Вы находитесь на странице: 1из 32

Projeto Timor Leste

D
uas missionárias recém-chegadas do Timor

Maris Bolsan
Leste nos relatam que este país “está vivendo,
mais uma vez, momentos de escuridão em pleno
dia. Desde o mês de fevereiro deste ano, a nação vem
sofrendo uma crise interna, junto às Forças Armadas,
revelando um cisma que resultou na dispensa de 591
soldados. Em conseqüência disso, no dia 28 de abril,
desencadeou-se na capital – Dili – uma série de conflitos,
agravando a situação. O presidente, Xanana Gusmão,
por precaução e receio de um maior caos urbano na
capital, firmou um acordo com a Austrália, convocando
suas Forças Armadas para assumir o controle do país.
Não cessando os saques e incêndios entre os grupos
rivais, chegaram ao país tropas da Nova Zelândia, Malásia
e posteriormente o GNR de Portugal, um policiamento
especial para combater este tipo de conflito.
Dentro desta realidade estão 220 brasileiros, entre
funcionários da ONU, embaixada, professores, pro-
fissionais de entidades ligadas ao governo brasileiro.
Estão também muitos missionários e missionárias que,
enviados para o Timor, querem ver no olhar desta nação o brilho de um novo amanhã. Dentre as missionárias estão as do Pro-
jeto Missionário de Solidariedade entre as Igrejas do Brasil e Timor Leste. São seis missionárias, leigas e religiosas de diferentes
Congregações, vivendo uma experiência de intercongregacionalidade, internacionalidade e inculturação: Lúcia de Fátima Cardoso
- Missionária (Brasília); Ana Jacira dos Santos - Leiga Consagrada do Instituto Maria Co-Redentora (Natal); Ir. Rita de Jesus Miranda
- Irmãs Escolares de Nossa Senhora (Porto Alegre); Ir. Maria Nieta de Oliveira - Irmãs Josefinas (Fortaleza); Ir. Zélia Neiss - Irmãs
da Divina Providencia (Santa Catarina) e Ir. Vera Lúcia Palermo - Irmãs do Divino Salvador (São Paulo). As missionárias estão
nas localidades de Laléia e Laclubar (Diocese de Baucau) e em Dili. Estão há muitos dias sem poder sair de Dili. O povo não sabe
quando poderá voltar para casa e muitos não sabem se vão encontrar suas casas. A esperança que eles têm é Deus (Maromak)”.
(www.catolicanet.com.br/timorleste)
Apoio:
Você pode ajudar o Projeto Timor leste enviando sua colaboração para:
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - Caixa Econômica Federal
Agência 2220 - O.P. 003 - Conta corrente 00035.229-9
Ajude-nos a realizar este Projeto.

Romaria dos Mártires da Caminhada Latino-Americana


“VIDAS PELO REINO DA VIDA”
15 e 16 de julho de 2006
Prelazia de São Félix do Araguaia
Casa da Equipe Pastoral
Rua São Paulo, nº 60
Ribeirão Cascalheira - MT
Tel./Fax: (66) 489-1279
www.alternex.com.br/~prelazia
prelaziasaofelix@uol.com.br
EDITORIAL
TRÊS PROJETOS
SUMÁRIO
julho/agosto 2006/06

A
revista Missões tem por finalidade oferecer um conteúdo
de formação e informação, despertando ações em favor de
causas missionárias. Informação, cooperação e animação são
fundamentais para se viver a missão. Promover e defender
a vida onde ela se encontra ameaçada é uma questão de
justiça evangélica para com os mais necessitados. Ao longo
das últimas edições apresentamos algumas situações que merecem
especial atenção: a reconstrução da Missão de Surumu em Roraima, 1 - Criança Yanomami.
o Mutirão para a Amazônia (ver capa 3) e o Projeto Timor Leste (capa Foto: Silvano Sabatini
2). Estas são apenas algumas de tantas causas que necessitam de
nossa solidariedade. 2 - Leonardo Boff.
Foto: Cecília de Paiva
Conforme noticiamos, no dia 17 de setembro de 2005, a Missão
de Surumu, no Estado de Roraima, foi atacada por um grupo de 150
homens, numa ação orquestrada por fazendeiros, em retaliação pela
homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Os invasores  MURAL DO LEITOR--------------------------------------04
incendiaram a maior parte das instalações: escola, hospital, dormitó- Cartas
rio dos alunos, casas e a Igreja. A Diocese de Roraima lançou uma  OPINIÃO--------------------------------------------------05
Campanha de solidariedade e reconstrução da Missão, começando Novos caminhos da evangelização
Jaime Carlos Patias
pela Escola. Reconstruir o Centro Indígena de Formação e Cultura
em Surumu é muito mais do que levantar prédios. É reconhecer a  PRÓ-VOCAÇÕES----------------------------------------07
resistência e a organização dos povos indígenas da Raposa Serra Vocação consagrada: resposta a Deus
Rosa Clara Franzoi
do Sol. É também uma resposta à séculos de violência e perseguição
sistemática contra os povos indígenas desse país.  VOLTA AO MUNDO-------------------------------------08
Asegunda campanha é o Mutirão pelaAmazônia, mais uma iniciativa Notícias do Mundo
CNBB / Fides / POM / ZENIT
em memória de irmã Dorothy Stang e de todos os que morreram em
defesa da vida naquela região tão cobiçada pelo capital. O futuro da  ESPIRITUALIDADE----------------------------------------10
Assunção de Nossa Senhora aos céus
Amazônia, que será tema da Campanha da Fraternidade em 2007, Jordão Maria Pessatti
exige providências urgentes. O debate está lançado: que alternativas
propor ao atual modelo de desenvolvimento, no qual a mais rica região  TESTEMUNHO-------------------------------------------12
O mundo é de Deus, mas a missão é nossa
do país é também a mais agredida e dilapidada, seu povo empobre- Rosa Clara Franzoi
cido e roubado? O agronegócio, as queimadas, o desmatamento
avançam deixando um rastro de destruição. A primeira preocupação  FÉ E POLÍTICA--------------------------------------------14
Um jogo precisa de regras
é a de entender melhor as questões a cerca da região Amazônica. Humberto Dantas
As soluções vão além da subsistência dos povos que lá habitam, da
 FORMAÇÃO MISSIONÁRIA----------------------------15
preservação da água, da floresta e sua biodiversidade. Espiritualidade e Missão
Um pouco mais dista­nte, a jo­­ Luiz Balsan
Maris Bolsan

vem nação do Timor Leste, com uma


 MISSÃO HOJE-------------------------------------------19
população de apenas um milhão de Evangelização dos afastados
habitantes, está vivendo momentos Joaquim Gonçalves
de instabilidade. Estima-se que o  DESTAQUE DO MÊS------------------------------------20
número de pessoas deslocadas em O mundo é nossa pátria
conse­qüência da recente onda de Alfredo J. Gonçalves
violência no país seja de 78 mil. O  ATUALIDADE----------------------------------------------22
último balanço relativo ao número de Romaria dos Mártires, compromisso cristão
pessoas que precisam de assistência Equipe de coordenação
humanitária supera os 15 mil. O presidente Xanana Gusmão, anun-  INFÂNCIA MISSIONÁRIA-------------------------------24
ciou uma série de medidas de emergência para ultrapassar a crise Criança no amor e na dor
político-militar. Em Timor Leste vivem 220 brasileiros entre funcio- Roseane de Araújo Silva
nários da ONU, embaixada, professores, profissionais de entidades  CONEXÃO JOVEM--------------------------------------25
ligadas ao governo. Lá estão também missionários e missionárias, O jovem e a música
Manuel Santos
dentre eles aqueles enviados pelo Projeto de Solidariedade entre as
Igrejas do Brasil e do Timor Leste. Como vemos, nas três situações  ENTREVISTA LEONARDO BOFF ----------------------26
aqui citadas, a Igreja está presente com pessoas que se tornam “pão A cidadania plena deve ser incentivada
Cecília de Paiva
partido para a vida do mundo”. Contudo, o pessoal é ainda muito
reduzido em relação aos enormes desafios. Além disso, a falta de  AMAZÔNIA-----------------------------------------------28
recursos impede a realização de muito mais. Os três projetos aqui Os povos da Amazônia
Erwin Kräutler
apresentados são uma oportunidade única para participar na missão e
na história daqueles povos. Qualquer gesto missionário é abençoado  Volta ao Brasil---------------------------------------30
Notícias do Brasil
por Deus e nos realiza como pessoa humana.  Cáritas / CIR / CNBB / Ipar

- Jul/Ago 2006 3
Mural do Leitor
A no XXXIII - no 06 J ul /A go 2006 Revista Missões

Diretor: Jaime Carlos Patias Fiquei muito feliz ao receber a revista


Missões. Mais feliz ainda por saber que
Editor: Maria Emerenciana Raia nessa equipe está uma pessoa que ad-
miro muito, pela vivência, humildade e
espírito missionário: padre Lírio Girardi. festa será celebrada no dia 15 de julho
Equipe de Redação: Joaquim F. Gon-
Uma equipe que conta com uma pessoa de 2006, com o tema “um olhar pela Áfri-
çalves, José Tolfo e Rosa Clara Franzoi
como esta, só pode ser muito boa. Quero ca”. As nossas estrelas estão unidas ao
parabenizar a todos pela iniciativa, bom sacrifício, à oração e solidariedade pelas
Colaboradores: Vitor Hugo Gerhard,
gosto e perspicácia. Quanto à diagramação crianças e povos da África. Queremos
Lírio Girardi, Luiz Balsan, Roseane de
da revista, é uma das melhores que já vi. juntos arrumar mais amigos e desta vez
Araújo Silva, Júlio César, Manoel Apa-
Leve, alegre, bonita e séria. O conteúdo além-fronteiras. Por decisão do grupo, o
recido Monteiro, Humberto Dantas, é tudo que a gente busca numa revista nosso presente deste mês vai ser adotar
Ramón Cazallas, Luiz Carlos Emer, missionária. Só senti necessidade de um um missionário na África, e nossa oferta
Giovanni Crippa espaço para as notícias curtas. será destinada para lá. As crianças espe-
ram ansiosas para festejar mais um passo
Agências: Adital, Adista, CIMI, Irmã Egnalda Rocha de trabalho na animação missionária da
CNBB, Dom Hélder, IPS, MISNA, Irmãzinha da Imaculada Conceição, Itajaí, SC. comunidade. Fazemos este trabalho com
Pulsar, Vaticano muita luta, vontade e persistência, tendo
Estrelas de Cristo como luz e esperança uma nação e um
Diagramação e Arte: Cleber P. Pires mundo melhor.
Escrevo mais uma vez para que publi- Parabéns pelo bonito trabalho da
Jornalista responsável: quem esta tão grande alegria que sentimos revista e tenham sempre o meu apoio
Maria Emerenciana Raia (MTB 17532) por celebrar mais um ano de caminhada na divulgação de novos assinantes. Um
do grupo da Infância Missionária, “Estre- grande abraço missionário.
Administração: Eugênio Butti las de Cristo”. Celebrar 5 anos de grupo
é muito bom, ainda mais quando se tem Rosineide Maria de Paiva
Sociedade responsável: muito amor pelo trabalho missionário. A Paróquia N.Sra.Aparecida, Jandira, SP.
Instituto Missões Consolata
(CNPJ 60.915.477/0001-29)
Novas Gerações e Vida Religiosa
Impressão: Edições Loyola
Fone: (11) 6914.1922 Vida Religiosa Consagrada. O Congresso
Ivonete Kurten

colocou todos os participantes na dinâmica


Colaboração anual: R$ 40,00 de continuar repensando, re-sonhando e
BRADESCO - AG: 545-2 CC: 38163-2 re-encantando a Vida Religiosa, acolhendo
Instituto Missões Consolata as intuições e valores das novas gerações
(a publicação anual de Missões é de 10 números) e resgatando a memória da experiência
de doação e testemunho das outras ge-
rações. Reunindo religiosos e religiosas
Missões é produzida pelos
jovens, de meia-idade e de terceira idade,
Missionários e Missionárias da Consolata Participantes do Congresso
o Congresso teve como objetivo propor-
Fone: (11) 6256.7599 - São Paulo/SP
Entre os dias 15 e 18 de junho, a CRB cionar espaço de participação e reflexão
(11) 6231.0500 - São Paulo/SP
(Conferência dos Religiosos do Brasil) à Vida Religiosa Consagrada, tornando
(95) 3224.4109 - Boa Vista/RR
promoveu, no Colégio Salesiano Santa Te- visível a sua vitalidade e o processo de
resinha, bairro de Santana, em São Paulo, diálogo geracional, em vista de uma Vida
Membro da PREMLA (Federação de Imprensa o Congresso Nacional “Novas Gerações Religiosa mística e profética que responda
Missionária Latino-Americana) e da UCBC e Vida Religiosa”. Com o lema Memória, evangelicamente aos apelos e desafios
(União Cristã Brasileira de Comunicação Social.) Poder e Utopia, o Congresso contou com do mundo contemporâneo. Buscou ainda
cerca de 1200 participantes de todo o aprofundar os grandes temas do Projeto
Redação país e foi um momento forte do processo Novas Gerações e Vida Religiosa, abrindo
Rua Dom Domingos de Silos, 110 desencadeado na concretização do projeto pistas de prosseguimento, detectando os
02526-030 - São Paulo “Novas Gerações e Vida Religiosa”. Esse principais desafios e as novas interpela-
Fone/Fax: (11) 6256.8820 projeto dinamiza uma das prioridades da ções que alimentam a utopia da Refun-
Site: www.revistamissoes.org.br CRB Nacional e fortalece a responsabi- dação da Vida Religiosa Consagrada e
E-mail: redacao@revistamissoes.org.br lidade comum das diferentes gerações fortalecendo e intensificando as relações
na configuração de um novo rosto para a intercongregacionais.

