janeiro, Fundação Dinarco Reis, 2002, p. 102.
21
Um dos principais textos lidos no pós-64, pelas organizações de luta armada, foi o de Régis Debray,
Revolução na revolução.
22
Cf. Denise Rollemberg, “Esquerdas revolucionárias”, in FERREIRA, Jorge, DELGADO, Lucilia de
Almeida Neves (orgs.) O Brasil republicano. O tempo da ditadura. Regime militar e movimentos
sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, v.4.
24
“(...) diante de um contexto crescente de abertura política, com suas idas e vindas, a tarefa de
reorganização do partido e a participação dos comunistas na Frente Democrática,
representada no MDB, são os fatos que proporcionaram o estabelecimento de uma “nova
política” no interior do PCB, como na própria esquerda brasileira”.23
4. O Grupo
23
Clayton Cardoso Romano. Da abertura à transição: o PCB e a cultura política democrática da
esquerda brasileira. 2001. 175 p. Dissertação (Mestrado em História e Cultura Política) - Faculdade de
História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista, Franca, p. 80.
24
“De acordo com o Prof. Segatto em entrevista ao autor (14/07/2000), o PCB dos anos 70 e 80 se
dividia, esquematicamente, assim: Renovadores: Armênio Guedes, David Capistrano, Luiz Werneck
Vianna, Marco Aurélio Nogueira, Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho, Elói, Luiz Antônio
Medeiros, Nilton Cândido; Centro Pragmático: José Paulo Netto, José Segatto, Celso Frederico,
Bertelli, Alberto Passos, Ênio Silveira, Ferreira Gullar, Paulo Teixeira, João Saldanha; Esquerda
Conservadora: representada essencialmente por Luis Carlos Prestes” in Clayton Cardoso Romano, Da
abertura à transição: o PCB e a cultura política democrática da esquerda brasileira. 2001. 175 p.
Dissertação (Mestrado em História e Cultura Política) - Faculdade de História, Direito e Serviço
Social, Universidade Estadual Paulista, Franca, p.92n.
25
25
A formação econômico-social é um conceito marxista já utilizado largamente PCB assim como pelos
demais partidos comunistas no mundo para tratar de sua realidade nacional. O que entra em discussão
no PCB com a Corrente Renovadora não é a validade do conceito marxista para explicar sociedades
concretas, pelo contrário, a presteza e justeza do conceito são reforçadas quando o que se coloca em
xeque é a visão atrasada e letárgica da direção do PCB sobre a sociedade brasileira. O conceito de
formação econômico-social é bom, na verdade, é sob ele que reside toda a investigação e disseminação
da história do país. “O conceito de formação econômico-social está ainda mal elaborado; no marxismo
contemporâneo coexistem pelo menos três formas principais de considerá-lo: como noção empírica
equivalente à idéia corrente de ‘sociedade’; como conceito referido a uma sociedade concreta, porém a
articulação de diversos modos de produção no seio da base econômica, da aludida; como o modo de
produção junto com a superestrutura correspondente” in Ciro Flamarion S. Cardoso, Héctor Perez
Brignoli. Os métodos de história. Rio de Janeiro, Graal, 1979, p. 378. Resumindo, os intelectuais da
Corrente Renovadora trabalharam com o conceito de formação econômico-social brasileira para falar
do passado e presente brasileiros e acabaram por constituírem-se num momento novo e importante na
historiografia brasileira contemporânea.
26
“A divulgação da obra de Lukács, assim, esteve inicialmente nas mãos de jovens intelectuais,
quase todos gravitando ao redor do PCB, que atuavam no Rio de Janeiro (Leandro Konder,
26
Cf. Celso Frederico. A recepção de Lukács no Brasil. Disponível em:
<http://www.herramienta.com.ar> Acesso em: 19 mai 2006.
27
Carlos Nelson Coutinho), em São Paulo (José Chasin, José Carlos Bruni) e, posteriormente,
em Juiz de Fora (José Paulo Netto, Gilvan Procópio Ribeiro e Luiz Sérgio Henriques).” 27
“A divulgação das idéias do filósofo húngaro foi feita através da tradução de suas obras, da
publicação de livros de inspiração lukacsiana, quase sempre por editoras próximas ao PCB e,
também, através da participação de seus discípulos nas diversas revistas que surgiram nos
anos 60 e 70”. 28
27
Idem.
28
Idem.
29
Carta de Coutinho a Lukács, Salvador, 23/10/1963, in: Carlos Nelson Coutinho, Lukács, Rio de
Janeiro, Boitempo, 2002.
28
“(...) redescobrir no marxismo, particularmente através do estudo das relações entre economia
e dialética, as categorias constitutivas de uma ontologia do ser social (...), o estudo genético-
ontológico das categorias determinantes do social, particularmente as de trabalho, praxis,
ideologia, reprodução social, casualidade e teleologia etc”. 31
Mas devemos ampliar a porta de entrada do pensamento lukacsiano para além das
correspondências. Carlos Nelson e Leandro Konder falavam bem o alemão (escreviam a
Lukács em alemão) e na verdade, leram as suas obras nesse idioma. Assim,
“Leandro Konder escreveu um interessante livro, modesto nas pretensões, mas muito útil
para os estudiosos, chamado Os marxistas e a arte (Civilização Brasileira, 1967), em que
resenha as diferentes interpretações marxistas sobre o fenômeno artístico a partir do prisma
lukacsiano. Em 1978, escreveu o ensaio “Lukács e a arquitetura” reproduzido na antologia O
Marxismo na batalha das idéias (Nova Fronteira, 1984). A reflexão global de Leandro
Konder sobre o pensador húngaro está na cuidadosa biografia intelectual acompanhada por
uma seleção de textos: Lukács (L&PM, 1980)”. 32
“José Paulo Netto expôs temas estéticos em dois ensaios publicados na Revista de Cultura
Vozes: “Lukács e a teoria do romance” (número 6, ano 68, 1974) e “A teoria do romance do
jovem Lukács” (número 10, ano 70, 1976). Quando de seu exílio em Portugal, escreveu
“Lukács e a crítica da filosofia burguesa” (Seara Nova, 1978), e um longo prefácio à “Carta
sobre o “stalinismo” (Argumentos/Seara Nova, 1978). (...) deve-se a José Paulo Netto uma
equilibrada biografia, na qual nos apresenta um juízo sereno sobre a produção intelectual de
nosso autor: Lukács – o guerreiro sem repouso (Brasiliense, 1983)”. 33
30
Carlos Nelson Coutinho. Estruturalismo e a miséria da razão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972, p.
72.
31
Ibidem, pp 180-181.
32
Cf. Celso Frederico. A recepção de Lukács no Brasil. Disponível em:
<http://www.herramienta.com.ar> Acesso em: 19 mai 2006.
33
Idem.
29
“Luiz Werneck Vianna, Liberalismo e sindicato no Brasil (Paz e Terra, 1976); Leandro
Konder, A democracia e os comunistas no Brasil (Graal, 1980); Ivan de Otero Ribeiro, "A
importância da exploração familiar camponesa na América Latina", em Temas de Ciências
Humanas, número 4, 1978; Marco Aurélio Nogueira, As desventuras do liberalismo: Joaquim
Nabuco, a monarquia e a república (Paz e Terra, 1984)”. 34
As primeiras referências a Gramsci ainda nos anos 60 deu-se através desses jovens
36
intelectuais que giravam em torno do PCB. Nesse momento, o Gramsci que é lido (e não é
por muitas pessoas) não é o propositor de uma nova ação rumo ao socialismo. As influências
gramscianas reduzem-se aí no terreno da filosofia, estética e sociologia da cultura. Assim,
naquele momento, Gramsci aparecia sempre ao lado de Lukács e do Sartre da Crítica da
Razão Dialética. 37
34
Idem.
35
João Quartim de Moraes, “O Programa Nacional-Democrático: fundamentos e permanências"
36
Há referências a Gramsci em C. N. Coutinho, “Problemática Atual da Dialética”, in Ângulos,
Salvador, nº 17, dezembro de 1961, p. 39 et seqs. “Do Existencialismo à Dialética: a Trajetória de
Sartre”, in Estudos Sociais, Rio de Janeiro, nº 18, dezembro de 1963; Leandro Konder, “Problemas do
Realismo Socialismo”, in Estudos Sociais, Rio de Janeiro, nº 17, junho de 1963. Konder voltou a falar
de Gramsci em seus livros Marxismo é Alienação (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965,
passim) e Os Marxistas e a Arte (Rio de Janeiro, 1967, p. 109-20).
37
Sobre dois momentos na chegada de Gramsci ao Brasil, o primeiro cultural e outro mais político Ver
Carlos Nelson Coutinho, “A receptividade de Gramsci no Brasil” in Democracia como valor universal
e outros ensaios. Rio de Janeiro, Salamandra, 1984.
30
38
Durante os anos em que esteve preso durante o regime de Mussolini, Gramsci preencheu 33 cadernos
escolares, dos quais 29 compõem a primeira edição de sua obra publicada na Itália, entre 1948 e 1951.
O responsável pela organização do material desta edição inaugural foi Palmiro Togliatti, fundador do
Partido Comunista Italiano. Togliatti agrupou os escritos carcerários por temas, a partir dos seguintes
títulos: Il materialismo storico e la filosofia di Benedetto Croce; Gli intellettuali e l'organizzazione
della cultura; Il Risorgimento; Note sul Machiavelli, sulla politica e sullo Stato moderno; Letteratura e
vita nazionale e Passato e presente.
39
O segundo ciclo da recepção de Gramsci no Brasil tem início em meados dos anos 70: a bibliografia
registra, entre 1975 e 1980, 24 títulos sobre o autor (contra apenas três no período anterior), além da
reedição de todos os livros gramscianos publicados nos anos 60. Cf. Carlos Nelson Coutinho, “A
receptividade de Gramsci no Brasil” in Democracia como valor universal e outros ensaios. Rio de
Janeiro, Salamandra, 1984.
31
40
Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, V. 5: O 'Risorgimiento', Notas sobre a história da Itália,
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.
32
Togliatti – está a noção gramsciana de hegemonia ligada à cultura. Uma classe obtém
hegemonia na medida em que sua cultura e seus valores tornam-se de um conjunto de pessoas.
Mas, o conceito de hegemonia é resultado também da percepção de Gramsci que o Estado se
ampliou, ou seja, adquiriu novas determinações que ainda não existiam que acabaram por
resultar na socialização da política: nascimento de sindicatos, formação de partidos de massa,
conquista do sufrágio universal, etc.
A teoria ampliada do Estado, rompendo com o terceiro-internacionalismo da tradição
comunista, apoiou sobremaneira a caracterização do Brasil moderno, cuja ocidentalidade, pela
via da revolução passiva reformulou a estratégia socialista. A tese gramsciana da “guerra de
posições” definiu um caminho democrático para o socialismo na sociedade brasileira.
Para a Corrente Renovadora, Gramsci criou uma nova teoria marxista do Estado. O
Estado se tornou um Estado ampliado: passou a levar em conta, enquanto momento da
constituição das relações de poder na sociedade, os organismos da sociedade civil. A forma
pela qual o Estado opera hoje não é mais só por meio da violência, mas também da persuasão
e do consenso. É na obtenção do consenso pelos organismos da sociedade civil que se dará a
superação do capitalismo e a supressão das formas de exploração do homem pelo homem.
