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Introdução

A intenção deste estudo foi compreender as representações sociais da


adolescência e dos ideais de feminilidade circunscritos no contexto de
revistas
femininas juvenis brasileiras. Buscamos conhecer as mensagens
direcionadas para o
consumo feminino por meio do mapeamento do discurso presente
nestas publicações,
bem como observamos suas relações com as expressões da cultura de
massa na
contemporaneidade. Acreditamos que por meio da análise destas
revistas foi possível
alcançar um entendimento maior acerca da imagem da mulher e da
juventude na mídia.
Neste sentido, estamos tentando entender como certo segmento da
imprensa é capaz de
propor uma acepção ideológica que fundamenta um modo de vida
determinado pelo
consumo de produtos e símbolos capazes de estabelecer fronteiras e
distinções sociais.
Nossa crença sobre a importância deste trabalho reside na possibilidade
reflexão acerca
deste segmento da imprensa feminina, diante do sucesso que estas
publicações
adquiriram no mercado editorial ao longo dos anos.
Ao trabalharmos com conceitos complexos como juventude, feminilidade
e
consumo, estivemos cientes dos desafios envolvidos e dos limites de
nossa pesquisa.
Por isso, não tentaremos estabelecer conceitos, mas contribuir para a
reflexão sobre
estas temáticas cada vez mais presentes na mídia em geral.
Ao empreendermos uma discussão a respeito do consumo feminino
adolescente
estamos considerando a hipótese de que a revista feminina juvenil se
tornou uma
espécie de manual de conduta consumido por meninas na faixa dos 10
aos 19 anos de
idade e que este manual contém informações capazes de ilustrar nosso
pensamento a
respeito da subjetividade feminina juvenil. Este segmento da indústria
editorial ganha
importância não apenas pelo aspecto mercadológico, mas porque
acreditamos que o
sucesso obtido por estas publicações reflete a existência de um modo de
vida
determinado no qual o consumo das revistas propriamente ditas e dos
produtos que ela
anuncia, representa e traduz o mundo social feminino de certa faixa
etária.
Amplamente estudada, a visão ideológica da cultura de massa é prenhe
das
representações sociais da modernidade. Juventude, família, beleza,
trabalho, lazer,
consumo entre outras abordagens permeiam a cotidianidade, marcam
fronteiras e
estabelecem papeis sociais. Na visão de Buitoni (1981) a imprensa
feminina se
constituiu em um dos agentes formadores da representação social de
feminilidade na
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mídia. Isto se deve ao peso da imprensa feminina no contexto cultural
mundial. Para a
autora,
se esta especificação de veículo dirigido antes de tudo à mulher desenvolveu-se em
tantos países,
não existe só o interesse da Indústria Cultural. A relação imprensa feminina/ mulher
implica
questões mais abrangentes, como, por exemplo, o papel social da mulher e sua
participação
política. E aí entra a ideologia. (BUTONI, 1981:1).
Uma das razões que torna a imprensa feminina brasileira ideológica
pode ser
percebida no uso recorrente do jornalismo interpretativo, que por sua
vez compreende
uma expansão do fato original (contém entrevistas, antecedentes,
conseqüências,
opinião de especialistas, etc.). Este fato, muitas vezes se torna
distanciado da leitora
porque, em primeiro lugar, a periodicidade da imprensa feminina
(quinzenal ou mensal)
proporciona um afastamento temporal capaz de despir o caráter
informativo das
publicações. Em segundo, frequentemente encontramos nas publicações
dirigidas ao
público feminino aquilo que se denomina no jargão jornalístico como
“matéria fria”, ou
seja, matérias que não necessitam de uma data certa de publicação, nas
quais a
atualidade torna-se perfeitamente dispensável.
De acordo com Buitoni (1981), numa análise panorâmica da imprensa
feminina,
certos assuntos ou editorias, como por exemplo, moda, beleza, culinária,
decoração,
contos ou fotonovela definem o mapa das publicações especializadas
para a mulher há
mais de duzentos anos.
Naturalmente, esses assuntos privilegiados pela imprensa feminina apresentam pouca
ou
nenhuma ligação com o momento atual. Moda seria o mais dependente de época, na
medida em
que as estações do ano ocasionam mudanças neste campo. (...) No entanto, são
ligações
temporais fracas: um refresco que serve num verão pode ser republicado dois anos
depois
(Id.:5).
Desta forma a atualidade dos fatos e a imprensa feminina não têm
muita
proximidade. Para a autora, ainda quando a realidade é tratada, a
indeterminação
temporal é muito grande, por isso o desligamento do mundo atual se
acentua neste tipo
de discurso e o caráter ideológico prevalece. Este caráter ideológico
apontado também
pode ser percebido nas revistas femininas juvenis, objeto de nossa
pesquisa. Com
freqüência encontramos nas publicações analisadas os modos de ser e
de viver da
adolescente moderna: o que fazem, de que forma se relacionam, falam,
o que compram,
o que gostam e o que repudiam, ou seja, as formas certas e erradas de
comportamento a
ser seguido para pertencer ou não a um determinado grupo. Assim
como nas revistas
femininas em geral, as revistas juvenis também trazem este
afastamento da realidade
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factual. Vez por outra encontramos reportagens sobre acontecimentos
do mundo Teen.
Porém, o tratamento recebido por estas informações tende muito mais à
espetacularização do que à informação.
Nossa motivação para conhecer este universo parte de nossa
curiosidade acerca
da adolescência contemporânea e dos paradoxos que envolvem tanto a
cultura de massa
quanto a própria vivência do adolescente nos dias de hoje. Diante de
nossa própria
vivência adolescente e de ter sido nesse período uma das leitoras da
revista Capricho, e
ainda, pelo fato de ser mãe de uma jovem de 13 anos que também tem
acesso a este tipo
de publicação, percebemos as potencialidades de nossa subjetividade se
tornar fonte de
conhecimento objetivo para realização deste estudo.
Neste sentido, acreditamos que as revistas femininas juvenis nos têm
muito a
dizer, pois em nossa perspectiva, elas de certa forma, fazem a mediação
entre a
enunciação de um determinado modo de vida proposto pela indústria
cultural e a prática
deste modo na cotidianidade feminina juvenil. Desse modo, intriga-nos o
interesse do
público jovem neste tipo de publicação, não apenas porque acreditamos
que o indivíduo
está sempre à procura de referências, mas também porque percebemos
que estas
referências com as quais as revistas femininas juvenis trabalham podem
nos ajudar a
compreender os ideais de feminilidade e de juventude que nos
propomos a estudar.
Durante oito anos trabalhando em um centro cultural universitário na
cidade de
Teresópolis, na região serrana do estado do Rio de Janeiro, enfrentamos
dificuldades,
não na formação de novas platéias, mas na conquista de platéias jovens,
nos diversos
eventos culturais realizados. Percebemos que os adolescentes de uma
maneira geral se
mostram desinteressados por qualquer coisa que não faça parte de seu
universo cultural.
Se uma das características que alimenta o discurso em torno da
juventude é a
valorização da novidade e já que muitos dos que são levados por suas
escolas a esses
eventos nunca tiveram contato com este tipo de produto cultural, por
que não
alcançamos sucesso com este público através da música erudita, das
artes plásticas e do
teatro? Talvez nossa resposta já esteja inclusa em nossas inquietações.
Talvez
precisemos inserir estes conteúdos no universo cultural adolescente
para influir no seu
padrão de gosto a exemplo da cultura de massas. Ou ainda, talvez a
novidade a qual se
refiram os estudiosos da adolescência não parta de algo inédito, mas de
algo conhecido
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travestido de novidade, como dizia Theodor Adorno1 na sua clássica
“Dialética do
Esclarecimento” publicada em 1947, o novo do mesmo.
Embora este debate seja muito extenso e não caiba por hora um
aprofundamento
específico, o aspecto da educação é recorrente nas respostas dadas nos
diversos fóruns
dos quais participamos. No entanto, parece-nos que a educação formal
não é capaz
atualmente de formar este padrão de gosto juvenil e que a educação
familiar vem sendo
prejudicada, seja pela força que cada vez mais afasta pais e filhos na
luta pela
sobrevivência no contexto capitalista, seja pela própria desagregação e
desestruturação
da família moderna. Apesar de notadamente vivermos em um universo
globalizado e
culturalmente diverso, apesar dos jovens de ambos os sexos terem
acesso real (por meio
de viagens com a família) ou simbólico (por meio dos meios de
comunicação), a uma
quantidade vasta de informações, nos parece que é justamente esta
elevada quantidade
que impede certos aprofundamentos. Os adolescentes de hoje só se
fixam naquilo que é
repetido constantemente; aí entra a cultura de massa com tudo que tem
direito: revistas,
filmes, músicas, realitys shows, novelas, produtos, etc.
Como não temos condições de estudar todos os meios de comunicação
de massa,
resolvemos nos aprofundar em um dos que consideramos mais
representativos e que é
capaz de fornecer informações significativas para os nossos
questionamentos. Neste
sentido constituímos o material empírico deste estudo por quatro
revistas brasileiras de
circulação nacional: Atrevida, Capricho, Toda Teen e Smack. Durante o
período de
maio a dezembro de 2006 acompanhamos estas publicações que se
dirigem às meninas
na faixa de 10 a 19 anos.
Além das revistas, nossa pesquisa conta com uma breve pesquisa de
campo cujo
foco é verificar a importância destas publicações para a construção da
subjetividade
juvenil feminina. Pretendemos conhecer, ainda que no limite desta
investigação, as
formas e as motivações pelas quais as meninas são atraídas e se tornam
leitoras das
revistas femininas juvenis.
Dessa maneira, tentaremos estabelecer em nosso trabalho certa
organização na
qual buscamos não apenas facilitar a leitura de nossos interlocutores,
mas também
organizar nossas próprias idéias e conteúdos, na medida em que
reconhecemos as
dificuldades de distanciamento do objeto estudado, não apenas por
nossa condição
1 Ver ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento:
fragmentos
filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.1985.
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feminina, mas também pelo fato de termos em nossa própria
adolescência sido leitoras
de revistas deste tipo. Parafraseando Michel Foucault, acreditamos que
nosso desafio
maior neste momento da vida consiste em tentar recusar nossas
próprias idéias a fim de
descobrir a essência do que podemos ser.
No primeiro capítulo de nossa pesquisa pretendemos apresentar uma
versão
introdutória da história da imprensa feminina no Brasil com o objetivo de
entender
como essa imprensa se formou e de que maneira o contexto sócio-
histórico brasileiro foi
capaz de desenvolver esta indústria editorial segmentada por gênero e
faixa etária.
Diante da riqueza do material bibliográfico pertinente, mas cientes de
nossas limitações,
optamos por fundamentar nossa abordagem, principalmente, nos
estudos empreendidos
por Buitoni (1981) e Ortiz (2001) por entendermos que o aspecto
ideológico levantado
pela primeira e o contexto cultural no qual se desenvolve a moderna
tradição brasileira
abordado por este último, fornecem um embasamento conveniente à
nossa reflexão.
No segundo capítulo faremos uma radiografia das revistas que
constituem o
material empírico deste estudo. Buscaremos descrever a forma pela
qual se estruturam
as revistas femininas juvenis no contexto da cultura de massa e
entender as recorrências
nestas publicações. Chamamos atenção para a maneira como tais
recorrências são
associadas a determinados aspectos da vida cotidiana. Entendendo a
revista como um
manual de comportamento e como um dos signos do conceito de
adolescência vigente,
buscaremos ilustrar as informações colhidas por meio de tabelas e
gráficos. Traremos
também, a título de ilustração, a análise de algumas matérias para
melhor compreender
a questão da verdade e do discurso nestas publicações e ainda o
problema da
sexualidade no contexto das revistas. Além disso, neste capítulo
pretendemos abordar a
questão do consumo com base, prioritariamente, nas reflexões
desenvolvidas por Mary
Douglas (2006) e Everardo Rocha (1990). Mais adiante, tentaremos
entender as
representações da adolescência nas páginas das revistas femininas
juvenis a partir do
pensamento de Philippe Ariès (1981) e de autores brasileiros, como João
Freire Filho
(2006), Rosilene Alvim e Patrícia Gouveia (2000). Destacamos que não
se trata de
estudar o conceito de adolescência, mas de entender a representação
de adolescência nas
revistas que constituem o material empírico de nossa pesquisa.
No terceiro capítulo mostraremos os resultados de uma série de
entrevistas feitas
com meninas leitoras das revistas em estudo, realizadas com o objetivo
de verificar em
que medida as jovens leitoras efetivamente tomam a revista como um
referencial para a
formação do seu padrão de gosto e de que forma o estilo de vida
proposto pelas
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publicações é adotado pelas leitoras. Buscaremos demonstrar neste
capítulo o que as
meninas dizem sobre os meios de comunicação de massa de uma
maneira geral, seus
hábitos de consumo e a sua percepção sobre a própria fase adolescente.
Este capítulo
também tentará abordar de forma sucinta o imaginário feminino através
da análise de
alguns anúncios publicitários contidos nas publicações visando a
demonstrar o
entendimento que as leitoras fazem destas mensagens visuais.
No quarto e último capítulo desta dissertação buscaremos apresentar
uma síntese
dos principais aspectos levantados em nossa abordagem e das
conclusões alcançadas
por meio de nossa pesquisa.

1 – A imprensa feminina no Brasil


Como dito anteriormente, neste capítulo pretendemos lançar um olhar
panorâmico sobre a história da imprensa feminina no Brasil com o
objetivo de entender
como essa imprensa se formou e de que maneira o contexto sócio-
histórico brasileiro foi
capaz de desenvolver esta indústria editorial segmentada por gênero e
faixa etária.
Buitoni (1981) nos conta que a imprensa feminina surgiu nos fins do
século
XVII na Grã-Bretanha. Cerca de cinqüenta anos depois, em 1758, foi
publicado o
primeiro periódico voltado para este público na França. “Os precursores
da imprensa
feminina francesa foram os almanaques que continham conselhos de
economia
doméstica e medicina caseira, fato que aconteceu também em outros
países” (Id.:10).
Na Alemanha e na Itália este movimento também se deu em época
muito próxima, entre
1770 e 1781. Já nos Estados Unidos esta especialização da imprensa só
se deu no século
XIX, com a publicação dos primeiros periódicos como o “American
Magazine” e o
“Ladies’Magazine”, este último em 1828. No Brasil, a imprensa feminina
segundo a
autora, surge também no século XIX, principalmente após a vinda de D.
João VI.
“O século XIX foi acompanhado de mudanças na estrutura de nossa sociedade,
processo
deflagrado principalmente a partir da vinda da família real para o Brasil. (...) A
existência da
corte passou a influir na vida da mulher do Rio de Janeiro, exigindo-lhe mais
participação. O Rio
estava deixando o seu caráter provinciano para ser uma capital em contato com o
mundo. Dentro
deste contexto a moda assume grande importância para a mulher que morava nas
cidades. As
tendências européias eram copiadas e aí entra o fator imprensa, primeiro com a
importação de
figurinos vindos de fora, e depois, com a publicação aqui, de jornais e revistas que
reproduziam
as gravuras de moda. A necessidade estava criada, havia portanto, um mercado”.
(Id.:2).
Diante da imposição da cultura da corte portuguesa no Brasil,
principalmente
após a mudança da sede do governo de Salvador para o Rio de Janeiro,
as publicações
especializadas para atender o gosto feminino da época cada vez mais se
voltavam para a
moda européia. Para além da moda havia também um outro interesse
que povoava a
mentalidade feminina do século XIX: a literatura, sob a forma de
novelas, poesias e
contos. A literatura, em certo sentido, era alvo de interesse comum
entre homens e
mulheres da inteligência deste tempo.
Tendo como referência principal os valores culturais da Europa, tanto a
literatura
quanto as artes de uma maneira geral estavam voltadas principalmente
para o modelo
francês. Este modelo permaneceu até o modernismo da década de
1920. Até que o
movimento modernista surgisse e se afirmasse enquanto uma nova
forma de
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pensamento, ainda que restrito a um pequeno grupo de artistas e
intelectuais, o Rio de
Janeiro, por exemplo, aspirava tornar-se “Paris nos Trópicos”.
1.1. O século XIX
Durante o século XIX no Brasil havia pessoas que saíam da Europa e
viajavam
além-mar para conhecer as formas de sociabilidade e vivência dos
modos de vida neste
país cheio de beleza e calor. Nestas viagens muitos foram os que
registraram as
primeiras impressões deste modo de vida através do que ficou
conhecido como “relato
de viagem”. Por meio dos relatos – ainda que não deixemos de perceber
o olhar
etnocêntrico dos seus autores e o caráter falocêntrico que imperava
enquanto paradigma
sócio-cultural da época – nota-se o aparecimento renitente, no que diz
respeito à
imprensa feminina, tanto da referência francesa como ideal de cultura,
quanto do
afastamento dos fatos do ponto de vista temporal apontados. Tal
afastamento se, por um
lado, pode ter tido sua origem na forma precária pela qual este tipo de
imprensa se
desenvolveu, por outro, ajuda-nos a entender o papel da mulher desta
época no cenário
das limitações sociais vigentes.
Para tentar ilustrar este momento descrito por Buitoni (1981), ainda que
sem
pretendermos realizar uma historiografia da imprensa feminina no
Brasil, acrescentamos
dois, dos muitos relatos de viagem datados do século XIX e organizados
por Miriam
Moreira Leite (1984) com o objetivo de compreender a condição
feminina no Brasil. O
primeiro descreve a condição da imprensa feminina brasileira relatada
em 1899 por
Marie Robinson Wright e o segundo, escrito por J.B.Debret em 1816,
aborda a questão
das modistas e negras no país.
“Jornalistas
Ao apresentar a história da imprensa no Brasil é também necessário falar dos jornais
editados
por mulheres. O primeiro que chamou atenção foi criado no Rio de Janeiro por Dona
Violante
Atabaliba Ximenes de Bivar. Sua primeira experiência foi feita com o Jornal das
Senhoras, o
primeiro `jornal feminino` do Brasil. Mais tarde publicou `Domingo`, um semanário
literário.
Existe hoje uma pequena revista, brilhante e talentosa publicada em São Paulo, sobre
os
interesses das mulheres e a causa feminista, a `Mensageira`, de propriedade e edição
de D.
Prisciliana Duarte de Almeida. A história deste jornal é um tributo elevado à capacidade
da
mulher brasileira. Convencida da necessidade de um jornal da mulher no Brasil, e sem
dinheiro
para equipar uma editora, ela corajosamente se pôs a trabalhar, a fim de preparar o
primeiro
exemplar em manuscrito, fazendo cerca de cinqüenta cópias. A idéia teve êxito, entrou
o
dinheiro das assinaturas, e hoje trata-se de um periódico mensal muito louvável,
recebendo
colaborações de mulheres escritoras importantes do Brasil e da França; tem uma
representante
em Paris. A família, é o nome de uma revista de primeira categoria editada e publicada
pela
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senhora Josefina Álvares de Azevedo. Existem vários outros, em diferentes partes dos
país. Os
jornais diários do Brasil não adotaram ´a página feminina`, embora muitas vezes
publiquem itens
de moda e notícias sociais no folhetim ou no feuilleton (grifos da autora) que é uma
seção de
todos os jornais latinos”
(p:106 e 107).
“Modistas
NEGRAS LIVRES
(...) Observa-se também que na classe das negras livres, as mais bem educadas e
inteligentes
procuram logo entrar como operárias, por ano ou por dia, numa loja de modista ou de
costureira
francesa, título esse que lhes permite conseguir trabalho, por conta própria, nas casas
brasileiras,
pois com o seu talento conseguem imitar muito bem as maneiras francesas, trajando-
se com
rebuscamento e decência.”
(Id.p:112).
A maneira rebuscada e decente sob a qual as mulheres deste tempo
buscavam se
referenciar fora calcada nos ideais franceses e, ao mesmo tempo, estava
impregnada de
um moralismo patriarcal que imperava na mentalidade dominante no
Brasil do século
XIX. Neste sentido, Buitoni (1981) nos esclarece que ainda que as
mulheres tentassem
se estabelecer de uma forma autônoma, e as iniciativas da imprensa
feminina da época
são evidências deste fato, muitos eram os entraves materiais e
simbólicos que
restringiram por décadas o papel da mulher na sociedade brasileira. Um
exemplo destas
fronteiras entre o proibido e o permitido é apontado pela autora quando
da análise do
artigo “O eterno feminino”, publicado pela “Revista Illustrada”, em 1886,
“(...) em que
se diz que sua esfera de ação profissional deve ser ampliada, mas não
muito. E que a
mulher não deve se intrometer em lutas políticas” (p:18).
Parece-nos, que durante quase meio século o universo feminino na
imprensa
esteve na sua maioria representado pela moda, pela literatura, pela
beleza e por um tipo
de informação voltada para o entretenimento e para a centralidade do
papel da mulher
enquanto esposa e mãe. Para demonstrar estas características,
apresentamos a seguir um
quadro onde relacionamos as principais publicações femininas a partir
de 1850,
elaborado com base na pesquisa de Buitoni (1981).
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Tabela 1 – Publicações femininas no século XIX
Ano Publicação Conteúdo
1851 Novellista Brasileiro ou Armazém
de Novellas Escolhidas
Novelas, recordações de fatos históricos, viagens,
memórias, anedotas e charadas, poesias, modas,
teatros, bailes, reuniões, etc.
1852-1855 Jornal das Senhoras1
Moda, literatura, belas-artes, teatros e crítica.
1856 Recreio do Bello Sexo Moda, literatura, belas-artes e teatro.
1859-1860 O espelho Moda, literatura, indústria e artes.
1862 Bello Sexo Religião, instrução e recreio, noticioso e crítico
moderado.
1863 - 1864 A bella fluminense Dedicado ao bello sexo e a todas as classes da
sociedade.
1863-1878 Jornal das Famílias2 Dedicado às mulheres, continha figurinos,
receitas de doces, moldes de trabalho, conselhos
de beleza para ocupar o ócio das senhoras,
literatura amena de pura fantasia, sem nenhum
fundamento na realidade.
1873-1875 O Domingo Recreação, sonetos, cartas de amor e modas.
1875- 1877 O Sexo Feminino Parece ser o primeiro jornal a defender os
direitos da mulher
1876 Jornal das Moças -
1876 - 1877 O Recreio das Moças -
1879- 1880 O Echo das Damas -
1879- 1904 A estação Jornal de moda parisiense dedicado às senhoras
brasileiras.
1879- 1888 A mãe de família Educação na infância e higiene na família.
1879 Republica das Moças Desenhos de Belmiro
1880 A primavera Instrução e notícias (semanal)
1881 O beijo Modinhas, recitativos, lundus e poesias.
1885- 1888 O Echo das Damas Reaparecimento da revista de 1879.
1887-1889 O Sexo Feminino Reaparecimento da revista de 1875. Revindicava
igualdade de direitos entre homens e mulheres.
1Segundo Buitoni (1981), este parece ser o primeiro jornal que contava com mulheres na
redação.
2Impresso em Paris. A publicação contava também com a colaboração do escritor
Machado de Assis.
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1889 - 1897 A família Publicação feminista, defendia a emancipação da
mulher.
1890-1896 O quinze de novembro do sexo
feminino
Literatura recreação e notícias (quinzenal).
1896 O mimo Literatura.
1848 A violeta Literatura.
1854 A camélia Jornal acadêmico dedicado à mulher.
1860 O Lírio Variedades, dedicados à família.
1868 A crisálida e a borboleta -
1886 O Leque Literatura
1887 A Violeta Literatura.
1888-1889 A família Dedicado à educação da mãe e da família
1889 A pérola Dedicado à mulher.
1890 Jornal das Damas Recreativo.
1890 A camélia -
1892 Revista das Modas -
1897- 1900 A mensageira Literatura, condição feminina e notas culturais
1898 O Ramilhete -
1898 A borboleta -
1898 Álbum das meninas Revista literária e educativa, dedicada às jovens
brasileiras. Mensal, distribuída gratuitamente nas
escolas públicas femininas de São Paulo. Parecenos
que esta foi a primeira publicação dirigida às
jovens adolescentes no Brasil.
