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67-73, 2000
ARTIGO
DE REVISÃO
Fortalecimento muscular
e condicionamento físico
em hemiplégicos
RESUMO
Estudos da literatura demonstram um agravamento do déficit funcional do processo
de envelhecimento pelas manifestações clínicas do Acidente vascular cerebral (AVC),
como fraqueza muscular, descondicionamento e espasticidade. Pacientes hemiplégicos
crônicos submetidos a treinamento de força muscular e condicionamento aeróbico
apresentam melhora da velocidade da marcha, maior capacidade de geração de força,
aumento do VO2 máximo, melhora da performance funcional e da qualidade de vida,
sem, entretanto, alterar o tônus muscular.
UNITERMOS
AVC. Hemiplegia. Condicionamento físico. Fortalecimento muscular. Espasticidade.
SUMMARY
Muscle strengthening and physical conditioning in chronic stroke subjects
Studies found in the literature show an aggravation of the functional decline of the
ageing process due to the clinical manifestations of the Cerebral vascular accident
(CVA), including muscle weakness, deconditioning and spasticity. Chronic hemiplegic
patients submitted to programs of muscle strengthening and physical conditioning
showed improvements in walking speed, in muscle strength, VO2max, functional
performance, and quality of life without adverse effects on the degree of spasticity.
KEYWORDS
CVA. Hemiplegia. Physical conditioning. Muscle strengthening. Spasticity.
Introdução
A população idosa no Brasil vem crescendo amplamente nas
últimas décadas e estima-se que, em 2020, 14% da população brasi-
leira esteja com mais de 65 anos1. Com o envelhecimento populacio-
nal, advêm alterações fisiológicas que podem estar associadas a
patologias crônicas e degenerativas, conduzindo a déficits funcionais
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nas vias existentes, alterações na excitabilidade mielinizadas da parte ventral da medula lombar
dos interneurônios espinhais, hipersensibilidade estão significativamente diminuídos em pacientes
dos receptores e formação de novas sinapses pelo com doenças cerebrovasculares20. Ocorre também
processo de reinervação colateral2,19. Este último uma diminuição significativa da área de seção
mecanismo, apesar de não ser completamente transversa das células do corno anterior da
aceito, poderia ser responsável pelo curso de medula cervical do lado afetado em relação ao
tempo variável em que a espasticidade se lado não afetado e ao grupo-controle20.
desenvolve em pacientes neurológicos19. Existe um déficit de força nos músculos do
A quantificação do grau de espasticidade membro não afetado de indivíduos hemiplégicos
continua sendo um problema de difícil solução, e hemiparéticos em relação aos indivíduos sau-
pelo fato de ser influenciada por fatores como dáveis20,24. Projeções bilaterais do trato corticoes-
ansiedade, depressão, fadiga e/ou temperatura pinhal nos músculos dos membros parecem
ambiente19. Esforços para quantificar os graus de representar um papel importante na fraqueza
espasticidade têm-se concentrado em medidas muscular ipsilateral à lesão do motoneurônio
clínicas subjetivas ou em medidas mais objetivas superior20,25. Estudos eletromiográficos indicam
por meio de métodos eletromiográficos, biome- que o déficit de força muscular deve-se a mu-
cânicos e neurofisiológicos. Entretanto, nenhuma danças estruturais e mecânicas no músculo
medida uniforme foi atingida2. hemiparético, nos tendões e no tecido conectivo
A relação entre espasticidade e função não está que impõem restrição passiva, limitando a
clara5,19. Apesar de haver evidências clínicas de que ativação voluntária do músculo agonista19,23.
a espasticidade limita os movimentos volun- A relação entre espasticidade e fraqueza mus-
tários5,19, observa-se que, à medida em que ocorre cular tem sido relatada como fator de base nos
retorno da função voluntária, a dependência dos déficits da performance funcional em pacientes com
padrões sinérgicos e da espasticidade tende a AVC2. A força muscular do lado parético, ao con-
diminuir5. Parece não haver uma relação direta trário da espasticidade, correlaciona-se com as ati-
entre a performance dos movimentos voluntários e vidades funcionais, principalmente a marcha. A
a hiperatividade do reflexo de estiramento. Entre- força muscular do lado parético, quando avaliada
tanto, correlações entre a capacidade funcional e por medidas de torque e força, relaciona-se posi-
o grau de espasticidade têm sido estabelecidas19. tiva e significativamente com a velocidade da mar-
cha, a cadência, o nível de independência e a
distância26.
