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JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 22/1355
ste capı́tulo introdutório pretende (re)apresentar ao leitor uma série de noções matemáticas
básicas abrangendo rudimentos da teoria dos conjuntos e algumas estruturas algébricas. O
objetivo não é um tratamento extensivo dos diversos assuntos, já que vários deles serão desen-
volvidos em capı́tulos futuros. Trata-se quase de um guia de consulta onde são apresentadas,
junto com exemplos simples, várias noções e definições básicas que utilizaremos. O estudante deve
retornar a este capı́tulo sempre que necessário.
Por vezes usa-se a notação A − B para A \ B. Para A ⊂ X denota-se por A c o chamado complemento
de A em relação a X: Ac := X \ A. Note-se que ao usar-se o sı́mbolo Ac deve estar subentendido qual
o conjunto X ao qual o complemento se refere. É fácil ver que se A, B ⊂ X então A \ B = B c ∩ A.
Dizemos que um conjunto B ⊂ A é um subconjunto próprio de A se A \ B 6= ∅, ou seja, se houver
elementos em A que não estão em B.
Se A e B são conjuntos e A ∩ B = ∅ então A ∪ B é dita ser uma união disjunta de A e B.
Se X é um conjunto denota-se por (X) a coleção de todos os subconjuntos de X. (X) é por
vezes chamado de conjunto das partes de X. Por convenção adota-se sempre que ∅ ∈ (X). Assim,
dizer que A ⊂ X equivale a dizer A ∈ (X).
Por A4B denota-se a chamada diferença simétrica entre A e B:
A4B := (A ∪ B) \ (A ∩ B). (1.2)
• Pares Ordenados
Dados dois conjuntos A e B definimos por A × B o conjunto de todos os pares ordenados (a, b)
sendo a ∈ A e b ∈ B. O conjunto A × B é chamado de produto Cartesiano1 de A e B. Note que, em
geral, A × B 6= B × A. Por quê?
Mais adiante apresentaremos uma generalização da noção de produto Cartesiano de conjuntos.
• Relações
• Funções
Este é talvez o mais importante exemplo de relação. Sejam A e B conjuntos e F uma relação entre
A e B. Então, a relação F é dita ser uma função de A em B se Dom(F ) = A e se (a, b) ∈ F e
(a, b0 ) ∈ F só for possı́vel caso b = b0 . Em outras palavras, a cada elemento a de A a função associa um
e apenas um elemento b de B que faz o papel de segundo elemento do par ordenado (a, b). Este segundo
elemento associado pela função F ao elemento a, é mais conveniente denotá-lo por F (a). Assim, uma
função é o conjunto de pares {(a, F (a)) ∈ A × B, a ∈ A}. Freqüentemente denotamos uma função F
de A em B por F : A → B.
em estudantes recém-iniciados mas, em essência, todos esses objetos são funções, no sentido abstrato
que definimos acima.
O que difere seu uso é por vezes a tradição de certas áreas e os tipos de conjuntos que as funções
têm como domı́nio e imagem. A palavra “função”, propriamente, é mais freqüentemente empregada
quando se trata de funções numéricas, por exemplo de em ou de em . A palavra “funcional” 2
é freqüentemente empregada quando se trata de funções que levam vetores ou funções numéricas em
números. Um exemplo deR funcional é a função que leva funções reais contı́nuas f nas suas integrais
1
no intervalo [0, 1]: f 7→ 0 f (x)dx. A palavra “operador” tipicamente designa funções lineares entre
espaços vetoriais (como, por exemplo, as matrizes, que são funções lineares entre espaços vetoriais de
dimensão finita). “Produtos” ou “operações” freqüentemente designam funções de C × C em C, para
um conjunto C não-vazio qualquer, ou seja, funções de duas variáveis em um conjunto C, assumindo
valores no próprio conjunto C. A palavra “forma” por vezez designa certas funções bi-lineares de
V × V em ou , sendo V um espaço vetorial. As palavras “aplicação”, “mapa” e “mapeamento” são
freqüentemente empregadas para designar funções em áreas como Topologia, Geometria Diferencial ou
Sistemas Dinâmicos.
Certas palavras são empregadas para designar certas funções com propriedades especiais. Um
“homeomorfismo”, por exemplo, é uma função bijetora entre dois espaços topológicos que seja contı́nua
e cuja inversa seja também contı́nua. Um “difeomorfismo” é um homeomorfismo entre duas variedades
diferenciáveis que seja infinitamente diferenciável. Há ainda vários outros “morfismos”, como discutido
na Seção 1.2.7, à página 65.
Em verdade, é conveniente dispormos por vezes de uma certa variedade de palavras diferentes
simplesmente para evitarmos o emprego monótono e descolorido da palavra “função”. Com um pouco
de ironia, lembremos por fim a definição circular de Edward Teller: “An intelectual is someone who
thinks the same things and uses the same words as other intelectuals”.
é, em verdade, uma função denominada função inversa de F . É claro que (F −1 )−1 = F .
• Famı́lias de Conjuntos
Seja X um conjunto não-vazio. Uma coleção F não-vazia de sub-conjuntos de X é por vezes dita
ser uma famı́lia de conjuntos (que são sub-conjuntos de algum X fica subentendito). Se F for uma
famı́lia de conjuntos e existirem um conjunto não-vazio I e uma função bijetora f : I → F, então
dizemos que a famı́lia F é indexada por I e os elementos de I são denominados ı́ndices. Se λ é um
ı́ndice, designaremos sua imagem pela função f simplesmente por Aλ ∈ F.
Uma indexação de uma coleção F não-vazia de sub-conjuntos de X sempre existe: podemos tomar
I = F e f a função identidade.
e \
Aα := {x ∈ X tal que x ∈ Aα para todo α ∈ I}. (1.6)
α∈I
As definições acima implicam as importantes propriedades descritas na proposição que segue, cuja
demonstração deixamos como exercı́cio.
Proposição 1.1 Sejam B ⊂ X, X não-vazio, e {Aα ⊂ X, α ∈ I} uma coleção arbitrária de subcon-
juntos de X. Então valem as seguintes relações:
! !
[ \ \ [
B\ Aα = (B \ Aα ) , B\ Aα = (B \ Aα ) , (1.7)
α∈I α∈I α∈I α∈I
! !
\ \ [ [
Aα \B = (Aα \ B) , Aα \B = (Aα \ B) , (1.8)
α∈I α∈I α∈I α∈I
! !
\ \ [ [
B∪ Aα = (B ∪ Aα ) , B∩ Aα = (B ∩ Aα ) , (1.9)
α∈I α∈I α∈I α∈I
! !
[ [ \ \
B∪ Aα = (B ∪ Aα ) , B∩ Aα = (B ∩ Aα ) . (1.10)
α∈I α∈I α∈I α∈I
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e !
\ \
f −1 Bλ = f −1 (Bλ ) . (1.15)
λ∈Λ λ∈Λ
2
2
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• Extensões de Funções
Seja F : A → B uma função e suponha que A seja subconjunto de um outro conjunto A0 . Uma
função G : A0 → B é dita ser uma extensão de F se F e G coincidirem na parte comum de seus
domı́nios, que vem a ser o conjunto A, ou seja, se G(a) = F (a) para todo a ∈ A.
Se lembrarmos que uma função F : A → B é um subconjunto de A×B e que uma função G : A0 → B
é um subconjunto de A0 × B e se notarmos que A × B ⊂ A0 × B caso A ⊂ A0 , então uma definição
alternativa de extensão seria seguinte: uma função G é uma extensão de uma função F se F ⊂ G,
ambas entendidas como subconjuntos de A0 × B.
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E. 1.2 Exercı́cio. Verifique a equivalência dessas duas definições do conceito de extensão de funções.
6
Como veremos, o conceito de extensão de funções é freqüentemente empregado na teoria dos ope-
radores lineares em espaços de Hilbert.
Já discutimos o conceito de produto Cartesiano de dois conjuntos A e B: A × B e com ele introdu-
zimos a noção de função. De posse dessa noção podemos, com vistas a uma generalização, apresentar
uma outra visão do conceito de produto Cartesiano de dois conjuntos, a saber, podemos dizer que A×B
é o conjunto de todas as funções f : {1, 2} → A ∪ B tais que f (1) ∈ A e f (2) ∈ B. A idéia é dizer que
cada par ordenado (a, b) com a ∈ A e b ∈ B é uma função onde o primeiro membro do par é a imagem
de 1 (por ser o primeiro) e o segundo a imagem de 2 (por ser o segundo). Essa idéia permite definir pro-
dutos Cartesianos de um número finito n de conjuntos A1 , A2 , . . . , An denotado por A1 × A2 × . . . × An
n
[
como sendo o conjunto de todas as funções f : {1, 2, . . . , n} → Aj satisfazendo f (j) ∈ Aj para todo
j=1
n
[
j ∈ {1, . . . , n}. A função f tem, por assim dizer, o papel de ordenar os elementos de Aj tomando-se
j=1
sucessivamente um elemento de cada Ai por vez. O produto Cartesiano A1 × A2 × . . . × An é assim
entendido como o conjunto formado por todas as ênuplas ordenadas (a1 , . . . , an ) com ai ∈ Ai .
Essa idéia pode ser generalizada ainda mais. Sejam I um conjunto não-vazio (não necessariamente
finito ou contável) e Ai , i ∈ I, conjuntos não-vazios indexados por elementos de I. Definimos então o
produto Cartesiano da famı́lia de conjuntos {Ai , i ∈ I}, denotado por
Y
Ai
i∈I
[
como sendo o conjunto de todas as funções f : I → Aj tais que f (x) ∈ Ax para todo x ∈ I. O
j∈I
Axioma da Escolha (página
Q 28) consiste na afirmação (ou melhor dizendo, na suposição, já que se trata
de um axioma) que i∈I Ai é não-vazio.
Se por ventura todos os conjuntos Ai forem idênticos então denota-se o produto Cartesiano acima
por AI . Assim, AI denota o conjunto de todas as funções de I em A.
{1, 2}
Desta forma × e são duas notações distintas para o mesmo objeto, que também é
denotado simplesmente por 2
, como se sabe. Genericamente d designa {1,...,d} para d ∈ , d > 0.
• O Axioma da Escolha
Q
para todo s ∈ I, ou seja, o produto Cartesiano s∈I As é não vazio3 .
A primeira vista esse axioma parece constituir-se de uma obviedade. Sucede, porém, que, sobretudo
pelo fato de o conjunto I de ı́ndices ser arbitrário (podendo ser até um conjunto infinito e não-contável),
a afirmativa que o mesmo contém não pode ser derivada de princı́pios mais básicos. O axioma faz uma
afirmação de existência (de uma função como a F , ou de um conjunto como A formado por elementos
escolhidos de cada As ) que, geralmente, não pode ser demonstrada construtivamente, ou seja, por
exibição explı́cita de uma tal função F ou de um conjunto A.
Faremos uso explı́cito do Axioma da Escolha adiante quando exibirmos exemplos de conjuntos não-
mensuráveis. O Axioma da Escolha foi originalmente formulado por Zermelo4 em 1904 como parte da
sua demonstração do chamado Princı́po do Bom-Ordenamento, Teorema 1.1, página 35. Vide [53].
Uma tı́pica situação na qual se faz uso do Axioma da Escolha ocorre quando são dados um conjunto
X e uma uma relação de equivalência E em X e constrói-se um conjunto A ⊂ X tomando-se um
representante de cada classe de equivalência de X por E.
Nem sempre é possı́vel exibir explicitamente os elementos de A, mas assumimos (via Axioma da
Escolha) que um tal conjunto existe. Para ter-se em mente um caso onde uma tal situação ocorre,
tome-se o exemplo dado em (1.18), página 30.
• Relações de Equivalência
Outro tipo importante de relação é formado pelas chamadas relações de equivalência. Uma relação
E ⊂ A × A é dita ser uma relação de equivalência em um conjunto não-vazio A se os seguintes quesitos
forem satisfeitos:
Se o par (a, b) pertence a uma relação de equivalência E então a e b são ditos serem equivalentes
E
segundo E. Quase sempre usa-se a notação a ∼ b, ou simplesmente a ∼ b, para indicar que dois
elementos são equivalentes segundo uma relação de equivalência dada.
Seja A um conjunto e E ⊂ A × A uma relação de equivalência em A. Para cada a ∈ A podemos
definir o conjunto
E(a) := {a0 ∈ A tal que (a, a0 ) ∈ E}. (1.17)
Esse conjunto é chamado de classe de equivalência de a (pela relação de equivalência E).
E. 1.5 Exercı́cio. Seja o conjunto dos números reais e seja a relação W ⊂ × definida por
onde é o conjunto dos números racionais. Prove que W é uma relação de equivalência. 6
• Relações de Compatibilidade
Para uma dada relação de compatibilidade C denotamos γ ∼C γ 0 caso (γ, γ 0 ) ∈ C e dizemos que
γ e γ 0 são C-compatı́veis. Caso contrário, denotamos γ 6∼C γ 0 se (γ, γ 0 ) 6∈ C e dizemos que γ e γ 0 são
C-incompatı́veis.
Se uma dada relação C é subentendida, denotamos simplesmente γ ∼ γ 0 caso (γ, γ 0 ) ∈ C e dizemos
simplesmente que γ e γ 0 são compatı́veis.
Relações de compatibilidade são importantes na Mecânica Estatı́stica, especialmente nas chamadas
expansões de polı́meros e de “clusters”.
Exemplo. Seja X um conjunto não-vazio e P = (X) \ {∅}, a coleção de todos os subconjuntos
não-vazios de X. Uma relação de compatibilidade em P é a seguinte: A ∼ B ⇐⇒ A ∩ B = ∅.
Verifique.
Outro conceito importante é o de relação de ordem total. Uma ordem parcial R em um conjunto X
é dita ser uma relação de ordem total se para todo a, b ∈ X tem-se que (a, b) ∈ R ou que (b, a) ∈ R.
Se X possui uma relação de ordem total R então X é dito ser totalmente ordenado ou linearmente
ordenado. Assim, se X é um conjunto dotado de uma relação de ordem parcial, dizemos que um
sub-conjunto A ⊂ X é linearmente ordenado se a b ou b a para todo a, b ∈ A.
• Exemplos
• Mais Exemplos
Seja o conjunto dos números naturais . Podemos estabelecer em a relação de ordem usual onde
dizemos que x ≤ y se x − y for um número negativo ou nulo. Esta relação é uma relação de ordem
total. O leitor não deve pensar que essa é a única relação de ordem total existente em . Um outro
exemplo é o seguinte.
Vamos estabelecer uma relação de ordem em que denotaremos pelo sı́mbolo p−i . Sejam a,
b ∈ . Se a e b forem pares dizemos que a p−i b se a ≤ b. Se a e b forem ı́mpares dizemos que a p−i b
se a ≤ b. Se a é par e b é ı́mpar então dizemos sempre que a p−i b.