4 Jul/Ago 2006 -
OPINIÃO
A nova ordem
mundial exige
da Igreja novos
caminhos no
anúncio do
Evangelho.

Novos caminhos da evangelização


Texto e foto de Jaime Carlos Patias

I
nspirado na Encíclica "A Missão do Redentor", de João imprensa... É louvável que em pouco mais de 10 anos, setores da
Paulo II, o último Congresso Missionário Americano Igreja Católica no Brasil criaram 8 canais de televisão. Contudo,
(CAM 2 – COMLA 7) refletiu sobre as transformações precisamos nos perguntar seriamente se a mensagem veiculada
sociais e tecnológicas, indicando alguns caminhos para na televisão católica está ajudando a formar uma consciência
a evangelização no nosso contexto continental. Dentre missionária a ponto de fazer os cristãos se empenharem na evan-
os novos caminhos, o Congresso apontou: os meios de gelização da sociedade. Refletindo “ao pé da televisão católica”,
comunicação social; as culturas dos povos indígenas e afro- padre Zezinho se questiona sobre a imagem de Igreja que a te-
americanos; os pobres e excluídos; uma nova consciência de levisão está passando para a soci­edade. A comunicação católica
gênero na realidade humana e o cuidado com a ecologia. ainda não deixa transparecer a pluralidade da fé que permeia toda
A Missão é comunicação, proximidade de Deus com as a vida da Igreja e do povo brasileiro. Parece refém da sociedade
pessoas, das pessoas com Deus e das pessoas entre si, criando do espetáculo, uma das características da pós-modernidade, que
relações que promovem a vida de Deus. Um meio privilegiado é privilegia a forma sobre o conteúdo.
a transmissão da fé pela palavra oral e escrita, juntamente com Outro grande desafio é unir os diversos grupos de mídia católica
o testemunho de vida. Além disso, hoje, as novas tecnologias: a em torno de um projeto conjunto de evangelização para ultrapassar
imprensa, o rádio, o cinema, a televisão, a comunicação eletrô­ o individualismo, o sectarismo e a própria concorrência. Assim,
nica do mundo moderno tornam-se indispensáveis. a Igreja Católica daria um exemplo de cooperação e comunhão
que por si só evangelizaria. A consciência missionária cresceu na
A Igreja na mídia Igreja nos últimos anos. Existe uma maior presença missionária
A Encíclica "A Missão do Redentor", aponta o mundo das de leigas e leigos em diferentes contextos eclesiais. Membros de
comunicações como “o primeiro areópago dos tempos modernos” alguns grupos têm procurado utilizar mais e melhor os meios de
(...). “A evangelização da própria cultura moderna depende, em comunicação social e as redes de informática para a transmissão
grande parte, da sua influência” (RM 37c). Não basta usar a mídia da fé. No entanto, sua atuação, às vezes, revela fraca comunhão
e o magistério da Igreja para difundir a mensagem cristã, mas é eclesial e espírito de pastoral de conjunto na Igreja particular.
conveniente integrar a própria mensagem nessa “nova cultura” Uma nova consciência de gênero atravessa a compreen-
criada pela comunicação moderna. Isso é ainda mais urgente, são total da realidade humana. O anúncio evangelizador deve
visto que a globalização também vem causando o aumento de colaborar de maneira eficaz na eliminação de todas as formas
grupos excluídos: povos indígenas, afrodescendentes, pobres, de discriminação contra as mulheres e na promoção dos seus
sem-terra, sem-teto... direitos. Isso não será possível, sem abrir espaço na comunidade
Mais do que dar um juízo sobre os meios de comunicação eclesial, para a participação ativa e co-responsável da mulher
social, a tradição da Igreja coloca-se a seu serviço. A sabedoria da na reflexão, bem como nas instâncias de tomada de decisão
Igreja “pode evitar que a cultura da informação (...) se transforme pastoral e no serviço ministerial na Igreja.
numa acumulação de fatos sem sentido” (Conselho Pontifício Por fim, um verdadeiro anúncio do Evangelho deve criar uma
para a Justiça e a Paz, Doutrina Social da Igreja, 560). Há mais cultura ecológica, que possibilite uma integração do ser humano
de 40 anos, o Documento do Concílio Vaticano II Inter Mirifica, já com a natureza, evitando sua deterioração. Viveremos, enquanto
reconhecia aos meios de comunicação o poder de influenciar toda ela viver em toda a sua beleza, equilíbrio e integridade. 
a sociedade humana, tanto para o bem como para o mal. Não
dá mais para pensar nossa Igreja sem internet, rádio, televisão, Jaime Carlos Patias é missionário, mestre em Comunicação e diretor da revista Missões.

- Jul/Ago 2006 5
Relatório de Violência Contra
os Povos Indígenas no Brasil
O saldo do capítulo
Fotos: Egon Heck

brasileiro da Década
Internacional dos
Povos Indígenas do
Mundo - instituída
pelos governos dos
países signatários no
âmbito da Organização
das Nações Unidas
Povo Guarani Kaiowá no despejo da terra Nhanderu Marangatu 3, Mato Grosso do Sul. (ONU) é trágico.

N
os últimos dez anos, os povos indígenas no Brasil mada de 27 mil indígenas do povo Guarani-Kaiowá. De acordo
foram vítimas de 287 assassinatos (média de 26 com a professora Lúcia, esse processo gradual de asfixia teve
por ano) e sofreram com 407 suicídios (média de início nos anos 70 – com o avanço dos núcleos urbanos que
37 por ano), acompanhados por uma deplorável passou a pressionar e encurralar a população indígena dentro
escalada da discriminação étnico-racial. Os dados de áreas tradicionais. Com esse confinamento, a tensão entre
fazem parte do relatório A Violência Contra os Povos grupos familiares dos próprios indígenas foi se agravando. “Não
Indígenas do Brasil, divulgado no dia 30 de maio, pelo Conselho há espaço para plantar, para criar galinha, para momentos de
Indigenista Missionário (Cimi), na sede da Conferência Nacional sociabilidade e convívio com a natureza”, descreve. “Eles estão
dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília. disputando um espaço que não existe”.
Organizadora do relatório, a antropóloga Lúcia Helena O quadro no estado, sustenta a antropóloga, pode ser
Rangel, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- comparado ao de um genocídio: morte, dependência de bebida
SP), revelou que o trabalho “foi chocante”, principalmente para alcoólica, desnutrição, multiplicação de crimes por motivos banais,
quem estuda a vida cotidiana, a riqueza cultural, a religiosidade prostituição. Em busca de renda, os indígenas da região acabam
e a relação com a terra dos povos indígenas. Apesar das leis em subempregos nas usinas, nas fazendas e no meio urbano, que
nacionais e das convenções internacionais assinadas pelo sobrepuja ainda mais o sentido de marginalidade. “Toda a política
Brasil, ela não tem dúvida: “há ainda no Brasil uma enorme pública do Estado se restringe ao assistencialismo – distribuição
hostilidade contra a população indígena”, marcada por uma de cestas básicas, materiais escolares e até sementes. Mas aquilo
“ação organizada antiindígena” que envolve a participação de que a população neces-
meios de comunicação, de fazendeiros, de detentores do poder sita, que são as terras
político-econômico, que desconsideram os direitos indígenas, tradicionais deles, não
principalmente no universo local dos municípios. têm”. Para os defensores
do agronegócio, o mode-
Mato Grosso do Sul lo de desenvolvimento
A concentração da violência no Mato Grosso do Sul não que sufoca os indígenas
encontra paralelos no País. Dos 26 casos relatados em 2003, 23 é um fato consumado.
se deram no Mato Grosso do Sul, bem como 28 dos 41 contabi- Enquanto que os povos
lizados em 2004 e 17 dos 32 casos do levantamento referente originários respeitam
a 2005. O estado também é o lastimável campeão em outras outra noção de tempo e
categorias de violência: número e tentativas de assassinatos, esperam pacientemente
suicídios, além de inúmeros problemas de desnutrição e de que o modelo mude. “É
índices elevados de violência sexual. uma população resisten-
A dramática situação do Mato Grosso do Sul caracteriza-se te. Preserva tradições re-
por terras demarcadas superpovoadas: quatro áreas - Terra Indí- ligiosas e valores relacio-
gena (TI) Dourados, TI Caarapó, TI Poorto Lindo e TI Amambaí nados com a educação
- que somam 10 mil hectares abrigam uma população aproxi- de grande riqueza”. 

6 Jul/Ago 2006 -
pró-vocações
Vocação consagrada: Viver a fé é um chamado

resposta a Deus para todos; morrer por ela


é uma graça para alguns
(João Paulo II).

vel. Depois de algum tempo, aquele seu modo de ser, a sua


Jaime C. Patias

serenidade e o sorriso que dispensava a todos sem distinção


começaram a chamar minha atenção. Já não era apenas sua
simpatia que me intrigava... Ela era uma mulher como eu, mas
era diferente. E todo dia ela cruzava o meu caminho. Aquilo foi
fazendo aumentar em mim a curiosidade. Um dia, aproximei-
me dela e sem muitos rodeios arrisquei a pergunta: Irmã, por
que você é igual, mas tão diferente da gente? No momento me
senti até ridícula fazendo aquela pergunta; mas, já a tinha feito
e fiquei aguardando a resposta. A Irmã me olhou, sorriu como
sempre, e me respondeu com esta frase: Filha, a pessoa que
se consagra a Deus, tem a missão de revelá-Lo ao mundo; e
o faz com seu jeito de ser e de agir. Talvez seja isso que nos
torna diferentes. Naquele momento, eu entendi uma coisa: que
a pessoa consagrada, mesmo fazendo o que todos fazemos,
irradia o modo de agir de Deus; e isso faz a diferença”.
de Rosa Clara Franzoi
Consagração – anúncio e denúncia
Você entendeu? Todas as vocações são um caminho que

É
deve levar a pessoa a sair de si e a doar-se para o bem do outro.
praxe na Igreja do Brasil dedicar o mês de agosto às Na pessoa que opta pela vida de consagração, há algo mais:
chamadas vocações de especial consagração: sacer- ela faz sua opção radical por Jesus Cristo, colocando tudo de
dotais, religiosas e missionárias. Claro, sem esquecer si, a serviço da causa do Evangelho. Seu testemunho de amor e
as vocações leigas, que hoje mais do que nunca, adesão a Ele se concretiza, de maneira transparente, na preocu-
assumem uma variedade de serviços, na Igreja e na pação e no cuidado pelos mais fracos, mais pobres e excluídos
sociedade, sempre em vista de um mundo melhor. da sociedade. Não foi isto que Jesus fez? A consagração está
Vamos então aprofundar um pouco o específico da vocação de muito ligada ao profetismo: “anúncio e denúncia”, com todas as
especial consagração. conseqüências, muitas vezes, de perseguição e até de martírio.
Maria Júlia tem 22 anos, é professora. Ela vai nos ajudar a Sem dúvida todos lembramos o martírio da Ir. Dorothy Stang, de
entender este tema: outros e outras, que chegaram a dar a própria vida em defesa da
“O fato de eu ter conseguido chegar onde queria, dá-me o justiça e da verdade. A consagração, mais do que uma resposta
direito de me julgar uma pessoa bem sucedida, uma pessoa humana, é um dom divino, e quem o recebe, jamais conseguirá
feliz. No colégio onde leciono, aliás, um bom colégio, muitas agradecer o suficiente.
vezes eu cruzava com uma Irmã. Ela era simples e muito afá-
A radicalidade chama atenção
Mesmo nos nossos dias, um número considerável de jovens
Quer ser um missionário/a? se sente atraído pela vida consagrada, vendo a radicalidade de
consagrados/as, que se dedicam, especialmente, à causa dos
Irmãs Missionárias da Consolata - Ir. Dinalva Moratelli pobres. As palavras de Jesus ainda têm força e convencem: “Es-
Av. Parada Pinto, 3002 - Mandaqui tava com fome e me destes de comer; com sede e me destes de
02611-011 - São Paulo - SP beber; estava nu e me vestistes, preso e me visitastes, doente e
Tel. (11) 6231-0500 - E-mail: rebra@uol.com.br me acudistes...” (Mt 25). Justamente por não ser fácil e cômodo,
este chamado não é para todos. A passagem do Evangelho de
Centro Missionário “José Allamano” - Pe. Manoel A. Monteiro (Néo) Mc 10,17-22 nos mostra um claro exemplo de alguém que não
Rua Itá, 381 - Pedra Branca
02636-030 - São Paulo - SP foi capaz de renunciar a tudo para seguir o Mestre. Nem todos
Tel. (11) 6232-2383 - E-mail: secretariamissao@imconsolata.org.br têm a coragem e a perseverança de apaixonar-se por Jesus de
Nazaré e assumir todas as conseqüências que derivam desse
Missionários da Consolata - Pe. César Avellaneda gesto radical. A vocação à vida consagrada: sacerdotal, religiosa,
Rua da Igreja, 70-A - CXP 3253 missionária, é para os corajosos. 
69072-970 - Manaus - AM
Tel. (92) 624-3044 - E-mail: amimc@ibest.com.br
Rosa Clara Franzoi é irmã missionária e animadora vocacional.

- Jul/Ago 2006 7
pela Seção de Mobilidade Humana do CELAM, dom
Luiz Demétrio Valentini, conferencista, que contribuiu
com a “Reflexão Teológico-Pastoral das Migrações”,
Irmã Rosita Milesi, mscs, membro da equipe de apoio
e padre Antônio Ricardo.
A Mensagem dos participantes, a contribuição
à V Conferência Geral do Episcopado da América
Latina e Caribe e o Documento Final do Encontro, no
qual constam as reflexões, constatações, problemas,
avanços e linhas de ação já estão disponíveis no site
do CELAM (www.celam.org) e logo estarão também
na página da CNBB (www.cnbb.org.br), assim como
no endereço eletrônico www.migrante.org.br.

Taiwan
VOLTA AO MUNDO

Vaticano Primeiro Congresso Missionário Asiático


Dia Mundial das Missões - 2006 Em vista do Primeiro Congresso Missionário
Ser missionário é anunciar que Deus é amor, Asiático, as Pontifícias Obras Missionárias da Ásia
afirma Bento XVI na mensagem que escreveu por convidam à uma ativa participação todos os membros
ocasião do octogésimo Dia Mundial das Missões. Por da Igreja na Ásia e todos os asiáticos no mundo. De
este motivo, o tema escolhido para o domingo, 22 de acordo com Christian Life Weekly, boletim semanal
outubro é “A caridade, alma da missão”. “A missão, da Arquidiocese de Tai Pei, o Congresso Missionário
se não está orientada pela caridade, ou seja, se não Asiático se realizará na Arquidiocese de Chiang Mai,
surge de um profundo ato de amor divino, corre o na Tailândia, sobre o tema Telling the Story of Jesus
risco de reduzir-se a mera atividade filantrópica e in Asia (Contar a história de Jesus na Ásia), de 18
social”, adverte o papa. a 22 de outubro de 2006. O Congresso culminará
“O amor que Deus tem por cada pessoa constitui, no domingo, no qual se celebra o Dia Mundial das
de fato, o coração da experiência e do anúncio do Missões. Os objetivos principais do Congresso são
Evangelho, e todos que o acolhem se convertem quatro: compartilhar a alegria da fé em Cristo, celebrar
por sua vez em testemunhas”, acrescenta. “Toda a evangelização dos asiáticos através da vida real,
comunidade cristã está chamada, portanto, a dar a despertar uma renovada consciência das Igrejas na
conhecer que Deus é Amor”, assinala. Por este mo- Ásia sobre o Decreto Ad Gentes do Concílio Vaticano
tivo, o papa deseja que o Dia Mundial das Missões II e promover uma nova e vivaz evangelização.
seja uma oportunidade “para compreender cada vez
melhor que o testemunho do amor, alma da missão, Albânia
concerne a todos”. “Servir ao Evangelho não deve Festa da Infância Missionária
ser considerado como uma aventura solitária, mas No dia 3 de junho, mais de 2000 crianças ca-
como um compromisso compartilhado de toda co- tólicas, ortodoxas e muçulmanas festejaram a con-
munidade”, sublinha o texto. “Junto aos que estão clusão do ano escolar reunindo-se no centro de
em primeira linha nas fronteiras da evangelização Tirana. Provenientes de diversas escolas de várias
– e penso com reconhecimento nos missionários e partes da Albânia, acompanhados pelos respectivos
as missionárias – muitos outros, crianças, jovens e professores, as crianças receberam de presente um
adultos, contribuem com a oração e sua cooperação lápis missionário, produzido para a ocasião graças
em diversos modos à difusão do Reino de Deus na ao empenho do padre Antônio Sciarra - missionário
terra”, conclui o Santo Padre. italiano que opera na animação das crianças - e à
colaboração do Secretariado Italiano da Pontifícia
Colômbia Obra da Infância Missionária. Na festa, da qual par-
Pastoral da Mobilidade Humana ticiparam também personalidades do mundo político
“Por uma Igreja peregrina e missionária” foi o lema albanês, esteve presente uma delegação italiana
do II Encontro Continental de Pastoral da Mobilidade constituída por Stefania Bascapé, secretária nacio-
Humana, voltado para as áreas de Migrantes, Refu- nal da POIM, e por algumas crianças missionários
giados, Deslocados Internos e Tráfico de Pessoas, do coro Le Matite Colorate (lápis coloridos). A festa
realizado em Bogotá, de 31 de maio a 2 de junho, o se concluiu com a marcha rumo ao Sino da Paz,
qual contou com a presença do arcebispo secretário símbolo nacional da convivência entre os povos e
do Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migran- as diversas religiões, onde houve uma homenagem
tes e Itinerantes, monsenhor Agostino Marchetto e à Bem-aventurada Madre Teresa de Calcutá, que
de representantes de 16 países: Argentina, Bolívia, freqüentemente repetia: “eu não sou mais do que
Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Estados um pequeno lápis nas mãos de Deus”. 
Unidos, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Panamá,
Peru, República Dominicana e Venezuela. Do Brasil
estiveram presentes, dom Jacyr F. Braido, responsável Fontes: CNBB, Fides, POM, ZENIT.
8 Jul/Ago 2006 -
INTENÇÃO MISSIONÁRIA

