Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
A LITERATURA E A VIDA
Mário Vargas Llosa 1
1
Vargas Llosa, Mário – A verdade das mentiras. Trad. Cordelia Magalhães. São Paulo:
Editora Arx, 2004. P. 377-395.
1
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
2
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
3
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
4
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
5
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
7
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
que a letra 'ñ' não seja jamais retirada dos computadores, promessa que, é
claro, fez-nos dar um suspiro de alívio, os quatrocentos milhões de fala
hispânica dos cinco continentes, para quem a mutilação daquela letra
essencial no espaço cibernético teria criado problemas babélicos. Pois bem,
imediatamente depois dessa amável concessão à língua espanhola e sem
sequer abandonar o local da Real Academia, Bill Gates informou, numa
entrevista à imprensa, que não morrerá sem ter realizado sua maior
ambição. E qual seria essa ambição? Acabar com o papel e, portanto, com
os livros, mercadorias que, na sua opinião, já são de um anacronismo
pertinaz. O senhor Gates explicou que as telas do computador estão em
condições de substituir, com êxito, o papel em todas as funções que este
assumiu até agora, e que, além de ser menos onerosas, tomar menos
espaço e ser mais fáceis de transportar, as informações e a literatura
através da tela, no lugar de jornais, revistas e livros, teriam a vantagem
ecológica de pôr fim à devastação das florestas, cataclismo que é
conseqüência da indústria de papel. As pessoas continuarão lendo,
naturalmente, explicou, porém nas telas dos computadores, e, desse modo,
haverá mais clorofila no meio ambiente.
Eu não estava presente — conheço esses detalhes pela imprensa ,
porém, se tivesse estado, teria vaiado o senhor Bill Gates por anunciar ali,
com total falta de pudor, sua intenção de nos enviar ao desemprego, a mim
e a tantos dos meus colegas, os escritores de livros. Pode a tela substituir o
livro em todos os casos, como afirma o criador da Microsoft? Não estou tão
certo. Digo-o sem desconhecer, em absoluto, a gigantesca revolução que
significou, no campo das comunicações e da informação, o desenvolvimento
de novas técnicas, como a Internet, que a cada dia me presta uma
inestimável ajuda em meu próprio trabalho. Mas, daí a admitir que a tela
eletrônica pode substituir o papel, no que se refere às leituras literárias, há
um caminho que não pode ser cruzado. Simplesmente não consigo aceitar a
idéia de que leitura não funcional nem pragmática, aquela que não busca
uma informação nem uma comunicação de utilidade imediata, possa se
integrar na tela de um computador para o prazer e a fruição da palavra,
com a mesma sensação de intimidade, a mesma concentração e isolamento
8
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
9
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
10
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
11
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
12
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
13
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
14
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
descobrir que essa violência e essa desmesura não são alheias, que estão
lastreadas de humanidade, que esses monstros ávidos por transgressão e
por excesso se agacham no mais íntimo do nosso ser, e que, das sombras
onde habitam, aguardam uma ocasião propícia para se manifestar, para
impor sua lei dos desejos em liberdade, que acabaria com a racionalidade, a
convivência e, talvez, a existência. A literatura, não a ciência, foi a primeira
a investigar os abismos do fenômeno humano e a descobrir seu arrepiante
potencial destrutivo e autodestrutivo. Assim, um mundo sem literatura
seria, em parte, cego sobre essas profundezas terríveis, onde, com
freqüência, jazem as motivações das condutas e dos comportamentos
inusitados, e, do mesmo modo, tão injusto contra o que é diferente, como
aquele que, num passado não tão remoto, acreditava que os canhotos, os
vesgos e os gagos eram possuídos pelo demônio e, talvez, seguiria
praticando o perfeccionismo atroz de afogar nos rios os recém-nascidos
com defeitos físicos, como certas tribos amazônicas até pouco tempo atrás.
Incivil, bárbaro, órfão de sensibilidade e torpe de fala, ignorante e
ventral, negado para a paixão e para o erotismo, o mundo sem literatura
desse pesadelo que tento delinear teria, como traço principal, o
conformismo, a submissão generalizada dos seres humanos ao
estabelecido. Também nesse sentido seria um mundo animal. Os instintos
básicos decidiriam as rotinas cotidianas de uma vida fundamentada pela
luta por sobrevivência, medo ao desconhecido, satisfação das necessidades
físicas, na qual não haveria espaço para o espírito, e na qual a monotonia
esmagadora do viver acompanharia, como uma sombra sinistra, o
pessimismo, a sensação de que a vida humana é o que tinha de ser, e que
assim será sempre, e que nada nem ninguém poderá mudá-la.
Quando se imagina um mundo assim, há a tendência de identificá-
lo de imediato com o primitivo e com as tangas, com as pequenas
comunidades mágico-religiosas que vivem à margem da modernidade na
América Latina, na Oceania e na África. A verdade é que o formidável
desenvolvimento dos meios audiovisuais em nossa época, que de um lado
revolucionaram as comunicações, fazendo-nos a todos, homens e mulheres
do planeta, co-participantes da atualidade e que, do outro, monopolizam
15
Instituto de Letras
Departamento de Ciências da Linguagem
Teoria da Literatura XII
Prof. Luis Filipe Ribeiro
cada vez mais o tempo que os seres vivos dedicam ao ócio e à diversão,
desviando-os e arrancando-os da leitura, permite conceber, como um
possível cenário histórico do futuro mediato, uma sociedade moderníssima,
eriçada de computadores, telas e microfones, e sem livros ou, melhor
dizendo, na qual os livros, a literatura teriam passado a ser o que é a
alquimia na era da física: uma curiosidade anacrônica, praticada nas
catacumbas da civilização midiática por minorias neuróticas. Eu temo muito
que esse mundo cibernético, apesar de sua prosperidade e poderio, de seus
altos níveis de vida e suas façanhas científicas, seja profundamente
incivilizado, letárgico, sem espírito, uma humanidade resignada de robôs
que teriam abdicado da liberdade.
Sem dúvida, é mais que improvável que essa perspectiva terrível
jamais chegue a se concretizar. A história não está escrita, não existe um
destino preestabelecido que tenha decidido por nós o que vamos ser.
Depende inteiramente da nossa visão e da nossa vontade, que aquela
macabra utopia se realize ou se eclipse. Se quisermos evitar que com a
literatura desapareça, ou fique esquecida ou desprezada, essa fonte
motivadora da imaginação e da insatisfação, que nos refina a sensibilidade
e nos ensina a falar corn eloqüência e rigor e que nos faz mais livres e com
vidas mais ricas e mais intensas, temos que agir. Temos que ler bons livros,
e estimular e ensinar a ler os que vêm atrás de nós - nas famílias e nas
aulas, nos meios e em todas as instâncias da vida comum -, como uma
tarefa imprescindível, porque ela impregna e enriquece a todos os demais.
16