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Capítulo I...................................................................................................................... ................

2
Capítulo II.................................................................................................................... .................3
Capítulo III................................................................................................................... .................4
Capítulo IV.............................................................................................................................. ......6
Capítulo V............................................................................................................................... ......7
Capítulo VI.............................................................................................................................. ......8
Capítulo VII.......................................................................................................................... .......10
Capítulo VIII......................................................................................................................... .......14
Capítulo IX............................................................................................................................ ......16
Capítulo X............................................................................................................................. ......17
Capítulo XI............................................................................................................................ ......19
Capítulo XII........................................................................................................................... ......22
Capítulo XIII......................................................................................................................... .......26
Capítulo XIV....................................................................................................... ........................27
Capítulo XV......................................................................................................... .......................30
Capítulo XVI....................................................................................................... ........................33
Capítulo XVII...................................................................................................... ........................35
Capítulo XVIII..................................................................................................... ........................39
Capítulo XIX........................................................................................................ .......................41
Capítulo XXI........................................................................................................ .......................44
Capítulo XXII...................................................................................................... ........................48
Capitulo XXIII............................................................................................................................. .50
Capítulo XXIV................................................................................................................ .............53
Capítulo XXV................................................................................................................. .............55
Capítulo XXVI................................................................................................................ .............58
Capítulo XXVII............................................................................................................... .............61
Terça-feira, 17 de Abril de 2007

Capítulo I
A manhã de segunda-feira começa agora a clarear. Daqui a nada vai entrar na via de acesso à
cidade. Vai ser mais uma meia hora de pára arranca...
A rádio está sintonizada na estação do costume. Por entre pensamentos, desabafos e uma ou
outra bolacha vai ouvindo as músicas que se sucedem, os comentários do locutor, a
publicidade. A eterna e enfadonha publicidade.
Passa a hora, muda a equipa na rádio. Sai o locutor, entra um par. Ele e ela.
A partir daqui a viagem vai correr num instante. Ouve cada música e cada palavra com
redobrada atenção. Procura pistas.

Na sexta-feira passada alguma coisa lhe prendeu a atenção. O locutor disse qualquer coisa do
género:
- Vamos ouvir a música Shoot me Down, dos Boy Kill Boy...
Ela interrompeu-o:
- Esta música é fantástica, daquelas que me faz cantar a plenos pulmões. É das minhas
preferidas...
- Eu sei - diz ele.
A voz dele parecia embevecida e comprometida.
Mais comprometido foi o silêncio que se seguiu.
Passaram-se cinco longos segundos até que a música começasse.
Achou aquela situação muito estranha. Pareceu-lhe uma espécie de declaração muito
embaraçada. Muito tímida.
Logo a seguir pensou: Oh! Que parvoice! Claro que não é dedicatória nenhuma! Só ficaram
sem nada para dizer e provavelmente estavam com problemas técnicos.
Quando este pensamento se diluiu na sua mente dedicou alguma atenção à letra.

You never knew never knew never knew


You never should never should never should
I needed someone, someone to be here
Always
When the sun's down, someone to pick up
Pieces

Esboçou um sorriso. Será mesmo? - Pensou com um ar divertido. - Será que ele está a
declarar-se a ela?
Quando a música terminou a emissão continuou a um ritmo aparentemente normal...
No que restou de viagem continou a procurar pistas na emissão da rádio mas nada lhe pareceu
significativo.

Agora ia começar mais uma busca às pistas do romance que criou na sua imaginação. O
locutor da rádio estava apaixonado pela sua colega de equipa mas a timidez que impedia a
declaração do amor em privado quebrava-se, ainda que de forma dissimulada, perante
milhares de ouvintes.
O locutor também escrevia uma crónica semanal num jornal. Era esse o dia. Tinha decidido -
Vou comprar o jornal... Quem sabe na crónica que ele escreve não aparece nada que me
ilumine a investigação...

Postado por Touro Zentado às 23:08


Quarta-feira, 18 de Abril de 2007
Capítulo II
Chegou ao trabalho. Secretária a abarrotar, recados telefónicos, e-mails para responder… uma
canseira. Nem parou para almoçar! E a hora de saída ficou muito para além do costume.
Só quando entrou no carro, já o sol tinha desaparecido no horizonte e imperavam os tons
avermelhados do fim do dia, é que ligou o rádio e se lembrou do plano para o dia seguinte:
Tinha mesmo de comprar o jornal!
Em casa foi recebida pelos miados insistentes de Becas, o gato cinzento e pachorrento que
alegrava os seus dias. Enquanto este distribuía carícias nas suas pernas, os pensamentos
inundaram-lhe a mente.
Afinal, o que tinha conquistado até então?
Gostava do que fazia. Não era o trabalho dos seus sonhos, mas gostava do rumo que a sua
vida tinha tomado. Mas e o resto? Onde estavam todos os sonhos que tinha? As viagens, a
cara-metade, a sensação de querer mudar o mundo…
A vida avançava a um ritmo igual, trabalho-casa, casa-trabalho. Os fins-de-semana eram
divididos entre a visita à mãe, que tendo perdido o companheiro da sua vida, permanecia
agarrada ao passado, e uma ou outra saída com alguns amigos. O mais provável era levantar-
se tarde e aproveitar para dar umas caminhadas à beira mar e depois, à noite enroscar-se no
sofá e ficar a ler um bom livro.
O relacionamento com Pedro, um amigo de longa data, acabou por não resultar. Afinal, eram
muito diferentes, e os opostos nem sempre se atraem!
Restava-lhe a procura do amor entre dois locutores de rádio que não conhecia e cujo
sentimento nem sequer tinha a certeza de existir. Mas pelo menos tinha um projecto! E afinal,
já não eram horas de se perder com divagações: o dia seguinte era dia de jornal!

Acordou com a luz a bater-lhe na face. Pelos buracos da persiana escoavam aqueles fiapos de
luz com os quais costumava acordar ao fim-de-semana… Olhou apressadamente para o
relógio despertador e saltou da cama. 8:30! Detestava acordar assim! Foi tomar duche a correr,
enquanto praguejava contra a falta de electricidade! Para quem costuma sair de casa às 7:30,
este não era um bom presságio.
Que bela maneira de acordar! E ainda por cima já não ia a tempo de ouvir o início da rubrica de
hoje!
No carro ligou o rádio e lá estavam eles! Divertidos e descontraídos como sempre. Mas nada
de pistas, nada de silêncios envergonhados… tinha mesmo de comprar o jornal!
Chegou ao trabalho a correr, atrasada contra o costume, afogueada e sem fôlego, mas a
primeira coisa que fez foi abrir o jornal. Procurou a página e começou a ler. Tinha o mesmo
estilo de sempre, as mesmas curiosidades engraçadas, mas terminava de um modo que lhe
pareceu revelador:

“Nesta busca incessante pelo mundo, às vezes deixamos escapar aquilo que se encontra
mesmo debaixo dos nossos olhos.”

Postado por Miss Alcor às 17:24


Quinta-feira, 19 de Abril de 2007
Capítulo III
Perdida num turbilhão de pensamentos, Marta não dá pela presença sorrateira da sua colega
Verónica, que traz um dos telemóveis do escritório na mão.
“Toma” diz a colega com ar de desconfiada e a espreitar para o jornal pousado em cima da
secretária de Marta. “É o chefe, está no Aeroporto e quer falar contigo antes de embarcar no
voo”.
Bernardo Teixeira é o Presidente da Direcção da Associação Nacional de Direito ao Crédito
(ANDC), que implementou o sistema de Microcrédito no nosso país. Marta orgulhava-se de
estar na equipa que fundou em 1998 esta associação e, desde então, sentia um crescente
sentimento de satisfação por ajudar a realizar os sonhos e os projectos de algumas pessoas.
Os seus sonhos, no entanto, estavam por realizar.
“Estou?” anuncia Marta com uma voz trémula, ainda não completamente alienada da frase que
acabara de ler no jornal e na curiosidade que a mesma lhe tinha despertado.
“Marta, tem o telemóvel desligado!” sentencia o chefe, com uma voz forte, sinal de controlo. É
ele quem manda.
“Desculpe Bernardo, o meu telemóvel ficou sem bateria e está a carregar”, Marta tinha alguma
confiança com o chefe. Foram ambos colegas de universidade, embora existisse uma diferença
de treze anos de idade entre ambos. Ficaram amigos desde então, embora a sua relação no
escritório fosse estrita e meramente profissional. Bernardo fazia questão que assim fosse.
Fechou os olhos para tentar esquecer por momentos a frase que ecoava na sua cabeça.
Tentou concentrar-se no telefonema.
“Marta, ontem à noite deixei na gaveta da minha secretária um envelope fechado. Vai passar aí
no escritório uma pessoa, um homem, antes da hora de almoço, para o ir buscar.” Fez um
compasso de espera. Ao fundo ouvia-se o ruído característico dos aeroportos. “Faça-me o
favor de lho entregar.”
“Sim, Bernardo”. Marta sabia que apenas ela podia entrar no gabinete do Presidente quando
ele estava ausente. Bernardo havia-lhe confiado as chaves de todas as gavetas da secretária e
armários para quando fosse necessário. Hoje iria ser necessário.
“Só mais uma coisa Marta” disse, baixando o tom de voz e falando de uma forma não tão forte
e decidida. “Este homem de que lhe falei chama-se Pedro e para além de ir buscar esse
envelope vai entregar-lhe um dossier confidencial.” Marta escutou com atenção, mas ficou
intrigada.
Fez-se uma pausa na qual o turbilhão de ideias voltou para a inquietar ainda mais.
“Percebeu?” A voz forte e decidida estava de volta.
“Certo Bernardo, faça uma boa viagem”.
Carregou no botão vermelho do telemóvel e suspirou. Olhou para o quadro que estava exposto
na parede em frente à recepção. Era um retrato do Professor Muhammad Yunus, Prémio Nobel
da Paz deste ano. O orgulho e a motivação da Associação para a qual trabalhava. Bernardo
Teixeira e todos os outros presidentes e directores de associações e empresas ligadas ao
Microcrédito em todo mundo estavam a caminho do Bangladesh, para o encontro anual na
sede do Grameen Bank, em Dhaka, capital do país.
Decidiu ir tomar um café para despertar.
Ligou a máquina e viu o líquido escuro a cair na sua chávena. De repente lembrou-se que iria
ter uma reunião importante às 14.00 horas com um pequeno grupo de amigos no desemprego
que tinham decidido criar uma empresa de transporte de crianças em Setúbal.

Vinham expressamente da cidade sadina entregar uma série de documentos necessários ao


pedido de empréstimo para a implementação do seu projecto. Marta era a coordenadora do
processo.
Sentou-se, fechou o jornal e por momentos esqueceu-se da sua procura do amor entre os dois
locutores de rádio.
A manhã foi passada entre papéis, telefonemas e e-mails. Por vezes, Mário, o brincalhão mas
aplicado Tesoureiro, metia-se com ela. Mas Marta estava demasiadamente absorta no seu
trabalho. Respondia aos piropos do colega com um sorriso, mas não mais do que isso.
Olhou para o relógio e verificou que já passava das treze horas. Todos os colegas, com
excepção de Verónica, que continuava ao telefone há mais de uma hora, tinham ido almoçar.
Marta esperava pelo tal homem a quem tinha de entregar o envelope fechado a pedido do
chefe. Estava curiosa relativamente ao “dossier confidencial” a que Bernardo tinha feito
referência no telefonema do aeroporto de Lisboa.
“O que será?” Disse para si mesma.
Levantou-se para ir pela enésima vez ao WC que ficava ao fundo do escritório, mas a meio
caminho foi interrompida pelo toque da campainha da porta. “Deve ser o tal Pedro” pensou e foi
abrir a porta.
À sua frente surgiu um homem alto. Cabelo castanho claro e uns profundos olhos verdes que
depressa cativaram a atenção de Marta. Aparentava ter cerca de trinta e cinco anos. Não muito
mais do que isso.
“Olá, boa tarde. Chamo-me Pedro Madureira e venho ter com a Dra. Marta Vieira”. Disse num
tom jovial e com um leve sorriso nos lábios, visivelmente impressionado pela beleza da mulher
a quem se estava a dirigir.
“Sou eu. Vem buscar o envelope do Dr. Bernardo Teixeira?” Marta quase que gaguejou, mas
conseguiu responder sem se atrapalhar em demasia.
Pedro continuava a pousar aqueles profundos olhos verdes em Marta, sem conseguir desviar o
olhar dela.
“Venho, sim” disse num tom suave. “Mas venho também falar consigo. Já almoçou?”. Aquela
pergunta, sendo obviamente um convite para almoço feito de uma forma indirecta, apanhou
Marta desprevenida.
Levou a mão ao cabelo e, desta vez, não evitou o gaguejar.
“Huh… sim, quer dizer… não. Tenho estado aqui à sua espera.”
“Peço desculpa nesse caso.” Disse, algo embaraçado. “Aceita o meu convite para almoçar
comigo para podermos falar mais à vontade?”
Desta vez, o convite era directo. Como recusar um convite destes, vindo de um estranho, sem
deixar de ser simpática?
“Huh… era suposto o Sr. Pedro trazer um dossier para o Dr. Bernardo Teixeira não era?”
“Bem, na verdade o conteúdo do dossier é motivo pelo qual eu pretendo falar consigo. É do seu
interesse”.
Desta vez Marta, não sabia o que pensar. Mas afinal o que poderia ela ter a ver com aquele
dossier? Ainda por cima, “confidencial”, como havia dito Bernardo ao telefone.
“Desculpe, não estou a perceber” disse, esquecendo por momentos o encanto dos olhos de
Pedro. “Afinal o dossier não é para o Dr. Bernardo? Ele está a caminho de Dhaka para…”
“Não, Dra. Marta!” interrompeu Pedro de rompante. Parecia saber o que estava a dizer. “A
viagem desta manhã do Bernardo tem outro destino”
“Mas, qual destino?” Perguntou Marta algo perturbada com a afirmação daquele desconhecido.
“Como sabe o senhor isso?”.
“O Bernardo apanhou um voo para Barcelona. E não foi para tratar de assuntos da Associação,
garanto-lhe”. Pedro concede alguns instantes a Marta para que esta se recomponha. “Está a
ouvir, Dra. Marta?”
Em oito anos de presidência da Associação, Bernardo nunca tinha faltado ao encontro anual
com o Professor Muhammad Yunus.
“Estou, mas… eu tenho uma reunião daqui a quarenta e cinco minutos...”
“Venha comigo, por favor. Não receie nada. Pode confiar em mim.” Falou num tom seguro, mas
suave. “O Bernardo está a par de tudo.” Pousou a mão forte no ombro de Marta que estava
com a boca aberta sem saber o que dizer.
Por fim perguntou “Gosta de Bacalhau com natas?”

Postado por Paulo às 12:59


Capítulo IV
Vê pela janela da sala de convívio que o sol começa a clarear a manhã dessa sexta-feira. Este
seria o seu último cigarro antes do turno começar, mas não o consegue saborear. Eles estariam
juntos nas próximas três horas, e não havia maneira de diminuir a ansiedade que sentia
quando estava perto dela.
Ouvia a conversa dos colegas como se fosse um ruído, pois a única coisa que conseguia fazer
era sentir o perfume inebriante da sua colega de equipa. Depois de muito procurar, ele
finalmente havia encontrado na perfumaria a fragrância que ela usava. Fresco, maçã verde,
“Be Delicious”. Não resistiu à tentação de comprá-lo.
“César”. A voz dela era como um veludo. Trouxe-o de volta à realidade. Mas será que ele
queria fazer parte daquela realidade? Não era muito melhor fantasiar? A fragrância de maçã
verde no seu travesseiro e as fotos nas paredes do seu quarto levavam-no para um mundo do
qual ele não queria sair.
“’Tás bom?”. Este era o ponto alto do seu dia. Aqueles olhos verdes a olharem dentro dos seus,
aquele sorriso, aqueles cabelos leves e macios. Como gostaria de tocar a sua pele. Estava
bem sim. Bem por estar com ela.
“Hoje escolhi uma música especialmente para ti, Clara.” Ele sabia que aquela era uma das
suas músicas preferidas. Já tinha lido algo sobre isso no seu blog. Ela chegou a perguntar qual
era, mas ele só conseguiu dar um sorriso sem graça. Ela perceberia?
O programa estava a correr bem, como sempre. Ela comandava-o lindamente, e ele seguia-a,
apenas. Pareciam entender-se como se já trabalhassem juntos há alguns anos, mas no entanto
ele só estava ali há quatro meses. Já havia tanto tempo? Lembrava-se nitidamente do aperto
no estômago que sentiu logo na primeira vez que a viu. Clara, suave, angelical.
“Vamos ouvir a música Shoot me Down, dos Boy Kill Boy”. Esperava ansiosamente por uma
reacção da parte dela.
“Esta música é fantástica, daquelas que me faz cantar a plenos pulmões. É das minhas
preferidas...”. Ele sabia. Gostava de lhe agradar. Gostava de saber que ela o achava gentil e
amável, apesar dos outros colegas dizerem que ele era muito reservado e anti-social. Gostaria
de poder tratá-la como ela merecia ser tratada.
“Eu sei.” Teria dito num tom audível? Não sabia e não se importava. Estava hipnotizado por
aquele sorriso. Somente alguns segundos depois lembrou-se que era preciso carregar num
botão para que a música começasse. Mas já nada mais importava…ela estava a cantar!
Achava que se ela não percebesse a mensagem desta música, certamente perceberia a da
música seguinte. Dedicar “Chasing Cars” dos Snow Patrol era quase como dedicar um poema.

lyrics - Snow Patrol Lyrics

Quando ouviu o refrão, ela olhou-o nos olhos. Teria percebido?


Ela não foi a mesma durante o resto do programa. Estava distante, pensativa. Anunciava as
músicas como se não estivesse a prestar atenção no que estava a dizer. Não parecia triste,
mas também não estava feliz. Que estupidez pensar que ela também sentiria algo por ele.
Logo por ele!
“Até amanhã”. Ela esboçou um sorriso, mas não respondeu. Seu marido já estava a segurar a
porta do elevador. Homem de sorte. Só queria que ele desaparecesse. Talvez um dia tratasse
deste assunto, mas não agora. Não queria ver tristeza naqueles olhos verdes. A menos que
não houvesse outro remédio.

Postado por nathalia às 16:28


Sexta-feira, 20 de Abril de 2007

Capítulo V
O Sol desperta envergonhado, mas ainda é cedo. O despertador toca, são 07H16. "It's surf
time". Sim... Pedro é um entusiasta do surf, desporto que pratica religiosamente desde os seus
17 anos. Ele sabe que ainda tem tempo antes de rumar ao trabalho. É advogado na firma do
pai: A Madureira & Filho ltd.

Veste o calção verde e a t-shirt branca em ligeiros tons de azul e dirige-se para a sua fiel
companheira de sempre, a sua prancha que o Tio António lhe trouxe da Austrália.
Não tem que andar muito até à praia. Pedro mora na Ericeira, numa bela casa de praia, que
outrora pertencera a um ex-ministro da era Salazar.
E ali está ele, em frente ao seu "santuário" preferido, pronto para fazer a sua "oração" com as
ondas. Não é pro, mas sabe o que faz e durante hora e meia Pedro desfruta cada onda como
se fosse a última. E é ali que ele se revela. Forte, dinâmico e vigoroso, como se fosse o homem
mais importante do mundo. Ali é feliz...

Já fora de água, senta-se de frente para o mar e contempla toda aquela maravilha da natureza,
como de um Dali se tratasse. O ladrar do seu cão interrompe-o. É Pelé e está com fome.
Pedro desloca-se calmamente até ele e serve-lhe um belo pequeno-almoço saído dos pacotes
enormes que compra todos os meses no mini-mercado da Dona Elisa. Deixou de ladrar...
Está na hora do banho, mas antes tem de cumprir mais um ritual das suas manhãs. Dirige-se à
sua enorme estante de cd's e durante 40 seg. escolhe a banda sonora perfeita para o seu
banho. Hot Fuss dos The Killers é o cd escolhido.
A música começa...

"We took a walk that night, but it wasn't the same


We had a fight on the promenade out in the rain
She said she loved me, but she had somewhere to go
She couldn't scream while I held her close
I swore I'd never let her go
Tell me what you wanna know
Oh come on, oh come on, oh come on
There ain't no motive for this crime
Jenny was a friend of mine
So come on, oh come on, oh come on..."

Finalmente a água escorre pelo seu longo e estreito corpo e com toques suaves vai passando
o shampoo pelos seus ondulados cabelos. Pedro aprecia bastante estes momentos. Cada
acorde, cada passagem das mãos pelos cabelos, cada refrão, tudo parece uma enorme
coreografia, feita com grande precisão.
Torneiras fechadas, toalha no corpo. O quarto é o destino que se segue.

"Looking back at sunsets on the Eastside


We lost track of the time
Dreams aren't what they used to be
Some things sat by so carelessly
Smile like you mean it
Smile like you mean it..."

O telemóvel toca. É Bernardo Teixeira, seu grande amigo.

Postado por Corduroy às 22:42


Sábado, 21 de Abril de 2007

Capítulo VI
Pedro atende o telefone e é recebido com tensão por parte de seu amigo Bernardo Teixeira.

-O que disseste à Marta? diz Bernardo em tom autoritário, sua voz fraqueja em nervosismo.
-Então pah que maneiras são essas!? Apenas lhe transmiti o que tinhamos combinado.
-Porra mas tens mesmo a certeza disso?
Recebi um telefonema peculiar da Marta e desde então não a consigo contactar se pudesses
descobrir o seu paradeiro era muito importante.
Sabes o que isto tudo pode provocar não sabes?
-Sei sim Bernardo mas não te preocupes vou encontra-la e ter uma conversa com ela.

Após o telefonema de Bernardo, Pedro não conseguiu disfarçar a sua inquietação perante o
desaparecimento de Marta.
Desde que a vira sua vontade de a ter crescia a cada dia, gostava dela e ele o sabia.
Pedro era conhecido por amar muitas mulheres mas aquela era especial, diferente a seus
olhos, ele não a queria como mais uma amante ele queria-a para si, apenas sua.
Medo e tristeza invadiram logo seu coração pois temia que Marta estivesse metida em sarilhos.
O silêncio acusador remete para a caixa de cartão pousado em cima da mesa, era ali que
estavam as provas.
Entre o vermelho viscoso do seu sangue que fervilhava em suas veias e o terapêutico som da
sua voz, preferiu estar calado.
O silêncio fica-lhe bem dá-lhe asas, e ocasionalmente, desinquieta a alma, por isso parou.
Seu corpo pesado de sentimentos caiu no sofá e sua cabeça pesada de consciências
asfixiantes sentiu a almofada e parou para pensar.
"Onde estaria Marta, o porquê do seu desaparecimento, será que ela o olhava como ele
desejava" todos estes pensamentos flutuavam na mente de Pedro.
Recordava a suavidade de sua pele, o jeito engraçado como mordiscava o lábio devido ao
nervosismo, os seus lábios, os lábios que tanto desejava beijar...
Pedro enlouquecia por tanto a querer e não poder.

Decidido a encontrar Marta vai até sua casa e para seu espanto ela abre a porta, tinha evitado
falar com Bernardo pois suas realidades tinham sido destruídas naquele almoço acompanhado
a bacalhau.

-Entra. disse ela fitando-o seriamente para tentar desvendar as suas intenções com a visita
inesperada.
Queres tomar algo?
-Não, estou bem. Porque não atendes as chamadas estás a evitar-me?
-Sabes que fiquei chocada com o que descobri. Como me esconderam isto?!
-Marta compreende as oportunidades surgem e existe uma rede poderosa por trás disto tudo.
-Não tinham o direito...
-Pois não, mas o Bernardo caiu na rede.
-Mostra-me a caixa!
-Está em minha casa acompanhas-me e mostro-te.

Então assim juntos rumaram até casa de Pedro.

Dentro da caixa estava um envelope amarrotado dentro desse envelope documentos e contas
da netcabo eram protegidas por secretismo.
Marta as olhou e tristemente pediu a Pedro que lhe contasse como tudo acontecera.
Calmamente Pedro se sentou no sofá e respirou fundo, olhou para Marta e iniciou a explicação.