Paulino Menezes/WCC
Para que nos territórios de missão os
grupos étnicos e religiosos vivam em
paz e juntos construam uma sociedade
inspirada nos valores humanos.
de Vitor Hugo Gerhard

E
m nenhum momento da história do cristianismo foi fácil Para que os cristãos sejam
para os próprios cristãos viverem mergulhados no mundo
e serem coerentes com os princípios que orientam a fé, conscientes da própria vocação em
seja no âmbito da consciência, seja no âmbito das atitu-
des concretas. Como é difícil ser cristão no mundo, não cada ambiente e circunstância.
sendo dele e nem a ele pertencendo! Por isso, valem algumas
considerações a serem levadas em conta nos territórios de missão da prática religiosa. Mesmo nas culturas mais primordiais, o ato
e mesmo lá onde o cristianismo já criou suas raízes. de celebrar a vida sempre teve seu lugar de destaque e, quando
Um desafio a ser enfrentado é a dimensão comunitária da fé uma cultura deixa de fazê-lo, começa a declinar até sua morte.
cristã. Por ser uma das características fundamentais do ser cris- Um aspecto relevante e que também não pode ser esquecido é
tão, desejada pelo próprio Senhor Jesus, a vivência comunitária a dimensão transformadora da fé. O mundo continua dilacerado
da fé não é uma empresa fácil. É necessário um permanente por tantas formas de sofrimento, fruto é verdade da própria
processo de conversão, superando a tendência do individualismo condição de pecado e fraqueza humana. As culturas, por serem
às vezes tão enraizada no ser humano. Viver a fé com os irmãos fruto do labor humano, nascem permeadas pela imperfeição e
e as irmãs exige de cada um e de todos, um permanente esforço é tarefa dos cristãos colaborar de forma positiva e eficaz para
de “sair de si mesmo” para “estar com os demais”. que a convivência humana e suas estruturas se aperfeiçoem
Outro desafio a ser enfrentado com decisão é a dimensão sempre mais, mesmo que, para isso, seja necessário passar
formativa da fé cristã. É preciso crescer na fé para dar “as ra- pelo martírio e pelo sofrimento.
zões da fé”. Um cristão adulto na idade não pode permanecer Por fim, não se pode esquecer que a fé cristã necessita sempre
infantil quanto à fé, sob pena de não saber expressá-la com a de homens e mulheres que sejam capazes de dialogar com as
devida clareza e de vivê-la com a necessária profundidade. É diferenças e de, através deste exercício de tolerância, crescer
bem verdade que a catequese permanente das nossas comu- na unidade do gênero humano. Para isso, são importantes duas
nidades apresentam certas lacunas ao longo do processo de indicações: a superação de qualquer forma de fundamentalismo
crescimento humano. É verdade também que cada um tem o seja religioso, político ou cultural; e o esforço permanente de
dever de buscar, em cada etapa da vida, os argumentos que ruptura das fronteiras, sejam elas geográficas, étnicas, culturais,
lhe possam servir de fundamento para vida cristã. religiosas... Enfim, para ser cristão é necessário “renunciar-se
Não podemos esquecer da dimensão celebrativa da fé. Uma a si mesmo, tomar sua cruz e seguir o Bom Pastor”. 
fé sem expressão é uma fé fadada a morrer. Os ritos, as celebra-
ções, o louvor em comunidade é uma espécie de pulmão da fé e Vitor Hugo Gerhard é sacerdote e coordenador de pastoral da Diocese de Novo Hamburgo, RS.

Padre Eustáquio Van Lieshout é beatificado


Divulgação

O
cardeal José Saraiva Martins, prefeito da Congregação Maria. Durante o noviciado recebeu o nome de
para as Causas dos Santos, presidiu no dia 15 de junho, Eustáquio. Em 1919 foi ordenado sacerdote
solenidade de Corpus Christi, no Estádio do Mineirão, e exerceu o ministério pastoral em seu país
em Belo Horizonte, MG, a concelebração eucarística, até 1924. Em 1925 chegou ao Rio de Janeiro
durante a qual leu a carta apostólica em que o papa e trabalhou durante dezoito anos como missionário no país. Em
Bento XVI inscreveu no Livro dos Beatos, o Servo de Deus padre abril de 1942 assumiu a paróquia de Santo Domingo, em Belo
Eustáquio Van Lieshout. Nascido em Aarle-Rixtel (Países Baixos), Horizonte, onde faleceu poucos meses depois, em 30 de agosto
em 3 de novembro de 1890, padre Eustáquio foi batizado no mes- de 1943. O papa Bento XVI autorizou, em 19 de dezembro de
mo dia com o nome de Humberto. Foi o oitavo de onze irmãos. 2005, que se promulgasse o decreto concernente a um milagre
Procedia de uma família campesina muito católica. Após ler a realizado pela intercessão do padre Eustáquio. A beatificação
biografia do beato padre Damián de Veuster, belga, decidiu entrar ocorreu durante a “12ª Torcida de Deus”, que reuniu cerca de 70
na mesma congregação, a dos Sagrados Corações de Jesus e de mil pessoas, com o tema: “Eucaristia, fonte de Evangelização”.

- Jul/Ago 2006 9
Assunção
espiritualidade

de Nossa Senhora aos céus


Dia 15 de agosto, comemoramos a festa da Assunção de Nossa Senhora,
um bom momento para refletirmos sobre a nossa espiritualidade mariana.

Fotos: Divulgação
de Jordão Maria Pessatti

N
o tocante ao assunto da As-
sunção de Maria, não há na
Sagrada Escritura nenhuma
afirmação explícita e direta.
Também na Tradição dos três
primeiros séculos do cristia-
nismo não encontramos qualquer tipo
de referência sobre os últimos dias da
Virgem Maria na terra. O que sabemos
a este respeito, conhecemo-lo através
da Tradição, cujas primeiras indicações,
consideradas como simples pistas, sur-
gem no final do IV e começo do V século.
Santo Efrém (+ 373), por exemplo, afirma:
“O corpo virginal de Maria, após a morte,
não sofreu corrupção”. Por sua vez, Santo
Epifânio de Salamina (+ 403), referindo-
se a este mesmo assunto, declara: “A
Escritura não faz nenhum aceno sobre
a morte de Maria, isto é, a Escritura não
diz se ela morreu ou não morreu, se foi
sepultada ou não. A Escritura manteve, a
este respeito, o mais completo silêncio,
em razão da magnitude do fato; e também
para não suscitar demasiada estupefação
na mente dos homens. O fim terreno de
Maria foi cheio de prodígios”. A Escritura
cala, mas não a razão.

Liturgia da Igreja
A Liturgia dos séculos passados utiliza-
va os termos latinos Transitus ou Dormitio
(passagem, sono, morte) para se referir ao
fim da vida terrena de Maria, como também
para designar a festa da sua Assunção.
Lembremos alguns dados históricos:
No Oriente, a Igreja Bizantina come-
çou a celebrar a liturgia do “Trânsito” ou
“Dormição” de Maria já a partir do século
VI. A Igreja Copta, por sua vez, celebrava
a festa da “Morte de Maria” a 6 de janeiro
e, sucessivamente, a 9 de agosto, a festa
da “Ressurreição de Maria”, costume

10 Jul/Ago 2006 -
que ainda perdura. Assim faz também por meio da qual consultava os bispos
a Igreja Abissina, estreitamente unida à a respeito da possibilidade de definir o
Igreja Copta. A Igreja Armênia celebra a dogma; pedia, através dos bispos, que
gloriosa “Ressurreição de Maria” no dia 15 também o povo cristão fosse consultado
de agosto. Na Igreja Bizantina a festa da a respeito. A grande maioria dos bispos
Koímisis (ou Dormição) é, sem dúvida, a respondeu favoravelmente. Assim, no
celebração mariana principal; ocupa, com dia 1º de novembro de 1950, através da
sua presença, quase todo o mês: abre-se Constituição Apostólica Munificentissi-
no dia 1º de agosto e termina no dia 23, mus Deus, Pio XII proclamou verdade
fazendo assim de agosto o “mês mariano” de fé a Assunção em corpo e alma da
bizantino. A festa é precedida de uma Virgem Maria aos céus: “A Virgem Maria,
preparação que dura 14 dias (chamada preservada imune de toda a mancha da
pequena “Quaresma” de Nossa Senhora) culpa original, terminado o curso da sua
e seguida por outros 8 dias de festividade, vida terrena, foi assumida em corpo e
como prolongamento da solenidade. alma à glória celeste. E, para que mais
Na Igreja Bizantina, entre os séculos plenamente estivesse conforme o seu
VII e X, são numerosos os testemunhos Filho, Senhor dos senhores (cf. Ap 19,16)
de padres, doutores e teólogos que falam e vencedor do pecado e da morte, foi
da Assunção corpórea de Maria, des- exaltada pelo Senhor como Rainha do
tacando-se entre outros: São Modesto Universo” (LG,59). Esta verdade, apesar
de Jerusalém (+ 634), São Germano de de proclamada tardiamente pela Igreja,
Constantinopla (+ 733), Santo André de foi aceita desde os tempos antigos, como
Creta (+ 740) e São João Damasceno (+ pudemos constatar através dos breves
749). Este último, fazendo a comparação traços históricos expostos.
da Assunção em corpo e alma da Mãe de
Deus com os outros dons e privilégios Maria, sinal de esperança
que ela recebeu, assim se expressa: A solenidade da Assunção de Nossa
“Convinha que aquela que guardara ilesa Senhora focaliza dois aspectos: a incor-
a virgindade no parto, conservasse seu ruptibilidade do corpo da Virgem Maria,
corpo, mesmo depois da morte, imune de após a morte e o seu triunfo sobre a morte
toda corrupção. Convinha que aquela que e sua glorificação, a exemplo de seu Filho,
trouxera no seio o Criador como criancinha, Jesus Cristo.
fosse morar nos tabernáculos divinos”. A Assunção de Nossa Senhora é o
E São Germano, Patriarca de Constanti- glorioso coroamento de uma vida consu-
nopla: “Ó Maria, teu corpo virginal é todo mada na mais perfeita união com Deus. A
santo, todo casto, todo morada de Deus, Igreja ensina: “A Mãe de Jesus, tal como
de sorte que ele está para sempre bem está nos céus já glorificada de corpo e
longe de desfazer-se em pó... Está vivo alma, é a imagem e o começo da Igreja
e cheio de glória, incólume e participante como deverá ser consumada no tempo
da vida perfeita”. futuro. Assim também brilha aqui na terra
No Ocidente, em Roma, já a partir como sinal de esperança segura e de
do século VII, com o papa Sérgio I, cele- conforto para o Povo de Deus a caminho
brava-se a festa da “Dormição” de Maria, da pátria celeste” (LG,68).
juntamente com as festas da Natividade, X em diante, tanto no Oriente como no Enfim, a festa da Assunção é um con-
da Purificação e da Anunciação. No século Ocidente, vai se afirmando cada vez mais a vite a pensarmos com mais esperança e
VIII, esta festa passou de Roma para a convicção profunda acerca da glorificação realismo na nossa meta final – o paraíso
França e a Inglaterra, recebendo o nome corpórea da Virgem Maria, após a morte, – ao qual todos somos chamados. É
de Assunção de Santa Maria. Do século convicção aliás partilhada e aprofundada um convite a erguermos o nosso frágil
por grandes mestres escolásticos, como: coração acima desta terra úmida do
Santo Alberto Magno, Santo Tomás de exílio, dado que não temos aqui morada
A vitória de Maria Aquino, São Boaventura e outros. permanente, mas apenas uma tenda de
peregrinos (cf. Hb 13,14). 
Como a redenção de Cristo tem
Proclamação do Dogma
Nos últimos três séculos, especial- Jordão Maria Pessatti é missionário e
a sua conclusão com a ressurrei- mente na primeira metade do século XX, secretário do IMC no Brasil.
ção do corpo, também a vitória os pedidos dirigidos à Santa Sé, para que
de Maria sobre o pecado, com a a Igreja definisse como verdade de fé a
Imaculada Conceição, devia ser doutrina acerca da Assunção corpórea de Para reflexão
completa com a vitória sobre a Nossa Senhora aos céus, foram surgindo
morte mediante a glorificação do em número cada vez maior, procedentes 1. Você sabe a diferença entre a Assunção de Maria
corpo, com a Assunção, pois a de diversos lugares do mundo, por parte e a Ascensão de Jesus?
plenitude da Salvação cristã é a de bispos, teólogos e povo cristão. Instado
2. Como podemos desenvolver a nossa espiritualidade
participação do corpo na glória por tantas petições, o papa Pio XII, no início
baseados na Assunção de Maria?
de maio de 1948, enviou ao Episcopado
celeste. 3. O que significa para nós a Assunção de Maria?
Católico a Encíclica Deiparae Virginis,

- Jul/Ago 2006 11
O mundo é de Deus
testemunho

mas a missão é nossa


Valdecir Freitas Camilo, 38
anos, é pároco da Igreja de
Nossa Senhora Consolata, em
Cafelândia, Paraná, e revela
o segredo de seu dinamismo,

Fotos: Arquivo Pessoal


entusiasmo e zelo apostólico.

de Rosa Clara Franzoi Estado e em fevereiro de 2005, assumiu a denúncia das injustiças que dificultam a
a Paróquia Nossa Senhora Consolata, promoção e celebração da Vida”, afirma
em Cafelândia. o padre Valdecir.

N
Há pouco mais de um ano está à
atural de Catanduvas, Paraná, Missão: o sacerdócio frente da paróquia da Consolata, mas
o filho de Leoni e Vitório desde “Ao ser ordenado padre eu tinha bem desde o início tem impressionado muitas
adolescente buscava algo que claro que minha vida, a partir daquele pessoas por seu dinamismo apostólico e
nem ele mesmo sabia definir. momento, seria colocada a serviço dos as inúmeras mudanças que conseguiu
Certo dia houve um Encontro irmãos, para o anúncio da “Boa Nova” e realizar em tão pouco tempo. Ele não
Vocacional. Foi justamente esconde as dificuldades que encontrou,
neste momento que o Senhor fez ao seu pois, como ele mesmo diz: “elas fazem
ouvido a proposta. “Vem e segue-me”. parte de toda mudança. É normal a gente
Em 1983, com 15 anos, Valdecir in- “Eu não me tornei padre sentir medo diante dos desafios, espe-
gressou no Seminário Diocesano São cialmente, quando se desconhece por
José, em Cascavel, Paraná. Cursou o para mim, para fazer valer completo a realidade local. Porém, aos
Ensino Médio no Colégio Auxiliadora. poucos, no contato com as lideranças das
Iniciou o curso de Filosofia em Toledo e as minhas opiniões, obter pastorais, eu fui travando conhecimento
o concluiu em Curitiba, capital do Estado.
privilégios. Escolhi seguir
da realidade, tendo o cuidado de respeitar
Voltou novamente a Cascavel e no CINTEC a caminhada que estava sendo feita. Os
(Centro Inter-Diocesano de Teologia) fez
os quatro anos de Teologia. “O estudo, a Jesus Cristo, o missionário desafios iniciais foram desaparecendo,
outros foram surgindo. Mas, são eles que
vida de seminário e a convivência com
os colegas muito me ajudaram, para que do Pai para anunciar a fazem a gente crescer, impedindo-nos
de cair na rotina e na acomodação. Toda
o ideal que me havia proposto, fosse
amadurecendo e se tornando mais claro”. Boa Nova e, como Ele, mudança deve ser bem-vinda. Ficar muito
tempo no mesmo lugar, fazendo sempre
Valdecir ordenou-se sacerdote em setem-
bro de 1995, em Catanduvas. Exerceu o promover a vida”. as mesmas coisas vai fazendo parecer
que os ideais, os objetivos, as motivações
serviço sacerdotal em várias cidades do iniciais, vão se desgastando e quase se

12 Jul/Ago 2006 -
perde o sentido do próprio ministério.
Eu mesmo constato que cresci muito
neste ano porque, vida nova, novos
desafios, tudo vai conduzindo à reno-
vação. Hoje eu me sinto uma pessoa
muito feliz. O próprio estudo (estou
cursando o último ano de Psicologia)
não me impede de cuidar das obriga-
ções do meu ministério”.