Fraqueza muscular
A fraqueza muscular tem sido reconhecida Resistência aeróbica
como fator limitante de pacientes pós-AVC e é
refletida pela incapacidade de gerar força mus- Indivíduos que sofreram AVC apresentam
cular em níveis normais2. Mudanças fisiológicas uma reduzida capacidade aeróbica em relação a
no músculo plégico podem contribuir para o indivíduos saudáveis com idade similar2,18,27. A
déficit de força observado3,12,20,21. Estudos mor- baixa resistência aeróbica observada nestes
fológicos dos músculos esqueléticos de pacientes indivíduos deve-se, provavelmente, a uma dimi-
hemiplégicos têm sugerido que a atrofia muscular nuição do recrutamento de unidades motoras du-
é conseqüente do desuso, da perda dos efeitos rante uma atividade dinâmica, redução da
tróficos centrais, da atrofia neurogênica, do re- capacidade oxidativa dos músculos paréticos e a
pouso excessivo no leito durante a fase aguda do uma diminuição global da resistência aeróbi-
AVC, da perda de unidades motoras, da alteração ca2,17,18. Há um aumento do gasto energético
na ordem de recrutamento e do tempo de disparo durante a realização de atividades de vida diária
das unidades motoras, da alteração na condução e exercícios submáximos2,17,18. O gasto energético
dos nervos periféricos e do estilo de vida seden- necessário para realizar a deambulação de rotina
tário20-22. Entre o 21o e 61o mês após o AVC, o nú- é elevado em aproximadamente 1,5 a 2 vezes nos
mero de unidades motoras funcionantes é indivíduos hemiplégicos comparados com
reduzido em aproximadamente 50% 23. Uma indivíduos-controle saudáveis 16 . Pacientes
explicação para esta perda é a degeneração do tra- hemiplégicos, particularmente aqueles com idade
to corticoespinhal, resultando em alterações trans- avançada, são geralmente incapazes de manter a
sinápticas nos motoneurônios23. As unidades velocidade da marcha de maneira eficaz e
motoras do lado parético são mais fadigáveis, confortável, indicando que a alta demanda
levando a um déficit de resistência23. A área energética da marcha e a pobre resistência aeróbica
fascicular total e o número total das fibras grandes comprometem a mobilidade funcional4,27. A alta
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Recuperação
Uma revisão da literatura indica que quase
toda a recuperação espontânea ocorre durante os
seis primeiros meses e que alguns ganhos subs-
tanciais alcançados após este período seriam atri-
buídos ao aprendizado resultante do processo de
reabilitação2,28. Werner e Kessler28 relataram que
a recuperação neurológica e funcional é mais
rápida dentro dos três primeiros meses, mas
alguns indivíduos continuam esse processo além
deste período. Os estágios da recuperação podem
ser seqüenciais, mas nem todos os pacientes de-
monstrarão uma completa recuperação, poden-
do atingir um platô em qualquer estágio, depen-
dendo da gravidade de seu envolvimento e de
sua capacidade para adaptar-se15. Os métodos de
mensuração dos resultados da reabilitação e recu-
peração espontânea são, muitas vezes, pouco sen-
Figura 1 – Média (± 1 DP) de perfis de tempo de
síveis a pequenas variações do estado funcional recuperação com relação às medidas clínicas e de velocidade
dos pacientes2. Escalas de avaliação funcional da marcha em um grupo de 14 hemiplégicos, utlizando
análises de variância para medidas repetidas seguida
como o índice de Barthel e escores de Fugl-Meyer do teste Post-hoc Scheffe.
mostram um platô precoce durante a recu- Fonte: Teixeira, 19986 3
as tarefas de vestir, banhar e subir escadas, bem II, aumento na ativação neural12,11,38, bem como
como melhora da auto-estima e diminuição dos melhora da função e auto-estima2,3,14,36.