-Há quase 5anos que Bernardo Teixeira tinha tido problemas com o jogo, era viciado e
precisava de dinheiro fácil para alimentar seu vício e que melhor maneira de o fazer do que se
envolver em negócios ilícitos.
Bernardo Teixeira tinha um primo na Amadora que conhecia um grande senhor da máfia cigana
que lhe iria permitir ganhar o tal dinheiro desejado então começou a entrar em esquemas e a
importar e exportar mercadoria manhosa.
Bernardo Teixeira envolveu-se numa rede de ciganos que vendiam dvd's e cd's gravados e
ajudava a colocar as mercadorias nas melhores feiras de Portugal, tendo sede em Carcavelos.
Posteriormente a rede mafiosa de ciganos vendedores de cd's aliou-se a um grupo de rebeldes
marroquinos que vendiam flores em bares tornando-os mais fortes, por isso Bernardo nunca
conseguiu sair da rede Marta.
Percebes?
Se tentasse sair seria morto ou pior, obrigado a vender "tápêtxi" ou "frôr" pelas ruas durante o
resto da sua vida!!

Entretanto o telefone de Pedro toca e é Bernardo do outro lado.


-Pedro! Ajuda-me eles descobriram! (ouve-se um barulho ensurdecedor e a chamada cai)

Postado por Maria Strüder às 04:06


Domingo, 22 de Abril de 2007

Capítulo VII
Pedro ficou de olhos arregalados tentado ouvir o que se passava do outro lado. Nada!
Marta mencionou abrir a boca, mas deteve-se ao levantar do dedo indicador de Pedro como se
colocado sobre os lábios dela. Ficou frio de repente como se uma porta tivesse sido aberta e lá
fora fosse Inverno:

- Isto está mau! -Disse Pedro.


- Que foi?
- Pelo que percebi Bernardo foi apanhado.
Quase gritando - Hem? Como apanhado? Por quem?
- Pela máfia. Nem fugindo para Espanha se safou. O que terá acontecido?
- Há aqui qualquer coisa que não está bem!
- O quê? - neste momento, Pedro, pousa o telemóvel como se deixasse de ser importante e
endireita-e no sofá. - Explica-te!
- Tudo isto é esquisito. Há aqui uma montanha de coisas que me cheiram mal.
- OK! Sou todo ouvidos.

Neste momento, Marta começa a andar pela sala olhando para o chão e a falar com o braços
como se espantasse moscas:

- Primeiro! Fui eu que reservei o bilhetes de avião. Se Bernardo foi para Barcelona... terá
comprado os bilhetes com o próprio dinheiro numa altura que não sei qual, pois não vi nenhum
pagamento extra.
- Desculpa?
- Depois nunca dei por nada de história nenhuma de vícios de jogos ou outra treta que seja. O
homem só tem dois vícios. A empresa e a pesca.
- ..errr... sim... - Pedro sorria.
- Ainda mais. Eu como de inteira confiança de Bernardo, tenho na minha posse todas as
chaves do seu escritório. Até do cofre!... E nunca vi nada de suspeito. Em tantos anos, nunca
suspeitei ou cheirou-me o quer que seja. As contas da empresa estão imaculadas. Uma
empresa deste tipo é muito bem vigiada pelas finanças.
- ... pois...
- E porque me mostraram isto a mim? Qual é a minha mais valia? Quem sou eu nisto tudo?
Bernardo quer denunciar a máfia ? E vem ter comigo um advogado torrado cheirando a
maresia com uma história de dossier confidencial a quem tenho que dar um envelope... e mais
não sei o quê?... Ná! Desculpa. Há aqui qualquer coisa que não está bem!
- De onde tiraste isso tudo, Marta? Sabes que envelope era o que me entregaste?
- Claro que não! Fiquei intrigada, mas não são contas do meu rosário.
- Estás-me a dizer que não acreditas em nada destas provas, e tudo o que te disse?
- Sinceramente... não sei! Mas sinto algo a dizer-me que não! Alguém se esqueceu de colocar
o sal na panela!
- Sal? Panela? - Pedro levantou os sobrolhos, como se os olhos quisessem saltar.
- Esta história sabe-me mal. Não a engulo.
- Essa história do bilhetes... não percebi!
- Como já te tinha dito, sou da inteira confiança de Bernardo, e como tal tenho acesso aos
códigos das contas on-line. Fui verificar. Até à data... não vi nada de extraordinário.
- Bem! As contas demoram a actualizar. - Pedro conteve um riso.
- NÃO!... Pára! Conta-me realmente o que se passa!

Pedro pega no telemóvel. Marca um número pré-estabelecido... Espera uns segundos...

- Estou!? Sim! É extraordinário, de facto. Mas não deu para ver muito. Achas mesmo que pode
ajudar? É arriscado! - uma pausa – Achas? Devo avançar portanto? - outra pausa – riso –
Tudo! Foi fácil! O peixe não picou! Mas já desconfiavas?... Sim está bem! Depois contas-me?
OK!... Passamos então à fase dois? - suspiro – OK! Assim espero! Já lá vão 3! Abraço e
cumprimentos ao Professor. Está bem! Serão entregues!
Marta vê Pedro guardando o telemóvel no bolso. Este olha para ela com admiração. Realmente
já tinha conhecido muitas mulheres, mas esta tinha algo que o fascinava muito. A atitude.
Aquele ar de amazona e ao mesmo tempo de menina.
Marta começa a falar como um se tratasse de uma andamento de uma obra de um mestre de
musica clássica. Começando em piano e acabando em fortíssimo:

- Queres fazer o favor de me EXPLICAR O QUE ESTÁ ACONTECER?


- Tem calma! Bernardo manda cumprimentos!
- Hã?
- Tenho uma proposta para te fazer. Queres vir comigo a Lisboa?
- ... Devo estar doida! Lisboa? Proposta? MAS QUE PORRA...
- Tem calma moça! Olha as rugas!
- Olha lá, meu badameco. Se julgas que gozas comigo em pego nesta jarra e parto-te... - Marta
pega numa jarra, aparentemente de cristal...
- HEY! Isso é caro! Tem calma! Eu explico. Anda vem comigo. Poisa lá isso antes que partas
alguma coisa.
- Se tu... - nesse momento Marta sente o braço dela seguro por algo estranho. A jarra cai da
mão... Pedro voa atirando-se para o chão a tempo de evitar o desastre. Senta-se e ordena:
- Pélé! Larga o braço da senhora!
- Grrrrrr!
- Péléééé!!!

Péle larga o braço de Marta. Fica sentado a olhar fixamente para ela como se à espera de mais
um movimento em falso!

- Peço desculpa por Pélé!


- Está bem! Eu pedi as estribeiras! Posso ir lavar o braço ao WC?
- Sim! - rindo! - Pélé! Fica! Deixa a senhora ir à casa de banho sozinha! Ela não precisa que lhe
segurem a mala!
- ... piada! Tem uma piada! Palhaços! - falando para o cão - E tu? Estás a olhar para onde?
Lavaste os dentes, ao menos?

O pequeno Smart descapotável fazia as curvas com suavidade dirigindo-se a Lisboa!

- Pedro! Conta-me lá então...


- Bem, Marta! Bernardo efectivamente está em Dhaka. Foi ele que me contou as tuas
estranhas capacidades.
- Capacidades?
- Sim! Tu és capaz de perceber quando alguém mente ou está a tentar enganar-te! Quando
fazes as entrevistas para conceder o crédito tu tens uma capacidade estranha de perceber de
como são as pessoas que estão do outro lado. Se são de confiança ou simplesmente ou
burlões a tentar sacar dinheiro fácil com fachadas de empresas que mais tarde dão em
falência.
- Sim! Talvez!
- Bernardo acha mais! Acha que tens mais do que isso! E este pequeno esquema demonstrou
tal!
- Cada vez mais embaralhada!
- Já vais perceber. Tu facilmente percebeste que havia qualquer coisa errada! Qualquer coisa
que não cheirava bem na história que te contamos. Não ficaste desnorteada. E pelo que me
disse Bernardo... já se apercebeu disso noutras alturas.
- Noutras?
- Sim! Um dia, sem saberes porquê seguraste Bernardo quando iam a atravessar a passadeira
quando o sinal estava verde. Nesse preciso instante passou um carro que não respeitou o sinal
vermelho. Como sabias que vinha lá um carro?
- ...errr... lembro-me disso! Não sei! - Marta começou a sentir-se incomodada no assento do
carro.
- Pois. Portanto... vou levar-te a um sítio onde estão a precisar MUITO de toda a ajuda
possível. E pode ser que tu possas dar algum contributo.
- eu... eeeu?
- Sim! Tudo o que eu te disser a partir de agora fica para ti. Certo? Pela confiança que
Bernardo tm em ti!
- ... isto está cada vez pior! Ok! Certo!
- Neste momento a Polícia Judiciária está a abraços com um Serial-Killer. E suspeita-se que já
matou por 3 vezes.
- Fo... xiça! Serial-Killer? A sério? - Marta sentiu a cara ferver. - E aonde vamos?
- À Judite!
- Judite?
- Eles querem falar contigo.
- Comigo?
- Sim! Querem evitar a todo o custo que surja a 4 morte. Existe de facto um dossier que, se
chegarmos a um consenso, vais passar a usa-lo como leitura de cabeceira. Mas primeiro temos
que ter a certeza que os podes ajudar ou se não és somente mais uma moça espertalhona.
- Ajudar? Tipo vidente? Medium? Não andam a ver muitos filmes?
- Não! Isso existe de facto e dão grande ajuda a resolver casos destes.

Marta sentiu o coração a acelerar.


Sentiu algo estranho.
Sentiu que se aproximava algo que lhe metia medo mas a fascinava.
Sempre gostou do que fazia porque sabia que estava a ajudar os outros.
Sentia-se bem, mas queira mais! Ajudar ainda mais.
Nunca se tinha apercebido das “capacidades” que agora lhe indicavam que tinha! Que loucura!
Ela! Percepção Extra Sensorial?
Realmente era e sempre foi muito intuitiva. Mas PES? Estava muito longe de pensar tal! E até
nem acreditava muito nisso... até agora:

- Mas preciso de alguém que me guie nesta coisa, se é que tenho esta coisa.
- De facto. Mas tem calma. Está tudo pensado. O comissário é muito eficiente!

Marta levantou a cabeça para apanhar um pouco mais dar ar na cara. Queria ter a certeza que
estava acordada.
Subiu o som do rádio.

Queen's of the Stone Age - No one knows.

Pareceu-lhe própria para o momento.


Pedro olha para ela e sorri:

- Vai correr tudo bem! Vais ver!

--//--

Clara, depois de mais um turno, estava sentada no bar da estação de rádio, a ler uma revista e
a beber o seu, bem merecido, café.

- OLÁÁ!

Clara soltou um grito de sobressalto. O café entornou-se encharcando a revista.

- Bolas César! Apareces assim por cima da revista sem aviso. Quase morri de susto.
- Desculpa! - César tentar limpar a revista. Foi sem querer. Queria somente cumprimentar a
minha querida colega.
- Que bruto. Esta revista nem é minha.
- Eu compro outra.
- Esquece! Eu compro. Vê lá se para a próxima tens mais cuidado.
- Posso ajudar-te?
- Não! Deixa! Eu trato disto.
- Desculpa!

Já a sair do bar – Pois! Está bem! Mas que estupidez! Só me saem duques!

César sentiu-se confuso. Não sabia se havia de ir atrás dela se ficar. Segurou a chávena
entornada. Observou-a com lágrimas nos olhos.
Ela não compreendia!
Ela desprezava-o!
Como o podia desprezar? Ele fazia-lhe dedicatórias, coisa que aquela aventesma do marido de
certeza não fazia.
A raiva foi-se instalando. Os nós dos dedos começaram a ficar brancos em volta da chávena de
café. Ouviu-se um “crack” .
Estacou.
Olhou em volta. Pousou a chávena devagar. Esta, abriu-se em duas.
Disfarçadamente volta a pegar nela, envolve-a num guardanapo e ao sair do bar coloca-a
dentro do caixote do lixo de modo que não fizesse barulho ao cair lá dentro.
Olha nos dois sentidos do corredor e decide ir pelo lado que Clara seguiu.

Postado por Eduardo Ramos às 03:14


Terça-feira, 24 de Abril de 2007

Capítulo VIII

César, César... O nome dele ecoava na sua cabeça a cada passo que dava.
Clara entra de rompante no escritório dirigindo-se imediatamente para o bengaleiro onde tinha
o seu casaco pendurado. Ainda a tremer, retira um lenço de papel já amarrotado de um dos
bolsos, usando-o para absorver algumas lágrimas que pelo caminho foram correndo dos seus
enormes olhos verdes. De seguida retira uma fotografia borrada de café do meio das páginas
da revista, e limpa-a cuidadosamente com o mesmo lenço, guardando-a logo de seguida no
bolso do casaco. Sentindo uma presença próxima, disfarça e lança um olhar para trás. A revista
cai no chão.

César estava agora apenas a poucos centímetros dela com os olhos em lágrimas, claramente
nervoso. Os olhos molhados dos dois encontram-se agora focados num mesmo ponto. Por
segundos, o tempo parou. Antes que César esboçasse a mínima reacção, Clara invade-lhe os
lábios com um beijo bruto e incontrolado, surpreendendo-o.
"Desejo-te há tanto tempo." Diz ela nos lábios de César.
"Clara… Não percebo. Ainda há pouco..."
"Shhh" Interrompe ela. "Desculpa. Tu não compreendes… fui uma parva... precisamos de
falar…"
Desta vez é César a silenciá-la com um beijo profundo. Toda a raiva que sentia apenas há
momentos atrás estava agora transformada em algo muito maior, mas da mesma forma
incontrolável.
O momento é inesperadamente interrompido por um toque de telemóvel.
"Espera. É o meu" diz ela recompondo-se e tirando o telemóvel do bolso das calças de ganga.
César afasta-se ligeiramente, e abstrai-se de cada uma das palavras que ouve.
"Sim… Vens tarde então… Tá… Até logo... Eu também". Clara desliga a chamada. "Era o meu
marido.” Diz ela sem tirar os olhos do telemóvel. E com um movimento rápido pega no seu
casaco. "Desculpa. Tenho que ir!" Diz ela abandonando o escritório e deixando um suave rasto
a perfume no ar.

César nem teve tempo de dizer mais nada pois estava totalmente paralisado. Sem sair do
mesmo sítio, deixa-se cair sobre uma cadeira acendendo um cigarro quase automaticamente.
Encosta-se, fecha os olhos e recorda o sabor de Clara e aquele aroma a maçãs verdes. Eu não
acredito. Um beijo. As fotografias dela coladas na parede de sua casa tinham agora perdido
grande parte do seu significado. Tudo o que lhe bastava era fechar os olhos para sentir os
lábios dela, e essa sensação ia além de qualquer estímulo visual. Depois de quatro meses a
sonhar com o mais ligeiro toque, o destino tinha-lhe reservado algo muito maior, um beijo
desprevenido que o fez sentir alguém que nunca foi, alguém especial. Estou a sonhar. César
relaxa, e sem pressa deixa-se adormecer no conforto do momento.

Clara faz sempre o mesmo caminho de carro até casa, mas raramente em lágrimas. O seu
apartamento fica a cerca de quinze minutos da estação de rádio, mas desta vez estes quinze
minutos pareceram uma eternidade. Nervosa com o que se passou, pensa nos motivos que a
levaram a abandonar repentinamente o escritório. Perdi o controle. Desculpa. Não te posso pôr
em perigo. Disse uma voz dentro dela. Ao chegar, estaciona o seu Clio mesmo à porta de casa
e desliga-o. Com a mão direita tenta alcançar a sua mala no banco de trás mas sem sucesso.
“Merda. Esqueci-me da mala.” De imediato abre o porta-luvas de onde retira um porta-chaves
azul. “Ufff” suspirou. Cuidadosa, mantinha sempre umas segundas chaves do seu apartamento
para alguma emergência. Antes de sair, fecha o porta-luvas e olha o seu reflexo no retrovisor.
Por um instante sorri.

Ao entrar em casa fecha a porta atrás de si, lançando o casaco e as chaves no chão do
corredor. Entra directamente na casa de banho fechando a porta e abrindo logo de seguida a
torneira de água quente que começa a correr. O vapor começa a tomar conta do ambiente.
Clara vai tirando a sua roupa deixando-a minimamente organizada em cima do tampo da
sanita, peça a peça. Nua, entra na banheira imergindo num nevoeiro serrado muito quente e
agradável. Cobrindo todo o seu corpo de água, relaxa num conjunto de sensações agradáveis
e inexplicáveis. O som da água a bater. Num instante, Clara experimenta uma outra sensação.
Uma sensação que não era boa. Com duas mãos fortes agarradas ao seu pescoço Clara não
consegue respirar. Tenta soltar-se, luta durante uns segundos, mas sucumbe acabando por
desistir sem forças. Em serenidade, Clara deixa-se levar naquele imenso oceano e descobre
uma nova sensação, a última que viria a sentir. A sensação de morrer.

No mesmo instante, César acorda de um sonho profundo. Ao abrir os olhos, vê a mala de Clara
em cima da secretária.

Postado por Pratas às 00:30


Quarta-feira, 25 de Abril de 2007

Capítulo IX

Paralisado. César encontrava-se paralisado. Tantos dias a trabalhar junto de Clara, a sentir a
voz aveludada que ela lançava para os microfones; tantos dias a reprimir um impulso; tantos
dias a sentir um frémito por cada palavra de veludo dela. Juntos. Trabalhavam juntos. Tantas
horas de emissões e nunca fora capaz de avançar perante ela e, afinal, Clara era capaz de
sentir algo idêntico por ele. Quanto tempo perdido. «Não bastava o tempo perdido! Teve de ser
ela a avançar», massacrava-se ele. «Otário! És um otário!»

A mala de Clara estava em cima da secretária. César avançava titubeante para a mala, vira
nela a oportunidade de ir ter com Clara, um pretexto. Mas isso não o tranquilizava, pelo
contrário, estava aterrado com a ideia de ela o rejeitar, com a ideia de não conseguir ir ter com
ela e dizer-lhe que gosta de cada palavra sua, de cada gesto meigo... Todos os gestos de Clara
são meigos! Disso César não tem dúvidas: são meigos! Se Clara fosse uma palavra da Língua
Portuguesa, seria TERNURA. Agora, quanto ao beijo, César tinha dúvidas; desejava tanto
Clara que quando ela lhe deu um sinal nem acreditou, foi assaltado por dúvidas. «O beijo foi
acidental, claro que ela não gosta de mim. Se, ao menos, ela não tivesse saído tão
bruscamente depois do beijo, todos estes fantasmas teriam desaparecido; mais valia receber a
má notícia logo do que viver permanentemente angustiado. Ficava tudo esclarecido. Levo ou
não a mala? A mala? A mala é um pretexto... Sim, levo! De hoje não passa!» Agarrou na mala e
saiu disparado. Arrancou com o carro, ia decidido.

«Vou conseguir! Vou dizer-lhe o que sinto! Eu sou forte! Não há limites para mim! Não. Se
calhar vou a casa dela fazer uma figura ridícula. Ela vai ficar com raiva de mim, não tenho esse
direito! Se ao menos não fosse casada... Sou fraco. Sou fraco!» Contudo, continuava a
conduzir em direcção à casa de Clara. «Não, de hoje não passa!» César vivia conflitos
interiores fortíssimos, o seu peito era um campo de batalha. Tinha paixão pela vida, sentia que
podia ser feliz, sentia que Clara seria o amor da sua vida mas, a sua cobardia fazia-o curvar-se
perante o que de mais trágico tinha a vida: a solidão. Hoje estava disposto a ir até ao fim, se
corresse mal, o pior que podia acontecer era pedir desculpa a Clara e nunca mais aparecer na
rádio. Era isso. Mudaria de emprego se fosse preciso! Ela estava em casa. O Clio dela estava
diante de si, ali na rua. «Vou conseguir. Vou dizer-lhe o que sinto! Eu sou forte!» Entretanto,
quando reunira todas as forças para o acto mais importante da sua vida, para a grande batalha,
vê entrar em casa de Clara o seu marido. «Foda-se! Foda-se!» Era um jovem advogado de
olhos verdes como os de Clara, um galã que fazia surf. «Como se chama o gajo...» Ele fora
buscá-la um dia ao trabalho. Clara falara-lhe dele. «Pedro, é Pedro o cabrão! Odeio-o!» César
foi-se embora.

Para César, esta foi mais uma derrota. Tinha prometido que de hoje não passaria... De noite
nem dormiu. Fixou-se nos retratos da parede... Era ela por todo o lado. De que valia dormir, a
incerteza era um sentimento de morte que o tomava. De manhã, barba por cortar, hirsuto, olhos
encovados, só uma coisa o preocupava, como abordar Clara? Já estava na rádio e, ao entrar
na recepção, ficou prostrado: corria a notícia de que Clara morrera! «O marido telefonou a dizer
que a Clara adormeceu na banheira, morreu afogada, mas será feita a autópsia ainda hoje de
manhã.» As palavras frias da recepcionista vararam-lhe a alma. Como era possível a morte de
uma pessoa resumir-se a uma frase tão neutra. «Não é possível! Não pode ser verdade!»
César estava incrédulo com a notícia. «A culpa foi minha», martirizava-se. «Perdi tempo de
mais com excitações. Se fosse logo levar a mala...» César queria morrer também, ali mesmo...

Postado por astuto às 14:19


Sábado, 28 de Abril de 2007

Capítulo X
O táxi amarelo afastava-se, pronto para mais um serviço e com o “cofre” agora mais recheado.
Por sua vez, Marta entrara já no seu prédio e dirigia-se, completamente absorta em
pensamentos, ao seu apartamento. Quando estava mesmo a ponto de embrechar a chave na
fechadura, algo a despertou dos seus pensamentos..., era o ladrar de um “Leão Chinês”, um
Shi-Tsu!
“Mas que raio está a fazer o cão em minha casa? Ou...É pá, não acredito, estou no andar
errado!” pensou Marta.
Dirigiu-se às escadas de serviço, a luz acendeu-se com o movimento da porta e Marta subiu
até ao seu piso, imediatamente acima, sempre a tilintar o porta-chaves, munido com um
pequeno boneco ‘Smurf’, ou ‘estrunfe’, do qual obteria uma mini chave de fendas se lhe
desapertasse a cabeça. Enfim, até à data apenas lhe servira como porta-chaves.
Ao entrar em casa, Becas foi o único a cumprimentar Marta. Era o seu recepcionista particular,
acolhia-a sempre com carinho, esperando também merecidos miminhos. Fechou a porta atrás
de si e trancou-a.
Pousou um dossier no sofá e sentou-se.
“Becas, becas” Chamou. “Vem cá, vem ter com a Martinha...ou melhor, com a Agente Marta!
Ehehe” Marta riu, mas ao mesmo tempo sentiu um arrepio subir-lhe corpo acima...
“Porque confiará a Judiciária assim em mim? Terei mesmo as capacidades que Pedro
mencionou? E este, onde se meteu? Por que é que me deixou sozinha com a ‘Judite’? Bem,
mas basta de emoções por hoje, se posso realmente ajudar alguém, devo fazê-lo concentrada,
e neste momento estou tudo, menos isso.”
Já descalça, com os seus pés pequeninos a percorrer o flutuante do apartamento, dirigiu-se à
aparelhagem e procurou por entre alguns cd’s que tinha espalhados na estante, um que lhe
agradasse.
“phfff, tanta música e tão pouco vontade de escolher...” Ligou a aparelhagem e colocou em
“Tuner”. A estação sintonizada era a mesma que tinha por hábito no seu Mazda 3. A opção
acabou por ser boa, pois a música que passava, Mary J Blige and U2 - One, era-lhe ideal para
relaxar.

lyrics - Mary J Blige Lyrics


Voltou a recostar-se no sofá, esticou as pernas no seu ‘chaise long’. Tentou abstrair-se. Não
queria pensar mais no possível ‘serial-killer’ ou nos vários assassinos que andavam por aí à
solta e que já tinham vitimado 3 pessoas. Caber-lhe-ia a ela, filtrar e procurar pistas de todas as
informações recolhidas pela Judiciária. “Apenas terá de analisar estes documentos D. Marta.
Ninguém saberá do seu envolvimento na procura deste marginal e estará tão segura como
sempre” Dissera-lhe um dos inspectores da Judiciária.