E. 1.7 Exercı́cio. Mostre que a relação p−i estabelece uma relação de ordem total em . 6
Um exemplo análogo pode ser construı́do em . Vamos estabelecer uma relação de ordem em
que denotaremos pelo sı́mbolo r−i . Sejam x, y ∈ . Se x e y forem racionais dizemos que x r−i y se
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E. 1.8 Exercı́cio. Mostre que a relação r−i estabelece uma relação de ordem total em . 6
• Ordem Lexicográfica
É possı́vel estabelecer uma relação de ordem total em 2 da seguinte forma: dizemos que (x1 , x2 ) L
(y1 , y2 ) se x1 < y1 ou se x1 = y1 e x2 ≤ y2 . Essa relação de ordem é denominada relação de ordem
lexicográfica de 2 .
Essa definição pode ser facilmente generalizada. Seja X um conjunto totalmente ordenado por uma
relação de ordem total X . Então, X n pode ser totalmente ordenado dizendo-se (x1 , . . . , xn ) L
(y1 , . . . , yn ) se houver um j ∈ {1, . . . , n}, tal que xi = yi para todo i < j e xj X yj .
S∞Seja nX um conjunto totalmente ordenado por uma relação de ordem total X e seja Seja X =
n=1 X . Podemos estabelecer em X uma ordem total X , também denominada lexicográfica, da
seguinte maneira. Sejam m, n ∈ e p = min{m, n}. Então, dizemos (x1 , . . . , xm ) X (y1 , . . . , yn ) se
(x1 , . . . , xp ) L (y1 , . . . , yp ) no sentido dado no parágrafo anterior, ou se (x1 , . . . , xp ) = (y1 , . . . , yp ),
mas m < n.
E. 1.9 Exercı́cio. Por que essas relações de ordem são denominadas “lexicográficas”? Pense na maneira
como palavras (de tamanho arbitrário!) são ordenadas em um dicionário. 6
Podemos ainda estender a definição de ordem lexicográfica. Seja X um conjunto totalmente orde-
nado por uma relação de ordem total X e seja Y um conjunto totalmente ordenado por uma relação
de ordem total Y . Então, X Y pode ser totalmente ordenado dizendo-se X Y 3 x L y ∈ X Y se houver
um j ∈ Y , tal que x(i) = y(i) para todo i Y j e x(j) X y(j).
Exemplo. Sejam f, g, duas funções de em . Dizemos que f L g se existir y ∈ tal que
f (x) = g(x) para todo x < y mas f (y) ≤ g(y). Lembrando que o conjunto de todas as funções de
em é , vê-se que essa definição coincide com a dada acima.
• Conjuntos Dirigidos
Um conjunto I é dito ser um conjunto dirigido (“directed set”) se for dotado de uma relação de
ordem parcial, que denotaremos por “”, e se for dotado da seguinte propriedade: para quaisquer dois
elementos a e b de I existe pelo menos um terceiro elemento c ∈ I tal que a c e b c.
Exemplo. é um conjunto dirigido com a relação de ordem usual.
Exemplo. é um conjunto dirigido com a relação de ordem r−i definida acima.
Exemplo. Seja o conjunto n , n = 1, 2, . . ., e seja I o conjunto de todos os abertos limitados de n
(um conjunto é limitado se for subconjunto de alguma bola aberta de raio finito centrada na origem).
Mostre que I é um conjunto dirigido pela relação de ordem de inclusão: A B se A ⊂ B. Note que
essa relação de ordem não é uma relação de ordem total.
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• Redes e Seqüências
Seja I um conjunto dirigido com respeito à uma relação de ordem parcial . Se M é um conjunto
não-vazio, uma função f : I → M é denominada uma rede em M baseada no conjunto dirigido I com
respeito a ou, simplesmente, uma rede6 em M .
Uma seqüência em M é uma rede baseada em , que é um conjunto dirigido com respeito à ordem
usual dos naturais, ou seja, é uma função f : → M .
A noção de rede é importante, por exemplo, no estudo de funções contı́nuas em espaços topológicos
gerais e na definição da noção de convergência (vide Capı́tulo 22, página 1028).
Se f : → M é uma seqüência em M , os elementos f (n) de sua imagem são freqüentemente
denotados por uma notação com ı́ndices: fn . É também comum denotar-se a própria seqüência por
{fn , n ∈ } ou por {fn }n∈ , que, estritamente falando, representam a imagem de f em M .
• Máximos e Mı́nimos
Se X é um conjunto dotado de uma relação de ordem parcial (que denotamos por ) diz-se que
um elemento z ∈ X é um máximo de X se x z para todo x ∈ X. Se z e z 0 são máximos de X então,
por hipótese, valem ambas as relações z z 0 e z 0 z, o que implica z = z 0 . Assim, se X possuir um
máximo ele é único, e é denotado por max(X).
Se A ⊂ X, a relação de ordem parcial em X induz uma relação de ordem parcial em A. Com essa
relação, podemos definir max(A), se existir, como o elemento de A tal que a max(A) para todo
a ∈ A. Note que, por definição, max A ∈ A.
Analogamente, um elemento a é dito ser um mı́nimo de X se a x para todo x ∈ X. Se a e a0
são mı́nimos de X então, por hipótese, valem ambas as relações a a0 e a0 a, o que implica a = a0 .
Assim, se X possuir um mı́nimo ele é único, e é denotado por min(X).
6
Alguns autores em lı́ngua portuguesa preferem usar a palavra reticulado em lugar de rede.
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Seja X é um conjunto dotado de uma relação de ordem parcial (que denotamos por ).
Um elemento z ∈ X é dito ser um elemento maximal se não existir x ∈ X, x 6= z tal que z x.
Um elemento a ∈ X é dito ser um elemento minimal se não existir x ∈ X, x 6= a tal que x a.
Os elementos maximais e minimais de um conjunto parcialmente ordenado X, se exitirem, não são
necessariamente únicos, como mostra o seguinte exemplo.
E. 1.11 Exercı́cio-Exemplo. Considere no plano 2 o quadrado fechado Q = [0, 1] × [0, 1], ou seja, os
elementos de Q são pares ordenados (x, y) ∈ 2 com 0 ≤ x ≤ 1 e 0 ≤ y ≤ 1. Estabelecemos em Q
uma relaçao de ordem (parcial!) da seguinte forma: (x, y) (x 0 , y 0 ) se x = x0 e se y ≤ y 0 . Em palavras,
(x, y) (x0 , y 0 ) se ambos os pontos estiverem em uma mesma linha vertical, mas (x, y) estiver mais baixo
que (x0 , y 0 ). Cheque que isso é, de fato, uma relação de ordem, mas que não é uma ordem total, pois não
se pode comparar pontos que estão em linhas verticais diferentes.
Com essa definição convença-se que todos os elementos da forma (x, 1) são maximais. Porém, se x
for diferente de x0 , não se pode nem dizer que (x, 1) (x0 , 1) nem que (x0 , 1) (x, 1). Igualmente,
convença-se que todos os elementos da forma (x, 0) são minimais.
Note também que para a existência de elementos maximais é importante que Q contenha pontos na aresta
de cima e (com coordenada y = 1), analogamente, para a existência de elementos minimais é importante
que Q contenha pontos aresta de baixo (com coordenada y = 0). Por exemplo, se você definir a mesma
relação de ordem no quadrado aberto (0, 1) × (0, 1) não há mais elementos maximais ou minimais. 6
• Conjuntos Bem-Ordenados
Um conjunto X dotado de uma relação parcial de ordem é dito ser um conjunto bem-ordenado
se todo subconjunto A não vazio de X tem um elemento mı́nimo em A.
E. 1.12 Exercı́cio. Mostre que todo conjunto bem-ordenado segundo uma relação parcial de ordem é
também totalmente ordenado segundo a mesma relação. 6
E. 1.13 Exercı́cio. A recı́proca não é, entretanto, verdadeira. Mostre que é totalmente ordenado pela
relação usual de ordem entre números reais, mas não é um conjunto bem-ordenado. 6
referência introdutória. Nesta mesma referência o estudante interessado encontrará uma demonstração
do seguinte e importante resultado, devido a Zermelo7 :
Teorema 1.1 (Teorema do Bom-Ordenamento) Se X é um conjunto não-vazio então é possı́vel
encontrar uma relação de ordem em X tal que X é bem-ordenado por essa relação. 2
Incidentalmente, o Teorema 1.1 junto com a afirmação do Exercı́cio E. 1.12 informam que todo
conjunto não-vazio possui ao menos uma relação de ordem total.
• Majorantes e Minorantes
Seja X um conjunto dotado de uma ordem parcial denotada por e seja A ⊂ X. Se existe t ∈ X
tal que a t para todo a ∈ A dizemos que t é um majorante de A, ou um limitante superior 8 de A.
Analogamente, se existe h ∈ X tal que h a para todo a ∈ A dizemos que h é um minorante de A
ou um limitante inferior9 de A.
• Conjuntos Limitados
Seja X um conjunto dotado de uma ordem parcial denotada por . Um conjunto A ⊂ X que tenha
pelo menos um majorante é dito ser um conjunto limitado superiormente. Um conjunto A ⊂ X que
tenha pelo menos um minorante é dito ser um conjunto limitado inferiormente.
• Ínfimo e Supremo
com a relação de ordem usual, verifica-se que a propriedade não é valida. Tomemos A = {x ∈ , x 2 <
2}. Claramente esse conjunto é limitado inferior e superiormente mas não possui nem supremo nem
ı́nfimo (por quê?). Para X = e X ∈ (com as relações de ordem usuais) a propriedade é, porém,
válida.
E. 1.15 Exercı́cio. Tome X = com a relação de ordem usual. Mostre que inf((−1, 1)) = −1 e que
sup((−1, 1)) = 1. Note que −1 e 1 não são elementos de (−1, 1). 6
E. 1.16 Exercı́cio. Suponha que A e B sejam dois sub-conjuntos de um conjunto X dotado de uma
ordem total e que inf(A) e inf(B) existam. Mostre então que
E. 1.17 Exercı́cio. Suponha que A e B sejam dois sub-conjuntos de um conjunto X dotado de uma
ordem total e que sup(A) e sup(B) existam. Mostre então que
• O Lema de Zorn
Uma das afirmativas fundamentais de toda a Matemática usual é o seguinte resultado, conhecido
como lema de Zorn, em homenagem a um dos seus formuladores10 :
Lema 1.1 (Lema de Kuratowski-Zorn) Seja X um conjunto não-vazio e uma relação de ordem
parcial em X. Suponha que todo sub-conjunto linearmente ordenado de X tenha pelo menos um majo-
rante em X. Então, todo sub-conjunto linearmente ordenado de X tem algum majorante em X que é
também um elemento maximal de X. Implicitamente isso está dizendo que, sob as hipóteses, X possui
ao menos um elemento maximal. 2
E. 1.18 Exercı́cio. Verifique que se X = [0, 1] é ordenado pela relação de ordem usual todo sub-
conjunto de X tem um majorante em X e que 1 é um desses possı́veis majorantes. Verifique que 1 é um
elemento maximal de X. 6
E. 1.19 Exercı́cio. Verifique que se X = [0, 1) é linearmente ordenado pela relação de ordem usual e
nem todo sub-conjunto de X tem um majorante em X (tente, por exemplo, sub-conjuntos do tipo [a, 1)
com 0 ≤ a < 1). Verifique que X não tem um elemento maximal. 6
10
Max August Zorn (1906-1993). Em verdade, o Lema de Zorn foi primeiramente descoberto por Kazimierz Kuratowski
(1896-1980). O trabalho de Kuratowski data de 1922 e o de Zorn de 1935.
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E. 1.20 Exercı́cio. Cheque se as hipóteses do Lema de Zorn são satisfeitas ou não nos quadrados abertor
e fechados do Exemplo E. 1.11, página 34. 6
O Lema de Zorn é “equivalente” ao chamado Axioma da Escolha (vide página 28), ou seja, admitir
um como verdadeiro leva a demonstrar a validade do segundo. Essa equivalência não será provada
aqui (vide, por exemplo, [53]). Toda a Matemática usual é fundada na aceitação de um ou de outro
como verdadeiro e, em princı́pio, uma nova Matemática pode ser construı́da (com resultados distintos
dos da Matemática usual) se esses dois axiomas forem substituı́dos por um terceiro inequivalente. A
relevância de tais Matemáticas em Fı́sica é uma questão em aberto.
1.1.3 Cardinalidade
Seja K uma coleção de conjuntos. Dados dois conjuntos A e B da coleção K, dizemos que A e
B são equivalentes se houver uma função bijetora de A sobre B, ou seja, se houver uma função com
domı́nio igual a A e imagem igual a B tal que a cada elemento b ∈ B existe um único elemento a ∈ A
com f (a) = b.
E. 1.21 Exercı́cio. Mostre que essa é uma relação de equivalência entre os conjuntos da coleção K. 6
Para dois conjuntos que são equivalentes no sentido acima diz-se também que os mesmos têm a
mesma cardinalidade. Ou seja, dois conjuntos têm a mesma cardinalidade se e somente se houver uma
função bijetora entre eles.
Um conjunto A é dito ter n elementos (para um número natural n) se for equivalente ao conjunto
{1, . . . , n}.
Nota. Esta última definição pressupõe que o conceito de número natural já seja conhecido. Outra construção mais simples em termos de
pressupostos é feita de modo informal como segue: diz-se que um conjunto tem um elemento se for equivalente ao conjunto {∅}; que um
conjunto tem dois elementos se for equivalente ao conjunto {∅, {∅}}; que tem três elementos se for equivalente ao conjunto {∅, {∅, {∅}}} e assim
por diante. Em verdade essa construção permite produzir uma definição do conceito de número natural: o número “um” é, grosseiramente
falando, o nome dado à classe de equivalência formada pelos conjuntos equivalentes ao conjunto {∅}; o número “dois” é o nome dado à classe
de equivalência do conjunto {∅, {∅}}; o número “três” é nome dado à classe de equivalência do conjunto {∅, {∅, {∅}}} e assim por diante.
Aliás, o número “zero” é o nome dado à classe de equivalência de ∅. O números naturais seriam então o conjunto de todas as classes de
equivalência construı́das dessa forma. Esta definição11 do conceito de número natural, devida a von Neumann12 , pressupõe apenas conhecidos
conceitos primitivos como os de conjuntos, classes de equivalência e de conjunto vazio. O leitor poderá encontrar uma discussão extensa sobre
a definição de números naturais em [131, 97, 53].
