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Da Comemoração Total à

Preservação do Essencial
- Algumas considerações sobre a Memória na sociedade
moderna -

Q ue nos resta para recordar na anunciada aurora do fim dos tempos? Que mais vãs
ou forjadas vozes do passado evocarão os poderes para justificarem os meios e os
fins de quaisquer actos? Qual é, pois, a fronteira, ou melhor, quais os limites da
memória humana?
Se, por um lado, constantemente, aqui e ali, se constroem edifícios do saber sob
a capa dessas memórias, usando e abusando do passado, por outro lado, vivemos na
sociedade do aqui e do agora, da aceleração do tempo até ao infinito. Com feito,
existem, na sociedade hodierna, duas atitudes antagónicas para com a Memória e o
Esquecimento: uma idolatra-a e para ela transfere a responsabilidades das acções
humanas; a outra tende a esboroar a necessidade de memória, como se o Homem fosse,
por natureza, um ser amnésico. Ora, se somos esse ser amnésico, temos necessidade,
fome de memória, porque ela é um dos elementos que definem a nossa identidade.
Para Todorov, a Memória assume-se como problema da relação do passado com
o presente.1 Por isso, todos os discursos de poder desenvolvem para com ela uma atitude
vigilante. Se os totalitarismos controlavam a Memória, forjando no passado as razões de
ser da nova ordem social; as democracias evocam o “dever da memória”, idolatrando de
tal modo o passado que se esquecem de esquecer. No entanto, a memória é, também
para Todorov, processo interactivo entre a recordação e o esquecimento e nunca um
simples acumular de dados.2 Definindo assim Memória, ele irá depois sustentar que esta
é a vida do passado no presente – ou seja a memória humana torna-se expressão
ontológica do próprio passado no presente. As democracias liberais não têm uma a
atitude clara para com o passado, obliteram o esquecimento e a superabundância de

1
cf. Todorov, Tzvetan, Les Abus de la Memórie., pp. 145
2
cf. Todorov, Tzvetan, Les abus de la Mémoire, pp. 14
informação que proporcionam conduzirá a um apocalíptico “régne de l’oublie”.3 Os
comemorativismos, de hoje em dia, constituirão, neste sentido, um passo para esse
“reino do esquecimento” já que, ao tudo comemorar-mos, a memória deixa de o ser, por
se eliminar a escolha voluntária do processo memorativo. Todorov chega a ironizar com
esta situação, afirmando que os dias do calendário serão esgotados com tanta
comemoração.4
Para além disso, a Memória assume um papel estruturante de toda a actividade
humana. Das chamadas “ciências da memória” (História e Geografia), passando pela
Arte, às fundações da nossa noção de cultura, a Memória, enquanto elemento
mediatizante do passado, está presente. Daí que seja também estrutural nos discursos de
poder e, simultaneamente, fonte desse poder.5.
Contudo, o dever da memória não é, para Todorov, nem baseado numa noção
ancestral de justiça, nem no culto bacoco da ritual comemoração de um passado total.
Esse dever está axiologicamente consagrado ao Bem. Ou seja, Memória e Esquecimento
deverão ser expressão do passado no presente, evocada com o propósito final da Justiça.
O trabalho do Historiador será dirigido, não para a Verdade, mas para o Bem que surge
como valor universal.6
Por mais que concordemos com esta noção de dever da memória, muito criada à
custa do Holocausto e do Gulag, não podemos concordar com o desvirtuar do labor
historiográfico. O discurso da História está, para nós, subordinado ao valor de Verdade
e a busca do passado não pode submeter-se a qualquer outra perspectiva axiológica que
não essa, sob pena sairmos do campo da historiografia para caminharmos nas águas
turvas da ficção. Fazer da recordação um dever moral de justiça, será também
transformar o Historiador no polícia dessa memória e orientar a História para um fim
que implica o deturpar do passado. Desse modo, por melhores que fossem as nossas
intenções, cairíamos num novo abuso da memória. Só a Verdade poderá constituir
limite ético do discurso historiográfico, sem o comprometer com um determinado
objectivo social, político ou outro. Por outro lado, como sustenta Marc Auge, para além
do dever da memória, falemos antes no dever do esquecimento como a fuga necessária

3
cf. idem, ibidem, pp. 13
4
cf. idem, ibidem, pp. 51
5
cf. idem, ibidem, pp. 17 a 22
6
cf. idem, ibidem, pp. 50
para o presente. E será à luz desse presente que deveremos equacionar o lugar e o papel
da Memória nas sociedades humanas.7
Como se torna evidente, a busca da preservação da totalidade do passado
precipitar-nos-ia num culto nefelibata da Memória, hipotecando o próprio futuro das
sociedades. Daí recusarmos liminarmente aquele comemorativismo fanático evocado
por Todorov, bem como todas as ânsias de uma “História Total”. Tal como a Memória,
a História resulta sempre de escolhas e, em última análise, fazer História é manipular
informação. Para além disso, qualquer relação saudável com o Passado assenta, como já
vimos, segundo Marc Augé, não só no “dever da Memória”, mas também na intrínseca
“necessidade de esquecimento”. Logo, qualquer política de preservação patrimonial
terá de assentar nestas duas premissas essenciais, ou seja, do ponto de vista das políticas
patrimoniais, as ânsias de tudo preservar constituem apenas reflexos da referida
comemoração total, que pretende a reconstituição integral da Memória, à custa do
Esquecimento, traduzindo-se, em última análise, na deturpação do próprio passado –
porque, tal como é impossível lembrar tudo, comemorar tudo, também certamente será
preservar tudo. De facto, a preservação do passado, e logo da Memória, pressupõe
sempre a excepcionalidade, a monumentalidade do que entendemos salvaguardar e será
ligado a essa noção de quase raridade que o próprio passado se assume como um valor a
salvaguardar. Mais uma vez, seremos forçados a fazer escolhas, escolhas que serão
sempre resultado de fundamentação científica, mas são escolhas, e ao preservarmos,
muitas vezes, escolhemos um passado em vez do outro, esta memória em vez daquela.
Importa, contudo, frisar que as escolhas deverão ser conscientes, assumindo que
passado queremos efectivamente preservar. Este será em nosso entender o ponto de
equilíbrio entre “dever da Memória” e “necessidade de esquecimento”.
A preservação do essencial será o cumprir do “dever de memória” nas
sociedades humanas. Desta forma, os maiores desafios que se nos colocam,
actualmente, são o descortinar, não só de qual o passado a preservar, nessa lógica de
preservação do essencial, mas sobretudo que presente preservar, já que este nosso
presente será, inexoravelmente, o passado a salvaguardar das gerações vindouras.

José Miguel Raimundo Noras

7
cf. Augé, Marc, As Formas de Esquecimento.., pp. 103 a 106

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