“A esfera política ‘restrita’ que era própria dos Estados elitistas – tanto autoritários como
liberais – cede progressivamente lugar a uma nova esfera pública ‘ampliada’, caracterizada
pelo protagonismo político de amplas e crescentes organizações de massa. É a percepção
dessa socialização da política que permite a Gramsci elaborar uma teoria marxista ampliada
do Estado”. 41
“Mas, se a revolução ‘pelo alto’ consiste numa forma de induzir a modernização econômica
através da intervenção política, implica, de outro lado, numa ‘conservação’ do sistema
político, embora promova rearranjos nos lugares ocupados pelos seus diferentes
41
Carlos Nelson Coutinho. A dualidade de poderes: introdução a teoria marxista de estado e
revolução. São Paulo: Brasiliense, 1985.
33
protagonistas. Num certo sentido, toda revolução ‘pelo alto’ assume a configuração particular
de uma revolução ‘passiva’, como Gramsci a descreveu no Risorgimento, isto é, de uma
revolução sem revolução, se bem que a recíproca não seja verdadeira, como ilustra o caso
inglês”. 42
“ao contrário, é um autor que desenvolveu uma teoria política original. Os seus textos – sem a
densidade filosófica e o rigor metodológico de Lukács – voltam-se diretamente para a esfera
do político e abrem pistas novas para a teoria marxista. Por outro lado, o caráter fragmentário
de sua obra (diferentemente do texto sintetizador e totalizante de Lukács) permite uma
interpretação mais aberta e maleável. É por isso, aliás, que o pensamento de Gramsci serviu,
entre outras coisas, à instrumentalização política feita por militantes eurocomunistas italianos,
como Berlinguer, Ingrao, Napolitanao etc. (políticos brilhantes e teóricos inexpressivos)”.44
42
Luiz Werneck Vianna, Liberalismo e sindicato no Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 141.
43
Prefácio de Carlos Nelson Coutinho in TOGLIATTI, Palmiro. Socialismo e Democracia: escritos
escolhidos do período 1944-1964; seleção, tradução e apresentação de Carlos Nelson Coutinho - Rio
de Janeiro, Ilha, 1980, p.15.
44
Celso Frederico, “A recepção de Lukács no Brasil”.
34
Nas publicações dos intelectuais da Corrente Renovadora, temos uma elaboração, que
é comum aos membros, de uma nova interpretação da formação econômico-social brasileira.45
Em contraposição ao que vinha sendo dito pelo Partido Comunista Brasileiro e pela Terceira
Internacional – que o Brasil era um país agrário, semifeudal, colonial – esses intelectuais
afirmaram que o capitalismo já se desenvolvera no país, quando estava sob o domínio do
conservadorismo autoritário do regime militar e estava marcado pelos laços de dependência.
A formação econômico-social brasileira esteve, desde o início, marcada pela “via
prussiana”, pela “revolução pelo alto”, pela “modernização conservadora excludente”. As
45
A preocupação com o tipo de sociedade e com o modo-de-produção acompanha as ordens do dia da
pesquisa marxista no mundo inteiro. Acontece que “um dos pontos nevrálgicos dos avanços posteriores
a 1960 é o aprofundamento, ao mesmo tempo em teoria e em aplicação, dos conceitos-chave de modo
de produção e formação econômico-social”. Ciro Flamarion S. Cardoso, Héctor Pérez Brignoli, Os
métodos da História, Rio de Janerio, Edições Graal, 1979, p. 400.
35
No país, para o discurso renovador, os movimentos sociais que poderiam ter levado a
uma maior ruptura com o elitismo e com a ordem não o fizeram. Acabaram por caminhar em
direção à modernização excluindo o povo da arena da participação. É interessante ressaltar que
essa utilização do conceito de “via prussiana” toma uma posição frente ao passado e aos
rumos da história. É uma leitura esquerdizante das coisas que se passaram, ou seja, tudo o que
aconteceu não foi “revolucionário” o suficiente, não agiu de verdade em favor das massas, da
maioria excluída. E é ao mesmo tempo, um chamamento, para que agora se faça diferente. Por
exemplo, após o processo de Emancipação Política do Brasil,
46
Marco Aurélio Nogueira, As desventuras do liberalismo: Joaquim Nabuco, a monarquia e a
república, São Paulo, Paz e Terra, 1984, p. 19.
36
se desenvolver sem que o latifúndio tivesse sido eliminado (ao contrário do que supunha a
maioria do PCB) e outra, que a participação política da sociedade civil foi frustrada pelo
governo autoritário através da modernização conduzida “pelo alto”:
47
Idem, p. 23.
48
Luiz Werneck Vianna, Liberalismo e sindicato no Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 135.
49
Democracia como valor universal foi publicado, pela primeira vez, em 1979, na revista Encontros
com a civilização brasileira n. 19.
37
50
C. N. Coutinho, “A democracia como valor universal” in A democracia como valor universal e
outros ensaios, Rio de Janeiro, Salamandra, 1984, p. 36.
51
Idem, p. 37.
52
Francisco de Oliveira, “O Ornitonirrinco”, Crítica a razão dualista - O Ornitorrinco, Rio de Janeiro,
Boitempo, 2003.
38
Brasileira, livro de artigos escrito pelos autores que darão origem à Corrente Renovadora no
PCB, temos no artigo “O significado de Lima Barreto na Literatura Brasileira” de Carlos
Nelson Coutinho que:
José Antônio Segatto, em sua análise sobre a idéia que os intelectuais eurocomunistas
tinham da formação econômico-social brasileira, observou que,
“Luiz Werneck Vianna (1976) recorre às categorias de via prussiana e via americana de
Lenin para explicar o processo de modernização conservadora da revolução burguesa no
Brasil. O processo em curso desde o século XIX generaliza-se pela ‘via prussiana’ com a
crise da ordem oligárquica e na passagem para o capital industrial - o Estado, autonomizado
das classes e dirigido pelas ‘elites prussianizadas’, faz avançar um projeto modernizador e de
industrialização, com fortes traços corporativos; preserva-se, porém, a estrutura agrária
atrasada e elementos do antigo sistema político”. 54
53
Carlos Nelson Coutinho, “O significado de Lima Barreto na Literatura Brasileira”, in Realismo e
anti-realismo na Literatura Brasileira, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1972, p. 3.
54
José Antônio Segatto, Revolução e história. Disponível em: <http://www.acessa.com/gramsci>
Acesso em: 04 dez 2005.
39
“A análise das posições de seus principais líderes permite prever que a Frente Liberal vai
incorporar os setores mais lúcidos da burguesia brasileira, que chega agora à sua maioridade
política, após vinte anos de aprofundamento e consolidação do capitalismo em nosso País,
através da modernização conservadora e autoritária no pós-1964”. 56
55
Luiz Werneck Vianna, Liberalismo e sindicato no Brasil, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976, p. 46.
56
Ivan Ribeiro, Agricultura, socialismo e democracia, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 14. *
Publicado em Presença, São Paulo, nº4, agosto/outubro de 1984.
40
passiva” (Gramsci) e modernização conservadora (Moore), indica que por um acordo entre as
facções dominantes, evita-se a “verdadeira revolução”. A elite se organiza, fez isso durante
toda a história e continuará a menos que é claro, se dê a revolução. A “revolução” se dá, se
chega ao socialismo pela ampliação das conquistas democráticas nas instituições burguesas.
Os donos do poder querem continuar sob o autoritarismo, seja no Estado de exceção, seja na
exclusão da participação política:
Na análise de Giorgio Baratta, Carlos Nelson Coutinho têm em comum com Sérgio
Buarque de Hollanda a crítica a certa “tradição” nacional. Podemos ter a certeza de que a
crítica é um apelo à mudança. E essa mudança para melhor, essa eliminação desse
traço/tradição que persegue a história brasileira, sem dúvida, daria ao país um futuro próximo
melhor. Baratta afirma que:
57
Luiz Werneck Vianna. Questão nacional e democracia: o ocidente incompleto do PCB, Rio de
Janeiro, IUPERJ, 1988, p. 45.
58
Marco Aurélio Nogueira, "Notas sobre a realidade brasileira" in Temas de Ciências Humanas, São
Paulo, Editora Ciências Humanas, 1980, p. 163.
41
“Ele [Coutinho] estabelece precisas afinidades entre os ‘casos’ da Itália e do Brasil. Sublinho
aqui três pontos: 1) ‘revolução passiva’, ‘transformação pelo alto’, ‘restauração-revolução’ e
‘via prussiana’ no Risorgimento italiano e na Independência-consolidação do Estado-nação
no Brasil; 2) peculiaridades do horizonte cosmopolita (para a Itália) e europeu-ocidental
(para o Brasil) tanto na gênese quanto nas perspectivas da unidade nacional e, por
conseguinte, conexão entre desenvolvimento da consciência nacional-popular e dimensão
internacional dessa mesma consciência; 3) centralidade da questão cultural para a ampliação
da democracia, vinculações territoriais dessa questão e, sobretudo, relação orgânica entre
tarefas dos intelectuais ou dos artistas e retomada-valorização do que Gramsci chamava de
‘espírito popular criador’, que é o equivalente ao que Buarque chama de ‘ritmo espontâneo’
do povo”. 60
59
Giorgio Baratta, “Antônio Gramsci entre a Itália e o Brasil”, in COUTINHO, Carlos Nelson,
TEIXEIRA, Andréa de Paula (orgs.). Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003, p. 17.
60
Idem, p. 20.
42
61
Baseando-se na Revolução Francesa, Marx e Engels nos anos 1848/50 formularam análises e
proposições teórico-políticas acerca da revolução democrático-burguesa como pressuposto para a
revolução socialista. Estas teses e concepções foram retomadas e reelaboradas pelos marxistas russos
no início do século XX e tiveram grande incidência no debate e na prática política, tanto na Rússia,
como em muitos outros países posteriormente através da Internacional Comunista.
43
a democracia só como tática. Ou seja, um dos objetivos finais dos comunistas a ser alcançado
deveria ser a democracia (é claro, ao lado do socialismo afinal são comunistas). Ainda que o
termo aparecesse, não raras as vezes, sem adjetivações nos textos, é evidente que se tratava de
uma democracia política. A preocupação em salientar a democracia como estratégia quer dizer
transitar ao socialismo no espaço das instituições burguesas. Destarte, ficava fora de
cogitação, a insurreição em qualquer momento, já que a luta pela “renovação democrática no
Brasil – precisamente por recorrer à ‘guerra de posição’ como método e por afastar
resolutamente qualquer tentação ‘golpista’ ou ‘militarista’ – implica ainda conceber a unidade
como valor estratégico”. 62
Para o discurso renovador, a redemocratização da sociedade brasileira não tem que
ser apenas para derrotar o regime de exceção, ela está no conteúdo estratégico da “revolução
brasileira”. Ou seja, nossa sociedade socialista será fundada e mantida pela democracia:
“(...) a democracia política não é uma etapa transitória na luta pelo socialismo, mas sim um
valor permanente, um conjunto de relações sociais a serem conservadas e elevadas a nível
superior também durante a construção do socialismo. E essa concepção democrática da
transição – concebida como um avanço progressivo através de realização de profundas
reformas de estrutura, do encaminhamento de soluções positivas e construtivas para todas as
grandes questões nacionais – implica o abandono da idéia de uma transição em ‘dois tempos’,
ou seja, da rígida divisão entre um tempo de reformas democráticas e um outro ‘tempo’ no
qual se daria a revolução socialista, entendida como a eclosão súbita de uma insurreição,
como uma Hora-H, algo similar à tomada do Palácio de Inverno”. 64
62
Carlos Nelson Coutinho, “A democracia como valor universal” in A democracia como valor
universal e outros ensaios, Rio de Janeiro, Salamandra, 1984, p. 46-7.