Já quase a dormir, uma música chamou-a à atenção:


‘Chasing Cars’, dos Snow Patrol
Ao ouvi-la relembrou-se dos dois ‘pombinhos’ da rádio...
“Como estarão eles? Será que ele já voltou a ‘declarar-se’?
Foi então que um trecho da música lhe baralhou o pensamento...
“If i just lay here, would you lie with me and just forget the world?” Pensou Marta…”Mas porquê
‘Lay’? Isto pode ter o significado de - armar (uma cilada) e ‘would you lie with me - mentirias
comigo’? Será que não era apenas uma dedicatória? Será que estava a tentar dizer-lhe mais
qualquer coisa?”
Marta quase tem um ataque cardíaco, quando sem aviso prévio a campainha toca.
“Fonhasse...” pensa ela, com o seu termo que utilizava para substituir o real palavrão. Ao olhar
pelo ‘peep hole’ da porta, vê Mário, o seu colega de trabalho. Mário, era o ‘Real tesoureiro’ ou o
‘pirata do tesouro’ como Marta gostava de o apelidar. Era um rapaz novo, na casa dos 27 anos,
de estatura média, talvez 1m75, olhos castanhos e cabelo preto. Era muito profissional no
trabalho que fazia e ao mesmo tempo sempre bem humorado, gostando de se meter com toda
a gente. No entanto, agora ali a olhar para ele, Marta achara algo de estranho…
“Que ‘diabo’ estará ele aqui a fazer? Como sabe onde eu moro? E que cara de assombro? Ai,
ai, não estou a gostar...” Pensou.
Com naturalidade abriu-lhe a porta, mas não teve qualquer oportunidade de falar. Mário
invadiu-a com um discurso tão sobrecarregado e sobreposto de palavras que Marta nada
percebeu.
“Calma Mário, calma! Entra! Afinal o que se passa?”
“Marta..., acho que me seguiram até casa...mas saí pelas traseiras...Foi do dossier! Só pode! E
as transferências! Eram muito estranhas Marta...

Postado por Phantom às 00:38


Segunda-feira, 30 de Abril de 2007

Capítulo XI

- Espera. Dá-me tempo para me acalmar. Não estou habituado a estas emoções!

Marta olhava para ele ali, nervoso, assustado, mas havia mais alguma coisa. Algo que não
batia certo. Marta, recém sabedora das suas capacidades, prestou atenção ao que sentiu. Ia
falar com Mário quando o telemóvel tocou.

- Dr. Marta? Aqui fala a Inspectora Joana. Está recordada?

“Como podia esquecer”. Pensou Marta

- Sim, claro.

- Dr.Marta, lamento muito perturbá-la a esta hora mas o Inspector Mesquita pediu que viesse
connosco a um local.

- Quem? Eu saí daí ainda há pouco.

- O Inspector Francisco Mesquita. Foi-lhe impossível estar presente na reunião que tivemos de
tarde mas eu informei a doutora que o Inspector Mesquita é o responsável pela investigação.

- Isto não pode ficar para amanhã?

- Eu vou buscá-la a casa. É importante Dr. Marta. Existe a possibilidade de uma nova vitima.

Marta engoliu em seco. – Está bem. Fico à sua espera.

- A doutora que o nosso amigo nos indicou concordou em ir connosco.

O inspector Francisco riu-se.

- Porque não dizemos “Aqueles que não queremos mencionar”? Trate as pessoas pelo nome,
Joana.

- Quem diria? A nossa própria Allison Dubois! Continuou Francisco.

- Como?

- A Allison Dubois, é da série Medium… deixe lá, esqueça.

O Inspector Francisco já se tinha habituado a que não percebessem as suas fantásticas,


achava ele, tiradas. Francisco era um ávido leitor e um não menos ávido espectador de filmes e
séries. Quem trabalhava com ele já não se admirava quando Francisco comentava ou
comparava um crime ou outro assunto qualquer com frases, cenas e personagens fictícias.

Sendo um divorciado a chegar aos 35 anos, Francisco tinha o tempo fora da Judiciária só para
si. Não era muito dado a saídas e viagens, a não ser que o destino fosse a casa dos pais, e
como tal gastava o seu tempo naquilo que mais gostava, o mundo da ficção. “Preencher a
mente com estas histórias ajuda-me a reconstruir os quebra-cabeças que nos aparecem”,
costumava ele dizer.

- Ela não é médium – disse Joana – quer dizer, não sei! Sente as situações, o carácter das
pessoas, se a estão a enganar. O professor pode explicar-te melhor.

- Meu Deus! O estrago que ela podia fazer na Assembleia da Republica!


- Chefe – riu-se Joana – isto é a sério!

- Mas eu estou a falar a sério. – piscou-lhe o olho – Ok. Vamos lá!

- Mas eu não posso voltar para casa! – disse Mário pela, pelo que pareceu a Marta, a
centésima vez.

- Fala baixo. Eu não sou surda.

- Eu fico aqui à tua espera. Por favor Marta?

Já sem tempo para tentar chegar a qualquer outra solução, Marta concordou.

- Como está Doutora? Perguntou a Inspectora Joana já no interior do carro.

- Podia estar melhor. Este dia parece que não quer acabar!

- O Inspector Francisco foi directo para o local. Vai gostar dele. Já vi que a Doutora gosta de rir-
se e ao Inspector humor é que não falta!

“Que bom.” Pensou Marta “Só me faltava um palhaço.”

- Estamos a dirigir-nos para o local da investigação? Eu pensava que não me iria envolver
neste lado da questão.

- A situação mudou um bocado, complicou-se, e a possibilidade de uma quarta vitima acelerou


o processo.

- Inspectora? O Dr. Pedro vai estar no local?

- De-Desculpe? Gagegou Joana.

- O Dr. Pedro Madureira?

- Ele já lá está.

Marta ficou aliviada. Uma cara que podia chamar de familiar.

- Doutora. É melhora avisá-la. A vitima. É, era – corrigiu Joana – a esposa do Doutor Madureira.

O resto do caminho fez-lo calada. “A esposa do Doutor Madureira”, como é que ela não
percebeu que Pedro era casado. “Que raio de PES sou eu?”

Quando deu por ela já estava na casa de Pedro. A casa onde tinha estado dias antes. Olhou
em volta da sala em busca de pistas que lhe pudessem ter dito a real situação de Pedro. Viu
que não haviam fotos pessoais, apenas de paisagens e monumentos. Percebeu que a sala
podia ser de qualquer pessoa, não havia lá nada que a identificasse como sendo de um
homem solteiro ou casado. Apenas numa observação mais cuidada se perceberia que havia ali
um casal.

Foi até quarto. Ao olhar para aquela cena Marta não pode deixar de sorrir. Todos de toucas e
batas brancas, nada do ambiente de glamour e fatos Dolce&Gabana que se vê nos CSI.

- Não é como na TV, pois não.

A voz aveludada surgiu atrás dela. Mais uma vez Marta sorriu “deve ser outro PES”.
Marta virou-se, o seu olhar encontrou o olhos castanhos de Francisco. O olhar dele perturbou-
a. Isso poderia ser um mau sinal mas naquele momento soube-lhe muito bem.

- Não, realmente não!

- Eu sou o Inspector Mesquita. Muito prazer. Mas deixe estar que eu não fico nada atrás de
Horatio Cane!

- Também têm os óculos-de-sol?

Francisco não contava com a resposta mas ficou agradavelmente surpreendido.

- Claro! E até uma ou outra pérola de sabedoria.

Marta ia rir-se quando se apercebeu da presença de Pedro no quarto. A gargalhada calou-se.

Postado por Laudinha às 13:50


Quarta-feira, 2 de Maio de 2007

Capítulo XII
Tão depressa a boca se abriu para soltar uma gargalhada como o rosto se fechou ao ver
Pedro.
O rosto dele era difícil de perceber. Talvez fosse perplexidade. Talvez fosse incredulidade.
Choque.
Marta dirigiu-se a ele. Pedro estendeu a mão. Marta cumprimentou-o.
- Olá Marta. Como estás?
- Pedro… Eu sinto muito…
Pedro cortou-lhe as palavras – Não posso ficar Marta. Venho só dizer olá e adeus. Tenho umas
coisas para resolver… - Apontou com os olhos em seu redor como que substituindo as palavras
que lhe pareciam evidentes e dolorosas demais para dizer.
- Claro! – disse Marta – Eu compreendo… - A mão esquerda confortou a mão de Pedro que
ainda estava colada à sua.
- O inspector Francisco orienta-te por aqui, OK?
- Sim. Sim…
- Bem. Até mais tarde… - A voz sumia-se nele.
- Até… - Marta ficou a ver Pedro sair do apartamento. Dirigiu-se depois para o inspector, ainda
com os olhos fixos na porta por onde Pedro acabara de sair. – É comovente como ele
consegue manter a postura mesmo quando o mundo acabou de lhe cair em cima!
- É… - disse o inspector com uma voz inesperadamente desligada – Ou isso ou então não lhe
caiu o mundo em cima…
- Como?! – interrogou Marta, cuja atenção se deslocou subitamente para Francisco.
- Simples minha cara Marta! O dr. Pedro e a menina Clara estão… estavam… estiveram…
whatever… em processo de divórcio. Litigioso.
- Não fazia ideia! – respondeu Marta.
- Aposto que também não fazia ideia que o nosso dr. Don Juan era casado…
Marta sentiu-se corar…
- Bem! Vamos ao que interessa! – Atirou o inspector – Ao que julgo saber a Marta é… Como
devo dizer?... “Detentora” de uma característica muito especial… Tipo X-Men. Hehehe!
- Dizem que sim… - Respondeu Marta com um ar nada convencido.
- Peço-lhe que não seja céptica… A Percepção Extra-Sensorial é uma capacidade muito dúbia.
Há quem não tenha dúvidas sobre a sua existência, há quem não acredite e deprecie.
Pessoalmente, faço parte do primeiro grupo.
- Sim…
- A P.E-S., como deve saber, diz respeito a uma ou mais capacidades que alguns intitulam de
paranormais. Clarividência, Premonição, Telepatia, por aí fora… Já alguma vez viu a série
Medium?
- Hummm… Acho que não…
- Tente ver um dia. Quem sabe não se identifica…
- Sim – Marta começava a mostrar impaciência.
- Por falar em séries… A Marta, neste momento, faz-me lembrar uma…
- Lost! – exclamou ela.
- Hehehe! Acertou! Será a telepatia?
- Não… – disse Marta sarcasticamente – É lógica!
- Pois… Ora bem, Pelo pouco que me chegou aos ouvidos parece-me que a Marta tem
desenvolvidas as capacidades da premonição e da pós-cognição…
- Ui! Em português isso é?
- Basicamente a premonição é ver o que está para acontecer e pós-cognição é ver o que já
aconteceu… Ora… É aqui que a Marta entra!
- Como p-pós-cognitória?
- Isso mesmo! O que lhe quero pedir é que faça, com todo o tempo do mundo, esta
experiência: Eu vou pedir à equipa de técnicos que pare de trabalhar por uns momentos. A
Marta vai tentar concentrar-se e “ver” o que aqui se passou… Não lhe vou dar qualquer
informação para não a influenciar…
Marta pareceu pouco convencida mas, ao sinal do inspector, deslocou-se para o sofá e sentou-
se.
Que vou fazer? – pensou Marta enquanto olhava em redor. Sentia-se ligeiramente zonza, como
quando se levanta de repente depois de ter estado agachada.
Fixou o olhar na porta e levantou-se, dirigindo-se até lá. – Quem sabe se tentar pôr-me no lugar
da vítima…
Achou-se a chegar a casa. Cansada. O dia de trabalho acabara. Aproximou os dedos do cabide
mas não o tocou. Olhou-o fixamente. Continuou. O inspector seguia-a com o olhar,
manifestamente, interessado. Marta seguiu até ao quarto-de-banho. Parou frente à banheira. O
seu rosto fechou-se. Triste. De súbito levantou a cabeça. Virou-se e fitou o espelho. Mas não
parecia olhar o seu reflexo. A mão esquerda levantou-se e os dedos aproximaram-se do
espelho, mais uma vez sem tocar. Os dedos pareciam bailar junto ao vidro como bailarinas
numa pista de gelo. Ficou assim alguns segundos e, de repente, apoiou-se no lavatório.
Parecia esgotada.
- Tudo bem? – inquiriu o inspector.
- Não sei…
- Diga-me – reagiu ele, sem conter a excitação. – O que “viu”? O que sentiu?
Com a voz nitidamente abalada Marta respondeu – Aqui no quarto-de-banho… Sinto o ar
pesado… Como uma presença incómoda… Confesso que me assusta…
- E o espelho…? – atalhou o inspector.
- Não sei… Parece haver ali qualquer coisa… Vi os meus dedos a desenhar… ou escrever…
Francisco ficou pensativo.
- Mais uma coisa…
- Diga… - Respondeu Francisco enquanto dava instruções a um técnico para processar o
espelho.
- Quando me dirigi à porta tentei fazer o percurso da tal Clara…
- Sim…
- Ela deixou ali o casaco mas não a bolsa… Quer dizer… Não senti nada de mais mas a
lógica…
- Muito bem! Também notámos isso. A verdade é que já ligámos para a Rádio e a bolsa
também não ficou lá.
- Rádio? – Perguntou Marta sem perceber.
- Clara Madureira… O nome não lhe diz nada?
Marta afundou-se no sofá, atónita. – Não posso crer…

Postado por Touro Zentado às 19:01 27 comentários

Junho 2007 Abril 2007 Início


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- Espera. Dá-me tempo para me acalmar. Não estou habituado a estas emoções!

Marta olhava para ele ali, nervoso, assustado, mas havia mais alguma coisa. Algo que não
batia certo. Marta, recém sabedora das suas capacidades, prestou atenção ao que sentiu. Ia
falar com Mário quando o telemóvel tocou.

- Dr. Marta? Aqui fala a Inspectora Joana. Está recordada?

“Como podia esquecer”. Pensou Marta

- Sim, claro.

- Dr.Marta, lamento muito perturbá-la a esta hora mas o Inspector Mesquita pediu que viesse
connosco a um local.

- Quem? Eu saí daí ainda há pouco.

- O Inspector Francisco Mesquita. Foi-lhe impossível estar presente na reunião que tivemos de
tarde mas eu informei a doutora que o Inspector Mesquita é o responsável pela investigação.

- Isto não pode ficar para amanhã?

- Eu vou buscá-la a casa. É importante Dr. Marta. Existe a possibilidade de uma nova vitima.

Marta engoliu em seco. – Está bem. Fico à sua espera.


- A doutora que o nosso amigo nos indicou concordou em ir connosco.

O inspector Francisco riu-se.

- Porque não dizemos “Aqueles que não queremos mencionar”? Trate as pessoas pelo nome,
Joana.

- Quem diria? A nossa própria Allison Dubois! Continuou Francisco.

- Como?

- A Allison Dubois, é da série Medium… deixe lá, esqueça.

O Inspector Francisco já se tinha habituado a que não percebessem as suas fantásticas,


achava ele, tiradas. Francisco era um ávido leitor e um não menos ávido espectador de filmes e
séries. Quem trabalhava com ele já não se admirava quando Francisco comentava ou
comparava um crime ou outro assunto qualquer com frases, cenas e personagens fictícias.

Sendo um divorciado a chegar aos 35 anos, Francisco tinha o tempo fora da Judiciária só para
si. Não era muito dado a saídas e viagens, a não ser que o destino fosse a casa dos pais, e
como tal gastava o seu tempo naquilo que mais gostava, o mundo da ficção. “Preencher a
mente com estas histórias ajuda-me a reconstruir os quebra-cabeças que nos aparecem”,
costumava ele dizer.

- Ela não é médium – disse Joana – quer dizer, não sei! Sente as situações, o carácter das
pessoas, se a estão a enganar. O professor pode explicar-te melhor.

- Meu Deus! O estrago que ela podia fazer na Assembleia da Republica!

- Chefe – riu-se Joana – isto é a sério!

- Mas eu estou a falar a sério. – piscou-lhe o olho – Ok. Vamos lá!

- Mas eu não posso voltar para casa! – disse Mário pela, pelo que pareceu a Marta, a
centésima vez.

- Fala baixo. Eu não sou surda.

- Eu fico aqui à tua espera. Por favor Marta?

Já sem tempo para tentar chegar a qualquer outra solução, Marta concordou.

- Como está Doutora? Perguntou a Inspectora Joana já no interior do carro.

- Podia estar melhor. Este dia parece que não quer acabar!

- O Inspector Francisco foi directo para o local. Vai gostar dele. Já vi que a Doutora gosta de rir-
se e ao Inspector humor é que não falta!

“Que bom.” Pensou Marta “Só me faltava um palhaço.”

- Estamos a dirigir-nos para o local da investigação? Eu pensava que não me iria envolver
neste lado da questão.

- A situação mudou um bocado, complicou-se, e a possibilidade de uma quarta vitima acelerou


o processo.
- Inspectora? O Dr. Pedro vai estar no local?

- De-Desculpe? Gagegou Joana.

- O Dr. Pedro Madureira?

- Ele já lá está.

Marta ficou aliviada. Uma cara que podia chamar de familiar.

- Doutora. É melhora avisá-la. A vitima. É, era – corrigiu Joana – a esposa do Doutor Madureira.

O resto do caminho fez-lo calada. “A esposa do Doutor Madureira”, como é que ela não
percebeu que Pedro era casado. “Que raio de PES sou eu?”

Quando deu por ela já estava na casa de Pedro. A casa onde tinha estado dias antes. Olhou
em volta da sala em busca de pistas que lhe pudessem ter dito a real situação de Pedro. Viu
que não haviam fotos pessoais, apenas de paisagens e monumentos. Percebeu que a sala
podia ser de qualquer pessoa, não havia lá nada que a identificasse como sendo de um
homem solteiro ou casado. Apenas numa observação mais cuidada se perceberia que havia ali
um casal.

Foi até quarto. Ao olhar para aquela cena Marta não pode deixar de sorrir. Todos de toucas e
batas brancas, nada do ambiente de glamour e fatos Dolce&Gabana que se vê nos CSI.

- Não é como na TV, pois não.

A voz aveludada surgiu atrás dela. Mais uma vez Marta sorriu “deve ser outro PES”.

Marta virou-se, o seu olhar encontrou o olhos castanhos de Francisco. O olhar dele perturbou-
a. Isso poderia ser um mau sinal mas naquele momento soube-lhe muito bem.

- Não, realmente não!

- Eu sou o Inspector Mesquita. Muito prazer. Mas deixe estar que eu não fico nada atrás de
Horatio Cane!

- Também têm os óculos-de-sol?

Francisco não contava com a resposta mas ficou agradavelmente surpreendido.

- Claro! E até uma ou outra pérola de sabedoria.

Marta ia rir-se quando se apercebeu da presença de Pedro no quarto. A gargalhada calou-se.

Postado por Laudinha às 13:50


Sexta-feira, 4 de Maio de 2007

Capítulo XIII
Caminhava lentamente a respirar o ar fresco da noite. O corpo elástico e esguio seguia atento.
Apesar dos movimentos aparentemente descontraídos, estava preparado para se defender em
caso de ataque. De vez em quando estalava os dedos das mãos.
Levou a mão direita ao bolso e afagou o que se encontrava no interior. Tirou-o e cheirou. O
cabelo dela cheirava tão bem. Com a madeixa colada ao nariz, inspirava golfadas de ar como
se estivesse prestes a morrer. Aquele cheiro dava-lhe a volta à cabeça.
Abriu a porta do carro e sentou-se ao volante. Pousou a madeixa no outro banco e contemplou-
a. Tão bela, tão especial, tão cativante…

Tinha demorado a morrer. Debatera-se bem! Nunca pensou que ela fosse tão viva e tão
lutadora. Isto ainda lhe tinha agradado mais. Gostava quando elas davam luta! Ficava em
êxtase. Esta tinha sido das melhores.
Tinha sido apanhada desprevenida, mas tinha-se agarrado a ele com quantas forças tinha.
Cravara as unhas nas suas mãos. Agarrara-se à vida, como se agarraria a um precipício se
estivesse prestes a cair. Não lhe adiantou de muito! Mas tinha contribuído para o prazer da
caça.

Arrancou e tomou o caminho até casa. Fazia uma reconstituição da cena na sua cabeça.
Conseguia sentir aos mãos a apertar-lhe o pescoço. Aquele pescoço de garça, alto e fino.
Lindo. Sentia os cabelos a flutuar junto aos braços quando lhe mergulhou a cabeça na água. As
mãos dela cravadas nas suas. O medo, a agitação, o barulho da água a saltar. Estava em
êxtase de novo. Lembrava-se do último movimento, do último estertor de morte, e depois do
sossego. A paz. O silêncio. Fazia-o sentir-se tão bem!

Estacionou. Correu pelo quintal para entrar pela porta das traseiras. Quando deu por si, ia pelo
ar, a uma velocidade estonteante, até cair desamparado no chão. Tinha tropeçado. A mão
abriu-se e a madeixa saltou. Bateu com a cabeça no chão. Toda a euforia que sentia foi-lhe
sugada do corpo, ao mesmo tempo que o ar lhe saía dos pulmões. Ficou aturdido. Cabeça a
latejar. Mãos a tactear à procura da madeixa.
Foi-se arrastando até que finalmente a agarrou. Encontrava-se apenas a alguns centímetros do
corpo. Parou. Deixou de lutar. Durante uns segundos prestou atenção aos ruídos. Ouvia o seu
coração a bater. A sua respiração agora ofegante devido à queda, estava a começar a
estabilizar. Começou a levantar-se, tentando lutar contra as dores de cabeça. Estava tonto.
Agarrava ainda com mais força a madeixa na mão direita. Levou-a ao nariz e inspirou o mais
profundamente que conseguiu.

Avançou em direcção à porta. Ao longe ouviam-se as corujas a piar freneticamente. Adorava


corujas. Também ele era um caçador. Também ele voltava a casa depois de uma noite a caçar.
Inspirou o ar da noite e agarrou a madeixa com mais força. Entrou esboçando um sorriso,
enquanto as corujas continuavam a piar.

Postado por Miss Alcor às 13:29


Domingo, 6 de Maio de 2007

Capítulo XIV
Desce pelo elevador do prédio de apartamentos onde habitava a ex-mulher. Os seus olhos
estão vermelhos. Quase não consegue evitar as lágrimas.
Apesar de já não existirem praticamente nenhumas ligações sentimentais ou afectivas com
Clara, não desejava que aquilo lhe tivesse acontecido. Por momentos pensou na aflição que a
ex-mulher certamente teria sentido. Arrepiou-se.
Ao sair para a rua apercebe-se do aparato em redor do prédio: vários carros estacionados e
gente de um lado para o outro com aparelhos esquisitos na mão. Afinal aquele apartamento era
o local onde tinha ocorrido um crime. Disso já não restavam dúvidas.
Respira fundo e olha para o céu estrelado, sentindo-se, pela primeira vez, realmente assustado
com o desenrolar dos acontecimentos.
Mas não podia fraquejar e aquele era o momento de começar a agir. Tinha ainda de passar por
casa e mudar de roupa. Iria precisar de vestes mais escuras do que as que trazia consigo.
Ao chegar a sua casa dirige-se imediatamente ao quarto para mudar de roupa. Sabia que não
podia demorar muito tempo.
Pega nas chaves do carro, no telemóvel e no casaco de cabedal preto. Sai de casa quase a
correr.
O toque do seu telemóvel, auxiliado pelo efeito vibratório, chama a atenção de Pedro. Alguém
está a ligar-lhe.
“Sim” atende com uma voz ofegante e decidida, enquanto atravessa o pequeno jardim de sua
casa em direcção ao seu carro que estava estacionado na berma da estrada.
“Sou eu” uma voz responde do outro lado. “Estou à tua espera no local combinado”.
“Óptimo. Vou já a caminho.” Pedro estava já dentro do carro com as chaves na ignição.
“Aproveita e bebe um café. Vais precisar. A noite vai ser longa”.
Assim que desliga abruptamente o telemóvel, marca outro número, coloca o aparelho colado
ao ouvido e arranca com o carro.
Do outro lado, atende um velho conhecido:
“Sim Pedro. Já tens alguma novidade?” A voz de Bernardo parecia ainda mais ansiosa do que
da última vez que falaram.
“Não, ainda não. Vou agora para lá.”
“Ok Pedro. Mas tem cuidado” adverte-o “Não sabemos o que vais encontrar lá…”.
“Não te preocupes. Não vou sozinho” responde-lhe com o intuito de o tranquilizar, mas não
surte efeito nenhum. Bernardo estava muito nervoso.
“As informações que te dei… já as partilhaste com a Marta?”
“Não Bernardo. Ainda não” Responde. “Não a quero colocar em risco” Faz uma pausa breve
para pensar no belo rosto da mulher que prendia todas as suas atenções e pela qual estava a
arriscar, quem sabe, a própria vida…”Quando eu sentir que ela está preparada, conto-lhe tudo”.
“Certo. Mais uma vez Pedro… tem cuidado” Disse realmente preocupado com o amigo “Se te
acontecer algo nunca me irei perdoar”.
“Não vai acontecer nada. Eu depois ligo-te”. Desliga e olha para o relógio. Já passava da meia-
noite. Ainda tinha de fazer cerca de 16 km de estrada até à vila de Mafra.