E. 1.22 Exercı́cio. Seja A um conjunto finito com n elementos. Mostre que (A) tem 2 n elementos.
11
J. von Neumann “Zur Einführung transfiniten Zahlen”, Acta Szeged 1 (1923) 199-208.
12
János von Neumann (1903-1957). Von Neumann também adotou os nomes de Johann von Neumann e John von
Neumann.
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 38/1355
• Conjuntos Contáveis
Um conjunto A é dito ser contável se for finito ou se tiver a cardinalidade do conjunto dos números
naturais, ou seja, se for finito ou se existir uma função bijetora f : → A cujo domı́nio é e cuja
imagem é todo A.
Nota. Por vezes conjuntos contáveis que não são finitos são chamados de conjuntos enumeráveis. Não
há, infelizmente, unidade nessa nomenclatura mas empregá-la-emos aqui se vier a ser necessário.
Vamos agora provar alguns teoremas fundamentais sobre conjuntos contáveis (cuja importância,
apesar da aparente simplicidade dos enunciados, não pode ser subestimada pois seu alcance estende-se
por toda a Matemática, em particular, por muito do que veremos no restante do curso).
Precisamos da seguinte proposição:
Proposição 1.5 Um conjunto é contável se e somente se for equivalente a um subconjunto de . 2
Prova. Por definição todo conjunto contável A (finito ou não) é equivalente a algum subconjunto de
(no pior dos casos ao próprio ).
Provemos então a recı́proca. Seja A equivalente a um subconjunto Z de . Se Z for finito A
também o será e portanto contável. Suponhamos então que Z não é finito. Vamos construir uma
função bijetora F : → Z. A mesma é definida da seguinte forma
F (1) = min Z,
É fácil ver que F é bijetora e que sua imagem é Z (faça isso). Assim, Z é enumerável e, portanto, A
também o é.
somente um par (a, b) de números naturais tais que 2a 3b = z (por quê?). Assim, fica provado pela
Proposição 1.5 que × é contável.
Prova. Todo racional positivo é da forma p/q onde p e q ∈ são irredutı́veis ou primos entre si (ou
seja, não há “cancelamentos” que permitam escrever p/q = a/b com a < p e b < q). Assim, há uma
correspondência um-a-um entre + e o subconjunto de × formado por todos os pares (p, q) onde p
e q são primos entre si. Como × é contável, a Proposição 1.6 diz então que + é também contável.
E. 1.23 Exercı́cio. Prove que o conjunto dos números inteiros e o conjunto dos números racionais
são conjuntos contáveis. 6
Um fato também importante é que há conjuntos de números que não são contáveis. O exemplo
mais importante é o dos números reais.
Teorema 1.4 O conjunto dos números reais não é contável. 2
Prova. Para provar isso basta mostrar que há um subconjunto de que não é contável. Considere o
conjunto U de todos os números reais do intervalo [0, 1) tais que apenas os dı́gitos 0 ou 1 aparecem
em sua representação decimal. Por exemplo, números como 0, 001101 ou 0, 1 ou 0 ou 0, 1011 ou
1/9 = 0, 11111 . . . são elementos de U . De modo mais preciso, U é o subconjunto do intervalo [0, 1)
formado por todos os números u que podem pode ser escritos da forma
∞
X dn (u)
u = ,
n=1
10n
onde dn (u) ∈ {0, 1} para todo n ≥ 1. dn (u) é o n-ésimo dı́gito do número u na base decimal. Note
que dois elementos u e v de U são iguais se e somente se dn (u) = dn (v) para todo n (prove isso!).
Vamos provar que U não é um conjunto contável. Para isso vamos supor o oposto, ou seja, que U
é contável e veremos que essa hipótese leva a um absurdo. Vamos supor que haja uma função bijetora
f: → U cuja imagem é U . Considere o número real a definido por
∞
X 1 − dn (f (n))
a = .
n=1
10n
m-ésimo dı́gito de a seria dm (a) = dm (f (m)). Mas pela definição do próprio a, o seu m-ésimo dı́gito é
1 − dm (f (m)). Assim, terı́amos que dm (f (m)) = 1 − dm (f (m)) o que não é possı́vel.
Concluı́mos então que a é um elemento de U mas não pode ser um elemento da imagem da função f .
Isso é uma contradição, pois supomos justamente que a imagem da f era todo o conjunto U . Portanto,
U não é contável e, assim, também não o é.
Nota. É fácil ver que, em verdade, poderı́amos substituir a base decimal, usada na representação do
conjunto U acima, por qualquer base b ∈ com b > 2. Ou seja, se considerarmos o conjunto U b de
todos os reais u do intervalo [0, 1] representáveis na base b, b ∈ , b > 2, da forma
∞
X dn (u)
u = .
n=1
bn
onde dn (u) ∈ {0, 1}, então, repetindo o que fizemos acima, verı́amos que Ub não é contável. Claramente
U = U10 .
Nota. O caso da base binária b = 2 foi excluı́do da última nota pois nele não vale a unicidade da
representação dos elementos de U2 na forma
∞
X dn (u)
u = .
n=1
2n
onde dn (u) ∈ {0, 1}. Para ver isso, faça o exercı́cio seguinte.
E. 1.24 Exercı́cio. Mostre que na base binária 0, 1 e 0, 01111111 . . . representam o mesmo número, a
saber, o número 1/2. Sugestão: use a fórmula da progressão geométrica infinita para calcular quanto vale
0, 01111111 . . .. 6
Nota. Os conjuntos Ub , b > 2, são exemplos de uma classe de conjuntos chamados de conjuntos
de Cantor13 . Tornaremos a reencontrar tais conjuntos quando falarmos de Teoria da Medida (vide
Capı́tulo 21, especialmente Seção 21.2, página 1011.).
Ainda sobre os números reais, tem-se também o seguinte fato, que para referência futura formulamos
como uma proposição.
2
Proposição 1.7 e têm a mesma cardinalidade. 2
Prova. É suficiente mostrar que (0, 1) e (0, 1) × (0, 1) têm a mesma cardinalidade, pois a função
x → (1 + tanh(x))/2 é uma bijeção de em (0, 1). Fixemos para cada x ∈ (0, 1) uma representação
decimal x = 0, d1 d2 d3 . . . com dn ∈ {0, . . . , 9}. Seja F : (0, 1) → (0, 1) × (0, 1) definida por
F (0, d1 d2 d3 d4 . . .) := ( 0, d1 d3 d5 d7 . . . , 0, d2 d4 d6 d8 . . . ) .
F é bijetora e F −1 : (0, 1) × (0, 1) → (0, 1) é dada por
F −1 (( 0, a1 a2 a3 a4 . . . , 0, b1 b2 b3 b4 . . . )) = 0, a1 b1 a2 b2 a3 b3 a4 b4 . . . .
13
Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845-1918).
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Prova. Se cada Ci é contável então para cada i ∈ há uma função bijetora gi : → Ci cuja imagem
é Ci . Defina-se então a função G : ( × ) → C dada por G(a, b) = ga (b). Esta função não é, em
geral, bijetora, pois podem existir elementos comuns entre conjuntos Ci e Cj com i 6= j e terı́amos
gi (m) = gj (n) para algum n e m. Entretanto, a imagem de G é C.
Considere então em × a seguinte relação de equivalência: o par (a, b) é equivalente ao par
(c, d) se e somente se ga (b) = gc (d). O conjunto × pode ser então, como já observamos, escrito
como a união disjunta de suas classes de equivalência pela relação acima. Construamos então um
subconjunto K de × tomando-se um e somente um elemento de cada classe de equivalência escolhido
arbitrariamente (usamos aqui o Axioma da Escolha para afirmar que tal construção é possı́vel).
Defina então agora a função H : K → C dada por H(a, b) = ga (b) para (a, b) ∈ K. Pela própria
construção do conjunto K essa função H é bijetora e sua imagem é C. Como K é um subconjunto de
× que é contável, temos que K também o é e, portanto, C é contável.
Na reta real diz-se que um número x é um número algébrico se x for raiz de um polinômio do tipo
P (t) = a0 + a1 t + a2 t2 + · · · + an tn ,
para algum n ∈ , onde os coeficientes a0 , . . . , an são números racionais. Um tal polinômio é dito ser
um polinômio racional.
E. 1.25 Exercı́cio. Prove que o conjunto de todos os números algébricos da reta real é um conjunto
contável. Use para tal o fato de que os racionais formam um conjunto contável. 6
O exercı́cio anterior pode ser usado para concluir que existem números transcendentes (que não
são raiz de nenhum polinômio racional) pois os reais, como sabemos, não são contáveis enquanto,
segundo o exercı́cio, os algébricos o são. Deve, portanto, haver uma coleção não-contável de números
transcendentes na reta real.
Historicamente, a existência de números transcendentes foi estabelecida (por outros argumentos)
por Liouville14 em 1851. Em 1874, Cantor15 demonstrou a afirmação do exercı́cio acima, provando que
14
Joseph Liouville (1809-1882).
15
Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845-1918).
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 42/1355
E. 1.26 Exercı́cio. Seja 0 = e 1 o conjunto dos números algébricos, definidos como o conjunto de
todos os zeros reais de polinômios com coeficientes racionais. Definimos 2 como o conjunto de todos os
zeros reais de polinômios com coeficientes em 1 . Sucessivamente, definimos n , n ≥
S∞1 como o conjunto
de todos os zeros reais de polinômios com coeficientes em n−1 . Seja também = n=0 n . Mostre que
todos os n e são conjuntos contáveis e, portanto, subconjuntos próprios de . 6
É interessante notar que produtos Cartesianos contáveis de conjuntos contáveis não são, geralmente,
conjuntos contáveis. Considere como exemplo o produto Cartesiano
Y
K := {0, 1} = {0, 1} ,
i∈
16
Leonhard Euler (1707-1783).
17
Johann Heinrich Lambert (1728-1777).
18
Charles Hermite (1822-1901). A prova original da transcendência de e encontra-se em Comptes rendus, 77 18-24
(1873).
19
Carl Louis Ferdinand von Lindemann (1852-1939). A prova original da transcendência de π encontra-se em Math.
Ann. 20, 213-225 (1882).
20
Para uma bela discussão sobre isso, vide [30].
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que é denominado espaço de Cantor21 . Podemos mostrar que K não é contável. Cada elemento de K
é uma função d : → {0, 1}. Podemos assim associar univocamente a cada d o número real
∞
X d(n)
n=1
10n
que é um elemento do conjunto U ⊂ definido acima. Por outro lado, todo elemento de U pode ser
escrito assim para um único d ∈ K. Assim, K e U têm a mesma cardinalidade e, portanto, K não é
contável pois U , como já vimos, não o é.
E. 1.27 Exercı́cio. Mostre que todos os conjuntos Ub , definidos acima, com b > 2, tem a mesma
cardinalidade de K (e, portanto, a mesma cardinalidade entre si). 6
Essas noções S
coincidem com as noções de ı́nfimo e supremo apresentadas à página 35 se conside-
rarmos em X = i∈I Ai a relação de ordem definida pela inclusão de conjuntos: se A, B ⊂ X dizemos
que A B se A ⊂ B.
O chamado limite do supremo da coleção, denotado por limAn , é o conjunto definido por
∞ [
\ ∞
limAn := Ak .
n=1 k=n
E. 1.29 Exercı́cio. Justifique a seguinte afirmativa: limAn é o conjunto de todos os pontos x de X que
pertencem a todos os conjuntos An exceto a no máximo um número finito deles. Dizemos, nesse caso, que
x pertence a quase todos os An ’s). 6
E. 1.30 Exercı́cio. Justifique a seguinte afirmativa: limAn é o conjunto de todos os pontos x de X que
pertencem um número infinito de conjuntos An . Dizemos, nesse caso, que x pertence freqüentemente aos
An ’s). 6
Chegamos a uma definição importante: dizemos que uma coleção contável de conjuntos {A n , n ∈ }
converge a um conjunto A se
limAn = limAn = A.
Se uma coleção contável de conjuntos {An , n ∈ } converge a um conjunto A, então A é dito ser o
n→∞
limite de An , e escrevemos, como usualmente, A = lim An , ou ainda An −→ A.
n→∞
E. 1.31 Exercı́cio. Justifique a seguinte afirmativa: lim An só existe se não há pontos x ∈ X que,
n→∞
simultaneamente, pertençam a infinitos conjuntos A n e não pertençam a infinitos conjuntos An . 6
E. 1.32 Exercı́cio. Seja a famı́lia contável de subconjuntos de dada por A n = [0, 10] se n for par e
An = [0, 5] se n for ı́mpar. Determine limAn e limAn e limn→∞ An se este existir. 6
E. 1.33 Exercı́cio. Seja a famı́lia contável de subconjuntos de dada por A n = [0, 1] se n for par e
An = [2, 3] se n for ı́mpar. Determine limAn e limAn e lim An , se este existir. 6
n→∞
E. 1.36 Exercı́cio. Crie seus próprios exemplos de famı́lias contáveis A n de subconjuntos de e estude
seus limAn , limAn e lim An , se este existir. 6
n→∞
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 45/1355
• Operações e Relações
• Funções Finitárias
C.
Funções 2-árias serão chamadas aqui de funções binárias e funções 1-árias são chamadas de funções
unárias.
Por vezes iremos falar também de funções 0-árias sobre C, que consistem em funções f : {∅} → C.
Uma tal função tem por imagem simplesmente um√elemento fixo de C. Exemplos de funções 0-árias
sobre seriam f (∅) = 1 ou f (∅) = 0 ou f (∅) = 2. Freqüentemente denotamos tais funções pelo
elemento de C por ela associado. Nos três exemplos acima, poderı́amos denotar as funções por 1, 0 ou
√
2, respectivamente.
• Relações Finitárias
Há uma nomenclatura análoga para o caso de relações. Sejam C e I dois conjuntos e consideremos
relações R ⊂ C I . Se I é um conjunto finito R é dita ser uma relação finitária sobre C. Sem perda
de generalidade consideraremos aqui relações finitárias do tipo R ⊂ C n para algum n ∈ . Se R é
uma relação finitária para um dado n, R é dita ser uma relação n-ária sobre C. Para o caso n = 1 as
relações são também chamadas de unárias e para o caso n = 2 são ditas binárias. Relações binárias
foram estudadas à página 23.
• Estruturas
Seja C um conjunto, F uma coleção de operações (não necessariamente finitárias) sobre C e seja
R uma coleção de relações (não necessariamente finitárias) em C. A tripla hC, F, Ri é dita ser uma
estrutura sobre C. Note-se que tanto F quanto R podem ser vazias.
Dado que operações sobre um conjunto C também são relações sobre C, a definição de estrutura
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 46/1355
acima poderia ser simplificada. É porém conveniente mantê-la como está, pois funções são de im-
portância especial.
