Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Michel Odent
Obstetra
Todos os mamíferos dão à luz graças à súbita libertação de um fluxo de hormonas. Uma
destas hormonas, a oxitocina, desempenha um papel importantíssimo. Ela é necessária para a
contracção do útero, para os bebés nascerem e as placentas saírem. Está implicada na
indução do amor maternal: é o componente principal de um verdadeiro ‘cocktail de hormonas
do amor’.
As desvantagens humanas
Este aspecto da fisiologia do parto implica que uma das necessidades básicas das parturientes
é serem protegidas contra qualquer tipo de estimulação do neocórtex. De um ponto de vista
prático, é útil explicar o que isto significa e analisar os factores conhecidos que podem
estimular o neocórtex humano.
Luzes fortes são outro factor que estimula o neocórtex humano. Os electroencefalógrafos
sabem que a actividade cerebral que explora traços pode ser influenciada pelos estímulos
visuais. Normalmente fechamos as cortinas e desligamos a luz quando pretendemos reduzir a
actividade do nosso intelecto para dormirmos. Isso implica que, de uma perspectiva fisiológica,
uma luz fraca deve em geral facilitar o processo do nascimento. Vai também levar algum tempo
a convencer muitos profissionais da saúde de que se trata de um problema sério. É notável que
logo que a parturiente se encontra ‘noutro planeta’ é espontaneamente levada a posturas que
tendem a protegê-la de todos os tipos de estímulos visuais. Por exemplo, pode ficar de gatas,
como se rezasse. Para além de reduzir as dores nas costas, esta postura comum tem muitos
efeitos positivos, tais como eliminar a principal razão da angústia fetal (compressão dos
grandes vasos ao longo da coluna) e facilitar a rotação do corpo do bebé.
A sensação de ser observada pode também ser apresentada como outro tipo de estímulo do
neocórtex. A resposta fisiológica à presença de um observador já foi objecto de estudos
científicos. Na verdade, é do conhecimento comum que todos nos sentimos diferentes quando
sabemos que estamos a ser observados. Por outras palavras, a privacidade é um factor que
facilita a redução do controlo do neocórtex. É irónico que todos os mamíferos não humanos,
cujo neocórtex não está tão desenvolvido como o nosso, tenham uma estratégia para dar à luz
em privacidade; os que estão normalmente activos à noite, como os ratos, têm tendência a dar
à luz durante o dia, e pelo contrário outros, como os cavalos, que estão activos durante o dia,
têm tendência para dar à luz durante a noite. As cabras selvagens dão à luz nas áreas mais
inacessíveis das montanhas. Os chimpanzés, nossos parentes próximos, também se afastam
do grupo. A importância da privacidade implica, por exemplo, que existe uma diferença entre a
atitude de uma parteira que se coloca em frente a uma parturiente e a observa, e outra que se
limita a sentar-se perto dela. Também implica que deveríamos ser relutantes ao introduzir
qualquer dispositivo que possa ser considerado uma forma de observar, seja uma câmara de
vídeo ou um monitor fetal electrónico.
De um ponto de vista mecânico, a cabeça do bebé deve estar o mais flexibilizada possível,
para que o diâmetro mais pequeno se apresente antes da espiral descendente para sair da
pélvis materna. O nascimento dos seres humanos é um fenómeno complexo e assimétrico,
sendo a pélvis materna mais larga transversalmente à entrada e mais larga longitudinalmente à
saída. Um processo de ‘modulação’ pode mudar ligeiramente a forma do crânio do bebé, se
necessário.
Ambientes culturais
Hoje em dia, são comuns as cesarianas na medicina veterinária, particularmente entre os cães.
Isto é possível desde que os seres humanos compensem um comportamento maternal
frequentemente inadequado, prestem assistência ao processo da amamentação e forneçam, se
necessário, substitutos comerciais do leite canino. Os efeitos de uma cesariana no
comportamento maternal dos primatas estão bem documentados, porque diversas espécies de
macacos são utilizados como animais de laboratório. É este o caso dos ‘macacos-
caranguejeiros’ e dos macacos Rhesus.(3) Nestas espécies, as mães não tomam conta dos
bebés após uma cesariana; o pessoal do laboratório tem de espalhar as secreções vaginais
no corpo do bebé para induzir o interesse da mãe pelo recém-nascido.