63
Ibidem, p. 20.
64
Prefácio de Carlos Nelson Coutinho in TOGLIATTI, Palmiro. Socialismo e Democracia: escritos
escolhidos do período 1944-1964; seleção, tradução e apresentação de Carlos Nelson Coutinho - Rio
de Janeiro, Ilha, 1980, p. 15.
44
“Não temos uma concepção instrumental de democracia. A democracia não é, para nós, um
estágio transitório do qual nos valeríamos para preparar a instalação de um tipo de dominação
de classe formalmente anti-democrático. A democracia, ao contrário, é um princípio
permanente de nossa atividade é o eixo que articula nossas propostas táticas imediatas com
nossa estratégia de mais longo alcance”. 65
“(...) é verdade que muitas das liberdades democráticas em sua forma moderna (o princípio
da soberania popular, o reconhecimento legal do pluralismo etc) têm nas revoluções
burguesas (...) as condições históricas da sua gênese; mas é igualmente verdade que, para o
materialismo histórico, não existe identidade mecânica entre gênese e validade. (...) nem
objetivamente, com o desaparecimento da sociedade burguesa que lhes serviu de gênese, nem
subjetivamente, para as forças empenhadas nesse desaparecimento, perdem seu valor
universal muitas das objetivações ou formas de relacionamento social que compõem o
arcabouço institucional da democracia política”. 67
65
Josimar Teixeira no Voz Operária dez/1978 in Raimundo Santos, O Pecebismo inconcluso,
Sociedade do Livro/ Ed. Universidade Rural, 1994, p. 39-40.
66
Armênio Guedes, Voz da Unidade, maio de 1980.
67
Carlos Nelson Coutinho, “A democracia como valor universal” in A democracia como valor
universal e outros ensaios, Rio de Janeiro, Salamandra, 1984, p. 22.
45
“Uma direta conseqüência da ‘via prussiana’ foi gerar uma grande debilidade histórica da
democracia no Brasil. Essa debilidade não se expressa apenas no plano do pensamento social;
(...); tem conseqüências também na própria estrutura do relacionamento entre o Estado e a
sociedade civil; já que ao caráter extremamente forte e autoritário do primeiro corresponde a
natureza amorfa e atomizada da segunda. (...) Essa debilidade histórica-estrutural da
democracia aliada à presença de um regime abertamente autoritário, fez com que o processo
de renovação democrática assuma como tarefa prioritária de hoje a construção e/ou
consolidação de determinadas formas de relacionamento social que, num primeiro momento,
ao nível da organização estatal, não deverão provavelmente ultrapassar os limites da
democracia liberal. Uma análise objetiva da atual correlação de forças faz prever que os
setores dominantes do novo regime liberal continuarão a ser, durante um certo tempo, os
monopólios nacionais e internacionais, ainda que essa dominação seja exercida de modo
menos absoluto e despótico do que sob o atual regime autoritário”. 68
68
Ibidem, p. 38.
69
Leandro Konder. A democracia e os comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1980, p. 109.
46
70
Carlos Nelson Coutinho, “A democracia como valor universal” in A democracia como valor
universal e outros ensaios, Rio de Janeiro, Salamandra, 1984, p. 23.
47
71
Cf. Leandro Konder, A democracia e os comunistas no Brasil, Rio de Janeiro, Graal, 1980 e Carlos
Nelson Coutinho, "A democracia como valor universal" in A democracia como valor universal e outros
ensaios, Rio de Janeiro, Salamandra, 1984.
48
“instrumento” para a derrota do regime militar e para o triunfo socialista. Vejamos, agora, de
que maneira foi traçada uma identidade com o grupo renovador da década de 1950 e o que têm
dito a historiografia sobre a Corrente Renovadora do Partido Comunista Brasileiro.
72
Idem.
49
(alfehbung). Podemos inferir que, com isso, há certa reserva por parte desses intelectuais para
não serem descaracterizados como marxistas, porque, afinal, formam o primeiro grupo na
esquerda brasileira a rejeitar a transferência de poder que não se dê pelo voto.
74
Essa inovação é evidente para o restante do Partido e, também, para o próprio
grupo. Portanto, é indispensável que se observe, dentro do discurso, a afirmação de tudo
aquilo que pode ser identificável como vindo de um marxista, o que garantiria a eles um traço
de continuação e identidade:
“O conjunto dos documentos aqui publicados, como poderá ser facilmente observado, revela
a existência de uma marcante continuidade dialética na política do PCB: os novos rumos
traçados em 1958 permanecem, sendo sistematicamente atualizados – conservados e elevados
a um nível superior – nos anos subseqüentes”. 75
O método da dialética lembra uma espiral com vários níveis e pode dar conta de
explicar incontáveis fenômenos, como o do curso histórico, por exemplo. O “nível superior”
da democracia é o binômio democracia social-democracia política em contraposição ao “nível
inferior” que é a exclusiva preocupação dos comunistas com a democracia social em
detrimento da democracia política. Além disso, essa democratização política da Corrente
Renovadora, acreditam eles, está num nível superior que a democracia dos “renovadores” da
década de 1950 porque leva em conta a socialização da política, a efetiva participação política
das massas nos rumos da nação. Assim, “a ‘elevação a nível superior’ pressupõe igualmente
um aprofundamento político da democracia: a ampla incorporação organizada das grandes
massas à vida nacional”. 76
Os “renovadores” apostam na Declaração de Março de 1958 como marco inicial de
um processo de valorização democrática nas fileiras do Partido. O processo não pára nesse
ponto, vai se reafirmando, se aprofundando até culminar em seu ponto mais alto – que é a
própria Corrente Renovadora, que é a “radicalização democrática” que eles defendem.
Lembremos, entretanto, que o PCB oscilou entre uma posição mais à esquerda no pré-64 e que
73
Numa alusão ao texto homônimo de Carlos Nelson Coutinho.
74
A oposição aos “renovadores” acusava o grupo de defender a “democracia burguesa”.
75
O PCB em São Paulo: documentos (1974-81), São Paulo, Livraria editora ciências humanas ltda,
1981, p. XII.
50
uma dissidência, em 1962, vai formar o Partido Comunista do Brasil com tendência maoísta.
Além disso, depois do Golpe Militar, importantes quadros deixam o Partido, indo para a luta
77
armada. Com tantas idas e vindas, incertezas sobre os caminhos da ditadura e futuro da
“revolução” não é de se estranhar que foi só no início dos anos 80 que essa identidade com os
renovadores de 1958 começou a ser criada, quando os pecebistas viram na Declaração
Política de Março de 1958, a primeira manifestação que os ajudaram “a compreender a
absoluta necessidade de uma aliança de forças políticas e sociais, ampla e heterogênea, para
78
derrotar a ditadura resultante do golpe militar de 1964”.
79
Depois do fracasso da luta armada , ficou claro para a maioria esmagadora dos
pecebistas que o Partido havia “acertado” em sua política frentista no pós-64. Logo a seguir,
com a promessa da abertura “lenta, segura e gradual” do regime militar anunciada por Geisel,
em 1974, a noção de “sucesso” é ainda maior, porque entendem que a política frentista é
responsável pela esperada derrota da ditadura.
Essa política teria sido iniciada com a Declaração de Março de 1958 e reiterada no V
(1960) e no VI (1967) Congresso do PCB. Quase todos de dentro do Partido sentem-se bem
com a política frentista, embora, um só grupo vá reivindicar o nome de “renovador”, tal como
foi chamado na década de 1950 o grupo responsável pela Declaração de Março de 1958. A
razão disso está no movimento que levou à publicação do célebre documento.
A Declaração de Março de 1958 é fruto direto do XX Congresso do Partido
Comunista da União Soviética (PCUS), ocorrido em 1956, quando Kruschev denuncia os
crimes de Stalin, mesmo que sejam observadas uma forte tendência ao fim do sectarismo no
Partido desde o suicídio de Vargas, em 1954. E, é também, somente após o XX Congresso do
PCUS que se inicia, ainda que parcialmente, o rompimento com a ortodoxia stalinista. A partir
76
Carlos Nelson Coutinho, “Democracia como valor universal”, in Democracia como valor universal e
outros ensaios, Rio de Janeiro, Salamandra, 1984, p.41.
77
Na Declaração do Comitê Central de dezembro de 1962 fica claro a dúvida então introduzida no
gradualismo da política das “soluções positivas” e de reformas parciais e abre a porta para o chamado
combate à “conciliação de direita” de Jango, acenando com a idéia da formação de um outro governo
mais disposto a acelerar o tempo das reformas de base. Cf. Marçal Brandão, 1995.
78
David Capistrano Filho, Voz da Unidade, 30/1 a 5/2/81 citado por Dulce Pandolfi. Camaradas e
Companheiros: História e Memória do PCB. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Roberto
Marinho, 1995, p. 200.
79
A guerrilha urbana pode ser considerada desmantelada já em 1969 e o último foco de guerrilha rural
a ser derrubado – a Guerrilha do Araguaia – foi em 1973.
51
daí, como o movimento comunista, o marxismo brasileiro começou então a se abrir, ainda que
timidamente, para a recepção de autores até este momento tidos como “heterodoxos”, ou
mesmo como “renegados” e “revisionistas”. Lukács e Gramsci, como já foi observado,
estavam nessa lista e influenciaram fortemente os “renovadores”.
A herança de 1958 significou para os “renovadores” e para a historiografia atual, o
início da “evolução do pensamento democrático” no interior do Partido. Porque, nas palavras
de Vianna – membro da “Corrente” – num livro escrito quase vinte anos após ter-se iniciado a
luta interna no PCB:
“Contudo, a forma de resistência à ditadura que abriu caminho para a transição à democracia
foi a das rupturas moleculares, tendo como inspiração principal os temas da democracia
política, os quais, sobretudo a partir de meados dos anos 70 foram crescentemente vinculados
aos da agenda da democratização social. Foi deste binômio democracia política -
democratização social, já identificado, quase duas décadas atrás, como estratégico pela
esquerda na Declaração de Março, que se extraiu uma política de erosão – e não de
enfrentamento direto – das bases de legitimação do poder autoritário, combinando-se a
eficácia nas disputas eleitorais – então heterodoxamente convertidas em ‘formas superiores
de luta’ – com a defesa dos interesses do sindicalismo e a explicitação de uma nova pauta de
direitos a serem conquistados pelos setores subalternos”. 81
80
Luiz Werneck Vianna, A revolução passiva: Iberismo e Americanismo no Brasil, Rio de Janeiro,
Editora Revan, 1997, p. 19
81
Idem, p. 22-3.
52
82
Luiz Werneck Vianna, “Nova esquerda e cultura política” in Raimundo Santos (org.), A esquerda e
uma nova formação política, Instituto Astrojildo Pereira, Brasília, Estação gráfica, 1998, p. 41.
83
Marco Aurélio Nogueira, PCB: vinte anos de política, 1958-1979. São Paulo, LCH, 1980, IX.
84
Ver Leandro Konder. A democracia e os comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1980.
85
Idem.
86
Ver Raimundo Santos, “Crise e pensamento modernos no PCB dos anos 50”, in REIS FILHO,
Daniel Aarão (org.). História do Marxismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. v. 1.
53
isso não explique o movimento dos “renovadores” da década de 1980. No próximo sub-
capítulo, iremos observar, com mais atenção, a experiência concreta do socialismo no
pensamento “renovador”.