Uma estrutura hC, Fi é dita ser uma estrutura algébrica e uma estrutura hC, Ri é dita ser uma
estrutura relacional.
Antes de prosseguirmos, façamos uma observação sobre a notação que é costumeiramente adotada,
especialmente quando se trata de funções binárias.
Dado um conjunto C e uma função binária denotada por um sı́mbolo φ, a imagem de um par
(a, b) ∈ C 2 é comummente denotada por φ(a, b). É muito prático, por vezes, usar uma outra notação
e denotar φ(a, b) por a φ b. Essa notação é denominada mesofixa. Um exemplo claro desse uso está
na função soma, denotada pelo sı́mbolo + : 2 → de dois números complexos. Denotamos +(z, w)
por z + w. Outro exemplo está na função produto · : 2 → de dois números complexos. Denotamos
·(z, w) por z · w.
Essa notação será usada adiante para outras funções binárias além das funções soma e produto de
números ou matrizes.
Funções unárias também têm por vezes uma notação especial, freqüentemente do tipo exponencial.
Tal é o caso da operação que associa a cada elemento de um grupo à sua inversa, g 7→ g −1 , ou o
caso da operação que associa a cada conjunto o seu complementar A 7→ A c . Ou ainda o caso da
transposição de matrizes M 7→ M T , da conjugação de números complexos z 7→ z ∗ para o que usa-se
também sabidamente a notação z 7→ z.
• Semi-grupos
• Monóides
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 47/1355
2. Elemento neutro. Existe um (único!) elemento e ∈ M , denominado elemento neutro, tal que
g · e = e · g = g para todo g ∈ M .
• Grupos
Uma das noções mais fundamentais de toda a Matemática é a de grupo. Um grupo é um conjunto
não-vazio G dotado de uma operação binária G × G → G denotada por “·” e denominada produto e de
uma operação unária G → G (bijetora) denominada inversa, denotada pelo expoente “ −1 ”, tais que as
seguintes propriedades são satisfeitas.
2. Elemento neutro. Existe um (único!) elemento e ∈ G, denominado elemento neutro, tal que
g · e = e · g = g para todo g ∈ G.
Observações.
1. A unicidade do elemento neutro é garantida pela observação que se houvesse e 0 tal que g · e0 =
e0 · g = g para todo g ∈ G terı́amos e0 = e0 · e = e.
Existe uma construção canônica devida a Grothendieck, que discutimos à página 85, que permite
construir um grupo Abeliano a partir de um semi-grupo Abeliano dado. Essa construção é importante
em várias áreas da Matemática. O leitor interessado poderá passar sem perda à discussão da página
85.
• Exemplos Simples
5. O conjunto dos números inteiros é um grupo Abeliano em relação à operação usual de soma
de números inteiros. Esse grupo é comummente denotado por ( , +), para lembrar o conjunto
considerado (no caso, ) e a operação considerada nesse conjunto (no caso, +) .
6. O conjunto dos números racionais é um grupo Abeliano em relação à operação usual de soma
de números racionais. Esse grupo é comummente denotado por ( , +).
8. O conjunto dos números reais é um grupo Abeliano em relação à operação usual de soma de
números reais. Esse grupo é comummente denotado por ( , +).
9. O conjunto dos números complexos é um grupo Abeliano em relação à operação usual de soma
12. Mat( , n), o conjunto das matrizes complexas n × n com o produto usual de matrizes é apenas
um monóide.
13. Mat( , n), o conjunto das matrizes complexas n × n é um grupo em relação à operação de soma
de matrizes.
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14. O conjunto GL( , n) de todas as matrizes reais n × n com determinante não-nulo (e, portanto,
invertı́veis) é um grupo em relação a operação de produto usual de matrizes. GL( , n) é não-
Abeliano.
15. O conjunto GL( , n) de todas as matrizes complexas n × n com determinante não-nulo (e,
é não-Abeliano.
16. Seja X um conjunto não-vazio. Então (X) é um grupo Abeliano em relação à operação de
diferença simétrica A4B, A, B ∈ X, definida em (1.2), página 22. De fato, o Exercı́cio E. 1.1,
página 22, garante associatividade e comutatividade, o elemento neutro é o conjunto vazio ∅ e
para todo A ∈ (X) tem-se A−1 = A. Verifique!
17. Outro exemplo importante é o seguinte. Seja C um conjunto não-vazio e tomemos S = C C , o
conjunto de todas as funções de C em C. Então, S é um monóide com o produto formado pela
composição de funções: f ◦ g, e onde o elemento neutro é a função identidade id(s) = s, ∀s ∈ C.
O sub-conjunto de C C formado pelas funções bijetoras é um grupo não-Abeliano, onde o produto
é a composição de funções, o elemento neutro é a função identidade e o elemento inverso de uma
função f : C → C é a função inversa f −1 . Esse grupo é denominado grupo de permutações do
conjunto C e denotado por P erm(C).
• Sub-grupos
Seja G um grupo em relação a uma operação “·” e cujo elemento neutro seja e. Um subconjunto
H de G é dito ser um sub-grupo de G se for também por si só um grupo em relação à mesma operação,
ou seja, se
1. e ∈ H,
2. h1 · h2 ∈ H para todos h1 ∈ H e h2 ∈ H,
3. h−1 ∈ H para todo h ∈ H.
Todo grupo G sempre possui pelo menos dois sub-grupos: o próprio G e o conjunto {e} formado
apenas pelo elemento neutro de G.
É fácil verificar que ( , +) e ( , +) são sub-grupos de ( , +). É fácil ver que SL( , n), o
conjunto de todas as matrizes reais n × n com determinante igual a 1, é um sub-grupo de GL( , n).
Idem para SL( , n) em relação a GL( , n).
• Os Grupos n
O bem conhecido algoritmo de Euclides23 afirma que, dado n ∈ , n > 0, então todo número inteiro
z pode ser escrito de maneira única na forma z = qn + r, onde q ∈ e r ∈ {0, 1, . . . , n − 1}.
23
Euclides de Alexandria (≈ 325 A.C, ≈ 265 A.C.).
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 50/1355
E. 1.38 Exercı́cio. Prove que a operação de soma definida acima é uma operação binária de {0, 1, . . . , n−
1} e mostre que a mesma é associativa, comutativa e tem 0 como elemento neutro. 6
E. 1.39 Exercı́cio. Para cada a ∈ {0, 1, . . . , n − 1}, defina a−1 = (n − a) mod n. Mostre que
a−1 ∈ {0, 1, . . . , n − 1} e que a + a−1 = 0. 6
Os dois exercı́cios acima provam que {0, 1, . . . , n − 1} é um grupo Abeliano em relação à operação
de soma definida acima. Esse grupo é denominado grupo n .
• + estendido
1. a + ω = ω + a = ω, para todo a ∈ +.
2. ω + ω = ω.
3. aω = ωa = ω, para todo a ∈ +, a 6= 0.
4. 0ω = ω0 = 0.
5. ωω = ω.
E. 1.41 Exercı́cio. Que problemas surgem quando se tenta estender a construção acima para o conjunto
de todos os reais? 6
1.2.2 Corpos
Um corpo24 é um conjunto não-vazio C dotado de duas operações binárias, denotadas por + e ·,
denominadas soma e produto, respectivamente, satisfazendo o seguinte: para α, β e γ ∈ C quaisquer,
valem
(a) Comutatividade: α + β = β + α
(b) Associatividade: α + (β + γ) = (α + β) + γ
(c) Elemento neutro: existe um elemento 0 ∈ C, chamado de zero, tal que α + 0 = α para todo
α ∈ C.
(d) Para cada α ∈ C existe um único elemento denotado por β com a propriedade α + β = 0.
Esse elemento é mais comummente denotado por −α.
(a) Comutatividade: α · β = β · α
(b) Associatividade: α · (β · γ) = (α · β) · γ
(c) Elemento neutro: existe um elemento 1 ∈ C, chamado de unidade, tal que α · 1 = α para
todo α ∈ C.
(d) Para cada α ∈ C, α 6= 0, existe um único elemento denotado por β com a propriedade
α · β = 1. Esse elemento é mais comummente denotado por α−1 .
Note-se que corpos são grupos comutativos em relação à operação de soma e monóides comutativos
em relação à operação de produto.
24
Em inglês a palavra empregada é field. A expressão em português provavelmente provem do francês corp ou do
alemão Körper.
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 52/1355
produto. O conjunto das matrizes n × n para qualquer n ≥ 2 com o produto usual de matrizes não é
um corpo pois, entre outras razões, o produto não é comutativo.
Em um corpo C sempre vale que α · 0 = 0 para todo α ∈ C. De fato, como 0 = 0 + 0, segue que
α · 0 = α · (0 + 0) = α · 0 + α · 0.
Somando-se a ambos os lados o elemento inverso −α · 0 teremos
α · 0 + (−α · 0) = α · 0 + α · 0 + (−α · 0),
ou seja,
0 = α · 0 + 0 = α · 0,
como querı́amos provar. Pela comutatividade do produto vale também 0 · α = 0 para todo α ∈ C.
Vamos exibir outros exemplos menos triviais de corpos.
√
• Os Corpos ( p), com p Primo
√
E. 1.42 Exercı́cio. Mostre que o conjunto de todos os números reais da forma a + b 2, com a e b
racionais, é um corpo. 6
√
O corpo do exemplo acima é denotado por ( 2).
E. 1.43 Exercı́cio. Seja p um número primo. Mostre que o conjunto de todos os números reais da forma
√
a + b p, com a e b racionais, é um corpo. 6
√
O corpo do exemplo acima é denotado por ( p).
√
E. 1.44 Exercı́cio. Mostre que o conjunto de todos os números reais da forma a + b 2 com a e b
inteiros não é um corpo. 6
O bem conhecido algoritmo de Euclides25 afirma que, dado n ∈ , n > 0, então todo número inteiro
z pode ser escrito de maneira única na forma z = qn + r, onde q ∈ e r ∈ {0, 1, . . . , n − 1}.
O número r é denominado resto da divisão de z por n e é também denotado por r = z mod n.
Seja n um inteiro positivo maior ou igual a 2 e seja n o conjunto {0, 1, . . . , n − 1}. Vamos definir
operações de soma e produto em n da seguinte forma:
α + β = [α + β] mod n e α · β = [αβ] mod n.
Acima [α + β] e [αβ] são a soma e o produto usuais em .
Temos o seguinte teorema:
25
Euclides de Alexandria (≈ 325 A.C, ≈ 265 B.C.).
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 53/1355
Teorema 1.6 O conjunto n é um corpo com as operações acima definidas se e somente se n for um
número primo. 2
Prova. As operações de soma e produto definidas acima são automaticamente comutativas, associativas
e distributivas (por que?). Fora isso sempre vale que −α = n − α para todo α ∈ n . Resta-nos estudar
a existência de elementos inversos α−1 . Vamos supor que n seja um corpo. Então, a ∈ {2, . . . , n − 1}
tem uma inversa em n , ou seja, um número b ∈ {1, . . . , n − 1} tal que a · b = 1. Lembrando a
definição de produto em n , isso significa que existe um inteiro r tal que ab = rn + 1. Mas isso implica
1 n
b− =r .
a a
Como o lado esquerdo não é um número inteiro, o lado direito também não pode ser. Isso diz então que
n/a não pode ser inteiro para nenhum a ∈ {2, . . . , n − 1}, ou seja, n não tem divisores e é, portanto,
um primo. Resta-nos mostrar que p é efetivamente um corpo quando p é primo, o que agora se reduz
a mostrar que para todo a ∈ p existe um elemento inverso.
Para apresentar a demonstração, recordemos três conceitos da teoria de números. 1. Sejam dois
números inteiros f e g, dizemos que f divide g se g/f ∈ . Se f divide g, denotamos esse fato por
f |g. 2. Sejam dois números inteiros f e g. O máximo divisor comum de f e g, denotado mdc(f, g) é
o maior inteiro m tal que m|f e m|g. 3. Dois números inteiros f e g são ditos ser primos entre si se
mdc(f, g) = 1.
A demonstração da existência de inverso em p será apresentada em partes. Vamos primeiro
demonstrar a seguinte afirmativa.
Lema 1.2 Se f e g são dois números inteiros quaisquer então existem inteiros k 0 e l0 tais que
mdc(f, g) = k 0 f + l0 g.
Prova. Seja m = mdc(f, g). Seja M o conjunto de todos os números positivos que sejam da forma
kf + lg com k e l inteiros. Seja m0 o menor elemento de M . Note que como os elementos de M são
positivos, esse menor elemento existe. Claramente
m0 = k 0 f + l 0 g (1.19)
para algum k 0 e l0 . Como, por definição, m|f e m|g, segue que m|m0 , o que só é possı́vel se
m0 ≥ m. (1.20)
Vamos agora demonstrar por contradição que m0 |f . Se isso não fosse verdade, existiriam (pelo algoritmo
de Euclides) inteiros α e β com
0 < β < m0 (1.21)
tal que
f = αm0 + β.
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 54/1355
Mas, como β > 0 isso diz que β ∈ M . Logo, β ≥ m0 , contradizendo (1.21). Logo m0 |f . De maneira
totalmente análoga prova-se que m0 |g. Portanto m0 ≤ mdc(f, g) = m. Lembrando que havı́amos
provado (1.20), segue que m = m0 e, portanto m = k 0 f + l0 g, demonstrando o Lema.
Corolário 1.1 Se f e g são dois números inteiros primos entre si então existem inteiros k 0 e l0 tais
que
1 = k 0 f + l0 g.
2
Prova. Pela definição, como f e g são dois números inteiros primos entre si segue que mdc(f, g) = 1.
Para finalmente demonstrarmos a existência de inverso em p , com p primo, seja a ∈ {1, . . . , p−1}.
É óbvio que a e p são primos entre si (por que?). Assim, pelo corolário, existem inteiros r e s com
1 = sa − rp.
• Caracterı́stica de um Corpo
E. 1.45 Exercı́cio. Mostre que a caracterı́stica de um corpo é ou igual a zero ou é um número primo.
Sugestão: Mostre primeiro que (nm) · 1 = (n · 1)(m · 1) para quaisquer números naturais n e m. Use então
o fato que todo natural pode ser decomposto em um produto de fatores primos e use o fato que, em um
corpo, se a · b = 0 então ou a ou b ou ambos são zero (ou seja, todo corpo é um anel de integridade: não
tem divisores de zero). 6
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 55/1355
u+0=u
para todo u ∈ V ,
(d) A cada u ∈ V existe associado um único vetor denotado por −u tal que
u + (−u) = 0.
α · (β · u) = (αβ) · u,
α · (u + v) = α · u + α · v,
(α + β) · u = α · u + β · u,
Note-se que espaços vetoriais são grupos comutativos em relação à operação de soma.