Expectativas
“Há poucos meses completei 10
anos de ordenação. Portanto, pouco
tempo de experiência. Mas, eu olho
para frente com otimismo, na confiança
que Deus continuará abençoando os
meus passos. Espero poder dar con-
tinuidade às pastorais já existentes e
sonho com outras, que considero muito
importantes. Por exemplo, lamento a
não existência da Pastoral Familiar na
paróquia. O papa João Paulo II, sempre
teve um carinho todo especial por esta
pastoral e a considerava uma prioridade
numa comunidade. Aliás, ela é uma das
prioridades em nossa Arquidiocese. Outra confirmem. Fazer acontecer mais vida e o intuito de melhor conhecer, entender e
expectativa minha é a organização da mais justiça lá onde elas são ameaçadas acompanhar o ser humano”.
“Pastoral da Escuta”, para a qual gostaria e destruídas, é ser voz profética. Eu não
de contar com a colaboração das Irmãs me tornei padre para mim, para fazer Paixão pela Consolata
da Consolata. valer as minhas opiniões, obter privilégios. Em tão pouco tempo, padre Valdecir
Neste ano, graças a Deus, estamos Escolhi seguir Jesus Cristo, o missionário demonstrou ser grande devoto da Con-
tendo a presença e a colaboração do do Pai para anunciar a Boa Nova e, como solata. O segredo? Ele mesmo revela: “O
diácono Clederson. Ele está prestes a Ele, lutar para promover a vida (cf. Jo testemunho de fé, de amor e de carinho
se ordenar sacerdote. Assim, logo mais, 10,10). Se me disponho, ainda hoje, a deste povo para com Ela. Graças especiais
seremos dois padres a serviço do povo, cursar Psicologia Social é somente com foram e continuam sendo alcançadas, como
pelo menos até o final do ano. Poderemos a libertação do álcool e das drogas, recons-
nos dedicar então, à implantação destas trução de lares desfeitos, reaproximação
duas pastorais. Daremos também, um forte da Igreja... e muitas outras. Confesso que
impulso à Pastoral da Juventude. Família pessoalmente, devo à Nossa Senhora
e Juventude, sempre foram setores para a minha perseverança na vocação. Ela
os quais sinto que deve ser dada uma sempre seguiu meus passos, precedeu os
especial atenção. A Catequese já está meus caminhos. Comigo esteve e estará
tendo expressivos avanços, especialmente em todos os momentos, especialmente
pela introdução de novos modelos de nos mais difíceis”.
atuação”.
A missão é nossa
Profetismo pela vida Todos sabemos que o testemunho
“O testemunho do sacerdote, deve fala muito mais que as palavras. O jeito
refletir a luz e o coração de Deus”, disse convicto de ser convence e arrasta. É o que
dom Luís Cáppio aos presbíteros. Padre acontecia com Jesus. Só o fato de estar
Valdecir considera o testemunho de vida presente num determinado lugar, aquela
o sinal profético que mais convence: ser sua presença já era uma evangelização.
santo. Ser a voz dos mais fracos, dos Hoje também se diz que o homem e a
excluídos. Desde os inícios de sua for- mulher da pós-modernidade, não têm
mação sacerdotal, aprendeu que a Igreja mais paciência de ficar ouvindo muitas
não necessita apenas de padres, mas, palavras. O povo quer testemunhos, exem-
necessita de padres santos e bons. Está plos concretos de vida. Estes sim têm a
convencido de que a santidade passa pela força da persuasão. Os mensageiros de
oração e pelo profetismo, pela fidelidade Deus, escolhidos, chamados e enviados
ao seguimento de Jesus Cristo. “Não tem em missão, onde quer que seja, têm a
como ser santo sem ser profeta ao mesmo tarefa de revelar a esta realidade de trevas
tempo. O anúncio, a denúncia, o testemu- e desamor, a realidade de luz que vem
nho na luta pela justiça e defesa da vida, do Senhor Jesus, Ressuscitado. 
é uma exigência de uma fé autên­tica. Não
existe fé verdadeira sem as ações que a Rosa Clara Franzoi é missionária e animadora vocacional.

- Jul/Ago 2006 13
Um jogo precisa de regras
fé e política

em desculpas, como a “interpretação”, que impactam na orga-


As regras eleitorais nos países nização das disputas. Já discutimos nesse espaço o peso da
verticalização e das regras aprovadas pelo Senado, parcialmente
democráticos não podem ser alteradas sancionadas pelo presidente Lula e, em parte, vetadas pelo TSE.
Em todos esses casos as decisões foram tomadas num prazo
de uma hora para outra. inferior aos 12 meses requeridos pela estabilidade democrática.
Os três poderes desse país, em nome da tão sonhada inteligi-
bilidade de nosso sistema eleitoral, precisam trabalhar imersos
de Humberto Dantas no respeito ao cidadão. Em primeira instância ele é o grande
prejudicado pelas trapalhadas e truculências de interesses que

F
têm meses para se organizarem, mas insistem em aparecer às
inal da Copa do Mundo. Aos 40 minutos do segundo vésperas dos processos eleitorais.
tempo brasileiros e argentinos empatam sem gols. Em O trabalho das Pastorais de Fé e Política e tantos outros
lance absolutamente estranho, um adversário de nos- grupos que defendem ardentemente a educação política são
sa Seleção segura a bola com as mãos e dispara em constantemente manchados por esse tipo de comportamento.
direção ao gol. Ao atravessar a linha de fundo e entrar A decisão, sabiamente revogada do TSE acerca do endure-
nas redes, o jogador

Antonio Cruz/ABr
tem o tento validado pelo juiz.
Perdemos o jogo. As recla-
mações surgem de todas as
partes, mas a FIFA alega que
as regras mudaram ao longo
da partida, e os argentinos se
sagraram campeões.
O cenário acima, abso-
lutamente ilusório, marca os
efeitos do que chamamos de
instabilidade das regras. Um
jogo não pode acontecer se
todos os envolvidos na disputa
não estiverem absolutamente
conscientes de seu pleno fun-
cionamento. Se não bastasse
essa estabilidade, as normas
precisam ser conhecidas com
antecedência proporcional à sua
relevância. A existência de um
órgão para zelar por essa pre-
visibilidade é fundamental.
No Brasil, as eleições têm
regras claras que não podem ser Presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo, preside sessão plenária.
alteradas em intervalo inferior
a um ano. Isso porque o evento é o fenômeno periódico mais cimento da verticalização em pleno mês de junho – faltando
importante de nossa sociedade. A escolha de representantes quatro meses para as eleições – foi a última grande turbulência
requer cálculos por parte dos partidos, das organizações, dos que tivemos que enfrentar. Nesse artigo não cabe discutirmos
candidatos e, principalmente, dos eleitores. Essa é uma das os benefícios das alterações, e sim destacarmos os princípios
principais questões apontadas pela Ciência Política como di- que são ignorados. Pensemos e reflitamos sobre a importância
ferencial dos países democráticos. Assim, a consolidação de da estabilidade, e lembremos do quanto a educação política nos
nossa democracia requer a estabilidade jurídica para que as faz falta. Nossa democracia carece de respeito. Se o TSE alega
disputas ocorram sob regras absolutamente claras. que é consultado e interpreta respostas, que impeça as questões
no prazo destinado à estabilidade, ou no mínimo mantenha-se
Educação política coerente com a necessidade de conhecermos as regras do jogo
O que assistimos nesse país é um Tribunal Superior Eleitoral que jogamos num prazo respeitoso que a lei já estabeleceu. 
(TSE), órgão responsável por zelar pelas eleições, preocupado em
se destacar de maneira polêmica, mudando regras às vésperas Humberto Dantas é cientista político, professor do Centro Universitário São Camilo e coordenador
das disputas, desrespeitando a Constituição e se resguardando de cursos de Formação Política na Região Episcopal Lapa e na Diocese de Osasco, SP.

14 Jul/Ago 2006 -
Formação Missionária

Espiritualidade e Missão
Oração e ação são os dois pilares da Missão. É a experiência do amor de Deus que se
torna concreto na própria existência, a tal ponto de se tornar salvação.
de Luiz Balsan

Néo Monteiro
E
spiritualidade é hoje uma pa-
lavra muito usada, mas, ao
mesmo tempo, pouco com-
preendida. Quando falamos
de espiritualidade, logo a as-
sociamos com oração. Quando
estamos em algum encontro de forma-
ção, é comum ouvirmos dizer: “vamos
fazer um momento de espiritualidade”
e participarmos de um momento de
oração. Não é que a oração não faça
parte da espiritualidade. Faz, e como faz!
Charles Bernard, que escreveu muitos
livros sobre teologia espiritual afirma em
um deles que se recusa a ser diretor
espiritual de quem não tem ao menos
dez minutos de oração por dia. Com
isso ele quer dizer que sem oração não
há espiritualidade, pois a relação com o
transcendente é a marca especializada
da religião. Esta, na sua essência, não
é observância de normas morais ou de
um código de ética, mas é antes de mais
nada, a experiência de Deus na vida e
na história e, sobretudo, a experiência
de que esta presença de Deus faz bem
à própria vida. Então, o problema não
está em relacionar oração e espirituali-
dade, mas, em reduzir a espiritualidade
à oração. Aí é que está o engano, pois
espiritualidade é algo bem mais amplo
do que vida de oração. Tentar reduzir a
espiritualidade à oração é como tentar
caminhar com uma perna só! Até que
dá, mas se fica capenga! Podemos
também usar outra analogia! Ninguém,
em sã consciência, poderia tentar ne-
gar que o alicerce faz parte da casa.
Por outro lado, certamente ninguém se
atreveria a dizer que o alicerce é a casa.
Há os que valorizam sobretudo a
ação. Lembro-me que nos anos 80,
diversas vezes me deparei com pessoas
que consideravam alienação o ato de
ficar rezando diante do sacrário e che- Irmã Inês Zanin durante cerimônia de envio para a Amazônia. Santuário São Judas Tadeu, SP.

- Jul/Ago 2006 15
Formação Missionária

gavam até a ficar contrariadas quando


alguém insistia sobre a importância da
eucaristia ou qualquer outro tipo de ora-
ção. Para estas pessoas, seguir Jesus
significava estar lá no meio dos pobres,
dedicando-se a eles. Estas pessoas
Sem espiritualida

Divulgação
tinham parte da razão! O próprio São
Tiago diz, de forma enfática: a fé sem
obras é morta (Tg 2, 26). Deus, quando
chama e consagra, nunca faz para co-
locar a pessoa numa redoma de vidro
e conservá-la aí. Ao invés disso, Deus
chama e consagra a pessoa para con-
fiar a ela uma missão. Porém, valorizar
apenas as obras significa colocar-se no
outro extremo. A ação é parte integrante
e essencial da espiritualidade, mas é
parte, não é o todo, assim como a oração
é parte essencial, mas não é o todo.

Ação de Deus em nós


Jesus inicia sua vida pública com
uma frase incisiva: o Reino de Deus
está próximo, convertei-vos e crede
ao Evangelho! (Mc 1, 15). A primeira
parte da frase é a notícia tão espera-

vão viver um processo de transformação


“Antes de ser uma
“Em outro sábado, Jesus entrou
no seu modo de pensar, de sentir e de
na sinagoga e começou a ensinar. olhar para a vida. Aqui está mais um pilar
Aí havia um homem com a mão
direita seca. Os doutores e fariseus
atividade, a missão fundamental da espiritualidade. Alguém
afirma, e creio, com razão, que a espi-
espiavam para ver se Jesus iria
curá-lo durante o sábado, e assim
é contemplação ritualidade que não nos leva a sermos
melhores, não serve. Esta transformação,
encontrarem motivo para acusá-lo. e disposição para porém, sem dúvida, não é apenas obra
nossa, fruto do nosso esforço, e sim
Mas Jesus sabia o que eles estavam
pensando e disse ao homem da mergulhar no projeto e de uma ação conjunta onde se une o
nosso esforço à ação de Deus em nós.
na bondade de Deus”.
mão seca: “Levanta-te e vem para o
Quando nós falamos da espiritualida-
meio”. Ele se levantou e ficou de pé.
de com este sentido amplo, certamente
Jesus disse aos outros: eu pergunto
nos encontramos no coração da missão.
a vocês: a lei permite no sábado da: o Reino, do qual tanto se falou e Ao falarmos de coração, falamos de
fazer o bem ou fazer o mal, salvar que por tantos séculos foi esperado, algo essencial. Sem coração não há
uma vida ou deixar que se perca? está às portas, está presente, está no vida! Poderíamos então nos perguntar
Então Jesus olhou para todos os meio de nós! A segunda parte é como uma coisa: seria certo afirmar que sem
que estavam ao seu redor e disse que um convite! Dado que este Reino espiritualidade não há missão? Para
ao homem: “estenda a mão”. O não se impõe com a força, pois Deus responder a esta pergunta temos que
homem assim o fez e sua mão ficou respeita a dignidade e a liberdade dos nos dirigir àquelas páginas sagradas que
boa. Eles ficaram com muita raiva e seus filhos, tomar ou não parte dele nos colocam diante da fonte primeira da
começaram a conversar sobre o que
é decisão pessoal de cada um. Para missão. São João, na sua primeira carta
quem quer entrar, porém, Jesus indica tem uma expressão muito significativa:
poderiam fazer contra Jesus. Nestes
qual é o caminho: a mudança de vida, “Isso que vimos e ouvimos, nós agora
dias, Jesus foi para a montanha a
a transformação pessoal. Jesus convida o anunciamos a vocês, para que vocês
fim de rezar. E passou toda a noite as pessoas a segui-lo. Esta expressão, estejam em comunhão conosco” (1Jo
em oração a Deus. Ao amanhecer porém não se limita ao sentido literal, 1, 3). João é também o discípulo que
chamou seus discípulos e escolheu mas é usada sobretudo, no sentido melhor entendeu o amor de Jesus pela
doze entre eles, a quem deu o nome metafórico: os que seguem Jesus são humanidade e foi o primeiro que, vendo
de Apóstolos” (Lc 6, 6-13). os que procuram aprender dele uma o túmulo vazio, acreditou na ressurreição
nova forma de viver. São aqueles que do Senhor e, por conseqüência, esteve