Depois de uma pausa para assegurar porque a Declaração e não outro documento
tornou-se “símbolo”, “marco inicial” da “questão democrática” pela Corrente Renovadora na
história do Partido, quiçá da esquerda brasileira, voltemos ao corolário direto dessa identidade
criada com o grupo renovador dos anos 50 – a “evolução do pensamento democrático no
PCB”. 87
Clayton Cardoso Romano afirma que a cultura política democrática no PCB tem
origem na política frentista da IC:
“De fato, pode-se afirmar que a partir da Declaração de Março, com a presença da tese
democrática na linha política do PCB, a cultura política da esquerda no Brasil assumiu um
novo caráter, uma nova postura. E a novidade vai além do viés essencialmente político com
que, a partir da Declaração, o PCB procurava captar a realidade brasileira, desviando-se da
leitura ‘economicista’ efetuada até então pelo marxismo-leninismo pecebista. Mais que isso,
com a inclusão da questão democrática na esfera discursiva dos comunistas, foi a partir da
Declaração de Março de 1958 que se inaugurou a possibilidade dos comunistas
concentrarem suas ações pautadas numa estratégia ‘ocidentalista’, ao menos no ‘plano das
idéias’”. 89
É certo que o PCB não pegou em armas para implantar o socialismo ou sequer para
derrotar a ditadura quando as outras esquerdas nascidas de seu interior o fizeram. Mas não é
87
Raimundo Santos utiliza essa expressão em, pelo menos, dois de seus livros: O Pecebismo
inconcluso (1994) e Modernização e política (1996).
88
Clayton Cardoso Romano, Da abertura à transição: o PCB e a cultura política democrática da
esquerda brasileira. 2001. 175 p. Dissertação (Mestrado em História e Cultura Política) - Faculdade de
História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista, Franca, p. 152.
54
igualmente certo que o frentismo de 1958 tem que ver com a “radicalização democrática” de
1979. Na verdade, a Declaração de Março de 1958 estava de acordo com a proposta definida
pelo VII Congresso da Internacional Comunista, que orientava o abandono da luta direta pelo
poder para privilegiar a perspectiva defensiva e etapista de aliança subordinada com as forças
anti-fascistas e antioligárquicas, o que deixava a América Latina fora da “atualidade da
revolução”. Contudo, numa etapa posterior, a contradição entre burguesia e proletariado
passaria a estar no centro da luta social.
Romano assim com Werneck Vianna, admite certa responsabilidade aos
“renovadores” pelo processo de redemocratização da sociedade brasileira. Não me estenderei
sobre esse ponto por não caber dentro dos objetivos dessa monografia. Mas, esse engajamento
dos comunistas no Movimento Democrático Brasileiro (MDB) é o que lhes confere a
responsabilidade na transição democrática:
89
Idem, p. 45.
90
Idem, p. 93.
55
explicativa da formação social brasileira, até tornar-se uma referência que revalorizará a
mobilização pela redemocratização política do pós-64 numa ótica mais abrangente”. 91
A adoção da “via pacífica para o poder” não era exclusiva do Partido Comunista
Brasileira, os demais partidos comunistas ocidentais também adotariam essa postura. A “via
pacífica” estava de acordo com as resoluções da IC e da União Soviética para os países latino-
americanos. Lembremos que, “os partidos políticos da velha estirpe nasceram, em geral, nos
anos 20. Contavam com uma base urbana, logo se transformaram em adeptos da chamada 'via
pacífica para o poder', e mantiveram vínculos estreitos e muitas vezes servis com a União
Soviética”. 92
A Declaração de Março de 1958 é, sem dúvida, um documento que se coloca contra
os crimes stalinistas, denunciados pela primeira vez em 1956. É a primeira vez que,
seriamente, os desmandos da União Soviética sob o resto do mundo são criticados por outros
comunistas. Mas, à respeito da “tática democrática” para chegar ao socialismo contida na tal
Declaração não tem que ver, exclusivamente, com o relatório Kruschev. A “via pacífica para
o poder” estava de acordo às resoluções da União Soviética para os comunistas da América
Latina. A crítica, iniciada em 1956 no interior do PCB nos anos 50, reduziu-se à quase uma
crítica ao “culto à personalidade”. A Corrente Renovadora sabia disso, por isso, no discurso
encontramos “ampliação”, “aprofundamento”, “elevação” da democracia iniciada em março
de 1958. É na “tática democrática” e na crítica ao mandonismo de tipo soviético da
Declaração que a Corrente Renovadora fundamenta identidade criada com o grupo renovador
dos anos 50, embora o sentido de valorização da democracia seja outro e a crítica ao
“socialismo real” de outro tipo nos anos 80.
5 - A Democracia e os comunistas
91
Raimundo Santos, Modernização e política. Rio de Janeiro: Forense Universitária/Edur, 1996, p. 53.
92
Jorge Castañeda, A Utopia Desarmada: intrigas, dilemas e promessas da esquerda latino-americana,
São Paulo, Companhia das Letras, 1994, p. 33.
56
93
“Com efeito, principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial, na esteira da derrocada do
nazifascismo, as ditaduras tenderam a ser demonizadas, consideradas nocivas à convivência política
nas sociedades. De outro, as democracias, por todos disputadas, cada partido, cada sociedade, cada
pensador tratando de demonstrar a superioridade das respectivas propostas, comprometidas com o
aperfeiçoamento das instituições democráticas” Daniel Aarão Reis Filho, “Ditadura e democracia:
questões controvérsias” in MARTINHO, Francisco Carlos P. (org.). Democracia e ditadura no Brasil.
Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006, p. 13.
94
João Quartim de Moraes, “O Programa Nacional-Democrático: fundamentos e permanência”, in
MORAES, João Quartim de; ROIO, Marco Del. História do Marxismo no Brasil. Campinas: Editora
da Unicamp, 2000. v. 4, p. 153.
95
Chamei a Corrente Renovadora de comunistas porque, primeiro, esse é o seu desejo, segundo,
porque não houve abertamente esse tipo de contestação – o de abandono do socialismo como fim.
Ainda que a maioria tenha deixado o PCB, não quer dizer que tenham suprimido sua identidade como
comunistas. Já observamos que a “democracia como estratégia” esteve alicerçada na retórica comunista
– onde pudemos senti-la mais foi exatamente no aprofundamento da “questão democrática”, que teria
sido herança deixada pela Declaração de Março de 1958. Já seus opositores no Partido, acreditavam
que a esse “aprofundamento da questão democrática” corresponderia, de fato, no abandono do
socialismo como fim e que ao invés, de comunistas, a Corrente Renovadora seria social-democrata.
57
tradição marxista e no que consistia essa mudança no pensamento comunista que se julgava
mais apta para atender às necessidades da realidade nacional.
Antes disso, porém, precisamos indicar algumas informações vitais para
entendimento do contexto dos renovadores. A primeira delas é que a maioria dos governos
latino-americanos que se acharam no poder graças à implantação de ditaduras eram de direita.
Acontece também que “como houve muito mais regimes de direita e de centro-esquerda na
história recente da América Latina, seu balanço contém um número muito maior de violações
96
à democracia e aos direitos humanos que o da esquerda”. Na verdade, quando a esquerda
latino-americana foi para a luta armada, procurava legitimar-se na defesa da democracia,
interrompida com a ascensão dos regimes militares. A valorização da democracia das
esquerdas revolucionárias, no entanto, ainda não era aquele de respeitabilidade ao jogo
democrático eleitoral, como apontou Rollemberg:
“A luta das esquerdas revolucionárias nos anos 1960 e 1970 pelo fim da ditadura não visava
restaurar a realidade do período anterior a 1964. Embora buscasse se legitimar na defesa da
democracia, estava comprometida, sim, com a construção de um futuro radicalmente novo,
no qual o sentido da democracia era outro”. 97
Por outro lado, no Brasil, o desrespeito ao jogo democrático não era privilégio da
esquerda. Nos momentos anteriores ao Golpe de 1964, era assim para quase todos os grupos
políticos que disputavam o poder:
96
Jorge Castañeda, Op. Cit, p. 52.
97
Denise Rollemberg, “Esquerdas revolucionárias”, in FERREIRA, Jorge, DELGADO, Lucilia de
Almeida Neves (orgs.) O Brasil republicano. O tempo da ditadura. Regime militar e movimentos
sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, v.4.
98
Idem, p.
58
99
Construir a democracia para derrotar a ditadura é um fenômeno que não terminou com as promessas
do governo Geisel, em 1974. É necessário desacreditar que “assegurada a democracia (...) a ditadura
estava destinada a finar-se. Nada mais falso. Para os que estavam então no campo de luta, de modo
algum os resultados que depois apareceriam como “inevitáveis” eram considerados como tal; ao
contrário, foi preciso muita decisão, perseverança e coragem para enfrentar as angústias e as incertezas
daqueles ásperos tempos”. Daniel Aarão Reis Filho, “Ditadura e democracia: questões controvérsias”
in MARTINHO, Francisco Carlos P. (org.). Democracia e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro:
EdUERJ, 2006, p. 21.
59
100
Do início dos anos 70 até meados dos 80, a esquerda brasileira ainda não questiona o caráter
democrático da revolução e da sociedade cubanas. Em contraposição a grande imprensa que acusava o
regime cubano de ditadura política acompanhada de miséria social, a esquerda brasileira procurava
ressaltar as conquistas sociais de Cuba. “Apesar da centralidade da questão democrática, a polêmica a
respeito da natureza do regime político cubano - partido único, imprensa estatizada, etc. - não viria à
tona com a força que adquirirá no período seguinte. (...) fosse o Partido dos Trabalhadores, o Partido
Comunista Brasileiro ou setores da esquerda dentro do Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(...) não estava em jogo o modelo de sociedade proposto por Cuba, nem suas posições internacionais ou
a estratégia de poder que definiu a vitória em 1959” Emir Sader, “Cuba no Brasil: influências da
revolução cubana na esquerda brasileira” in REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). História do Marxismo
no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. v.1, p. 178. Para a Corrente Renovadora, assim como para
o restante da esquerda brasileira, a trajetória “anti-democrática” da Revolução Cubana ainda não é
abordada à época da movimentação interna ao PCB. Portanto, nesse capítulo, não consideramos Cuba
61
– não da mesma maneira obviamente que a URSS – para entendermos a presença do “socialismo real”
no movimento da Corrente Renovadora.
101
Em 1962, uma dissidência já havia rompido com a URSS. Embora, diferentemente da Corrente
Renovadora, os dissidentes que deram origem ao PC do B não abandonaram o marxismo-leninismo em
nome da falta de democracia no modelo bolchevista. À época da sua fundação, o PC do B seguia a
linha maoísta. Eles acreditavam que a vitória da “revolução brasileira” aconteceria nas lutas travadas
no campo. No pós-64, outros grupos saídos do interior do PCB, inspirados na Revolução Cubana
adotaram o “foquismo”. Nenhum outro grupo anterior a Corrente Renovadora rompeu com o Partido
ou com o modelo bolchevista por considerarem estes “anti-democráticos”.
62
social brasileira. A estratégia democrática para os comunistas do Brasil tem que ver com a
própria noção de contexto dos renovadores para o mundo socialista – a ausência da
democracia nos países do Leste Europeu.