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E. 1.46 Exercı́cio. Mostre usando os postulados acima que 0·u = 0 para todo u ∈ V , onde, permitindo-
nos um certo abuso de linguagem, o 0 do lado esquerdo representa o zero do corpo K e o do lado direito o
vetor nulo de V . 6
Notação. É freqüente omitir-se o sı́mbolo “·” de produto por escalares quando nenhuma confusão é
possı́vel.
Anti-exemplo. Tomemos o conjunto dos reais com a operação de soma usual, um corpo p com p
primo e o produto p × → , α · x, α ∈ p e x ∈ dada pelo produto usual em . Essa estrutura
não forma um espaço vetorial. A regra distributiva
(α + β) · x = α · x + β · x
É quase desnecessário mencionar o quão importantes espaços vetoriais são no contexto da Fı́sica,
onde, porém, quase somente espaços vetoriais sobre o corpo dos reais ou dos complexos aparecem.
Discutiremos mais aspectos básicos da teoria dos espaços vetoriais na Seção 2.1, página 94.
• Anéis
Um anel é um conjunto A dotado de duas operações binárias denotadas por “+” e “·” e denominadas
soma e produto, respectivamente, tais que A é um grupo Abeliano em relação à operação de soma e
um semi-grupo em relação à operação de produto. Por fim, a operação de produto é distributiva em
relação à soma: para quaisquer a, b e c ∈ A valem a · (b + c) = a · b + a · c e (a + b) · c = a · c + b · c.
Como usual, denotamos por −a a inversa aditiva do elemento a de um anel.
Se 0 é o elemento neutro de um anel A em relação à operação de soma, então a · 0 = 0 pois, como
0 = 0 + 0, tem-se pela propriedade distributiva a · 0 = a · 0 + a · 0, que implica 0 = a · 0 − (a · 0) =
a · 0 + a · 0 − (a · 0) = a · 0.
• Álgebras
Uma álgebra é um espaço vetorial V sobre um corpo K dotado de uma operação de produto binária
“·” dita produto da álgebra, de modo que as seguintes propriedades são satisfeitas
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 57/1355
a · (b + c) = a · b + a · c e (a + b) · c = a · c + b · c.
2. O produto por escalares comuta com o produto da álgebra e é distributivo em relação a ele: para
todos a, b ∈ V e α ∈ K vale
Uma álgebra V é dita ser uma álgebra comutativa ou uma álgebra Abeliana 26 se para todos a, b ∈ V
tivermos
a · b = b · a.
Uma álgebra V é dita ser uma álgebra associativa se para todos a, b e c ∈ V tivermos
a · (b · c) = (a · b) · c.
Notação. Se A é uma álgebra associativa, podemos sem ambigüidade denotar o produto de dois de seus
elementos a, b ∈ A simplesmente por por ab. Pela mesma razão, em uma álgebra associativa produtos
triplos como a(bc) e (ab)c podem ser escritos sem ambigüidade como abc.
Devemos dizer que há muitas álgebras importantes encontradas na Fı́sica que não são nem comu-
tativas nem associativas. Por exemplo, a álgebras do produto vetorial em 3 não é nem comutativa
nem associativa.
• Álgebras de Lie
a · (b · c) + c · (a · b) + b · (c · a) = 0. (1.22)
Por razões históricas o produto de dois elementos de uma álgebra de Lie é denotado pelo sı́mbolo
[a, b] em lugar de a · b.
26
Niels Henrik Abel (1802-1829).
27
Marius Sophus Lie (1842-1899).
28
Carl Gustav Jacob Jacobi (1804-1851).
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Seja A uma álgebra associativa. Podemos associar a A uma álgebra de Lie definindo o produto
[a, b] = ab − ba para a, b ∈ A. A anti-comutatividade é óbvia e a identidade de Jacobi segue do fato
que
[a, [b, c]] + [c, [a, b]] + [b, [c, a]]
= a(bc − cb) − (bc − cb)a + c(ab − ba) − (ab − ba)c + b(ca − ac) − (ca − ac)b
= abc − acb − bca + cba + cab − cba − abc + bac + bca − bac − cab + acb
= 0,
como facilmente se constata.
Todos os exemplos aqui exibidos são relevantes na teoria dos grupos de Lie.
3
E. 1.47 Exercı́cio. Mostre que dotado do produto vetorial usual é uma álgebra de Lie. 6
E. 1.48 Exercı́cio. Mostre que Mat ( , n) (ou Mat ( , n)), o conjunto de todas as matrizes n × n
reais (complexas) é uma álgebra de Lie com relação ao produto [A, B] = AB − BA. 6
E. 1.49 Exercı́cio. Mostre que o subconjunto de Mat ( , n) (ou de Mat ( , n)) formado pelas matrizes
com traço nulo é uma álgebra de Lie com relação ao produto [A, B] = AB − BA. 6
E. 1.50 Exercı́cio. Mostre que o subconjunto de Mat ( , n) (ou de Mat ( , n)) formado pelas matrizes
anti-simétricas, ou seja, tais que AT = −A, é uma álgebra de Lie com relação ao produto [A, B] =
AB − BA. 6
E. 1.51 Exercı́cio. Mostre que o subconjunto de Mat ( , n) formado pelas matrizes anti-autoadjuntas,
ou seja, tais que A∗ = −A, é uma álgebra de Lie (sobre o corpo dos reais!) com relação ao produto
[A, B] = AB − BA. 6
E. 1.52 Exercı́cio. Conclua igualmente que o subconjunto de Mat ( , n) formado pelas matrizes anti-
autoadjuntas, ou seja, tais que A∗ = −A, e de traço nulo (Tr(A) = 0) é uma álgebra de Lie (sobre o corpo
dos reais!) com relação ao produto [A, B] = AB − BA. 6
E. 1.53 Exercı́cio. Fixada uma matriz B ∈ Mat ( , n), mostre que o subconjunto de Mat ( , n)
formado pelas matrizes A com a propriedade AB = −BAT é uma álgebra de Lie real com relação ao
produto [A, B] = AB − BA. 6
E. 1.54 Exercı́cio. Fixada uma matriz B ∈ Mat ( , n), mostre que o subconjunto de Mat ( , n)
formado pelas matrizes A com a propriedade AB = −BA∗ é uma álgebra de Lie real com relação ao
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Tratemos agora de exibir um exemplo básico de uma álgebra de Lie de dimensão infinita.
• Colchetes de Poisson
3. Identidade de Jacobi30 . {f, {g, h}} + {h, {f, g}} + {g, {h, f }} = 0.
E. 1.56 Exercı́cio. Mostre que matrizes A, B, C de Mat ( , n) (ou de Mat ( , n)) também satisfazem
uma identidade de Leibniz: [A, BC] = [A, B]C + B[A, C]. Em verdade, essa identidade é válida em
qualquer álgebra associativa. Mostre isso também (a prova é idêntica ao caso de matrizes). 6
• Módulos
1. a · (m + n) = a · m + a · n,
2. (a + b) · m = a · m + b · m,
3. a · (b · m) = (ab) · m,
1. (m + n) · a = m · a + n · a,
2. m · (a + b) = m · a + m · b,
3. (m · b) · a = m · (ba),
1. a · (m · b) = (a · m) · b para todos a ∈ A, b ∈ B, m ∈ M .
Dado um anel R um elemento não-nulo a ∈ R é dito ser um divisor de zero se existir pelo menos
um b ∈ R com b 6= 0 tal que a · b = 0 ou b · a = 0.
Se em um dado anel a relação a · b = 0 só for possı́vel se a = 0 ou b = 0 ou ambos, então esse anel
é dito ser um anel sem divisores de zero.
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Exemplos. e são anéis sem divisores de zero (com os produtos e somas usuais), mas os anéis
Mat(n, ), n > 1, têm divisores de zero (com o produto e soma usual), pois tem-se, por exemplo,
1 0 0 0 0 0
= .
0 0 0 1 0 0
E. 1.57 Exercı́cio. Mostre que em 4 tem-se 2 · 2 = 0, ou seja, 2 é um divisor de zero. Há outros
divisores de zero? 6
E. 1.58 Exercı́cio. Mostre que em n existem divisores de zero caso n não seja um número primo. 6
• Anéis de Integridade
Um anel comutativo (ou seja, cujo produto é comutativo), com unidade e sem divisores de zero é
dito ser um anel de integridade ou também um domı́nio de integridade.
Para a relação entre anéis de integridade e corpos, vide adiante.
• Anéis de Divisão
Um anel R é dito ser um anel de divisão se possuir uma unidade multiplicativa 1, i.e., um elemento
tal que para todo a ∈ R vale a · 1 = 1 · a = a e se para todo a ∈ R, a 6= 0, existir uma inversa
multiplicativa em R, ou seja, um elemento denotado por a−1 tal que a · a−1 = a−1 · a = 1.
E. 1.59 Exercı́cio importante. Mostre que um anel de divisão não pode possuir divisores de zero.
Portanto, todo anel de divisão comutativo é também um anel de integridade. 6
Exemplos. Com as definições usuais , e são anéis de divisão mas não o é (falta a inversa).
Mat(n, ) com n > 1 também não é um anel de divisão com as definições usuais pois nem toda a
matriz é invertı́vel.
Outro exemplo de anel de divisão (não comutativo!) são os quatérnions, que serão discutidos à
página 88.
• Álgebras de Divisão
Uma álgebra A é dita ser uma álgebra de divisão se possuir uma unidade multiplicativa 1, i.e., um
elemento tal que para todo a ∈ A vale a · 1 = 1 · a = a e se para todo a ∈ A, a 6= 0, existir uma inversa
multiplicativa em A, ou seja, um elemento denotado por a−1 tal que a · a−1 = a−1 · a = 1.
• Corpos
• Corpos Não-comutativos
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 62/1355
Como a única distinção entre as definições de corpos e de anéis de divisão é que para os primeiros a
comutatividade do produto é requerida, diz-se também por vezes que anéis de divisão não-comutativos
são corpos não-comutativos.
É bem claro pelas definições que todo corpo é também um anel de integridade. A reciproca é
parcialmente válida:
Teorema 1.7 Todo anel de integridade finito é um corpo. 2
Prova. Se A é um anel de integridade, tudo que precisamos é mostrar que todo elemento não-nulo de
A é invertı́vel. Seja a um elemento de A \ {0}. Definamos a aplicação α : A \ {0} → A dada por
α(y) = ay.
Note que, como A é um anel de integridade o lado direito é não nulo pois nem a nem y o são. Assim,
α é, em verdade, uma aplicação de A \ {0} em A \ {0} e, como tal, é injetora, pois se ay = az, segue
que a(y − z) = 0, o que só é possı́vel se y = z, pois A é um anel de integridade e a 6= 0. Agora,
uma aplicação injetora de um conjunto finito em si mesmo tem necessariamente que ser sobrejetora
(por que?). Assim, α é uma bijeção de A \ {0} sobre si mesmo. Como 1 ∈ A \ {0}, segue que existe
y ∈ A \ {0} tal que ay = 1, ou seja, a tem uma inversa. Como a é um elemento arbitrário de A \ {0},
segue que todo elemento de A \ {0} tem inversa e, portanto, A é um corpo.
• Ações
Seja M um conjunto não-vazio e G um grupo. Uma função α : G × M → M é dita ser uma ação à
esquerda de G sobre M se as seguintes condições forem satisfeitas:
Uma função β : G × M → M é dita ser uma ação à direita de G sobre M se as seguintes condições
forem satisfeitas
Note-se que a distinção básica entre (1.23) e (1.24) é a ordem do produto no grupo. Se G é Abeliano
não há distinção entre uma ação à direita ou à esquerda.
É freqüente encontrar-se outras notações para designar ações de grupos em conjuntos. Uma ação à
esquerda α(g, x) é freqüentemente denotada por αg (x), de modo que a relação (1.23) fica αg (αh (x)) =
αgh (x). Para uma ação à direita, (1.24) fica βg (βh (x)) = βhg (x).
Talvez a notação mais conveniente seja denotar uma ação à esquerda α(g, x) simplesmente por g · x
ou apenas gx. A relação (1.23) fica g(hx) = (gh)x. Para uma ação à direita β(g, x) a notação fica x · g,
ou apenas xg, de modo que (1.24) fica (xh)g = x(hg). Essa notação justifica o uso da nomenclatura à
direita ou à esquerda para classificar as ações.
Seja F uma coleção de funções bijetoras de um conjunto M em si mesmo. Uma ação α : G×M → M
é dita ser uma ação de G em M pela famı́lia F se para todo g ∈ G as funções α(g, ·) : M → M forem
elementos do conjunto F.
E. 1.61 Exercı́cio. Seja G = SO(n) o grupo de todas as matrizes reais n × n ortogonais (ou seja, tais
que RT = R−1 , onde RT denota a transposta de R). Seja M o conjunto de todas as matrizes reais n × n
simétricas (ou seja, tais que AT = A). Mostre que αR (A) := RART , com R ∈ SO(n) e A ∈ M, é uma
ação à esquerda de G em M . Com as mesmas definições, mostre que β R (A) := RT AR é uma ação à direita
de G em M.
Sugestão. O único ponto que poderia ser difı́cil para alguns seria mostrar que, para cada R fixo, α R é
bijetora, ou seja, é sobrejetora e injetora. Para mostrar que α R é sobrejetora, note que se A é uma matriz
simétrica qualquer, podemos trivialmente escrever A = R(R T AR)RT , mostrando que A = αR (B), onde
B = RT AR é simétrica. Para provar que αR é injetora note que, se RA1 RT = RA2 RT , segue facilmente,
multiplicando-se por RT à esquerda e por R à direita, que A1 = A2 . 6
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 64/1355
E. 1.62 Exercı́cio. Seja G = SU(n) o grupo de todas as matrizes complexas n × n unitárias (ou seja,
tais que U ∗ = U −1 , onde U ∗ denota a adjunta de U : U ∗ = U T ). Seja M o conjunto de todas as matrizes
complexas n × n Hermitianas (ou seja, tais que A∗ = A). Mostre que αU (A) := U AU ∗ , com U ∈ SU(n)
e A ∈ M, é uma ação à esquerda de G em M. Com as mesmas definições, mostre que β U (A) := U ∗ AU é
uma ação à direita de G em M. 6
E. 1.63 Exercı́cio. Mostre que para todo m ∈ M vale a afirmação que para todo m 0 ∈ Orbα (m) tem-se
Orbα (m0 ) = Orbα (m). 6
E. 1.64 Exercı́cio. Conclúa que se existe m ∈ M tal que Orbα (m) = M , então Orbα (m0 ) = M para
todo m0 ∈ M . 6
• Representações de Grupos
Uma representação de um grupo é uma ação a esquerda do mesmo em um espaço vetorial pela
famı́lia das aplicações lineares invertı́veis agindo nesse espaço vetorial.