Por meio da análise dos nomes das publicações, bem como dos
conteúdos
apontados por Buitoni (1981), vimos ainda que de forma breve, que no
século XIX
havia pelo menos duas representações desta ideologia feminina. A
primeira voltada para
a valorização da mulher enquanto mãe e esposa e a segunda focada na
emancipação e na
igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Além das publicações apontadas na tabela anterior, outras foram as
publicações
existentes no fim do século XIX. No entanto, pelo fato de o universo
feminino juvenil
ser um aspecto central em nossa pesquisa, chamamos atenção neste
breve passeio pela
história da imprensa feminina brasileira para a publicação “Álbum das
meninas”, que
parece ter sido a primeira revista brasileira dedicada às jovens. Esta
publicação era
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distribuída gratuitamente nas escolas públicas femininas de São Paulo, o
que nos faz
acreditar que além de entretenimento, a revista era também uma das
ferramentas
pedagógicas que contribuíam para a formação das jovens da época.
Mais de um século depois, ao pesquisarmos as revistas femininas
juvenis da
atualidade percebemos que estas publicações ainda participam da vida
escolar de suas
leitoras. Em nossa pesquisa, veremos mais adiante que as adolescentes
de hoje levam
suas revistas para o colégio e que este ainda é o principal ambiente de
socialização dos
conteúdos publicados, porém a distribuição não está mais vinculada a
uma
institucionalização pedagógica como havia no século XIX, mas no
contexto da cultura
de massa e da sociedade de consumo.
1.2. O século XX
O início do século XX no Rio de Janeiro é marcado por um conjunto de
mudanças no panorama político e econômico, afetando não apenas a
estruturação da
cidade, mas criando uma nova dinâmica no que diz respeito aos meios
de comunicação.
Enquanto capital da república, a cidade adquire aos poucos um perfil
cosmopolita. Com
o aumento da população a cidade cresce em extensão territorial. Deste
crescimento,
entre outras conseqüências, está o aumento do público leitor e a
segmentação deste de
acordo com a localização geográfica na cidade. Surgem então os jornais
de bairro e
cresce o número de pessoas com possibilidade de comprar revistas
sofisticadas e
luxuosas para os padrões da época, repletas de belas ilustrações e
fotografias como por
exemplo as revistas Kosmos e Renascensa surgidas em 1904 e Fon-fon,
em 1907.
Nesse contexto Buitoni (1981) nos mostra que a imprensa feminina, no
início do
século XX, aproximava a idéia de feminilidade da idéia de paraíso.
Segundo a autora,
esta associação corresponde uma representação social que descreve a
mulher por meio
de uma de forma simbólica: a da “mulher oásis”. Para realizar esta
associação são
constantes os usos de metáforas que se dirigem à mulher como um ser
fora do seu
tempo, cujas qualidades estabelecem quase uma ligação da mulher com
o divino. Estas
metáforas associam a imagem da mulher a palavras como frescor, flor,
melodia,
bálsamo, suavidade, entre outras características. Nas palavras da
autora:
“Metáfora em cima de metáfora, a mulher é o que há de melhor na natureza, na
música, na
pintura e em certas virtudes. Compara-se a mulher a elementos positivos e às vezes,
essenciais à
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idéia expressa. Assim, flor do campo – a beleza; aroma na flor – perfume (que graça
tem a flor
sem perfume?), o oásis no deserto (um lugar necessário) e a melhor qualidade no
oásis, frescura.
A mulher traz mais encanto à natureza, e, no caso do oásis é o consolo da aridez”
(Id.:37).
A associação da mulher a elementos da natureza não era apenas uma
prerrogativa da imprensa feminina da época nem tampouco uma
novidade do início do
século XX. Lembremos dos nomes de publicações criadas no século XIX
listadas
anteriormente. “A Violeta”; “A Pérola”; “O Ramalhete”; “A Borboleta”,
entre outras,
figuram entre as nomenclaturas que definiam o tipo de publicação e o
tipo de público
para o qual se destinavam.
Além da imprensa, a literatura, que também se misturava com a
imprensa da
época, ainda guardava resquícios da corrente indianista e das formas
parnasianas de
linguagem do século XIX. Neste período, buscava-se valorizar os
aspectos da paisagem
geográfica brasileira e ao mesmo tempo estabelecer uma forma de
narrativa que tinha
como pressuposto a fundação de uma origem pura e conciliadora do
processo
civilizatório no país. O romance Iracema (1865) de José de Alencar é
uma das
publicações mais exemplares desta narrativa de fundação do século XIX.
Durante os primeiros anos do século XX no Brasil uma insipiente cultura
de
massa se formava a partir da apropriação e da reconversão de
elementos da alta cultura
por meio da imprensa. A representação da mulher deste período estava
carregada de
palavras raras e de frases rebuscadas que apontavam para uma falta de
renovação,
também observável na literatura brasileira – ainda apoiada nos lugares-
comuns do
Romantismo e do Realismo. De modo geral, a literatura deste início de
século passava
ao largo dos problemas mais sérios da sociedade brasileira e era vista
pelos prémodernos
(Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, Graça Aranha, Lima Barreto, entre
outros), apenas como uma forma inconseqüente de entretenimento das
elites.
Nos anos seguintes a imprensa se ampliava no Brasil, principalmente em
São
Paulo. Segundo Buitoni (1981), surge em 1914 a “Revista Feminina”, de
periodicidade
mensal, com tiragem de 30.000 exemplares, distribuída nacionalmente.
Esta pode ser
considerada um marco na imprensa especializada para mulher.
Contendo cerca de 30
páginas, ricamente ilustradas dentro dos padrões da época, a revista era
dividida em
seções tradicionalmente femininas, mas se diferenciava das demais por
conter certo
idealismo na defesa dos direitos das mulheres.
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“Como produto editorial, a ‘Revista Feminina’ se destaca pela sua formulação mais
completa,
qualidade que os veículos até então dedicados às mulheres ainda não haviam
encontrado. Com
efeito, as folhas e revistas femininas traziam moda e literatura; algumas traziam
conselhos na área
de educação e higiene e seções pequenas de beleza, culinária, etc. Mas não existia
nenhuma
‘revista’ dedicada inteiramente à mulher, com um número razoável de páginas. (...)
Portanto, a
‘Revista Feminina’ foi um veículo que explorava mais a potencialidade de seu público
ao oferecer
uma maior variedade de seções que ocupavam um espaço razoável” (Id.:39).
A “Revista Feminina” antecipa um modelo de publicação voltado para a
mulher
que permanecerá durante muitos anos. A abordagem do maior número
de assuntos
possível, ainda que dentro do ambiente doméstico, buscava
corresponder ao modelo
industrial vigente. Em decorrência do crescimento da estratificação
social, fruto do
sistema capitalista em desenvolvimento no país, esta publicação além
de ter uma
perspectiva mais focada no aspecto comercial, deixa-nos perceber os
primeiros sinais de
uma espécie de solidariedade promovida pela cultura de massa, ainda
que de forma
precária, diante dos múltiplos processos de desagregação social que
ainda estariam por
vir. Na Europa eclode a primeira guerra mundial instaurando na
expressão feminina da
época uma espécie de horror diante dos acontecimentos, ainda que
fisicamente
distanciados, e uma compaixão pelo sofrimento de soldados e suas
mães que passa a ser
refletido também na imprensa.
“A primeira guerra mundial abalou essa década. No Brasil, a imprensa estava, na sua
maioria, ao
lado dos aliados, assim como quase todos os escritores: Coelho Neto, Bilac, Medeiros e
Albuquerque. A guerra era o principal noticiário do exterior e aparecia em todos os
jornais e
revistas. O conflito não foi experimentado fisicamente aqui; no entanto servia até de
comparação
com outras calamidades, como a epidemia de 1918 que deixou milhares de vítimas no
Rio de
Janeiro e que motivou um artigo de Iracema na sessão ‘Cartas de Mulher’ na ‘Revista
da Semana’”
(Id.:43).
O artigo da cronista Iracema analisado por Buitoni (1981) mostra um
exemplo da
solidariedade das mães brasileiras que se viam unidas pela dor da perda
dos filhos, seja
pela epidemia (no Rio de Janeiro), seja pela guerra na Europa. Além
desta espécie de
valorização da mulher enquanto mãe, a autora observa que neste
período muitas foram
as lutas femininas na tentativa de obter igualdade de direitos
principalmente com
respeito ao voto. É nesta época que surge a campanha sufragista em
que algumas
mulheres reivindicavam o alistamento eleitoral, ainda que sem
sucesso3.“As mulheres
movimentavam-se e a imprensa noticiava e comentava esses eventos
que também se
refletiram em revistas femininas” (Id:41).
3Myrtes de Campos, advogada, primeira mulher a ser aceita na Ordem dos Advogados
no Brasil, segundo
Buitoni (1981), que requereu o alistamento em 1904.
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25
As análises de Buitoni (1981) mostram-nos uma mudança no paradigma
da
representação da mulher pela imprensa feminina, passando de mulher
oásis para a idéia
da mulher enquanto mãe-sofredora. Dito de outra forma, a mulher passa
a ser vista não
mais pela ótica da fragilidade pueril, mas pela força da maternidade e
pela busca da
alteridade através do sofrimento.
1.2.1. Modernismo, prosperidade e indústria cultural
no Brasil
A década de 1920 inicia com a ruptura estética instaurada pelo
movimento
modernista em São Paulo, no qual artistas, imprensa e intelectuais se
mobilizam no
sentido de transformar a expressão cultural brasileira, que ainda sofria
forte influência
cultural francesa. O movimento buscava instaurar um estilo de ser e de
viver
fundamentado nos valores da terra e numa estética que reconhecia nas
cores e nas
paisagens locais uma espécie de essência de brasilidade. Este novo
olhar, ainda que
restrito a um pequeno grupo da inteligência brasileira, inaugura em
1922, na Semana de
Arte Moderna, uma forma de pensamento que associava arte,
engajamento político e
sentimento de nação, que afetava não apenas as conversas dos bailes e
das casas de chá,
mas principalmente a imprensa. Além do lançamento de novas
publicações que de certa
forma se tornaram ícones do movimento, como a revista “Klaxon”
lançada em 1922 e a
“Revista de Antropofagia”, em 1928, surge o rádio. Porém, como explica
Renato Ortiz
(2001) em sua análise sobre tradição e modernidade cultural, este novo
veículo de
comunicação se ancorava muito mais no engajamento e na iniciativa de
um pequeno
grupo do que resultava da industrialização cultural no país.
“Desde 1922 o rádio havia sido introduzido no Brasil, não obstante, até 1935 ele se
organizava
basicamente em termos não-comerciais, as emissoras se constituindo em sociedades e
clubes cujas
programações eram sobretudo, de cunho erudito e lítero-musical. Existiam poucos
aparelhos, eram
de galena, e o ouvinte tinha que pagar uma taxa de contribuição ao Estado pelo uso
das ondas. A
década de 20 é uma fase de experimentação no novo veículo e a rádiofusão se
encontrava muito
mais amparada no talento e na personalidade de alguns indivíduos do que numa
organização de
tipo empresarial” (ORTIZ, R. 2001:39).
Assim, apesar da efervescência do movimento modernista afetar o rádio
em
termos tímidos, nas expressões artísticas o modernismo se insere como
uma nova
corrente ideológica e literária capaz de influenciar e impulsionar toda
uma produção
editorial que já se consolidara anteriormente. Dito de outra forma, foi
por meio da
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literatura que este movimento se inseriu no contexto dos meios de
comunicação da
época, extrapolando posteriormente para todas as formas de
manifestação artística. Nas
palavras de Buitoni (1981), “a efervescência do modernismo traduziu-se,
em termos
editoriais, numa série de revistas literárias que apareceram durante a
década,
extravasando em texto parte deste movimento cultural mais amplo que
atingiria todas as
formas de expressão artística” (p:48).
Entre as revistas criadas na época apontadas por Buitoni (1981), “Vida
doméstica”
(1929); “A maçã” (1922); “Renascença” (1923); “Shimmy” (1925); “A
Cigarra” (1924);
“O Cruzeiro” (1928), entre outras. Destacamos a seção “Collaboração
das Leitoras” da
revista “A Cigarra”, que buscava espelhar os acontecimentos do mundo
social
adolescente da época, onde freqüentes eram os recados enviados por
moças leitoras a
príncipes encantados.
A autora considera que a imprensa feminina da década de 1920
trabalhava com
um ideal que admitia a mulher como a sacerdotisa da beleza. O enfoque
espiritual e no
cultivo do belo, principalmente do belo físico fazia parte deste mapa
ideológico que
associava a imagem da mulher à idéia de um ser etéreo, cultivador de
valores
espirituais. Esta essencialidade trazida pelo contexto modernista
anunciava uma
desarticulação da sociedade patriarcal no plano da política e da
economia e dos
costumes sociais. A idéia de construir uma cultura genuinamente
brasileira a partir da
“deglutição” de múltiplos referenciais, em contraposição à mimesis da
cultura francesa
vigente, instaurava a tentativa de originalidade por meio do
“descobrimento” desta
pureza brasileira, que de certo modo se aproximava dos ideais da
Renascença dos
séculos XV e XVI. Esta busca pela origem, se por um lado impactava a
imprensa e os
costumes, por outro viria representar a imagem feminina como a da
mulher simples,
com pouquíssima maquiagem, despida de grandes adornos, ou seja, era
mulher
essencial, natural, pura, sem que com isso fosse ingênua. Ser bonita
neste tempo,
significava ser consciente de sua educação e direitos, significava estar
informada sobre
saúde e sobre o seu mundo e o que acontecia em outros contextos
sociais, não enquanto
agente de mudanças, mas como um ser dotado de racionalidade que,
em certo sentido,
materializava a essência do conceito de beleza da época.
“Embora tentando ligar a mulher ao mundo material, tratando de sua educação de sua
saúde e de
seus direitos, do trabalho feminino e de sua conscientização, de sua informação, do
contato com o
mundo proletário, é ainda uma mulher etérea, cultivadora de valores espirituais, o
modelo
proposto” (Id.: 63).
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27
Na década de 1930 as mulheres finalmente alcançam o direito a voto no
Brasil.
Contudo o caminho democrático para o qual rumava o país fora
interrompido em 1937
pelo Estado Novo, que viria estabelecer anos mais tarde, os limites para
a cultura
brasileira por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
Apesar do início
da década demonstrar prosperidade e alegria de viver nas páginas das
revistas, a
atmosfera inquietante que pairava internacionalmente refletia a tensão
decorrente da
crise econômica, iniciada ainda em 1929, acentuando, de certa forma,
os nacionalismos
em diversos países.
O mundo dominante se dividia em blocos de pensamento político:
isoladamente
estava a antiga União Soviética, a seguir vinham as democracias liberais
da França,
Inglaterra e Estados Unidos e por fim estavam os Estados fascistas, Itália
e Alemanha.
No Brasil, a Revolução de 30 e posteriormente o Estado Novo
impactavam as
tensões entre literatura e jornalismo na imprensa controlada pelo
governo. As mudanças
decorrentes das crises internacionais que culminaram na eclosão da
Segunda Guerra
Mundial transformavam também o cenário social brasileiro afetando o
campo da
produção das publicações. Seguindo a corrente integralista, esta tensão
impulsionava a
propaganda ufanista de uma maneira geral e as representações da
mulher na imprensa
buscavam estabelecer o estereotipo feminino brasileiro. Buitoni (1981)
observa que
neste período a imagem feminina na imprensa era representada pela
idéia da mulher
brasileira como “A virgem dos Lábios de Mel”, característica da
personagem Iracema,
no romance homônimo de José de Alencar (1865), que como vimos,
tinha por
pressuposto a fundação de uma narrativa capaz de dar conta da
fundação cultural
brasileira.
Além das mudanças na imprensa, outros campos da comunicação
também se
modificavam. Com o desenvolvimento do rádio a válvula, neste período,
os custos de
produção do aparelho se tornaram menores e um maior número de
pessoas passou a ter
acesso ao desejado meio de comunicação. É na década de 1930 que
surgem as primeiras
radionovelas, idealizadas nos Estados Unidos. Segundo Renato Ortiz
(2001), este
produto de comunicação buscava atingir o maior número de pessoas
possível,
principalmente o público feminino, uma vez que seu objetivo era
aumentar o volume de
vendas de sabão em pó.
“Concebida originalmente como veículo de propaganda das ‘fábricas de sabão’, ela
visava
aumentar o volume de vendas dos produtos de limpeza e toalete, comprado
principalmente pelas
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mulheres. Com a expansão das empresas americanas na América Latina (Colgate,
Lever), buscouse
aclimatar a american-soap ao interesse folhetinesco das mulheres latino-americanas”
(p:44).
Na década de 1940 aumenta a influência norte-americana junto aos
meios de
comunicação. A presença da literatura nas revistas torna-se cada vez
mais escassa,
resumindo-se à publicação de um ou outro conto ou poesia. Em
compensação, cada vez
se torna maior o número de fotografias publicadas nas revistas em que
era veemente a
alusão ao modo de ser e de viver de atores e atrizes norte-americanos.
Ainda que em
plena guerra, seja por meio do rádio, seja pelo cinema, Hollywood passa
a ser o assunto
que domina as conversas femininas, dando à imprensa da época um
caráter afastado do
contexto bélico em que vivia boa parte do mundo. Neste sentido, Buitoni
(1981) registra
que as revistas femininas da época buscavam mostrar conteúdos cada
vez mais voltados
para a disseminação de uma identidade norte-americana no Brasil.
“Na década de 40, o jornalismo norte-americano expandiu-se. As agências mandavam
material que
era traduzido e raramente adaptado. O texto vinha assinado por nomes estrangeiros;
as fotos
também. Hollywood difundia o otimismo como padrão, mesmo em plena guerra.
Revistas como ‘O
Cruzeiro’ que possuía uma razoável dose de nacionalização, com reportagens escritas
e
fotografadas no Brasil, e muita ilustração desenhada por artistas brasileiros, também
não
escapavam à avalanche americana nos meios de comunicação de massa, processada
principalmente
via cinema. Metro, Columbia, Warner, Fox, Paramount, RKO, eram os emissores de
fotos e textos
que traziam informações sobre artistas ou até pequenas histórias protagonizadas por
eles (por
exemplo, três starlets encontrando Papai Noel em pessoa, no ‘O Cruzeiro’, de
dezembro de 42)”.
(p:73)
Parece-nos que neste período se estabelecia a cosmologia necessária ao
desenvolvimento de uma futura indústria cultural no país. O “star-
sistem” havia sido
inaugurado no Brasil por meio da crescente audiência de filmes
protagonizados por
astros e estrelas do cinema hollywoodiano, bem como devido à
reificação dos modos de
vida expressos nos filmes, reiterados pela publicidade e pela imprensa.
Enquanto no
rádio as novelas alimentavam o interesse folhetinesco das ouvintes, no
cinema as atrizes
estabeleciam o os ideais de beleza a serem imitados pelas
expectadoras. Neste sentido,
as revistas femininas da época buscavam adaptar-se às tendências
deste novo estilo
juntando cada vez mais a fotografia com o folhetim. Um dos mais bem
sucedidos
exemplos desta mudança se deu em 1947, quando a editora Vecchi
lançou a revista de
fotonovelas “Grande Hotel”. Apesar de somente em 1951 passar a ter
fotos, “Grande
Hotel” inaugurou um gênero até então inédito no país, ultrapassando em
vendas um
milhão de exemplares semanais, segundo Buitoni (1981).
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No entanto, mesmo com o crescimento do mercado de entretenimento
no país e
da produção de novos bens simbólicos de diversão, não se pode
considerar muito viável,
se seguirmos o pensamento de Renato Ortiz (2001), a aplicação do
conceito de Indústria
Cultural no Brasil dos anos de 1940. Este conceito, desenvolvido por
Adorno e
Horkheimer em 1947, pressupõe que a indústria cultural é a integração
deliberada a
partir do alto de seus consumidores, ou seja, a vulgarização da arte
superior e inferior e
sua distribuição através de veículos de comunicação de massa
manipuladores e
aniquiladores da consciência e do pensamento crítico humano4. Tal
pensamento, que
marca profundamente os estudos da Escola de Frankfurt, da qual Adorno
e Horkheimer
participaram ativamente, admitia que o desenvolvimento da Indústria
Cultural
decorresse da economia industrial capitalista que por sua vez conferia à
cultura dos anos
40 um ar de semelhança. Admitindo a existência de um sistema onde o
cinema, o rádio
e as revistas eram partes coerentes em si mesmas e componentes do
conjunto dos meios
de comunicação, Adorno e Horkheimer defenderam que mesmo as
manifestações
estéticas de tendências políticas opostas integravam uma só “máquina”
de produtos
descartáveis. Na perspectiva destes autores as noções de particular e
universal eram
falsas na medida em que a unidade implacável da indústria cultural
confirmava a
unidade em formação da política, ou seja, não havia partido na escolha
dos temas a
serem desenvolvidos. Ao contrário, estes já haviam sido aceitos antes
mesmo que os
segmentos competentes pudessem disputar.
Na década de 1940, nos Estados Unidos, a revolução industrial
capitalista e o
surgimento da propaganda inauguraram o estudo do comportamento do
consumidor e
seu nivelamento em categorias de preferência. Com o desenvolvimento
desta indústria
tornou-se possível estabelecer a oferta de um tipo de “produto cultural”
para cada
indivíduo conforme o seu nível de classificação. A diferenciação dos
produtos culturais,
decorrente da mecanização da produção empregada na época, enfatizou
muito mais a
classificação do consumidor do que o conteúdo do produto. Na visão
destes dois
pensadores da Escola de Frankfurt, a indústria cultural escolheu,
determinou, classificou
e diferenciou o produto de acordo com o potencial de consumo do
indivíduo. Para o
4 Ver ADORNO, Theodor, W. HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarescimento:
fragmentos
filosóficos. Rio de Janeiro. Jorge Zahar.1985.
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consumidor não restou mais nada a escolher ou classificar que já não
tivesse sido
previsto no esquematismo da produção.
No caso brasileiro Ortiz (2001) nos esclarece que nos anos de 1940
ainda
vivíamos uma fase inicial da sociedade moderna, onde a produção e
distribuição de
produtos culturais ainda estavam muito marcadas pela centralidade no
Estado e não pelo
mercado cultural capitalista. Ou seja, a integração a partir do alto que
era um dos alvos
da crítica frankfurtiana, não se dava no Brasil deste período porque o
próprio sistema
capitalista brasileiro enfrentava dificuldades materiais para se
estabelecer.
“Seria difícil aplicar à sociedade brasileira deste período o conceito de indústria cultural
introduzido por Adorno e Horkheimer. Evidentemente as empresas culturais existentes
buscavam
expandir suas bases materiais, mas os obstáculos que se interpunham ao
desenvolvimento do
capitalismo brasileiro colocava limites para o crescimento de uma cultura popular de
massa.
Faltavam a elas um traço característico das indústrias da cultura, o caráter integrador.
A análise
frankfurtiana repousa numa filosofia da história que pressupõe que os indivíduos no
capitalismo
avançado se encontram atomizados no mercado e, desta forma, podem ser agrupados
em torno de
determinadas instituições. (...) Penso que no caso brasileiro é justamente este
elemento que se
encontra debilitado pelo fato, que Shils aponta, de vivermos uma ‘fase inicial da
sociedade
moderna’. Apesar de todo o processo de centralização iniciado pela revolução de 30, e
fortalecido
pelo Estado Novo, a sociedade brasileira, no período que a consideramos é fortemente
marcada
pelo localismo” (p: 48 e 49).
Ainda que não pretendamos aprofundar o debate acerca da história da
moderninade no Brasil, não apenas diante da diversidade de abordagens
acadêmicas,
mas pelo próprio limite desta pesquisa, parece-nos que se por um lado
nos anos de 1940
não havia ainda condições para o estabelecimento de uma indústria
cultural
propriamente brasileira, por outro a própria indústria cultural norte-
americana havia
difundido suas bases para além dos limites dos Estados Unidos,
principalmente durante
a guerra. O reflexo deste panorama pode ser observado em diversos
veículos de
comunicação da época, no nosso caso, nas revistas femininas. Além das
fotonovelas
publicadas pela revista “Grande Hotel”, revistas como “Carioca”, por
exemplo,
tornavam-se as precursoras das publicações de fofocas sobre astros e
estrelas de
Hollywood, tão comuns desde então.
Um outro traço que marca este período na imprensa feminina é a
inauguração de
um psicologismo que se materializa por meio dos testes de
personalidade, muito
populares até hoje em publicações dirigidas ao público feminino de
todas as idades.
Segundo Buitoni (1981), os testes de personalidade buscam estabelecer
uma
identificação daquela que o responde com um determinado modo de ser
ou de viver que
por sua vez é rotulado em categorias.