A formação econômico-social brasileira, pensada como “ocidente” em oposição ao
“oriente” – grosso modo a URSS – não comporta a “revolução” de tipo bolchevique nem,
tampouco, o partido de tipo leninista. Mas, só quando a democracia é pensada como estratégia,
ou seja, quando passa a condição de futuro (após a superação do capitalismo), e não mais de
condição do presente (ou do estabelecimento do capitalismo), é que a Corrente Renovadora
mostra suas intenções com a democracia. Suas intenções – acreditam eles – estão em
desacordo com o restante do PCB, com os pecebistas dissidentes do pós-64 e com a URSS.
Quando a Revolução Socialista triunfou em 1917, na Rússia, abriu-se uma
possibilidade real para pôr fim às mazelas do proletariado em todo o mundo. Na verdade, mais
à frente – à época da IC –, o socialismo esteve ainda mais próximo dos sonhos do proletariado
mundial.
Da mesma maneira que a Revolução Russa se projetou no imaginário dos comunistas
por todo o globo a repercussão do relatório Kruschev acabou se instalando também como um
marco inicial, como a primeira demonstração da falta de democracia no socialismo.
Não é que a URSS tivesse acabado com a democracia que a Rússia e os outros países
do Leste haviam experimentado antes de 1917. À época da Revolução Bolchevique, a
democracia liberal era um privilégio da Europa Ocidental. Foi, mais ou menos por isso, que
Gramsci afirmou que o modelo insurrecional que tomou de assalto o Palácio de Inverno não
daria certo não daria certo na Europa dos anos 20. A sociedade européia não comportaria nem
tampouco nem precisaria da importação desse modelo. A Corrente Renovadora disse o mesmo
para o caso do Brasil nos anos 70. A sociedade brasileira ocidentalizara-se e dispensava os
“golpismos”.
A experiência do “socialismo real”, sem dúvida, contou para relacionar, de uma
maneira nova, socialismo e democracia, não só para os “renovadores”, mas também para todos
os pensadores do movimento comunista internacional e fora dele. A área do globo que foi
chamada “socialismo realmente existente” à contemporaneidade dos “renovadores” era:
63
“(...) toda a área a leste de uma linha que ia, grosso modo, do rio Elba na Alemanha até o mar
Adriático e toda a península Balcânica, com exceção da Grécia e da pequena parte da Turquia
que restava no continente. Polônia, Thecoslováquia, Hungria, Iugoslávia, Romênia, Bulgária
e Albânia passavam agora para a zona socialista, assim como a parte da Alemanha ocupada
pelo Exército Vermelho após a guerra e transformada em uma "República Democrática
Alemã" em 1954. A maior parte da área perdida pela Rússia depois da guerra e da revolução
pós-1917 e um ou dois territórios antes pertencentes ao império habsburgo também foram
recuperados ou adquiridos pela União Soviética entre 1939 e 1945 (...) com a transferência do
poder para regimes comunistas na China (1949) e, em parte, na Coréia (1945) e no que fora a
Indochina francesa (Vietnã, Laos, Camboja), no curso da guerra de trinta anos (1945-1975).
Houve mais algumas extensões da região comunista um pouco mais tarde, no hemisfério
ocidental - Cuba (1959) e África (na década de 1970)”. 102
Nem em todos esses lugares, a União Soviética foi responsável pela chegada da
“revolução”, ou sequer, influiu, de maneira significativa, no modo como esses países
passariam a viver. Contudo, a queixa maior dos “renovadores” é contra a URSS, contra a
Internacional Comunista (IC) e sobremaneira, a influência no Partido Comunista Brasileiro.
A crítica era especialmente destinada a mal elaborada análise da atualidade da
revolução na América Latina e da ignorância das peculiaridades do Brasil, inserindo-o no
mesmo modelo a ser adotado pelos outros países latino-americanos, pela África e pela Ásia.
Através do discurso desses intelectuais, identificamos a recusa à “importação de modelos”.
Essa recusa é uma crítica ao PCB por sua subordinação aos ditames soviéticos. Assim,
102
Eric J. Hobsbawm. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, p. 364.
64
“(...) Não se trata de negar o que foi feito de bom e de ruim, mas de ter a coragem de procurar
entender as causas do que aconteceu e, a partir daí, afirmar com coerência e firmeza que o
socialismo que queremos construir não quer ser à imagem e semelhança do até agora
realizado”. 105
103
Marco Aurélio Nogueira, “Notas sobre a realidade brasileira” in Temas de Ciências Humanas, São
Paulo, Editora Ciências Humanas, 1980, p. 161.
104
Prefácio de Carlos Nelson Coutinho in TOGLIATTI, Palmiro. Socialismo e Democracia: escritos
escolhidos do período 1944-1964; seleção, tradução e apresentação de Carlos Nelson Coutinho - Rio
de Janeiro, Ilha, 1980, p. 17.
105
Ivan Ribeiro, Agricultura, socialismo e democracia, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p. 14. *
Publicado em Presença, São Paulo, nº4, agosto/outubro de 1984, p. 13.
65
Socialista de tipo bolchevique na Europa dos anos 20. De acordo com a sua interpretação de
Gramsci, o grupo de intelectuais “renovadores” partem do pressuposto de que as “liberdades
democráticas” (que correspondem mesmo à “socialização da política” decorrente da “via
prussiana” no caso brasileiro) são (e mesmo devem ser) irreversíveis e, portanto, nenhuma
estratégia socialista que se pretenda atual deve ignorar isso – o Brasil é moderno, capitalista e
tem tudo para ser mais “democrático”.
Para a Corrente Renovadora, a sociedade brasileira “ocidentalizara-se” nos últimos
anos. Estava pronta para o merecido e desejado aprofundamento da democracia. À sua
“ocidentalização” correspondia o abandono do modelo soviético – tipo oriental – do
marxismo. No discurso renovador, o tornar-se “ocidente”, em oposição ao seu passado
“oriente”, significava que, a modernidade obtida através do desenvolvimento capitalista não
iria retroceder em suas conquistas democráticas.
Como já vimos, os “renovadores” não são os primeiros a afirmar, dentro do PCB, que
o Brasil já se tornara capitalista. Todavia, esses intelectuais são os primeiros a colocar no
desenvolvimento capitalista o surgimento de novas questões que se identificariam com as
“liberdades democráticas”. A "virada democrática" na tradição marxista não é exclusiva da
Corrente Renovadora no interior do PCB. Para fora do Partido e mesmo longe da influência
de Gramsci, as mudanças de paradigma na esquerda brasileira (inclusive naquela oriunda da
luta armada) começou a se mostrar em meados dos anos 70 em virtude, principalmente, do
objetivo em derrotar a ditadura. 106
No final dos anos 70, para a Corrente Renovadora, mas também para o resto da
esquerda, as questões estavam estruturadas sob outros pontos, como apontou Maria Paula
Nascimento de Araújo:
106
É o caso, por exemplo, do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
67
“Ora, após o golpe de Estado no Brasil, mas, sobretudo, após o fracasso dos movimentos
armados de oposição aos militares, a idéia de democracia é retomada com uma nova
significação, mas sempre sobre o mesmo terreno. A constatação da existência do capitalismo
no Brasil justificava as reivindicações democráticas. A partir de então, a democracia, mais do
que o resultado dos conflitos sociais – ou até de uma revolução – decorria das condições
gerais do estabelecimento do capitalismo”. 108
“Esses processos, que se tornam mais visíveis como resultados das pesquisas ‘revisionistas’,
suscitam um questionamento maior até que ponto as estruturas cada vez mais complexas do
mundo moderno urbanizado não seriam incompatíveis com os propósitos unificadores e
uniformizadores das ditaduras que, imersas em suas utopias autoritárias, tudo querem
regulamentar e controlar? Em outras palavras, brechas democratizantes impossíveis seriam
um produto necessário das complexas estruturas de sociabilidade geradas pela modernidade
desenvolvida.”109
107
Maria Paula de Araújo. Utopia Fragmentada: as novas esquerdas no Brasil e mundo na década de
1970. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p. 116.
108
Virgínia Maria Fontes. Démocratie et révolution: sciences sociales et pensée politique au brésil
contemporain. ( 1973-1991). Tese de Doutorado. Université X, Nouterre. 1994, 143. Tradução de Sofia
salvatori.
109
Daniel Aarão Reis Filho, “Ditadura e democracia: questões e controvérsias”, in MARTINHO,
Francisco Carlos P. (org.). Democracia e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2006.
68
“A luta política no Brasil, hoje, é tanto uma luta pelo poder em torno do significado da
democracia. Em outras palavras: a democracia é o terreno onde grupos e partidos que
representam interesses e ideologias diversas lutam pelo poder. É o por isso que todos (ou
quase todos) têm de incluir entre seus objetivos a conquista da democracia ou, para os setores
mais ligados ao regime, o aprimoramento da democracia”. 111
110
Manchetes coletadas no Voz da Unidade (nº 145. São Paulo, 26 a 30 mar de 1982; nº 151. São
Paulo, 05 a 11 mar de 1982; nº 229. São Paulo, 30 nov a 06 dez de 1984; nº 230. São Paulo, 08 dez de
1984).
111
Francisco Weffort, Por que democracia?. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 80.
112
Virgínia Maria Fontes, Op. cit., p. 190.
69
“os movimentos trabalhistas e socialistas de massa que surgiram em toda parte na Europa no
fim do século XIX, como partidos, sindicatos trabalhistas, cooperativas ou uma combinação
disso tudo, eram fortemente democráticos tanto na estrutura interna quanto nas aspirações
políticas. Na verdade, onde não existia ainda constituições baseadas em amplo direito de
voto, eram as principais forças a pressionar por elas e, ao contrário dos anarquistas, os
marxistas estavam fundamentalmente empenhados na ação política. [Foi, contudo,] o sistema
político da URSS, depois também transferido para o mundo socialista, que rompeu
decisivamente com o lado democrático dos movimentos socialistas”. 113
113
Eric J. Hobsbawm. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, p. 376.
70
Maria Victória Benevides discorda de Daniel Aarão em dois pontos principais: 1º) o
que autor afirma do PCB e de seu comportamento anti-democrático serve para quase todos os
partidos da época, inclusive a UDN. 2º) não dá para destacar à época o que era político. “O
político, como nós entendemos hoje, da participação política ampliada, da cidadania, e até
dessa questão maior da liberdade política, não existia com clareza para as organizações
comunistas e para nenhum outro partido, talvez com exceção dos poucos socialistas”. 115
Os intelectuais “eurocomunistas” são mais “democráticos” que quaisquer grupo “à
direita” já havia sido anteriormente na história do Partido Comunista Brasileiro, assim como
dentro da cultura comunista brasileira, e só conseguimos enxergar assim porque a idéia de
democracia aceita nos dias de hoje é semelhante aquela que eles desejavam – na verdade, o
sentido que nós damos a democracia começou a se estruturar naquele momento. Contribuiu
para isso, a onda de golpismos militares na América Latina. A democracia desejada num
período de ilegitimidade política não passa pela transformação do econômico; ao contrário,
passa:
114
Daniel Aarão Reis Filho in Marco Aurélio Garcia. As esquerdas e a democracia. Rio de Janeiro:
Paz e Terra: CEDEC, 1986.
115
Maria Victória Benevides in Marco Aurélio Garcia. As esquerdas e a democracia. Rio de Janeiro:
Paz e Terra: CEDEC, 1986.
71
“[pela] disputa eleitoral pelo poder, caracterizada por opções livres, uma certa
imparcialidade, e um terreno de jogo pelo menos moderadamente equilibrado. Além disso, a
democracia representativa implica o predomínio de estado de direito e a relativa
independência dos poderes Judiciário e Legislativo; o respeito aos direitos humanos, pelo
menos de acordo com critérios latino-americanos (ou seja, que os governos não torturem
impunemente nem permitam que outros a façam); e a defesa das liberdades básicas de
imprensa, associação, manifestação e organização, inclusive a livre sindicalização, a
contratação coletiva e o direito de greve”. 116
116
Jorge G. Castañeda, Op. cit., p. 23.