16 Jul/Ago 2006 -
Formação Missionária

ade não há missão “Meus irmãos, se alguém disser


que tem fé, mas não tem obras,
que lhe aproveita isso? Acaso a
fé poderá salvá-lo? Se um irmão
ou uma irmã não tiverem o que
vestir e lhes faltar o necessário
para a subsistência de cada dia, e
pronto para anunciar o ocorrido aos ficavam admirados” (Mc 5, 19s). Maria alguém dentre vós lhes disser: ‘Ide
demais. São Marcos nos fala de um Madalena também fez uma experiência em paz, aquecei-vos e saciai-vos’ e
homem que teve uma grande experiência parecida. Também ela sentiu que a vida
não lhes der o necessário para a sua
de salvação. No encontro com Cristo ele mudou depois que encontrou Jesus.
manutenção, que proveito haverá
foi libertado dos seus males e voltou a Por isso nunca mais o abandonou! Sua
ser uma pessoa normal, como todas gratidão não lhe permitia abandonar o nisso? Assim também a fé, se não
as outras. A sua vida estava tão ruim seu mestre e, sem dúvidas, é por isso houver obras, está morta em seu
que ele morava lá no cemitério: nem que esteve ao seu lado até mesmo no isolamento. De fato, alguém poderá
mais se achava digno de morar entre momento da cruz. Assim entendemos objetar-lhe: ‘tu tens fé e eu tenho
os seus. No encontro com Cristo sua que não é por acaso que ela é a primeira obras. Mostra-me a tua fé sem
vida mudou! Diante desta experiência, apóstola a anunciar a sua ressurreição. obras e eu te mostrarei a fé pelas
sentiu uma alegria tão grande que queria Estes diversos textos apontam para obras’” (Tg 2, 14-18).
ficar com Jesus e tornar-se um dos que uma mesma direção. É a experiência
o acompanhavam. Jesus, porém, lhe do amor de Deus que se torna concreto
confiou outra missão: “Vá para a sua na própria existência, a tal ponto de se estas pessoas se tornaram discípulas,
casa, para junto dos seus, e anuncie para tornar salvação já nesta vida presente, seguidoras de Jesus. E porque a expe-
eles tudo o que o Senhor, em sua mise- que está na origem da fé e do empenho riência de Jesus foi algo muito grande
ricórdia, fez por você”. E o evangelista missionário. O encontro com Cristo foi em suas vidas, elas não conseguiram
comenta: “Então o homem foi embora e revelador e as pessoas creram nele. guardar só para si e o anunciaram aos
começou a pregar pela Decápole tudo Mas este acreditar se transformou em demais. É claro que elas não vão anunciar
o que Jesus tinha feito por ele. E todos verdadeira experiência de fé e então uma teoria ou uma doutrina; também
não vão anunciar lindas palavras que
ouviram da boca de outras pessoas. Elas
Jaime C. Patias

vão, sim, falar da própria experiência do


amor de Deus e como esta presença
de Deus na sua vida, na pessoa de
Jesus Cristo, foi para elas uma boa
notícia que lhes trouxe uma vida nova.

Parentes próximas
Podemos então afirmar que a es-
piritualidade e a missão são parentes
próximas!Ambas brotam de uma mesma
fonte: a experiência do amor de Deus.
Se são parentes próximas é importan-
te caminhar unidas. As divisões entre
os membros de uma família sempre
prejudicam muito. Assim também, se a
espiritualidade se separa da missão, ela
se perde no precipício: a fé sem obras
é morta. Mas a missão sem espirituali-
dade, entendida no seu sentido amplo,
como descrito até agora, também morre.
É significativa a imagem narrada no
livro do profeta Ezequiel: um monte de
ossos ressequidos (Ez 37). É somente
o sopro de Deus, a ruah, que é capaz
de devolver-lhes a vida. Assim também
acontece com a missão: só quando ela é
vivificada por um relacionamento pessoal
e contínuo com Deus e por uma busca
contínua de transformação interior, à luz
Encontro do Comire, Sul 3, Porto Alegre, RS. do seu coração misericordioso, é que

- Jul/Ago 2006 17
Formação Missionária
Arquivo

“Nota essencial da espiritualida-


de missionária é a comunhão íntima
com Cristo: não é possível com-
preender e viver a missão, senão
referindo-vos a Cristo, como aquele
que foi enviado para evangelizar.
Paulo descreve, assim, o seu viver:
tende em vós os mesmos sentimen-
tos que havia em Cristo Jesus. Ele,
que era de condição divina, não
reivindicou o direito de ser equi-
parado a Deus, mas despojou-se a
si mesmo, tomando a condição de
servo, tornando-se semelhante aos
homens. Tido pelo aspecto como
homem, humilhou-se a si mesmo,
feito obediente até a morte de cruz”
(Fl 2, 5-8 – RM 88).

para dentro que ele indica é o caminho


para o coração de Deus. É deste cora-
ção misericordioso de quem ama, zela,
sofre e se alegra com os seus filhos
que nasce a missão. “Antes de ser uma
atividade, a missão é contemplação e
Padre Néo em celebração de lava-pés, Engenheiro Navarro, MG. disposição a mergulhar no projeto e na
bondade de Deus”. A missão que é de
será uma missão vivida no espírito de que cresça nela a caridade que a move Deus precisa ser vivida com o espírito,
Deus. São Basílio afirma que a pessoa em direção aos outros.Outros padres com os sentimentos e com a lógica de
espiritual é aquela que é guiada pelo da Igreja também eram incisivos ao Deus. Só quem sabe contemplar ou,
Espírito e conforma a sua vida aos seus afirmar que a santidade consiste na usando a terminologia de São João, só
‘movimentos’. E o movimento principal caridade. A partir disto podemos dizer quem é capaz de ouvir com os próprios
do Espírito é a caridade, ‘mais preciosa que a missão não apenas é vivificada ouvidos e ver com os próprios olhos e,
que a gnose, mais gloriosa que a profecia pela oração mas é o seu verdadeiro de certa forma tocar com as próprias
e superior a todos os carismas’. A partir teste de ferro: se a oração não con- mãos a beleza da presença de Deus
destas palavras podemos dizer que duz à ação e portanto à missão, algo na sua vida, poderá anunciá-Lo aos
a verdadeira espiritualidade é aquela de errado está acontecendo com ela. demais. Certamente é por isso que
que transforma a pessoa, fazendo com Jesus, o grande missionário, uniu de
Coração de Deus forma tão harmoniosa em sua vida a
O saudoso e grande mestre, o papa oração e a intensa atividade missioná-
“Tal espiritualidade exprime-se, Paulo VI, coloca, de forma enfática, a ria. Numa relação contínua com o Pai,
antes de mais nada, no viver em importância do testemunho ao dizer que tornou-se o revelador por excelência
plena docilidade ao Espírito, e em
“o homem contemporâneo escuta com do seu amor por toda a humanidade.
melhor boa vontade as testemunhas do
deixar-se plasmar interiormente por
que os mestres (...) ou então se escuta os Luiz Balsan é missionário, professor de Espiritualidade e
ele, para se tornar cada vez mais
mestres, é porque eles são testemunhas” doutor em Teologia.
semelhante a Cristo. Não se pode (EN 41). Refletindo sobre a missão, o
testemunhar Cristo sem espelhar padre Pagliari aponta como primeiro
a sua imagem, que é gravada em movimento da missão o caminho para Para reflexão
nós por obra e graça do Espírito. dentro. Isto parece contraditório, pois 1. O que as pessoas normalmente enten-
A docilidade ao Espírito permitirá nós sempre pensamos na missão como dem por espiritualidade?
acolher os dons da fortaleza e partida, num movimento para fora que
2. Espiritualidade e oração são a mesma coisa?
do discernimento, que são traços leva a deixar a própria terra... e ir até
os outros, vencendo fronteiras. Mas o 3. Por que podemos dizer que a missão faz parte
essenciais da espiritualidade mis-
que o autor diz não é contraditório não! da espiritualidade cristã?
sionária” (RM 87).
Pode ser sim paradoxal, isto é, apenas
aparentemente contraditório. O caminho

18 Jul/Ago 2006 -
missão
A evangelização dos afastados

Missão
história daHoje
Nos grandes centros urbanos, o

Ricardo Castro
desafio da evangelização hoje é
a indiferença religiosa.

de Joaquim Gonçalves

A
s Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja
no Brasil (2003-2006), com base no Censo de 2000
e no estudo do CERIS publicado em 2002 chamam
a atenção para o fato de os cristãos católicos terem
diminuido quase 10% em 9 anos. Constata também
que há um outro fato preocupante que é o crescimen-
to dos que guardam apenas uma “adesão parcial” a qualquer
instituição religiosa e “ fazem de suas convicçõs uma ´religião
invisível´, com pouca ou nenhuma prática exterior” (DG 54).
Os “afastados” da Igreja são priorizados como destinatários
mais próximos das Missões Populares. Constatamos no dia-a-dia
que este não é um caminho fácil. Quem se dedica à pastoral, em
contexto urbano, sabe muito bem que a maioria deles não está
interessada em voltar a nenhuma prática religiosa explícita.

Razões históricas
A partir da década de 80 começou-se a falar mais insistente-
mente sobre missão na cidade. Nossos olhares e as preocupações Caminhada pela Paz em Heliópolis, São Paulo, SP.
se voltavam mais para o fenômeno da verticalização da moradia
do que para a imigração persistente que acumulava muita gente que em 2005 houve pouco mais de 30 batismos, dois matrimônios
desordenadamente nas periferias das grandes cidades. Por (regularização) e 35 crismas.
coincidência, o entusiasmo pelas pequenas comunidades foi
se esvaziando, enquanto crescia a tendência do subjetivismo Missão urgente e desafiadora
e da massificação. As igrejas evangélicas se apressavam para O Projeto Nacional de Evangelização (PNE) aponta o caminho
ocupar o espaço novo e para organizar pequenas comunidades certo da evangelização: atrair as pessoas para um encontro com
na periferia. O clero e os agentes de pastoral concentravam seus Cristo (conversão), viver em comunhão fraterna (comprometer-se)
esforços mais na formação de lideranças paroquiais. Algumas e sair para evangelizar a sociedade (missão permanente). Mas
congregações religiosas masculinas e femininas ainda continua­ as pessoas que emigraram e ficaram silenciosamente buscando
ram a se deslocar para as ruas estreitas e para as vielas. Mas caminhos de vida, perderam o chão cultural das raízes religiosas
muitas dessas comunidades não se renovaram. que traziam e se habituaram à vida de anonimato, talvez mais
por necessidade de proteção social do que por opção.
Alguns sinais de vida O grande desafio da ação missionária é saber como aju-
Em São Paulo, onde hoje se encontra o maior bairro-favela dar essas pessoas a sair do anonimato e a compreender que
– Heliópolis -, no começo da década de 80, quase toda a área a religião tem respostas para as grandes perguntas da vida
era mato. Atualmente mais de cem mil pessoas moram na região. que nos acompanham. A maior barreira agora é a indiferença
Por alguns anos, trabalharam na favela algumas congregações. religiosa que se instalou. É verdade que nem todas as raízes
Com grande esforço e dedicação construíram 4 centros comuni- religiosas e culturais já se perderam. Alguns poucos pais ainda
tários e formaram lideranças locais. Mesmo assim, hoje, a grande batizam os filhos e buscam encaminhá-los para a primeira co-
maioria dessa imensa população é constituída por “afastados”, munhão, mas a juventude não se sente ligada àquelas raízes
ou indiferentes. As quatro missas dominicais conseguem congre- que alguns pais e avós ainda guardam em suas convicções.
gar cerca de 400 pessoas (freqüentarão comunidades fora de Evangelizar as pessoas em contexto de periferia afigura-se um
Heliópolis?). As igregas evangélicas - que são 19 - conseguem caminho com aspectos de deserto, uma travessia que assenta
congregar cerca de outras tantas. O resto da população, apesar em ousadia e perseverança. 
das visitas domiciliares, sobretudo dos evangélicos, permanece
indiferente. O desafio da evangelização é enorme. Basta pensar Joaquim Gonçalves é missionário e pároco na Paróquia Santa Paulina, Heliópolis, SP.

- Jul/Ago 2006 19
Destaque do mês

O MUNDO É NOSS de Alfredo J. Gonçalves

A
Semana do Migrante, em sua
21ª edição, foi celebrada entre
os dias 19 e 25 de junho de 2006.
Tratou-se de um tempo forte de
estudo, reflexão e ação em torno
do fenômeno das migrações,
nos seus diversos aspectos. Durante esse
período, realizaram-se cursos, palestras,
seminários, romarias, celebrações es-
peciais, encontros, festivais de música
e poesia – tudo relacionado à temática
migratória. Os eventos foram promovidos
pelo Serviço Pastoral dos Migrantes, que
é vinculado à Comissão Episcopal para
o Serviço da Caridade da Justiça e da
Paz, da CNBB, em articulação com outras
forças sociais e eclesiais que atuam no
campo da mobilidade humana.
Neste ano, a Semana do Migrante
teve como tema “Migração e Cidadania”
e como lema “O mundo é nossa pátria”.
Hoje em dia, como sabemos, muita gente
é obrigada a deixar seu lugar de origem
e partir para terras estranhas. Em todo
mundo, estima-se em mais de 175 milhões
o número de pessoas que residem fora Com o tema “Migração e Cidadania”, realizou-se em
do país em que nasceram. As estatísticas
sobre refugiados, segundo o ACNUR (Alto junho, a 21ª Semana do Migrante, um tempo de estudo,
Comissariado das Nações Unidas para
os Refugiados), oscilam em cerca de 20 reflexão e ação sobre o êxodo de diversos povos.
milhões. Boa parte dos países da América
Latina, que no passado foram regiões de
destino para muitos europeus, asiáticos e
africanos, atualmente estão se convertendo Causas da emigração para fins de abuso sexual ou o trabalho
em regiões de emigração. Contam-se em Por que as pessoas deixam as terras sazonal. Na base de tudo, está a teimosia
dezenas de milhões o número de latino- em que nasceram, cresceram e enter- dos migrantes, dispostos a enfrentar tudo
americanos que vivem na América do raram seus mortos? Os motivos são os para buscar melhores condições de vida.
Norte, Europa e Japão. Cerca de dois a mais diversos. Predominam as causas Quando tais condições são negadas nos
três milhões de brasileiros residem hoje de caráter econômico e político. Sob as países de origem, partem corajosamente
no exterior, destacando-se como países aparências de deslocamentos voluntá- para terras desconhecidas. Por isso, não
de destino os Estados Unidos e o Para- rios, escondem-se profundas injustiças, raro, vivem como clandestinos em lugares
guai. Se a essas cifras acrescentarmos assimetrias e desigualdades sociais entre distantes, tornando-se vulneráveis a todo
os migrantes internos e temporários, os os países centrais e periféricos. Conflitos, tipo de exploração. Um olhar retrospectivo
nômades e pescadores, ou os marítimos guerras, violência, como também dife- à presença e ao papel dos imigrantes nos
e aeroviários, os números se multiplicam renças de ordem étnica ou religiosa, são países desenvolvidos revela uma situação
ainda mais. O fenômeno da mobilida- outras causas do êxodo em massa. Não ambígua e aparentemente contraditória.
de humana, em nível planetário, ganha podemos esquecer, ainda, as migrações Por um lado, são eles que em geral assu-
características cada vez mais intensas, limítrofes nas fronteiras de países vizinhos, mem os serviços mais sujos e pesados,
complexas e diversificadas. o tráfico internacional de seres humanos mais perigosos e mal pagos, formando