O Convento de Mafra é o grande símbolo histórico da antiga vila de Mafra. É o mais importante
monumento do barroco português. Pedro olha para a sua direita e aprecia a beleza da sua
fachada que se estende simetricamente ao longo de cerca de 200 metros, com a Basílica ao
meio e o Palácio e o Mosteiro situados lateralmente. A esta hora da noite, a iluminação exterior
confere ao monumento uma beleza ímpar. Quase não se vê ninguém nas ruas.
Pedro sorri por momentos, pois lembrava-se das inúmeras lendas que o pai costumava lhe
contar quando era menino acerca do convento: “Sabes filho, nos subterrâneos do Palácio
existem ratazanas enormes capazes de comer pessoas!”, para logo de seguida acrescentar
“Mas há mais Pedro! Existe um túnel secreto que liga o Convento de Mafra à Ericeira. Só o Rei
e a Rainha o utilizavam!” Aquelas memórias invadiram a mente de Pedro como um flash.
Pedro esboça um último sorriso e vira à esquerda para a Avenida 25 de Abril. Vai em direcção à
Praça do Município.
Estaciona mesmo em frente da Câmara Municipal. No largo já estava alguém à sua espera.
Sai do carro e dirige-se para essa pessoa com um rasgado sorriso, visivelmente satisfeito por a
ver.
“Diogo!”
“Mano!” corresponde o irmão ao mesmo tempo que o abraça com força e lhe dá umas valentes
palmadas nas costas.
Diogo Madureira era irmão gémeo de Pedro. Solteiro e bom rapaz. Ao contrário do irmão,
decidira não fazer a vontade ao pai e foi estudar Psicologia Aplicada para o Instituto Superior
de Psicologia Aplicada (ISPA), em Lisboa.
Concluiu o curso em 1994, com a média final de 16 valores. Ao fim e ao cabo, o pai até tinha
ficado orgulhoso dele.
“Obrigado por teres vindo” disse Pedro olhando-o nos olhos.
“Como não podia ter vindo, Pedro?” respondeu-lhe entusiasmado “Depois de tudo o que me
contaste!”.
“Sim, claro”.
“Pedro… sinto muito pela Clara” disse com num tom sério “Ela era uma boa mulher”.
“Sim… era” Respondeu com uma certa nostalgia “Obrigado”.
“Já sabem quem foi?”
“Não. Ainda não. Estão a iniciar neste momento as investigações. Deixei a Polícia Judiciária no
apartamento dela à procura de pistas ou provas. Espero poder ajudar a descobrir alguma coisa
ainda hoje.”
“Então vamos”
“Deixa aqui o teu carro. Vamos no meu” disse Pedro e retira um papel amarrotado do bolso e
analisa-o com detalhe.
“O que é isso?” pergunta Diogo intrigado.
“Isto mano, é um mapa que o Bernardo me enviou esta manhã por e-mail. Mas vamos, eu no
caminho conto-te tudo. Ainda temos de percorrer, segundo a indicação deste mapa, cerca de
11 km.”
Pedro conduzia, ao contrário do que era habitual, a uma velocidade normal, nem depressa nem
devagar. Não queria levantar qualquer tipo de suspeita. Sabia o que estava a fazer.
Ao seu lado estava a única pessoa em quem Pedro realmente confiava. Os dois irmãos sempre
foram muito ligados. A essa ligação muito próxima não era alheio o facto de serem gémeos.
Abre o porta-luvas, pega numa capa de plástico contendo os documentos anexos ao e-mail que
Bernardo lhe enviara e entrega-o a Diogo.
“O que é isto?” pergunta ele.
“Como te contei ao telefone, o Bernardo viajou até Barcelona. O intuito da viagem foi o de
estabelecer contacto com Ramon Granés, um empresário da cortiça com ligações familiares e
empresariais a Portugal”
“Continua” Respondeu Diogo, sem tirar os olhos dos documentos.
“No século XIX, algumas famílias espanholas, sobretudo catalãs, deslocaram-se para região de
Évora e espalharam-se por todo o distrito - Estremoz, Borba, Vila Viçosa, Alandroal, Mourão… -
onde se empregaram na indústria corticeira. Alguns dos seus descendentes tornaram-se nos
maiores industriais corticeiros do Alentejo”.
Diogo escuta com atenção e apercebe-se que estão inscritos nas folhas do e-mail imprimidas
pelo irmão alguns nomes de pessoas. Eram, na sua maioria, homens.
“Esta lista de nomes diz respeito a essas famílias?” pergunta Diogo.
“A lista foi fornecida pelo Sr. Granés ao Bernardo. É um conjunto de registos de trabalhadores
empregados em Portugal que a empresa dele fez ao longo do século XX”.
“Mas o que tem ver esta lista de nomes e estas famílias com os crimes que estão a ocorrer? E
onde entra a tal Marta no meio desta história toda?”
“O Sr. Granés contou uma história antiga de família ao Bernardo. Parece que houve uma
grande desavença entre o avô dele e um irmão, por causa de um segredo importante…”
“Que segredo?”
“Parece que o tal irmão do avô do Sr. Granés pertencia a uma antiga seita ibérica oriunda do
século XVII, que se dedicava ao culto de uma suposta Deusa da Lua Ibérica”.
“Mas que raio?! Que Deusa da Lua é essa que eu nunca ouvi falar?!”
“Perguntas bem mano, mas eu não faço a mínima ideia” respondeu Pedro sem tirar os olhos da
estrada. “Repara aí num nome que está na terceira página. Joaquim Cristóvão Vieira…”
“Ora Joaquim… Joaquim… Joaquim…” Diogo percorria os nomes na lista com o dedo indicador
“Ah! Encontrei!” disse Diogo num tom excitado “Quem é?”
“Era o avô da Marta Vieira”
“A sério?! Ena pá! Mas o que faz ele aqui na lista?”
“Segundo o que o Bernardo apurou, o avô da Marta era um oficial do exército português que
antes de entrar para a vida militar trabalhou desde os 9 anos na empresa de exploração de
cortiça do avô do Sr. Ramon Granés.”
“Sim, mas e daí?”
“O Major Vieira, deixou o exército em 1946 para ingressar na PIDE - Polícia Internacional e de
Defesa do Estado” e prosseguiu “Para além de ser um PIDE, foi o grande impulsionador desta
seita em Portugal nos finais dos anos 50, ressuscitando-a e desenvolvendo-a, ao ponto de
estabelecer ligações com o Estado Novo e mantendo contactos permanentes e directos com
todas as casas da seita espalhadas por toda a Península Ibérica.
“Uau! O tipo era lixado.” Disse Diogo em tom de brincadeira.
“Diogo, o Major ergueu ao todo cinco Templos da seita em Portugal” disse como que a revelar
algo de sinistro “Todos camuflados por Quintas, de norte a sul do país. Parece que ainda estão
activos e dedicam-se ao ocultismo e ao esoterismo, mas com um marcado sectarismo,
intolerante e intransigente” Fez uma pausa e acrescentou “Tudo leva a crer que estão
envolvidos nestes crimes…” Outra pausa “Não sei é o motivo.”
“Esta seita chama-se a GRANDE LUA IBÉRICA?” pergunta Diogo ao ler a designação numas
das folhas.
“Parece que sim.”
“E que mapa é esse que tens contigo?”
“É o mapa da localização do terceiro templo da Grande Lua Ibérica em Portugal” respondeu
Pedro ao mesmo tempo que sai da estrada e mete por um caminho de terra batida. “Estamos
quase a chegar”. Desliga as luzes do carro.
Avança cerca de 250 metros e decide parar o veículo.
“Vamos, a Quinta é já ali à frente”
Pedro e Diogo dirigem-se a um grande portão gradeado, cumeado por flechas de ferro forjado
preto. Pedro acerca-se do portão e verifica que possui um sistema de abertura digital.
Curiosamente e para seu alívio confirma que não existem câmaras de segurança a vigiar os
intrusos. Olha em redor a perscrutar atentamente, mas não vê ninguém. A zona é isolada e
pouco iluminada. Deserta.
Em volta estende-se um muro de pedra cuidadosamente construído, mas não muito alto. Tem
cerca de três metros de altura.
Pedro vai buscar uma velha caixa de madeira que tinha visto no caminho e vira-se para o irmão
“Diogo, fica aqui a ver se ouves alguma coisa. Eu volto já”
Regressa dois minutos depois com a caixa na mão e coloca-a junto ao muro. “Diogo, vou
entrar. Tu ficas aqui. Se eu não voltar dentro de trinta minutos, ligas para este número” e
entrega-lhe o telemóvel “É o inspector Mesquita e é ele quem conduz as investigações”.
“Espera Pedro, eu vou contigo!”
“Não mano. Eu vou sozinho. Não sabemos o que está ali dentro ou quem está a habitar a
Quinta”. Coloca a mão no ombro do irmão, gesto típico dele e sorri confiante “Vai correr tudo
bem”
“Ok. Toma cuidado”.
Sem perder mais tempo, Pedro sobe para a caixa e pula de uma forma atlética para cima do
muro, colocando uma perna de cada lado. Olha atentamente para a luz de uma janela ao
fundo, quase encoberta pela imensa escuridão da noite. Ouvia o som de corujas ao longe. Ou
seriam mochos? Pedro não sabia bem.
Respira fundo e salta para o desconhecido.

Postado por Paulo às 11:09


Quarta-feira, 9 de Maio de 2007

Capítulo XV
O motorista do táxi estava entretido a falar sobre o penalti que tinha sido marcado contra o
Benfica na noite anterior, mas Bernardo não gostava de futebol. Nunca tinha gostado. Sua
paixão era a pesca desde o dia em que o seu pai o levara pela primeira vez a pescar no Tejo.
Tinha apenas 5 anos e mal conseguia segurar na cana para puxar os peixes.
Nasceu em Vila Nova da Barquinha, em 1960. Sua família nunca teve muitas condições. Na
maior parte da sua vida só ele e a mãe estavam em casa, pois o pai tinha ido para a guerra em
1970 e nunca mais voltara. Cedo ele teve que se tornar no homem da casa.
Sempre fora muito inteligente. Na escola já pensava que um dia seria alguém importante. Não
sabia como chegaria lá, mas a sua ambição e a sua perseverança nunca o abandonariam.
Em 1987 entrou para a universidade em Lisboa. Toda a sua família tinha orgulho dele. Tinha
escolhido Direito, pois era aquilo que o seu pai sonhava que ele estudasse, mas sabia que
aquele curso não seria o suficiente para o ajudar a conquistar os seus objectivos. Sim, porque
nesta altura já sabia o quais eram os seus objectivos de vida.
O curso foi útil, pois conheceu algumas pessoas influentes. Desde que lera “O Príncipe”, de
Maquiavel, percebera que nesta vida é preciso usar em nosso benefício o que as pessoas têm
de melhor. Acreditava que só os ambiciosos triunfam.
No mesmo ano em que sua mãe morreu e Bernardo acabou o curso de Direito, ingressou no
segundo curso. Estava cada vez mais obcecado com o seu plano, e a Economia o ajudaria a
perceber melhor o universo financeiro. Seria essencial. Nas suas horas vagas devorava leis
que seriam úteis para fundar a sua associação de ajuda principalmente a pessoas
desempregadas ou desocupadas. Seria fácil ser visto como uma pessoas que pensa no bem
comum.
Mas agora Bernardo estava quieto, absorvido pelos seus pensamentos. Aquele era o último
passo antes de chegar onde sempre sonhara estar. Era o começo de uma nova vida.

“Pedro?”
“Bernardo, meu grande amigo. ‘Tás bom?”
“Tudo bem. Hoje é o dia. Podes passar no escritório?”
“Claro! Mas ela vai estar lá?”
“Vou dizer-lhe que vais passar por lá na hora do almoço. Ela fica à tua espera.”
“Ligas-me quando chegares?”
“Ok”
Pedro era seu amigo desde a época em que estudaram Direito juntos. Eram muito diferentes.
Pedro tinha pais ricos, e talvez por isso não tivesse grandes ambições para o futuro. Sabia que
quando acabasse o curso teria um emprego garantido na firma do pai. Bernardo sabia que um
dia ele poderia ser-lhe útil.

Saiu do táxi com a sua mala de mão, a mala do portátil, e o jornal debaixo do braço. Pelo
menos por enquanto não precisaria de muito mais do que isso. E quando precisasse, poderia
comprar tudo novo.
Parou num daqueles cogumelos que os aeroportos têm agora para os fumadores. Não gostava
de se sentir excluído e não gostava de ter que fumar ali, mas hoje não tinha cabeça para
pensar sobre a injustiça dos cogumelos.
Acendeu um cigarro e abriu o jornal, mas não conseguia estar com atenção. Folheava as
páginas, mas a sua cabeça estava noutro lugar. Entretanto, passou os olhos por uma frase que
o fez pensar: “Nesta busca incessante pelo mundo, às vezes deixamos escapar aquilo que se
encontra mesmo debaixo dos nossos olhos.” Pensou na Marta, seu braço direito. Ela
acreditaria no que Pedro tinha para lhe dizer?
Desde os tempos do curso de Economia, onde se conheceram, Bernardo sabia que Marta tinha
uma capacidade fora do normal de “avaliar” as situações e prever alguns acontecimentos. Ela
não se apercebia (ou não acreditava), mas já tinha salvo a sua vida pelo menos uma vez.
Marta ajudou-o a fundar a Associação Nacional do Direito ao Crédito e a implementar o
microcrédito em Portugal. Ela o respeitava, e nunca soube quais eram os reais objectivos de
Bernardo com aquela associação. Mas para isto ele teve que viver como uma pessoa honesta
e altruísta. O plano estava todo dentro da sua cabeça. Bastava que ele seguisse, com calma,
os passos que tinha friamente calculado.
“Estou?”
“Marta, tem o telemóvel desligado!” Detestava quando ela fazia isso. Nos momentos mais
importantes estava incontactável, e ele que ficasse atrás dela.
“Desculpe, Bernardo. O meu telemóvel ficou sem bateria e está a carregar.” Parecia sentir-se
culpada, e isso já bastava para que Bernardo ficasse satisfeito. Talvez assim aprendesse.
“Marta, ontem à noite deixei na gaveta da minha secretária um envelope fechado. Vai passar aí
no escritório uma pessoa, um homem, antes da hora do almoço, para o ir buscar.” Ouvia-se
uma avião a descolar. “Faça-me o favor de lho entregar.” Meses antes tinha lhe confiado as
chaves de todas as suas gavetas. Sabia que um dia podia ser necessário.
“Sim, Bernardo”. Ela sentia-se importante, de confiança. Isso era importante para que agisse
como ele esperava.
“Só mais uma coisa, Marta.” Este homem que lhe falei chama-se Pedro e para além de ir
buscar esse envelope vai entregar-lhe um dossier confidencial.” Esta história do dossier tinha
inventado agora. Queria deixá-la curiosa. Não queria que ela se sentisse tentada a ir almoçar
sem falar com Pedro. “Percebeu?”
“Certo, Bernardo. Faça uma boa viagem”. Ela pensava que ele ia embarcar para Dhaka, como
tinha feito em todos os anos anteriores, mas desta vez ele tinha um destino muito mais
atractivo. Não teria mais de aturar os presidentes de associações de microcrédito. Nunca mais!

Agora era só esperar.


Pegou nas suas coisas e foi comprar a passagem. Já só havia lugares na primeira classe, mas
naquele momento ele só pensava em embarcar. Tirou algumas notas de 100€ da carteira,
pagou e foi fazer o check-in. Estaria no ar em menos de uma hora. Fora de Portugal estaria
seguro.

Chegou a Barcelona ainda não eram 15h. Já tinha saudades daquela cidade. Era irreverente,
colorida, aconchegante. Gostava de poder morar ali, mas isso era impossível, pois ali poderia
facilmente ser encontrado.
Instalou-se num studio que havia arrendado pela Internet. Não era luxuoso, mas a localização
era excelente. Ficava no Passeig Gracia, perto da Praça da Catalunha e das Ramblas. Ali tinha
tudo o que precisava, e todas as noites poderia ver da sua varanda a Casa Batlló iluminada. A
iluminação parecia torná-la ainda mais bela e colorida.
Naquela altura Pedro já tinha conversado com Marta. Já lhe tinha contado toda aquela história
sobre ele, Bernardo, ser um viciado em jogo que tinha entrado em negócios ilícitos. Achava até
piada. Quando seria ele estúpido o suficiente para se meter com os ciganos? Não. Ele queria
mais. E sabia como chegar lá.
A ideia tinha sido de Pedro, é claro. “Até custa a acreditar que a Marta vá demorar mais do que
10 minutos para saber que essa história é falsa.”, pensou alto. Às vezes ele falava sozinho. Se
calhar era por ter sido sempre assim. Sozinho.
Ela demorou um dia. Talvez Pedro tivesse sido mesmo convincente, ou talvez ela estivesse tão
“ocupada” a olhar para os seus belos olhos verdes que preferiu não ouvir a sua intuição. Mas
acabou por chegar lá.
Ainda tinha falado com Pedro algumas vezes por telemóvel na frente de Marta para que a
história fosse mais convincente. “Pedro deve estar a adorar isso tudo. É bom, porque assim
também ele se distrai.” Tinha-lhe dito que ia estar em Barcelona depois do encontro em Dhaka
e que voltaria para Portugal em breve.
Já há alguns meses Bernardo tinha começado a elaborar uma estratégia para distrair Marta.
Ela não podia desconfiar. Lembrou-se que o seu amigo Pedro por acaso até conhecia algumas
pessoas que trabalhavam na Judite, e perguntou-lhe se não estaria interessado em apresentar
uma pessoa com PES aos investigadores. Adorou a ideia. Até já começara a “fazer um filme”
sobre como Marta poderia descobrir milhares de criminosos e ficar muito famosa.
Pedro era mesmo assim. Às vezes até parecia viver num outro mundo em que só existiam
séries de televisão, livros do Dan Brown e teorias da conspiração. Ficaria tão empolgado com a
sua participação naquilo que chamava de “conto policial” que não pararia para pensar nas
verdadeiras intenções do amigo.
Bernardo tinha certeza de que Marta adoraria fazer algo mais empolgante do que ficar
cinquenta horas por semana trancada naquele escritório. Talvez ela até se sentisse “realizada”.

Adorava ir para o Park Güell no fim da tarde e ver a cidade enquanto tomava um frapuccino de
chocolate da Starbucks. Era um dos pequenos prazeres que ia lhe custar deixar para trás.
O telemóvel tocou. Era Diogo Madureira, irmão de Pedro. Tinha telefonado para a dizer que a
Clara tinha morrido e que Pedro estava a precisar de algum apoio. Bernardo, como bom amigo,
poderia tentar falar com ele e oferecer uma palavra de conforto. Mas ele só conseguia pensar
que aquela era uma óptima oportunidade para tirar Pedro de cena. Pedro andava a desconfiar
da demora de Bernardo a voltar para Portugal.
“Acho que a melhor coisa é pedir ajuda ao Dan Brown.”, ironizou. Pedro havia lhe oferecido o
livro “Código da Vinci” no último Natal, mas Bernardo não era um grande apreciador deste tipo
de escrita. Preferia ler filósofos como Hobbes e Maquiavel, que viam a natureza humana como
ela realmente é.
Foi à biblioteca pública e pediu para consultar o tal livro. Nem precisou ler muito para que a sua
criatividade começasse a trabalhar. Pedro era Robert Langdon, e Marta poderia ajudá-lo e ser
uma espécie de Sophie Neveu. “Que grande dupla!”, pensou. Bernardo sentia-se extasiado
com as suas ideias.
Precisava de um mapa que ajudasse Pedro “Langdon” Madureira a desvendar o mistério. Já
estava mesmo a ver Pedro a percorrer as ruas escuras de uma vila no seu Smart. Mas antes
precisava de uma história!
Passou a noite a escrever um enredo no seu portátil. Iria pôr a sua capacidade criativa à prova.
Tinha que falar com Pedro logo pela manhã e enviar o “mapa do tesouro”. “Mas qual seria esse
tesouro? O assassino da Clara, talvez. Não será muito mórbido? Talvez ela seja a única pessoa
na cabeça de Pedro neste momento.”, pensava.
Talvez aquela fosse a única forma de unir Pedro e Marta numa “caçada” e distrair as atenções
dos dois. Faria com que aquele mapa desse numa quinta. Ela ficava perto de uma floresta
numa zona quase deserta, e o portão tinha flechas de ferro forjado preto, e aquilo poderia
despertar a curiosidade de Pedro. Os mochos e a escuridão dariam o toque final naquele
cenário misterioso. Seria o local de um dos templos da seita da Grande Lua Ibérica. “Que
grande nome! Que grande ideia, Bernardo!”. Sentia-se um génio.
A quinta era de um velho conhecido. Ele tinha apenas a companhia dos cães de guarda. As
pessoas das aldeias em volta costumavam até dizer que era uma quinta assombrada! Serviria
para perderem ali uma noite e ficarem mais uns dias às voltas desse assunto.
Mas Bernardo só precisava distraí-los por mais dois dias. Passaria na Suíça e depois ele
estaria bem longe com todo aquele dinheiro. Tão longe que ninguém o poderia encontrar. E
teria tudo aquilo com que sempre sonhou!

Postado por nathalia às 22:23


Capítulo XVI

... César queria morrer ali.

Ao receber aquela "monstruosa" noticia da morte de Clara, o mundo pareceu cair sobre ele, e
naquele instante revelou não possuir força nem vontade para se manter vivo.
Não queria acreditar. O amor da sua vida, como ele gostava de pensar, tinha dado entrada no
mundo dos mortos, e ele nunca teve a coragem necessária para lhe dizer cara-a-cara aquilo
que realmente sentia por ela. César nunca se iria perdoar por tal.

Só queria estar só. Frágil, resolveu correr com um destino definido: o topo do edífico da rádio. A
rádio onde conhecera e desenvolvera a sua paixão por Clara. A sua vida acabara de se
desmoronar e ali à sua frente só o abismo.
César estava agora no parapeito do edificío, e de todos os lugares do mundo, aquele pareceu-
lhe o sitio mais "acolhedor" para a sua grande dôr.
A respiração era ofegante. As lâgrimas pareciam pequenos rios que se alastravam pelo rosto.
O bater do coração era imponente.
César fecha os olhos e ergue os braços como de asas se tratasse. Estaria ele com intenção de
pôr término à sua própria vida? Estaria apenas a sentir a leve brisa que se fazia sentir daquele
alto? Ou esperava que algum anjo o levasse para bem longe?