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“Um gênero que vai se afirmar quase que obrigatório nas revistas femininas, sejam
elas populares
ou mais sofisticadas: o teste. Vulgarização do psicologismo que começa a ser
intensificado nos
veículos de comunicação, vontade de autoconhecimento, busca de modelos de
comportamento,
etc., tudo isso será motivo do grande prestígio do teste junto a suas leitoras. As
revistas femininas
sabem dessa preferência e ainda hoje publicam testes, alguns mais elaborados, às
vezes feitos por
psicólogos, outros mais simplórios. As revistas sofisticadas chegam a emprestar um
certo caráter
científico aos testes que publicam. (...) As imagens da mulher encontram-se nestes
modelos. Toda
uma ideologia do papel feminino está em cada um dos tipos propostos”. (p:82).
Por meio do teste a leitora responde um conjunto de perguntas e ao final
efetua
uma contagem de pontos que lhe informará em qual categoria ela se
encaixa. Em nossa
pesquisa, embora pretendamos aprofundar este assunto mais adiante,
entrevistamos
adolescentes leitoras de revistas femininas juvenis que acreditam saber
mais sobre si
mesma através deste mecanismo, que como vimos surgira no final dos
anos de 1940.
Claro que as categorias de hoje não são as mesmas do passado. Em
1947 o teste da
revista “Grande Hotel”, por exemplo, dividia as leitoras entre “a
amorosa”, “a esposa”,
“a inteligente”, e etc; as revistas femininas juvenis de hoje trazem outra
divisão: “a
descolada”; “a fashion”; etc. Neste sentido, o que estamos tentando
salientar não é,
portanto, as categorias em si, mas a forma como elas se estruturam e se
colocam a
disposição das leitoras. Estas referências de subjetividade, de certo
modo, indicam as
formas pelas quais podemos identificar a representação da mulher em
certo contexto
histórico.
1.2.2. O surgimento de uma cultura adolescente-juvenil
Os anos de 1950 trazem um avanço no desenvolvimento das
publicações dirigidas
exclusivamente para a mulher, como era o caso das revistas femininas.
Em
contrapartida, no que tange ao jornal propriamente dito esta
especialização ainda
custava a aparecer. Buitoni (1981) nos esclarece que as seções
femininas dos jornais
impressos pareciam estar sem receber muita atenção e estes veículos,
de uma forma
geral, ainda seguiam os modelos norte-americanos.
“Os jornais ainda custam a modernizar-se em termos de forma e conteúdo. Os velhos
padrões, a
maioria do jornalismo norte-americano, dão a fisionomia de todos eles. E, no tocante às
seções
femininas os jornais sempre estão atrasados em relação às revistas. (...) A mulher,
como público,
não é muito considerada. A impressão que se tem é que o jornal editava a página
feminina mais
para constar” (Id.P:85).
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Enquanto o jornal parecia não atribuir muita importância às leitoras, a
indústria
editorial de revistas femininas ia “de vento em popa”. Isto parece
reforçar a idéia de
afastamento da mulher dos fatos e acontecimentos da vida pública,
direcionando seu
foco não apenas para a vida privada do lar, mas para uma ilustração de
feminino
impressa nas páginas das revistas. Estas publicações traziam além de
receitas de pratos e
bordados, notícias sobre os acontecimentos e a vida dos astros e
estrelas que figuravam
no cinema e nas radionovelas. A era juscelinista impulsionava o clima
desenvolvimentista no país e mesmo ainda havendo forte influência
norte-americana na
relativa indústria cultural brasileira, o rádio era o principal veículo de
difusão dos ídolos
nacionais. Neste período de desenvolvimento econômico é inaugurado
também o
colunismo social, um gênero jornalístico que, segundo Buitoni (1981),
ajudou a formar
ídolos nativos, ainda que a influência estrangeira fosse preponderante.
Diante deste clima folhetinesco em que vivia o país, e em certo sentido
romântico, surge, em 1952, a revista Capricho, primeira publicação
feminina de Victor
Civita, que até então editava apenas quadrinhos de Walt Disney. Muito
diferente da
revista que conhecemos atualmente, a revista Capricho deste período
foi uma
publicação de fotonovelas que atingira um volume de vendas jamais
visto pela indústria
do gênero5. Buitoni (1981) aponta que o ideal feminino predominante
nos anos de 1950
mostrava a mulher como “a garota moderna”, este ideal descrito pela
autora é muito
semelhante ao da revista Capricho no período “a revista da mulher
moderna”. Conforme
a análise da autora é nesta época que a apologia à juventude se
instaura e será difundida
nos anos seguintes. Muito embora seja importante esclarecer que a idéia
de garota dos
anos de 1950 estava muito mais próxima da idéia mulher do que da
idéia de adolescente
com a qual trabalham as revistas femininas juvenis da atualidade.
Percebemos que o que
se tinha nesta época era uma espécie de rejuvenescimento da imagem
feminina muito
apoiada nos estereotipo dos astros e estrelas que figuravam na indústria
cultural da
época, sempre jovens, belos e bem sucedidos.
Como nos esclarece Edgar Morin (2001), do surgimento de uma cultura
adolescente-juvenil inaugurada em meados dos anos de 1950 a partir de
certa
quantidade de filmes e de gêneros musicais capazes de difundir uma
ideologia que
5Segundo Buitoni (1981) a revista Capricho no fim da década atingia uma venda de
500.000 exemplares,
um resultado bem expressivo, considerando que as outras publicações femininas da
época não vendiam
mais de 50.000 exemplares.
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associava ao jovem, os comportamentos de irreverência, rebeldia, e
ruptura com o
mundo adulto para a construção de uma identidade.
“Uma cultura adolescente-juvenil relativamente nova se constitui por volta de 1955, a
partir de um
certo número de filmes, (...), que revelam novos heróis, adolescentes no sentido
próprio, revoltados
com o mundo adulto e em busca de autenticidade. Depois vem a onda do rock, do jerk,
entorno da
qual se cristalizam não apenas um gosto juvenil por uma música e por uma dança
particularmente
intensas, mas quase uma cultura (...), quase uma atitude em face da vida” (p:138 e
139).
Desse modo, chamamos a atenção para um dos paradoxos que ficam
muito
aparentes nesta forma de cultura juvenil que começa a surgir nos anos
de 1950 e que é
expressa materialmente pelos produtos de entretenimento da indústria
cultural. Os
jovens são afetados pelos produtos e os consomem, ainda que a
indústria cultural
pertença ao mundo adulto – afinal são os adultos e o seu sistema de
produção e
distribuição de cultura que os bens simbólicos chegarem até suas mãos.
Ao consumir
estes bens simbólicos, os adolescentes, de certo modo, traduzem para o
mundo adulto, o
seu padrão de gosto que, por sua vez, pode ser medido pelo número de
ouvintes de
determinados programas de rádios, pela bilheteria dos cinemas, pela
audiência de
determinados programas de televisão, pela circulação de mídia
impressa, etc. Esta
recepção realimenta o sistema produtivo e o direciona, estabelecendo o
mercado da
cultura de massa.
No mundo ocidental, desde os anos de 1950, a cultura de massa foi
capaz de
estabelecer fronteiras entre determinados agrupamentos sociais e de
gerar formas
diferentes de cultura. Como Morin (1997) observou estes produtos de
entretenimento,
“fornecem modelos, heróis, armaduras, e atrofiam vilurências” (p:156).
De certa forma
geraram a “rebeldia” pela qual a “adolescência” passa a ser
estereotipada mesmo em
estudos científicos. Além disso, os clichês sobre a adolescência foram
apropriados por
uma indústria que buscava, ela sim, enquanto indústria, diferenciais de
mercado para
atrair novos consumidores. Este foi o caso da revista Capricho, por
exemplo.
Ainda que reconheçamos a necessidade de aprofundamento maior,
acreditamos
que a idéia de “adolescência” que se estruturou na produção editorial
feminina, a partir
dos anos de 1950, foi trabalhada muito mais no que se refere a uma
segmentação e
diversificação de mercado do que no que diz respeito à legitimação e
ascensão de uma
categoria social divorciada das demais. No nosso modo de ver, a
necessidade de
diferenciação e de construção de identidade que foi expressa por este
certo segmento da
cultura de massa não se constituiu por fatores biológicos relativos às
mudanças
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corporais em determinada faixa etária da população, mas pelo discurso
midiático, capaz
de dar um sentido cultural a estas questões, fazendo com que o
indivíduo em uma faixa
etária específica fosse capaz de se ver em estado de mudança e de
gerar uma demanda
de bens simbólicos que alimentaram os altos lucros da indústria cultural
capitalista.
Estando sujeito às mudanças da “adolescência”, estes “jovens” passam
a consumir
outros bens, materiais e simbólicos, aos quais não tinham acesso
quando na “fase
infantil”. Isso nos faz pensar em um surgimento de um novo padrão de
gosto e uma
segmentação de mercado que ofertam bens e serviços específicos para
esta faixa etária.
Incluem-se aí as revistas femininas juvenis, que serão consumidas
seletivamente por
pessoas de várias idades e pertencentes às diversas classes sociais de
forma diferente.
“esta cultura adolescente-juvenil é ambivalente. Ela participa na cultura de massas que
é a do
conjunto da sociedade, e, ao mesmo tempo procura diferençar-se. Ela está
economicamente
integrada na indústria cultural, capitalista, que funciona segundo a lei do mercado. E é
pois, um
ramo de um sistema de produção-distribuição-consumo que funciona para toda
sociedade levando
a juventude a consumir produtos materiais e produtos espirituais, incentivando os
valores de
modernidade, felicidade, lazer, amor, etc. Mas por outro lado, sofre a influência da
dissidência e da
revolta, ou mesmo da recusa da sociedade de consumo” (MORIN, Edgar, 2001, p- 139).
O processo de diferenciação social de um determinado grupo pode ser
percebido
não apenas pela posição econômica ou intelectual dos seus indivíduos,
mas pela
capacidade deste grupo se distinguir socialmente a partir do que gosta,
estando este
gosto diretamente associado ao que consome. Tais especificidades
podem ser
percebidas também nas produções editoriais que permeavam as
revistas femininas nos
anos de 1960. Buitoni (1981) nos mostra que nesta década, as
publicações dirigidas para
o público feminino assumem um perfil mais comercial, no qual a mulher
assume um
papel relevante na sociedade de consumo que poderia ser observado
não apenas pelo
crescente número de anúncios que eram publicados nas revistas, mas
pelo estímulo
constante provocado por estas por meio de fotografias, páginas a cores
e reportagens
sobre moda. De certo modo, o consumo passa a ser o grande foco das
editorias deste
tipo de publicação.
“A mulher já havia sido introduzida na sociedade de consumo. As revistas femininas
trazem cada
vez mais anúncios, a atestar a capacidade compradora de seu público. Mais páginas a
cores, mais
‘reportagens’ de moda, matérias ensinando a comprar melhor eletrodomésticos, etc,
etc.: o projeto
editorial de cada veículo dirigido às mulheres tem em vista o consumo, em primeiro
lugar. Contos,
culinária, psicologia, conselhos de beleza não são escolhidos por si; tudo o que vai
dentro de uma
revista, ou esta ligado diretamente a um produto (moda e maquiagem, por exemplo),
ou serve de
atrativo para que a revista seja comprada e com isso divulgue a publicidade nela
contida. O
conteúdo é, portanto, instrumental: serve a objetos empresariais bem delimitados”
(p:93).
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Percebemos não apenas o caráter informativo destas publicações, mas
uma
tendência formativa que buscava orientar o padrão de gosto feminino
dentro de um
contexto social bastante significativo na história brasileira, o dos anos de
1960.
Na música, havia o reprocessamento da bossa nova, a jovem guarda e
as músicas
engajadas, ou “de protesto”. Nas telas, o cinema novo fazia vanguarda
mostrando uma
face da realidade brasileira diferente do glamour hollywodiano; as
relações sociais
conflituosas eram ambientadas sobretudo no mundo rural, onde se
desencadeavam
situações que tentavam se aproximar cada vez mais da realidade. Na
televisão, os
festivais de canção eram estimulados pela forte audiência que
incentivava as disputas no
campo da arte. No campo político, o país vivia um clima de tensão que
apontava para
um descompasso que, segundo o ponto de vista da ideologia da
esquerda da época,
colocava em caminhos opostos a marcha da história e a consciência
popular. Em
meados da década de 1960, vem o Golpe Militar, seguido pelo regime
ditatorial que
durariam 21 anos no Brasil. De um lado estava o sistema político
repressor; de outro, os
movimentos estudantis faziam parte de uma esquerda engajada e
nacionalista que
impactava fortemente, não apenas as produções no campo da arte e da
cultura, mas a
própria concepção de arte, que passou a ser instrumento para a
reivindicação política.
Paralelamente à cultura de esquerda, havia também a cultura alienada
que era
alimentada por um viés mais individualista e pelo clima romântico e
descompromissado
que seguia no ritmo da jovem-guarda, na batida da indústria cultural.
A apologia à insatisfação feminina incentivada pelas publicações da
época não
apenas era motivada pelo clima sócio-político, mas também se tornou
uma ferramenta
eficaz para conquistarem mais e mais leitoras. Segundo Buitoni (1981),
as publicações
traziam reportagens que valorizavam progressivamente a emancipação
da mulher, por
meio de exemplos daquelas que ao se verem insatisfeitas com o
exclusivo papel de
“dona-de-casa” e de mãe, passam a assumir outras funções sociais que
até então eram
restritas ao universo masculino. Neste aspecto, percebemos que, seja
pela valorização de
certas mulheres que conquistaram um novo lugar na sociedade
brasileira, seja pelo
incentivo ao consumo, a orientação ideológica destas publicações
estabelecia um novo
modelo de mulher, que deixava de ser a “rainha do lar” para se tornar
uma “mulher
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realizada em si mesma”, com autonomia para escolher a sua própria
vida e,
principalmente, os produtos que fariam parte desta.
Buitoni (1981) nos mostra que a rebeldia, o radicalismo e a
independência são
signos utilizados pelas publicações femininas para fornecer alguns
contornos da
juventude da época. Um dos exemplos que a autora utiliza está no
número 24 da revista
“Claudia”, do mês de setembro de 1963 e que a seguir reproduzimos
para efeito de
ilustração da chamada “Garota Zona Sul”, ou como era conhecido termo
na época
“Garota ZS”.
“Estão ligadas em uma rebelião contra as coisas estabelecidas, mas sua maneira de
externá-la ou
mesmo de pressentir essa rebelião é muito variável. Ela pode ser identificada por
fumar ou não
fumar, por ser intransigente ou não em matéria de sexo, por preferir Jazz ou Vivaldi,
por abandonar
os estudos ou ser aluna excepcional, por ser politicamente participante ou detestar
política, por usar
biquíni ou nunca ir à praia. Em todos os casos, ela é radical e sempre contraditória”
(p:96).
Por meio deste exemplo, notamos a diferença entre a concepção de
juventude dos
anos de 1960 em relação àquela com a qual trabalham as revistas
femininas juvenis de
nossa pesquisa. Observamos nesta presença emancipatória um traço
que se prestava
para estabelecer o novo modelo de mulher daquela época e anunciava a
presença da
juventude no ideal de mulher independente, tão comum nos nossos
dias. Essa tendência
de liberação feminina anunciada nos anos de 1960 terá continuidade na
década seguinte.
Notamos a partir de uma reflexão inicial acerca dos esquematismos da
produção
industrial da cultura – que estabelecem um tipo de produto para cada
tipo de
consumidor - que a existência de revistas para o público feminino e que
a subdivisão
deste público em femininas juvenis no Brasil foi, entre outras razões que
veremos mais
adiante, fruto da criação de uma indústria nacional e do sucesso de uma
segmentação do
mercado editorial que aos poucos foi dividida por gênero e por faixa
etária, com o
objetivo de atender um grupo de consumidoras dispostas a se inserir no
sistema da
cultura de massa. Segundo Renato Ortiz (2001), foi a partir dos anos de
1960 que a
indústria editorial brasileira pôde se modernizar com a importação de
novos
maquinários, o que repercutiu não só na qualidade dos produtos
existentes, como abriu a
oportunidade desta indústria lançar novos produtos para um mercado
cada vez mais
receptivo. Um dos exemplos desta segmentação apontados foi o da
editora Abril, que
segundo o autor, “busca atingir o público feminino, setorizando sua
produção:
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fotonovelas6 (linha já inaugurada anteriormente), costura (Agulha de
Ouro), cozinha
(Forno e Fogão, Bom Apetite), moda (Manequim), decoração (Casa
Cláudia), assuntos
gerais (Claudia).
Neste sentido, assim como admitimos que as revistas femininas juvenis
são, ou
buscam ser, referências do mundo social deste um determinado grupo,
estas publicações
dos anos 60 também eram ou procuravam ser as referências do mundo
social feminino
da época. Enquanto na década de 60 os assuntos: fotonovelas, costura,
cozinha, moda,
decoração e assuntos gerais eram tratados pela Editora como femininos,
atualmente
observamos nas revistas femininas juvenis os assuntos moda, beleza e
comportamento
como eixos centrais.
1.2.3. Sexo e Consumo
Nos anos de 1970, Buitoni (1981) nos mostra que dois aspectos tornam-
se
predominantes na imprensa feminina: o consumo e o sexo. As
publicações da época se
assemelham muito mais com um catálogo de produtos para a mulher do
que fontes de
informação para elas. As revistas femininas deste período trabalhavam
com uma
representação de “liberdade” que era alcançada por meio da escolha de
produtos e
tratamentos de beleza. Havia neste período publicações independentes,
com reduzida
distribuição, nas quais era possível observar a perspectiva da mulher
operária e da
estudante. Todavia, seja pelo contexto da social em que vivia o país,
seja pelos altos
lucros que as editoras haviam vislumbrado, a maioria das publicações
expressava por
um lado a centralidade da mulher enquanto aquela que é livre para
decidir o que
comprar e por outro, o papel desta enquanto coadjuvante do sexo
oposto.
“O auge do consumo nas revistas brasileiras acontece nesta década. Cada revista nova
a ser lançada
é precedida de pesquisas que determinam tipo de assuntos, linguagem, tamanho,
capa, etc. (...) As
revistas passaram a ser um produto industrial, antes de mais nada; o problema cultural
é meramente
secundário; as necessidades reais vêm atrás das necessidades artificialmente criadas
pelos meios de
comunicação. (...) Mas o produto mais veiculado nas revistas gerais e nas femininas, foi
o sexo. O
sexo foi o principal produto editorial vendido nesta década. A grande repressão política
dos
primeiros anos canalizou as insatisfações para o desrecalque em outras áreas. As
revistas
masculinas eram censuradas (com retoques de fotos em nus, etc.), mas havia uma
permissividade
controlada que interessava ao sistema – desviava as atenções. Nas revistas femininas
o sexo foi
conquistando lugar palmo a palmo. De referência à insatisfação sexual da mulher
casada, foi
passando a matérias sobre virgindade, masturbação, orgasmo, etc, e no final da
década várias
6 Entre as fotonovelas editadas pela Editora Abril, está Capricho, que somente anos
depois, tornou-se
aquilo que entendemos por uma “revista feminina adolescente”.
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revistas femininas já conseguiam publicar, com todas as letras, os nomes dos órgãos
sexuais
femininos, coisa inimaginável nas contidas revistas da década de 60” (p:105-106).
Ainda que tardiamente em relação ao desenvolvimento da indústria
cultural em
outros países como os Estados Unidos, por exemplo, percebemos que
este modelo de
produção, aos poucos, ganhava força em nosso país. Isto se deu pelo
contexto político e
econômico que favorecia a implantação de uma indústria cultural no
Brasil e pela
própria aceitação dos produtos desta indústria. Este foi capaz de gerar
altos lucros
promovendo mudanças na forma de “relacionamento com a cultura,
uma vez que
definitivamente ela passa a ser concebida como um investimento
comercial” (ORTIZ,
R., 2001, p-144). Passados quase 30 anos, as pesquisas de consumo tão
recorrentes nos
Estados Unidos deste o fim da década de 1940, haviam sido
incorporadas aos modos de
produção editorial brasileiros.
Embora observemos uma mudança efetiva no campo da indústria
cultural
brasileira a partir dos anos de 1960, notamos certa permanência no
papel da mulher na
década seguinte. Apesar de as publicações femininas dos anos de 1970
abordarem
assuntos até então proibidos, as representações da mulher “liberada”
deste período
faziam apologia não mais do casamento tradicional, mas de um tipo de
relacionamento
mais descompromissado. Se por um lado, a mulher havia conquistado
uma dada
liberdade, que em certo sentido apontava para uma personalidade mais
individualista,
por outro esta liberdade era relativa à sua capacidade de ser percebida
pelo sexo oposto
– capacidade esta condicionada a uma vida hedonista, repleta de
produtos e tratamentos
de beleza, necessários à felicidade conjugal.
As revistas femininas deste período renovam o aspecto ideológico deste
tipo de
imprensa que perpetua o afastamento da mulher dos fatos e decisões da
vida pública ao
mesmo tempo em que convida à leitora a protagonizar sua vida,
escolhendo parceiros da
mesma forma como escolhe os produtos que lhe dão prazer. Nas
palavras de Buitoni
(1981) trata-se de um ideal no qual a felicidade feminina se reduzia aos
dois aspectos,
amar e comprar.
“Prazer de descansar, de pintar, comer, comprar... Prazeres para os cinco sentidos,
sempre numa
visão individualista. O que importa é o próprio prazer, quando muito o prazer a dois.
Mas fora
disso o mundo social não existe. A dimensão social fica perdida; anseia-se apenas por
uma rede
onde se possa ficar enroscada no corpo dele. A felicidade é comprar e amar. O casal é
a solução de
felicidade, o caminho apontado, de preferência num cenário tipo ilha paradisíaca, até
onde não
chegam nem os ecos dos problemas sociais. O individualismo, o isolamento egoísta, o
prazer como
sentido de vida. Eis a nova mulher, antiga por dentro, nova por fora, com mais algumas
algemas
douradas: o sexo e o consumo” (p:105).
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Foi a partir dos anos de 1970, que representação da mulher se insere
em um
discurso diverso das décadas anteriores que, em certo sentido,
permanecerá nos anos
seguintes. A imagem de mulher liberada inaugurada nesta época irá
vigorar no
panorama da imprensa feminina brasileira dos anos de 1980, em que
cada vez mais a
mentalidade consumista é propagada. Cada vez mais é preciso ter para
ser. Percebemos
neste período uma apologia recorrente aos aspectos relacionados à
valorização do
indivíduo em detrimento do grupo. Seja pelo contexto sócio-político
ainda fortemente
marcado pelos efeitos da ditadura, que por sua vez resultou no
enfraquecimento dos
movimentos sociais, seja pela sensação de fracasso das iniciativas
coletivas de
mudança, seja também pelo crescente desenvolvimento da indústria
cultural brasileira.
A mulher dos anos de 1980 era representada como a “mulher
semprenova”, linda,
livre, jovem, saudável e obviamente, desejável. O aspecto individual
relacionado à
imagem feminina foi fortemente marcado pela capacidade constante de
mudança da
mulher. Esta mulher era aquela que acompanhava as tendências da
moda impressas nas
páginas das revistas femininas, que era capaz de moldar o seu corpo por
meio de
exercícios físicos e de dietas, de cirurgias plásticas e de tratamentos
cosméticos que lhe
prometiam juventude, beleza e saúde; era a mulher que não mais
estaria presa à
estrutura do casamento para dar conta do seu próprio sustento e de
seus filhos. Neste
período é cada vez mais freqüente a presença de mulheres divorciadas:
dos maridos e
das obrigações do lar. A sexualidade passa a ser vivida de uma forma
mais
descompromissada com as estruturas sociais tornando-se uma maneira
de autoconhecimento
em busca do prazer, mais do que um pressuposto para a materialização
do
amor romântico. O sentido de realização feminina nos anos de 1980
expressava as
soluções para a satisfação das necessidades materiais de consumo, em
que a mulher foi
transformada no seu próprio objeto de desejo. Desejo este em constante
mutação,
impregnado pelo contexto da novidade e pela competição entre as
mulheres.
Um dos exemplos mais significativos deste modo de vida proposto pelo
sistema da
cultura de massas no Brasil desta época é o da apresentadora de
televisão e modelo.