20 Jul/Ago 2006 -
SA PÁTRIA
Ao enfrentarem
tantos obstáculos, os
imigrantes forjam o
sonho de um mundo
sem fronteiras.

primeiro na França e depois nos Estados alguns serviços essenciais desses países

Divulgação
Unidos, assistimos a um verdadeiro salto estariam comprometidos. Muitas vezes a
qualitativo nesse esforço dos imigrantes por força e a energia dos migrantes consti-
melhores condições de vida e trabalho. O tuem uma espécie de oxigênio primaveril
acúmulo de lutas individuais ou familiares, em sociedades que já se aproximam do
fermentando em solo clandestino mas fértil, outono. Ou então como sangue jovem nas
levou a mobilizações gigantescas por novas veias de organismos socioeconômicos
leis trabalhistas, num caso, e novas leis e político-culturais que já dão sinais de
de imigração, no outro. Em cidades como precoce decrepitude.
Paris e Lion, ou Nova Iorque, Los Angeles e
Boston, entre outras, os imigrantes saíram Cidadania universal
às ruas exigindo seus direitos. O núcleo A Semana do Migrante de 2006 reto-
central de suas reivindicações pode ser mou o debate sobre a cidadania universal
resumido na seguinte pergunta: se, de um ao aprofundar a temática “O mundo é
lado, somos aceitos como trabalhadores, nossa pátria”. O conceito de cidadania
por que, de outro, não somos respeitados universal passa, necessariamente, pelo
como cidadãos legais? A resposta a essa espírito de acolhida para com “o outro, o
pergunta encontrava-se num dos cartazes, estranho e o diferente”. Neste sentido, a
em recente manifestação pela legalização Instrução Erga Migrantes Caritas Christi,
dos trabalhadores estrangeiros do Pontifício Conselho para a Pastoral dos
nos Estados Unidos: We are Ame- Migrantes e Itinerantes, lembra: “diante
rica – nós somos a América! dos mil rostos do outro, não basta a tole-
rância, é preciso desenvolver o diálogo, a
Um mundo sem escuta e a compreensão, numa palavra,
fronteiras um profundo processo de inculturação”.
Ao enfrentarem tantos obstá- No Antigo Testamento, a experiência da
culos, seja nas zonas limítrofes escravidão figura como uma espécie de
dos países, com as autoridades espelho negativo que serve de alerta: “não
alfandegárias, seja na procura oprimam o estrangeiro, vocês conhecem
de trabalho e moradia, na con- a vida do estrangeiro, porque vocês fo-
dição de indocumentados, os ram estrangeiros no Egito” (Ex 23, 9-12).
imigrantes forjam o sonho de “Quando um imigrante habitar com vocês
um mundo sem fronteiras. À no país, não o oprimam. O imigrante
medida em que se erguem os será para vocês um concidadão. Vocês
muros da separação, visíveis o amarão como a si mesmos, porque
ou invisíveis, ergue-se ainda vocês foram escravos na terra do Egito”
mais alta a esperança de uma (Lv 19, 33-34). Os frutos da terra e do
cidadania universal. O sonho trabalho devem estar a serviço de todos
cresce na proporção inversa da e todas, sem exclusão dos quem vêm de
intolerância e da discriminação, fora: “Quando vocês fizerem a colheita da
do preconceito e da xenofobia. lavoura nos seus terrenos, não colham
Já o beato João Batista Scala- até o limite do campo; não voltem para
brini, bispo de Piacenza, Itália, colher o trigo que ficou para trás, nem
e apóstolo dos migrantes, dizia as uvas que ficaram no pé; também não
que “a migração dá aos povos recolham as uvas caídas no chão. Deixem
o mundo como pátria”, ou “para tudo isso para o pobre e o estrangeiro”
os migrantes, a pátria é a terra (Lv 19, 9-10). Para terminar, é por demais
que lhes dá o pão”. A expressão conhecida a sentença de Jesus no episódio
uma mão-de-obra farta, fácil e barata. Por We are America ganha aqui sua autêntica do juízo final: “eu era migrante e vocês
outro lado, sendo-lhes negados o status de legitimidade. De fato, as mãos que ajudaram me acolheram” (Mt 25,35). 
trabalhador legal e a correspondente cida- a fazer a riqueza dos países desenvolvidos,
dania, vêem-se forçados a uma luta árdua de forma legal ou clandestina, têm direito Alfredo J. Gonçalves é sacerdote carlista e assessor da Comissão
pela sobrevivência. Nos últimos meses, a um pedaço do bolo. Sem os imigrantes, para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz - CNBB.

- Jul/Ago 2006 21
Romaria dos M
atualidade

compromisso cristão
Entre os dias 15 e 16 de julho, a diocese de Ribeirão Cascalheira, em
Mato Grosso, promove a Romaria dos Mártires da Caminhada. Neste ano,
a Romaria lembra os 30 anos de martírio do jesuíta João Bosco.

da Equipe de Coordenação Celebramos todos os mártires, de tre os índios Bakairi e coordenador do


todas as religiões, de todas as Igrejas, Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Q
de todos os sonhos e lutas da causa da de Mato Grosso. Estando na região por
ueremos e devemos man- vida, da justiça, da paz, que para nós são ocasião do Encontro Indigenista, decidiu
ter viva a memória de todos as Causas do Reino da Vida. conhecer o povoado de Ribeirão Bonito,
aqueles e aquelas que, como O mártir é testemunha do Mártir Jesus, a que celebrava a novena da padroeira,
Jesus de Nazaré, deram a testemunha fiel, como o proclama o livro do Nossa Senhora Aparecida. O bispo da
prova maior de amor: a própria Apocalipse, e enfrenta com Ele os poderes Prelazia de São Félix do Araguaia, dom
vida. Por isso, nosso coração do império da morte, denunciando toda a Pedro Casaldáliga, estava com ele.
se enche de alegria e de paixão quando injustiça, sendo a voz dos sem-voz, dos Chegando ao povoado de Ribeirão
somos convidados a celebrar a Romaria pobres da terra. Eles (nossos mártires) Bonito no dia 11 de outubro de 1976, os dois
dos Mártires da Caminhada. Esta Roma- estão gritando justiça nas lutas do povo. encontraram um clima de terror e tensão
ria é um acontecimento de toda a Igreja, A América Latina vem sendo regada com na população. Duas mulheres, Margarida
sobretudo a latino-americana, e de tantas muito sangue mártir, e por isso é a Igreja e Santana estavam sendo torturadas na
pessoas solidárias que querem celebrar do Sangue e do Espírito de Jesus de cadeia/delegacia e seus gritos se ouviam
e manter viva a memória dos nossos Nazaré. Ainda hoje a lista dos mártires em todo o povoado. Dom Pedro decidiu
mártires. continua a crescer. interceder pelas mulheres e o padre João
Celebramos comprometidamente to- Bosco quis acompanhá-lo. Chegando à
dos aqueles e aquelas que deram suas Padre João Bosco cadeia, os policiais estavam no terreiro,
vidas ao longo dos anos de repressão e de A Romaria deste ano tem como mo- como que esperando por eles. Os dois
ditadura, que tombaram e que ainda con- tivação principal os 30 anos de martírio se apresentaram e o diálogo foi tenso e
tinuam tombando, no campo e na cidade, do padre João Bosco. João era mineiro de pouca duração. O padre João Bosco
vítimas da violência e da cobiça. de Juiz de Fora, jesuíta, missionário en- afirmou que denunciaria aos superiores

Romaria dos Mártires, Ribeirão Cascalheira, MT, 2001.

22 Jul/Ago 2006 -
Mártires
memória daqueles e daquelas que como
Jesus, deram suas vidas pelas causas
maiores de nossas lutas e sonhos, que
para nós são as Causas da Vida, as
Causas do Reino.
O clima destes encontros é de festa,
de alegria, de partilha e de compromisso
com a Romaria. É bonito o envolvimento do
Fotos: Arquivo Prelazia de São Félix do Araguaia

povo na construção da colcha de retalhos,


onde mulheres, homens, idosos, jovens
e crianças escolheram e escreveram os
nomes dos mártires nos retalhos e selaram
o seu compromisso com a memória do
mártir Jesus, na ceia com o Senhor, no
corpo e sangue da ‘testemunha fiel’.

Subsídios
Para manter viva a memória de tantos
Mártires e alimentar a fé na caminhada do
povo, foram sendo publicadas algumas
matérias com o propósito de ajudar a
celebrar estas vidas doadas pelo Reino
da Vida. Como subsídios, a Prelazia
organizou o Oficio dos Mártires da Cami-
nhada Latino-Americana, publicado pela
Paulus, Celebrações Martiriais – Via-Sacra
e Terço Martirial, Tríduo dos Mártires,
Galeria dos Mártires e o livro sobre o
martírio do padre João Bosco, publicado
pela Loyola. Estes materiais vêm sendo
usados na preparação da Romaria em
Dom Pedro Casaldáliga em celebração no Santuário dos Mártires, Ribeirão Cascalheira, MT. toda a Prelazia; nos encontros de grupos
de ruas, na catequese, nos vários setores
deles em Cuiabá, as torturas praticadas assumido por Jesus. Sendo assim, a da cidade e nas comunidades do sertão
na região. O soldado Ezy desfechou um memória subversiva de tantos mártires onde estão acontecendo os encontros
soco em seu rosto, uma coronhada e um será alimento forte da espiritualidade, da martiriais.
tiro fatal. Em sua agonia, ele ofereceu sua vitalidade e dinâmica da comunidade. Por São muitas as confirmações de cara-
vida pelo CIMI e pelo Brasil, invocando isso a Romaria é um momento de alimentar vanas que vêm para celebrar este Jubileu
o nome de Jesus, e recebeu a unção. a nossa fé e reassumir os compromissos Martirial. Gente vinda dos vários cantos do
Foi morrer gloriosamente mártir, no dia dos nossos mártires, e procurar beber Brasil e de outros países solidários. Esta
seguinte, festa da Mãe Aparecida, em no poço e no testemunho daqueles que memória martirial quer se perpetuar como
Goiânia, coroando assim uma vida santa. “vêm da grande tribulação, que lavaram uma comunhão de afeto e de compromisso
Suas últimas palavras foram as do próprio e alvejaram suas roupas no sangue do entre companheiros e companheiras que
Mestre: “acabamos nossa tarefa!” Cordeiro” (Ap 7). Para nós, o martírio comungam da memória de nossos mártires
No primeiro ano do seu martírio se é a expressão da nossa caminhada, da e das causas de seus martírios, e vem
construiu em mutirão o Santuário dos caminhada do povo de Deus. se consolidando por meio da Irmandade
Mártires da Caminhada Latino-Americana. Esta Romaria é um grande mutirão de dos Mártires da Caminhada, formada por
Fazendo memória do padre João Bosco preparação, de sonho e de comprometi- famílias, entidades e grupos solidários da
se faria memória também de tantos outros mento com as causas de nossos mártires. nossa América e de outros continentes.
mártires que deram seu testemunho de A Romaria acontece com esta grande Queremos e devemos recolher o
sangue e de compromisso com a justiça mobilização da população de Ribeirão sangue-semente de nossos irmãos e
e a dignidade do povo nesta nossa Amé- Cascalheira e de toda a Prelazia. Homens, irmãs que deram suas vidas e dos que
rica. É neste santuário, - único em seu mulheres, idosos, jovens, crianças se unem ainda continuam a tombar – no campo e
gênero, ecumenicamente acolhedor do em várias equipes de serviço, doando parte na cidade, no Brasil e na América Latina
testemunho de todos aqueles e aquelas de seu tempo para cortar, pintar, costurar – pela Causa da Libertação. Um povo ou
que vêm dando suas vidas pela causa as lembranças para os romeiros, organizar uma Igreja que esquece seus mártires
maior de Deus, que é também a causa a exposição de fotos das outras romarias, não merece sobreviver. Porque somos
maior da própria humanidade -, que cele- confeccionar as vestes e roupas a serem herdeiros de sangue, povo de testemunhas
braremos todas as “Vidas pelo Reino da usadas. É uma grande festa. A Romaria já e queremos assumir comprometidamente
Vida”, nossos mártires. está acontecendo no coração, nas mãos, essa herança gloriosa que são as Vidas
nos pés, na vida do povo. pelo Reino da Vida. 
Vidas pelo Reino da Vida Na fé e no compromisso, na oração
A Igreja é convocada a dar testemu- e na partilha, nossas comunidades vêm Equipe de Coordenação da Romaria dos Mártires de Ribeirão
nho de sangue, no mesmo compromisso se reunindo para celebrar e manter viva a Cascalheira, MT.

- Jul/Ago 2006 23
Criança
Infância
Missionária
no amor e na dor deixar nenhuma pista. São muitas as crianças desaparecidas,
vistas como mercadoria ou objetos, levadas de um lado para o
outro. Falamos aqui deste antagonismo: a alegria do nascimento
de uma criança e a tristeza pela entrega desta pequena vida
ao desconhecido.

Tráfico de crianças
Além dos recém-nascidos, também as crianças maiores
(principalmente as meninas) são levadas pelo tráfico para ex-
ploração sexual, o trabalho como domésticas, a mendicância,
dentre outras atividades. Segundo a Organização Internacional
do Trabalho, em 2003 cerca de 1 milhão e 200 mil crianças foram
vítimas do tráfico internacional. O tráfico de seres humanos é
a terceira atividade ilegal que mais gera lucro no mundo, atrás
somente do tráfico de armas e de drogas.
Recordo-me agora da oração de agradecimento de Ana a Javé
(I Sm 2, 1-10) que lhe concede o filho Samuel, devolvendo-lhe a
alegria e o entusiasmo pela vida. Com toda razão, o nascimento
de uma criança traz muita alegria. Recordemos então, a situa-
ção das crianças chinesas no século XIX e a ação missionária
de dom Carlos Forbin Janson denunciando e clamando justiça
àqueles pequeninos. Na Infância Missionária somos chamados
a agir do mesmo jeito: emprestando a nossa voz à todas as
Néo Monteiro

crianças desaparecidas, denunciando os maus-tratos a que são


submetidas. Esse é o nosso “fazer missionário”. Das crianças
do mundo – sempre amigas! 

Roseane de Araújo Silva é missionária leiga e pedagoga da Rede Pública do Paraná.


“Um filho que nasceu (...)
É o dom que vem das mãos de Deus!” Sugestão para Grupo
(Roberto Malvezzi - Gogó). - Acolhida.
- Motivação (objetivo): refletir com as crianças a realida-
de da agressão física contra crianças e adolescentes.
de Roseane de Araújo Silva
- Oração: rezemos por todas as crianças desaparecidas

V
ou exploradas longe da sua família.
ivemos um momento bem especial, o momento - Partilha dos compromissos semanais.
da festa da colheita. Colher o que semeamos em - Leitura da Palavra de Deus: Lucas 1, 39-45 e 57-58,
nosso chão, solo sagrado, berço das nossas raízes. João aponta o Messias.
Celebrar os frutos, as novas cores que brotam do - Compromissos missionários: no Evangelho de Lucas,
chão e com isso celebrar também a festa do nas- recordamos a visita de Maria à sua prima Isabel pres-
cimento. Um dos momentos mais empolgantes de tes a dar à luz ao menino João Batista, que exulta de
uma casa é o momento de comemorar o nascimento de uma
alegria com a sua presença. Vamos refletir juntos sobre
criança. O milagre da vida! É pensar no futuro, ter esperança
as crianças privadas de sua alegria, as crianças vítimas
de continuidade do ser humano. Menina ou menino, a alegria é
quase sempre a mesma. É vida nova chegando! do tráfico. Existe em nossa cidade, alguma instituição
Ao visitar uma maternidade na região metropolitana de Curitiba preocupada com as crianças desaparecidas? O que
percebi um pouco este momento mágico. Mãe e criança cercada tem sido feito à respeito? A criança requer cuidados e
de carinho e atenção, porém, em meio a todo este acontecimento atenção desde o ventre materno como parte integrante
esconde-se ainda o pavoroso fato do tráfico infantil. Acontece com do seu desenvolvimento. Vamos pesquisar juntos?
freqüência junto a estes pequeninos recém-nascidos, a entrega - Momento de agradecimento a Deus Pai.
ou venda aos criminosos pelas mãos dos próprios pais. Nascer - Canto e despedida.
para a vida e ter a vida tomada de assalto, desaparecendo sem

24 Jul/Ago 2006 -
O jovem e a música

conexão jovem
A música, além de diversão, deve servir como adotavam o estilo de ser do grupo! Isso é interessante, pois os
jovens em sua maioria estão buscando uma identidade, e para
um instrumento de informação da realidade. isso eles saem “colhendo” da realidade aquilo que para eles é
bom. Ou seja, o jovem adota da banda seu modo de pensar,
sua ideologia.
de Manuel Santos
Valores culturais
Nós poderíamos pensar sobre que proveito tiramos da música.