Com apenas 13 anos, César enfrentou a dura realidade de perder o pai num acidente de
viação e por momentos estava a reviver esse trágico momento que mudara a sua vida para
sempre.
Mas desta vez era diferente. Era a sua grande paixão. O seu amor impossível, como dizia
muitas vezes. Agora sim era impossivél...
E naquele preciso momento e num acto de raiva enorme tentou o salto dali para fora. Mas algo
o impediu...
O seu telemóvel vibrou uns milésimos de segundo antes de tentar o salto, o que o impediu de
pôr fim à sua vida.
"Fui salvo por uma sms", disse ironicamente com um largo e choroso sorriso.

Resolveu então sentar-se, ganhar um pouco de fôlego e ler a sms que acabara de salvar a sua
vida.
César decide então ler. A mensagem era de remetente anônimo:

"Sei quem tu és. Será que sabes quem eu sou??


Ela gritou o teu nome...!!!"

Por momentos a morte de Clara caiu no esquecimento. Havia neste momento algo a passar-se
de muito estranho e que César não compreendia. "Será que foi engano?", pensava ele em voz
alta.
Voltou a ler, mas nada fazia sentido. Não havia qualquer indicio de que mensagem tenha sido
enviada propositadamente para ele.
O telemóvel vibra outra vez. Nova sms... Novamente anônima.

"... César. César."

O telemóvel cai. Estava assustado!!! Se tudo até agora lhe parecia o fim do mundo, agora
estava em plenas trevas. Era tudo demasiado irreal para estar a acontecer no mesmo dia.
César fica sem saber o que fazer. Não se conseguia concentrar. O suor imanava por todo o seu
corpo.

Do chão o telemóvel volta a vibrar. Desta vez era uma chamada da recepção da rádio. César
atende.
"César?", pergunta a recepcionista.
"Sim é César", responde com um tom agastado e triste.
"Estão aqui em baixo uns senhores da judiciária para falar consigo"...
Postado por Corduroy às 14:54
Terça-feira, 15 de Maio de 2007

Capítulo XVII
Verónica estava sentada na cadeira de Bernardo. Fazia rodopiar a cadeira com alguma
velocidade dano impulso com os pés por onde calhava. Ora se apoiava na secretária, ora na
parede, fazendo os seus caracóis ruivos baloiçar alegremente. Ao mesmo tempo seus dedos
brincavam com o telemóvel. Fazia-o girar como se tratasse de uma carta de jogar. Por acaso
no visor estava o símbolo do Ás de espadas.
Levanta-se nervosa. “ Mas que gaita!” – dizia. Olhava mais uma vez o telemóvel. Aproximou-se
da janela. Espreitou lá para fora… para nada.
Quando Verónica olhava para o telemóvel como um gato à caça, este vibrou. “PORRA!” - O
susto foi tão grande que o Nokia saltou das mãos. Ela ainda tentou apanha-lo no ar, mas por
duas vezes ele escapou e foi direito ao chão.
Verónica num acto de desespero baixa-se, mas ao fazer tal avança com o pé, pontapeando o
telefone para debaixo da secretária ao mesmo tempo que sente uma dor fortíssima na testa de
tal modo que cai par trás:
“MERDA!” – sacode a cabeça tentando perceber o que tinha acontecido e vê que tinha se
esquecido de fechar a gaveta de onde tirou o telemóvel da empresa. Este tocava debaixo da
secretária a música de Lionel Richie.

“Hello! Is it me you're looking for?”

“Merda de música! - ESTOU!? Espera só um bocadinho. Deixa-me sair daqui debaixo da


secretaria.- NÃO INTERESSA! – O que interessa é saber se fizeste o que te pagaram para
fazer?” – Verónica senta-se na cadeira de Bernardo esfregando a cabeça, pois um alto
começava a aparecer.
“SIM! E o Mário? Que fez? … Fugiu pelas traseiras?... Foi para onde? MARTA? Esta agora!” –
Levanta-se vai ao mini frigorifico e tira uma cerveja. Coloca a garrafa na testa.
“AAAAH! Que bom!... HÃN!?... Tens alguma coisa a ver com isso? Não querem lá ver!? – Vá ,
vá! Vai mantendo o Mário debaixo de olho. Faz de tudo para ele não vir aqui. Hoje e amanhã!
… Está bem! Pagamos o resto depois. Té logo! Vai dizendo coisas.” – desliga – Estúpido!”
Verónica vira-se para o computador. Abre o Skipe e marca um número preestabelecido. Poisa a
garrafa e olha para ela como se agora o interior fosse mais apetecível que o frio do vidro.
“Estou? Bernardo… oops Desculpa! Sim sem nomes! Já está. Podemos fazer o resto. Vai
demorar. Tenho medo.”
Neste momento, Verónica começa a sentir-se desconfortável. Sente um calor nas mãos que as
faz transpirar. O telefone voip vai mudando nervoamente de mão.
“Olha! E eu? Quando vou ter contigo? … 3 dias… e onde? … E espero lá por ti? … Chegas
quando?”
A boca parecia cortiça.
“Eu não acho nada saudável fazer isto aos Russos… pronto! Está bem! Desculpa! Eu não digo
mais nada! … mas tenho tanto medo!... Eu sei!... SIM! ISSO! Milionária!.. SIM!...vá então! Um
beijo.”
Desliga.
Verónica inspira fundo. Sorri, mas logo a seguir fica como se soubesse que podia ser o último
sorriso.
Abana a cabeça como se tentasse sacudir o pensamento. Dirige-se ao mini-bar para tirar um
descapsulador.
“PSSST!” – salta a carica.
“Podes abrir uma para mim?”
“AAAAAAAAAAAAAAAAAHH!!” – Verónica dá um grito atirando a garrafa pelo ar. Esta vai para
directamente à mão de alguém que não estava ali ainda à pouco.
“P-P-P-Pedro?” – balbucia Verónica.
“SIM! Pedro! O caça gambozinos!”
“Desculpa?”
“Não desculpo! Que queres? Tenho este feitio!”
Verónica procurava desesperadamente um sítio para se encostar. Acaba por se sentar em cima
da secretária. Pedro bebia de uma assentada meia Carlsberg. Mete a mão no bolso e tira um
mini gravador digital.
“Sabes o que é isto?” – Verónica ia abrir a boca – “Não digas! Isto é um minigravador que
comprei no LIDL que me ajuda muitas vezes quando tenho que falar com os clientes, para mais
tarde preparar os meus casos. E sabes que mais? Hoje voltou a ajudar-me!”

Pedro senta-se na cadeira de Bernardo. Coloca-se na pose o mais feminina que sabia e liga o
aparelho!”
“Estou? Bernardo… oops Desculpa! Sim sem nomes! Já está. Podemos fazer o resto. Vai
demorar. Tenho medo.”
Pedro desliga o aparelho e olha para Verónica com ar de gozo. Esta estava branca.
“ MEDO! MUITO MEDO! Quer ir fazer xixi, antes que faça aqui?”
“ Eu… eu… eu…”
“Sim! Pelo que percebi! Tu e o senhor Bernardo!... Pelo menos! Conta lá então!”
“ Eu não tenho nada a dizer!”
“Não!? … Bom! Então não tenho nada a fazer aqui. Desculpa o incómodo! Vou-me embora!”
“ Sim é melhor!”
Indo directo à porta de saída - “ Só mais um coisa… qual é o número da policia local?... Deixa
eu ligo para o 112. Eles depois dizem-me!”
Verónica, corre e segura-o por um braço.
“Espera!”
“Espero eeee?”
“Eeeee… não contes a ninguém!”
“Porque…”
“Porque… tenho medo!”
“Espera! Outra vez medo! Olha! Estou a perder a paciência!| Ou contas depressa o que se
passa ou a policia vai ficar muito contente em conhecer o meu papagaio.”
“Eu... eu… eu… - derrotada – eu conto!”
“Marta está envolvida?”
“Não! Bernardo aproveitou a deixa dos assassínios para colocar fora de acção Marta o tempo
suficiente para …!”
“OS QUÊ!? – Pedro sentiu o sangue a ferver – ISTO É DE LOUCOS! – tentando-se controlar -
Isto ainda vai ser melhor. Espera aí! Tenho um telefonema para fazer!”
“Para quem?”
“Não tenhas… MEDO! – Estou? Podes vir aqui à empresa? Tenho uma surpresa.”

...

Marta entra no escritório de Bernardo. Estavam lá duas caras suas conhecidas. Verónica a sua
colega que Marta sempre achou meio desaparafusada e Pedro com uma cara como se tivesse
descoberto o assassino da esposa.
“ Que se passa?”
“ Aqui a senhora ruivinha e o nosso GRANDE amigo Bernardo, pelo que percebi, andam a
tramar alguma tão pequena que até esta noite foi à caça de gambozinos a uma quinta onde
vive um velho amigo das pescas de Bernardo e 3 malditos cães que me puseram acorrer como
nunca corri na vida!”
“ HEM?” – as sobrancelhas de Marta levantaram ao mesmo tempo que os olhos se
esbugalhavam.
“ Pois é! O senhor Doutor Bernardo não é quem nós pensamos. Não é senhora Verónica? Quer
continuar ou posso tentar adivinhar!”
“Sim! – Verónica falava baixo. Marta nem conseguia dizer nada. – A ideia era tirar Marta e o
Mário daqui. Surgiu a oportunidade com a história dos assassínios em série. Bernardo usava
Pedro para levar Marta a ajudar a Judite nos casos, afastando-a por uns tempos. E Mário seria
mais fácil. Basta sentir-se seguido. Vigiado e tão depressa não viria aqui. Parece que Marta
tem qualquer coisa nos pés. Não percebi o que isso podia ajudar a polícia.”
“ PARA QUÊ? ESTOU-ME QUASE A PASSAR!” – Quase faltou a voz a Marta com o grito.
“Diz-me Marta. De onde é que achas que surgiu o dinheiro para começar esta empresa?” – diz
Verónica.
“ Bem! Agora que falas nisso… nunca perguntei. A empresa não era minha. Sou uma
empregada . Não sei…”
“Pois! Mas de certeza que não era de herança nem do trabalho de Bernardo, não é!?”
“… pois! Talvez…!”
“Então donde?” – Pergunta Pedro mexendo-se e contorcendo-se na cadeira de Bernardo como
se estivesse cheio de formigas.
“Russo…”
"... mas a Associação!?" - Pergunta Marta.
"Banco Russo... Mafia Russa... percebes!?"
“FODA-SE! A gravação…” - Pedro enquanto procurava o trecho no aparelho olhou de soslaio
para Marta, meio envergonhado pelo palavrão.
Ouviu-se então:
“…Eu não acho nada saudável fazer isto aos Russos… pronto! Está bem!...”

“AAAAAHHHH! “ - Disse Pedro triunfante.


“O que é isso?” – pergunta Marta.
“ Uma sorte do caraças, quando vinha pedir explicações acerca de ontem me terem mandado à
caça de um tesouro que não existia, à procura de pistas acerca do assassino da Clara, numa
quinta onde deveria ser uma sede de uma seita qualquer. Esquece!”
“ E apanhaste laranjas quando pensavas que eram limões! BOA! - Estou muito desiludida
contigo Verónica. Com Bernardo então até estou de rastos!”
“ E acaba lá com isso. Qual é a ideia?”
“ Os Russos querem que as empresa com que trabalhamos sejam pressionadas a trabalhar
para eles.”
“ Eeee…?” – Pergunta Pedro.
“ Porque se não fizéssemos isso tiravam-nos o apoio. Ficávamos com nada. Se fizéssemos,
caso fosse descoberto, quem se lixava éramos nós!”
“ Quer dizer aquela história parva do ciganos, do vício, do dinheiro, tinha uma ponta de
verdade?
“ Bernardo não se mete com ciganos. Gente baixa.”
“ Óh! Sim! Prefere meter-se com gente graúda. Máfia Russa. Bem graúda por sinal!” – Marta
nem sabia o que fazer com os braços.
“Eeeeeeeeeeee…. Já estou a começar a ficar farto!”- salta Pedro.
“Bernardo pensava fugir com uma boa fatia do dinheiro da empresa e desaparecer!”
“ MAS ELE ESTÁ MALUCO? ELE NÃO SABE QUE É VIGIADO POR TODO O LADO? “ –
Marta quase que esmurrou Verónica. Os braços voavam em frente à cara dela. Mais parecia
que eram os braços e as mãos que falavam.
“ Não sei! “
“ Qual era a ideia? Tem que haver uma volta qualquer bem feita para a coisa sair direita!”
“ Era um troca e baldroca feita entre bancos. Tem haver com branqueamento de dinheiro e
pagamentos de comissões chorudas. É muito dinheiro. Com muito zeros. Nós pagávamos os
dividendos aos Russos e tínhamos tudo em dia. Afinal eram eles os financiadores. Mas quando
lhes deu para aquela ideia vimos que podíamos ir para o xadrez ou ficar com uns sapatos de
cimento.”
“ E tu? Onde tás tu nisto? – pergunta Marta, ainda meio combalida.
“ Bernardo à sua maneira gosta de mim. Não me ama. Acho que ele não ama ninguém a não
ser ele mesmo, mas prometeu-me ir viver com ele no início. Depois ele dava-me uma parte de
dinheiro e eu ia para onde que quisesse.”
“ E agora que fazemos? ” – pergunta Marta.
“ Que fazemos? NADA! Quem vai “fazer” é a Judite. Tenho uns conhecimentos em alguns
bancos e tenho a impressão que esta empresa com a viabilidade que tem, depressa vai ter
outro administrador e com outros fundos. Por mim o mais fácil é pagar aos Russos a divida que
existe e eles ficarem bem caladinhos para não haver barulho. A Judite sabe bem o que fazer
com isto. Não te preocupes com nada.”
“ E .. e.. e eu?” – Verónica tremia.
“ Eu tu, faz de conta que a coisa foi descoberta sem ti… PARA JÁ! Vamos a ver no que isto dá!
Sinceramente já não me chegava os meus problemas e ainda mais esta. XIÇA!”
“ E o Mário? “ - pergunta Marta.
“ Esse é um pobre coitado. Se andasse por aqui quando a coisa fosse feita. Ainda estragava
tudo. É muito bom na sua profissão e sabia de algumas coisas, mas não sabia do essencial.
Mandei-o seguir por um conhecido meu, para o manter afastado daqui por uns dias!”
“ E achas mesmo que Bernardo ia dar-te aquilo que te prometeu?” – Pergunta Pedro
“ Sim claro que sim! Ele disse-me todos os passos a dar. Para onde vai e para onde ia e como
se fazia!..”
“ ELE disse? .. Tu ficaste aqui! Ele foi para onde?... Marrocos? China? Pois… ! Que medicação
tomas? – Pedro olhava para Verónica como se tratasse de uma criança que se tinha portado
mal.
“ Espanha!... E só tomo a pílula… não sou drogada… pois…”
“ ESQUECE! … Marta. Temos que encontrar Mário. Pode não ser nada, mas é melhor ele
andar por perto de nós, não vá o diabo tece-las!”
“Sim! Também acho!”
“ Mas diz-me lá! Nunca te apercebeste de nada em relação ao Bernardo?”
“ Não! Afinal ele estava a agir de boa fé. Só ultimamente é que me sentia meio desconfortável
ao pé dele. Angustiada. Mas nunca dei a importância, com daria hoje em dia sabendo o que
sei!”
“ Mas o que é que estão a falar!??” – pergunta Verónica.
Pedro e Marta ao mesmo tempo - “CALOU!!”

Postado por Eduardo Ramos às 22:18


Quinta-feira, 17 de Maio de 2007

Capítulo XVIII
"César?", pergunta a recepcionista.
"Sim é César", responde com um tom agastado e triste.
"Estão aqui em baixo uns senhores da judiciária para falar consigo"...

César desce as escadas completamente absorto nos seus pensamentos e angústias. Quem
seria a pessoa que lhe deixara mensagens tão perturbantes...o que queria consigo? A verdade
é que toda a história dos assassinatos em série era desconhecida para ele. No seu mundo de
dúvidas, existia Clara e as músicas que ouvia (e que o faziam recorda-la e senti-la), logo nem
lhe passava pela cabeça que alguém com intenções tão destrutivas, quisesse algo com ele.

- Boa noite?! - exclamou César, como quem não estivesse à espera de ver inspectores da
judiciária.
- Boa noite...é o Sr. César Campos?!
- Sou sim. Em que vos posso ser útil?
- O Sr. era colega da Dª Clara Madureira aqui na estação, estou certo?
- Era sim - replicou César com um profundo desgosto na voz.
- Como o Sr. sabe, a Dª Clara foi encontrada morta no seu apartamento ontem à noite e como
tal, gostaríamos de saber quando a viu pela última vez, do que falaram, se ela parecia
estranha...qualquer coisa que nos possa ajudar na investigação.
- Bem...isto está tudo muito confuso, eu... - César é interrompido pelo inspector Francisco
Mesquita, que num tom muito sério, diz:
- É melhor falarmos na nossa sede. Por favor acompanhe-nos.

Entrando no carro, a conversa que iam mantendo com ele, era em tom de surdina...perdido nos
seus pensamentos sobre a sua amada, ecoava a música de Sarah McLachlan - 'Angels'.

"Spend all your time waiting


for that second chance
for a break that would make it okay..."

Segundas chances...algo muito raro de acontecer na vida de alguém. Como reagir, ou melhor,
como agir, caso tivéssemos oportunidade de reviver algo que nos tinha marcado, ou então
aquela situação que nos ficara atravessada na garganta e que poderia ser remediada à
segunda! Mas essa, era uma sorte que ele já não teria com a sua amada, apenas a recordação
daquele doce e longo beijo o acompanharia para sempre.

"If you could live your life again


Would you change a thing or leave all the same
If you had the chance again
Would you change a thing at all
When you look back at your past
Can you say that you are proud of what we've done
Are there times when you believe
That the right you thought was wrong"
(Iron Maiden - 'Judgement of Heaven')

Chegado à sede da judiciária César começou a ficar desconfortável...uma sala pequena, luzes
ofuscantes e três indivíduos a requerem a sua máxima atenção. Desta vez, ele não tinha como
escapar para o seu mundo de ilusões.

- Sr. César, pode então por favor, descrever-nos a natureza da sua relação com a Dª Clara?
- Ela...era a 'alma' do nosso programa - diz César num tom inebriante e de olhos arregalados -
muito atenciosa para comigo, acolheu-me bem, falávamos com normalidade sobre quase
tudo...
- Incluindo da vida privada dela? - interrompe Francisco Mesquita.
- Bem, nesses casos, só se ela desabafasse, mas eu estava mais interessado no nosso dia-a-
dia na rádio! - nesta altura os inspectores começam a notar um tom de obsessão na voz de
César - Sabe, ela gostava mais de passar o seu tempo lá, do que em casa.
- Sabe o que se passava no casamento dela?
- Não! Só via o marido raras vezes, quando ia buscá-la à estação. - César não gostou desta
pergunta. O seu tom alterado, fez com que os inspectores explorassem esta via.
- O que achava do marido dela, o Sr. Pedro Madureira?
- Não sei o que lhe dizer, mal lhe dirigi a palavra...apenas bom dia, boa tarde. O irmão dele é
que eu conheço melhor.
- Diogo Madureira? - replicou Francisco Mesquita com os olhos arregalados.
- Sim...desde os tempos da faculdade. Não era do meu curso, mas costumávamos jogar ténis
uma, duas vezes por semana e continuámos muito tempo após termos saído da faculdade.
- Isso é deveras interessante...! E em todo este tempo de convívio com o Sr. Diogo, nunca
esteve com o irmão gémeo?
- Não! Só o vi quando conheci a Clara...e que susto apanhei. Pensei que fosse o Diogo!
- Susto?... - os inspectores olham entre si e César apercebe-se.
- Sim, até porque da última vez que falei com ele, pareceu-me um homem apaixonado e não se
fartava de falar de uma mulher.

Os inspectores reuniram-se a um canto, analisando as palavras de César e tendo em conta o


facto do registo de telemóvel de Clara ter mais de 10 chamadas para o telemóvel de Diogo na
sua última semana de vida! O seu tom era de grande preocupação e ao mesmo tempo
excitação por estes novos pormenores trazerem alguma luz à investigação. Ao acabarem,
viraram-se para César:

- Sr. César, nós temos que nos ausentar por instantes, mas quero que fique por aqui, pois
ainda temos muito que conversar consigo.
- Certo...mas ainda vou a tempo de voltar à rádio hoje? - César não gostou do tom do inspector
Mesquita e cerrou o seu olhar no dele.
- Não contaria muito com isso. Nós falamos mal voltarmos.

Mal os inspectores saem da sala, César pega discretamente no seu telemóvel. Com muita
calma, relê as mensagens recebidas há pouco e nelas tenta perceber que ligação têm com a
sua ida à judiciária. César não vê a hora de sair dali para fora. A porta da sala fica mal fechada,
nenhum barulho à volta...é a sua oportunidade!

Entretanto, os inspectores dirigem-se a casa de Diogo Madureira. Ao chegarem, notam todas


as janelas com os estores corridos e umas pegadas de lama por entre o jardim. Tocam à
campainha
- Quem é? - replica uma voz ténue, após quase 1 minuto.
- Polícia Judiciária!
Ouve-se um ranger de molas e um andar apressado.
- Bom dia senhores agentes...em que vos posso ser útil?
- Bom dia! Importa-se que entremos?
- Não...estejam à vontade. É por causa da minha cunhada que aqui estão?
Aquela pergunta de Diogo como que catapultou uma reacção síncrona dos três inspectores.
Um sentou-se no sofá, juntamente com Diogo e os outros dois continuaram de pé a observar e
a moverem-se pela casa.
- Relaxe Sr. Diogo...estamos aqui apenas por rotina. Queremos perceber que tipo de
relacionamento a Dª Clara tinha com as pessoas mais chegadas.
- Ah, claro! Nós por acaso éramos muito chegados...mesmo após o pedido de divórcio do meu
irmão.
- Não me diga! - os inspectores cruzaram os olhares por breves instantes e aquele movimento
pela casa deixava Diogo inquieto, as suas mão não paravam no mesmo sítio. De repente,
ouve-se uma voz vinda do quarto.
- Vai viajar Sr. Diogo?
- Sim...apenas uns dias de férias - disse Diogo de uma forma não muito convincente.
- Engraçado... - replicou a mesma voz do quarto - Zurique não é propriamente um sítio muito
apetecível para férias!

Postado por Jaleco às 00:09


Terça-feira, 22 de Maio de 2007

Capítulo XIX
Depois de duas horas de conversa, um almoço e um bloco cheio de notas, Marta senta-se no
chão relendo todos os apontamentos que tinha tirado da conversa com Francisco Mesquita. Ele
conhecia muito bem o assunto e deu-lhe indicações acerca de coisa que nunca lhe passariam
pela cabeça.
Foram duas horas muito cansativas. Estar sentada no chão era uma benesse. Quanto mais lia
mais confusa se sentia:
“ Mas porque é que ele não veio comigo? Isto é muito confuso! Que faço?”
Marta desesperava. Lembrou-se então das palavras de Francisco:
“ Não posso estar com a Marta. Pois vou-a influenciar negativamente. De início tem que estar
sozinha sem elementos críticos ou olhares intimidores. Relaxe e concentre-se.”

Inspirou fundo. Deixou o ar sair lentamente. Procurava estar o mais confortável possível.
Fechou os olhos e tentou ouvir tudo o que se passava à sua volta. Era barulho demais.
Levantou-se e foi fechar as janelas. Baixou um pouco as persianas. O ambiente ficou mais
“morno”. Teve a tentação de ligar a música:
“Não! Não posso ter elementos de dispersão!” – pensou. Voltou a sentar-se no chão de pernas
cruzadas. Voltou a inspirar fundo. Fechou novamente os olhos tentando “esvaziar” a cabeça de
pensamentos. Nada! Era impossível. Estava sempre a pensar em alguma coisa. Os
acontecimentos dos últimos dias não a deixavam. Abriu então os olhos e olhou para um ponto
na parede. Focou toda a sua atenção nesse ponto. Tentava vê-lo ao pormenor. Não passava de
uma pequena imperfeição da tinta na parede, mas servia como ponto de foco. Tentava ver a
sua forma que era pouco clara devido à distância. Procurava usar toda sua atenção num único
ponto, extraindo todos os outros pensamentos parasitas da cabeça. Ao fim de 5 minutos
ininterruptos, Marta começou a sentir-se leve. Calma. O ponto deixou de ser um ponto e
parecia crescer. Marta ficou curiosa com tal efeito e perde a concentração. O ponto voltou ao
tamanho que tinha.
“ Por esta eu não estava à espera!” – Disse Marta em voz alta.