Neste aspecto os seres humanos são especiais. Milhões de mulheres em todo o mundo
tomam conta dos bebés após uma cesariana, um parto com epidural ou um ‘parto com
sedação total’.
Sabemos por que razão o comportamento dos seres humanos é mais complexo e mais difícil
de interpretar que o comportamento dos outros mamíferos, incluindo primatas.(4) Os seres
humanos desenvolveram formas sofisticadas de comunicar. Falam. Criam culturas. O seu
comportamento é influenciado menos directamente pelo equilíbrio hormonal e mais
directamente pelo ambiente cultural. Quando uma mulher descobre que está à espera de bebé,
pode antecipar a demonstração de alguns comportamentos maternais. Mas isto não significa
que não possamos aprender com os mamíferos não humanos. As respostas
comportamentais espectaculares e imediatas indicam as questões que deveríamos
levantar sobre nós mesmos.
No que toca aos seres humanos, as perguntas devem incluir termos como “civilização” ou
“cultura”. Por exemplo, se os outros mamíferos não cuidam dos bebés após uma
cesariana, devemos em primeiro lugar perguntar-nos: ‘Qual o futuro de uma civilização
nascida de cesariana?’
Interferem através dos assistentes de nascimento que frequentemente estão activos e até
invasivos. Originalmente, as mulheres tinham provavelmente uma tendência para dar à luz
junto à mãe ou a outra mulher experiente da família ou da comunidade. São estas as raízes
das parteiras. Uma parteira é originalmente uma figura maternal. Num mundo ideal, a nossa
mãe é o protótipo da pessoa com quem nos sentimos seguros sem nos sentirmos
observados nem julgados. Em muitas sociedades, o assistente do nascimento tornou-se um
guia e ajudante.
Não conseguimos elaborar uma lista exaustiva de todas as crenças e rituais conhecidos que
perturbam os processos fisiológicos. Também não conseguimos mencionar todas as crenças
que reforçam a atitude comum relativamente ao colostro. É este o caso, por exemplo, das
crenças partilhadas por diversos grupos étnicos da África Ocidental segundo as quais a
mãe não deve olhar para os olhos do recém-nascido, para que ‘os maus espíritos não
entrem no corpo do bebé’.
Devemos tomar consciência de que o ambiente cultural do séc. XXI está a transmitir as suas
próprias crenças, particularmente no que diz respeito ao estabelecimento do parto natural.
Estas crenças também contrariam aquilo que podemos aprender a partir das perspectivas
fisiológicas e do comportamento dos outros mamíferos.
Por exemplo, é comum comparar as parturientes com atletas como corredores de maratonas, a
quem se aconselha que consumam grandes quantidades de hidratos de carbono, proteína e
fluidos antes de iniciar um grande esforço físico.(5) Muitos assistentes de nascimento são
influenciados por estas comparações e incentivam as mulheres a comer coisas como massa no
início do trabalho de parto, e a beber qualquer coisa doce quando o trabalho de parto está
estabelecido. Na verdade, quando a primeira fase está a avançar, é sinal de que os níveis de
adrenalina estão baixos. Depois a parturiente tem tendência a ficar imóvel. Quando todos os
músculos junto ao esqueleto estão em descanso, como quando a mãe está deitada sobre um
lado ou de gatas, gasta-se muito pouca energia. Além disso, quando o trabalho de parto
evolui facilmente, é sinal de que o neocórtex está em descanso. O neocórtex é o outro
órgão do corpo humano cujo principal combustível é a glucose. Comparar uma parturiente
com uma atleta da maratona pode levar a outros erros, tal como sobrestimar a
necessidade de água. Na verdade, as parturientes não perdem muita água, uma vez que os
níveis da hormona pituitária de retenção de água (vasopressina) são altos e os músculos junto
ao esqueleto não estão activos. Uma bexiga cheia é outro preço a pagar pela analogia com a
maratona. Da mesma forma, as mulheres em trabalho de parto são frequentemente
aconselhadas a andar. No entanto, o facto de uma mulher em trabalho de parto não sentir
necessidade de se levantar e andar é bom sinal. Significa que o nível de adrenalina está
provavelmente baixo.(6) Durante a primeira fase de um parto fácil e rápido, as mulheres
estão muitas vezes passivas, por exemplo de gatas ou deitadas. Sugerir qualquer tipo de
actividade muscular pode ser contraproducente, até cruel.