níveis de depressão. Além disso, os ganhos foram A fraqueza muscular do lado parético deve-
mantidos por no mínimo 6 meses após a interven- se, em parte, à desorganização do comando
ção. Dean e Shepherd27 relataram que 2 semanas descendente13. Em pacientes com paresia espás-
de treinamento de alcance em várias direções para tica, a contração concêntrica promove alon-
restauração do equilíbrio assentado em 12 gamento no músculo antagonista, podendo
indivíduos com 1 ano de AVC resultaram no incitar o reflexo de estiramento que irá limitar o
aumento na velocidade e na distância para movimento13,32. Na contração excêntrica, o alon-
alcançar objetos na postura assentada. A melhora gamento do agonista pode levar à ativação do
foi comparada à de indivíduos idosos saudáveis reflexo de estiramento neste músculo, reforçando
com idade similar. o movimento voluntário13,32 . Em pacientes
espásticos a ativação do antagonista em con-
tração excêntrica não difere de indivíduos sau-
Reabilitação dáveis. Já na movimentação concêntrica a di-
ferença é significativa, sendo realçada com o
Os indivíduos que sofrem AVC apresentam aumento da velocidade2,13,19,32. Knutsson et al. 13
déficits de força e condicionamento físico que realizaram um trabalho com 15 pacientes pa-
podem ser modificados por meio de programas raparéticos a fim de comparar o efeito do trei-
de treinamento aeróbico e de fortalecimento mus- namento excêntrico e concêntrico nestes indi-
cular. A atividade física é um componente signifi- víduos. Foi observado um aumento de força no
cativo para manutenção e melhora do estado fun- quadríceps em ambos os treinamentos. Houve
cional e prevenção das incapacidades secundá- um aumento na força de contração concêntrica
rias30. Existem várias formas de intervenção junto de 30% após o treinamento excêntrico, sendo
ao paciente hemiplégico, dentre elas, a teoria maior que o obtido no treinamento con-
neuroevolutiva que visa facilitar os padrões cêntrico12,13. Hakkinem e Komi39 observaram que
normais de movimento e inibir os padrões espás- a utilização de treinamento muscular com-
ticos e estereotipados 31. A reabilitação pelo binando movimentos concêntrico e excêntrico
fortalecimento muscular e condicionamento resulta em maiores ganhos na força muscular e
aeróbico é uma abordagem complementar a ser na performance funcional. Contrações concêntricas
utilizada nesses pacientes. Cabe ao profissional de alta tensão asseguram que os estímulos do trei-
explorar as diferentes formas de intervenção namento alcancem unidades motoras inteiras2.
terapêutica e adequá-las a cada paciente. Contrações excêntricas, por outro lado, influen-
ciam mais eficientemente os componentes elás-
ticos do músculo2,40. Medidas de força muscular
Fortalecimento muscular são indicativos da performance e da função após
o AVC2,3,14,22,41,42. Déficits de força muscular são
A fraqueza muscular é uma das alterações apontados como fatores predisponentes de
mais significativas presentes após o AVC2,3,12- quedas em idosos2,7,8,11,43-47. Medidas objetivas da
14,23,26,32-35
. O fortalecimento muscular não tem sido força de extensores de joelho do lado afetado têm
muito utilizado na reabilitação após o AVC porque sido apontadas como determinantes da velo-
se acreditava que haveria uma interferência na cidade da marcha24,26,41,48,49 e do grau de inde-
coordenação e no timing do controle motor, exacer- pendência em idosos6,8,11,45,47.
bando a restrição imposta pelo músculo espástico A força muscular do lado parético correlacio-
e reforçando os padrões anormais de movimen- na-se significativamente com a performance da
to2,3,12,15. Não há evidências científicas que supor- marcha, cadência, distância caminhada, padrão
tem tal afirmação2,5. Um aumento na força do de marcha e independência em indivíduos que
quadríceps foi associado a mudanças positivas na sofreram AVC2,26,33,41,50. Estudos que avaliaram os
performance da marcha de crianças com diplegia déficits de força nos extensores de joelho, dorsi-
espástica2,36. Um programa de treinamento com flexores e flexores plantares confirmaram sua
resistência progressiva resultou em aumento na correlação com variáveis da marcha2,33,34,41,51,52.