Sejam G um grupo e V um espaço vetorial sobre um corpo K. Uma representação de G em V é
uma função π : G × V → V tal que para todo g ∈ G as funções π(g, ·) : V → V sejam lineares e
bijetivas e satisfazem π(e, v) = v e π(g, π(h, v)) = π(gh, v) para todos g, h ∈ G e todo v ∈ V .
Devido à linearidade é conveniente denotar π(g, v) por π(g)v. Uma representação satisfaz assim:
• Representações de Álgebras
Seja A uma álgebra sobre um corpo K e V um espaço vetorial sobre o mesmo corpo. Uma repre-
sentação de A em V é uma famı́lia de funções lineares de V em V , {π(a), a ∈ A}, satisfazendo
3. Para todos a, b ∈ A
π(ab) = π(a)π(b).
Uma representação π de uma álgebra A em um espaço vetorial V é dita ser uma representação fiel
se π(a) = 0 só ocorrer para a = 0.
Uma representação π de uma álgebra A em um espaço vetorial V é dita ser uma representação
não-degenerada se π(a)v = 0 para todo a ∈ A só ocorrer para v = 0.
Nesta seção nos limitaremos a listar algumas definições básicas que serão usadas e desenvolvidas no
restante do texto, onde também exemplos serão apresentados. A pretensão não é a de desenvolver os
assuntos, mas de apresentar as definições para referência futura.
Em termos informais um morfismo entre duas estruturas de um mesmo tipo (dois grupos, dois
espaços vetoriais, duas álgebras, dois anéis etc.) é uma função entre as mesmas que respeita as operações
de produto lá definidas.
• Morfismos em Grupos
E. 1.65 Exercı́cio importante. Mostre que a relação de isomorfia entre grupos é uma relação de
equivalência. 6
E. 1.66 Exercı́cio. Mostre que para cada g ∈ G fixo, αg é um homomorfismo e que sua inversa é αg−1 .
6
Sejam U e V dois espaços vetoriais sobre o mesmo corpo K. Uma função φ : U → V é dita ser um
homomorfismo ou morfismo de espaços vetoriais se φ(α1 u1 + α2 u2 ) = α1 φ(u1 ) + α2 φ(u2 ) para todos
α1 , α2 ∈ K e todos u1 , u2 ∈ U .
Sejam U e V dois espaços vetoriais sobre o mesmo corpo K. Uma função φ : U → V é dita ser um
isomorfismo de espaços vetoriais se for um morfismo de espaços vetoriais, e se for bijetora.
Se dois espaços vetoriais U e V sobre o mesmo corpo forem tais que exista um isomorfismo φ entre
ambos dizemos que U e V são isomorfos (por φ) e denotamos esse fato por U 'φ V , ou simplesmente
por U ' V .
E. 1.67 Exercı́cio importante. Mostre que a relação de isomorfia entre espaços vetoriais é uma relação
de equivalência. 6
Em espaços vetoriais os conceitos de mono-, endo- e e automorfismo não são muito empregados.
Em verdade, morfismos de espaços vetoriais são mais freqüentemente denominados operadores lineares
ou aplicações lineares, como matrizes, por exemplo.
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 67/1355
No caso de espaços vetoriais sobre o corpo dos complexos existem também os conceitos de anti-
homomorfismo, anti-isomorfismo etc. Sejam U e V dois espaços vetoriais sobre . Uma função φ :
• Morfismos em Álgebras
Sejam A e B duas álgebras (sobre o mesmo corpo K, como espaços vetoriais). Uma função φ :
A → B é dita ser um homomorfismo ou morfismo de álgebras se for um morfismo de espaços vetoriais
(ou seja φ(α1 a1 + α2 a2 ) = α1 φ(a1 ) + α2 φ(a2 ) para todos α1 , α2 ∈ K e todos a1 , a2 ∈ A) e se
φ(a1 · a2 ) = φ(a1 ) · φ(a2 ) para todos a1 , a2 ∈ A.
Sejam A e B duas álgebras sobre o mesmo corpo K. Uma função φ : A → B é dita ser um
isomorfismo de álgebras se for um morfismo de álgebras e se for bijetora.
Se duas álgebras A e B sobre o mesmo corpo forem tais que exista um isomorfismo φ entre ambos
dizemos que A e B são isomorfas (por φ) e denotamos esse fato por A 'φ B, ou simplesmente por
A ' B.
E. 1.68 Exercı́cio importante. Mostre que a relação de isomorfia entre álgebras é uma relação de
equivalência. 6
1.3.1 Cosets
E. 1.69 Exercı́cio importante. Verifique que a definição acima corresponde de fato a uma relação de
equivalência. 6
E. 1.70 Exercı́cio importante. Verifique que a definição acima corresponde de fato a uma relação de
equivalência. 6
Doravante, denotaremos ∼H H
l simplesmente por ∼l e ∼r por ∼r , ficando o subgrupo H subentendido.
É sempre possı́vel definir uma ação à esquerda de G sobre o coset à esquerda (G/H) l , a qual age
transitivamente em (G/H)l (vide definição à página 64). Isso faz de (G/H)l um espaço homogêneo de
G (vide definição à página 64).
Seja G um grupo, H um sub-grupo de G e seja o coset à esquerda (G/H)l , definido acima. Defina
Então, α define uma ação à esquerda de G sobre (G/H)l . De fato, tem-se que
3. Para todos g, h ∈ G vale αg (αh ([f ]l )) = αg ([hf ]l ) = [ghf ]l = αgh ([f ]l ) para qualquer f ∈ G.
É sempre possı́vel definir uma ação à direita de G sobre o coset à direita (G/H) r , a qual age
transitivamente em (G/H)r (vide definição à página 64). Isso faz de (G/H)r um espaço homogêneo de
G (vide definição à página 64).
Seja G um grupo, H um sub-grupo de G e seja o coset à direita (G/H)r , definido acima. Defina
Então, β define uma ação à direita de G sobre (G/H)r . De fato, tem-se que
Os cosets (G/H)l e (G/H)r podem ser identificados e transformados em grupos se uma certa
hipótese for feita sobre o sub-grupo H e sua relação com G. Esse é nosso assunto na Seção 1.3.2.
• Sub-Grupos Normais
Seja G um grupo. Um subgrupo N de G é dito ser um subgrupo normal se gng −1 ∈ N para todo
g ∈ G e todo n ∈ N . Se N é um sub-grupo normal de G denotamos esse fato escrevendo N G.
Observe que todo sub-grupo de um grupo Abeliano G é normal.
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 70/1355
E. 1.71 Exercı́cio. Sejam G e H dois grupos e ϕ : G → H um homomorfismo. Mostre que Ran (ϕ) :=
{ϕ(g)| g ∈ G} é um sub-grupo de H. 6
Nota sobre a nomenclatura dos dois exercı́cios acima. O sı́mbolo Ran provém da palavra inglesa “range” (“alcance”, em português) e é
freqüentemente empregado como sinônimo da imagem de uma função ou aplicação. O sı́mbolo Ker provem do inglês “kernel” (“núcleo” ou
“caroço”, em português).
Prova. Por definição, g 0 ∈ [g]l se e somente existe n ∈ N tal que g −1 g 0 = n, o que é verdade se e
somente se g 0 g −1 = gng −1 . Mas g 0 ∈ [g]r se e somente se g 0 g −1 ∈ N . Assim [g]l = [g]r para todo g ∈ G
se e somente se gng −1 ∈ N para todo g ∈ G e n ∈ N , o que é verdade se somente se N é um subgrupo
normal de G.
Com isso, caso N G, definimos [g] := [g]l = [g]r para todo g ∈ G e definimos o coset de G por N
por G/N := (G/N )l = (G/N )r , ou seja, G/N = {[g], g ∈ G}.
Advertência. O leitor deve ser advertido aqui que, infelizmente, é comum na literatura denotar o
coset à esquerda (G/H)l por G/H, mesmo quando H não é normal (vide, por exemplo, [124] ou [58],
entre outros). Evitaremos fazer isso, pois isso pode levar a uma confusão de conceitos.
Sub-grupos normais são importantes, pois com eles podemos fazer da coleção de classes de equi-
valência G/N um grupo, denominado grupo quociente de G por N . A construção é a seguinte.
Seja N G. Podemos fazer de G/N um grupo definindo o produto como [g]N [h]N = [gh]N . É
muito fácil ver que, se esta expressão está bem definida, ela de fato representa um produto associativo
na coleção de classes de equivalência G/N . O elemento neutro seria a classe [e] N , onde e é a identidade
de g. Por fim, [g]−1 −1
N = [g ]N . O ponto não trivial é mostrar que a definição de produto como
[g]N [h]N = [gh]N faz sentido, ou seja, é independente dos elementos tomados nas classes de g e h. Para
isso precisaremos que N seja normal.
O que temos de fazer é mostrar que se g 0 ∼N g e h0 ∼N h então g 0 h0 ∼N gh, ou seja, precisamos
mostrar que se g 0 g −1 ∈ N e h0 h−1 ∈ N então g 0 h0 (gh)−1 ∈ N . Mas, de fato, tem-se que
Agora, por hipótese, h0 h−1 ∈ N . Daı́, como N é normal (é aqui que essa hipótese entra pela primeira
vez), g(h0 h−1 )g −1 ∈ N . Como, também pela hipótese, g 0 g −1 ∈ N e N é um sub-grupo, concluı́mos que
g 0 h0 (gh)−1 ∈ N , ou seja, g 0 h0 ∼N gh. Assim [g]N [h]N = [gh]N está bem definido e faz das classes G/N
um grupo. Esse grupo é denominado de grupo quociente de G por N .
A noção de grupo quociente é muito importante na teoria de grupos e iremos explorar algumas das
aplicações nessas notas. Adiante usarêmo-la para construir a noção de produto tensorial e soma direta
de vários objetos, tais como grupos, álgebras etc. A noção de grupo quociente é importante por permitir
estudar a relação de certos grupos entre si. Mais adiante, por exemplo, mostraremos que o grupo SO(3)
é isomorfo ao grupo SU (2)/{ , − }, um resultado de direto interesse fı́sico na Mecânica Quântica. A
noção de grupo quociente é também muito importante em problemas combinatórios envolvendo grupos,
mas não falaremos disso aqui. Para uma discussão mais ampla, vide [123], [124] ou [101].
• O Centro de um Grupo
Seja G um grupo. O conjunto dos elementos de G que têm a propriedade de comutarem com todos
os elementos de G é denominado o centro do grupo G e é freqüentemente denotado por 33 Z(G). Em
sı́mbolos:
Z(G) := {h ∈ G| hg = gh para todo g ∈ G} .
Note que Z(G) nunca é um conjunto vazio, pois o elemento neutro de G sempre pertence e Z(G).
Em alguns grupos, porém, esse pode ser o único elemento de Z(G). Esse é o caso, por exemplo, do
grupo de permutações de n elementos (por que?).
É elementar constatar que para qualquer grupo G, seu centro Z(G) é um subgrupo normal de G.
É igualmente elementar constatar que se G é Abeliano então Z(G) = G.
33
O emprego da letra Z provavelmente provem da palavra alemã “Zentrum”.
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• Centralizadores e Normalizadores
• O Centro de GL( , n)
Como exercı́cio vamos determinar o centro de GL( , n). Se A ∈ Z(GL( , n)) então AB = BA
para toda B ∈ GL( , n). Tomemos, em particular, uma matriz B da forma B = + E a, b , onde E a, b ,
com a, b ∈ {1, . . . , n}, é a matriz cujo elemento ij é nulo a menos que i = a e que j = b, em cujo
caso (E a, b )ij = 1. Em sı́mbolos, (E a, b )ij = δia δjb . (Antes de prosseguir, convença-se que + E a, b ∈
GL( , n), notando que det( + E a, b ) 6= 0). Agora, como AB = BA, segue que AE a, b = E a, b A. Pela
q
n
X n
X
a, b a, b
(E A)ij = (E )ik Akj = δia δkb Akj = Abj δia .
k=1 k=1
Assim, Aia δjb = Abj δia . Tomando-se j = b, concluı́mos Aia = Abb δia . Como a e b são arbitrários,
concluı́mos dessa igualdade que Abb = λ, constante independente de b. Daı́, Aia = λδia , o que significa
que A = λ . Como det(A) 6= 0, devemos ter λ 6= 0.
Para futura referência expressamos nossas conclusões na forma de uma proposição:
Proposição 1.9 O centro do grupo GL( , n), ou seja, Z(GL( , n)), coincide com o conjunto de
todas as matrizes da forma λ , com λ 6= 0, ou seja, é o conjunto das matrizes não-nulas que são
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Z(GL( , n)) = {λ , λ ∈ , λ 6= 0} .
Como conseqüência podemos afirmar que se uma matriz A ∈ Mat ( , n) comuta com todas as demais
E. 1.76 Exercı́cio. Mostre que o centro de SL( , n) é o conjunto de todas as matrizes da forma λ ,
E. 1.77 Exercı́cio. Mostre que o centro de SL( , n) é o conjunto de todas as matrizes da forma λ ,
com λ ∈ satisfazendo λn = 1. Esse grupo é { } quando n é ı́mpar e { , − } quando n é par. (Lembre-se
que SL( , n) é formado apenas por matrizes reais). 6
A maneira mais fácil é definir o produto de dois pares ordenados (g1 , h1 ), (g2 , h2 ), com g1 , g2 ∈ G
e h1 , h2 ∈ H, por
(g1 , h1 ) · (g2 , h2 ) := (g1 g2 , h1 h2 ).
O leitor pode facilmente se convencer que esse produto é associativo, que (e G , eH ) é o elemento neutro
e que (g, h)−1 = (g −1 , h−1 ).
Isso faz de G × H um grupo, denominado produto direto de G e H. Esse grupo é por vezes denotado
por G ⊗ H.
A definição acima pode ser amplamente generalizada. Seja Gs ,Qs ∈ Λ, uma coleção de grupos
indexados por s ∈ Λ. ConsideremosSo produto Cartesiano G := s∈Λ Gs , definido como sendo a
Λ → s∈Λ Gs , com f (s) ∈ Gs . Então, podemos fazer de G um grupo
coleção de todasQas funções f :Q
definindo para s∈Λ f1 (s) , s∈Λ f2 (s) ∈ G o produto
! ! !
Y Y Y
f1 (s) · f2 (s) = f1 (s)f2 (s) .
s∈Λ s∈Λ s∈Λ
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Como facilmente se vê, esse produto faz de G um grupo, denominado produto direto da coleção de
grupos Gs , s ∈ Λ.
Dados dois grupos G e H há uma outra maneira de fazer de G × H um grupo além do produto
direto. Para tal é necessário que exista uma ação de G em H por automorfismos de H. Expliquemos
melhor isso.
