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Representações Cotidianas:
Para além do senso comum e das representações sociais
Paulo Cardinale
O livro pode ser dividido em duas partes, uma de análise crítica e outra propositiva. Na
primeira parte, o autor realiza uma crítica da idéia de senso comum e representações
sociais; na segunda parte, apresenta a teoria das representações cotidianas. A crítica da
idéia de senso comum é realizada tendo por base em uma análise histórica do
surgimento e desenvolvimento deste termo, cuja origem se encontra na luta da
burguesia contra a nobreza e tendo um sentido positivo. O senso comum era o bom
senso. Porém, com a emergência do proletariado e da cultura socialista o termo passa a
ter um sentido negativo, tal como nas obras do sociólogo Durkheim e do psicólogo
Gustave Le Bon. Le Bon buscou mostrar a irracionalidade do senso comum e Durkheim
buscou separar senso comum e ciência, mais exatamente propor a ruptura entre estas
duas formas de saber. A ruptura epistemológica proposta por Durkheim vai ser
defendida por Bachelard e outros. Novas mudanças históricas promovem uma revisão
na análise do senso comum, que com a estabilidade capitalista passa a ser visto como
“verdadeiro” ao invés de “falso”, como anteriormente. Isto se esboça com a
fenomenologia e se concretiza também na obra de Durkheim e também de Jung, ambos
abordando a religião numa época de estabilização relativa do capitalismo. Além de
mostrar as raízes históricas e sociais da noção de senso comum e mostrar os interesses
de classe por detrás de sua emergência e mutação, o autor também critica as concepções
sobre senso comum, mostrando que este é geralmente visto como um bloco monolítico,
verdadeiro ou falso, de acordo com o contexto histórico. Viana afirma que as
representações cotidianas, ou “senso comum”, não é um bloco monolítico, possuindo
um conteúdo verdadeiro ou falso. Ele possui uma multiplicidade de manifestações,
algumas verdadeiras, outras falsas. A justificativa de Durkheim e Jung, ao afirmaram
que uma idéia é verdadeira por existir, é criticada por Viana magistralmente. Ele
demonstra que uma coisa é a idéia existir, outra é se seu conteúdo é verdadeiro ou falso.
Partindo de um exemplo de Jung, ele demonstra isso. Para Jung, o elefante é verdadeiro
porque existe. Viana diz que o elefante existe e não é nem verdadeiro nem falso, pois
estes termos são categorias da consciência e não da realidade. Da mesma forma, uma
determinada idéia existe, mas seu conteúdo pode ser verdadeiro ou falso, tal como a
idéia de que o ser humano pode voar, que, se alguém manifestar, existe, mas nem por
isso será verdadeira.
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Resenha: CARDINALE, Paulo. Representações Cotidianas: Para além do senso comum e das representações sociais.
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Mas Viana não se limita a demonstrar as bases sociais e históricas da abordagem das
representações sociais, pois ele também mostra suas limitações próprias, enquanto
ideologia. Ele apresenta o caráter descritivo e não explicativo da abordagem das
representações sociais, inclusive criticando aqueles que tentaram mostrar o papel
explicativo desta abordagem. Viana também critica a idéia de que as representações
sociais são verdadeiras e a ideologia da neutralidade que se esconde por detrás da
abordagem das representações sociais, bem como vários outros detalhes, tal como a
base em grupos taxionômicos ao invés de grupos sociais concretos.
Por fim, temos a parte propositiva. Após criticar as demais concepções, Viana busca
esboçar uma teoria das representações cotidianas. Para isso usa a contribuição de Marx,
Korsch, Gramsci, Bloch, Sorel, Bertrand e mais alguns. Ele inicia apresentando a
contribuição marxista para a elaboração de uma teoria das representações cotidianas.
Marx e sua teoria das concepções cotidianas, expressão das relações sociais e não
produtos fantasmagóricos existentes por si mesmos é o ponto de partida. Viana mostra,
a partir de Marx, Reich e Gramsci, entre outros, que as representações cotidianas podem
ser verdadeiras ou falsas, e que as representações cotidianas do proletariado e classes
exploradas em geral tendem a ser contraditórias, possuindo elementos verdadeiros e
falsos simultaneamente.
Ele retoma alguns pensadores marxistas para resgatar suas contribuições. O caráter ativo
das representações e idéias presentes em Karl Korsch, Ernst Bloch, Antônio Gramsci.