Xuxa, segundo Amélia Simpson (1994), representou certa dualidade da
mulher-criança
expressa muitos anos antes por Marilyn Monroe nos Estados Unidos,
com o seu jeito
brincalhão, inocente, vulnerável e infantil. No caso de Xuxa, esta
representação
feminina se estendeu não apenas no que tange ao gesto, mas a própria
exibição de um
corpo mitificado pelos meios de comunicação de massa e que, em certo
sentido era
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capaz de expressar os anseios da identidade nacional e reiterar a
imagem do “Brasil
enquanto o país do futuro”, muito conveniente aos interesses políticos
da época.
“A imagem de Xuxa é construída sobre a identidade cultural, sobre os papéis dos
sexos, sobre raça,
sobre a identidade do Brasil, que se equilibra sobre o primeiro e o terceiro mundos, e
sobre a
incerteza do futuro da nação, que é simbolizado por suas crianças. Xuxa convida os
telespectadores
não a refletir sobre esses importantes assuntos, mas a desistir de se responsabilizar
por eles. A
prazerosa energia assim liberada é então canalizada para o consumismo que Xuxa
alimenta, tanto
entre crianças quanto entre adultos. Seus programas promovem o consumo como se
Xuxa fosse um
insaciável ídolo, conforme rotulam frequentemente os textos da mídia. O tributo do
Brasil a seu
ídolo é pago por uma geração de crianças virtualmente educadas pelas mensagens
reacionárias e
comerciais da ‘TV Globo’ e do ‘Xou da Xuxa’” (p:54).
Neste sentido, o aspecto jovial da mulher dos anos de 1980 foi sendo
associado ao
sentido de empoderamento feminino que culminou nos anos de 1990.
Seja pela
ocupação feminina progressiva dos postos de trabalho e dos bancos
universitários, seja
pela possibilidade de autonomia sexual, percebemos que a mulher dos
anos de 1990
começa a ser representada pela imagem de “mulher hipertextual”: bela,
jovem, sensual,
inteligente e superior, com poderes suficientes para dar conta dos
papeis de mãe, esposa,
profissional e intelectual. A mulher deste período é representada nas
páginas das
revistas femininas como a da “mulher superpoderosa”, ou como a da
mulher que é
múltipla, em papéis, em gestos e ações e que por meio dos processos de
consumo pode
realizar todos os desejos de cada parte do seu corpo e das muitas
mulheres que habitam
esta única. Neste sentido, justamente pelo fato de tal multiplicidade, nos
questionamos
sobre os discursos totalizadores que ainda fundamentam os estudos da
dominação
masculina. Talvez, a chave para o entendimento deste tipo de mulher
contemporânea
ocidental esteja na multiplicidade de papéis, que uma vez instaurada na
sociedade,
acaba por fazer parte de certo habitus feminino. Talvez, em razão deste
tipo de mulher,
ao longo da construção da modernidade, ter se tornado múltipla ela já
não se permita à
dominação absoluta como em épocas anteriores.
Apesar dos limites de nossa investigação não nos permitirem um
aprofundamento
sobre o estudo da mulher na contemporaneidade, notamos que a idéia
de fragmentação
do sujeito que alimenta as discussões do nosso tempo, se aplicadas no
contexto
feminino descrito pela imprensa do gênero muito nos ajuda a entender o
papel da
mulher na década de 1990. Em certo sentido, acreditamos que este
ideal permanece
ainda hoje com algumas sofisticações. A década de 1990 no Brasil foi
marcada pela
disseminação de novas ferramentas de comunicação como a Internet e
o telefone celular
e pela aceleração do fluxo de informações de todo o tipo: surgiram os
portais
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eletrônicos, e as revistas eletrônicas, que se não eram cópias das
publicações impressas,
tornaram-se versões destas publicações, trazendo o mesmo tipo de
conteúdo em uma
nova fôrma.
Neste período também, segundo Freire Filho (2006), as revistas
femininas juvenis
que, já existiam em décadas anteriores, alcançam “um proeminente
segmento do nosso
mercado editorial” (p:103). Para o autor, apesar destas publicações não
serem
exclusivamente responsáveis pelas definições de masculinidade e
feminilidade
absorvidas pelos adolescentes, elas se colocam como um mapa por
meio do qual as
meninas são convidadas a navegar com tranqüilidade nesta fase de suas
vidas em que
cada vez se torna maior a convivência com a cultura do consumo.
“Misto atraente de manual de etiqueta, literatura de auto-ajuda e catálogo de compras,
as revistas
femininas juvenis (...) se apresentam como mapas cognitivos e anteparos emocionais
que
possibilitam às leitoras navegar, sem maiores sobressaltos, pelo mar das
oportunidades e dos riscos
associados à experiência da adolescência feminina e às demandas cambiantes da
cultura do
consumo (fecunda pela busca contínua do capital por novos e expansíveis mercados)”
(Id. p:104).
Passados mais de um século da existência de publicações voltadas para
mulheres
de diferentes faixas sociais e econômicas, como revistas, jornais,
panfletos, feitos por ou
para este público, percebemos que a partir da década de 1990, as
revistas femininas
juvenis tornam-se responsáveis por uma dada representação do
universo feminino
fragmentado pela idade. No capítulo seguinte, pretendemos nos
aprofundar no estudo
das revistas femininas juvenis da atualidade. Veremos que estas revistas
se tornam
referências do mundo social de meninas na faixa dos 10 aos 19 anos e
que dialogam
com este universo buscando sempre disseminar símbolos estruturados
no contexto da
cultura de massa e da sociedade de consumo. Assim, nossa hipótese
comunga com o
pensamento Freire Filho (2006) de que estas publicações se tornaram
uma espécie de
manual para o comportamento adolescente contemporâneo. No próximo
capítulo,
tentaremos compreender de uma maneira mais ampla as
especificidades que envolvem
as revistas femininas juvenis da atualidade e as formas pelas quais estas
publicações são
capazes de representar certo estilo de vida da contemporaneidade.

2 – As revistas femininas juvenis


Neste segundo capítulo faremos uma radiografia das revistas que
constituem o
material empírico deste estudo. Buscaremos descrever as formas pelas
quais as revistas
femininas juvenis estudadas estruturam-se no contexto da cultura de
massa. Queremos,
não apenas identificar as recorrências nestas publicações, mas também
entender como
estas recorrências estão associadas a determinados aspectos da vida
contemporânea.
Entendendo a revista como um manual de comportamento e como um
dos signos do
conceito vigente de adolescência, nos propomos a observar por meio
dos dados
coletados e da análise de algumas matérias ilustrativas, certas relações
de poder e de
saber inseridas no discurso destas publicações. Além dos pontos citados
abordaremos
também o aspecto da sexualidade no contexto das revistas. Portanto,
nosso desafio neste
capítulo reside na compreensão de nosso objeto inserido na
complexidade social da vida
moderna.
Mais do que um canal de comunicação entre leitoras, editoras e
anunciantes, as
revistas femininas juvenis de hoje se tornaram uma instância normativa
de um
determinado estilo de vida estruturado por meio do consumo de
produtos e serviços e de
um modo de pensamento e de construção de identidade. Em nosso
discurso cotidiano
assim como em outros do meio acadêmico, a questão do consumo é tão
recorrente
quanto diversa. Esta diversidade se dá tanto do ponto de vista objetivo,
no que diz
respeito às disciplinas que estudam o fenômeno, quanto do ponto de
vista das que o
conceito de consumo recebe em diferentes contextos. Para
prosseguirmos de maneira
mais firme e esclarecer em que sentido estamos trabalhando com a
questão do consumo
feminino adolescente vamos nos debruçar um pouco sobre este conceito
antes de
adentrarmos mais profundamente na análise de nosso objeto.
2.1. Alguns tópicos sobre consumo
Consumo significa ação ou efeito de consumir, usar, gastar que é
protagonizada
pelo sujeito que consome, gasta, desperdiça ou destrói, por aquele que
usa mercadorias
ou serviços mais para satisfazer suas próprias necessidades do que para
produzir outros
produtos. Desta forma, consumir então significa enfraquecer, debilitar,
destruir, comprar
para uso próprio; beber ou comer; gastar.
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Em outro sentido, o consumo serve para delimitar fronteiras que dão
forma ao
mundo social. Para Mary Douglas (2006), uma das maiores dificuldades
da vida em
sociedade reside na capacidade de fixação de significados, ainda que
por um período de
tempo, sem a qual é impossível estabelecer uma base consensual.
Segundo a autora, esta
fixação se dá por meio de rituais, que tanto nas sociedades tribais
quanto na nossa, são
convenções públicas.
“Antes da iniciação havia um menino, depois dela um homem; antes do rito do
casamento havia
duas pessoas livres, depois dele, duas reunidas em uma. (...) Viver sem rituais é viver
sem
significados claros e, possivelmente, sem memórias” (p:112).
A autora esclarece que os rituais puramente vocalizados são difíceis de
serem
fixados e a fixação se dá a partir dos bens que são usados para a
composição do ritual.
Vejamos o exemplo do casamento. Neste rito, tanto o aspecto do local
de realização é
significativo quanto o conjunto de acessórios materiais que o compõe se
prestam, tanto
ao entendimento da própria cerimônia, quanto à memória deste rito na
vida dos seus
participantes.
A igreja, a sinagoga, o terreiro, o templo, entre outros locais, demarcam
o
vínculo religioso dos participantes do ritual, assim como as roupas
usadas, as palavras
pronunciadas, as canções tocadas, as comidas e as bebidas utilizadas
reiteram o
significado do rito e definem as fronteiras simbólicas. Mas isso não é
suficiente para
garantir a memória do ritual “até que a morte os separe”. Os outros
bens são igualmente
importantes nesta espécie de registro da vida: o copo quebrado pelos
noivos, o buquê
arremessado pela noiva ao final da cerimônia, a água benta pelo padre
ou as ervas e
velas utilizadas pelo pai de santo participam desta festa ritualística que
é modernamente
simbolizada pela aliança de ouro que será usada pelos casados por toda
a vida sua
conjugal, marcando a passagem do estado de solteiro para o de casado,
que por sua vez
será reatualizado conforme a passagem do tempo: por meio das bodas
de prata, de ouro
e de diamante, por exemplo. No entanto, apesar de os bens serem
formas de marcação
ritual, não é qualquer coisa material que pode adquirir este significado.
Segundo Mary
Douglas (2006),
“Rituais mais eficazes usam coisas materiais, e podemos supor que, quanto mais
custosa a
pompa ritual, tanto mais forte a intenção de fixar os significados. Os bens nessa
perspectiva, são
acessórios rituais; o consumo é um processo ritual cuja função primária é dar sentido
ao fluxo
incompleto dos acontecimentos.(...) O calendário estabelece um início para a rotação
dos
deveres, para o estabelecimento de precedência, para a revisão e a renovação.(...) Os
bens de
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consumo são usados para marcar esses intervalos. Sua variação de qualidade surge da
necessidade de estabelecer uma diferenciação entre o ano do calendário e o ciclo da
vida” (Id.
p:112-113).
Se os bens participam dos rituais que marcam a nossa vida será por
meio destes
que comporemos nossas lembranças e fixaremos as datas, os
momentos, as pessoas
mais significativas que dela fazem parte. Por outro lado, nem todos os
bens são tão
preciosos, assim como nem todos os rituais que fazem parte de nossa
existência são tão
significativos. O fato de escovar os dentes após as refeições ou de lavar
as mãos antes
de comer algo, se, em algum local pode estar associado a um aspecto
religioso e por
isso, de grande significação, em outro poderá ser encarado apenas
como um hábito de
higiene pessoal. Daí porque Mary Douglas (2006) nos adverte que ao
escolhermos
determinados bens em detrimento de outros, estamos continuamente
reforçando certas
convenções e abandonando outras. Por isso, nas palavras da autora,
“Os bens são portanto, a parte visível da cultura. São arranjos em perspectivas e
hierarquias que
podem dar espaço para a variedade total de discriminações de que a mente humana é
capaz. As
perspectivas não são fixas, nem são aleatoriamente arranjadas como um
caleidoscópio. Em última
análise, suas estruturas são ancoradas nos propósitos sociais humanos” (Id.p:114).
Se representações da mulher na imprensa feminina foram sendo
modificadas ao
longo das décadas, não foi por força do acaso e nem tampouco pelo
surgimento de
novos produtos e serviços disponíveis para este público, mas porque as
próprias
estruturas que definiram as segmentações de mercado e que
ancoravam as relações
sociais de cada período obedeciam a determinadas convenções que se
materializaram
por meio de bens específicos que ora participavam do consumo, ora
eram deixados para
trás. Desse modo, o consumo feminino faz parte do ritual por meio do
qual a mulher é
capaz corresponder a um determinado modelo distinguindo-se de
algumas e
identificando-se com determinado padrão seguido por outras.
No entanto, múltiplas são as convenções que definem as formas pelas
quais as
mulheres vivenciam o mundo e em conseqüência das quais fazem suas
escolhas, ou
seja, assumem certo estilo de vida. Nesta definição de modelos, se de
certa forma estão
estruturados os elementos do habitus1 feminino, de outra, a
estruturação destes
1 Pode se entender por habitus, “o conjunto de esquemas implantados desde a primeira
educação familiar
e constantemente repostos e reatualizados ao longo da trajetória social restante que
demarcam os limites à
consciência possível de ser mobilizada pelos grupos e/ou classes, sendo assim
responsáveis, em última
instância pelo campo de sentido em que operam as relações de força”. Ver MICELI, S.
Introdução / In:
BOURDIEU, P., 2005, p-42).
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45
elementos proporciona a formação do padrão de gosto que se manifesta
em um dado
contexto. Na nossa sociedade este padrão está muito marcado pela
difusão dos bens
produzidos pela indústria cultural, que, em certo sentido, são geradores
de cultura de
massa. Entre os bens produzidos por esta indústria, estão as revistas
femininas juvenis.
As publicações voltadas para o público feminino juvenil são ao mesmo
tempo
bens que participam dos rituais de feminilidade adolescente e instâncias
consagradoras
de outros bens que fazem ou farão parte do mundo social deste público.
Percebemos
que as revistas apresentam referenciais para a formação do padrão de
gosto da
adolescente que se expressam nas diversas relações de consumo de
bens que, nessa
perspectiva, tornam-se acessórios rituais que dão sentido à vida da
menina em
sociedade. Nestes referenciais estão presentes certos modelos de
feminilidade
anunciados por vedetes da mídia e por jovens com o mesmo perfil das
leitoras, que dão
sentido ao mundo social adolescente.
Nas entrevistas realizadas em nossa pesquisa, com meninas na faixa
dos 10 aos 13
anos, bem como durante o acompanhamento de publicações dirigidas a
esse público,
percebemos uma relação de reciprocidade que se estabelece
simbolicamente entre as
meninas, as revistas e seus anunciantes. Enquanto as meninas buscam
informações de
interesse de seu mundo social, as revistas oferecem este tipo de
informação às suas
leitoras e, ao mesmo tempo vendem a promessa de contato com estas
leitoras para seus
anunciantes. Apesar de identificarmos este sistema de troca de
interesses no tocante às
revistas femininas juvenis, isso não novidade no que diz respeito ao
sistema de
produção e distribuição dos bens produzidos pela indústria cultural.
Também podemos
perceber, para além desta troca de interesses, a formação do mapa
social de meninas de
uma determinada faixa etária. Assim este mapa aponta para uma
segmentação do
mercado editorial e, ao mesmo tempo, informa sobre a formação de um
tipo de
subjetividade que não estava muito clara até os anos de 1990.
Entendemos que as representações sociais de um determinado mundo
adolescente
vêm se tornando mais veementes nas publicações específicas para este
público. Nelas
nas quais é possível observar determinadas marcações rituais que
envolvem trocas de
bens. Ir à balada, ao show da banda da moda, ao cinema, ao shopping, à
praia, ao
aniversário da amiga, entrar para o Orkut, criar um blog, falar pelo MSN,
entre outras
atividades que fazem parte do mundo adolescente contemporâneo, não
são apenas
atividades de entretenimento juvenil. Todas estas ações se dão por meio
de uma
complexa combinação recheada de bens, que vão desde as cores
usadas na tintura
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46
capilar e dos esmaltes para as unhas, passando pelas diversas
tonalidades de sombras,
blushes e batons, pela infinidade de roupas, sapatos e acessórios de
múltiplas marcas até
as fragrâncias dos perfumes, desodorantes e espumas para limpeza
íntima feminina. Por
meio do acompanhamento das publicações de nosso estudo e a partir do
discurso das
informantes, observamos que para cada ação praticada há um ritual
correspondente. Isto
é: maquiagem de “ir ao colégio” é completamente diferente daquela
usada para “ir ao
shopping”. Neste sentido, notamos que as revistas femininas juvenis,
não apenas
fornecem as formas de prática destes rituais, mas sugerem os gastos
necessários para a
marcação apropriada à ocasião.
Se no contexto adulto estes “serviços de marcação” fornecidos pelos
bens nos
rituais de consumo apontados por Mary Douglas (2006) são capazes de
demonstrar mais
facilmente determinados mapas de integração social, o mesmo não se
dá em relação aos
adolescentes. Observamos que entre os jovens, os processos de troca se
dão de forma
mais subliminar ainda que estes serviços de marcação estejam
relacionados à aceitação
no grupo e ao aspecto de integração social.
“Ir a um casamento contribui com um ‘serviço de marcação’ para o feliz casal, ir a um
funeral é
um ‘serviço de marcação’ para os enlutados, visitar o doente é uma ‘marcação de
serviço’ para o
doente, vale o mesmo para uma festa de aniversário ou despedida, ou para a presença
num jantar
semanal de domingo. Nestas demonstrações o consumo é um sistema de rituais
recíprocos, que
envolvem gastos para a marcação apropriada para a ocasião, seja dos visitantes e
anfitriões, seja da
comunidade em geral. O que chamamos de rituais de consumo são as marcas normais
de amizade.
O fluxo padronizado de bens de consumo mostra um mapa da integração social”
(p:40).
Assim como no universo adulto, no contexto adolescente
contemporâneo estes
gastos para a marcação envolvem, uma série de ônus. Mas a principal
diferença é que
não se trata apenas de uma obrigação social, do tipo “quando se tem
que ir ao jantar da
empresa”, ao qual não se vai de qualquer maneira, com qualquer veste,
etc. Quando o
adolescente realiza seu ritual este assume uma proporção muito maior,
como que se a
sua vida dependesse dele. De fato, às vezes depende mesmo, quem não
se lembra de um
acontecimento infeliz ou de uma roupa errada usada em uma festa na
adolescência?
Pelos depoimentos de nossas informantes as revistas femininas juvenis
passam a
assumir papel de amiga conselheira, sempre pronta a preparar as
meninas para qualquer
situação, principalmente nesta fase da vida em que estas se dizem,
como veremos à
frente, incapazes de fazerem escolhas sozinhas.
Estes rituais de preparação envolvem uma série de tarefas necessárias à
obtenção
de um resultado estético que tem por objetivo a diferenciação da
menina no interior do
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47
grupo social. Tais tarefas podem estar relacionadas, por exemplo, à
forma como se
mostra determinada parte do corpo: unhas pintadas, pernas e axilas
depiladas, cílios
alongados, lábios hidratados, entre outras. Inseridas no fluxo
padronizado de bens de
consumo representado nas revistas femininas juvenis, estas tarefas são
capazes de
mostrar o mapa de integração social que define um determinado perfil
de adolescente.
As revistas também se tornam um bem de consumo, pois, através
destas, suas
leitoras satisfazem a necessidade de informação sobre maneiras de
alcançar sucesso
social, notícias sobre personalidades da cultura de massa e produtos da
moda, autoajuda
e determinados assuntos às vezes pouco falados no contexto familiar ou
excessivamente falados entre as próprias meninas, principalmente no
que diz respeito à
sexualidade, beijo, garotos, ficada, paquera, etc. Desta forma a leitura
complementa este
ritual de preparação para a convivência em seu grupo: na escola, nas
festas, na família,
etc.
A revista oferta os temas e assuntos de interesse das meninas e
promete aos
anunciantes ser um canal de comunicação direto com o público
adolescente. Na análise
que empreenderemos mais adiante sobre o discurso das editoras
notamos que estas se
dizem capazes de estabelecer o contato entre as meninas e os produtos
para elas
direcionados. Para atingir seus objetivos de publicação e distribuição, as
revistas
colocam-se diante da leitora como uma espécie de “melhor amiga”,
mais experiente ou
simplesmente como uma desconhecida que “coincidentemente” está
vivenciando
questões semelhantes às vividas pela leitora. Destacamos neste tipo de
publicação tanto
a forma de linguagem coloquial utilizada pelos jornalistas e editores,
quanto o uso do
imperativo em todas as edições das quatro revistas em estudo
acompanhadas.
Principalmente por se tratar de um veículo de convencimento das
leitoras, isso se dá
porque a imprensa feminina juvenil informa pouco e forma muito.
São muitos os exemplos deste aspecto, não apenas no tocante a
imprensa feminina
juvenil, mas de forma recorrente nas produções da indústria cultural. Em
“Atrevida”, do
mês de novembro de 2006, podemos encontrar a chamada de capa:
“Descubra o signo e
acerte no BEIJO”; em “Toda Teen” de maio de 2006, temos “Copie o
visual REBELDE
e arrase como Roberta e Mia”; em “Smack!” de abril de 2006, pode se
ler na capa em
letras garrafais: “Se jogue na balada!”, e em “Capricho”, na capa da
edição de
novembro de 2006, no alto da página temos: “Não foi bom pra você?
Teste o que deu
errado nas suas primeiras vezes”.
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48
Quando a adolescente compra a revista ela compra a idéia de que vai se
divertir,
que vai saber mais sobre si mesma, que vai ficar mais bonita, mais
popular, mais
informada sobre os assuntos do seu interesse do que as outras meninas.
Ela compra as
promessas de sucesso que as revistas fazem e também a garantia que
estando informada
sobre o que acontece na revista não será excluída do grupo de amigas.
Ela compra um
sonho: o de se tornar uma das meninas que está ali na revista e mais do
que isso, de ser
a menina “Atrevida” no seu grupo social.
2.2. Os meios de comunicação de massa
O sonho comprado pelas meninas leitoras das revistas femininas juvenis
não é
uma prerrogativa exclusiva deste tipo de publicação. A forma de
convencimento
decorrente das produções da indústria cultural, como vimos em nosso
passeio histórico,
tem origem na identificação e classificação de um padrão de gosto
percebido pelos
agentes da cultura de massa que desde os anos de 1950 no Brasil e no
mundo ocidental,
vêm trabalhando no sentido de integrar os temas dissonantes da
adolescência em suas
harmonias padronizadas, criando, nas palavras de Edgar Morin (2002),
um “Olimpo dos
menores de vinte anos”(p:156). Da mesma forma que os antigos gregos
encontravam
nos deuses mitológicos a explicação e a expressão de seu espírito, os
indivíduos que
vivem na cultura de massa encontram nas celebridades criadas pela
espetacularização da
indústria cultural uma oferta de referências. Estes de certa forma
servem não apenas
para nortear o seu comportamento a partir dos processos de projeção e
identificação,
mas também para nutrir o seu padrão de gosto e situar sua posição no
meio social em
que vivem. A cultura de massa, gerada a partir da produção da indústria
cultural, da qual
as revistas são um dos resultados, cria um sistema de projeções e
identificações
específicas tomando a imagem pública dos artistas que fabrica, ou dos
que atingem uma
consagração no campo artístico da cultura, e coloca-os numa espécie de
“Olimpo”.
A revista feminina juvenil pode ser considerada um meio de
comunicação de
massa clássico, por suas características de uniformidade da mensagem
transmitida pelo
mesmo meio a milhares de consumidoras, pela comunicação unilateral
sem
possibilidade de resposta em pé de igualdade por parte do
espectador/receptor e pelo
poder persuasivo da mensagem, baseado na exaltação social da origem,
ou seja, na
autoridade simbólica do próprio meio. Se formos nos ater à perspectiva
frankfurtiana da
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49
crítica à indústria cultural tão cara a Adorno e Horkheimer (1947),
perceberemos que as
revistas em estudo, que fazem parte do conjunto de meios de
comunicação de massa da
contemporaneidade, podem ser um manual feminino “juvenil”, porque,
entre outras
razões, oferecem para o público leitor não só a imagem das
personalidades consagradas
neste mundo social, mas as formas de mimetizar a sua maneira de ser e
de viver.