Lembremos que um automorfismo α de um grupo H é um isomorfismo de H em si mesmo α : H →
H. Uma ação (à esquerda) de G sobre H por automorfismos é um função α : G × H → H tal que a
cada par (g, h) ∈ G × H associa um elemento denotado por αg (h) de H de tal forma que as seguintes
condições sejam satisfeitas:
Pela definição geral, tem-se pelas propriedades 1, 2 e 3 acima que para quaisquer g ∈ G e h ∈ H
αg (eH )h = αg (eH )αg (αg−1 (h)) = αg (eH αg−1 (h)) = αg (αg−1 (h)) = h,
E. 1.80 Exercı́cio importante. Mostre que esse produto é associativo, que (e G , eH ) é a unidade e que
para quaisquer g ∈ G, h ∈ H tem-se (g, h)−1 = (g −1 , αg−1 (h−1 )). 6
• Exemplos
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define o grupo GsN , produto semi-direto de um grupo G por um sub-grupo normal N através do
automorfismo natural.
II. Considere o grupo G, formado por todos os números reais não-nulos com o produto dado pela
multiplicação usual e o grupo H, formado por todos os reais com o produto dado pela soma: G =
( \ {0}, ·) e H = ( , +).
Para todo a ∈ \ {0} e x ∈ definimos α : G × H → H por αa (x) := ax. Para cada a ∈ G, tem-se
que αa é bijetora, com inversa dada por α1/a . Fora isso, αa (x) + αa (y) = ax + ay = a(x + y) = αa (x + y).
Assim, αa é um automorfismo (condição 1. da definição acima). Fora isso, para todo x ∈ H, α 1 (x) = x
(condição 2.). Por fim, para todo x ∈ H, αa (αb (x)) = abx = αab (x), para quaisquer a, b ∈ G (condição
3.). Concluı́mos que α é uma ação à esquerda de G sobre H por automorfismos.
Assim, fazemos de G × H um grupo Gsα H com o produto
Γ((a, x), z) := az + x.
Para verificar que isso é uma ação notemos as seguintes propriedades: i. para cada (a, x) fixo
Γ((a, x), z) é uma função bijetora de em (lembre-se que a 6= 0). ii. Para todo z ∈ ,
Γ((1, 0), z) = z.
iii. Γ((a, x), Γ((b, y), z)) = Γ((a, x), bz + y) = a(bz + y) + x = abz + (x + ay)
Isso mostrou que Γ é uma ação de Gsα H sobre o conjunto . Como vemos, a ação de um elemento
(a, x) consiste em uma combinação de uma multiplicação por a 6= 0 seguida por uma translação por
x ∈ . Isso exibe o significado geométrico do grupo Gsα H. Vamos a um outro exemplo semelhante.
III. Considere o conjunto de todas as operações do espaço tridimensional que envolvem rotações e
translações. Por exemplo, considere-se a operação na qual cada vetor ~x é primeiramente rodado por
uma matriz de rotação R ∈ SO(3) e em seguida é transladado por um vetor ~x0 :
A composição de duas de tais operações conduz à transformação ~x 7→ R 0 (R~x + ~x0 ) + ~x00 , ou seja,
E. 1.81 Exercı́cio. Verifique que a transformação (1.25) define uma ação à esquerda do grupo SO(3)s α 3
sobre o conjunto 3 . 6
n
Definição. Os grupos En := SO(n)sα são denominados grupos Euclidianos3536 .
IV. Seja V um espaço vetorial (e, como tal, um grupo Abeliano em relação à soma de vetores) e seja
Aut(V ) a coleção de todas as aplicações lineares bijetoras de V em V .
n n
Por exemplo V = e Aut( ) é o conjunto de todas as matrizes reais n × n invertı́veis.
Então, fazemos de Aut(V ) × V um grupo, definindo
de produto tensorial e soma direta algébricos. Isso significa que outras estruturas, como uma topologia,
ou propriedades, como completeza, não são necessariamente herdadas pela construção. Assim, por
exemplo, o produto tensorial algébrico de dois espaços de Banach não é necessariamente um espaço de
Banach. Para tal é necessário introduzir um completamento extra, que pode não ser único.
Sejam A e B dois grupos Abelianos, com identidades eA e eB (e cujas operações de produto de-
notaremos ambas pelo mesmo sı́mbolo “+”). Desejamos encontrar uma maneira de fazer do produto
Cartesiano A × B um grupo também. Uma maneira de fazer isso é definir a “soma” de dois pares
ordenados (a, b), (a0 , b0 ) ∈ A × B por
O leitor pode facilmente constatar que essa operação é uma operação binária de A × B em si mesmo,
que ela é associativa, que tem por elemento neutro o par (eA , eB ) e que para cada (a, b) ∈ A × B
a inversa é (a, b)−1 = (−a, −b), onde −a é o elemento inverso de a em A, e analogamente para −b.
Portanto, com esse produto, A × B é um grupo.
Com essa estrutura, facilmente se verifica que A × B torna-se um grupo Abeliano, denominado
soma direta de A e B ou produto direto de A e B 37 e denotado pelo sı́mbolo A ⊕ B. Com essa estrutura
de grupo em mente, os pares ordenados (a, b) são freqüentemente denotados pelo sı́mbolo a ⊕ b.
Sejam U e V dois espaços vetoriais em relação a um mesmo corpo que, sem perda de generalidade,
consideraremos doravante como sendo o corpo dos complexos. U e V são dois grupos Abelianos em
relação às respectivas operações de soma de vetores. Assim, pela construção acima, podemos definir o
grupo U ⊕ V . Esse objeto ainda não tem uma estrutura de espaço vetorial (sobre os complexos), pois
não dissemos como definir o produto de um elemento de U ⊕ V por um escalar α ∈ . Isso é feito da
E. 1.82 Exercı́cio. Constate que, com essa definição, U ⊕ V torna-se um espaço vetorial, ou seja,
verifique que são válidos os postulados da definição formal de espaço vetorial dados à página 55. 6
Esse espaço vetorial que denotaremos por U ⊕ V , é denominado soma direta dos espaços U e V
ou produto direto38 de U e V .
37
A distinção entre produto direto e soma direta só se faz quando uma coleção não-finita de grupos é envolvida. Vide
Seção 1.5.5.
38
A distinção entre produto direto e soma direta só se faz quando uma coleção não-finita de espaços vetoriais é
envolvida. Vide Seção 1.5.5.
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E. 1.83 Exercı́cio. Mostre que com as regras de soma dadas acima todos os pares (e A , b) e (a, eB )
são identificados entre si e com o elemento neutro da operação de soma de pares ordenados. Fora isso, o
elemento inverso de um par (a, b) é (−a, b) = (a, −b). Mostre que, com isso, A ⊗ B é um grupo Abeliano,
denominado Produto Tensorial dos Grupos Abelianos A e B. 6
Com essa estrutura de grupo em mente, os pares ordenados (a, b) são freqüentemente denotados
pelo sı́mbolo a ⊗ b.
Sejam U e V dois espaços vetoriais em relação a um mesmo corpo que, sem perda de generalidade,
consideraremos doravante como sendo o corpo dos complexos. U e V são dois grupos Abelianos em
relação às respectivas operações de soma de vetores. Assim, pela construção acima, podemos definir o
grupo U ⊗ V . Esse objeto ainda não tem uma estrutura de espaço vetorial (sobre os complexos), pois
não dissemos como definir o produto de um elemento de U ⊗ V por um escalar α ∈ . Isso é feito da
E. 1.84 Exercı́cio. Constate que, com essa definição, U ⊗ V torna-se um espaço vetorial, ou seja,
verifique que são válidos os postulados da definição formal de espaço vetorial dados à página 55. 6
Esse espaço vetorial que denotaremos por U ⊗ V , é denominado produto tensorial dos espaços U
e V.
Vamos agora tentar formalizar as noções que apresentamos acima, apresentando suas definições
matemáticas precisas. O leitor que acredita ter entendido o que apresentamos acima pode dispensar-se
de ler o restante da presente seção.
Uma noção importante que usaremos adiante é a de grupo Abeliano livremente gerado por um
conjunto X. Seja X um conjunto. Seja F (X) a coleção de todas as funções de suporte finito de X
em . É fácil ver que F (X) tem naturalmente uma estrutura de grupo Abeliano, definindo, para f ,
f 0 ∈ F (X) o produto de f e f 0 como sendo o elemento f f 0 = (f + f 0 ) de F (X) dado por
para todo x ∈ X. É claro que esse (f + f 0 ) tem suporte finito. O elemento neutro e de F (X) é
claramente a função identicamente nula. Pelo fato de F (X) ter essa estrutura natural de grupo F (X)
é denominado grupo Abeliano livremente gerado pelo conjunto X.
Para x ∈ X vamos denotar por δx a função caracterı́stica de x:
1, se y = x
δx (y) := . (1.31)
0, se y 6= x
Claramente δx ∈ F (X). Dado que cada f ∈ F (X) tem suporte finito, pode-se escrevê-lo da forma
N
X
f = a n δ xn , (1.32)
n=1
onde fica, por assim dizer, subentendido que aqui os xn ’s representam não os elementos de X mas sim
suas funções caracterı́sticas (X pode ser um conjunto qualquer, de modo que operações como soma de
elementos de X ou multiplicação de elementos de X por um inteiro podem não serem sequer definidas).
É fácil verificar que F (X) é um grupo Abeliano livre (daı́ seu nome), o que quer dizer que não há em
F (X) nenhuma relação não trivial entre seus elementos, a não ser aquela que lhe confere Abelianidade:
f f 0 f −1 f 0 −1 = e.
Vamos passar agora a uma construção muito importante, a de grupo Abeliano livremente gerado
por um conjunto módulo relações. Vamos apresentar essa construção de forma bem geral.
Seja J um conjunto (em princı́pio arbitrário) de ı́ndices e sejam então, para cada j ∈ J, elementos
de F (X) dados por
n(j)
X
rj = αj, i xj, i (1.34)
i=1
onde, para cada j ∈ J, n(j) ∈ e, para todo j ∈ J e i ∈ {1, . . . , n(j)}, tem-se αj, i ∈ e xj, i ∈ X com
xj, i 6= xj, i0 se i 6= i0 . Denotamos R := {rj , j ∈ J}. Os elementos de R serão chamados “relações”.
Seja então R o subgrupo de F (X) formado por todos os elementos de F (X) que são combinações
lineares finitas de rj ’s com coeficientes em :
Vamos ilustrar as definições e construções acima apresentando as definições de soma direta e produto
tensorial de dois grupos Abelianos e, em seguida, de dois espaços vetoriais. As definições de acima são
particularmente relevantes para o conceito de produto tensorial.
Sejam A e B dois grupos Abelianos cujo produto de grupo denotaremos aditivamente: com o
sı́mbolo +. Seja X = A × B. Seja em F (X) = F (A × B) o conjunto R de relações dado por
Sejam U e V dois espaços vetoriais (sobre ). Como U e V são dois grupos Abelianos, o grupo
Abeliano U ⊕ V está definido pelo procedimento acima. Isso, entretanto, ainda não faz de U ⊕ V um
espaço vetorial.
Para isso é preciso definir o produto de um escalar por um elemento de U ⊕ V . Definimos então o
produto de um escalar α ∈ por um elemento u ⊕ v ∈ U ⊗ V como sendo o elemento (αu) ⊕ (αv), ou
seja,
α(u ⊕ v) := (αu) ⊕ (αv).
É fácil constatar que, com essa definição, U ⊕ V torna-se um espaço vetorial (vide a definição formal
de espaço vetorial à página 55), que denotaremos por U ⊕ V . O assim definido espaço vetorial U ⊕ V
é denominado a soma direta dos espaços vetoriais U e V sobre o corpo .
Sejam A e B dois grupos Abelianos cujo produto de grupo denotaremos aditivamente: com o
sı́mbolo +. Seja X = A × B. Seja em F (X) = F (A × B) o conjunto R de relações dado por
Sejam U e V dois espaços vetoriais (sobre ). Como U e V são dois grupos Abelianos, o grupo
Abeliano U ⊗ V está definido pelo procedimento da última sub-seção. Isso, entretanto, ainda não faz
de U ⊗ V um espaço vetorial. Para isso tomemos X = U ⊗ V e consideremos o sub-espaço de F (X)
definido por
Como antes, seja R = R(U ⊗ V ) o subgrupo gerado por R. Definimos agora um novo grupo Abeliano
U ⊗ V como U ⊗ V := F (U ⊗ V )/R(U ⊗ V ).
U ⊗ V é por ora apenas mais um grupo Abeliano, mas podemos adicionar-lhe uma estrutura de
espaço vetorial da seguinte forma.
Primeiramente é preciso definir o produto de um escalar por um elemento de U ⊗ V . Para elementos
da forma u ⊗ v com u ∈ U e v ∈ V , definimos então o produto α(u ⊗ v), para α ∈ por
n
X n
X
= ck (αuk ) ⊗ vk = ck uk ⊗ (αvk ).
k=1 k=1
É fácil constatar que, com essa definição, U ⊗ V torna-se um espaço vetorial (vide a definição
formal de espaço vetorial à página 55), que também denotaremos por U ⊗ V . O assim definido espaço
vetorial U ⊗ V é denominado produto tensorial dos espaços vetoriais U e V sobre o corpo .
Vamos aqui a uma definição que nos será importante. Sejam M e N dois bimódulos sobre uma
álgebra associativa A, ambos supostos serem espaços vetoriais sobre o corpo dos complexos. Conforme a
sub-seção anterior podemos definir o espaço vetorial M ⊗ N . Entretanto, em muitos casos é necessário
definir um outro tipo de produto tensorial entre M e N .
Para tal seja X = M ⊗ N e definamos em F (X) o conjunto de relações
M ⊗A N := F (M ⊗ N )/R(M ⊗ N ). (1.40)
Faremos uso freqüente desse produto tensorial adiante. O mais importante para nós será a identi-
dade (ma) ⊗A n = m ⊗A (an) válida em todo M ⊗A N para todo a ∈ A.
ppossui um subgrupo importante, aquele formado por elementos ×a∈J ga ∈ p onde apenas um
número finito de ga ’s é distinto da identidade ea doM
respectivo grupo Ga . Esse subgrupo é dito ser a
soma direta dos Gi ’s , i ∈ J e é denotado por s = Gi .
i∈J
como grupo Abeliano. s pode ser feito um espaço vetorial definindo-se, para um escalar genérico α ∈ ,
s.