Voltou a concertar-se no mesmo ponto e tentando reproduzir o mesmo efeito novamente.


Ao fim de 5 tentativas mal sucedidas, Marta observava um ponto de 5 milímetros que agora lhe
parecia uma bola de golfe. Gotas de suor assomavam-se na testa devido ao esforço de
concentração. Sentia a cabeça a latejar. Fechou os olhos e tentou visualizar o mesmo ponto.
Era como se estivesse de olhos abertos. Tentou então ouvir o que a rodeava. Ouvia os carros
na rua, apesar das janelas fechadas. A vizinha a puxar o cordame do estendal da roupa. O
barulho das molas que caíam no chão da rua. Tentou desviar a concentração desses barulhos
e isolar o que ouvia ao seu redor.
5 segundos…
15 segundos… um barulho subia de volume… um som pulsante e ao mesmo tempo um
“arrastar”…
Abriu os olhos de espanto! Ouviu uma coisa estranha, mas familiar. Sorriu. Tinha acabado de
ouvir o seu coração e o sangue a correr.
Com a manga da camisola, limpou o suor da testa. Estava cansada. Mas não saciada.
Finalmente estava a perceber que alguma coisa podia ser feita acima do que se pode
considerar “normal”.
Podia ser que estivesse a ser levada pela sugestão, mas isso não a preocupava agora.
Devia continuar a praticar o poder de concentração, mas indo contra os que Francisco lhe tinha
dito, decidiu passar à fase seguinte.

Puxou um saco escuro que tinha colocado perto de si, junto ao sofá, abriu-o e tirou 3 objectos.
Um relógio de pulso, um copo e uma tesoura.
No seu intimo sabia o que fazer.
Releu as suas notas. Coçou a cabeça e com um ar decidido pegou no relógio com as duas
mãos. Olhou para ele e inspirou fundo. Observava-o como se à espera que ele crescesse como
tinha acontecido o ponto da parede. Depressa percebeu que não iria resultar. Ficou sem saber
que fazer. Começou e contempla-lo. Cheirou-o. Passou as mãos pela bracelete sentido todos
os recantos e imperfeições. Pensamentos começaram a surgir-lhe na cabeça:
“ Era um homem gordo, mas com pouco robustez física. Era perfeccionista. Cuidadoso.
Tomava banho todos os dias. “

“Eram deduções.”, pensava Marta. Sempre teve jeito para tirar conclusões das coisas que
observava, qual investigador policial das séries televisivas. Ou será que não? Já seria o aflorar
daquilo que ela agora procurava entender?
De súbito, outros pensamentos surgem. “Assustado”, “Medo”, “Pânico”.
Marta parou. Como podia pensar assim? Nada naquele relógio de pulso lhe podia dar essas
conclusões.
Abanou a cabeça. Tinha que parar com o cepticismo. Não era tempo para isso.
Voltou a olhar para o relógio. Tentou “falar” com ele através das mãos. Acariciou-o, voltou a
cheirar. Sentir. Ouvir. 10 minutos… surgem novamente os mesmos pensamentos, “Seria
porque já os tinha tido?” – não se deixou abalar. Continuou. Abriu mais os olhos e procurou
algo no relógio. Qualquer coisa que a levasse a sentir o que se teria passado com seu dono.
Outra vez o pensamento recorrente. “Medo” – sem saber porquê, coloca o relógio no pulso –
um flash, outro e mais outro.
“ Caramba!” – Marta caiu para trás. Nem queira creditar. Ela viu!… Mas o que viu? Viu uma
cara destorcida. Raiva. Uma faca vindo na sua direcção.
Abriu o bloco e escreveu. Sua mão tremia num misto de êxtase medo. Como uma criança que
abre o presente tão esperado na noite de Natal. Parou! Voltou a cabeça para os objectos
restantes como um felino à procura de uma nova presa.
Olhou para o copo. Pegou nele novamente com as duas mãos. Fez o mesmo ritual que tinha
feito com objecto anterior.
Ao fim de 15 minutos, sentiu dores no estômago. Um flash - Viu um copo vazio. Outro flash -
Outra vez uma cara destorcida, mas desta vez de dor. Levantou-se a correr em direcção à casa
de banho. Vomitou o almoço. Lá se tinha ido as belas favas. E que boas que estavam.
Lavou-se e voltou para o chão. Pegou no bloco e voltou a escrever o que viu e sentiu. Não
conseguia controlar o nervosismo. Seu coração pulava descompassadamente.
Rapidamente pega na tesoura…. E voltou a pousa-la. Precisava de relaxar tanta excitação.
Ao fim de 10 minutos de concentração e focagem num ponto da sala, volt a pegar na tesoura.
30 minutos e nada!
Desesperada… abre a tesoura. Roda-a. NADA!
Olha atentamente para o seu reflexo. Procura um pouco de sangue que fosse. Volta a cheirar.
Encosta-a da face. “ Teria sido arma de um assassinato? ”.
Nada.
Ao fim de 45 minutos, Marta sente-se frustrada. Coloca a tesoura de lado. Francisco dissera-
lhe se um objecto não “falasse” com ela para desistir pois a insistência e a frustração só ia
trazer maus resultados.

Levantou-se. Queria passar à fase 3.


Já mais gente tinha habitado aquela casa. As paredes teriam assistido a tudo o que se teria ali
passado. Começou a andar. As mãos à frente como se esperasse encontrarem uma parede
invisível. Sala. Corredor. Cozinha. Quarto. Casa de banho. Tentado sempre concentrar-se em
tudo que pudesse ter presenciado um acontecimento. Qualquer coisa marcante. Respirava o ar
que a rodeava calmamente. Tentava fazer o mesmo que fez quando esteve em casa de Clara.
Fez um esforço para não se influenciar pelo pensamento da morte da locutora.
Continuou procurando em cada passo “ouvir” a casa. Começou a sentir flutuar embora seus
pés continuassem no chão. Deixava-se ir como se uma brisa a empurrasse. Olhou para o
chuveiro da casa de banho. Voltou a cabeça e fitou as torneiras do lavatório… tocou-lhes… foi
esbofeteada por 3 flashes seguidos.
“Bolas. Que susto!... Caramba!... Será que foi isto que… “
Marta saiu da casa de banho e foi à sala. Abriu o saco de onde estavam os objectos e tirou um
papel dobrado em quatro.
Desdobrou-o e leu o que estava escrito pela mão de Francisco:
“ Relógio – Homem que foi esfaqueado por um assaltante para lhe roubar a carteira.
Copo – Morto por envenenamento
Tesoura – é minha e tem um “V” de volta”
Marta riu-se, mas seu corpo tremia.
Ouviu alguém no patamar do seu apartamento. Foi a correr abrir a porta:
“ Dona Maria! Ainda bem que a vejo! Alguém que morou neste apartamento teve algum
acidente na casa de banho? “
“ Porque pergunta menina? Feriu-se?”
“ Não! É porque pareceu-me a ouvir alguém dizer isso lá em baixo.”
“ O que estas pessoas se lembram quando não têm mais nada que falar.”
“ Mas aconteceu? ”
“ Sim, Menina! Como deve ter ouvido, uma antiga inquilina minha que viveu aí, coitada, ao sair
da banheira, escorregou e bateu com a cabeça na torneira do lavatório. Esteve à morte. Agora
vive com o filho.”
“ Obrigada dona Maria! Eu vou ver se tenho cuidado então, não vá acontecer-me o mesmo. “
“ Faça isso, menina. Faça isso. “
“ Com sua licença então. Obrigada “
Marta fecha a porta. Ficando de costas encostada a esta deixou-se escorregar até ao chão:
“ Se contar isto à minha mãe… ela mete-me num hospício!" - Marta riu-se - "Tenho que praticar
mais! Que horas serão? BECAS? Onde estás?”

Postado por Eduardo Ramos às 23:44


Domingo, 3 de Junho de 2007

Capítulo XXI

Desde a morte de Clara que César nunca mais tinha sido o mesmo.
Seu corpo movia-se a dor e sua alma tinha partido com Clara.
O tempo tinha sido curto demais para se fazer ouvir e aquele único beijo era guardado em sua
memória embrulhado em papel precioso.
Suas surrealidades o magoavam e ele tentava matar as lembranças de Clara em si, evitando
pronunciar o seu nome que lhe causava tanta dor mas não passava de uma utopia porque
César não a conseguia esquecer, um grande amor não se esquece.
Tinha saudades do que nunca viveu e isso matava-o ainda mais porque sentia que Clara tinha
precisado dele e não conseguiu fazer nada.
Sua angústia em saber a verdade era atenuada com a tristeza dos laços que foram cortados
entre si, esperou sempre que Clara lhe devolvesse os laços e quando o fez era tarde demais
para o poder usufruir, a felicidade que sempre pintara em sua imaginação, quadro esse que
fora estragado pela escura morte.
Morreu o amor que o atormentava por não o poder apreciar.
Não o soube viver quando era possível, sua incapacidade de reacção o condenaram a uma
vida de incertezas e desejos por realizar.
Ficou apenas o sonho que lhe rasgava o peito.
Ficou apenas um corpo vazio e a frustração de não poder fazer nada.
César estava determinado a encontrar quem tinha destruído o seu mundo, e no seu mundo ele
e Clara eram felizes, no seu mundo amava Clara como nunca antes tinha amado alguém.

De porta-chaves e Moleskine no bolso do seu casaco sai e resolve investigar o apartamento de


Clara.
Subindo as escadas de serviço para evitar ser visto César entra em casa de Clara onde ainda
consegue sentir o seu cheiro, cheiro esse inexistente mas em sua memória podia cheirar Clara
em qualquer parte, ainda estava entranhada em seu corpo e como ele ainda podia saborear o
seu beijo!
Ao percorrer o apartamento seus olhos rapidamente ficaram molhados e em choro desolado
desejava um pequeno toque ou apenas poder olhar para o seu sorriso que tanto amava mas
apenas encontrou o duro silêncio de uma casa vazia e de paredes brancas pelo nada.
César encontra o quarto de Clara onde sorri quando olha para as fotos que encontra, como ela
era tontinha quando fazia estas caretas para as fotos cheia de vida mas no entanto alguém
muito só.
Vasculha gavetas e nada encontra o mesmo se passa com o resto das divisões frustrado deixa-
se cair no sofá.
Bip Bip!
Seu telemóvel toca e seu coração pára.

-Será que…

“César… o que procuras está por baixo da mesa do escritório”

César assustado deixa cair o telemóvel seu coração acelarado com o seu cérebro inundado de
perguntas faz com que não sinta a respiração durante segundos.

-Mas…mas como é que…

Medo era agora o novo morador naquela casa antes vazia de vida.
Apesar do nervosismo criado pela sms César resolveu procurar verdade na sms procurando o
que poderia estar por baixo da secretária.
Passando a mão pela macia madeira eis que encontra um envelope misterioso.
César estupefacto fica a olhar para o envelope como se algo lhe prendesse os movimentos
mas por fim desaparecido o medo dando lugar à curiosidade abre o envelope.

-Mas o que é isto?!???!!!


No envelope César encontrou fotos de Clara juntamente com um homem, pareciam felizes
enamorados e juntamente a eles estava uma criança com traços muito parecidos a Clara.
As fotos pareciam de uma família feliz em férias.
César pára por uns minutos numa foto, Clara e homem estavam a beijar-se, César nem queria
acreditar o homem era Diogo, o cunhado de Clara.

-Mas porquê?! Eles os dois!

César não queria acreditar no estava a ver até que o envelope lhe revela mais que umas
simples fotos.
No envelope dezenas de cartas de Diogo para Clara amarrotadas chamavam a atenção de
César mas não eram cartas de amor pelo contrário eram cartas de teor obsessivo, doentio,
violento e de tom amargo.
César nervoso pega no Moleskine de Clara e folheia até que pára.
Na data em que Clara fora assassinada tinha um encontro marcado com Diogo...

-Quem será a miúda das fotos!!

Porque raio o Diogo tinha escrito aquelas cartas ameaçando Clara se ambos pareciam felizes
nas fotos!!!!

E como Clara esteve com este gajo no dia de sua morte se esteve praticamente o dia todo
comigo na rádio?!? Só se depois...

Sua cabeça não conseguia raciocinar mais nada até que a confusão da mente foi novamente
perturbada por um barulho, mas desta vez não foi de seu telemóvel…mas sim da porta.
César não estava sozinho alguém entrara no apartamento de Clara naquele momento…

Postado por Maria Strüder às 20:33 27 comentários

Julho 2007 Maio 2007 Início


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Olhando para o isqueiro na sua mão, César conta os segundos passarem a cada faísca.
Estava muito nervoso por estar dentro daquela sala há tantas horas e sem cigarros. Tenho que
sair daqui.

Decide finalmente levantar-se da cadeira para sondar os quatro cantos da sala em busca de
algo para escrever. Em cima da mesa está apenas um jarro de água e duas chávenas. Olha
novamente para o isqueiro que tem na mão e pressiona no seu botão até se soltar mais uma
faísca e se fazer luz. Aproxima-se da mesa e agarra numa das chávenas. Usa agora a chama
do isqueiro para pintar totalmente de preto o fundo da chávena, e seguida passar todos os seus
dedos pelo fundo chamuscado. Aproximando-se de uma das paredes brancas da sala com as
pontas dos dedos totalmente pretas, desenha uma sequência de letras maiúsculas. Pronto... Já
está.

César já tinha pensado em abandonar a pequena sala há muito tempo, mas apenas naquele
momento ganhou coragem para arriscar. Ao passar a porta dá de caras com um agente que ia
no mesmo instante a entrar.
"Senhor César Campos certo?"
"Sim. Que susto me pregou senhor agente" diz César tentando disfarçar.
"Não tenha medo que eu não mordo. Olhe, pode ir embora para casa. O inspector Mesquita
ligou-me e pediu-me que o mandasse embora, infelizmente aconteceu um imprevisto e ele não
consegue voltar a tempo. Entrará em contacto consigo em breve."
"OK, ahh.. OK, ficarei à espera." responde a gaguejar.
"A recepção está informada, por isso basta apenas identificar-se à saída."
"Muitíssimo obrigado senhor agente, tenha uma boa noite." O agente não responde e
permanece imóvel.

César vira-lhe as costas e percorre o corredor da Judiciária em direcção à saída sem olhar para
trás até cruzar uma esquina. Ao dobrá-la é surpreendido por um olhar perturbador que o faz
parar os passos. Mesmo à sua frente encontra-se uma senhora de idade parada no meio do
corredor a olhar para ele. A velhota devia ter cerca de 60 anos mas estranhamente estava
pintada como uma rapariga de 18 e totalmente despenteada. Uma bata azul clara fazia-a
parecer uma empregada de limpeza, mas o seu olhar profundo e hipnotizante fazia-lhe lembrar
uma bruxa sem vassoura. César sentia as pernas congeladas, não se conseguía mover.
Incomodado decide quebrar o silêncio.

"Desculpe minha senhora, eu preciso de fumar. Existe aqui algum lugar perto onde possa
comprar tabaco? "
“Sim senhor,” diz ela sem tirar os olhos de cima dele nem para pestanejar. “existe um café
mesmo do outro lado da rua.”
“Obrigado... Então tenha uma boa noite senhora.” responde ele virando costas depois de ser
atingido por um arrepio na espinha.
“De nada. Tenha também uma boa noite senhor César.”
César vira-se para trás, “Senhor César? Desculpe, eu conheço-a?”.
"Não me parece. Mas eu conheço-o a si. O senhor é o César da rádio, reconheci-o logo pela
voz. Adoro ouvi-lo de manhã logo depois de acordar. É ainda mais bonito do que o imaginava."
“Bonito eu?.. Ora essa…” diz César não conseguindo disfarçar um pequeno sorriso. A velhota
aproxima-se agora um pouco mais dele.
“Diga-me César, porque é que está triste?”
César hesita. A voz rouca da velhota é estranha e penetrante. “Triste. Eu não estou triste…”
“Não se preocupe César. Não precisa de estar triste, eu sei que tudo se vai resolver. E o César
também sabe. Tudo sempre se resolve.” diz acenando a cabeça. “Sabe, o destino reserva
sempre as melhores coisas ás melhores pessoas, e o César é uma dessas pessoas. Consigo
ver isso nos seus lindos olhos.”
“Desculpe mas não sei se estou a perceber...”
“Já o meu avô costumava dizer. Nesta busca incessante pelo mundo, às vezes deixamos
escapar aquilo que se encontra mesmo debaixo dos nossos olhos. Lembre-se disto César,
lembre-se disto. Tenha uma boa noite.” diz ela abandonando o local e desaparecendo no
escuro no fundo do corredor.

César apressa-se a sair do edifício meio transtornado com a conversa da velhota e a pensar no
disparate que fez na parede branca da sala de interrogatório. Recorda as palavras da velhota
que não lhe saem da cabeça. Nesta busca incessante pelo mundo, às vezes deixamos escapar
aquilo que se encontra mesmo debaixo dos nossos olhos? Estranho... isto foi exactamente o
que eu escrevi no jornal na minha última crónica semanal...
Era noite quando pisou o chão da rua já fora da Judiciária. Entra no banco de trás de um táxi
que se encontrava parado mesmo à porta e diz a morada de sua casa ao taxista.
"Despache-se por favor!" exclamou.

Ao chegar a casa, César corre para o seu quarto fechando a porta atrás de si. Abre o guarda-
fatos gigantesco de madeira de pinho onde ao fundo se encontra a mala de Clara que tinha
ficado esquecida no último dia em que se viram. Ao olhar a mala preta, César recorda algumas
palavras saídas da boca de Clara no dia da sua morte. Desculpa. Tu não compreendes… fui
uma parva... precisamos de falar…
“Mas o que é que tu me querias dizer Clara?..” diz como que falando para os seus botões.
Agarra na mala e aproxima-se da cama onde a poisa e abre. Não demorou mais que cinco
segundos até todo o seu conteúdo estar despejado em cima do edredão.

Incrível como depois de tanto tempo, a mala ainda libertava um suave odor a maçã. "Clara..."
Espalhado pela cama está agora um rímel, um pacote de lenços de papel brancos, uma caixa
de óculos, um porta-chaves supostamente com as chaves do apartamento dela, uma
embalagem de pílulas, um bloco de notas Moleskine preto e duas caixas de Xanax.
“Porra.. duas caixas de Xanax?”

César agarra no porta-chaves e no Moleskine. Um pequeno cartão branco como que marcando
uma página mostrava-se saliente do bloco saltando à vista. César retira o pequeno cartão de
entre as páginas. Era um business card onde se podia ler: Diogo Madureira – Psicólogo
Clínico.
“Olá Diogo.” diz ele. “Aposto que este bloco tem mais qualquer coisa.” e coloca-o no bolso do
casaco levando-o consigo. O porta-chaves tem o mesmo destino que o Moleskine, o bolso do
casaco, enquanto os restantes pertences de Clara são atirados novamente para dentro da
mala.

César dirige-se à parede estampada com fotos de Clara e pára em frente dela por instantes.
Respira fundo e começa a arrancá-las da parede até que não sobrasse nem uma. Perdoa-me
meu amor. César não queria deixar elementos que o tornassem suspeito. Coloca agora todas
as fotografias dentro da mala de Clara. Tenho que me livrar disto. Pronto está tudo.

Antes de abandonar o seu apartamento, César observa o reflexo de si próprio no seu enorme
espelho à entrada. Eu vou-me vingar. Vou-te apanhar cabrão.
A sua expressão facial vincada de raiva assemelha-se agora a um animal raivoso, pronto a
atacar. Os instintos estavam agora a apoderar-se dele. Aproxima-se do espelho e foca-se no
seu olhar gritando para o espelho "Tu sabes quem eu sou? É? Sabes cabrão? Não sabes
não... Tu não me conheces... Vou dar cabo de ti!" Um pontapé vigoroso acerta mesmo em
cheio no espelho reduzindo-o a mil pedaços. No meio de tanta raiva, César usa todas as suas
forças para gritar apenas uma coisa.“Odeio-te Pedro!!!” e sai porta fora levando a mala preta
consigo.

Postado por Pratas às 21:25


Quarta-feira, 6 de Junho de 2007

Capítulo XXII
César teve um inesperado assomo de coragem. Ficou ali, de pé. Sentira alguém a entrar no
apartamento e decidira não se esconder. Não tinha cometido nenhum crime, portanto, não tinha
que ter medo. Fosse quem fosse, não lhe importava, aliás, nada lhe importaria. Neste momento
da sua vida não poderia cair mais fundo. Socorreu-se das lembranças de Clara, do beijo....Um
vulto estava, agora, dentro do apartamento.

Pedro decidira ir ao apartamento de Clara, para lá de alguns objectos que queria levar para si,
queria investigar por si próprio o misterioso assassínio. Já dentro do apartamento, tomou um
grande susto. Nunca imaginou que alguém lá estivesse. Mais surpreso ficou quando viu que
era César e este o cumprimentou: "Viva, também por cá?!" Só uma ideia lhe passou pela
cabeça: "o assassino!" Vermelho de fúria avançou para ele e com apenas um soco o tombou e,
com ele no chão, o esmurrou sucessivamente até sentir que não reagia. Nem esboçou defesa;
tinha sangue por toda a cara, proveniente do nariz e dos lábios rompidos. Apenas gritou:
"odeio-te, Pedro!!"

"O criminoso volta sempre ao local do crime!", disse Pedro com a voz alterada. Procurou o
telemóvel no bolso e preparava-se para ligar para a polícia... Prostado no chão, César lançou
umas palavras: "Pedro, não sou eu o assassino..." De repente, ao passar os olhos pelo chão,
viu uns papéis e fotografias... Meteu de novo o telemóvel ao bolso. Se anteriormente estava
furioso, agora estava possesso! Clara aparecia em fotos com o seu irmão gémeo, Diogo, e com
uma criança... Leu as cartas, ficou durante dezenas de minutos a ver as fotos, a reler as
cartas... "O meu irmão, grande cabrão!" Esquecera-se do César: "Eh pá, o gajo ainda me vai
morrer aqui!". Levantou-o do chão. Este sempre estivera acordado, porém, imóvel. Levou-o
para a casa de banho e, com a água do lavatório a correr, lavou-lhe a cara. O nariz deixara de
sangrar e as únicas marcas da agressão eram o nariz esfolado e cantos dos lábios rasgados.

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O bloco de notas era agora o seu companheiro inseparável. As coisas para lá do normal que
conseguia ver assustavam-na. Assustavam-na mas, esse medo, tornava-se positivo. O medo
mantinha-a alerta e preparada para o perigo. A capacidade de através de objectos ver factos
passados era-lhe inata, embora, não tivesse consciência disso até ao momento em que foi
convidada a colaborar com a polícia. Marta tinha um dom.

Marta ia ao encontro de Pedro. Ele fizera-lhe um telefonema estranho, num tom monocórdico
que a deixou receosa. Mais ainda, quando este lhe disse que era urgente e que não dissesse a
ninguém. Não sabia o que poderia reservar-lhe Pedro mas, mais por incapacidade de dizer não
do que por curiosidade, ia ter com ele. Ia ter ao apartamento onde Clara morrera. Já lá estivera
com o inspector Francisco Mesquita, isto numa altura em que ainda não tinha verdadeiramente
optimizado a sua percepção extra-sensorial. Estava ansiosa. A proximidade fazia com sentisse
que algo estava prestes a ser descoberto... Não imaginava o que ele queria.