força muscular, mobilidade articular e resistência Aproximadamente 40% do trabalho muscular
em adultos com paralisia cerebral espástica2, entre- requerido na marcha é realizado pelo membro
tanto, nenhum aumento na espasticidade foi afetado35. A relação entre a força do lado não
observado2,3,14,26,32,37. Programas de treinamento de afetado e a performance da marcha não tem sido
força resultam em hipertrofia seletiva e estabelecida, indicando que a melhora após o
significativa das fibras de contração rápida, tipo AVC não pode ser atribuída a um aumento no
112 Teixeira-Salmela, L. F. e cols. – Fortalecimento muscular e condicionamento físico em hemiplégicos
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Figura 2 – Perfis de potência gerada nas articulações do quadril, do joelho e do tornozelo durante a marcha de indivíduos
idosos saudáveis deambulando em velocidade natural (linha cheia), lenta (linha média) e muito devagar (linha fina).
Fonte: Teixeira, 19986 3
necessariamente, gerar maiores níveis de potên- zação dessas tarefas18. Além disso, o trabalho
cia sob ações concêntricas. Porém, Knutssom et. submáximo parece diminuir a freqüência cardíaca
al.13 e Engardt et al. 12 observaram maiores níveis e a pressão arterial em repouso, melhorando o
de força concêntrica após um programa de perfil de risco cardiovascular em indivíduos após
treinamento excêntrico. Considerando que a maio- o AVC18. O aumento da capacidade aeróbica rela-
ria das ações que os indivíduos realizam rotinei- ciona-se com a melhora global da função sensó-
ramente envolve contrações musculares concên- rio-motora, indicando que os benefícios funcionais
tricas, um programa de fortalecimento muscular podem ser relacionados aos efeitos do treinamento
deve conter 15% de treinamento excêntrico, 10% aeróbico e não ao exercício por si só18.
de isométrico e 75% de concêntrico. Tem sido É consenso na literatura os benefícios psico-
demonstrado, em indivíduos normais, que lógicos e a melhora da qualidade de vida advin-
programas de treinamento combinando ações dos da atividade física2,3,14,22. Teixeira-Salmela et
concêntricas e excêntricas geram maiores níveis al.2 aplicou um questionário que avalia a quali-
de força que em ações isoladas2,35,40. dade de vida (Nottingham Health Profile) em 13
Outra forma de realizar o treinamento de indivíduos hemiplégicos crônicos submetidos a
força é por meio do aparelho isocinético, ampla- um programa de condicionamento aeróbico e for-
mente utilizado para avaliação2,3,8,41,48,55,59 e talecimento muscular, observando uma melhora
treinamento de força 3,12,14,37 em pacientes na percepção da qualidade de vida de 78%. Sendo
hemiplégicos. A maioria desses estudos mensuram assim, se faz necessário considerar os benefícios
a força do membro inferior dos pacientes fisiológicos e sociais advindos do treinamento
hemiplégicos com velocidade de moderada a alta físico.
(acima de 901/s). Alguns autores defendem a
utilização do isocinético a baixas velocidades2,26,55,
pois indivíduos hemiplégicos apresentam dificul- Conclusão
dade em adequar os movimentos voluntários a
altas velocidades devido à co-contração dos Indivíduos com hemiplegia crônica apresen-
antagonistas. A força é afetada pela velocidade tam as alterações fisiológicas do envelhecimento
tanto em indivíduos saudáveis quanto em agravadas pelas manifestações clínicas do AVC.
hemiplégicos, pois um menor número de unidades Devem ser população-alvo de programas de trei-
motoras é recrutado e o limiar de disparo pode namento de força muscular e condicionamento
não ser atingido a altas velocidades2,23. Outro fator aeróbico que proporcionam ganho considerável
limitante é a redução de fibras tipo II presente em na performance funcional, qualidade de vida, força
idosos e indivíduos pós-AVC, já que são estas e condicionamento, sem, contudo, exacerbar os
fibras preferencialmente recrutadas a altas padrões espásticos. Pesquisas futuras se fazem
velocidades2,8,46,60,61. necessárias para investigar os efeitos do treina-
A perda de força durante o destreinamento mento contínuo e do destreinamento nesses in-
tem sido relatada em jovens saudáveis25,62 e em divíduos.
idosos3,39, mas há poucos dados publicados sobre
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