117
A “evolução” começa na década de 1950. A Declaração de Março de 1958 (pós-relatório Kruschev,
em 1956) é o documento-símbolo, ainda que em 1954 o Partido desse sinais de mudança de sua postura
em relação à sua atuação na sociedade no Programa de 1954. A “evolução” começa nos anos 50,
embora outra fase do Partido de abandono do “sectarismo” (1945-1947 - PCB: Partido de massas)
também fosse altamente valorizada entre os membros da Corrente Renovadora. Cf. konder, Op.Cit.
72
burguesia, emana o poder. Há uma frase de Lênin, usada para responder aos “renovadores”,
que elucida: “Se houvesse de fato democracia, o capitalismo não teria como se manter”. 118
Além disso, a democracia como estratégia leva a uma verdadeira revolução política,
porque, para os “renovadores”, o Brasil não tem burguesia consolidada. A democracia como
estratégia leva a uma desvalorização do socialismo como estratégia? Bem, a Corrente
Renovadora não se preocupou muito em responder a essa pergunta. Embora, não quiseram se
descaracterizar como marxista. Mas, é evidente que o restante do PCB – opositores da
Corrente – acreditavam que sim. Para eles, o grupo teria se constituído numa social-
democracia.
Naquele momento, o grupo “renovador” acreditou que era prioridade retornar ao
Estado democrático de direito. A construção do socialismo pertenceria a uma etapa posterior:
118
Salomão Malina apud Debate nº 88. Suplemento Especial da Voz da Unidade. São Paulo, 08 a 15 de
jan de 1982.
119
Carlos Nelson Coutinho, “Democracia como valor universal”, in Democracia como valor universal
e outros ensaios, Rio de Janeiro, Salamandra, 1984, p. 48.
73
a democracia – a de que ela deve aparecer como conteúdo tático e estratégico no programa dos
comunistas.
A decorrência da fundação sociedade socialista através da ampliação das liberdades
democráticas elimina a própria idéia de “revolução”. Para Raimundo Santos:
“Por outro lado, a construção de uma ordem democrática aberta a participação de todas as
classes sociais e correntes de pensamento, num país de instituições e tradições autoritárias,
elitistas e excludentes como o nosso, corresponderia a uma verdadeira revolução. Revolução
essa que obrigaria a que o capitalismo recorresse a formas especificamente suas, como
transformar a composição orgânica do capital, aumentar a produtividade, etc, privando-o da
muleta política e policial que desde suas origens lhe tem sido fornecida pelo Estado”. 121
120
Raimundo Santos, Modernização e política. Rio de Janeiro: Forense Universitária/Edur, 1996, p.
52.
121
Marco Aurélio Nogueira, “Notas sobre a realidade brasileira” in Temas de Ciências Humanas, São
Paulo, Editora Ciências Humanas, 1980, p. 161.
74
Europeu estava em crise, mas a URSS ainda não havia desmoronado. Cuba também estava lá.
O surgimento de um operariado combativo acabava de contribuir para o esfacelamento do
regime militar. Acrescente a tudo isso, o aumento da “participação política”, a pressão dos
movimentos sociais por mais participação e a crença de quase todos que, realmente, isso
estava em vias de acontecer.
O pensamento democrático “renovador” estava alicerçado na idéia de que com a
crescente participação política o capitalismo iria mesmo perder suas forças. Qualquer tentativa
de movimento brusco de interromper o capitalismo poderia comprometer as forças
democráticas. Dessa forma, acreditando na ampliação das liberdades democráticas do
capitalismo, abandonaram a idéia da “revolução”, como uma etapa distinta na história da
humanidade. Até porque, lembremos que o onde o socialismo triunfara, não houve liberdades
democráticas, não como passaram a ser valorizadas no Ocidente.
6. O Desfecho
122
José Antônio Segatto, Breve História do PCB, Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1989, p. 125.
75
A luta interna começa a ser identificada, após o retorno dos membros do Comitê
Central, especialmente, com o retorno de Luiz Carlos Prestes e depois de Armênio Guedes.
Àquela altura, todos no Partido acreditavam no êxito da política de alianças. Prestes, ao
contrário, considerava que só a democracia não bastaria para o bem do proletariado, devia-se
lutar pelo socialismo. Os pecebistas acreditavam que a política do Partido havia oscilado entre
o “esquerdismo” e o seu contrário (mas que eles não chamavam de “direitismo”, por trazer um
tom pejorativo). O “esquerdismo” compreendia a fraca influência na sociedade, a tentação
golpista e a ausência da política de alianças. Sobretudo, porque Prestes insistia na “luta pelo
socialismo” e condenava o “aliancismo” do Partido acusando-o de afastar a sociedade
socialista é que a crítica ao velho líder comunista fazia-se presente:
“(...) o PCB teve ainda que enfrentar, com maior força nos anos de 1979 e 1980, os
desdobramentos de uma degenerada luta interna, cujo epicentro localizou-se na figura de seu
ex-secretário geral, Luiz Carlos Prestes. O velho ‘esquerdismo’ do tipo mandonista,
responsável maior por tantos e tantos erros e retrocessos na vida do partido, manifestava-se
novamente, agora com um novo figurino e coroado com os símbolos do carisma do
conhecido líder comunista”. 123
O retorno do Comitê Central só tornou mais ávido um debate que já havia sido
iniciado no interior no Partido em torno do “acerto” da linha política traçada desde a
Declaração de Março de 1958. Foi a política, primeiramente exposta na Declaração, que
afastou o Partido da luta armada no pós-64. A minoria partidária, mais tarde reunida em torno
de Luiz Carlos Prestes, não via como a redemocratização da sociedade brasileira poderia
colocar o país mais próximo do triunfo da “revolução”. Assim, a política de “alianças” traçada
desde a Declaração teria sido um “erro” na história do Partido, porque a burguesia nacional
não uniu-se ao proletariado conforme o taticismo da Declaração previa:
123
NOGUEIRA, Marco Aurélio, CAPISTRANO FILHO, David, GUEDES, Cláudio. O PCB em São
Paulo: documentos (1974-81). São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas ltda, 1981, p. X.
76
dos Estatutos, no respeito às decisões da maioria e na aplicação da linha política definida nos
Congressos do PCB e atualizada pelo seu Comitê Central”.124
“Mas desgraçado será quem pensar que se opera uma volta aos idos dos primeiros números
da Voz da Unidade. O texto também nos diz que os liberais se constituem nos bêtes noires da
transição, assemelhando-os lisamente aos conservadores. E, na passagem, sempre crucial, da
conceituação do sistema de poder, formula enigmaticamente: ‘Na atualidade, como no
passado recente, o obstáculo principal à democratização da sociedade brasileira é o sistema
de poder que oprime o povo e que tem como baluartes o imperialismo e o latifúndio e os
grandes grupos econômicos e financeiros, monopolistas e oligárquicos’. A primeira parte da
proposição nos remete ao Oriente do V Congresso, a segunda, ao Ocidente das lutas
democráticas de massa contra o capitalismo dos monopólios. Com o empastelamento da
geografia, convém obedecer à orientação do próprio texto: ‘Na atualidade, como no passado
recente (...)'. Os próprios feitores da restauração, porém, são os primeiros a desconfiar dela,
corrigindo a remissão ao passado com a referência moderna ao caráter autoritário do
capitalismo brasileiro. Assustados com sua nova sombra, furtiva e incompletamente o PCB
atinge uma nesga de terra no Ocidente político’”. 125
124
Nemésio Salles, mar/1977 in Marco Aurélio Nogueira, David Capistrano Filho, Claudio Guedes, O
PCB em São Paulo: documentos (1974-81), São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas ltda, 1981,
p. 164.
125
Idem, p. 45.
77
de Carlos Nelson segundo Andrade foi dizer que a democracia não precisa ser adjetivada de
proletária ou burguesa. “Seria interessante sabermos como Berlinguer – Carlos Nelson
Coutinho – coloca hoje esta “democracia política” dentro de uma sociedade capitalista, sem
que ela representa o poder da burguesia, ou em uma sociedade socialista sem que a mesma
represente o poder proletário”. 126
Luiz Carlos Prestes perde o cargo de secretário-geral do PCB em maio de 1980,
Giocondo Dias foi eleito o novo Secretário Geral. Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder
saíram do PCB em 1982. Armênio Guedes sai em 1983. Luiz Werneck Vianna saiu do PCB
em 1984. O partido havia perdido progressivamente sua hegemonia no campo das esquerdas e
seu espaço no movimento sindical para os grupos identificados com o “novo sindicalismo”, os
setores progressistas da Igreja Católica e os oriundos da “esquerda armada” – que iriam se
reunir no Partido dos Trabalhadores (PT) e numa nova central sindical (Central Única dos
Trabalhadores - CUT). A linha política sobrevivente, antes mesmo da conclusão do VII
Congresso (1984) foi a do “centro pragmático”.
7. Considerações finais
O PCB não foi à luta armada no pós-64. Ao contrário, as dissidências nascidas de seu
interior tornaram-se adeptas do “foquismo” ou do “maoísmo”. A escolha pecebista pela
trajetória pacífica foi, primeiramente, oficializada com a publicação da Declaração de Março
de 1958. Nesse documento, é inaugurada a idéia da “aliança” do proletariado com a
“burguesia nacional” para assegurar o desenvolvimento do capitalismo. A Corrente
Renovadora acena para essa primazia da Declaração e do Partido Comunista Brasileiro junto
à esquerda de tradição marxista no Brasil. O privilegiamento da “via pacífica” da Declaração
transformar-se ia, no discurso “renovador”, no marco inicial da valorização da democracia
política no PCB.
Para a Corrente Renovadora, a Declaração marcou o início de um processo que ela
própria acredita ter concluído – o processo de valorização da “democracia política” no PCB.
126
Idem.
78
Com isso, a Corrente Renovadora diferiu do PCB à época e dos dissidentes do pós-64. Ainda
que a maioria dos pecebistas acreditassem no sucesso da política empreendida pelo partido
desde a Declaração (à exceção dos “prestistas” e dos dissidentes que preferiram o
enfrentamento armado no pós-64), só o grupo “renovador” afirmou tê-la “aprofundado”, na
medida em que clamou aos comunistas do Brasil o incremento da democracia política no seu
programa estratégico.
Os “renovadores” passaram a valorizar a “democracia política”, tal como a
concebemos hoje sem, contudo, desejar romper com o futuro socialista. Os intelectuais
“renovadores” formularam uma nova maneira (mas, que para eles, deveria ser a única capaz)
de construir o socialismo no Brasil capitalista e moderno. A inversão da “via prussiana”
abriria caminho a uma, cada vez maior, “socialização da política” no país. A esse apelo à
crescente “socialização da política” correspondeu o próprio abandono da idéia de “revolução”,
de um momento distinto em que se conjugam as forças para a implantação do socialismo. No
Brasil, a conquista e perpetuação da democracia sozinha representaria uma verdadeira
“revolução”.
