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Filipa I. Albuquerque
2009
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este género de pássaros criam em gaiolas mui bem feitas para cantarem, e têm
macho da fêmea, de maneira que se sintam mas não se vejam; e assim se desfaz o
O Oriente não existe ali, como uma realidade fixa e imutável, “um facto inerte”1,
estabelecido para sempre pela imobilidade do lugar que se situa a oriente. Desde logo
porque os lugares são relativos. Os territórios são o que são em função do lugar que
poderiam chamar oriente ao sítio que agora designamos por Ocidente. No entanto, se
Porque haveria um nós e um eles. E acima de tudo, não iria alterar esta perspectiva
fundamental: é que esses lugares geográficos são construções dos homens, ou de alguns
homens que possuem legitimidade para nomear e justificar essa nomeação. Mais do que
um sítio, “o Oriente é uma ideia que tem uma história e uma tradição de pensamento, de
1
Edward W. SAID, Orientalismo, Lisboa, Edições Cotovia, 2004, p. 5.
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imagens, e um vocabulário que lhe deram uma realidade e uma presença no e para o
Ocidente. As duas entidades geográficas, pois, apoiam-se, e até certo ponto reflectem-se
uma na outra”2.
lugar que foi sendo inventado pelo Ocidente, como elemento que, por contraposição,
como a imagem que o espelho elaborado pelo Ocidente é devolvido a este, quando se
contempla ao espelho e se deixa levar pela sua imaginação efabuladora. Mas não é
se dessa construção e esta construção legitima (ou pretende legitimar) essa dominação.
diferentes; por outro lado, constrói um labirinto onde os dominados se enleiam sem se
determinação.
Com efeito, sendo o orientalismo originado a partir das potências ocidentais, o autor
Oriente que até aos inícios do século XIX tinha significado apenas a Índia e os
2
Ibid.
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Parece-nos que não. A razão dessa diferença de perspectivar o Oriente pode ter a ver
em que Colombo julgou ter chegado à Índia. Por outro lado, a América constituiu-se a
franco-britânicas. Assim sendo, a América deverá olhar o Oriente doutra maneira que os
países europeus, pois a América foi, durante alguns séculos, o Outro da Europa, o
Ocidente do Ocidente, logo, o Oriente, a Índia (ocidental). Poderia, assim, haver uma
Esta perspectiva dum Oriente construído segundo o Ocidente está bem patente,
entre nós, nas descrições que se vão fazendo no âmbito da vastíssima literatura de
viagens a partir do século XVI4. Estas descrições traduzem sobretudo a visão de nós
próprios, porque feitas a partir dos quadros mentais e culturais dos que viajavam e
de recepção e o seu repertório, segundo as suas expectativas, mais aptas a conferir o que
era semelhante que a distanciar-se perante o que era diferente. Marco Pólo, o paradigma
do viajante aventureiro em terras do Oriente, também não fugiria a essa fatalidade pois
“não consegue libertar-se completamente da sua formação cultural e introduz nas suas
3
Edward W. SAID, op. cit., p. 4.
4 Como são o caso de a Verdadeira Informação do Preste João das Índias (1540), do Pe. Francisco
Álvares, o Tratado das Cousas da China (1570), de Frei Gaspar da Cruz, o Itinerário da Terra Santa
(1593), de Frei Pantaleão de Aveiro, a Etiópia Oriental (1609), de Frei João dos Santos, ou o
Itinerário da Índia por Terra (1611), de Frei Gaspar de São Bernardino.
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orientais.” 5 Desse modo fica explicada a visão dos Europeus sobre o Oriente: “eles
maravilhada. A impressão que deixou no imperador é medida pelo efeito que causou: o
rouxinol cantou tão bem que vieram as lágrimas aos olhos do imperador, pois o seu
canto foi-lhe direito ao coração. O chefe máximo do grande Império do Meio, apesar de
habituado às mais frias e violentas deliberações políticas que muitas vezes deve ter
comover pelo canto dum simples e frágil pássaro. A própria ave reconhece esse facto,
ao sentir-se recompensada pelas lágrimas dum homem tão poderoso. Por outro lado, a
que na parte final da história irá tomar em relação ao rouxinol. De qualquer modo,
quando o imperador ouve pela primeira vez o rouxinol no seu palácio, cuja decoração
corresponde ao imaginário ocidental e nada tem a ver com as instalações reais dos
imperadores chineses, opta por ficar com o rouxinol. Este passaria a ter a sua própria
gaiola, bem como a liberdade de passear cá fora duas vezes por dia e uma vez de noite.
Para isso, o rouxinol, recebeu doze criados que o prendiam com uma fita de seda à volta
das pernas, segurando-o bem firme. Porém, não era nenhum prazer esse passeio! No
palácio. Até que o imperador recebe uma encomenda enviada pelo imperador do Japão:
ele cantava cada uma das peças que o outro rouxinol cantava. Depois de cantarem em
5
Rafaella d’INTINO, Enformação das Cousas da China: Textos do Século XVI, Lisboa, Imprensa
Nacional‐Casa da Moeda, 1989, pp. XVI‐XVII.
6
Ibid.
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dueto sem sucesso, o rouxinol artificial vai acabar por cantar sozinho e ter grande
sucesso, pois além de cantar como outro, era agradável à vista, com o brilho intenso de
todas as pedras preciosas que o revestiam. Até que o rouxinol que viera da floresta
acaba por fugir. Mas ninguém o lamenta: o rouxinol artificial apresenta muitas
vantagens: canta sem se cansar e, além disso, não é imprevisível como o outro. Até que
conseguirão consertá-lo, pelo que, com grande pena de todos, o rouxinol apenas poderá
cantar uma vez por ano. Passaram alguns anos e o imperador adoeceu gravemente.
Rígido e pálido, o imperador jazia no seu leito doirado quando a Morte lhe apareceu
sobre o peito, com quem começará a prestar contas. Esta fase moribunda só será
interrompida pelo maravilhoso canto do rouxinol verdadeiro que, com a sua presença e
pedirá ao rouxinol para, definitivamente, ficar no palácio, mas em vão: o rouxinol gosta
mais do coração do imperador do que da sua coroa e prefere voar para junto da floresta
e das pessoas humildes. O rouxinol prefere voltar apenas quando disso tiver vontade.
Neste original conto, Andersen confronta dois planos distintos: dois rouxinóis, o
coloca em paralelo a vida no palácio e a vida na floresta, cantar juntos das cortesãs e
seu simulacro mecânico anda ao arrepio do que se assistira após a revolução industrial e
decorado, uma floresta acolhedora (onde o canto do rouxinol soaria melhor, como ele
avisa), um passarinho que canta sobre a gente feliz e sobre aqueles que sofrem. Um
mundo desejável: este mundo do imperador chinês amado pelo seu povo é o ocidente
desejado por aqueles que temem a revolução social. O mundo do imperador chinês
generoso.
maravilhoso, estaria a pensar na cantora lírica sueca Jenny Lind, conhecida como o
orientalistas, as suas descrições teriam menos a ver com o império chinês e o oriente em
geral do que com o nosso mundo. Só que dessa maneira, ocultando, damos melhor a ver
Filipa Albuquerque
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Bibliografia
ANEXOS
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