A revista enquanto um manual é mais um dos produtos da indústria da
diversão,
que é dirigida a um leitor que não necessita de pensamento próprio,
uma vez que o seu
produto prescreve toda a reação. Vejamos alguns exemplos de
chamadas das capas das
revistas em estudo: em “Atrevida” de outubro de 2006, temos: “Teste
já! Chegou a hora
da primeira vez?”, em “Capricho” de dezembro de 2006, a capa traz
uma das chamadas
que faz alusão à passagem do ano: “Feliz cabelo novo! 8 PASSOS PARA
NADA SAIR
ERRADO NO SALÃO”, em “Smack!” de junho de 2006, temos uma edição
voltada
para a Copa do Mundo, na qual as informações referem-se a tudo,
menos futebol:
“Especial COPA! Uniformes Smack! Para torcer! Quatro makes verde-
amarelos! Os
jogadores mais bonitos” e em “Toda Teen” de dezembro de 2006 temos:
“Ficar com o
amigo dá certo?”
Por outro lado, apesar de as revistas femininas juvenis, assim como os
demais
produtos da cultura de massa, buscarem esta forma de convencimento a
partir da qual os
produtos serão vendidos e o negócio se tornará cada vez mais lucrativo,
a cultura de
massa, nas palavras de Morin (2002), não é uma cultura paralela às
demais (religiosa,
erudita, política, nacional, etc). Trata-se de uma forma de cultura que se
integra às
outras. Na contemporaneidade vivemos em uma sociedade policultural,
na qual o
indivíduo pode, ao mesmo tempo, trabalhar no sistema financeiro, ser
budista, torcer
pelo Flamengo, freqüentar salas de concerto de música “erudita”, fazer
questão de
assistir “à novela das oito”; etc. A cultura de massa é universalizante e,
ao mesmo
tempo, incorporada às outras culturas. Desse modo, ainda que os meios
de comunicação
efetivamente massifiquem a mensagem junto à massa de consumidores,
isto não
significa que a cultura de massa reproduzida será uniforme.
A cultura de massa, surgida a partir da sociedade industrial moderna, se
por um
lado valoriza a individualidade por outro, permite um certo grau de
solidariedade que é
mediado pelos produtos da indústria cultural. Segundo José Carlos
Rodrigues (2007), “a
cultura de massa constitui assim uma espécie de território comum, algo
como um
idioma partilhado entre os diversificados indivíduos, grupos, classes
sociais,
nacionalidades, realidades regionais...”. Neste sentido, acreditamos na
possibilidade de
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50
a cultura de massa ter sido uma invenção da modernidade para dar
conta do processo de
comunicação entre os indivíduos diante da desagregação das esferas
culturais e de
individualização das relações sociais que caracterizam a sociedade
industrial. Assim,
através de produtos simbólicos, esta cultura gera certa “afinidade” entre
os
“desagregados” que permite a comunicação, uma vez que já não se é
totalmente igual,
mas tampouco totalmente diferente.
Desse modo, ao considerar a revista como um manual do jogo social
“juvenil”
feminino – que informa regras para ganhar ou perder – estamos
considerando que a
proposta de universalização dos comportamentos femininos contida nas
revistas, inserese
na prática da cultura de massa e que seu sucesso depende da existência
de uma
homogeneidade, ainda que relativa, de adolescentes consumidores de
produtos da
indústria cultural.
2.3. Radiografando as revistas
Para tentar compreender como estas publicações percebem o seu
público
traremos à luz desta abordagem as formas pelas quais as revistas se
dirigem aos seus
anunciantes e definem as suas publicações. Entendendo a revista como
um manual de
comportamento e como um dos signos do conceito vigente de
adolescência, buscaremos
neste momento compor tabelas, mapas e dados coletados, e também
compreender
através da análise de algumas matérias ilustrativas a questão da
verdade e do discurso
nestas publicações e ainda o problema da sexualidade no contexto das
revistas.
Pretensamente definidas como uma fonte de informação para meninas,
as
revistas são referências do seu mundo social. Nestas referências
podemos encontrar
assuntos como testes de personalidade, dicas de moda e beleza,
notícias de celebridades
da TV e do Cinema (o que usam, o que fazem, lugares por onde viajam,
os seus
gostos…), horóscopo, sexualidade e anúncios de roupas, calçados,
produtos de beleza e
acessórios. Tais conteúdos estão contemplados em cada revista,
portanto serão
analisados separadamente. Ao todo acompanhamos a publicação de 42
exemplares
durante o período de abril a dezembro de 2006, conforme a tabela a
seguir:
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Tabela 2 – Revistas estudadas na pesquisa
Revistas estudadas Período de
acompanhamento
Revistas
adquiridas no
período
Preço de
capa
R$
Capricho* Abril a dezembro de 2006 17 4,95
Atrevida Abril a dezembro de 2006 9 4,95
Toda Teen Maio a dezembro de 2006 8 3,99
Smack! Abril a dezembro de 2006 8 6,90
Total 42
* Ressaltamos que a revista Capricho, sofreu mudança editorial de que falaremos mais adiante,
no
mês de junho, quando passou a ser vendida pelo preço de R$ 5, 95.
2.3.1. “Capricho”
A primeira revista que abordaremos é “Capricho”, cujo público é
composto de
88% de mulheres, das quais 59% têm idade entre 10 a 19 anos. Como
vimos,
“Capricho” é a mais antiga das quatro revistas em estudo na nossa
pesquisa. Sua
periodicidade é quinzenal e conta com um total de 1.062.000 leitores2,
circulação de
159.604 exemplares e circulação líquida de 82.130 exemplares.
Segundo o IVC de
junho de 2006, o número de vendas avulsas da revista foi bem mais
expressivo (52.570
exemplares) do que o número de assinantes (29.550 assinaturas).
“Capricho nasceu adulta, em 1954, com fotonovelas. Em maio de 85, virou ´a revista
da gatinha` e
trazia modelos nas capas. A partir de 96 foi a vez das celebridades (...). Em junho de
2006, nova
mudança (...)3” (CAPRICHO, Ed.nº1000 3/09/2006, p-20).
Até o período de junho de 2006, a revista “Capricho” era dividida em
cinco
seções: Capa, Gente, Beleza, Moda, Vida Real.
2 Fonte: Marpan – Banco móvel 2º SEM 2005-1º SEM 2006 – 9 Mercados. Target: AS
10+ In
PUBLIABRIL. Foco total nas adolescentes que se interessam por tudo que é novo.
[online] Disponível na
internet via www. URL:http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=9 Arquivo
capturado em 6
de dezembro de 2006.
3A partir de junho de 2006, a revista Capricho adotou o slogan “Nova Capricho”
durante as duas
edições deste mês, desde então a publicação sofreu mudança total no layout das
páginas, aderindo com
esta diagramação uma outra proposta estética é interpretada pelas leitoras
entrevistadas em nossa
pesquisa como uma agenda ou um diário.
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52
Nas seções de Capa estudadas no período de nossa pesquisa
encontramos
personalidades da cultura de massa internacional, principalmente da
música, como Jack
Johnson, Kelly Clarkson, Simple Plan e da televisão norte-americana,
como o casal
Adam Brody e Rachel Bilson, que fazem par romântico no seriado “OC”,
transmitido
pela SBT no Brasil. Estas matérias dirigem-se aos fãs destas
celebridades e contam o
que elas fazem, de que gostam, o que pensam, como vivem, etc.
Na seção Gente, encontramos matérias que de certa forma repetem o
formato das
matérias das capas sobre celebridades do mundo da música, do cinema
e da televisão,
tendo sempre como referência os artistas da indústria cultural dos
Estados Unidos e os
que fazem sucesso nas novelas e séries das emissoras brasileiras
(principalmente da
Rede Globo e do SBT).
O segmento de beleza em certo sentido divide o corpo feminino em
partes: pele,
cabelo, corpo, rosto, e etc., trazendo ainda reportagens sobre dietas e
truques de beleza
sempre associados à saúde com depoimentos de profissionais, como
nutricionistas,
psicólogos e médicos que, como veremos, servem para dar legitimidade
ao discurso
jornalístico.
O conteúdo de moda é subdividido entre as novidades da estação, dicas
de
presentes para a própria leitora e para outras pessoas, principalmente
para namorados, a
parte de bazar onde são mostrados acessórios, como: cintos, bolsas,
bijouterias, etc., e,
finalmente a parte intitulada “aposte ou encoste”, onde a revista indica
o que é
permitido e o que é proibido de ser usado, segundo a moda do
momento.
Na ultima seção da revista, nomeada “Vida Real”, as matérias tratam do
comportamento feminino juvenil. Aí encontramos com bastante
freqüência questões
relacionadas à sexualidade e à construção da identidade da menina.
Nesta parte, em
muitas das matérias outras meninas com o perfil da leitora potencial da
revista
participam da discussão, seja por meio de entrevistas, seja por meio de
depoimentos
sobre algum tema que permeia o universo adolescente nos demais
veículos da cultura de
massa. Mais adiante analisaremos um destes exemplos na reportagem
“Cama pra dois”,
publicada em “Capricho” de maio de 2006.
Esta divisão foi remodelada a partir de junho de 2006, e os assuntos
foram
reagrupados em três novas seções: “Aquecimento”, “Seções” e “Para
refletir”. Neste
novo formato a linguagem utilizada para subdividir as seções fazem uma
mistura entre
nomes do mundo da informática com outros mais utilizados na Internet,
como por
exemplo, as sub-seções “Caixa de entrada”, “Carregando...”, “Favoritos”
e “Tudo de
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Blog”, com outros nomes usados em revistas femininas em geral como
“Editorial de
moda”, “Sexo”, “A incrível história...”, entre outras. Na nossa percepção
o aspecto
visual da revista se tornou confuso. O uso constante de cores quentes,
principalmente do
magenta, amarelo e do vermelho, além de ícones, texturas e grafismos
não apenas
dificulta a leitura pela intensidade de informações e de sensações
visuais de cada
página, mas também pelo reduzido tamanho da fonte utilizada nas
matérias. Contudo,
durante as entrevistas realizadas, veremos que algumas informantes
gostam da revista
justamente por este aspecto caótico de informação. Para elas, a revista
se parece com
uma agenda e com um diário personalizado por uma adolescente, cheio
de colagens,
detalhes, setas, fotos e cores. As novas seções trazem os assuntos
trabalhados pela
revista no formato anterior, com algumas novidades, como detalhes nos
pés de página
informando o endereço eletrônico da matéria, uma subseção de duas
páginas com o
título “Galeria de Arte”, que mostra desenhos e grafismos de leitores e
ainda a parte
intitulada “1,2,3,4” que propõe quatro formas de ver o mundo. A revista
“Capricho”,
assim como as demais estudadas nesta pesquisa também trazem testes
de personalidade,
embora nela o número de testes publicados seja bem menor em relação
às outras que
analisaremos adiante.
No que diz respeito aos anúncios, apresentaremos a seguir uma tabela
com o
objetivo de ilustrar a quantidade de páginas dedicadas a esta parte em
cada publicação
acompanhada. Esclarecemos que em nossa pesquisa consideramos
apenas os anúncios
de página inteira nos quais aparecem o nome da marca anunciada.
No entanto, ainda que enumeremos este quantitativo, não deixamos de
acrescentar
que muitos anúncios neste tipo de publicação “aparecem disfarçados de
matéria”,
principalmente sobre moda. Todavia, em nossa classificação (que
faremos não apenas
no que diz respeito à revista “Capricho”, mas em relação as demais
revistas
pesquisadas) adotamos este critério de seleção para fim de comparação
final do volume
de anunciantes alcançados pelas publicações dirigidas ao público
feminino juvenil. Para
efeito de comparação posterior e pelo fato de a revista “Capricho” ser a
única
publicação quinzenal desta pesquisa, os números apresentados a seguir
serão
representados na sua média mensal.
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54
0
20
40
60
80
100
120
Média de páginas
por revista
Abril Junho Agosto Outubro Dezembro
Período
Revista Capricho - G.1
Tabela 3 - Revista “Capricho”
Período Páginas por revista Anúncios por revista
Abril 100 25 25%
Maio 112 35 31,25%
Junho 104 35 33,65%
Julho 91 15 16,48%
Agosto 100 26 26%
Setembro 112 36 32,14%
Outubro 108 31 28,70%
Novembro 112 41 36,61%
Dezembro 104 31 29,81%
Na representação gráfica a seguir observamos a elevação do número de
anúncios
por revista nos meses de junho e novembro.
Destacamos que no mês de julho a revista sofreu uma redução do
número de
páginas em relação ao período anterior, e também que neste mês a
redução do volume
de anunciantes foi significativa. Lembramos da ocorrência da reforma
gráfica da revista,
que pode ter provocado uma elevação publicitária no mês de junho, mas
que não foi
mantida no mês seguinte.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610532/CA
55
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
Média de
Anúncios por
revista
Abril Junho Agosto Outubro Dezembro
Período
Revista Capricho - G.2
Na tentativa de entender a percepção do público-alvo trabalhada pela
revista,
apresentamos o discurso por meio do qual “Capricho” se dirige aos
anunciantes e define
a sua publicação. Conforme o departamento PubliAbril, a revista
“Capricho” possui
foco total nas adolescentes que se interessam por tudo o que é novo.
“Lider absoluta no seu segmento, CAPRICHO é a sua linha direta com a garota que está
definindo
sua personalidade e também construindo o seu perfil de comportamento e de
consumo” 4.
A possível interlocução com “a garota que está definindo sua
personalidade” é
compatível com certa representação ideológica de o que seja o universo
feminino
adolescente. Para Capricho a adolescente é freqüentemente atraída pela
novidade e que
por isso está mais susceptível às suas mensagens. Na visão de Capricho
esta sedução se
dá porque nesta fase da vida a jovem está também construindo o seu
perfil de
comportamento e de consumo.
“CAPRICHO fala de meninos, amigos, família, escola, ídolos. Traz serviços, compras,
programas,
dicas do que ouvir, ler, lugares para ir, enfim tudo que ela procura para fazer suas
escolhas,
inclusive produtos e serviços que possam ajuda-la nessa fase da sua vida”5
No universo feminino adolescente afirmado pela linha editorial da revista
percebemos a existência de uma classificação dos assuntos de interesse
de seu público
“meninos, amigos, família, escola, ídolos”, assim como de uma
“pedagogia” por parte
de “Capricho”, voltada para ensinar a menina a se tornar uma
consumidora. Desse
modo, considerando o consumo como um processo ritual que serve para
fixar
4 PUBLIABRIL. Foco total nas adolescentes que se interessam por tudo que é novo.
[online] Disponível
na internet via www. URL:http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=9 Arquivo
capturado em
6 de dezembro de 2006.
5 Id.Ibid.
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56
significados por meio dos bens, entendemos que esta espécie de
adestramento juvenil
proposta pela revista, informa um sistema de classificação e forma um
ideal de mundo
social juvenil que por sua vez permite identificar pessoas, produtos,
serviços, indivíduos
e grupos. Dito de outra forma, a revista Capricho ao pretender ensinar a
menina a
consumir, trabalha com certos códigos por meio dos quais podem ser
traduzidas as suas
relações sociais. Nas palavras de Everardo Rocha (2006) “consumir é
exercitar um
sistema de classificação do mundo que nos cerca a partir de si mesmo
e, assim como é
próprio dos códigos, pode ser sempre inclusivo”. Este código “permite
classificar
coisas e pessoas, produtos e serviços, indivíduos e grupos” (p:16).
O sistema de classificação proposto pela linha editorial de “Capricho”,
além de
tomar a dianteira na ordem discursiva, quando da enumeração daquilo
que é mais
importante para a vida da menina, estabelece os limites que codificam
um certo mapa
ideológico adolescente. Não por acaso ou aleatoriamente, a escolha
destes códigos
carrega certas referências que fazem parte do mundo social adolescente
contemporâneo
e é fundamental para estabelecer os traços distintivos deste estilo de
vida. Segundo
Lévi-Strauss (2005) “qualquer que seja a classificação, esta possui
virtude própria em
relação à ausência de classificação”, ou seja, quando a revista Capricho
enumera os
assuntos “meninos, amigos, família, escola, ídolos”(p:24), percebemos
um determinado
agrupamento de informações que buscam nomear tanto o que é
importante dentro da
idéia de adolescente com a qual a revista trabalha quanto aquilo que
não faz parte deste
conceito.
Em outras palavras, a classificação marca a fronteira do que é
importante nesse
mundo feminino juvenil, desqualificando, pela ausência de classificação,
qualquer outra
informação fora deste contexto, ou seja, a menina com “Capricho” tem
“tudo que ela
procura para fazer suas escolhas”, não precisa de mais nada.
2.3.2. “Atrevida”
Surgida em setembro de 1994, de periodicidade mensal, com um
público de
680.000 leitores espalhados por todo o país, a revista “Atrevida” tem
uma tiragem de
174.000 exemplares e é dirigida a um público 100% feminino na faixa
dos 10 aos 19
anos. Não constam no site da editora informações sobre circulação ou a
respeito do
número de vendas avulsas da revista, nem tampouco sobre a
quantidade de assinantes.
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57
A revista é divida em sete seções: “Comportamento”, “Especial”,
“Gente”,
“Moda”, “Beleza”, “Toda Vez” e “Na Capa”. Na parte de
“Comportamento”
encontramos matérias que dizem respeito à sexualidade, amizade,
signos e testes. Na
seção “Especial”, matérias voltadas para o entretenimento das leitoras
que vão desde um
mini-dicionário do Rock até dicas de viagens nas férias. Na seção
“Gente”, figuram com
freqüência informações sobre a vida e o trabalho de personalidades da
indústria cultural:
astros de rock, modelos, atrizes e atores de novelas e de filmes, etc.
Também nesta
seção há posters dos famosos para a leitora destacar e pendurar (na
parede, no armário
do quarto). Ainda nesta seção, o título “Gente” é acrescido do subtítulo
“Eu quero” e a
seguir vem o nome do artista ou modelo. Em “Atrevida”, do mês de abril
de 2006, na
página 58, da seção “Gente”, por exemplo, aparece a seguinte imagem:
no alto da
página um ícone magenta com estrelas e o título “Eu quero”, sobreposto
à foto de
Rômulo Arantes Neto, sem camisa, vestindo apenas uma sunga de
banho, à meia luz, de
braços abertos apoiando-se em uma mesa com uma das mãos. O olhar
de sedução do
modelo é completado pelos contornos das sombras que mostram os
desenhos de seu
corpo e músculos e pela frase inserida do lado esquerdo na cor magenta
“De pai para
filho”. Logo abaixo vemos uma breve biografia do modelo, seguida de
informações
sobre o tipo de menina que o atrai: “Procuro uma garota que não seja
chata e cheia de
vontades. Gosto de menina tranqüila e otimista”. Há uma espécie de
proposta de
consumo da imagem do modelo. A fotografia oferece a imagem deste
como um bem,
que a leitora “pode querer”, e, ao mesmo tempo, mantém esta
informada sobre o tipo de
menina “tranqüila e otimista” que ela deve ser para conquistar um rapaz
como ele.
A seção “moda” traz informações sobre roupas, sapatos e acessórios da
estação,
bem como propostas de combinação de peças do vestuário, penteados,
maquiagens, etc.,
inseridas sempre em cenários específicos cujas tonalidades se
harmonizam com o visual
dos modelos que são fotografados e a partir de um clima de sedução,
que se materializa
na forma de beijos, abraços e trocas de olhar.
A parte de “beleza” sugere certa intimidade entre a revista e a leitora,
na forma de
dicas para tratamentos diversos de partes do corpo específicas, como
unhas, cabelos,
lábios, rosto, etc. Notamos que esta seção nas quatro revistas
analisadas é bastante
parecida. O corpo é divido em partes para as quais sempre são
publicados tratamentos
com muitos produtos específicos.
A seção “Na Capa”, busca trabalhar com matérias mais pontuais sobre
as notícias
da vida de celebridades, principalmente sobre o aspecto pessoal e
afetivo. Traz ainda
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revista
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Período
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traz informações sobre o universo masculino, ou seja, sobre a forma
como os meninos
pensam, com a justificativa de deixar a leitora mais preparada para lidar
com situações
afetivas na sua vida.
Na seção “Toda Vez”, há uma espécie de varejo de informações que
compreendem cartas das leitoras, dicas de beleza e conquista de
meninos e amigos,
informações sobre compras, horóscopo, agenda de eventos juvenis
como shows,
lançamento de filmes e CDs. Há e ainda uma espécie “mini-ficção” sobre
algum assunto
do cotidiano adolescente, como por exemplo, a questão da festa de 15
anos.
Com respeito ao número de anúncios publicados nas revistas “Atrevida”,
observemos a tabela a seguinte:
Tabela 4 - Revista “Atrevida”
Período Páginas por revista Anúncios por revista
Abril 116 29 25%
Maio 124 40 32,26%
Junho 116 35 30,17%
Julho 116 28 24,14%
Agosto 116 24 20,69%
Setembro 148 55 37,16%
Outubro 124 38 30,65%
Novembro 116 39 33,62%
Dezembro 124 47 37,90%
Notamos no quantitativo de páginas, bem como no volume de
anunciantes da
revista no período estudado uma elevação no mês de setembro de 2006,
que em certo
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período
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Período
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sentido refletiu-se nos números dos meses seguintes. Esta elevação foi
proveniente da
edição de aniversário quando a revista comemorou 12 anos.
Tendo sido criada há pouco mais de uma década, “Atrevida”, vem
concorrendo
no mercado editorial brasileiro com as demais revistas do gênero. Se
compararmos esta
publicação com a revista “Capricho”, a principal concorrente,
perceberemos que em
pouco mais de uma década a revista “Atrevida” alcançou um resultado
significativo,
embora ainda tímido em relação a “Capricho”, a mais antiga e
reconhecida publicação
do gênero. Enquanto no período de abril a dezembro de 2006, a revista
“Capricho”
atingiu uma média mensal máxima de 112 páginas por revista e
preencheu uma média
de 41 com anúncios “Atrevida” precisou de 148 páginas para conquistar
55 anunciantes.
Segundo a descrição institucional da revista pela editora Símbolo, cujo
slogan é
“idéias que ajudam a viver melhor”
“A Revista Atrevida fala a linguagem da adolescente, trazendo assuntos como amor,
relacionamento, sexualidade, beleza, moda, música, ídolos e atualidade. É uma revista
completa, a
preferida das garotas brasileiras. Sua leitora é a adolescente que procura informações
sobre as
mudanças que estão ocorrendo em sua vida. Interativa, antenada e atualizada, a
leitora de Atrevida
está sempre aberta a novidades”6.
Assim como na “Capricho”, a linha editorial de “Atrevida” entende que a
adolescente é a menina que vive a procura de novidades e de entender
“as mudanças
que estão ocorrendo em sua vida”. Mais especificamente em relação ao
interesse pela
novidade, acrescentamos em nossa discussão o perfil psicológico da
leitora definido
pela revista:
6EDITORA SÍMBOLO. Idéias que ajudam a viver melhor.[online] Disponível na Internet
via WWW.
URL: http://www.simbolo.com.br/institucional/Conteudo/0/artigo5341-1.asp Arquivo
capturado em 6 de
dezembro de 2006.
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“É a adolescente que procura por informações sobre as mudanças que estão ocorrendo
em sua vida.
Interativa, antenada e atualizada, a leitora de Atrevida faz questão de ser líder do seu
grupo. Por
isso, que ser a primeira a saber das novidades do mundo teen”7.
Percebemos na proposta editorial de Atrevida uma preocupação com a
liderança
da leitora em relação às suas amigas. Na imagem de adolescente com a
qual a revista
trabalha existe uma relação na qual a obtenção de determinada
informação e de
determinado saber torna-se pré-condição para o exercício de
determinado poder de
liderança sobre as demais meninas que pertencem ao mesmo mundo
social da leitora.
Compreendemos que para “Atrevida” se por um lado, a valorização da
novidade
pode funcionar como estratégia de venda, por outro, a novidade
consumida pela leitora
passa a ser um bem cujo consumo se torna um meio de a menina se
distinguir das
demais não-leitoras. Ela obtém um determinado saber específico que
por sua vez lhe
proporcionará, se não uma forma de integração ao grupo, uma
capacidade de liderar
outras meninas.
Numa breve descrição etimológica sobre os nomes das revistas
abordadas até o
momento, percebemos compatibilidade entre seus significados dos
títulos e as propostas
editoriais das publicações. A palavra capricho significa cuidado, esmero
ou carinho
rigoroso no fazer das coisas, ou ainda vontade súbita que sobrevém
inexplicavelmente,
inconstância, volubilidade, enquanto que a palavra atrevida é sinônimo
de audácia,
coragem, petulância e irreverência, ou seja, enquanto a leitora de
“Capricho” é
inconstante e precisa de ajuda da sua revista para fazer suas escolhas, a
leitora de
“Atrevida” é corajosa e irreverente o suficiente para ser a líder do seu
grupo.