A Corrente Renovadora afirmava diferir dos “renovadores” da década de 1950 por
duas razões: no nível de aprofundamento da democracia e na relação entre estabelecimento da
democracia e do capitalismo. Com efeito, a Corrente Renovadora não aceita que, nem no
porvir, ocorra a insurreição do proletariado sob a liderança do Partido na construção do
socialismo. A Declaração de Março de 1958 prescreve a aliança do proletariado com a
burguesia nacional para desenvolver o capitalismo. Ao contrário, para a Corrente Renovadora,
a constatação do capitalismo no País assegurava a existência da democracia. Seguiam uma
lógica de que se há capitalismo, tem que haver democracia. A “socialização da política” é um
fenômeno decorrente do estabelecimento do capitalismo. No Brasil, o desenvolvimento do
capitalismo no modelo da “via prussiana” tornou fraca a “socialização da política”. No
entanto, a eliminação da “via prussiana” iria ampliar as liberdades democráticas conquistadas
constituindo uma alternativa ao capitalismo excludente.
As interpretações do passado e do presente nacional passaram por uma interferência
do pensamento “renovador” de profundas conseqüências. À luz dos modelos explicativos de
desenvolvimento do capitalismo e do tipo de sociedade gerada, o subdesenvolvimento
brasileiro inscrevia-se num caso da “via prussiana”. A exclusão do povo da efetiva
79
conflito no PCB em torno da estratégica democrática. A razão disso esteve na própria noção
de contexto da Corrente Renovadora.
De fato, o que explica a “virada democrática” manifestada pela Corrente Renovadora
na tradição comunista é a realidade que eles se depararam e interpretaram, acharam por bem
intervir, como intelectuais e militantes atuantes no cenário político: o “socialismo realmente
existente” e a ditadura brasileira que dava sinais de esgotamento embora, não totalmente
terminada. A vontade de se redimir pelas atuações em nome do “socialismo” tinha suas causas
no “socialismo realmente existente” (principalmente localizado no Leste Europeu), na política
pecebista “anti-democrática” (a anterior à Declaração de Março de 1958 e a posterior que
recusava-se a “ampliar” o nível da democracia no programa estratégico do Partido) e nas
organizações que pregavam a luta armada (na América Latina, mas, sobretudo no Brasil, o
insucesso sangrento marcou a história desses movimentos). De outro lado, o processo de
redemocratização da sociedade brasileira era lento e a sua viabilidade não prescindia do
acúmulo de forças dos vários setores, inclusive dos comunistas. A tentação golpista do lado
socialista poderia afastar, por mais tempo, o retorno ao Estado democrático de direito.
O movimento da Corrente Renovadora achou-se fracassado no interior do PCB.
Contudo, a influência desses intelectuais junto à sociedade e o posterior incremento desses
homens, sobretudo, no PT alargou e continuou a “redenção” do socialismo pela estratégia
socialista democrática para o Brasil moderno e capitalista.
8. Bibliografia:
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81
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__________. Qual democracia?
Anexo I
da produção industrial, entre os anos de 1939 a 1956. Num prazo relativamente breve, de 1944
a 1956, o volume físico da produção industrial total foi duplicado. Surgiu e se fortaleceu no
setor da indústria pesada um capitalismo de Estado de caráter nacional e progressista, que
abrange empresas poderosas como a Petrobrás e a Companhia Siderúrgica Nacional. Embora
mais lentamente, também na agricultura vem-se desenvolvendo o capitalismo, que se traduz
no crescimento do número de assalariados e semi-assalariados, bem como na multiplicação da
quantidade de máquinas e instrumentos agrários. Ampliou-se de modo acentuado o mercado
interno, sendo que o volume do comércio de cabotagem entre 1921 e 1955 aumentou de cinco
vezes.
Em conseqüência do desenvolvimento capitalista, cresceram os efetivos do
proletariado industrial e aumentou o seu peso específico no conjunto da população. Enquanto
esta duplicou de 1920 até hoje, o número de operários industriais aumentou de sete vezes no
mesmo período, passando de 275.000 a cerca de 2 milhões. Simultaneamente, surgiu e se
fortaleceu cada vez mais uma burguesia interessada no desenvolvimento independente e
progressista da economia do país.
O desenvolvimento capitalista, entretanto, não conseguiu eliminar os fatores negativos,
que determinam as características do Brasil como país subdesenvolvido. Ao tempo em que se
incrementam as forças produtivas e progridem as novas relações atrasadas e permanece a
dependência diante do imperialismo, particularmente o norte-americano.
Com a penetração do capitalismo na agricultura, combinam-se, em proporção variável,
os métodos capitalistas à conservação do monopólio da terra e das velhas relações
semifeudais, o que permite um grau mais elevado de exploração dos trabalhadores do campo.
O Brasil continua a ser um país de grande concentração latifundiária: em 1950, os
estabelecimentos agrícolas com 500 hectares e mais constituíam 3,4% do número total de
estabelecimento e abrangiam 62,3% de toda a área ocupada. As sobrevivências feudais
obstaculizam o progresso da agricultura, que se realiza, em geral, lentamente, mantém o
baixíssimo nível de vida das massas camponesas e restringem de modo considerável as
possibilidades de expansão do mercado interno. As sobrevivências feudais são um dos fatores
que acentuam a extrema desigualdade de desenvolvimento das diferentes regiões do país,
especialmente entre o sul e parte do leste, que se industrializaram, e o resto do país, quase
inteiramente agrário.
87
que o processo eleitoral ainda esteja submetido a restrições antidemocráticas, as massas têm
conseguido influir na composição do parlamento e pressionando sobre ele com a ação extra-
parlamentar, já o levaram a adotar decisões positivas para a emancipação nacional, a exemplo
do monopólio estatal do petróleo e da política nacionalista dos minerais atômicos.
O processo de desenvolvimento capitalista e a participação da burguesia no poder do
Estado se refletem também na composição do atual governo. Em decorrência da coligação de
que surgiu, o governo do sr. Juscelino Kubitschek tomou um caráter heterogêneo, com um
setor entreguista ao lado de um setor nacionalista burguês.
A composição do governo do sr. Juscelino Kubitschek é, sem virtude disso, o resultado
de um compromisso entre as duas alas que o integram. Este compromisso é frágil, não anula as
contradições internas do governo e não impede a luta que lavra no seu seio. Apoiado nas
massas, na Frente Parlamentar Nacionalista e no setor nacionalista das Forças Armadas, o
setor nacionalista do governo tem influído para importantes decisões positivas. Disto são
exemplos expressivos a defesa do monopólio estatal do petróleo e a manutenção de um clima
de legalidade constitucional na vida política. Por outro lado, sob a pressão do setor entreguista
e do imperialismo norte-americano, os elementos nacionalistas do governo têm sido levados a
vacilações, derrotas e mesmo a graves capitulações, como foi o caso da cessão do arquipélago
de Fernando de Noronha aos Estados Unidos.
As contradições existentes no seio do governo se manifestam em todas as esferas de
sua atividade.
A política exterior permanece em geral caudatária do Departamento de Estado norte-
americano, mas se fortalece a pressão do setor nacionalista por importantes modificações,
como a exigência do estabelecimento de relações com a União Soviética e demais países
socialistas.
O governo tem desenvolvido, apoiado no povo, formas nacionais e progressistas de
capitalismo de Estado, a exemplo da Petrobrás e de Volta Redonda. O capitalismo de Estado
vem sendo um elemento progressista e antiimperialista da política econômica do governo
kubitschek mas este ainda permite que empresas de capitalismo de Estado realizem um
política favorável ao imperialismo, como no caso dos financiamentos do BNDE ou da
distribuição, pelos trustes, da energia produzida nas centrais elétricas estatais.
89
II
III
jugo intensificam a sua luta de libertação, colocando em situação cada vez mais difícil as
potências imperialistas. Surgiu no mundo uma vasta zona de paz, que abrange os países
socialistas e os países da Ásia e da África amantes da paz e promotores de uma política de
defesa da sua soberania e de emancipação econômica.
A luta contra o imperialismo norte-americano, pela democracia e pela paz eleva o seu
nível na América Latina. As ditaduras terroristas a serviço dos monopólios dos Estados
Unidos estão sendo derrubadas, o que abre caminho para o avanço do processo democrático e
emancipador. A política de chantagem guerreira praticada pelos círculos de Washington vem
fracassando na América Latina, à medida que se acentua o alívio da tensão internacional.
Em conseqüência do impetuoso ascenso do socialismo e das vitórias do movimento de
libertação nacional, acelerou-se o processo de debilitamento e decomposição do imperialismo.
Não só se reduziu drasticamente a área do seu domínio, como se agravaram as contradições
entre os países imperialistas e dentro de cada um deles. Aumentam as dificuldades econômicas
nos Estados Unidos, onde a produção vem caindo, enquanto cresce o número de
desempregados, o que delineia uma perspectiva de crise econômica.
O imperialismo norte-americano é o centro da reação mundial. Segue uma política de
atentados contra a soberania nacional de todos os povos, de corrida armamentista e
preparativos de uma terceira guerra mundial, que seria a mais terrível catástrofe para a
humanidade.
As guerras de agressão continuam a encontrar terreno na existência do imperialismo e
este tem desencadeado bárbaros atentados contra numerosos povos. Em virtude, porém, da
correlação de forças favorável ao socialismo às forças amantes da paz, surgiu em nossa época
a possibilidade real de impedir as guerras. A luta pela paz – tarefa primordial de todos os
povos - tem condições para ser plenamente vitoriosa. A política conseqüente de coexistência
pacífica praticada pela União Soviética e pelos demais países socialistas ganha a simpatia dos
povos, desfaz as manobras da “guerra fria” e consegue resultados concretos no sentido do
alívio da tensão internacional. A rápida cessação da agressão imperialista ao Egito mostrou
mais uma vez que a causa da paz e da libertação nacional tem a seu favor forças mais
poderosas do que os agentes da guerra.
As modificações na arena internacional criam condições mais favoráveis para a luta
pelo socialismo, tornam mais variados os caminhos da conquista do poder pela classe operária
93
IV
determinadas forças políticas e da maior sensibilidade, por motivos locais, a esta ou aquela
reivindicação antiimperialista. Os comunistas consideram que é necessário tudo fazer, dentro
do mais alto espírito de unidade, para impulsionar o movimento nacionalista, ampliar seu
caráter de massas e ajudar sua coordenação em escala nacional. Isto contribuirá para acelerar a
polarização em processo entre as forças antiimperialistas e democráticas de um lado, e as
forças entreguistas de outro lado.
Os comunistas devem ser um fator por excelência unitário dentro da frente única
nacionalista e democrática. Por isto, não condicionam a sua permanência na frente única à
total aceitação de suas opiniões. Os participantes da frente única poderão aceitar essas
opiniões somente como resultado de sua justeza, de sua força persuasiva e, acima de tudo, da
sua comprovação pela experiência política concreta. Defendendo firmemente suas opiniões, os
comunistas consideram que, se forem justas, tais opiniões acabarão sendo aceitas pelas massas
e pelos aliados, vindo a prevalecer através de processos democráticos, dentro da frente única.
Os comunistas não são exclusivistas e, ao mesmo tempo que encaram com espírito autocrítico
a sua própria atividade, aceitam a valorizam as opiniões corretas procedentes das outras forças
da frente única.
Sendo inevitavelmente heterogênea, a frente única nacionalista e democrática encerra
contradições. Por um lado, há interesses comuns e, portanto, há unidade. Este é um aspecto
fundamental e explica a necessidade da existência da frente única, a sua capacidade de superar
as contradições internas entre os seus componentes. Por outro lado, há interesses
contraditórios e, portanto, as forças sociais integrantes da frente única se opõem no terreno de
certas questões, esforçando-se para fazer prevalecer seus interesses e pontos-de-vista.