Pedro estava sozinho no apartamento. César estava magoado por fora e esmurrado por dentro;
descera à rua, fora tomar água a um café para limpar o sangue que ainda sentia empastado na
garganta. Pedro estava desolado. Sentia-se humilhado. Agora compreendia as reacções de
Clara. Compreendia as fugas. Compreendia as mudanças de assunto. Traído pelo irmão!
Decidira, entretanto, talvez por pudor ou para ganhar tempo, não mostrar as fotos à polícia.
Tinha-as consigo. As cartas também. Metera-as na barriga, por baixo da camisola. Ia desabafar
com Marta, depois decidiria o que fazer.

Marta chegara à porta do apartamento que se encontrava semi-aberta. "Posso, Pedro?" Pedro
correu ansioso para ela, "Marta, ainda bem que vieste!" Ela já não conseguia ouvir as palavras
dele, algo forte fazia com que se concentrasse nas paredes do andar... nos móveis... nos
objectos... " Pedro, vou pedir-te, deixa-me por momentos sozinha aqui." Pedro estava atónito,
"mas o que se passa, Marta?" "Pedro, deixa-me por momentos, por favor!" Convencido, ele
recuou para o vão de escada, "vou ao café ter com um melro..." "Com um melro?", perguntou
ela. "Uma longa história, venho já."
Marta sentia medo. Abstraiu-se dos factores de distração. Tirou o seu bloco de notas do bolso.
Avançou para o centro do apartamento, entrou na primeira porta entreaberta. Estava na casa
de banho. Sentia cada vez mais medo. E, defronte da banheira, sentou-se no chão frio.
Levantou-se e pousou o seu corpo, suavemente, no fundo da banheira. Estava concentrada.
Estava a sentir algo... Clara na banheira. Um homem. Viu-lhe a cara mas não tem certeza de
quem viu!! Sai a correr e cai sem forças na sala, não consegue mover-se...

Postado por astuto às 23:28


Quinta-feira, 10 de Maio de 2007
Capitulo XXIII

- Marta!? Marta!? – Pedro quase teve uma síncope cardíaca quando entrou no apartamento
com César e viu Marta desmaiada no chão.

- Que lhe fizeste? – Perguntou César.

- Estás doido? Eu não fiz nada! Não entraste ao mesmo tempo que eu!?

- Sim, entrei. Mas quanto ao que fizeste depois de eu ter saído já não posso dizer nada!!

Pedro praticamente o fuzilou com o olhar, “Mas o que este estúpido quer? Quem é ele para
estar aqui a mandar bitaites e exigir explicações!”. Controlou a sua raiva e voltou novamente a
sua atenção para Marta.

“Marta!? Marta!!”

Marta começou a ouvir a voz ao longe, já a sair do limbo da consciência-inconsciência


conseguiu aperceber-se que tinha desmaiado e que precisava acordar. Ao mesmo tempo que
voltava a si recordou o que sentiu e tentou lembrar-se do que viu.

Finalmente desperta, Marta abre os olhos. Por cima de si encontrou dois pares de olhos a
devolverem-lhe um olhar inquisitivo. Marta não estava preparada para o que sentiu a seguir. O
seu estômago embrulhou-se, sentiu vontade de chorar e o pânico tomou conta dela. Sem saber
bem como pôs-se de pé e aos gritos empurrou Pedro que era quem estava mais perto de si.

- Marta! Tem calma! Está tudo bem! Sou eu, o Pedro!

Marta estava de costas para os dois mas a voz dele conseguiu traze-la momentaneamente a
um estado de maior normalidade.

- O que é que ela tem!? – Perguntou César.

Marta reagiu à voz de César. Virou-se para lhe perguntar de onde o conhecia mas assim que
voltou a deparar-se com o olhar dos dois homens a sua cabeça recomeçou a andar à roda.

- Tenho de sair daqui! Quero falar com o Inspector Francisco. – Sem saber bem porquê Marta
arrependeu-se imediatamente de ter dito aquilo.

As feições de César e Pedro passaram de estupefacção para preocupação. - Porquê!? –


Perguntaram os dois ao mesmo tempo.

- Porque preciso. – Responde Marta rispidamente já a sair pela porta fora.

... ...

Demorou apenas um quarto de hora a Francisco para responder ao chamado de Marta e ir ter
ao apartamento dela. A voz dela deixou-o preocupado, ela estava assustada e desamparada.
Quando entrou no apartamento apercebeu-se que Marta tinha chorado mas nada lhe disse.
Sem que Marta percebesse o porquê começou a rir-se.

Marta olhou para ele incrédula – Está a rir-se de quê!?

- Desculpe Marta, mas é que não posso deixar de me lembrar da última vez que estive aqui.
Aquele Scooby-Doo assustado não queria acreditar que os fantasmas dele eram apenas
lençóis da cama com buracos para os olhos.
Marta sorriu. – Só o Inspector Francisco para me fazer rir nesta altura. O Mário sempre tinha
alguma razão. Ele realmente estava a ser vigiado mas era uma vigia de mentirinha.

- Mau! Eu já não lhe tinha dito para me deixar o Inspector de lado? Só em situações oficiais.
Mas vamos lá Marta, conte-me o que se passou.

Marta descreveu tudo o que sentiu desde que entrou no apartamento até ao momento em que
praticamente fugiu de lá. Francisco não a interrompeu, apenas segurou-lhe a mão quando o
sentimento de pânico parecia que ia voltar a tomar conta de Marta.

- Quem era o outro homem no apartamento!?

- Não sei. O Pedro disse que ia ter com um melro ao café. Devia ser ele.

- Bem… o Sr. Melro não nos ajuda muito – disse Francisco a sorrir para Marta.

Marta não sabia o que Francisco tinha, mas ao lado dele, ela sentia-se segura, amparada e
com força para seguir em frente. A melhor forma que Marta o conseguiu descrever para si
mesma é que se sentia abraçada e gostava muito do calor desse abraço.

- Pois não… Quando ele falou pareceu-me que já o conhecia de algum lado. Mas não tive
forças para lhe perguntar de onde – disse Marta com um bocado de vergonha.

- Reconheceu a voz!? – Francisco apercebeu-se logo de quem poderia ser o homem – Como é
que era a aparência dele?

Marta descreveu o melhor que conseguiu. – Ou muito me engano Marta ou esse era César
Campos, o companheiro de Clara na rádio.

- Claro! Claro que era ele! Meu Deus como é que eu não o reconheci imediatamente!?

- Apenas interessado no dia-a-dia da rádio… está bem, está! E de repente está com Pedro no
local onde Clara morreu. Como sempre o Doutor Casa tem razão… Everybody lies! Então num
interrogatório são umas atrás das outras.

Francisco olhou para Marta e percebeu que mais uma vez o rosto dela se tinha fechado –
Então? Que foi?

- Acho que não tenho jeito para isto, não sei se alguma vez vou conseguir fazer da PES a
minha segunda natureza como diz que tem de ser. Nem o César Campos que ouço na rádio
todos os dias consegui reconhecer. Entrei em pânico, até ao Pedro dei um empurrão sem mais
nem menos.

- Parece-lhe sem mais nem menos Marta. Sim… o desmaio depois de ter estado na casa de
banho foi uma reacção à forte emoção que sentiu lá. O corpo não estava preparado e teve
quase que fazer um shutdown de emergência para lidar com a situação. Mas o que sentiu
depois quando acordou… isso não. Isso não foi simplesmente ainda consequência das
sensações anteriores. Está ligado a elas, obviamente. Essa sua reacção perante o olhar
daqueles dois homens, ou até mesmo só de um deles, pode-nos dizer muita coisa, muita coisa
mesmo. Coisas que a Marta na altura não percebeu mas às quais a sua percepção
imediatamente reagiu.

Marta olhou para Francisco tentado absorver tudo o que estava embutido no que ele dizia.
Desviando o seu olhar do dele Marta suspirou fortemente e diz embaraçada.

- Estou assustada! Não sei se estou à altura do que estão à espera de mim. Tenho medo de
desiludir toda a gente.

Francisco puxa o rosto novamente na direcção dele para que ela o olhasse nos olhos.
- Marta. Não tens de ter vergonha nenhuma de ter medo, de estar assustada. O medo é bom,
mantém-nos alerta. Só não nos podemos deixar dominar por ele. O medo tem de ser como um
cão que ladra quando nos aproximamos. O latir dele alertou-nos para a presença de um perigo
mas nós continuamos a andar, passamos o cão e seguimos em frente. Se ficarmos sem
reacção e fugirmos, o cão pode começar a correr atrás de nós, pode até transformar-se num
lobo que nos passará a perseguir.

Marta continuava a olhar para Francisco, as palavras dele tinham sido como um cobertor numa
noite de Inverno. Francisco percebeu que ela estava a conseguir estabilizar as emoções.

- A parte do cão e do lobo li num livro – disse Francisco – É claro que lá estava dito de uma
maneira muito mais lírica e era dito por um dos maiores e mais mortíferos guerreiros de
sempre, mas acho que me safei bem.

- Obrigado. – Marta riu-se e agradeceu – Obrigado mesmo.

- Ora essa! Sempre que precisar de ajuda para enfrentar um caniche, conte comigo!

As palavras eram ditas em tom de brincadeira mas Marta sabia que não podiam ser mais
verdadeiras. Sentiu a confiança dela a voltar e a voltar com mais força.

- Ok! Vamos então analisar tudo mais uma vez! – Disse Marta sorrindo para Francisco.

- Mais uma, duas, três… as vezes que forem necessárias. Mas antes tenho de comer porque
estou com uma fome digna de um Obelix!

Postado por Laudinha às 09:16


Sábado, 16 de Junho de 2007

Capítulo XXIV
-Tem razão. – Diz Diogo – Zurique não é, de facto, um destino de férias!... – A mente trabalhava
a duzentos à hora – Mas, sabe, os grandes colóquios de Psicologia Clínica correm toda a
Europa! Desta vez vou juntar o útil ao agradável. Voo até Zurique, passo lá uns dias, e depois
aproveito a magnifica rede ferroviária helvética para ir até Berna, ao colóquio.
- Muito bem então! – Disse um dos polícias. Mudou o tom de voz e o rumo da conversa. – Pode
definir melhor a sua própria expressão, “éramos muito chegados… mesmo depois do pedido de
divórcio do meu irmão”?
- Sim, com certeza. – Diogo cruzou a perna e colocou as mãos no joelho mais alto. Sabia que o
à vontade era importante. Sabia que olhar para os olhos de quem o interpelava era
demonstrativo de confiança. – Como sabe, fruto do apoio jurídico que presta ao Dr. Bernardo
na Associação do Micro-Crédito, o meu irmão Pedro ausenta-se do país com muita frequência.
Ela era uma pessoa algo insegura sabe? Depois, mesmo não sendo psicólogo dela, até porque
não era muito correcto, era, por assim dizer, uma espécie de confidente. Além disso, há a
pequena Sara! A minha sobrinha é um elo de ligação muito forte entre nós. Eu gosto de pensar
em mim mesmo como um segundo pai… Às vezes, porque o Pedro se ausenta, sou quase um
primeiro pai…
- Compreendo. – Disse um dos inspectores. Olhou os seus colegas não vendo reacções de
dúvida ou desconfiança. – Por mim, e pelos vistos pelos meus colegas também, não há mais
nada a perguntar. Estamos esclarecidos. Se por ventura necessitarmos de si voltaremos a
contactar. Se, por outro lado, o senhor se recordar de alguma coisa que lhe pareça relevante,
não hesite em contactar-nos. – O inspector estendeu um cartão a Diogo.
- Pode descansar inspector. Assim o farei. Tenham um bom dia! Mas… antes de sair… Só uma
coisa. Talvez fosse boa ideia falar com o colega de trabalho dela. Um César. Não sei se sabem
quem é… Ela falava dele com alguma regularidade nos últimos tempos…
- Ah sim? Muito bem! Obrigado pela informação adicional. Faça boa viagem... E aproveite as
férias! – Atirou um dos inspectores ao cruzar a porta.
Diogo fechou a porta atrás de si e foi para a sala. Por trás dos cortinados ficou a espreitar até o
carro da PJ desaparecer na estrada.

--

Pedro acabara de preparar a sua mochila. Não chegou, sequer a fechá-la. O toque do telefone
assustou-o. – Bolas! Qualquer dia dá-me uma coisinha má! – Por momentos pensou que era o
seu irmão Diogo. Tentara contactá-lo toda a tarde. Pegou no telefone e viu o número de onde
procedia a chamada. Os primeiros três dígitos - dois, seis, seis - bastavam-lhe para saber
quem era. Aquele indicativo era de Évora, a terra natal dos pais de Clara. Pedro atendeu e
ouviu do outro lado o sotaque da mãe de Clara, a dona Beatriz:
- Pedro?
- Sim. Olá dona Beatriz. Eu tentei ligar-lhe hoje de tarde.
- Pois. Eu vi aqui… Então? Tem novidades para nos dar?
- Não dona Beatriz. Infelizmente não tenho nada… Liguei-lhe porque lhe queria dizer que passo
aí amanhã para ir buscar a Sara. Quero passar uns dias com ela…
- Tem a certeza Pedro? Ela está bem aqui connosco.
- Disso eu não tenho dúvidas dona Beatriz. Eu é que estou a precisar da companhia dela… -
Pedro sentiu uma vontade irreprimível de chorar.
- Está bem Pedro. Venha descansado. Nós estamos por casa.
- Ela está acordada? Queria ouvir a voz dela…
- Não. Já foi dormir. Ela e o avô foram ao monte hoje. Veio tão entusiasmada! Falou, falou,
falou… Depois caiu na cama, ficou como um anjinho!
- Ela é um anjinho!
- Pois é! Vá! Descanse Pedro. Até amanhã.
- Até amanhã.

--

Diogo tinha a música nas alturas. Por toda a casa ecoava o violoncelo do Prelúdio da Suite n.º1
de Bach.
Ouvia este trecho vezes e vezes seguidas. Até à exaustão.
À medida que preparava a sua mochila para a viagem Diogo revia o plano dos dias que
passaria na Suíça. Chegar a Zurique de avião. Daí ir para Luzerna. Já se imaginava na
Kapellbrücke, a ponte de madeira do século XIV, sobre o rio Reuss.
Depois? Bem, depois passar por Berna mas de certeza que não era para assistir a colóquio
nenhum. Havia só mais um destino na Suíça. O vale de Lauterbrünnen. Um dos raríssimos
sítios que conhecia onde conseguia sentir paz interior.
Sentou-se, por fim, no cadeirão. Estava exausto. Atirou a cabeça para trás. Com a mão
esquerda procurou o comando para aumentar o volume. Ainda mais.
No dia seguinte Diogo saiu cedo de casa. Estaria a tempo e horas no aeroporto. Horas,
minutos e segundos. Diogo era meticuloso no que a horários dizia respeito.
Já no aeroporto passou incontáveis vezes os olhos pelo relógio do painel das partidas. Só um
nome o distraiu deste ritual – Florença. Este nome, associado ao de Clara, recordava-lhe um
fim-de-semana escaldante na capital da Toscânia, berço do Renascimento.
A chamada para check-in despertou-o. Diogo seguiu calma e ritmadamente para o balcão.

--

No dia seguinte Pedro saiu cedo de casa. Esperava estar a meio da manhã em Évora para
reencontrar a sua filha. A viagem correu rápida no velocímetro mas lenta na mente de Pedro.
Os olhos passaram vezes incontáveis pelo relógio do seu automóvel. Nunca mais era a hora de
ver Sara.
Quando finalmente estacionou frente à casa dos seus ainda sogros prontamente a porta se
abriu.
- Papá!!!! – Com um sorriso rasgado Sara correu em direcção ao pai. Nas costas uma
mochilinha cor-de-rosa, com a forma da cara de uma gatinha. Nas mãos um peluche peculiar.
O tigre Hobbes, o companheiro de aventuras de Calvin. Presente do tio Diogo, este peluche
recordava a Pedro as suas tiras de banda desenhada preferidas.
- Girassol! – Pedro apressou-se a apanhá-la do chão. Levantou-a acima do seu olhar. O sol a
espreitar por entre os cabelos soltos da filha. – Tantas saudades que o pai tinha de ti meu
amor! – Deu-lhe um abraço que, a certa altura, lhe pareceu demasiado forte. Ao pé daquela
pequena criança todas as preocupações ficavam minúsculas. A filha olhou sobre o ombro do
pai para o lugar-do-morto, vazio. – A mamã? – Pedro fez um esforço descomunal para manter
um sorriso na cara. – A mamã não pode ir girassol.
Dona Beatriz aproximou-se, carregando uma malinha nas mãos e tristeza nos olhos.
- Como vai Pedro? – Este respondeu-lhe com um encolher de ombros. – Vai-se andando…
Olhe, nós vamos até Sevilha. Eles têm lá um parque de diversões. Vai ser um espectáculo, não
é filhota? – Olhou de novo para a sua menina. – Siiiiiim!
O resto do dia foi passado em viagem. Pedro e Sara cantaram, jogaram e riram bastante. Os
silêncios, curtos, só aconteciam a seguir às perguntas sobre a “mamã”.
Ao fim do dia chegaram a PortAventura. No quarto do hotel Pedro deitou a sua filha. Sara
despertou por uns instantes. Enquanto o pai lhe aconchegava os lençóis, Sara fez o pedido de
sempre:
- Papá canta a música da menina doce. Cantas?
O pedido desenhou um sorriso na cara de Pedro. - Claro meu amor. – Deitou-se ao lado dela e
começou a cantar a música do seu filme preferido – Assassinos Natos - Sweet Jane.

Postado por Touro Zentado às 16:04


Domingo, 24 de Junho de 2007

Capítulo XXV
Um banho quente sabia-lhe bem, mas agora sempre que entrava numa banheira lembrava-se
dela. Teria sofrido? Gostava de pensar que tinha sido rápido. Ela não merecia sofrer.
Novamente um impulso de escrever o seu nome. Desta vez foi no espelho embaciado da casa
de banho. Antes tinha sido na PJ. Aquilo sim tinha sido uma burrice. Escrever CLARA no local
onde tinha sido interrogado sobre a sua morte. Mas escrever o seu nome era como uma forma
de tê-la ali perto dele novamente.
Via seus ferimentos por entre as letras. Um grande corte sob o olho direito e uma negra do lado
esquerdo da boca. Quem diria que aquele estupor era tão forte? Mas não reagiu. Por quê? Por
que deixou que Pedro lhe batesse? Por quê?
Talvez tivesse sido aquela foto da Clara com a miúda e com Diogo. Sabia que ela tinha uma
filha, mas não sabia que era tão próxima do cunhado. Ela nunca falava sobre a sua vida
pessoal. Na verdade, não sabia muito sobre ela, mas o que sabia bastava-lhe. Ela era doce.
Um anjo.
Pensava nas suas fotos. Antes faziam-lhe companhia, mas agora não as podia ter por perto.
Fizera bem em tirá-las das paredes. O seu perfume e o sabor da sua boca seriam as únicas
lembranças daquele amor quase platónico.
Por agora era melhor colocar um penso rápido naquele corte. Já estava atrasado.

A sua mão alisava a superfície da chaise longue quase como um acto involuntário. O veludo
suave que lhe fazia lembrar a pele de Clara. Ou como ele imaginava que fosse. O beijo foi tão
rápido!
Tic, tac, tic, tac…detestava aquele relógio. Tic, tac, tic, tac. Ela já estava dez minutos atrasada.
Demoraria muito mais? Não gostava de admitir para si mesmo que andava numa psicóloga,
mas aquilo até sabia bem. Era sempre alguém com quem compartilhar, uma amiga.
Não tinha muitos momentos assim. Ultimamente seu único amigo era ele mesmo. Os antigos
amigos não percebiam o seu amor. Não percebiam as fotos nas paredes ou o perfume de
maçã. Diziam que era uma obsessão.
“Olá César. Como estás? Fizeste o teu TPC?”.
Era uma senhora elegante a Drª Sophia Dantas. Lembrava-lhe Sophia Loren não só pelo
sotaque ou pela elegância, mas principalmente pela beleza. Seu sotaque não negava que
vinha de Itália, mas não atrapalhava a sua atitude decidida e profissional. Ela sabia o que fazia.
“Fiz. Custou-me um bocado, mas fiz. Assim a polícia já não terá tantas suspeitas, não é? Mas
não consegui deitar fora o perfume. Talvez ainda consiga, mas não agora. E qual é o mal em
tê-lo comigo?”. Tinha esperanças de que ela concordasse que não havia mesmo mal nenhum.
“Tu sabes qual é o mal. Já falamos sobre isso vezes e vezes sem conta. Tu amas demais, e
amar demais também é uma doença. É por isso que estás aqui. Mas se não fazes aquilo que
eu te peço, se não cooperas, eu não posso ajudar-te!”. Ele sabia que era um paciente
complicado até para uma pessoa com tanta experiência. Sabia que ela precisava ter muita
calma e paciência. Mas porque as pessoas não conseguem aceitar um amor como o dele?
“Não quero ver-te novamente até que te livres de todas as coisas que podem lembrar-te dela.
Ela está morta, César! E tu estás vivo! E ou paras com essa história de que a polícia vai
perseguir-te ou mando-te para um psiquiatra para que ele te trate como um esquizofrénico!”.
Levantou-se e foi até a porta, mas antes de sair perguntou “Queres dizer mais alguma coisa?”
César já não sabia o que dizer. Aquela que achava ser a sua “quase” amiga também o ia
deixar, assim como os outros amigos tinham feito. Será que ele estava mesmo obcecado com
aquela história? Será que o seu amor era anormal?
Decidiu contar-lhe sobre a sua visita à casa de Clara. “Estive na casa dela. Sei que era suposto
não ir até lá, principalmente sendo uma cena de crime. Mas precisava de tentar perceber o que
se passou. Precisava de sentir a sua presença. Precisava de ver o local onde ela morreu.”
Ela fez um ar desconsolado. Fez aquela cara de quem estava a pensar que ele era um
estúpido, mas respirou fundo, manteve a calma e sentou-se novamente. “E então?”
Ele contou-lhe sobre como foi estar na casa da mulher que amava, como foi sentir o seu
perfume e ver as suas fotos. “E então recebi uma sms que me dizia que o que eu estava a
procurar estava debaixo da mesa do escritório! Mas não sei quem enviou nem estava a procura
de nada! Já estou farto dessas mensagens misteriosas!”.
Ela bateu com a mão na mesa e levantou-se. “Acho que tenho mesmo que mandar-te para o
psiquiatra! Tu andas a querer enganar-te ou o quê? Não tens ninguém a seguir-te, ninguém a
mandar-te mensagens! É tudo imaginação tua! Não vês?”.
Desta vez foi ele que se levantou. Não estava a ficar louco nem estava a imaginar coisas.
Sabia que a sms era real. Ou pelo menos achava que sabia! Pegou no telemóvel para mostrar-
lhe as mensagens. Mensagens, Caixa de entrada, Mensagens Recebidas. Não estavam ali!
Teria apagado?
Tinha que descobrir quem matara Clara. Mas como? “Volto quando descobrir o assassino”.
“Onde vais? Ainda temos muito que conversar. Quero dar-te o cartão de um amigo meu. Ele vai
passar-te uns medicamentos que podem ajudar.” Mas ele não queria saber de psiquiatras.
Bateu a porta.