2.3.3. “Toda Teen”
Publicada pela editora Alto Astral, a revista Toda Teen é distribuída
nacionalmente com periodicidade mensal. Segundo o IVC, a revista tem
tiragem
127.986 exemplares e circulação de 81.483 exemplares. É voltada para
o público
feminino, no qual mais da metade (57%) está na faixa de 15 a 17 anos.
Em segundo
lugar (28%) encontram-se leitoras com idade entre 13 e 14 anos. Apesar
de a linha
editorial da revista dirigir-se a meninas com idade entre 13 a 19 anos,
verificamos que
apenas 15% das leitoras estão entre 18 e 19 anos.
7 Id. Ibid.
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As seções editoriais da revista “Toda Teen” dividem-se em: “Amor”,
“Especial”,
“Moda”, “Testes”, “Superposters” e “Aqui tem”. A seção “Amor” aborda
essencialmente a questão da sexualidade da menina e do menino, onde
muitas são as
matérias que dizem respeito a técnicas de conquista feminina, beijo na
boca e ainda,
sobre como os meninos pensam e como se comportam. Na edição de
junho de 2006, por
exemplo, a seção é composta de seis matérias com os seguintes títulos:
“Ele não tem
nada a ver com você? Saiba como dar certo”; “Aproveite as festas
juninas para fisgar o
gatinho”; “O cara é um bad boy? Veja se vale a pena”; “Três casais
falam de seus
romances”; “Seu amor é um rolo? As situações de ‘Rebelde’ vão ajudá-
la”; e
finalmente, “Arrase no beijo:20 dicas especiais”. Ressaltamos a forte
conotação sexual
da publicação que associa com freqüência o amor aos aspectos físicos
da sexualidade,
principalmente do beijo.
A seção “Especial” da revista “Toda Teen” abrange basicamente
matérias de
auto-ajuda e reportagens sobre artistas da indústria cultural, suas vidas
“pessoaisafetivas”
e profissional. A seção “Amor”, por exemplo, trabalha os assuntos
relacionados às técnicas de conquista feminina enquanto a seção
“Especial”, busca
ensinar a menina a ficar bem consigo mesma. A seção de “Testes”
fornece a
possibilidade de a leitora se identificar com um determinado resultado
sobre sua
maneira de ser e de viver. Falaremos sobre ponto mais detidamente
quando discutirmos
as entrevistas realizadas com leitoras destas publicações. Além destas
seções
específicas, a revista “Toda Teen” traz “superposters” de ídolos da
cultura de massa
norte-americana, assim como, cantores, modelos, atores e atrizes e da
televisão
brasileira. A seção “Aqui tem!” assemelha-se muito com a seção “Toda
Vez” da revista
“Atrevida”. Nelas onde as informações compreendem cartas das
leitoras, dicas de
beleza e conquista de meninos e amigos, informações sobre compras,
horóscopo,
agenda de eventos juvenis como shows, lançamento de filmes, CDs, etc.
Com respeito à parte publicitária, no que diz respeito ao número de
páginas por
publicação no período estudado, notamos uma constância quantitativa
que, por sua vez,
não ocorre com as demais publicações estudadas. Destacamos apenas
uma elevação no
quantitativo no mês de dezembro, muito provavelmente em função das
comemorações
do natal que de certa forma, estimulam o meio publicitário.
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Tabela 5 - Revista “Toda Teen”
Período Páginas por revista Anúncios por revista
Maio 84 7 8,33%
Junho 84 9 10,71%
Julho 84 8 9,52%
Agosto 84 10 11,90%
Setembro 120 14 11,67%
Outubro 84 10 11,90%
Novembro 84 10 11,90%
Dezembro 92 14 15,22%
“Toda Teen” é a mais barata revista das estudadas na nossa pesquisa. É
em
relação ao número de páginas e de anunciantes por publicação, os
resultados também
são menores. Enquanto “Capricho” e “Atrevida” conseguiram atingir
percentuais de
páginas preenchidas por anunciantes da ordem de 36,61% e 37,90%,
“Toda Teen”, no
período estudado, não ultrapassou a marca dos 15,22% mesmo no mês
de dezembro
quando o número de páginas publicadas foi 9,52% superior aos meses
anteriores. A
revista “Toda Teen”, embora exista há cerca de 11 anos, ainda não
conquista uma faixa
mais significativa do mercado publicitário juvenil, motivo pelo qual
acreditamos que
sua receita esteja muito mais relacionada à venda avulsa do que à
publicidade e ao
número de anunciantes.
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Notamos também outras estratégias de venda. Por exemplo, na edição
de
setembro de 2006. A publicação toda atinge 120 páginas, vendidas
como edição dupla.
No entanto, a edição do mês permanece com 84 páginas e a sua
“duplicação”, “Toda
Teen mais fashion”, possui apenas 36, ainda que a leitora seja
convencida de que esteja
levando duas revistas pelo preço de uma.
Vejamos a seguir como a revista Toda Teen se define e com quais
referências
trabalha para conquistar anunciantes, segundo consta no website da
editora.
“Todos os meses, a revista todateen chega às bancas com matérias sobre beleza,
gatos,
comportamento, moda e conquista. A revista também tem muitos testes, posters e
novidades do
mundo adolescente. Suas leitoras são ativas, ligadas em tudo que acontece e tratam a
todateen
como uma amiga”.
“Precisando ‘causar’ com consumidoras de 13 a 19 anos? Anunciar na todateen é uma
cartada
certeira. Com linha editorial diferenciada, abordando amor, relacionamentos, música,
comportamento, moda, beleza e muito mais, todateen o que toda menina quer ser.
todateen tem
credibilidade, flexibilidade, continuidade e diversidade”8.
Destacamos nesta concepção editorial não apenas o reaparecimento da
valorização da novidade, mas dois pontos que chamam a nossa atenção
e que
consideramos objeto de reflexão. O primeiro é que a revista coloca-se
diante da leitora
como uma amiga, ou seja como uma adolescente cujos dilemas e
anseios são
semelhantes aos das meninas. O segundo ponto é que a revista se
projeta diante da
leitora como um modelo: “todateen o que toda menina quer ser”.
Neste discurso observamos que a revista busca fazer mediação entre a
ficção e a
realidade, pretendendo influenciar a leitora a adotar um certo jeito de
ser e de viver, um
8EDITORA ALTO ASTRAL. Publicidade. [online] . Disponível na Internet via WWW. URL:
http://www2.editoraaltoastral.com.br/site/publicacoes_int.php?revista=1 Arquivo
capturado em 6 de
dezembro de 2006.
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certo estilo de vida, que é o estilo todateen. Neste, não apenas nesta
revista, mas em
todas que fazem parte de nossa base empírica, encontramos com
freqüência, referências
diversas sobre agentes da cultura de massa que demonstram como este
estilo pode ser
vivido na “vida real”. Neste sentido, observamos observamos em
Todateen a presença
de uma espécie de discurso normativo que prescreve o que é permitido
ou proibido
neste estilo de vida.
2.3.4. “Smack!”
“Smack!”, editada pela empresa Futuro Comunicação desde março de
2003, tem
periodicidade mensal e é dirigida ao público feminino de todo país. Na
área destinada a
anunciantes do seu website não constam informações sobre tiragem e
circulação.
Diferentemente das demais publicações de nossa pesquisa, as seções
de “Smack!” não
possuem uma divisão muito clara. No período estudado, encontramos
uma estruturação
por assuntos e não por áreas, como beleza, moda, comportamento, etc.
Esta estrutura se
divide em “Capa”, onde se encontram principalmente reportagens sobre
personalidades
da indústria cultural norte-americana; “Calendário”, que contém
informações sobre
shows, DVDs, CDs e filmes; “Smackmail e promoções”, onde estão as
cartas das
leitoras, “Remix”, “Tecla Sap” e “Rock bom de morrer”, onde constam
matérias sobre o
universo musical adolescente; “Trailer”, que traz novidades de filmes; os
assuntos de
“Moda” e “Estilo”, com guia de compras e matérias sobre as tendências
da estação,
“Supermico”, que conta com depoimentos de leitoras sobre situações
embaraçosas e
engraçadas de suas vidas, “Signos em ação”, que traz informações
sobre horóscopo e
“Caderno Smack!”, onde aparecem entrevistas com atrizes e atores,
principalmente das
novelas televisivas das emissoras Rede Globo e SBT.
Com relação ao número de páginas e de anunciantes, os números
apresentados a
seguir são bem menos expressivos que os das demais publicações
analisadas, sendo a
“Smack!” a mais recente e a mais cara publicação incluída em nossa
pesquisa.
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Período
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Tabela 6 - Revista “Smack!”
Período Páginas por revista Anúncios por revista
Abril 68 11 16,18%
Maio 68 8 11,76%
Junho 84 8 9,52%
Julho 84 7 8,33%
Agosto 84 6 7,14%
Setembro 84 6 7,14%
Outubro 84 9 10,71%
Novembro 84 5 5,95%
Dezembro 68 6 8,82%
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“Smack!” define-se como:
“a primeira revista do Brasil voltada ao público pré-adolescente, o qual é um dos que
mais cresce
nos últimos anos. A leitora de Smack! é antenada, fiel, inteligente, autentica e
estudiosa. É uma
garota independente que decide sozinha como e o que quer consumir”.
O conceito editorial da revista se define da seguinte maneira:
“Smack!. “é a primeira revista brasileira feita para meninas de 7 a 14 anos. É planejada
para essa
turma que ainda não é adulta e está deixando de ser chamada de criança.
A Smack vem para ajudar essas meninas na difícil transição para a adolescência e
acompanhar a
fase em que inicia-se a tomada de decisão. O que querem ser, o que fazer, o que
comprar.
Todos os assuntos, de moda e acessórios, esportes e lazer, informação e cultura,
comportamento
e diversão, são abordados com muito cuidado e atenção, acompanhando toda evolução
e
desenvolvimento dessas garotas.
Como consumidoras, são muito exigentes e estão sempre ligadas em tudo o que rola
no universo
da moda, beleza e entretenimento. A revista traz reportagens com textos acessíveis e
todos os
temas adequados a essa fase”9.
Apesar de a linha editorial de “Smack!” considerar seu público-alvo
como préadolescente,
percebemos que as demais revistas trabalham com faixa etária similar e
classificam suas leitoras como adolescentes. Sendo a adolescência uma
categoria
cultural fruto de uma construção da modernidade, percebemos mais
uma vez que estes
limites permanecem imprecisos, inclusive no contexto das revistas em
estudo. Assim
permanecemos sem poder definir exatamente qual a idade e o perfil do
adolescente. Mas
com base nos discursos das revistas em questão, podemos compreender
como estes
perfis vêm sendo construídos pelas representações sociais que
permeiam estas
publicações, entre outras instâncias discursivas. Não nos propomos a
estudar o conceito
da adolescência, mas entender com qual representação de adolescência
esta revistas,
estão trabalhando e como esta representação é capaz de afetar o
cotidiano de meninas
em uma determinada faixa etária.
Rosilene Alvim e Eugênia Paim (2000), com base nos estudos
empreendidos por
Philippe Áries (1986), sugere que a adolescência pode ser traduzida
como uma das
preocupações do Estado Moderno. A sociedade passou a dar importância
à precisão
cronológica que fez surgir, por meio das noções de infância e de
adolescência, formas
de periodização da vida que não existiam até então.
9FUTURO COMUNICAÇÃO. Comportamento. [online] Disponível na Internet via WWW.
URL:
http://www.futurocomunicacao.com.br/comportamento.php Arquivo capturado em 6 de
dezembro de
2006.
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“O aparecimento das categorias infância e adolescência corresponde à nova
necessidade
classificatória do homem, que confere às pessoas uma idade que se liga não mais às
funções
sociais, e sim às diferentes fases de seu crescimento. A necessidade de análise e
divisão que
caracteriza a consciência moderna, com sua repugnância em misturar espíritos e,
portanto, idades
diferentes, é o prenúncio de que a periodização da vida perderia sua fixidez e de que a
ambigüidade
existente entre a infância e a adolescência, de um lado, e a juventude, do outro,
cederia lugar à
percepção, nessas fases, de várias categorias exigindo tratamentos diferenciados”.
(p:13)
Tanto a noção de adolescência, quanto a sua subdivisão em pré-
adolescência,
trabalhadas pelas linhas editoriais de nossas publicações são tentativas
de segmentação,
por gênero e por faixa etária, com vistas a aproximar um determinado
agrupamento
social, em uma certa idade, de uma identidade ideologizada. Neste
ponto, fica patente
neste discurso a contradição entre, por um lado, a incapacidade de
escolha atribuída ao
jovem por causa da sua constante mutação e, por outro as supostas
independência e
vontade própria. Desse modo, ao contrário das leitoras-alvo das demais
revistas, a
leitora de “Smack!” é representada como aquela que não necessita de
“ajuda”, apenas de
informação para que “sozinha” decida “como e o que quer consumir”.
Percebemos no conceito editorial de “Smack!” muito mais uma tentativa
de
posicionamento e de diferenciação diante da concorrência no mercado
de revistas
femininas juvenis do que uma promoção da alteridade da “garota
independente que
decide sozinha”. Na medida em que “todos os assuntos, de moda e
acessórios, esportes
e lazer, informação e cultura, comportamento e diversão, são abordados
com muito
cuidado e atenção, acompanhando toda evolução e desenvolvimento
dessas garotas”
percebemos nesta forma de classificação, o mapa do universo feminino
com o qual a
revista trabalha e a forma pela qual são propostos os limites que fazem
parte de sua
construção subjetiva.
2.4. Modelos e ideais na cultura de massa
A tipificação dos atores sociais em categorias, indica as formas pelas
quais as
revistas criam ou se referenciam em determinados modelos de
personalidade ou de
comportamento, simbolizados por agentes da cultura de massa. Estes
agentes sugerem
os modos de como falar, de o que falar, de como se mostrar
socialmente, como seduzir,
o que ler e etc. A partir dos conteúdos recorrentes no discurso das
revistas, percebemos
tanto no seu desenrolar histórico da imprensa feminina que vimos
anteriormente, como
também na sua sub-segmentação juvenil, a promoção dos valores
femininos. Esta
promoção é patente nas formas de expressão da cultura de massa,
como também
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contribui para a construção de uma ideologia de garota modelo e de
mulher modelo, tal
como nos esclaresce Edgar Morin (2002).
“A mulher modelo desenvolvida pela cultura de massa tem a aparência da boneca do
amor. As
publicidades, os conselhos estão orientados de modo bastante preciso para os
caracteres sexuais
secundários (cabelos, peitos, boca, olhos), para os atributos erógenos (roupas de baixo,
vestidos,
enfeites), para um ideal de beleza delgado, esbelto – quadris, ancas, pernas. A boca
perpetuamente
sangrenta e o rosto pintado seguindo um ritual são um convite permanente a esse
delírio sagrado de
amor, que embota, evidentemente a multiplicidade quotidiana do estímulo” ( p:141).
Corresponder a este modelo feminino, além de ser muito custoso
financeiramente,
também representa um elevado sacrifício simbólico da condição
feminina em que a
mulher é posta em xeque entre a apologia de uma estética pela cultura
de massa e a sua
própria construção subjetiva. Desse modo, a proposta da indústria
cultural, se por um
lado obriga mulheres e jovens a portar determinados objetos destinados
a estabelecer os
traços de distinção e status social, por outro recoloca a mulher no centro
de uma arena
cujos holofotes apontam para aquilo que pode ser atribuído pelo olhar,
tanto de outras
mulheres quanto dos homens.
No caso das adolescentes adeptas dos modelos de feminilidade
propostos pelas
revistas juvenis, este sacrifício envolve não apenas a menina, mas o seu
contexto, uma
vez que a jovem depende da condição material e da aquiescência da
família,
principalmente da mãe, para materializar este estilo de vida por meio
das práticas e das
compras que é capaz de efetuar. No sistema da sociedade de consumo a
adesão a um
determinado tipo de conduta social passa pela capacidade de obtenção
de bens. Assim, o
ideal de feminilidade hedonista proposto pela publicações, ou seja, este
estilo de vida
“Atrevida” ou “Toda Teen”, esta maneira de ser “Capricho” e este jeito
de beijar
“Smack!”, convive em certa tensão com o mundo social das meninas,
principalmente
daquelas cujo poder aquisitivo é restrito.
A forma prazerosa de ser e de viver proposta pelas publicações em
questão,
preconizada pela imprensa feminina desde os anos de 1970, reitera os
aspectos da
sexualidade e associa estes à certa maneira de viver divertida. Tal
proposta, ao mesmo
tempo, requer a compra de bens que servem para, marcar “o dia dos
namorados”, “as
férias”, “a balada”, “o aniversário”, “a festa de 15 anos” etc. A simples
ida da menina ao
shopping center com amigas transforma-se em um ritual que envolve
aquilo que poderia
ser um mero ato de dispêndio e de consumo em um modo primordial de
afirmação
subjetiva da adolescência.
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Considerando que o discurso que permeia o entendimento da
adolescência
admite este período como uma fase de vida decorrente da modernidade
e de suas
circunstâncias sócio-históricas, podemos observar no contexto narrativo
das revistas
femininas juvenis a presença de certas características como pureza,
força física,
naturismo, espontaneidade e alegria de viver como representações que
delineiam os
traços distintivos deste grupo que se materializam nos objetos
anunciados que por sua
vez servem para marcar as ocasiões. Tais representações simbolizam
mais claramente a
posição diferencial dos agentes deste grupo na estrutura social. Por
outro lado, a cultura
juvenil feminina impressa nas revistas voltadas para esse público não se
distancia da
cultura de massa que atinge as demais faixas etárias. Ao contrário do
distanciamento,
nas palavras de Edgar Morin (2002),
“Esta cultura adolescente-juvenil é ambivalente. Ela participa da cultura de massas que
é a do
conjunto da sociedade, e ao mesmo tempo, procura diferençar-se. Ela está
economicamente
integrada na indústria cultural capitalista, que funciona segundo a lei do mercado. E, é
pois, um
ramo do sistema de produção-distribuição-consumo que funciona para toda a
sociedade, levando a
juventude a consumir produtos materiais e produtos espirituais, incentivando os
valores de
modernidade, felicidade, lazer, amor, etc. ” (p:139).
Ainda que consideremos a adolescência como um estado da vida em
imbricação,
distanciado entre o universo que se considera infantil e o que se diz
adulto, notamos que
se há uma segmentação de mercado que produz mercadorias
específicas para um
público específico, é porque esta produção não é capaz de divorciar-se
dos valores
modernos, ao contrário, reforça-os, promovendo por meio das instâncias
discursivas da
cultura de massa, entre estas as revistas femininas juvenis, uma
pedagogia para
formação do indivíduo dentro da sociedade de consumo. Este caráter
ambivalente da
cultura de massas pode ser aplicado não apenas no que tange ao
padrão de gosto e de
consumo adolescente, mas também nas formas de conduta deste
público.
Nas entrevistas que realizamos, pudemos perceber a veemência com
que as
informantes apontam a sua necessidade de subjetivação. Mas, mas ao
mesmo tempo em
que as meninas dizem “eu tenho a minha personalidade” e “eu sigo o
meu gosto”, elas
afirmam que precisam se vestir com as roupas da moda e com “pelo
menos alguma
coisa de marca” para não se sentirem excluídas dos grupos dos quais
fazem parte. Por
isso, apesar de notarmos o aspecto da diferenciação notamos a
necessidade de
integração do adolescente que de certa forma reitera o paradoxo da
cultura de massa, na
qual o novo é sempre igual. Dito de outra forma, ao mesmo tempo em
que as meninas
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participam, buscam estabelecer traços distintivos que sejam capazes de
diferenciá-las
neste grupo e conquistar determinadas posições. As informações
colhidas ensinam que
as revistas femininas juvenis se tornam fundamentais orientadoras. Em
outras palavras,
oferecem como informação os meios pelos quais as meninas vão
“competir” por postos
de comando, liderança, carisma, admiração, etc.
A relação de ambivalência percebida por Morin(2002), entre a cultura
adolescente
e a cultura de massa também se dá na relação da adolescente com o
seu grupo social. Da
mesma forma que a cultura adolescente participa e ao mesmo tempo
mantém uma certa
diferenciação da cultura de massa, a adolescente participa e ao mesmo
tempo procura se
diferenciar no seu grupo social. Do mesmo modo que a adolescente não
pode desprezar
as regras do grupo de que faz parte sob a pena de ser excluída, a
cultura juvenil não
pode desprezar as representações sociais da cultura de massas.
Para aderir a um determinado estilo de vida e, portanto, para fazer parte
de um
sistema cultural específico as adolescentes precisam ter certezas sobre
si mesmas e
sobre se o seu modo de ser e de viver está ou não de acordo com este
modelo de
comportamento ao qual espera-se que ela corresponda. O alvo maior de
interesse neste
tipo de publicação são os testes de personalidade, que de certa forma
fornecem um tipo
de auto-ajuda que promete fazer com que a menina consiga saber mais
sobre si mesma e
sobre a forma como os meninos pensam e se comportam. Por meio dos
testes, a leitora
avalia o seu comportamento e o do outro, comparando o resultado
obtido com as
referências da revista. No conjunto das revistas a quantidade de testes
por revista vai de
um a 15 tipos diferentes. Inicialmente observamos que o teste pode ser
uma estratégia
para atrair a leitora, principalmente quando a revista apresenta poucos
anunciantes e sua
receita depende da venda da revista em banca.
Dito de outra forma, os testes pretendem ser formas de auto-
conhecimento
imediato, funcionam por meio de um sistema de pontuação que segue
segundo as
respostas marcadas pela leitora. De acordo com o número de pontos
totalizados ela, ou
quem ela estiver avaliando, “se encaixa”, em uma determinada
resposta, ou seja, em um
determinado modelo cuja avaliação nada tem de pessoal, não passa de
um padrão
oferecido pela revista. Este modelo de personalidade, ao obter a
identificação da leitora,
reflete um certo desalojamento desta em relação às múltiplas
influências do meio social
em que vive, principalmente o meio escolar e familiar. Reflete ainda, sua
predisposição
à compra de determinados produtos e adesão a modelos de
comportamento que fazem
apelos às suas diferentes partes corporais, como que se a mulher fosse
uma grande “loja
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de departamentos”. Este efeito supermercado fica mais claro se
concordarmos com o
pensamento de Stuart Hall (2005), para o autor “foi a difusão do
consumismo, seja
como realidade, seja como sonho, que contribuiu para esse efeito de
supermercado
cultural.” (p:75).
No entanto, percebemos que o processo de identificação é seletivo, ele
se dá
diante daquilo que a leitora pensa sobre a sua própria maneira de ser.
Em nossas
entrevistas as meninas informaram que os testes ocasionalmente “não
dão certo”, ou
seja, que o resultado não coincidiu com aquilo que ela imaginava sobre
si. Mas, mesmo
quando isso acontece, segundo as entrevistadas, elas continuam
aplicando os testes
individualmente e com amigas para tentar se antecipar às situações.
Acreditamos que a
popularidade deste mecanismo de auto-conhecimento se dá porque, nas
palavras de
Erving Goffman (2001), “a informação a respeito do indivíduo serve para
definir a
situação, tornando os outros capazes de conhecer antecipadamente o
que ele esperará
deles e o que dele podem esperar. Assim informados, saberão qual a
melhor maneira de
agir para dele obter uma resposta desejada” (p:11).
Verificamos nas entrevistas que, na medida em que as meninas se
identificam
com os resultados que aparecem nos testes, elas reforçam estas
características das quais
se sentem possuidoras e legitimam para si a forma determinada de
comportamento que
faz parte da estrutura do estilo de vida proposto pela revista e com o
qual se identifica.
Podemos compreender de forma mais clara este processo de
identificação com base no
pensamento de Everardo Rocha (1996), para o autor “identificar, quer
dizer conhecer,
ou melhor, aplicar determinado estereotipo, permitindo enquadrar o
outro em um certo
cenário onde, supostamente habitam personagens como aquele” (p:34).