O proletariado e a burguesia se aliam em torno do objetivo comum de lutar por um
desenvolvimento independente e progressista contra o imperialismo norte-americano. Embora
explorando pela burguesia, é do interesse do proletariado aliar-se a ela, uma vez que sofre
mais do atraso do país e da exploração imperialista do que do desenvolvimento capitalista.
Entretanto, marchando unidos para atingir um objetivo comum, a burguesia e o proletariado
possuem também interesses contraditórios.
A burguesia se empenha em recolher para si todos os frutos do desenvolvimento
econômico do país, intensificando a exploração das massas trabalhadoras e lançando sobre
elas o peso das dificuldades. Por isto, a burguesia é uma força revolucionária inconseqüente,
98
que vacila em certos momentos, tende aos compromissos com os setores entreguistas e teme a
ação independente das massas.
O proletariado tem interesse no desenvolvimento antiimperialista e democrático
conseqüente. A fim de assegurá-lo, ao mesmo tempo que luta pela causa comum de todas as
classes e camadas que se opõem à exploração imperialista norte-americana, o proletariado
defende os seus interesses específicos e os das vastas massas trabalhadoras e bate-se por
amplas liberdades democráticas, que facilitem a ação independente das massas. O proletariado
deve salvaguardar, por isto, a sua independência ideológica, política e organizativa dentro da
frente única.
É indispensável, entretanto, jamais perder de vista que a luta dentro da frente única é
diferente, em princípio, da luta que a frente única trava contra o imperialismo norte-americano
e as forças entreguistas. Neste último caso, o objetivo consiste em isolar o inimigo principal da
nação brasileira e derrotar a sua política. Já a luta do proletariado dentro da frente única não
tem por fim isolar a burguesia nem romper a aliança com ela, mas visa a defender os interesses
específicos do proletariado e das vastas massas, simultaneamente ganhando a própria
burguesia e as demais forças para aumentar a coesão da frente única. Por se travar dentro da
frente única, esta luta deve ser conduzida de modo adequado, através da crítica ou de outras
formas, evitando elevar as contradições internas da frente única aso mesmo nível da
contradição principal, que opõe a nação ao imperialismo norte-americano e seus agentes.
Assim, é preciso ter sempre em vista que as contradições de interesses e divergências de
opinião dentro da frente única, embora não devam ser ocultadas e venham a causar
dificuldades, podem ser abordadas e superadas sem romper a unidade.
Os comunistas de modo algum condicionam a sua participação na frente única a uma
prévia direção do movimento. Tendo por objetivo a ampliação e a coesão da frente única, os
comunistas trabalham para que as forças antiimperialistas e democráticas, principalmente as
grandes massas da cidade e do campo, aceitem a direção do proletariado, uma vez que esta é,
do ponto de vista histórico, a única capaz de dar à frente única firmeza e conseqüência
política. A conquista da hegemonia do proletariado é, porém, um processo de luta árduo e
paulatino, que avançará à medida em que a classe operária forjar a sua unidade, estabelecer
laços de aliança com os camponeses e defender de modo acertado os interesses comuns de
todas as forças que participaram da frente única.
99
condicionados a exigências políticas e escolhendo livremente aqueles que, seja qual for sua
procedência, ofereçam melhores condições no que se refere a juros, prazos de amortização e
assistência técnica.
3º) Medidas de reforma agrária em favor das massas camponesas. Redução das taxas de
arrendamento e prolongamento dos seus prazos contratuais. Defesa dos camponeses contra a
grilagem e os despejos. Facilitar aos camponeses o acesso à terra, particularmente junto aos
centros urbanos e vias de comunicação. Garantia da posse de terra e entrega de títulos de
propriedade aos atuais posseiros. Aplicação dos direitos dos trabalhadores do campo já
consolidados em lei. Legislação trabalhista adequada ao campo. Facilitar aos camponeses o
crédito bancário, particularmente do Banco do Brasil, os transportes, a armazenagem e a
assistência técnica.
4º) Elevação do nível de vida do povo. Combate enérgico à inflação e à carestia. Equilíbrio
orçamentário e política tributária que não sacrifique as massas nem prejudique as atividades
produtivas. Salários e vencimentos que assegurem melhores condições de vida aos
trabalhadores e ao funcionalismo. Democratização dos órgãos governamentais de controle do
abastecimento e dos preços, de tal maneira que possam servir efetivamente aos interesses das
massas populares. Aumento das verbas destinadas à educação e saúde do povo. Estímulo ao
desenvolvimento da cultura nacional. Aplicação efetiva e melhoria da legislação trabalhista.
5º) Consolidação e ampliação da legalidade democrática. Garantia dos direitos democráticos
contidos na Constituição. Abolição completa das discriminações políticas e ideológicas.
Garantia do direito de greve e dos direitos sindicais dos trabalhadores. Direito de voto aos
analfabetos, bem como aos soldados e marinheiros.
Os comunistas apresentam esta plataforma para um amplo debate do qual possa
resultar a formulação unitária dos objetivos comuns das forças nacionalistas e democráticas.
A frente única nacionalista e democrática acumula forças à medida que luta por
soluções positivas para os problemas brasileiros conduz, inevitavelmente, à necessidade de um
governo que possa aplicar com firmeza em todas as esferas da política interna e exterior a
política de desenvolvimento e de emancipação reclamada pelo povo brasileiro. A luta das
correntes nacionalistas e democráticas para alcançar modificações na composição e na política
do governo atual assume, e tende a assumir cada vez mais, o caráter de luta por um governo de
coligação nacionalista e democrática.
102
Um governo nacionalista e democrático pode ser conquistado pela frente única nos
quadros do regime vigente e aplicar um política externa de independência e de paz, assegurar
o desenvolvimento independente e progressista da economia nacional, tomar medidas em
favor do bem-estar das massas, garantir as liberdades democráticas.
O desenvolvimento da situação no país indica que esta orientação política pode vir a
ser gradualmente realizada por um ou por sucessivos governos que se apóiem na frente única
nacionalista e democrática.
Um governo nacionalista e democrático dependerá fundamentalmente do apoio das
massas e, por isto, o ascenso do movimento de massas não poderá deixar de influir no sentido
de radicalização de sua composição e de sua política. Esta radicalização será também resultado
da necessidade inevitável de medidas mais enérgicas e profundas diante dos atentados do
imperialismo norte-americano e das forças entreguistas e reacionárias no país.
O curso dos acontecimentos no Brasil indica, por conseguinte, a possibilidade real de
um processo em que, sob a pressão das ações independentes das massas e diante da
necessidade de medidas mais conseqüentes contra inimigo, principal da nação, um governo de
coligação nacionalista e democrática abrirá caminho para uma nova correlação de forças, que
possibilite completar as transformações revolucionárias exigidas pelo desenvolvimento
econômico e social de nossa Pátria.
Ainda que dispostos a participar dos governos de caráter nacionalista e democrático, os
comunistas os apoiarão de modo resoluto, mesmo que não venham a fazer parte de sua
composição.
VI
representantes da classe operária e patriotas, os comunistas, tanto quanto deles dependa, tudo
farão para transformar aquela possibilidade em realidade.
O caminho pacífico da revolução brasileira é possível em virtude de fatores como a
democratização crescente da vida política, o ascenso do movimento operário e o
desenvolvimento da frente única nacionalista e democrática em nosso país. Sua possibilidade
se tornou real em virtude das mudanças qualitativas da situação internacional, que resultaram
numa correlação de forças decididamente favorável à classe operária e ao movimento de
libertação dos povos.
O caminho pacífico significa a atuação de todas as correntes antiimperialista dentro da
legalidade democrática e constitucional, com a utilização de formas legais de luta e de
organização de massas. É necessário, pois, defender esta legalidade e estendê-la, em benefício
das massas. O aperfeiçoamento da legalidade, através de reformas democráticas da
Constituição, deve e pode ser alcançado pacificamente, combinando a ação parlamentar e a
extraparlamentar.
O povo brasileiro pode resolver pacificamente os seus problemas básicos com a
acumulação, gradual mas incessante, de reformas profundas e conseqüentes na estrutura
econômica e nas instituições políticas, chegando-se até à realização completa das
transformações radicais colocadas na ordem-do-dia pelo próprio desenvolvimento econômico
e social da nação.
A fim de encaminhar a solução de seus problemas vitais, o povo brasileiro necessita
conquistar um governo nacionalista e democrático. Esta conquista poderá ser efetuada através
dos seguintes meios mais prováveis:
1. Pela pressão pacífica das massas populares e de todas as correntes nacionalistas, dentro e
fora do Parlamento, no sentido de fortalecer e ampliar o setor nacionalista do atual governo,
com o afastamento do poder de todos os entreguistas e sua substituição por elementos
nacionalistas.
2. Através da vitória da frente única nacionalista e democrática nos pleitos eleitorais.
3. Pela resistência das massas populares, unidas aos setores nacionalistas do Parlamento, das
forças armadas e do governo, para impor ou restabelecer a legalidade democrática, no caso de
tentativas de golpe por parte dos entreguistas e reacionários, que se proponham implantar no
país uma ditadura a serviço dos monopólios norte-americanos.
104
VII
burguesa. Outras, porém, são restrições possíveis de eliminar ainda no regime atual, à medida
que avança o processo de democratização. Os comunistas lutam, por isto, pela extensão do
direito de voto aos analfabetos, bem como aos soldados e marinheiros. Lutam, igualmente,
pela restituição da legalidade ao Partido Comunista, fazendo cessar uma discriminação
anticonstitucional, consumada numa conjuntura reacionária e mantida até hoje em flagrante
desrespeito aos postulados da Carta Magna.
As restrições antidemocráticas que ainda pesam sobre o processo eleitoral não
impedem, porém, a afirmação da sua crescente importância para determinar os rumos da vida
política do país. Combinada a outras formas pacíficas e legais de lutas de massas, as eleições
podem dar vitórias decisivas ao povo. Massas de milhões vêm utilizando o voto para expressar
a sua vontade e influir nos destinos da nação. A participação mais entusiástica nas eleições é,
assim, um dever para os comunistas.
Esta participação não visa exclusivamente a obter pequenos proveitos imediatos e a
utilizar uma oportunidade para fazer agitação de palavras-de-ordem. O objetivo fundamental
da participação dos comunistas nas eleições consiste em eleger para os postos executivos e
legislativos os candidatos da frente única, que possam fortalecer os setores nacionalistas do
Parlamento e do governo. Todo o trabalho eleitoral dos comunistas, seja em âmbito nacional
como em estadual e municipal, deve ser considerado uma parte do trabalho geral de formação
e desenvolvimento da frente única, visando sempre à mudança da correlação de forças
políticas e à conquista de um governo nacionalista e democrático.
Os comunistas se empenham, por este motivo, em contribuir para a constituição de
amplas coligações eleitorais, que tenham força para levar à vitória os candidatos da frente
única. A ação independente dos comunistas se realizará, não fora, mas dentro da frente única.
Lutando, na medida de suas possibilidades, para eleger seus próprios candidatos, os
comunistas não adotam, porém, uma posição exclusivista, colocam acima de tudo a
necessidade de desenvolver e fortalecer a frente única e consideram que a vitória de
candidatos não comunistas da frente única é também sua vitória. Esta orientação contribuirá
para aprofundar nacionalmente e em cada local a polarização em processo entre nacionalistas
e entreguistas, a fim de isolar e derrotar os candidatos comprometidos com o imperialismo
norte-americano.
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