Um caso especial que irá nos interessar é o seguinte: seja M um bimódulo sobre uma álgebra
associativa A e tomemos J = e Vn = M ⊗A n ≡ M ⊗A · · · ⊗A M . O exposto acima permite definir a
| {z }
M n vezes
soma direta M ⊗A n .
n∈
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(b ⊗ c) · a := b ⊗ (ca). (1.45)
Deixa-se ao leitor verificar a associatividade dos produtos de bimódulo nesse caso. Defina-se
δ(a) := a ⊗ e − e ⊗ a. (1.46)
Deixa-se ao leitor verificar a validade da regra de Leibniz nesse exemplo. Note-se também que, por
essa definição, δ(e) = 0.
Exemplo 2. Seja A uma álgebra sobre com unidade e e M = A ⊗ A com os seguintes produtos
de bimódulo:
a · (b ⊗ c) := (ab) ⊗ c, (1.47)
a + b0 + p = a0 + b + p. (1.50)
Vamos mostrar que isso define de fato uma relação de equivalência. Em primeiro lugar é claro que
(a, b) ∼ (a, b) para qualquer par (a, b) ∈ S 2 = S × S, dado que aqui, para verificar (1.50), basta tomar
qualquer elemento p ∈ S. Em segundo lugar é evidente que se (a, b) ∼ (a0 , b0 ) então (a0 , b0 ) ∼ (a, b).
Finalmente, vamos mostrar que se (a, b) ∼ (c, d) e (c, d) ∼ (e, f ) então (a, b) ∼ (e, f ). Por hipótese
existem p e p0 ∈ S tais que
a+d+p=b+c+p e c + f + p 0 = d + e + p0 .
(a + d + p) + (c + f + p0 ) = (b + c + p) + (d + e + p0 ),
ou seja, que
a + f + p00 = b + e + p00 ,
onde p00 = d + c + p + p0 . Essa relação diz precisamente que (a, b) ∼ (e, f ), completando a prova de
que temos assim uma relação de equivalência em S 2 .
Vamos então considerar agora o conjunto K(S) := S 2 / ∼ de todas as classes de equivalência defi-
nidas acima. Vamos construir em K(S) uma estrutura de grupo Abeliano, cujo produto denotaremos
por +. Dadas duas classes [(a, b)] e [(c, d)] definimos
para todo a, b, c, d ∈ S.
A primeira coisa a fazer é mostrar que essa definição independe dos elementos tomados nas classes.
Para isto basta provar que se (a0 , b0 ) ∼ (a, b) então (a + c, b + d) ∼ (a0 + c, b0 + d). Se (a0 , b0 ) ∼ (a, b)
então existe p ∈ S tal que
a + b0 + p = a0 + b + p.
40
Alexander Grothendieck (1928-).
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(a + c) + (b0 + d) + p = (a0 + c) + (b + d) + p
Para provar a existência de inversa notemos que para cada par (a, b) ∈ S 2 podemos tomar [(a, b)]−1 :=
[(b, a)] pois
[(a, b)] + [(a, b)]−1 = [(a, b)] + [(b, a)] = [(a + b, a + b)] = e .
Isso mostrou que K(S) tem uma estrutura de grupo Abeliano. Este é o chamado grupo de Grothen-
dieck associado ao semi-grupo Abeliano S.
Como de costume, denotaremos [(a, b)]−1 por −[(a, b)]. Assim, −[(a, b)] = [(b, a)].
E. 1.85 Exercı́cio. Seja o monóide Abeliano dos números naturais contendo o 0 com a soma usual.
Mostre que K( ) ' . 6
O exercı́cio acima indica a possibilidade de se definir os números inteiros a partir dos naturais.
Os inteiros seriam, por definição, o grupo de Grothendieck do monóide Abeliano dos naturais com a
operação de soma usual.
E. 1.86 Exercı́cio. Seja o monóide Abeliano 1 dos números naturais maiores ou iguais a 1 com o
produto dado pela multiplicação usual. Mostre que K( 1 ) ' + , o grupo dos racionais positivos (sem o
zero) com o produto dado pela multiplicação usual. 6
O exercı́cio acima indica a possibilidade de se definir os números racionais positivos a partir dos
naturais. Os racionais seriam, por definição, o grupo de Grothendieck do monóide Abeliano dos naturais
com a operação de produto usual.
Para cada elemento a de um monóide Abeliano M podemos associar um elemento de K(M ) por
M 3 a 7→ [a] := [(a, 0)] ∈ K(M ). É fácil ver que todo elemento [(a, b)] de K(M ) pode ser escrito da
forma [(a, b)] = [a]−[b] e que [a]−[b] = [a0 ]−[b0 ] se e somente se existir p ∈ M com a+b0 +p = a0 +b+p.
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1.6.2 Grupóides
Um grupóide é definido da seguinte forma. É dado um conjunto C e um subconjunto C0 ⊂ C, o qual
é a imagem de duas funções unárias p e c (chamadas de “partida” e “chegada”), ou seja, p : C → C 0 ,
c : C → C0 . Os elementos de C0 são pontos fixos de p e de c, ou seja,
c(α) = α e p(α) = α
para todo α ∈ C0 (aqui denotaremos os elementos de C por letras gregas).
Define-se em C × C um subconjunto (ou seja, uma relação em C), que denotaremos por RC , da
seguinte forma:
RC := {(α, β) ∈ C 2 | p(α) = c(β)}.
É também dada uma função binária RC → C, que denotaremos por “·” e que denominaremos
“produto”, a qual satisfaz as seguintes hipóteses:
Fora isso, existe para cada α ∈ C uma assim chamada inversa bilateral α −1 ∈ C a qual satisfaz
α · α−1 = c(α) e α−1 · α = p(α). Note que, por essa definição, tem-se que, para todo α0 ∈ C0 ,
α0 · α0−1 = α0−1 · α0 = α0 .
Estes ingredientes definem um grupóide. Note-se que um grupóide não necessariamente contém um
“elemento neutro” (vide exemplos).
Exemplo. Caminhos. Este exemplo é um protótipo da definição de grupóide acima, ou seja, aquela
possivelmente foi criada tendo o mesmo como exemplo-guia.
Seja I o intervalo fechado [0, 1] e vamos considerar o conjunto C de todas as funções contı́nuas de
I em um espaço topológico Hausdorff qualquer (por exemplo 2 ). Um elemento γ de C é uma curva
orientada contı́nua em 2 que tem um ponto de partida γ(0) e um ponto de chegada γ(1).
Podemos introduzir uma relação de equivalência em C da seguinte forma: duas curvas α e β ∈ C
são equivalentes (α ∼ β) se existir uma bijeção contı́nua b : I → I com b(0) = 0, b(1) = 1, tal que
α = β ◦ b. Vamos denominar por C as classes de equivalência de C pela relação de equivalência acima:
C := C/ ∼.
O conjunto C0 é o subconjunto de C formado pelas classes de equivalência de curvas constantes:
[α] ∈ C0 ⇐⇒ α(t) = α(t0 ), ∀t, t0 ∈ I.
Definimos as funções unárias p e c da seguinte forma: p([γ]) é a classe de equivalência da curva
constante que a todo t ∈ I associa o ponto γ(0) de 2 , o ponto de partida de γ; c([γ]) é a classe de
equivalência da curva constante que a todo t ∈ I associa o ponto γ(1) de 2 , o ponto de chegada de γ.
JCABarata. Curso de Fı́sica-Matemática Versão de 13 de dezembro de 2005. Capı́tulo 1 88/1355
Dados dois elementos em C queremos agora definir o seu produto. A idéia a ser seguida é que o
produto de duas curvas é definido apenas quando o ponto de chegada da primeira coincide com o ponto
de partida da segunda e resulta em uma curva única unindo o ponto de partida da primeira com o
ponto de chegada da última. Matematicamente isso é feito definindo-se o produto [β] · [α] como sendo
a classe de equivalência da curva β ∗ α definida pela composição
α(2t), para 0 ≤ t ≤ 1/2
β ∗ α(t) := .
β(2t − 1), para 1/2 < t ≤ 1
Claramente β ∗ α só é um elemento de C (ou seja, uma curva contı́nua) se α(1) = β(0).
Por fim a inversa bilateral de [α] é definida como sendo a classe [α −1 ], onde α−1 (t) = α(1 − t).
Deixamos para o leitor como exercı́cio mostrar que a estrutura definida acima é a de um grupóide.
Notemos que para a composição ∗ acima não vale a associatividade: (α ∗ β) ∗ γ 6= α ∗ (β ∗ γ), se
ambos os lados estiverem definidos (por que?). No entanto, as curvas (α ∗ β) ∗ γ e α ∗ (β ∗ γ) são
equivalentes no sentido da definição acima e de tal forma que para o produto “·” definido nas classes
C vale a associatividade [α] · ([β] · [γ]) = ([α] · [β]) · [γ], se ambos os lados estiverem definidos (por
que?). Essa é a razão de termos feito a construção nas classes C e não diretamente em C. Esse fato
já deve ser familiar ao leitor que conheça o conceito de grupo de homotopia de espaços topológicos.
O grupóide apresentado acima e o grupo de homotopia são, aliás, fortemente aparentados e ao leitor
sugere-se pensar sobre qual a conexão entre ambos.
Exemplo. Relações de equivalência. Seja K um conjunto no qual haja uma relação de equivalência
R ⊂ K × K. Tomamos C = R e C0 = {(x, x), x ∈ K} ⊂ R. Definimos
1.6.3 Quatérnions
Vamos nesta seção tratar brevemente de um tipo de álgebra que possui algumas aplicações interessantes
na teoria de grupos e outros lugares, a chamada álgebra dos quatérnions.
Dado um espaço vetorial como 2 há várias maneiras de definir no mesmo um produto de modo a
fazer do mesmo uma álgebra. Por exemplo, podemos definir em 2 o produto
verdade, os números complexos são definidos como sendo a álgebra 2 com o produto (1.52)!).
3
Em podemos definir igualmente vários tipos de produtos, tais como o produto
que não é nem associativo nem comutativo. O produto (1.53) faz de 3 uma álgebra isomorfa a
⊗ ⊗ (três cópias da álgebra dos reais). O produto (1.54) faz de 3 uma álgebra isomorfa a ⊗
(x0 , x1 , x2 , x3 ) · (y0 , y1 , y2 , y3 ) =
(x0 y0 −x1 y1 −x2 y2 −x3 y3 , x0 y1 +y0 x1 +x2 y3 −x3 y2 , x0 y2 +y0 x2 +x3 y1 −x1 y3 , x0 y3 +y0 x3 +x1 y2 −x2 y1 ).
(1.59)
41
William Rowan Hamilton (1805-1865). W. R. Hamilton foi também o inventor do chamado formalismo Hamiltoniano
da Mecânica Clássica.
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O espaço vetorial 4 dotado do produto acima é denominado álgebra dos quatérnions ou álgebra
quaterniônica e é denotada freqüentemente por . A álgebra é associativa mas não é comutativa.
tem uma unidade, a saber, o vetor (1, 0, 0, 0) ∈ 4 .
Há uma maneira melhor de representar o produto quaterniônico que a expressão (1.59). Vamos
escrever os vetores da base canônica de 4 como
4
1. e0 é a unidade da álgebra: x · e0 = e0 · x = x para todo x ∈ .
4. e1 e2 = e3 , e2 e3 = e1 e e3 e1 = e2 .
Além de ser de manipulação mais simples, essas regras permitem representar a álgebra quaterniônica
de um modo talvez mais familiar, a saber, em termos de certas matrizes complexas 2 × 2.
onde z é o complexo conjugado de z ∈ . É fácil de se ver que o conjunto de todas as matrizes dessa
Existe um isomorfismo entre a álgebra dos quatérnions e essa álgebra de matrizes 2 × 2. Basta
associar (bijetivamente!) a cada quádrupla (x0 , x1 , x2 , x3 ) a matriz M (x0 + ix3 , x2 + ix1 ):
x0 + ix3 x2 + ix1
x = (x0 , x1 , x2 , x3 ) ←→ =: M (x). (1.60)
−x2 + ix1 x0 − ix3
É fácil verificar então (faça!) que o produto quaterniônico é respeitado por essa associação:
com
M (e0 ) = , M (e1 ) = iσ1 , M (e2 ) = iσ2 , M (e3 ) = iσ3 ,
onde
1 0
=
0 1
e
0 1 0 −i 1 0
σ1 = , σ2 = e σ3 =
1 0 i 0 0 −1
são as chamadas matrizes de Pauli42 , que satisfazem
• Sub-álgebras Abelianas
4
E. 1.94 Exercı́cio. Mostre o mesmo para 2 := {x ∈ , x = x0 e0 + x2 e2 = (x0 , 0, x2 , 0)} e
4
3 := {x ∈ , x = x0 e0 + x3 e3 = (x0 , 0, 0, x3 )}. 6
42
Wolfgang Pauli (1900-1958).
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E. 1.95 Exercı́cio. Será possı́vel fazer de 4 um espaço vetorial complexo? Seja α ∈ e considere para
x ∈ 4 o produto do escalar α pelo vetor x definido por
α · x = (Re(α)e0 + Im(α)e1 ) · x,
onde o produto do lado direito é o o produto quaterniônico. Mostre que isso faz de 4 um espaço vetorial
sobre o corpo dos complexos. Para isto verifique as propriedades definidoras de um espaço vetorial listadas
à página 55. 6
E. 1.96 Exercı́cio. No exercı́cio anterior há outros produtos do escalar α pelo vetor x que podem ser
considerados:
α · x = (Re(α)e0 + Im(α)e2 ) · x,
ou
α · x = (Re(α)e0 + Im(α)e3 ) · x,
ou mesmo
α · x = x · (Re(α)e0 + Im(α)e1 )
4 4
etc. Mostre que todos esses seis produtos de escalares α ∈ por vetores x ∈ fazem de um espaço
vetorial sobre o corpo dos complexos. 6
• é um anel de divisão
É fácil ver que a álgebra dos quatérnions é um anel de divisão (vide página 61), ou seja, todo
x ∈ 4 , x 6= 0, tem uma inversa em relação ao produto quaterniônico. Do isomorfismo M definido em
(1.60) acima vê-se que
det(M (x)) = det (M (x0 + ix1 , x2 + ix3 )) = (x0 )2 + (x1 )2 + (x2 )2 + (x3 )2
x = x 0 e0 − x 1 e1 − x 2 e2 − x 3 e3
Note que por ser um anel de divisão, não tem divisores de zero: x · y = 0 se e somente se x = 0
ou y = 0.
• Norma Quaterniônica
N (a · b) = N (a)N (b)
N (x) = x · x
Há um teorema devido a Hurwitz45 que afirma que há apenas quatro álgebras que são álgebras de
divisão46 e possuem uma norma algébrica: , , e a chamada álgebra dos octônions, da qual não
44
Vide nota de rodapé 43, página 92.
45
Adolf Hurwitz (1859-1919).
46
Vide definição à página 61