2.5. A verdade nas revistas femininas juvenis
Optamos por incluir em nossa pesquisa a análise de algumas
reportagens nas quais
podemos observar como a mobilização de outros campos do saber é
utilizada para
conferir status de verdade ao discurso jornalístico. Esta espécie de
“comprovação” do
discurso editorial pela invocação de outros campos de saber (científico,
religioso, etc.)
não é uma prática exclusiva das revistas femininas juvenis, pois se dá
também em outras
instâncias da cultura de massas. Nas publicações em questão podemos
observar este
método de construção de verdade sob a forma de depoimentos de
profissionais como
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nutricionistas, psicólogos e etc., bem como sob a forma de citações de
pesquisas, de
palavras contidas na Bíblia, entre outros recursos.
Interessa-nos saber por que razões as leitoras das revistas em questão
acreditam no
que estão lendo e por que, a partir desta leitura, tomam determinadas
atitudes.
Em primeiro lugar, esta crença decorre da autoridade simbólica da
própria revista
internalizada no seu poder de verdade e convencimento. Em segundo,
porque neste tipo
de publicação observamos de maneira recorrente o uso de depoimentos
de adolescentes
com o mesmo perfil do público das revistas, em que são colocadas
questões que com
freqüência aparecem no contexto social deste público, seguidas de
conselhos de
especialistas no assunto. Tais depoimentos de adolescentes parecidos
com as leitoras de
certa forma garantem em um primeiro momento, a identificação com o
perfil do
enunciador. Em um segundo, desenrola o ritual de discurso por meio de
afirmações de
outros de profissionais do campo adulto, que não apenas avaliam as
questões
levantadas, mas julgam, consolam, reconciliam e de certa maneira
confortam as leitoras
sobre os seus próprios dilemas e questões.
“A confissão é um ritual de discurso, onde o sujeito que fala coincide com o sujeito do
enunciado;
é, também um ritual que se desenrola, numa relação de poder, pois, não se confessa
sem a
presença, ao menos virtual, de um parceiro que não é simplesmente o interlocutor,
mas a instância
que requer a confissão, impõe-na, avalia-a, intervém para julgar, punir, perdoar,
consolar,
reconciliar; um ritual onde a verdade é autenticada pelos obstáculos e pelas
resistências que teve de
suprimir para poder manifestar-se; enfim, um ritual onde a enunciação em si,
independentemente
de suas conseqüências externas, produz em quem a articula modificações intrínsecas:
inocenta-o,
resgata-o, purifica-o, livra-o de suas faltas, libera-o, promete-lhe a sua salvação”
(FOUCAULT,
Michel. 2001, p 61).
Seja por meio da confissão pública de dilemas e anseios nas páginas das
revistas
femininas juvenis, seja pelo impacto que esta verdade construída
discursivamente
promove na forma de conduta das leitoras, podemos perceber, em todas
as revistas
estudadas, uma espécie de perfil editorial, voltado para o
convencimento. Como visto
em nosso primeiro capítulo, nestas, assim como nas demais revistas
femininas, em geral
notamos a presença da linguagem coloquial, verbos no imperativo e uso
de primeira
pessoa. Isso nos faz considerar que o discurso da revista sugere uma
certa intimidade
entre enunciador e leitor, que tem o propósito de valorizar a informação
dada, não só
porque esta adquire um status de verdade mas porque esta se torna a
verdade necessária
para o contexto das leitoras.
Em outras palavras, para que a menina assuma determinado estilo de
vida
proposto pela revista é necessário que ela acredite no que está lendo e
que valorize esta
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informação tal como um segredo que lhe é confiado por uma de suas
melhores amigas.
Neste sentido, visando a alcançar este reconhecimento e valorização, as
revistas tentam
induzir as leitoras à identificação por meio de mensagens e de
fotografias de outras
meninas semelhantes ao do público para o qual a revista se destina,
entre outros
recursos de linguagem. Nesta relação de projeção e identificação,
podemos encontrar o
que Sérgio Miceli (2005) nos reporta sobre o conceito de habitus
cunhado pelo
sociólogo Pierre Bourdieu (2005) que, em certo sentido, torna mais claro
o
entendimento acerca do processo de inculcação das mensagens da
cultura de massa.
“O habitus onstitui a matriz que dá conta da série de estruturações e reestruturações
porque passam
as diversas modalidades de experiências diacronicamente determinadas dos agentes.
Assim como o
´habitus` adquirido através da inculcação familiar é condição primordial para a
estruturação das
experiências escolares, o ´habitus` transformado pela ação escolar constitui o princípio
de
estruturação de todas as experiências ulteriores, incluindo desde a recepção das
mensagens
produzidas pela indústria cultural, até as experiências profissionais” (p:47).
O uso do depoimento dos profissionais do campo científico, bem como
de outras
instâncias de autoridade, revela-se como uma confissão da verdade
sobre o discurso dos
jornalistas que passa a ter legitimidade diante das leitoras das revistas
em estudo. Para
ilustrar este ponto selecionamos três reportagens em que essa questão
aparece de modo
bastante claro.
A primeira está na revista “Toda Teen” do mês de outubro de 2006. A
matéria,
que ocupa uma das 84 páginas da revista, localizada na seção especial,
traz o título:
“Espelho, amigo meu”, escrito na cor branca com contorno na cor verde
claro e é
seguida do subtítulo também na cor branca: “Por que a auto-estima é
tão importante na
vida da gente?”. A página tem fundo magenta e o texto está dividido em
três blocos. O
primeiro resume os demais, que seguem com seguintes subtítulos:
“Sinta o drama” e
“Cobranças irreais”. No canto inferior direito da página uma caixa de
texto redonda
com fundo verde claro e bolinhas brancas vem com o seguinte título:
“Ame-se antes de
tudo”. Logo acima deste Box, vemos a foto de uma modelo vestida com
roupa de festa:
vestido prateado cujo comprimento termina no meio da coxa, meias
pretas abaixo do
joelho e sandália; brincos pulseiras e maquiagem. A modelo está
encostada em um
espelho cujo reflexo mostra apenas uma pequena parte do seu corpo, da
cintura para
cima.
Apesar de a matéria ter sido escrita pela jornalista Liliane de Lucena,
seu nome é
quase imperceptível na página; aparece no canto inferior direito, em
fonte branca e em
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tamanho visivelmente menor que as outras letras. Neste sentido, o que
se percebe é que
a matéria é apresentada muito mais como uma espécie de “voz da
revista” , a conversar
com a leitora, do que uma reportagem feita pela jornalista.
Para elucidar o conteúdo abordado reproduzimos um breve trecho do
primeiro
bloco:
“ Se você tivesse o poder de adicionar qualidades ao seu corpo ou à sua personalidade,
o que você
mudaria em si mesma? Pouco? Tudo? Bem, uma coisa é certa: por algum motivo mais
inteligente
do que a gente possa imaginar, todas nós temos diferenças. E ficar descontente com
algumas
características é normal. Até certo ponto.”
Neste trecho podemos encontrar o uso da linguagem coloquial e de uma
abordagem que pressupõe certa intimidade entre o enunciador e o leitor
– intimidade
que é proporcionada, em outros momentos do texto, pela colocação do
narrador na
própria narrativa: “todas nós temos diferenças”.
Nos demais momentos, a matéria aborda a questão da auto-estima
feminina e
busca reforçar a idéia de que a menina não precisa seguir determinados
padrões
estéticos para se sentir bonita, como é o caso do emagrecimento: “(...)
Por exemplo, tem
muita garota que amaldiçoa a genética por ser gordinha. Mas há alguns
anos eram as
magrinhas que faziam isso. Então esforce-se para perceber que, no
fundo, são as
cobranças dos outros que nos deixam tristes.”
Observamos no discurso desta matéria que a revista tenta consolar a
leitora para
que esta se conforme com a própria aparência e não se incomode com a
opinião dos
outros. Entretanto, por outro, tal padrão estético do corpo magro =
corpo belo é
reforçado, na medida em que o próprio discurso e a foto da modelo
magra constatam e
reafirmam a mudança do modelo estético dentro de um contexto
histórico. Ainda mais,
reforça a valorização da opinião do outro na formação do “eu”.
A caixa de texto final traz um “conselho” para a leitora:
“Independentemente da
sua religião, há um trecho muito sábio da Bíblia que mostra o quanto é
importante nos
amarmos antes de tudo (...)”. Neste ponto, podemos observar que a
revista invoca o
campo religioso para conferir autoridade sobre a questão da auto-
estima, que em certo
sentido, confere legitimidade ao seu discurso. A mobilização de um
saber contido na
Bíblia no que tange à necessidade de valorização da auto-estima
coincide com o título
da matéria: “Espelho, amigo meu”. A matéria termina com a frase:
“Quando menos
esperar, vai se sentir uma garota mais bem resolvida, capaz de resolver
melhor seus
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próprios problemas”. Percebemos que existe nos pontos levantados uma
normatividade
que define certos padrões de comportamento da vida. Tais padrões
interferem na
construção da sua subjetividade, cujos limites estão determinados por
fronteiras que
definem o comportamento delas segundo estruturas de micropoderes
que agem pelo que
está ou não no discurso das instâncias a partir das quais estes poderes
são produzidos.
No exemplo em questão vimos que a garota bem resolvida é aquela
capaz de resolver os
seus próprios problemas, mas isso, graças à ajuda de sua “amiga
revista”.
A segunda matéria está na revista Atrevida, de outubro de 2006. Ocupa
quatro
das 124 páginas da revista e traz o título: “O mapa da mina... e do
menino”. O título
está divido em dois momentos. Nas duas primeiras páginas “O mapa da
mina...” e nas
duas subseqüentes “e do menino”. Como a matéria é dirigida ao público
feminino,
percebemos que o discurso apresentado pretende fazer com que a
leitora compreenda
melhor o que ocorre no seu próprio corpo e com o corpo do seu parceiro
quando da
ocorrência da paixão.
As duas páginas dedicadas ao corpo feminino possuem fundo magenta e
as
fontes utilizadas combinam textos escritos em magenta e branco. No
centro das duas
páginas vemos a foto da boneca Bárbie deitada e sorridente, vestida
apenas com uma
calcinha. As páginas dedicadas ao corpo masculino fazem oposição
estética às
anteriores. O fundo é azul e as fontes combinam textos escritos nas
cores branca e
laranja. No centro destas páginas vemos a foto do boneco Ken, que na
indústria de
brinquedos é vendido para ser o namorado da Bárbie, igualmente
deitado e sorridente,
vestindo apenas uma cueca. Em todas as páginas algumas frases dos
textos são
destacadas em tons mais fortes como se tivessem sido assinalado com
caneta do tipo
“marca-texto”. A matéria traz o subtítulo: “Os apaixonados tentam
disfarçar, mas
sempre dão bandeira quando o ser amado se aproxima. No corpo dos
dois acontece uma
verdadeira revolução, desde o momento da paquera até o ato sexual”.
O texto passa então a elencar espécies de reações físico-químicas que
explicam
passo a passo como os corpos da menina e do menino sofrem
mudanças. As duas
primeiras páginas discorrem sobre as mudanças corporais que o corpo
feminino sofre
quando as meninas se apaixonam e as outras duas sobre as mudanças
no corpo
masculino na mesma situação afetiva. Na argumentação desenvolvida
nos textos
destacamos novamente a colocação do narrador como um dos
participantes da narrativa
e a citação do depoimento de uma psicóloga, inserido para reafirmar o
discurso anterior
da jornalista que escreveu a matéria:
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“É pura magia! A gente nunca sabe quando vão começar a tocar os sinos da paixão.
Mas por que
será que com alguns meninos funciona, com outros não? O nome da magia é atração.
Isso não tem
nada a ver com a beleza nem com a visão de um corpo sarado. É possível, dizem os
psicólogos,
que o estopim sejam nossas emoções, tão diversas e íntimas que, muitas vezes nem
sabemos por
que nos sentimos atraídas por um determinado garoto:
‘A atração acontece por causa da identificação com o outro. Nesse caso a garota
reconhece de cara,
as semelhanças entre ela e o menino. Ou, então, pelas diferenças. Também admiramos
nos outros
aquilo que não temos. Isso dá início à atração’, explica Rita Calegari, psicóloga do
hospital São
Camilo, SP”.
Percebemos assim mais um exemplo em que a posição do enunciador
jornalista
é reforçada pela argumentação do saber científico de outro campo,
neste caso, da
psicologia.
“Os jornais, as notícias, procedem por redundância pelo fato de nos dizerem o que é
‘necessário’
para pensar, reter, esperar, etc. A linguagem não é informativa nem comunicativa, não
é
comunicação de informação, mas – o que é bastante diferente – transmissão de
palavras de ordem,
seja de um enunciado a outro, seja no interior de cada enunciado, uma vez que o
enunciado realiza
um ato e que o ato se realiza no enunciado” (DEZEUZE E GUATARI, 1995b, p:16-17
apud
GOMES, Mayra R., 2003, p:65).
A terceira matéria está na seção “Alguém me explica” da revista
“Capricho” do
mês de outubro de 2006. A matéria ocupa uma das 116 páginas da
revista e traz o título:
“Por que você muda tanto de humor?”. Ao contrário do que observamos
na revista
“Toda Teen”, em “Capricho” os nomes dos profissionais do campo
jornalístico que
fizeram a matéria aparecem no alto da página, em fonte menor que as
demais, mas logo
abaixo do nome da seção. A página tem fundo branco, com texto em
preto, títulos e subtítulos
na cor magenta. Ao lado do texto, na parte direita há um desenho que
se
aproxima “do grafite” e da Pop Art. As figuras desenhadas se
assemelham a um
processo caótico e contêm elementos que se referem ao conteúdo do
texto: cérebro,
tempestade, rostos de mulher, raios, nuvens e flores. A matéria aborda a
temática das
mudanças de humor que acontecem com freqüência entre as meninas
na fase
adolescente. Ao contrário do que acontece em “Toda Teen”, em
“Capricho” a matéria
traz logo no início a referência do argumento de autoridade que legitima
e valida o
conteúdo do discurso que pretende responder à pergunta do título.
“Há vários motivos (veja a lista abaixo), mas uma pesquisa concluída no mês passado
achou
uma resposta nova: você só pensa em você! E nada de ficar de mau humor com a
notícia! Uma
neurocientista inglesa chamada Sarah-Jayne Blakemore mostrou que como o cérebro
ainda não
está completamente desenvolvido até os 17 anos, os adolescentes sofrem com a falta
de um
ingrediente fundamental para conviver em grupo: a habilidade de se colocar no lugar
do outro
(...)”.
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Podemos nos perguntar por que razão as mudanças de humor nesta
fase da vida
feminina são assunto para a revista. Podemos imaginar que estas
mudanças ocorrem
com freqüência e são objeto de interesse da revista por serem de
interesse das leitoras.
Também podemos supor que as leitoras necessitem de um discurso
“biológico”, capaz
de justificar suas atitudes, o que torna “Capricho”, muito mais sedutora
diante do seu
público.
A matéria segue com as seguintes informações, que listam as razões
para tais
reações corporais: “Não fui eu. Veja quem mais você pode culpar
quando estiver de
mau humor”. E os textos subseqüentes trazem os motivos científicos
para a questão,
seguidos de explicações: os hormônios, a amídala e as mudanças no
corpo. Mais
especificamente com respeito às mudanças corporais, a matéria termina
com a frase:
“Que humor resiste a tanta mudança?” Percebemos que a eleição deste
assunto, em
detrimento de outros tantos que poderiam estar na revista, demonstra
preocupação com
o corpo característica da sociedade contemporânea e que, em certo
sentido serve para
justificar biologicamente o comportamento inadequado para a
convivência em grupo.
Como dito por Michel Foucault (1987):
“Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de
poder.
Encontraríamos facilmente sinais desta grande atenção dedicada então ao corpo – ao
corpo que se
manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças
se
multiplicam” (p:117).
Procuramos demonstrar que as matérias pesquisadas fazem uso do
discurso
científico para se legitimar enquanto fonte de informação para meninas.
Elas valorizam
um determinado saber, trazem à tona o envolvimento do corpo e suas
reações físicoquímicas
no processo de construção da subjetividade e, ao mesmo tempo, se
colocam
enquanto uma das instâncias que detêm o poder sobre “o certo” e “o
errado” no
universo feminino adolescente. Percebemos através destes exemplos
que a construção
do corpo como resultante de um processo sócio-histórico figura no
discurso das revistas
porque, entre outros motivos, tal discurso tenta naturalizar os dilemas,
os anseios, as
mudanças, inclusive as de humor, como algo da normalidade das suas
leitoras, como
algo que faz parte da disciplina corporal vigente. As revistas femininas
inserem-se no
contexto adolescente enquanto um manual de sociabilidade, no qual o
diálogo entre o
enunciador e as leitoras, o uso de diferentes saberes, está associado à
posição ocupada
por certos sujeitos que formulam determinados discursos e que
obedecem a determinada
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esfera de poder. Nas palavras de Michel Foucault (1970): “Os discursos
religiosos,
judiciários, terapêuticos e, em parte também, políticos não podem ser
dissociados dessa
pratica de ritual que determina para os sujeitos que falam, ao mesmo
tempo,
propriedades singulares e papéis preestabelecidos” (p:39).
2.6. O enfoque sexual
As revistas femininas juvenis são não apenas um referencial para
determinado
segmento de meninas, elas também são uma representação midiática
deste segmento.
No acompanhamento das publicações em questão a presença recorrente
de matérias
relacionadas à sexualidade feminina juvenil, principalmente nas seções
dedicadas à
parte de comportamento.
Retomando o exemplo de segmentação que estruturou a produção de
mídia
impressa no Brasil nos anos de 1960, podemos entender que da mesma
forma que
fotonovelas, costura, cozinha, moda, decoração e assuntos gerais eram
os assuntos de
interesse feminino na época, os itens moda, beleza e comportamento
são os pontos que
classificam e estabelecem o mapa que se presta à representação da
adolescência
adolescente vigente nas páginas das revistas femininas juvenis de hoje.
Dito de outro
modo, se nos anos de 1960 as leitoras das publicações femininas
precisavam das
revistas para acompanhar as fotonovelas, para aprender uma nova
receita de costura ou
de cozinha, se precisavam informar-se para andar de acordo com a
moda e para ter a sua
casa decorada conforme certos padrões, as meninas leitoras das
revistas de hoje
precisam “de sua amiga revista” para serem mais bonitas, para
vestirem-se melhor e,
principalmente, para que com isso sejam percebidas pelos meninos –
não somente
porque estão com a roupa da moda ou porque são bonitas, mas porque
seguem certas
regras de conquista, porque dominam determinados segredos que lhes
garantem uma
colocação melhor na disputa com outras meninas.
Muitas são as matérias que fundamentam nossa observação. Trazemos
à luz a
análise de apenas algumas, tanto ilustram nossas afirmações, quanto
nos ajudam a
compreender as formas pelas quais estas mensagens tratam da questão
do
comportamento sexual-afetivo e são capazes de demonstrar de que
maneira este
“comportamento” se relaciona com o contexto de outras instâncias da
cultura de massa.
No conjunto de revistas analisadas, selecionamos quatro reportagens
que tratam da
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questão da sexualidade, publicadas nas edições de maio de 2006 das
quatro revistas
analisadas. A seleção destas matérias contemplou as edições do dia dos
namorados.
A primeira delas é “Cama para dois”, publicada em “Capricho”. A
escolha da
matéria em discussão se deu por observarmos que esta, na categoria
“comportamento”,
ocupa maior extensão em relação às outras, e principalmente, por a
considerarmos a
matéria que contém uma quantidade de informações sobre a questão da
afetividade que
supera as demais da mesma edição. A matéria, que ocupa cinco das 116
páginas da
revista, está na sessão – “Vida Real”. A primeira página é composta pelo
título na cor
vermelha e em tamanho maior do que os outros textos e por um
pequeno texto que
reafirma o título: “sonho de consumo: cama de casal no quarto com livre
acesso para o
namorado. Quase todo mundo quer. Mas como funciona mesmo?” Ao
lado, vemos a
foto de um cartão de papel que contém várias dobraduras que se abrem
para formar um
quarto em tons pastéis no centro do qual está uma cama de casal.
Discretamente aparece
a inscrição “no travesseiro ao lado”, seguida de uma seta que aponta
para o outro
travesseiro.
A matéria começa com fotos de meninas de 17 a 22 anos com seus
respectivos
parceiros, que “na vida real”, obtiveram autorização dos pais de levá-los
para dormir em
casa. Relevante destacar que o tratamento fotográfico dado aos
entrevistados pela
revista é o mesmo que se observa nos anúncios de moda. Assim,
observamos que as
fotos, tanto as das pessoas da “vida real”, quanto as das que trabalham
como modelos
fotográficos, obedecem a um mesmo critério estético. Se isso confere
beleza à
fotografia, também homogeneízam em um mesmo discurso, modelos
profissionais e
“atores” da vida real.
Além das fotos, a matéria traz depoimentos das meninas sobre a
questão. Traz
também os conselhos da revista para que a leitora que, assim como as
meninas da
matéria, já conquistou esta autorização, possa manter o “direito de
levar o seu lindo
para dormir em casa”, assim como seis tipos de argumentos diferentes
para aquela que
ainda não conseguiu a autorização, iniciar a conversa com os pais.
Os argumentos são sugeridos em tópicos cujo título está centralizado na
cor rosa
e com tipologia diferente das demais, sobreposto à foto de um
travesseiro. O título é
seguido do texto: “Não é fácil. A maior parte das famílias ainda não
deixa – e talvez
nem vá deixar – seu namorado dormir em casa. Mas existem alguns
argumentos para,
pelo menos, iniciar a conversa...”. Percebemos neste ponto que a
argumentação é
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precedida por uma espécie de explicação editorial do assunto, que se
por um lado tenta
consolar a leitora, por outro a informa sobre métodos para a persuasão
dos pais.
Em seguida, apontamos algumas técnicas de persuasão utilizadas pela
revista:
_ “É mais seguro estar em casa com um namorado que eles conhecem
do que
estar com meninos que eles nunca viram”. Técnica: ameaçar os pais.
_ “Vai ser estranho no começo, mas depois todo mundo se acostuma a
tomar café
da manhã juntos. Pode ser até divertido”. Técnica: insistir até eles
deixarem.
_ “Você fica mais responsável, não vai querer desapontar seus pais já
que eles
lhe deram esse voto de confiança”. Técnica: mostrar que tem
responsabilidade.
_ “O namoro vai ser mais verdadeiro. Ele vai conviver mais com a sua
família.
Conhecer você melhor. Isso deixa tudo mais claro entre vocês”. Técnica:
mostrar a seriedade da relação para os pais.
_ “Seus pais vão poder participar mais da sua vida, já que você vai
querer passar
mais tempo em casa”. Técnica: mostrar que os pais vão poder exercer
mais
controle.
_ “Os gastos diminuem e as mentiras acabam. Você não vai mais ter que
inventar
histórias pra ficar com seu namorado”. Técnica: mostrar que os pais vão
gastar
menos e que vão ouvir menos mentiras.
Ao inserir esta matéria na sessão “Vida Real”, a revista busca, de certa
forma, uma
aproximação com uma situação que costuma estar presente no mundo
social do seu
público, principalmente quando ele é o entrevistado. Das três meninas
entrevistadas,
uma delas, de 17 anos, ficou grávida. Mas, segundo a matéria, a
gravidez não se revelou
problema para ela ou para a família que, ao contrário “deu força”. Desse
modo,
percebemos que o tratamento da matéria busca a legitimidade do
mundo social da
leitora, sendo também capaz de dizer como a sua vivência sexual se
torna “um sonho de
consumo” e com quais direitos e deveres ela pode e deve ser exercida.
A segunda matéria escolhida está em “Atrevida”. Sob o título “Amor
tamanho
família”, ocupa duas das 124 páginas da publicação. A primeira mostra
uma foto da
atriz Paola Oliveira – que na novela “Belíssima” exibida pela Rede Globo
em 2006,
viveu a história de uma personagem apaixonada pelo primo,
interpretado pelo ator Cauã
Raymond. Fazendo referência ao contexto da trama amorosa da novela,
a atriz segura
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um coração com a foto do ator. Logo após o título, uma caixa de texto
traz em destaque
a seguinte mensagem: “Se apaixonar por um primo (e vice-versa) é
muito comum. Se
está vivendo uma experiência dessas, veja o que fazer para não entrar
numa roubada”.
A matéria continua na página seguinte, trazendo depoimentos de
especialistas que
legitimam o discurso da revista. Neste caso os depoimentos são de uma
psicóloga e de
um hematologista. Além dos especialistas de outros campos de saber,
há também
depoimentos da atriz e de uma menina de 14 anos que manteve namoro
com um primo
durante um ano, terminando por conta das dificuldades na família.