Em Sorel, o caráter mobilizador das idéias se expressa na concepção de mito enquanto
que em Bloch é a idéia de utopia que revela isso. Korsch já critica e supera o
economicismo do pseudomarxismo e mostra que as idéias fazem parte da totalidade
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Resenha: CARDINALE, Paulo. Representações Cotidianas: Para além do senso comum e das representações sociais.
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histórica e agem sobre ela. Michele Bertrand contribui com a análise sobre as diversas
formas pelas quais as representações cotidianas atuam sobre a sociedade.
Após este apanhado sobre a contribuição do marxismo para a elaboração de uma teoria
das representações cotidianas, Viana passa a discutir as bases sociais das representações
cotidianas de forma mais aprofundada. Para tanto, ele trabalha com os conceitos de
modo de produção, modo de vida e cotidianidade. O modo de produção é a base
material e constituinte das classes sociais e da divisão social do trabalho, que faz
emergir um determinado modo de vida e cotidianidade. O modo de vida é mais amplo
do que o conceito de modo de produção. O modo de produção é uma parte da
sociedade, a parte que revela a forma de produção e reprodução dos bens materiais
necessários para a sobrevivência da humanidade. O modo de produção é um modo de
vida, mas o modo de vida não é um modo de produção, pois vai além dele, sendo
também forma de vida nas formas de regularização, ou superestrutura social,
instaurando uma cotidianidade que é a base das representações dos indivíduos.
Contudo, Viana vai além disso e discute a relação entre representações cotidianas e
consciência de classe. Ele distingue entre representações cotidianas e pensamento
complexo (ciência, teologia, filosofia), demonstrando que com a divisão entre trabalho
manual e intelectual, há também uma divisão entre os que produzem idéias sistemáticas
e os que produzem idéias simples, não sistemáticas. Esse pensamento complexo assume
várias formas e pode ser resumido ao conceito de ideologia. As representações
cotidianas ilusórias são produtos das relações sociais limitadas dos indivíduos, da
divisão social do trabalho e da especialização que geram uma percepção limitada da
realidade (que não é totalizante) e devido aos interesses, valores, concepções,
sentimentos, produzidos devido a posição social do indivíduo, sua situação de classe, irá
ser um estímulo para a elaboração da falsa consciência, das representações ilusórias. O
cotidiano das classes sociais é diferente e por isso as suas representações também são
diferentes. A consciência do proletariado tende a ser uma consciência contraditória, mas
que, com o desenvolvimento de suas lutas, supera sua contradição se tornando
consciência correta da realidade, consciência revolucionária. Já a consciência burguesa
possui limites intransponíveis e não pode ascender a uma consciência correta da
realidade, é falsa consciência. As representações cotidianas são formas de consciência
de classe, mas nem toda consciência de classe é representação cotidiana, pois também
pode se manifestar como pensamento complexo. As representações cotidianas podem
assimilar o pensamento complexo com sua popularização, mas ela é a base do
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Por fim, Viana aborda outras características formais das representações cotidianas,
discutindo os conceitos de mentalidade e sociabilidade, entre outros. Para tanto, ele
retoma a teoria de Festinger sobre a dissonância cognitiva e a tendência para sua
redução para explicar as contradições e incoerências geralmente atribuídas às
representações cotidianas. Ele demonstra que o núcleo das representações cotidianas é
não-contraditório apesar de em sua totalidade ela possuir contradições e incoerências.
Ele usa a distinção apresentada por Erich Fromm e Michael Maccoby entre convicção e
opinião para explicar este processo. A determinação das convicções reside na
mentalidade dos indivíduos, ou “caráter social”, conceito semelhante proposto por
Fromm. A mentalidade expressa valores, desejos, sentimentos, e é a fonte de
representações, idéias. Ela se manifesta sob a forma de tradição, valores, crenças, que
fazem os indivíduos agir. Nesta esfera, não existe contradição. No reino das opiniões, ao
contrário, pode haver as mais variadas contradições e elas inclusive podem contradizer
as convicções do indivíduo.
Enfim, qual é a importância desta obra? Podemos dizer que é uma obra indispensável
para quem trabalha com psicologia social ou sociologia da cultura, entre outras áreas do
saber. A análise crítica do termo senso comum e da abordagem das representações
sociais é muito boa e ajuda a refletir sobre os usos acríticos de determinados termos e
concepções. A parte propositiva é excelente, pois abre um espaço para novas pesquisas,
superando o caráter descritivo dos estudos sobre representações sociais e dando um
passo adiante no sentido de fornecer uma explicação e um instrumento de análise para o
pesquisador. Trata-se, portanto, de uma importante contribuição para pensar a produção
das representações cotidianas e que permite sua compreensão e explicação.