Pensava como ia fazer para encontrar Diogo. Tinha deixado a agenda dentro da mala. Devia
ter tirado pelo menos o cartão! Estúpido. Ainda procurou na sua lista de contactos do telemóvel,
mas não conseguiu encontrá-lo.
O telemóvel começa a tocar, mas não conhece aquele número.
“César?”. Conhecia aquela voz, mas não lembrava de onde.
“Sim? Quem fala?”
“Vimo-nos no apartamento da Clara. Eu sou a amiga do Pedro, Marta.” Agora lembrava-se.
“Olá.” Não sabia exactamente o que dizer. Não era muito bom no que se pode chamar de
relacionamento interpessoal. Nunca soube como puxar conversa. “Está melhor?”
“Estou sim, obrigada. Desculpe também por ter telefonado, mas precisava mesmo falar
consigo.”
“Como conseguiu o meu número?” Seria ela mais uma investigadora? Teria ele cometido algum
erro? Estariam todos à sua procura?
“Reconheci a sua voz e lembrei-me que fizeram-lhe umas perguntas sobre a Clara. Pedi à
pessoa que está encarregue das investigações do assassinato que me desse o seu número.
Ando a tentar ajudá-los, mas não sou polícia. Não se preocupe!” Se não era polícia, o que
queria com ele?
Ela continuou. “Sei que você era colega de trabalho da Clara, mulher do Pedro. Queria falar um
bocado sobre isso. Posso?”
“Ok” Essa poderia ser a sua oportunidade de descobrir mais um bocado sobre as
investigações. Poderia ajudá-lo a dar mais alguns passos e descobrir quem tinha tirado a vida
daquela mulher a quem ele tinha amado de forma tão plena. Poderia ajudá-lo na sua vingança.
“A Clara comentava consigo algo sobre a sua vida pessoal?”
“Não. Falávamos mais sobre o trabalho. Quer dizer, sabia que ela tinha uma filha e que era
casada, mas não mais do que isso.”
“Engraçado. Li no depoimento do cunhado dela uma referência sobre o facto de vocês os dois
terem ficado mais próximos nos últimos tempos.” Por que Diogo teria dito aquilo? Estaria a
tentar incriminá-lo? Ou teria Clara comentado com ele sobre o amor dos dois? Que estupidez
pensar que ela também o amava! Pensou no beijo.
“Não sei o que faria com que o Diogo dissesse isso. Não era verdade.”
“Mas você amava-a, certo?” Como ela sabia? Ele não tinha dito nada sobre isso. Teriam
conversado com a Drª Sophia? Mas e o raio do profissionalismo? Onde estava? "Lembro-me
de uma música que lhe dedicou há uns tempos: "Shoot Me Down". Pareceu-me romântico,
atencioso."
“Er…Sim. Mas isso não vem ao caso! É pessoal!”
“Hum…ok. Eu não conheço o Dr. Diogo Madureira, mas sei que ele é um psicólogo. Não sabe
se a Clara andava a fazer terapia?”
“Já disse que não falava sobre a sua vida pessoal.”
Repetiu para Marta tudo aquilo que já tinha dito à polícia. Mas ela diria aquilo que ele queria
saber? “E vocês já têm alguma pista sobre o assassino?”
Ela pareceu hesitar antes de responder. Pareceu ponderar. “Na verdade, ainda não sabemos
quem ele é. Ou ela." Ficou em silêncio por alguns segundos. No que estaria a pensar? "Parece
que o trabalho foi bem feito.”
“Parece estar a esconder-me algo.” Atirou barro à parede.
“Você parece um bom homem. Parece-me que amava mesmo aquela mulher. Acho que pode
ajudar-me a descobrir mais qualquer coisa.” Ela começava a abrir-se com ele. “Eles dizem que
eu tenho uma coisa chamada PES. Parece que eu sei de coisas que outras pessoas não
sabem. Sinto o que outras pessoas não sentem. Ontem vi o rosto de um homem na banheira
da Clara. Não sei se é importante, mas senti uma coisa estranha.”. Ele deixava-a falar. “Senti
medo.”
“E conhece o tal homem?”
“Er…Não sei. Achava que sim, porque conheço o seu rosto. Mas não parecia ele. A energia não
era a dele.”
“Tenho de ajudá-la a descobrir o cabrão que matou a minha Clara.”

Postado por nathalia às 20:21


Domingo, 1 de Julho de 2007

Capítulo XXVI
Marta andava uma pilha de nervos nestes últimos dias. E chorava com alguma frequência. Era
demasiado peso para os seus ombros pensava. Ou era o PES que parecia não evoluir, ou era
o facto de toda a gente esperar o melhor dela e de ela depender para desvendar a identidade
do assassino. Estava tudo uma enorme confusão na sua cabeça!!! Marta, determinada, pega
no telefone. Procura na agenda um número... carrega no botãozinho verde.

-Estou! Inspector Mesquita? Daqui é a Marta. A maluquinha com "aquilo" do PES... Está tudo,
mais ou menos. Olhe... OLHA... Estou com a cabeça cheia de dúvidas e confusa. Podíamos
marcar um encontro? SIM?... Obrigado. Onde?... Jantar? Está bem! ... Em que lugar?... Ok!
Vou ter consigo... contigo.

Em 15 minutos Marta chega de táxi ao Parque das Nações. Francisco estava á sua espera.
Encostado ao seu Peugeot 307 preto, acena para Marta. A conversa logo começou.

- Conheço um óptimo restaurante, Marta.


- Ai sim Inspector.... Ainda bem, pois estou com alguma fome. Mas olhe que eu tenho gostos
requintados!!!
- Mas eu pensava que você estava... com fome??!!
- Hahahaha!!! Estou a ver que requintado é o seu humor, Insp.... Francisco. Gosto disso. Ainda
bem que me saiu na rifa um Inspector da Judite com bom humor. É bom para aliviar a tensão
destes dias.
- Acredito que estejam a ser uns dias terríveis para si. Nunca imaginou que estaria neste
momento a ajudar a "Judite" na descoberta de um Serial-Killer.
-Isso é verdade.
-Se realmente conseguir apurar a sua PES, pode bem ser a grande obreira de tal feito. É por
isso que trouxe um dossier com dados relativos ás mortes das outras 3 vitimas que quero que
analise muito bem. É muito importante que consiga dominar na perfeição esse seu dom, para
que nos ajude a travar este assassino.
- Pois... Isso vai ser o mais dificil.
- Mas vai conseguir. Eu sei que sim. Eu acredito em si. Só falta você acreditar. E...ah e tal, se
fôssemos comer então??
- Aí está uma boa ideia. Até já tenho o estômago colado ás costas.

......................................

Chegados ao restaurante, sentaram-se bem junto à janela, que dispunha de uma bela vista
para o rio Tejo. O restaurante tinha uma decoração moderna com fotografias de músicos e
vários instrumentos espalhados pelo espaço. Tudo era referência à música. Marta gostava.
Estava deslumbrada com a envolvência conceptual em torno da música. Os Nouvelle Vague
são o som de fundo. A letra de Dance With Me conseguia-se ouvir na perfeição.

"Let's dance little stranger


Show me secret sins
Love can be like bondage
Seduce me once again.
...
Won't you dance with me
In my world of fantasy
Won't you dance with me
Ritual fertility."

- Belo restaurante, Francisco. Estou impressionada. Para além de Inspector da Judiciária bem
humorado, também sabe escolher bons restaurantes. Muito bem.
- Digámos que... "sei escolher bons restaurantes" é o meu nome do meio.
- Então... você chama-se... Francisco "Sei Escolher Bons Restaurantes" Mesquita. Parece-me
um excelente nome para um inspector da judiciária..
- Estou a ver que está bem disposta, menina Marta. Mas lamento estragar-lhe essa boa
disposição, mas temos de adiantar trabalho enquanto a comida não chega. Tenho aqui o
dossier que lhe falei.
- Bahh! Ok, vamos lá então... errr... "dar forte"(?)... no trabalho.
- Então vamos lá. Isto que tenho aqui em mãos... é o dossier que contém os elementos dos 3
primeiros crimes cometidos pelo nosso "querido Jack"... estrangulador. Este dossier ficará
consigo. Vai levá-lo para casa, estudá-lo, ver as fotos... e principalmente tocar nos objectos. Os
objectos serão os seus mediadores na busca visual do assassino. Certo?
- Ceeerrrtttoo!! Então conte-me coisas sobre a 1ª vitima. Nome, idade, onde morava, ....
- Maria da Conceição. 32 anos. Natural de Bragança, mas resídia há já algum tempo em Sintra.
Era funcionária de um banco. Solteira. Nas conversas que tivemos com alguns vizinhos, todos
foram peremptórios em afirmar que era uma pessoa simpática e afavél. Aliás, todos eles
ficaram incrédulos e muito tristes com a noticia da sua morte.
Em relação ao modus operandis, basicamente é o mesmo usado nas 4 vítimas até agora. Ele
entra em casa das vitímas, e quando elas estão no chuveiro aparece por detrás e com as duas
mãos bem apertadas no pescoço, sufoca as vítimas até à morte. Isto segundo os relatórios do
médico-legista.
- Errr... cobarde!!!
- Segunda vítima. Raquel Coelho. 29 anos. Natural de Lisboa. Resídia actualmente na linha do
Estoril. Professora de Psicologia. Solteira. Nas declarações dos vizinhos, notámos alguma
apreensão... pareciam com medo quando se falou nela. A vizinha da porta da frente disse que
havia sempre muito movimento em sua casa aos fins-de-semana. Principalmente homens. Ao
que parece a nossa professorinha, mantinha uma certa... vida-dupla. Resta saber qual.
- Uma banqueira e uma professora de psicologia. O que virá a seguir? Médica??
- Boa Marta. Bastante perspicaz... Tânia Silva. 34 anos. Divorciada. Natural da Nazaré.
Residente em Oeiras. Exercia funções de pediatria no Hospital Santo António. Segundo
declarações de colegas de trabalho, ela nos últimos dias andava muito nervosa. Não falava
muito e mesmo na relação com as crianças... não parecia a mesma. Fria, distante... disseram
eles. Das 3 primeiras vítimas, esta parece que foi a que deu mais luta. Segundo o relatório, as
escoriações eram bem mais visivéis no pescoço da vítima.
- E eu que pensava que estas coisas só aconteciam nos filmes.
- É verdade. Afinal... não estamos tão sossegados quanto isso.
- Ahhh!! Finalmente... o meu arroz de pato está pronto. Com esta história toda, até já me tinha
esquecido da fome que tenho... argh!!!
- A gente continua depois do jantar. Mas entretanto fique aí com o dossier... não vá você
esquecer-se dele... por causa do "pato".
- Seeeempre a mandar a piada. Como é que consegue, com todo este... clima de... mortes??
- Uiii!!! Nem eu sei. Digámos... que é a minha natureza ser assim... tão bem disposto.
- Ah, e em relação a César, o número que me forneceu já o usei. Falei com ele, mas adiantou
de pouco. Não será melhor marcar um encontro com ele?
- Quer que o chame à Judiciária? Arranjava uma sala só para vocês os dois. Mais seguro e
longe de olhares curiosos.
- Parece-me bem. Até porque ele continua bastante abalado com esta história toda da morte de
Clara. Depois diga-me qualquer coisa sem falta.
- Amanhã, logo de manhã trato disso. E... o seu pato está bom??
..............................................

Dossier na mão e pronta para ir embora, Marta deixa cair algumas fotos do dossier. Há uma
que lhe prende a atenção. Raquel Coelho estava meio emergida nas águas calmas da
banheira. Olhos abertos. O olhar era mórbido e sereno ao mesmo tempo.
Marta observa atentamente, e num ápice começa a sentir algo estranho. Como se alguém a
estivesse a arrastar para um local desconhecido. Estava em pleno apartamento da segunda
vítima. Naquele momento, viu alguém... alto e esguio. Vestia de preto e usava chapéu. Um
chapéu como outro qualquer. Também preto. A imagem era turva e dessincronizada. Mas era
real e perceptível o suficiente para saber que era o assassino... alto e esguio. Acabara de sair
do apartamento... a cheirar a "morte" nas suas mãos. Implacavél...
Parou...

Marta não se conteve e saiu a correr para o muro mais próximo. Vomitou...
- Ainda dou em bulímica com esta palhaçada! Dass!!!
- Vai! Voa patinho... Voa em liberdade!!!
- Haha...errr. Muito engraçadinho, senhor Inspectorrrr!!! Acho que enveredou pela profissão
errada.
- Já não é a primeira pessoa que me diz isso, sabe...
- Imagino... imagino. Deve ser fresco você. Deve, deve!!!
- Nada disso Marta. Gosto apenas de tornar os momentos... mais... agradavéis só isso. Quer
boleia para casa???
- Sim. Porque não. Não me estava apetecer dar conversa a um taxista com este hálito a "pato
morto".
- Vamos então.

..........................................................

Já só, no seu apartamento e com os dentes bem escovados, Marta resolve deleitar-se no sofá.
Dossier em cima da mesa. Aparelhagem ligada a "meio gás". Gostava de se concentrar ao som
da música.

"Spy something begining with S.......

On candystripe legs the spiderman comes


Softly through the shadow of the evening sun
Stealing past the windows of the blissfully dead
Looking for the victim shivering in bed
Searching out fear in the gathering gloom and
Suddenly!
A movement in the corner of the room!
And there is nothing I can do
And I realize with fright
That the spiderman is having me for dinner tonight!
............
And I feel like I'm being eaten
By a thousand million shivering furry holes
And I know that in the morning I will wake up
In the shivering cold

The spiderman is always hungry..."

Começa pelos objectos. Toca-os. Sente-os. Marta fecha os olhos. O shampô de Maria, a 1ª
vítima é apalpado em suaves toques. A imagem turva e dessincronizada volta a aparecer, mas
desta vez mais clara e nítida. O mesmo corpo alto e esguio vestido de preto volta a aparecer.
Ele está em todo o lado. Aquele chapéu. Um simples boné preto com umas pequenas letras a
branco do lado direito. "SWISS". O que quer que signifique aquela palavra, ela tinha a ver com
Suiça, pensava Marta.
Acorda. Decide apontar. Parece-lhe relevante aquela palavra. Já é um começo dizia ela.
Decide segurar o segundo objecto. A toalha de banho de Tânia, a 3ª vítima. Desta vez é dificil
concentrar-se. Estava cansada...

Postado por Corduroy às 16:34


Quinta-feira, 5 de Julho de 2007

Capítulo XXVII
… Demasiado cansada. Inspirou fundo. Sentiu náuseas. Um cheiro conhecido de há 40
minutos entrou e bateu-lhe no cérebro como um martelo.
- Que horror! Ainda cheiro àquilo! Banho. Preciso de um banho. E esta roupa toda também.
Marta dirige-se à casa de banho. Tira a roupa como se estivesse cheia de formigas e coloca-a
da parte de fora da porta. Abre a torneira e ajeita o chuveiro:
- Não! Hoje … preciso de relaxar. No emprego está uma barafunda por causa daquela treta da
máfia. Tratar da casa. Tratar dos assuntos dos outros. Ajudar a polícia. Este dossier
malfadado…. Também preciso de tratar de mim. - pensou.
Coloca a tampa no ralo e o tapete de borracha no fundo da banheira e senta-se na beira do
bidé olhando para a turbulência da água a cair.
Os seus pensamentos voam por minutos. Lembra-se do Mesquita e das suas piadas. “ Voa
patinho…” . Sorriu. Percorre mentalmente todos o factos procurando omissões. Experimenta a
temperatura. Fecha a torneira e com satisfação entra na água devagar, saboreando cada
centímetro. Mergulha completamente voltando novamente à superfície, passados alguns
segundos, ao mesmo tempo que puxa para trás seu cabelo. Deixa-se estar só com a cabeça
de fora. Vai respirando devagar procurando relaxar. A água subia e descia, qual maré,
acompanhado a respiração. Suas mãos sobem desde as ancas, passando pelo abdómen até à
zona mamária inferior. As duas mãos acariciam o contorno suave de cada mama, subindo,
depois, pelo externo, ficando com as mão cruzadas em cima de cada clavícula oponente.
Ouve um barulho. A porta começa a abrir-se devagar. Seu coração começa a acelerar. Sente
um nó na garganta. Não sabe o que fazer. Lembra-se de gritar, mas uma orelha e uma pata
branca denunciam o invasor:
- Becas! Seu doido!
- Miau! - respondeu sentando-se olhando para a dona com uma ar curioso.
Precisava mesmo relaxar. Fecha os olhos. Várias imagens surgem. Imagens que já lá existiam.
Coisas que já tinha visto. Relembra o que viu há poucos minutos. Aquele boné. Podia ser uma
pista.
- Tenho que ir aos locais.!
Abre os olhos e olha para fora da banheira. Tenho que ensinar o Becas a trazer o telefone.!
Pega no champô. Esquece! Fica para amanhã! Hoje é a minha vez!

--//--

- Pois é, Pedro! Não adiantamos nada!


- NADA?
- Nada! Ainda ontem jantei com Marta… - … jantar? … - … sim jantar, e ela, coitada ainda
passou um mau bocado.
- Mas, Mesquita, nem uma porra de uma pista?
- Nem uma!… - diz num tom impotente.
O telefone da mesa gritou.
- Xiça! Tenho que baixar o som disto. – Estou?... Sim! Pode passar…. É Marta! – disse com a
mão no micro. Pedro levantou-se e ficou alerta com ambas mãos em cima da secretária.
Mesquita levanta a mão com o dedo indicador apontando para o tecto quando sentiu que Marta
já estava do outro lado. - Estou? Marta?... Bom dia! Estás melhor?... Logo vi que sim! Mas diz-
me lá porque me telefonas logo de manhã. Tens alguma coisa para mim?... Sim!... Hum-hum…
- Mesquita ouviu por 1 minuto interrompendo somente com sim’s e hum-hum’s. Pedro mexia-se
como um Tigre numa jaula, de um lado para o outro sem parar. Mas ela já viu alguma coisa? -
Sim Marta. Fazemos assim. Vou buscá-la. Certo? Estou aí em 15 minutos. - desliga.
- Homem! Fala comigo! Estou quase a rebentar.
- Pedro. Vai para casa. Depois falamos.
- Para casa? Onde vais?
- Eu vou aonde tu não podes ir. Por isso casa!
- Eu também vou. Ela descobriu alguma coisa, não foi?
- Depois digo-te. Marta o que precisa menos agora é tipos a deitar fumo como tu. CASA!
- OK! OK! Está bem! Já percebi! É gira não é?
- Olha lá! Ainda tens a esposa morna e já andas de garras de fora? Qu’é essa merda?
- Eu já não estava com Clara há mais de meio ano. E já tive outras aventuras entretanto.
- Vá! Vai lá para casa. Quando é que cresces pá!? Desde a 4ª classe que és a mesma coisa.

--//--

- Então Marta!? Conta-me… e por cada senhor, passo-te uma multa.


- Bem! Preciso ir aos locais onde se deram estes crimes.
- TODOS?
- Não! Para já acho que não! Estava a pensar ir ao sítio onde houve maior tensão. O 3º.
- É uma boa ideia. Vamos lá então! Já vim prevenido. Trouxe as chaves! – disse mostrando um
chaveiro apinhado.
A casa ficava no centro de Oeiras. Num prédio que de novo tinha muito pouco, mas estava bem
cuidado.
Mesquita vai na frente. Sobe as escadas, escolhendo a chave certa. Chegando, abre a
respectiva porta
- Mesquita? Uma pergunta parva. Repararam que as mortes foram sempre a 4ª terça-feira do
mês?
- Como?
- Sim! Como está no dossier, 4 em 4 meses, mortas sempre da mesma maneira, MAS…
sempre na 4ª terça-feira do mês.
- Bem! Já tinha reparado que era sempre numa 3ª feira, mas na 4ª do mês… sinceramente,
não! Escapou-nos. Mas é assim tão relevante?
- Pode ser. Não sei. Mas uma coisa sei. O prazo está a terminar!
- Sim! Dia 24 de Julho… eu sei! Temos que nos mexer ou então… bom! Anda entra. Está
aberta. Abrem-me bem esses olhos. Os objectos ajudaram?
- Sim. A toalha da dona desta casa deu um resultado mais ou menos o mesmo que dos outros
objectos. Mas acho que aqui deve haver mais qualquer coisa.
- Eu fico aqui de lado. Deixa-me fechar a porta.
Marta acena com a cabeça afirmativamente sem tirar os olhos daquilo que lhe parecia a porta
da casa de banho. Avança devagar. Com a ponta dos dedos da mão direita empurra porta,
como se estivesse a escaldar, até estar completamente aberta. Sentiu um arrepio. Dá o
primeiro passo. Inspira profundamente. Avança os braços como se deambulasse numa noite
escura. Dobrasse indo tocar da cortina, rasgada, da banheira que está no chão. 3 flashes
seguidos. Já os tinha visto. Nada demais. Toca nas paredes. Dizem-lhe pouco. Como se as
imagens estivessem cansadas de dizer o mesmo.
Marta baixa os braços frustrada. Novo arrepio. Marta esfrega o braço esquerdo. Quando se
volta, como se procurando algo, os olhos batem no espelho do lavatório. Algo lhe diz que é
importante. Na da primeira vez, em casa de Clara, e agora outra vez. Aproxima-se. Levanta a
mão esquerda e toca no espelho. Naquele mesmo momento ela vê reflectido um homem de
cara tapada com um passa-montanhas preto. Boné na cabeça. Está baço. Está calor. Ouve-se
a água correr. Humidade no ar. Estás em paz! - profere Marta. Começa a vocalizar uma
melodia sua conhecida. Novo arrepio.
Marta deixa o espelho e sai da casa de banho. Mesquita assistiu a tudo e longe, calado.
Pergunta:
- Ele mata para se sentir em paz?
- Parece que sim! Mas não sei. Há aqui qualquer coisa muito importante. Já senti isto em casa
de Clara e volto a sentir aqui... - procura -não sei onde… - mulher! olha em volta - não sei -
mexe em tudo. Na sanita. No porta-moedas. Em qualquer porra! Anda ! - MESQUITA! JÁ DE
DISSE, NÃO SEI! Desculpa! Estou confusa. Dá-me vontade de partir qualquer coisa. Agarrar
em coisas - Marta pega no comando do DVD - e atirar com elas... - um flash fez Marta ficar
tensa de olhos arregalados como se tivesse levado um tiro. Volta-se para o DVD.
- Esta casa ainda tem electricidade?
- Sim!
- Alguém abriu o DVD?
- Sim! Quer dizer, não sei! Acho que sim! Eles têm ordens para ver tudo.
Marta estende a mão e liga a televisão e de seguida o DVD.
De imediato o DVD começa a ler um disco que estava inserido. Um vídeo clip.

- Ele quer que o ajudem! Pede por socorro! - disse Marta depois de visualizado o vídeo.
- Concordo! - diz Mesquita em tom monocórdico ainda com os olhos no ecran da televisão.
Pega no telefone. - Estou ! Quando chegar quero saber porque raio é que ninguém verificou o
DVD no 3º caso!... Qual caso? QUAL CASO? O CASO QUE TENHO COM A EMPREGADA DO
BAR DA ESQUINA!! QUAL CASO É QUE ACHAS QUE ESTOU A FALAR?... Hã?... O quê?...
Júlia?... Qual Ju… a emprega… grrrr…QUERES FAZER O FAVOR DE LEVANTAR ESSE CÚ
DA CADEIRA E IR VERIFICAR SE OS DVD’S FORAM VISTOS? … e caso não se lembrem…
metem os pés a caminho e … … hã?... AQUI NÃO, ESTÁ CLARO! MAS HOJE ACORDASTE
PARA O LADO DA ESTUPIDEZ?... ISTO É UMA FALHA MUITO GRAVE! MEXAM-SE!
Marta olha para Mesquita atónita:
- Até eu fiquei com vontade de ir a correr para qualquer lado. Xiça! Onde está o Mesquita que
conheço?
- Está visto que ainda não se levantou da cama! Bom! Resumindo. Que temos?
- Bom! Temos alguém que não bate bem da cabeça. Gosta de matar mulheres loiras de olhos
verdes, que se vestem bem, em determinada data e sempre do mesmo modo Não desarruma a
casa. Só tem interesse na mulher e nunca arromba portas. Podemos presumir que é sempre
conhecido das vítimas. Ele segue um padrão, mas pouco nos ajuda a saber onde será a
próxima vitima, ou quem. Pelo menos desta vez deixou um DVD no leitor, nos outros sítios
vamos a ver.
- Estamos na mesma.
- Bem! Nem tanto. Já seguiram o rasto de cada vítima? Locais que frequentavam. Algum
clube… sei lá! Algo que as ligasse.
- Não demos com nada!
- Tem que ser alguém do convívio… alguém em quem confiam… ou então frequentam um lugar
onde deixam a mala acessível de modo que alguém possa fazer um molde da chave de casa.
- Meu Deus! Eu sei! E a porra do DVD nem uma dedada tem. Nada! - suspirou Mesquita
desconsolado.
- Quero ir a casa de Clara! Aquele espelho da casa de banho também deve ter algo para me
dizer.
- E estás à espera de quê?? Já estás à porta do carro?

Postado por Eduardo Ramos às 11:40

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