Do fundo escuro do coração solar do hemisfério sul, de dentro da mistura de raças
que não assegura nem degradação nem utopia genética, das entranhas imundas da internacionalizante indústria do entretenimento, da ilha Brasil pairando eternamente a meio milímetro do chão real da América [...]. (Caetano Veloso, Verdade Tropical, 1997, p. 19)
... Saíram as centenas de brasileiros que agora foram deportados da América do
Norte. Esse episódio fez-me lembrar do fato de que o Brasil também pertence ao continente americano, embora componha a história e a fisionomia do continente de uma forma bastante impar. Ao lado da clássica divisão geopolítica que concentra 34 paises historicamente distintos num grande território, temos uma tríplice subdivisão: América do Sul, América Central, e América do Norte, e isso tudo junto constitui o continente americano. Com tantos lugares dentro desse continente, perguntamos o porquê que o alvo preferido da migração centro-sul americana elege os EUA. Apesar da deportação, acredita- se que as migrações não vão parar. É uma espécie de sina da América Latina subdesenvolvida. As migrações não vão parar pelo simples fato de que as pessoas querem poder consumir livremente o que bem entenderem. Lá, nos EUA, existe uma política de industrialização direcionada ao consumo. Ou seja, não tem sentido algum produzir-se uma quantidade enorme de bens se a população não pode tê-los. Logo, é necessário, também, que as pessoas tenham renda. Aqui, no Brasil, a lógica que prevalece é a da privação. Muito se produz, porém, poucos têm acesso ao que se fabrica. Por isso o país não cresce e a grande maioria passa vontade e vive, não da sua renda, mas da força de suas esperanças. Invariavelmente o nosso parque industrial é impedido de aumentar sua produção e geração de empregos, porque a lógica reinante é a da miséria. Ao invés de se criar mais empregos e ampliar o poder aquisitivo da população, o que parece ser a preferência é concentração da renda, privilegiando-se, assim, um grupo cada vez menor de pessoas. O resultado visível é um empobrecimento generalizado, intensa queda na qualidade de vida das pessoas e, conseqüentemente, do país. Uma das mais eficientes formas de distribuição de renda em países assim empobrecidos e de produtividade travada, é o subemprego, o comércio de drogas, a prostituição, o contrabando. Esses males, antes privilégio da massa proletária adulta, tomam conta da população infantil solta pelas ruas e invadem os condomínios de luxo. As classes D e E já conhecem bem de perto essa realidade. As classe B e C estão chegando para compor e aumentar esse grupo de miseráveis. Enquanto essa lógica contínua que perpetua a miséria reinar por aqui, extinguir problemas como drogas e prostituição é apenas discurso eleitoral e figura de linguagem para fazer da política uma bela poesia. A política econômica do Brasil é tão econômica que, muitos de nós só não mudou de país, não necessariamente pelo amor à pátria – que não nos falta -, mas porque ainda não conseguiu economizar o suficiente para a passagem aérea.