Pontos de viragem
Quais as vantagens evolucionárias deste leque de crenças e rituais que tendem a desafiar o
instinto protector maternal durante um curto período de tempo considerado crítico no
desenvolvimento da capacidade de amar?
Estas considerações devem ser tidas em conta no contexto do séc. XXI.(7) Estamos numa
altura em que a Humanidade tem de inventar estratégias de sobrevivência radicalmente
novas. Hoje em dia estamos a chegar a uma percepção dos limites das estratégias
tradicionais. Temos de levantar novas questões, tais como: “como desenvolver esta forma de
amor que é o respeito pela Mãe-Natureza?” Para parar de destruir o planeta
necessitamos de uma espécie de unificação da aldeia planetária.
Precisamos mais do que nunca das energias do Amor. Todas as crenças e rituais que
desafiem o instinto maternal protector e agressivo estão a perder as vantagens
evolucionárias. Temos novos motivos para perturbar os processos fisiológicos o menos
possível. Temos novos motivos para redescobrir as necessidades básicas das mulheres em
trabalho de parto e dos bebés recém-nascidos.
Este ponto de viragem na história da humanidade ocorre numa altura em que a história do
nascimento também se encontra num ponto de viragem. Embora todas as sociedades tenham
tido no passado uma tendência para controlar este evento, a situação é radicalmente nova no
início do séc. XXI.(8) Até há pouco tempo, uma mulher não podia ser mãe sem libertar um
fluxo de hormonas, que constitui na verdade um complexo cocktail de hormonas do
amor. Hoje em dia, na fase actual do parto industrializado, a maior parte das mulheres
tem bebés sem confiar neste cocktail de hormonas. Muitas têm uma cesariana que pode
ser decidida e executada antes de ter início o trabalho de parto. Outras bloqueiam a
libertação das hormonas naturais fiando-se em substitutos (normalmente oxitocina
sintética no soro, mais uma anestesia epidural). Até as que acabam por dar à luz sem
medicação recebem muitas vezes um agente farmacológico para fazer sair a placenta
numa altura crítica da relação entre a mãe e o bebé.
Sublinhemos que uma injecção de oxitocina sintética não tem efeitos a nível comportamental,
porque não atravessa a barreira entre o sangue e o cérebro. A questão inspirada por estas
práticas tão disseminadas tem de ser colocada em termos de civilização.
Um método prático
Uma vez que é urgente melhorar a nossa compreensão dos processos fisiológicos, aparece um
método prático como ajuda adequada para redescobrir as necessidades básicas das
parturientes. Pode ser resumido numa frase: no que toca ao trabalho de parto, parto e
nascimento, há que eliminar o que é especificamente humano e atender às necessidades do
mamífero. Eliminar o que é especificamente humano implica que o primeiro passo deve ser
livrarmo-nos do resultado de todas as crenças e rituais que, durante milénios, perturbaram os
processos fisiológicos em todos os ambientes culturais conhecidos. Implica ainda que a
actividade do neocórtex, a parte do cérebro cujo enorme desenvolvimento é um traço
exclusivamente humano, tem de ser reduzida. Implica ainda que a linguagem, que é
especificamente humana, deve ser utilizada com muita precaução.
É comum alegar que o nascimento tem de ser ‘humanizado’. Na verdade, a prioridade deveria
ser ‘mamiferizar’ o nascimento. De certa forma, há que desumanizar o nascimento.
Referências:
1 - Marais EN. The soul of the white ant. Methuen. London 1937.
2 - Krehbiel D, Poindron P. Peridural anaesthesia disturbs maternal behaviour in primiparous
and multiparous parturient ewes. Physiology and behavior 1987; 40: 463-72.
3 - Lundbland E.G., Hodgen G.D. Induction of maternal-infant bonding in rhesus and
cynomolgus monkeys after caesarian delivery. Lab. Anim. Sci 1980; 30: 913.
4 - Odent M. A Cientificacao do amor. Edicao Brasileira Saint Germain 2002.
5 - Odent M. Laboring women are not marathon runners. Midwiferytoday 1994; 31: 23-26.
6 - Bloom SL, McIntire DD, et al. Lack of effect of walking on labor and delivery. N Engl J Med
1998; 339: 76-9.
7 - Odent M. O camponês e a parteira. Editora Ground. Sao Paulo 2003.
8 - Odent M. The Caesarean. Free Association Books. London 2004.
Fonte:Bionascimento