A
Sabemos infelizmente que a indústria fonográfica limita muito
música, antes de tudo, é uma forma de expressão os valores, a riqueza do mundo musical. Ela já não se preocupa
humana. Poderíamos nos perguntar se ela tem mais em mostrar para os jovens e adultos, os valores culturais
alguma influência na vida do ser humano... Eu diria e as discussões políticas da sociedade. Em nossos dias, o que
sem nenhum rastro de dúvida, que sim, que ela predomina na música é a exaltação do corpo, da sexualidade.
influencia e que nós podemos perceber, na história, Faz-se mau uso da sexualidade humana, pois limita-se o jovem
que não só os adultos, mas também nossa juventude simplesmente ao biológico, ao corpo. O que se percebe na praça
é influenciada por ela. é que as músicas que são produzidas hoje, são estímulos que
Não é difícil perceber algo assim. Vejamos um exemplo: nos levam o jovem a usar sua energia em coisas vulgares.
anos 60 do século passado, por estímulo de grupos musicais da A música já não tem mais traços característicos, como
época, surgiram aquelas jaquetas de couro e as saias rodadas. falar da natureza (isso já é coisa do passado), da vida do ser
A juventude se identificava com a forma dos músicos se vestir e, humano, falar da vida social. Perdeu-se o diálogo com a poesia,
sobretudo, com o modo de pensar. Não podemos nos esquecer com a cultura e com as emoções humanas. Poderíamos dizer
também, do grupo de rock brasileiro “Titãs”. Quando a banda que o fator relevante em nosso tempo é apresentar aquele
estava no auge de seu sucesso, os músicos se apresentavam “corpo sensual” ou simplesmente não mostrar nada, somente
com trajes pretos. Algum tempo depois, muitos garotos já fazer barulho. Digo isso porque podemos perceber que muitas
casas noturnas levam o jovem a entrar num universo “estético”
que os leva a um esquecimento da vida! É um momento de
Jaime C. Patias

êxtase, algo que os anestesia até que voltem à realidade. É aí


que está o problema, pois não refletimos ou nos preocupamos
para tentar uma solução, mas acabamos buscando algo que
nos faz esquecer dos problemas por um instante. Será que
isso resolve? O mundo clama por ajuda, e nós, jovens, o que
fazemos para ajudá-lo?

A música e a realidade
Muita gente imagina que o objetivo da música seja somente
diversão. Eu diria que não só, pois sendo ela uma forma de
expressão humana, poderia trazer em si algo relativo à realida-
de em que o homem está inserido. Sabemos o que acontece
diariamente em nosso país, problemas de nossa sociedade que
os meios de comunicação informam a cada instante. São coisas
que nós, jovens, pensamos que não nos atingem, pensamos
que não tem “nada a ver” com a gente. Não há como fugir da
realidade, e não podemos ficar indiferentes, precisamos encarar
de frente o nosso mundo e nos fazer perguntas como as que
Renato Russo já tinha feito há alguns anos: que país é este? Já
no seu tempo ele cantava: “nas favelas no Senado, sujeira pra
todo lado, ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam
no futuro da nação...”
O objetivo não é condenar nenhum tipo de música ou es-
tilo, mas trazer para nosso meio uma discussão relativa a nós
mesmos. Não há problema algum em ouvir o funk, o rock, o
sertanejo ou qualquer estilo que seja. A questão que devemos
levantar é se tais estilos musicais nos alienam diante do nosso
próprio mundo. 

DNJ 2004, Praça da Sé, São Paulo, SP.


Manuel Santos é seminarista, cursando Filosofia em Curitiba, PR.

- Jul/Ago 2006 25
A cidadania plena
entrevista

deve ser incentivada


Leonardo Boff esclarece
alguns conceitos que
defende, e expõe a
necessidade de proteção
à composição da vida, em
que tudo está integrado,
dependente e finito.

Texto e fotos de Cecília de Paiva

E
scritor, professor, filósofo, confe-
rencista e defensor dos movimen-
tos sociais e das Comunidades do grito do oprimido, do grito da terra,
Eclesiais de Base, Leonardo Boff do grito das águas, e quer que se faça
esteve em Campo Grande, MS, aquilo que o Universo faz: ele se expan-
para proferir uma palestra sobre de, autocriando-se e gestando ordens e
justiça e trabalho em maio e concedeu a harmonias, que permitem o surgimento
entrevista a seguir. Doutor em Teologia e da vida, da sociedade.
Filosofia pela Universidade de Munique na
Alemanha, Boff lecionou como professor- As Comunidades Eclesiais de Base
visitante nas Universidades de Lisboa, promovem uma ruptura mais equilibrada
em Portugal, Salamanca, na Espanha, do que os movimentos que enfrentam?
Basel, na Suíça e Harvard, nos Estados Elas fazem rupturas sociais? consumidor passivo, que quer mudanças,
Unidos. Desde 1993, ministra aulas de Como as CEBs se movem dentro articula entre os sindicatos, partidos, vai
Ética, Filosofia da Religião e Ecologia do campo religioso, dão espaço para a ao grupo de base, ao grupo de saúde, e
na UERJ, Universidade Estadual do Rio compreensão e o perdão. Agora, quando lá criticamente participa.
de Janeiro. elas participam do campo político, apóiam
uma ocupação, lutam pela saúde, pelos Em 1998, o senhor fez despertar a
O que é a Teologia da Libertação? sem-teto, animam os grupos de negros, de águia (obra do autor). Como está a vida
Essa Teologia nasceu entre os anos mulheres, aí se confrontam com o conflito das galinhas desde então?
60 e 70, quando os cristãos colocaram esta social que é cruel e de larga duração. É Eu sou naturalista, aquele que cuidou
pergunta: em que medida nós, a partir da importante que as Comunidades Eclesiais que a águia não morresse. Hoje temos
fé e do Evangelho, ajudamos na mudança de Base se componham, reforcem outros que reforçar a cidadania, a autonomia do
da sociedade? Porque essa sociedade grupos sociais e juntos se articulem e cidadão para não ser manipulado, conse-
com tantas injustiças e desigualdades, não criem uma frente ampla para pressionar a guir seus direitos, seu emprego. Não se
é agradável a Deus. A fé cristã consola sociedade, o Estado, buscando mudanças. deixa transformar em galinha submissa,
as pessoas e cria resignação, mas pode Uma das coisas boas das CEBs é que que é aquela que consome e se adapta
criar mobilização, resistência. A Teologia elas criam um cristão militante, partici- aos programas de entretenimento, uma
da Libertação parte do caos social, parte pativo, criam um cidadão que não é um imbecilização semanal que se faz em

26 Jul/Ago 2006 -
cima do povo brasileiro. Que as pessoas
tenham coragem de trocar de canal, fazer
a crítica e participar dos movimentos.
Isso permite que o ser humano seja uma
águia, que tenha um vôo grande e ganhe
sua liberdade e autonomia.

Desde 1998, o senhor acredita que


existam mais águias ou continuam as
mesmas galinhas?
Com a vitória do PT, a consciência dos
pobres foi despertada. Nós que estáva-
mos sempre dominados, marginalizados,
conseguimos criar um presidente e por
mais que haja corrupção e crítica, não
entregamos esse presidente às classes
que sempre dominaram. Ele é nosso. Há
uma politização grande, em que o povo
ganhou auto-estima, é participante, sai
em defesa do partido e, se a cúpula se
perverteu, essa base não. Queremos res-
gatar essa herança de conquista de tantos
anos de espera, de luta, de organização,
de resistência, de libertação. Esses são
cidadãos águias, não se deixam esmorecer, parte da população dizendo: finalmente E suas definições sobre o social,
nem desanimar, mantêm vivo o horizonte um notório corrupto conhece as grades. ambiental e integral?
da utopia, com coragem de retomar a luta. Isso seria impensável e o protesto dele foi Estamos cansados do meio ambiente,
De dizer que, apesar de não estarmos que nunca a República fez isso. Porque a queremos o ambiente inteiro, o ser huma-
satisfeitos, votamos nele, é uma criação República era controlada por ele. Agora no integrado na natureza, sem agredi-la
nossa, somos nós que estamos lá, a a República é pública. e tirando o que o homem precisa para
nossa cara, ele tem as nossas chagas, o seu sustento, zelando para não quei-
isso é um grande sentido de auto-estima, A atuação do Evo Morales é algo mar o capital natural que está aberto às
de conquista. próximo ao sonho de ter Lula no cargo gerações depois de nós, que têm direito
de presidente? de respirar um ar puro, tomar uma água
E a questão da cidadania e da ética Eu penso que a reação do governo potável, uma terra com sua integridade,
desprezada no PT e dentro do Congres- Morales é a explosão de 500 anos de sua beleza.
so Nacional? sofrimento, de repressão que toda cultura A questão da ecologia tem de ser uma
Temos que ver os dois lados. A classe Quechua-Aymara conheceu na Bolívia. questão transversal, que todos têm de
política normalmente é corrupta, isto é, Depois de 500 anos, é a primeira vez assumir. Falta mobilização da sociedade,
usa o poder do Estado, da coisa públi- que um indígena, a grande maioria da nas escolas, nos grupos. Ter relação de
ca, para benefício pessoal. Acontece a população, chega ao poder de Estado. convivência. E isso tem que crescer na
corrupção patrimonialista, aumentar o Então, é uma situação nervosa de atender sociedade como uma cultura ecológica. E
próprio patrimônio. O PT não tem uma às demandas reprimidas de séculos e isso se transformar em leis, em políticas
corrupção propriamente patrimonialista. séculos. E ele tomou medidas que devem públicas para reforçar, porque temos as
Quer aumentar o poder do partido, fundos ser entendidas nesse pano de fundo. De políticas públicas, mas sem essa base
para o partido, mas é corrupção. Usa o resgate da soberania, de afirmação da na sociedade, é difícil elas progredirem
poder para benefício pessoal e de grupos. autonomia de um povo, de uma nação. O e se perpetuarem.
É tradição na política brasileira. Isso é um Lula teve um projeto social que atingiu uma
lado, o outro lado é que a mídia, a opinião faixa da população que estava à margem Quer falar sobre a imposição do
pública, denunciou isso. Hoje é difícil ser e foi integrada, agora ele não fez tudo que voto do silêncio por causa da Teologia
corrupto porque logo tudo é denunciado, devia fazer, como na macroeconomia que da Libertação?
e se vai enfrentar polícia, processos. Esse devia ter tido mais coragem. Diminuir os Isso são coisas do século passado, já
é o lado do avanço da sociedade, ela juros, o superávit primário, destinar mais passaram. O Vaticano impôs o silêncio,
mantém o poder público sobre controle, dinheiro para o social. Mas ele teve que eu fui obediente, cumpri. Quando dom
qualquer desvio a mídia delata. Aí aparece lutar contra uma grande crise financeira, Paulo Evaristo disse ao papa João Paulo
o jogo escuro, o poder público com o poder teve que empregar muito esforço para II: Santidade, o senhor fez ao meu aluno,
privado, as empresas. Isso é trabalho da não haver o colapso. Eu espero que daqui o Leonardo Boff, aquilo que os militares
imprensa, um trabalho extraordinário de por diante, oxalá ele chegue ao segundo fazem no Brasil, que é cortar a língua do
vigilância, cobrança. A corrupção tem de mandato, possa colocar mais no centro jornalista, e o papa disse: Eu? Como os
ser vista ao lado do combate e talvez ainda a questão social, especialmente a militares? Libera esse homem! E a partir
nunca a polícia e o Ministério Público reforma agrária que não foi feita, porque daí eu fui liberado, comecei a falar de
investigaram tanto e levaram poderosos, isso traria paz no campo, desincharia as novo e não parei mais até hoje. 
gente de colarinho branco, ex-deputados, cidades e faria com que o conflito não
à prisão. O símbolo maior disso foi a prisão fosse tão grande, com tantas vítimas onde Cecília de Paiva é relações públicas e jornalista, especialista
do Maluf, porque foi o regozijo de grande ocorrem enfrentamentos. em comunicação e mercado.

- Jul/Ago 2006 27
Os povos da Amaz
amazônia
Fotos: Arquivo CIMI

de Erwin Kräutler terra de saque e de lucro, desconhecendo em perseguições implacáveis, guerras de


o direito que cada um dos seus moradores extermínio ou por doenças criminosamente

A
e todos nós temos à vida. introduzidas. Calcula-se que na época,
Amazônia é retalho de raças os índios na Amazônia eram cerca de 3
e de povos. Tirando os povos Os donos da terra milhões. Seus territórios foram invadidos.
indígenas, os outros vieram Na Amazônia vivem, há milhares de Foram escravizados e deportados ou então
deportados ou atraídos sempre anos, os povos indígenas. A idade cienti- submetidos a programas de “integração”
em vista de extrair e produzir ficamente provada das pinturas rupestres à sociedade que orgulhosamente se au-
riquezas para fora. AAmazônia na Caverna da Pedra Pintada, em Monte todenominava de “nacional”.
está regada de sangue. Em Manaus, as Alegre, PA, mostrando mulheres e crianças Segundo o Censo 2000 do IBGE,
águas do rio Solimões se juntam às do rio saindo para colher castanha-do-pará e vivem em terras indígenas na Amazônia
Negro e por quilômetros vão juntas sem se homens no meio da mata úmida caçando 208.522 índios, ou 59,40% da população
misturar. Se você olhar para elas, ao longo anta, derruba definitivamente a tese da indígena brasileira. Chama a nossa atenção
dos 80 mil quilômetros que compõem os ocupação do continente americano há o fato que além destes índios que vivem
rios da Amazônia, você vai ver que são somente 12.000 anos. Esses “paleoín- em aldeias, há um número significativo
estriadas de vermelho: é o sangue de dios” viviam na Amazônia há muito mais de 61.689 indígenas que são habitantes
milhões de índios e de milhares de negros, tempo. Através dos séculos, quem sabe de cidades, encontrando-se geralmente
nordestinos, e gente de todo Brasil e de milênios, haviam-se adaptado às florestas nas periferias urbanas.
fora, a começar do primeiro índio morto, no tropicais, criando uma cultura superior à Onde estão e quem são? São divididos
século XVI, ao último lavrador trucidado, de outros pré-históricos de sua época. em 6 troncos lingüísticos: Tupi, Karib, Tuka-
com certeza no dia em que você estará Os índios de hoje são os descendentes e no, Jê, Pano e Aruaque. Os Waimiri-Atroari,
lendo este artigo. Todos eles pagaram pela remanescentes de outrora vigorosos povos Yanomami, Arara, Parakanã, Cinta Larga,
cobiça dos que olham a Amazônia como que, através dos séculos, foram dizimados Nambikwara, Kayapó, Asurini, Araweté,

28 Jul/Ago 2006 -
azônia
Indígenas, negros, nordestinos e na selva amazônica. Freqüentemente os
seringueiros entraram em confronto com

japoneses compõem a população os índios, que rejeitavam sua presença.


A reação indígena provocou a vingança
da Região, repleta de conflitos dos barões da borracha que os manda-
ram massacrar. Aldeias inteiras foram
econômicos e sociais. sacrificadas e os rios se tingiram da cor
do sangue.

Palikur, Waiãpi, Tiriyó, Tikuna, Krahó, na Amazônia podemos citar no Amapá: Japoneses na Amazônia
Sateré-Maué, Makuxi, Wapichana, Apurinã em Oiapoque (Calçoene) e Mazagão; no A partir de 1929 os nipônicos começam
e tantos outros povos são os filhos e as Pará: em Alenquer (Rio Curuá), em Óbidos a fixar-se em vários pontos da Região
filhas nascidos das entranhas da Amazônia (Trombetas/Cuminá); em Tucuruí, Cametá Amazônica. Tomé-Açu, no Pará, tornou-se
prenhe de seus ritos e mitos. (Rio Tocantins), Caxiú (Rio Moju/Capim),em o assentamento mais importante, ficando
Mocajuba e no Gurupi e em Anajás; no famoso pela produção de pimenta. A partir
Negros: a Pátria perdida... Maranhão se encontram os quilombos em da década de 70 a Amazônia tornou-se
Milhares e milhares de homens e Turiaçu e no Rio Maracassumé. mais uma vez palco de grandes migra-
mulheres foram trazidos da África como ções. A construção de imensas estradas
escravos. Muitos nem chegaram vivos Os nordestinos: atraídos e que cortam as selvas até então intocadas
neste lado do Atlântico. Morreram de abandonados provocou uma corrida de milhares de
banzo, de saudade, a bordo dos navios No século XIX, a extração do látex famílias do Nordeste à Amazônia... e lá
negreiros. Os que chegaram à Amazô- das seringueiras da floresta amazônica vão os nordestinos para o Norte, fugindo
nia tornaram-se em sua grande maioria adquiriu grande importância econômica: da seca, atraídos por promessas gover-
escravos de engenhos. Todos choraram atraiu dezenas de milhares de migrantes namentais. Mas poucos, apenas 15%,
inconsoláveis a pátria perdida. Ainda hoje do Nordeste brasileiro e despertou o inte- permanecem. Os outros desanimaram
cantam e dançam emocionados os cantares resse de grandes companhias extrativistas e abandonaram ou venderam seus lotes
e ritmos que a mãe África lhes legou. As européias e norte-americanas. O látex a preço de banana para voltar num pau-
festas dos santos padroeiros na Amazônia foi elevado à categoria de matéria-prima de-arara ao Nordeste da caatinga e das
têm características negras misturadas industrial a partir de 1823, com a desco- secas periódicas, ou então se refugiaram
com indígenas. As novenas e ladainhas berta da impermeabilização por Macintosh nas cidades, que da noite para o dia in-
cantadas e batucadas e noites dançadas e da vulcanização, por Goodyear, em charam, duplicando e triplicando o número
ao som de tambores e tamborins, de 1839. Até 1850, a exploração da borracha de seus habitantes.
curimbó e maracá, de reco-reco e xeque- estava restrita à região de Belém e ilhas. Muitos, já sem eira nem beira, tentaram,
xeque espelham a alma do amazônico. O Os primeiros rios a serem utilizados para como última cartada, a sorte nos garimpos.
ponto culminante dos festejos ainda hoje o transporte comercial foram o Xingu e o Se não acharam ouro, a malária encon-
é a procissão com a imagem escondida Tapajós, depois o Amazonas até atingir traram, com certeza. Em conseqüência
atrás de inúmeras fitas coloridas, carregada o Solimões, o Purus, o Alto Madeira e o de doenças, muitos morreram de “morte
num andor belamente ornado. Em muitos Juruá. Nessa época, iniciou-se também morrida”, outros tantos pela violência que
lugares não pode faltar a “corda” atrelada a migração de turcos, sírios libaneses e reina nos garimpos de “morte matada”.
ao andor, ligando simbolicamente à santa judeus que praticavam o comércio, baseado Não existem estatísticas.
ou ao santo os fiéis que nela seguram. na troca de mercadorias. “O monopólio
O povo negro sempre encontrou formas brasileiro de produção e os altos preços Migração do Sudeste,
de resistir ao processo de exploração e es- da borracha no mercado mundial enrique- Centro e Sul
cravidão. A fuga e a formação de quilombos ceram durante algum tempo os donos de A chamada segunda colonização,
era uma maneira de organizar e resistir seringais e fizeram de Manaus e Belém também incentivada pelo governo, trouxe
à crueldade do sistema imperial. Entre capitais de fausto e dissipação”. famílias do Sudeste, do Centro e do Sul
os principais quilombos ou quilombolas Nas primeiras décadas do século XX, do Brasil a esta nova fronteira. Vieram
com a concorrência da borracha asiática, em busca de terras para a agricultura ou
a borracha amazônica perdeu mercado criação de gado.
e a economia regional entrou em rápido Programas televisivos falaram de um
declínio, deixando milhares de famílias “Novo Eldorado” com estradas asfaltadas
de seringueiros na miséria. Durante a II e casas prontas e bonitinhas para receber
Guerra Mundial, quando os japoneses as famílias. Pouco a pouco este povo
cortaram o fornecimento de borracha para migrante se deu conta da dureza das
os Estados Unidos, milhares de brasileiros condições de vida na Amazônia. Havia
foram enviados para os seringais da Ama- casas de madeira nas agrovilas, uma
zônia, em nome da luta contra o nazismo, igualzinha à outra, mas o lote a ser culti-
dando origem à “Batalha da Borracha”. Os vado ficava a 30 ou mais quilômetros da
nordestinos recrutados para trabalhar nos nova habitação, e não havia transporte,
seringais foram chamados de “soldados a não ser os pés descalços. 
da borracha”, mas jamais receberam
soldo nem medalhas. O saldo final foi Erwin Kräutler é bispo do Xingu. Artigo gentilmente
terrível: entre os quase 60 mil soldados da cedido pela revista Mensageiro, edição Especial
borracha, cerca da metade desapareceu “Mutirão para a Amazônia” - 2006.

- Jul/Ago 2006 29
Roraima - RR Jesus Cristo e da Cáritas Brasileira; rede de parcerias
Saúde indígena e a prática da solidariedade na comunidade. Também
A advogada do Conselho In- fez parte da comemoração do Jubileu a celebração

Paula Brenha
dígena de Roraima - CIR, Joênia eucarística que aconteceu no dia 14 de junho, na
Wapichana, entregou ao ministro Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Igreja
da Coordenação Política, Tarso do Beato José de Anchieta, no Parque Santa Rosa.
Genro, carta aberta relatando a Participaram catadores e catadoras, crianças, ado-
crise na saúde indígena no es- lescentes, grupos de Economia Popular Solidária
tado de Roraima. Ela participou (EPS), e a comunidade local. Já nos dias 16 e 17 de
no dia 30 de maio, em Belém, junho realizaram-se as jornadas missionárias nas
PA, de uma reunião regional do comunidades do Sossego e Ilha Dourada, Paróquia
Conselho de Desenvolvimento Econômico Social da São Pedro e São Paulo, no bairro Quintino Cunha,
Presidência da República, com a presença do ministro com grupos dos catadores e catadoras e missionários
e de representantes da Região Norte. A doutora Joênia e missionárias das comunidades de Fortaleza.
é titular no Conselho criado pelo presidente Lula. A
advogada indígena expôs ao ministro a necessidade Uruguaiana - RS
de diálogo e de respeito aos povos indígenas na ela- 21º Encontro de Dioceses de Fronteira
boração de um projeto nacional de desenvolvimento. De 29 a 31 de maio, realizou-se em Uruguaiana,
Ela conclamou todos os conselheiros a refletirem o RS, o 21º Encontro de Dioceses de Fronteira, com o
VOLTA AO BRASIL

desenvolvimento numa perspectiva econômica, mas tema “Os vizinhos se encontram para escutar, parti-
também, socioambiental. Para a assessora jurídica lhar e refletir sobre caminhos de diálogo nos conflitos
do CIR é impossível pensar o desenvolvimento na- socioambientais de nossos povos”. O evento reuniu
cional, enquanto o direito básico à saúde dos povos 77 representantes das seguintes dioceses: Corcódia,
indígenas está ameaçado. Joênia citou o caso dos Goya, Gualeguaychú (Argentina); Bagé, Chapecó,
índios Yanomami, do estado de Roraima, que estão Foz do Iguaçu, Frederico Westphalen, Santo Ân-
enfrentando uma grave crise, que coloca em risco gelo e Uruguaiana (Brasil); Melo, Mercedes, Minas,
a vida de aproximadamente 15 mil pessoas. Tarso Salto, Tacuerembó e Cáritas (Uruguai). Na ocasião
Genro garantiu que as preocupações dos povos indí- foi apresentado um painel sobre as situações de
genas constarão no enunciado da Agenda Nacional conflitos socioambientais no Uruguai, Argentina e
de Desenvolvimento. Brasil. O próximo encontro será realizado de 18 a
20 de junho de 2007, em Santo Ângelo, RS, com o
Uruaçu - GO tema “A Água”.
Paróquia Missionária
O Regional Centro-Oeste realizou, de 16 a 18 Belém - PA
de junho, em Uruaçu, GO, Encontro de Formação Missionários para a Amazônia
Missionária sobre Paróquia Missionária. Os partici- O Instituto de Pastoral Regional (Ipar) da Região
pantes eram de várias dioceses, leigos, religiosas e Norte 2 promoverá o Curso de Missionários para a
sacerdotes, com a presença contínua de Dom Ge- Amazônia. O evento acontecerá durante todo o mês
raldo Vieira Gusmão, bispo de Porto Nacional, TO e de julho, em Belém, PA. Terá como objetivo contribuir
responsável pela Dimensão Missionária no Regional. na formação de missionários para uma evangelização
Padre Vítor Menezes, secretário nacional da Obra da mais inculturada na região amazônica, com fidelidade
Propagação da Fé, assessorou o encontro em nome ao projeto de Jesus Cristo e às diretrizes da Igreja do
das Pontifícias Obras Missionárias. Brasil e da Amazônia. O curso destina-se a agentes
de pastoral, leigos, religiosos, padres que trabalham
Curitiba - PR ou desejam trabalhar como missionários na Amazônia.
Curso de Missiologia Entre os assuntos que serão abordados estão: relações
Já estão abertas as inscrições para a Formação humanas; história da Amazônia; história da Igreja na
de Animadores Missionários no Centro de Teologia e Amazônia; noções de antropologia; evangelização
Ciências Humanas da PUC/PR. O curso, que começa e inculturação; missão à luz da Palavra de Deus;
no dia 5 de agosto, é voltado para as lideranças das espiritualidade missionária; ecumenismo e diálogo
paróquias, seminaristas, padres, religiosos e pessoas inter-religioso; magistério da Igreja e Missionariedade.
interessadas em aprofundar a dimensão missionária. Informações e inscrições:
A proposta é contribuir com a formação missionária ipar@veloxmail.com.br
para agentes multiplicadores e animadores da Di- Tel.: (91) 2381555/2313130.
mensão da Arquidiocese de Curitiba. Informações:
(41) 3223-7691 ou 3223-9106. Três Pontas - MG
Bispos, Padres e Diáconos Negros
Fortaleza -CE De 25 a 29 de julho, será realizado em Três Pon-
Cáritas no Brasil tas, MG, um Encontro de Bispos, Padres e Diáconos
De 11 a 13 de junho, a Cáritas Arquidiocesana Negros. O tema do evento será: “Religiosidade e
de Fortaleza, em parceria com os grupos que são devoção popular”. Os interessados poderão
acompanhados pela entidade, comunidades e paró- Informações: e-mail: guanair@terra.com.br
quias, celebraram o Tríduo (três dias de oração) em Tel.: (35) 3265-1491. 
comemoração aos 50 anos da presença da Cáritas
no Brasil. Os temas para reflexão foram: missão de Fontes: Cáritas, CIR, CNBB, Ipar.
30 Jul/Ago 2006 -
Campanha de Reconstrução Missão Surumu, Roraima
A Missão de Surumu na Diocese de Roraima foi saqueada e queimada em 17 de
setembro de 2005. Para sua reconstrução ela precisa da sua ajuda.

ENTREGUE SUA DOAÇÃO:


No Estado de Roraima:
Catedral Cristo Redentor – Praça do Centro Cívico
Igreja São João Batista – Av. 16 – Bairro Caranã
Igreja São Francisco – na rotatória da Av. Capitão Júlio Bezerra
Igreja Consolata – Av. Villy Roy, próxima à rodoviária
Na secretaria da Diaconia Missionária – Rua Arnaldo Nogueira

Para o restante do Brasil faça o seu depósito na conta:


Diocese de Roraima 8848 – x Agência: 2617 – 4 - Banco do Brasil
Mais informações:
Tels.: (95) 3224 4109 – Boa Vista, RR.
(11) 6256 7599 – São Paulo, SP.
E-mail: redacao@revistamissoes.org.br

Campanha: “MUTIRÃO PARA A AMAZÔNIA”


1. Objetivos: INFORMAR-SE SOBRE A SITUAÇÃO DA AMAZÔNIA
• Sensibilizar a opinião pública quanto ao futuro da Amazônia
• Articular as entidades a fim de tomar as providências devidas
2. Participantes:
• CIMI – Conselho Indigenista Missionário
• CPT – Comissão Pastoral da Terra
• MST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra
• Outras entidades e instituições interessadas
Você também pode participar
3. Material disponível para divulgação:
ADQUIRA PARA USO EM GRUPOS OU ESCOLA
• Publicação especial na revista Mensageiro (jan/fev/mar/abr - 2006)
• CD interativo com dados mais completos (capa ao lado)
• Programas de rádio e televisão

MAIORES INFORMAÇÕES
Comissão Episcopal para a Amazônia - Tel.: (61) 313-8300
Fax (61) 313-83-03 - e-mail: amazonia@cnbb.org.br
O Mensageiro - Tel.: (91) 3226-5408 - Fax: (91) 3249-6942
e-mail: cimipara@amazon.com.br

Desejo receber MISSÕES
por BOLETO BANCÁRIO

Novo/a leitor/a Renovação
por CHEQUE NOMINAL E CRUZADO

Colaboração anual R$ 40,00 Quantidade por DEPÓSITO BANCÁRIO pelo Banco Bradesco, agência 0545-2 c/c 38163-2.

Tabela de preços
01 assinatura R$ 40,00 A Revista Missões publica 10 edições no ano.
02 a 09 assinaturas R$ 35,00 cada assinatura Nos meses de Jan/Fev e Jul/Ago a edição é
10 ou mais assinaturas R$ 30,00 cada assinatura bimensal.

TELEFAX.: (11) 6256.8820 PREENCHA, RECORTE E ENVIE JÁ o cupom pelo correio.


Rua Dom Domingos de Silos, 110 - 02526-030 - São Paulo

Nome:.......................................................................................................................
Endereço: .................................................................................................................
Cidade: .......................................................................... UF: ................................
CEP: .............................................................................. Telefone: ..........................
E-mail: .....................................................................................................................

Вам также может понравиться