O depoimento da atriz Paola Oliveira, “a gente sabe que o amor entre
primos é algo
muito comum, que sempre rola (...)”, em certo sentido reafirma o título
da matéria da
revista e faz uma espécie de mediação entre aquilo que a revista resolve
considerar
próprio do interesse do mundo social de seu público e o universo
ficcional da novela,
outro produto da indústria cultural que também trabalha com as
relações de projeçãoidentificação.
A noção de “família” e a proibição ou permissão de casamentos em um
dado grupo
são questões complexas, associadas a determinada forma de
parentesco que varia de
cultura para cultura. No entanto, o que nos interessa aqui é destacar
que a matéria
estabelece uma espécie de diálogo com a novela, mostrando como ela é
parecida com a
“vida real”, e como é fácil a leitora se identificar com o que está
assistindo ou lendo.
Todavia, na medida em que a revista insere depoimentos de pessoas
escolhidas porque
viveram a mesma questão e quando acrescenta informações científicas
sobre o assunto,
percebemos novamente, assim como na matéria anterior uma busca de
legitimação do
discurso e uma normatização para a vida afetiva. Como em “Capricho”,
a matéria de
“Atrevida” traz conselhos que pretendem ensinar a sua leitora como
lidar com esta
situação “muito normal”.
A terceira matéria, está na “Toda Teen”. Traz o título “40 Dicas para
conquistar...”.
Em tipologia menor segue o subtítulo: “... um gato e passar o dia dos
namorados bem
acompanhada”. A matéria, que ocupa três páginas das 84 da revista foi
escolhida por
ser a única que trata da questão do Dia dos Namorados em si, e porque
estas “dicas”
ajudam-nos a compreender a forma pela qual as revistas podem se
tornar um manual do
jogo social “juvenil” feminino. Os conselhos são precedidos de uma foto
com um casal
de jovens modelos se beijando e seguem em ordem numérica. A matéria
termina com
dicas de pessoas famosas (Felipe Dylon, músico, os atores Marco
Antônio Gimenez e
Dado Dolabella e a atriz Daniele Suzuki), acompanhadas de suas
respectivas fotos
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precedidas de um pequeno título na cor rosa com fundo magenta
dizendo: “vai na
deles”. Percebemos assim como na matéria anterior de “Atrevida”, que
esta procura
fazer a mediação entre a ficção e a realidade, ela também toma os
depoimentos destes
agentes da cultura de massa como uma espécie de referência para o
alcance de sucesso
social.
Reunimos algumas “dicas” nas quais é possível observar tanto uma
espécie de
discurso normativo das regras do jogo afetivo, que prescreve o que é
permitido ou
proibido, quanto alguns elementos próprios da dominação masculina,
principalmente no
que diz respeito à mulher enquanto ser percebido. Estamos tomando por
“dominação
masculina” o pensamento de Bourdieu (1999) que, conforme esclarece
Mirian
Goldenberg (2004), é uma forma de dominação que “constitui as
mulheres como
objetos simbólicos e que tem por efeito colocá-las em permanente
estado de insegurança
corporal. Ou melhor, de dependência simbólica: elas existem primeiro
pelo, e para o
olhar dos outros, como objetos perceptivos, atraentes, disponíveis”
(p:75).
A primeira dica selecionada é a de número 22: “O garoto puxou um
papo,
converse naturalmente com ele. Seja você”. Inicialmente percebemos
que a revista
aponta para a valorização de certa subjetividade da leitora. Todavia esta
valorização é
desconstruída na medida em que o uso do imperativo dos verbos
“conversar” e “ser”
estabelece aquilo que a leitora deverá fazer para conquistar o parceiro.
Em outros
termos, o discurso aponta para um tipo de pensamento “seja você, mas
se quiser arranjar
um namorado você tem que ser natural”.
A segunda “dica”, de número 20, diz o seguinte: “Faça o jogo do ‘tô te
sacando,
mas estou de boa’. Como funciona? De longe, olhe para o menino
quando ele tiver
conversando com os amigos. Uma hora ou outra ele vai olhar para você.
Quando isso
acontecer, dê um sorrisinho e desvie o olhar”. Nesta “dica”, percebemos
uma espécie
de receita que prescreve toda a situação e ainda explica exatamente o
que a leitora deve
fazer, e como fazer, para ser percebida, e para ter sucesso na conquista
de um parceiro
para o Dia dos Namorados.
A terceira “dica”, número 26, diz respeito ao beijo, um dos assuntos
mais
recorrentes das publicações femininas juvenis contemporâneas: “Mas
nada de beijar
assim que estiverem sozinhos. Causar uma certa insegurança vai
prender a atenção do
menino e deixá-lo ansioso”. Nesta “dica”, ao contrário das duas
anteriores, percebemos
a existência de um discurso que proíbe a leitora de beijar rapidamente
seu parceiro
diante da promessa de recompensa no jogo afetivo. Outra “dica” em que
se pode
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observar o uso da proibição é a de número 29: “Ou seja, nada de cenas
de ciúme,
provocações e cobranças”.
Para o sociólogo Pierre Bourdieu (1999), tudo na gênese do habitus e
nas
condições sociais de sua realização concorre para fazer da experiência
feminina do
corpo o limite da experiência universal do corpo-para-o-outro:
incessantemente exposto
à objetivação operada pelo olhar e pelo discurso dos outros. Nesta
perspectiva, a
preocupação com a questão da percepção pelo olhar pode ser
observada nas dicas
número 31, 32 e 36. Dica número 31: “Não descuide do visual em
momento algum, nem
pra ir à padaria. Vai que você encontra ele lá?” Dica 32: “Demonstre que
continua
sendo uma menina antenada e que se cuida. Ele vai perceber que você
é uma menina
especial e diferente das outras garotas”. Dica 36: “Faça questão de ficar
linda sempre
(sempre mesmo) que saírem”.
Assim, observamos que a matéria traz informações sobre as maneiras
de agir
diante do sexo oposto, indica sob que condições a menina será
percebida pelos meninos
e qual o padrão estético ela deverá seguir. Desta forma, por supor que a
revista pode ser
uma das referências deste público acreditamos que a valorização deste
tipo de
informação pela revista pode ser associada às reações ou
representações, que segundo
Bourdieu (1999), o corpo feminino suscita nos outros e na própria
percepção do seu
corpo pelas meninas. Suas reações são, elas mesmas, construídas sobre
esquemas de
percepção de si, do outro e de si a partir do outro, e do outro a partir de
si, nos quais as
meninas depositam suas estruturas fundamentais (sucesso/fracasso,
forte/fraco, etc).
A quarta e última matéria em análise está em “Smack!”. A escolha desta
matéria
se deve ao fato de ser a de maior extensão na edição, no que tange ao
comportamento
afetivo. A matéria ocupa quatro das 68 páginas da revista e traz o título
“Tinha que ser
ele?!”, em letras maiores que as demais e na cor roxa. A página
seguinte mostra o
subtítulo: “O que acontece quando o cara de quem você está a fim é
justo o amigo do
seu irmão”. A matéria é ilustrada com desenhos que reforçam o
conteúdo do título,
mostrando em close uma menina em meio aos vários corações na cor
rosa. Um pouco
atrás, dois meninos apertam as mãos e olham para a menina. A matéria
conta com
depoimentos de meninas que se relacionaram afetivamente com os
amigos se seus
irmãos, bem como traz uma “explicação” de uma psicóloga que tenta
demonstrar por
que estes relacionamentos podem ser freqüentes e como a leitora pode
lidar com o
assunto. Entre as afirmações da profissional, destacamos: “é muito
comum que a irmã
mais nova tenha alguma quedinha por alguém da turma do irmão”.
Percebemos que o
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discurso técnico-científico utilizado por este meio de comunicação de
massa confere
certa normalidade que “cumpre uma função de sedução e legitimação,
trabalhando a
concepção de moral do certo e do errado, premiando os que acertam e
seguem à risca os
mandamentos da ciência e culpando os que erram e não os seguem”
[Serra & Santos
(2003)], A página seguinte oferece três tipos de irmão:
_ “O anjo da Guarda” – quando o irmão é favorável e colaborativo com
este tipo de
relação.
_ “O (quase) diabinho” – quando o irmão é um censor do
relacionamento.
_ “O futuro companheiro” – que indica uma espécie de meio-termo entre
os tipos
anteriores.
Cada tipo é ilustrado com desenhos da menina com o respectivo irmão,
cujas
expressões variam segundo o tipo determinado. A matéria termina com
um teste que
propõe à leitora descobrir se o seu irmão é do tipo aliado ou inimigo:
“Descubra se, na
hora da paquera, seu irmão está no seu pelotão ou do outro lado do
front”. O teste
conta com cinco perguntas sobre o assunto e apresenta três resultados
possíveis para a
tipificação do irmão: aliado, neutro ou inimigo. Neste sentido,
percebemos que matéria
aborda determinados parâmetros de proximidade e de distanciamento
afetivo e que tal
distância pode ser manipulada pelo discurso midiático na medida em
que determinadas
posições são tipificadas no campo da disputa simbólica.

3 – Algumas meninas leitoras


A fim de compreender a maneira como as revistas pesquisadas são lidas
por
adolescentes, neste terceiro capítulo mostraremos os resultados de uma
série de
entrevistas feitas com meninas na faixa dos 10 aos 13 anos de idade.
Entrevistamos as
jovens para verificar, primeiramente, de que maneira elas tomam a
revista como um
referencial para a formação do seu padrão de gosto e, em segundo
lugar, para entender
como o estilo de vida contido nas publicações é visto pelas suas leitoras.
Ao expormos o
que as meninas pensam sobre os meios de comunicação de massa de
um modo geral,
seus hábitos de consumo e a sua percepção sobre a própria fase
adolescente, também
pretendemos abordar de forma sucinta o imaginário feminino e a
relação das leitoras
com as marcas anunciadas nas páginas de publicidade das publicações.
Neste sentido, tomamos por base um grupo1 de meninas residentes em
Teresópolis, estudantes em uma escola da rede privada, cujos hábitos
de consumo nos
permitem considerar que pertencem a uma espécie de “classe média-
alta” dentro dos
padrões sócio-econômicos de uma cidade da Região Serrana, no interior
do estado do
Rio de Janeiro.
3.1. Valores e revistas
Em razão de estarmos trabalhando do ponto de vista metodológico, com
pesquisa qualitativa, a escolha de entrevistar meninas residentes em
Teresópolis foi
motivada pela possibilidade de verificarmos, ainda que de forma
panorâmica, em que
medida os produtos anunciados pelas revistas tornam-se uma referência
de consumo, e
como eles são capazes de nortear as escolhas das leitoras nas cidades
cujos mercados
não contemplam a oferta de marcas anunciadas pelas publicações. Para
efetuar a coleta
dos dados da pesquisa, tomamos por base um questionário dividido em
quatro temas:
mídia, adolescência, revistas e consumo.
1 Uma hipótese deste trabalho é que poderíamos nos ater a qualquer outro grupo de
leitoras na mesma
faixa etária e classe social porque consideramos a revista como um manual do jogo
social “juvenil”
feminino cujo propósito se insere em uma proposta de universalização de
comportamentos por meio da
cultura de massa. Todavia, este trabalho não deixa de considerar o aspecto da
localidade que envolve as
entrevistadas.
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As entrevistas foram realizadas no mês de abril de 2007, em uma escola
particular da cidade cuja mensalidade custa em média R$ 700,00. As
entrevistadas são
leitoras das revistas e consumidoras de certas marcas que
freqüentemente são
anunciadas nestas publicações. Por meio deste grupo, tornou-se mais
fácil entender qual
o papel das revistas femininas no contexto social de meninas, qual a
relevância da
publicação enquanto bem de consumo e qual o seu papel enquanto
signo de
adolescência no contexto de jovens de Teresópolis.
Em geral, as entrevistadas são leitoras de pelo menos duas revistas das
quatro
pesquisadas, onde se destacam “Capricho” e “Toda Teen” como as mais
lidas pelas
meninas. Além de perguntas específicas sobre a revista e sobre os
produtos anunciados
por esta, também elaboramos algumas perguntas mais gerais sobre
possíveis viagens
que as meninas fizeram nos últimos anos com a família com o objetivo
de compreender
o contexto sócio-econômico da entrevistada, ainda que
superficialmente. Também
perguntamos sobre a sua opinião a respeito da cidade e ainda, de uma
maneira geral,
sobre o que mudou depois que ela se tornou adolescente e sobre o que
pensa a respeito
dos meios de comunicação de massa. Na maioria, as meninas realizam
viagens de curta
duração com a família nos períodos de férias e feriados às cidades
próximas de
Teresópolis. Algumas poucas conhecem outros estados e apenas uma,
outro país.
Apresentamos na tabela a seguir, uma listagem das entrevistadas, na
qual
relacionamos a identificação, as idades e as revistas lidas pelas
meninas. Também
relacionamos há quanto tempo estas se tornaram leitoras e ainda, quais
marcas de
produtos anunciados pelas publicações elas não apenas compram, mas
também
reconhecem como signo de distinção social. Mais adiante
apresentaremos uma análise
dos aspectos que estruturaram nossos questionamentos, quando
traremos os
depoimentos das informantes além de outras reflexões.
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Tabela 7 - Entrevistadas - Abril de 2007
Nome Idade Revista
lida
Há quanto
tempo é leitora
Marcas que consome/reconhece
Bruna 13 anos Capricho 1 ano Recruta, Melissa, O Boticário, Myth,
Roxy, Nike, Colcci, Billabong, Mary
Jane.
Fernanda 11 anos Toda Teen Ocasionalmente Puma, All Star, Roxy e Mary
Jane.
Luana 11anos Atrevida
Capricho
2 anos All Star e Mary Jane.
Dandara 13 anos Smack
Toda Teen
2 anos Myth, Reef e Billabong.
Camila 11 anos Atrevida 2 anos Nike, Myth, Mary Jane.
Vitória 10 anos Toda Teen
Capricho
1 ano Nenhuma marca específica foi
apontada.
Milena 10 anos Capricho 2 anos Billabong.
Annelise 11 anos Toda Teen 1 ano Nenhuma marca específica foi
apontada.
Luiza 11 anos Capricho
Toda Teen
1 ano Melissa, O Boticário, Myth, Roxy e
Mary Jane.
Rana 11 anos Capricho
Toda Teen
1 ano Nenhuma marca específica foi
apontada.
Marcele 11 Toda Teen Menos de 1 ano Mary Jane.
Julia 11 anos Smack! 2 anos Mary Jane, Billabong e Lei Básica.
Na tabela acima notamos que a revista mais lida pelas entrevistadas é
“Toda
Teen”, com aproximadamente 45% do total da preferência. Em segundo
lugar vem
“Capricho”, com cerca de 28% e “Smack!”, com 15% das leitoras.
“Atrevida” está com
um percentual aproximado de 12% da preferência das entrevistadas. No
que diz respeito
às marcas mais conhecidas e compradas pelas meninas, Mary Jane é a
mais conhecida,
aparecendo em 40% das respostas. Em segundo lugar estão Billabong e
Myth com 26%
das opiniões das leitoras. Depois em terceiro vem All Star, com 6% da
preferência e as
demais apontadas na tabela foram citadas mais pontualmente. Com
relação à freqüência
de leitura das entrevistadas notamos os números praticamente se
dividem: 42% lêem as
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revistas há cerca de dois anos e outros 42% há um ano, enquanto que
as leitoras
ocasionais e com freqüência de leitura inferior a um ano representam
16% do total.
Representação Gráfica (leitoras, marcas e fidelidade)
Leitoras por publicação
28%
12%
45%
15%
Capricho Atrevida Toda Teen Smack
Marcas mais conhecidas e compradas
40%
26%
6%
26%
2%
Mary Jane Myth All Star Billabong Outras
Freqüencia de Leitura
42%
42%
16%
1 ano 2 anos menos de 1 ano
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3.2. Mídia
Procuramos obter informações sobre a opinião das meninas a respeito
dos meios
de comunicação de massa de uma maneira geral, para saber em que
medida estes meios
participam de suas vidas. Notamos que mesmo perguntando
genericamente a opinião
das entrevistadas a respeito de meios variados como a televisão, o
rádio, cinema, jornais
e revistas, as respostas foram dadas muito mais em função do gosto
pessoal do que em
relação à utilidade do meio em si. Nas respostas obtidas, a TV e as
revistas foram os
meios de comunicação mais citados que acrescentaram o telefone
celular e a Internet,
como meios mais importantes. Apesar da Internet não ser considerada
no Brasil, um
meio de comunicação de massa clássico, as entrevistadas apontaram
esta ferramenta de
comunicação como seu meio preferido, tanto pela possibilidade de
interatividade e de
acesso a lugares, pessoas e informação quanto pela facilidade de
distanciamento físico
para abordar determinados assuntos com pessoas específicas,
principalmente, meninos.
Notamos nos discursos das entrevistadas a existência simultânea de
uma tensão
entre aproximação e de distanciamento, que é materializada por
ferramentas
tecnológicas de conversação, como o MSN e o Orkut. Desta forma,
parece-nos que a
característica de ambivalência que marca a cultura de massa, em certo
sentido se revela
paradoxal, pois a mesma cultura que aproxima, afasta, está presente
também nas formas
de comportamento dos adolescentes do nosso tempo. Estes que não
apenas fazem uso
da Internet para se aproximar de lugares e pessoas que nunca
conheceram pessoalmente,
como também proporciona conversas e interações sociais distanciadas.
Dito de outra
maneira, através da Internet as meninas se sentem capazes de “viajar”
para qualquer
parte do planeta e também aproximar-se de pessoas com quem jamais
estiveram. Por
outro lado, se este mesmo meio lhes permite aproximação, também
estabelece
distâncias físicas que facilitam o ato de conversar com seu colega de
escola ou
namorado potencial a quilômetros de distância sem ter que passar pelo
constrangimento
de encarar o rapaz pessoalmente. Assim, notamos um desejo de
aproximação ainda que
no limite da linguagem escrita, pois a maior parte das entrevistadas
conversa pelo
programa de mensagens eletrônicas MSN. Mas não se pode deixar de
considerar que
também existe uma vontade de distanciamento do outro que, em certo
sentido, torna-se
confortavelmente conveniente por meio da Internet.
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“Fica mais fácil falar pelo MSN porque aí você não tá vendo a reação da
pessoa que está do outro lado e você fica mais à vontade” (Dandara, 13
anos).
Outro ponto é a percepção dos meios de comunicação. Entendemos que
na
percepção das jovens entrevistadas a TV é o meio capaz de lhes trazer
as notícias sobre
“o mundo”. Isto pode nos levar a crer que a adolescente compreende e
crê no mundo a
partir do que assiste pela televisão. Milena (10 anos), considera os
meios de
comunicação de massa muito importantes. Em sua opinião, por meios
como o rádio, o
cinema e a televisão, ela pode saber o que está acontecendo no mundo.
“Sobre guerra,
pelo rádio e pela TV, sobre o que está na moda, pelas revistas”. Entre os
meios
enumerados, Milena afirma usar mais a TV, porque esta mostra “tudo o
que está dando
no mundo” e a revista porque ”tem tudo o que a gente gosta e tudo o
que a gente quer”.
Notamos que as adolescentes crêem no mundo que assistem pela TV.
No
entanto, essa crença não nos surpreende, uma vez que se nos
lembrarmos do
pensamento de Martín-Barbero (2003) segundo o qual “na televisão a
visão
predominante é aquela que produz a sensação de ‘imediatez’ que é um
dos traços que
dão forma ao cotidiano. E isto vale inclusive para a publicidade, porque
se trata da
“síntese” entre a cotidianidade e o espetáculo (...)” (p:307),
entenderemos que tanto a
idéia de mundo que permeia o discurso das entrevistadas como esta
espécie de síntese
entre os acontecimentos e o espetáculo, proporcionada pela TV, fazem
parte do sistema
cognitivo contemporâneo.
Podemos observar uma segmentação do uso dos meios de comunicação
pelas
entrevistadas: através da TV as meninas se informam sobre o mundo;
por meio das
revistas elas se informam sobre o que mais gostam e pela Internet,
principalmente pelas
ferramentas de comunicação em tempo real como o MSN, sites de
“bate-papo”, bem
como pelo Orkut, elas se relacionam e interagem em diversas redes
sociais.
Considerando que as tecnologias são, em última análise, modos de fazer
as
coisas, historicamente situados, podemos perceber no que tange ao
contexto adolescente
contemporâneo, certas mudanças até mesmo do ponto de vista
cognitivo. Se antes a
expressão do compositor Roberto Carlos “Eu quero ter um milhão de
amigos” servia de
metáfora para dizer que a pessoa queria ter muitos amigos, hoje “ter um
milhão de
amigos” é não apenas perfeitamente possível por meio das redes de
interação social que
se estabelecem através do Orkut, por exemplo, como desejável pela
maior parte de
nossas entrevistadas. Na atualidade o número de amigos que são
adicionados nos
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“Orkuts” de cada menina e o número de vezes que o seu Orktut é
adicionado nas
páginas de outras “amigas” estabelece a distinção entre as meninas
populares e não
populares no contexto em que vivem. A preocupação com a medição e a
periodização
da vida, que constituem algumas marcas da modernidade, aparecem no
contexto do
imaginário adolescente de forma superlativa. Pelo fato de as revistas
femininas juvenis
conterem referências do mundo social adolescente, não podemos deixar
de incluir em
nossa discussão a explicação da razão pela qual os usos das novas
tecnologias fazem
tanto sucesso. Na edição de junho de 2006 da revista “Capricho”, por
exemplo,
encontramos a explicação de como e porque o site do Orkut faz tanto
sucesso no Brasil:
“Mais de 70% dos 16 milhões de usuários do Orkut são brasileiros. Como isso
acontece? Alguns
amigos de Orkut Buyukkokten têm amigos brasileiros. Esses brasileiros convidaram
outros amigos
brasileiros e por aí foi (...) ‘é o que chamamos de efeito de rede, diz a pesquisadora
Raquel
Recuero, que estuda redes sociais e que participou de uma pesquisa sobre o Orkut
para o Google” .
Nas respostas de nossas entrevistadas, as explicações para a Internet se
ter tornado
a ferramenta de comunicação preferida repetem entre “É mais legal! Sei
lá, tem mais
imagens que ilustram mais o que acontece”, (Bruna, 13 anos). “É um
meio mais fácil
para se saber o que está acontecendo no dia-a-dia” e, “é divertido
porque é que nem
um jogo” (Fernanda, 11 anos). Sendo as mídias uma das características
do nosso
tempo, as adolescentes de hoje se tornaram uma espécie de “nativo
digital”. Não apenas
acostumadas com sites, conversas pelo MSN e pelo Orkut, mas inseridas
em um
contexto onde não é mais possível pensar em formas de comunicação
não-midiatizadas.
Na percepção de Bruna (13 anos), mídias mais tradicionais como jornais,
por exemplo,
só trazem violência, são chatos e grandes com muito texto para ler,
Luana (11 anos),
admite que os meios de comunicação de massa que mais lhe atraem
são o rádio, a
televisão e a Internet. No entanto, apesar de “bater-papo” pelo
computador, Luana
prefere falar ao vivo com amigos e namorados. Neste sentido, notamos
que a Internet
vem se tornando o meio de comunicação preferido devido aos sites
visitados pelas
meninas e também uma forma de manter laços afetivos.
“É muito melhor, às vezes você fala um monte de coisas que você tem
vergonha,
pelo MSN pra pessoa, e no dia seguinte ela não fala nada e você
também,
porque as vezes ela já esqueceu e você também, é só na hora, ao vivo é
mais
difícil porque você tá vendo a pessoa” (Luiza, 11 anos).
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No entanto, essa a opinião não é unânime. Para Marcele (11 anos), os
meios de
comunicação são importantes de uma maneira geral. Embora afirme que
prefere a
leitura como um dos seus passatempos preferidos. Todavia, se ela
tivesse que eleger o
meio de comunicação preferido, seria a Internet a sua escolha. Marcele
observa que este
meio reúne todos os outros. “Para mim a Internet é muito melhor, tem
jogos,
passatempos, tem como você ver filme pela Internet, tem como você
ouvir música,
visitar sites, é muito mais legal”. No entanto, apesar de atribuir valor à
Internet, em vez
de conversar pelo MSN ou Orkut, Marcele ao contrário das demais
entrevistadas,
prefere falar com amigos e amigas pessoalmente. Em sua opinião, o
contato pessoal é
melhor porque “você ta vendo a pessoa, pode olhar para ela e ver a sua
reação”.
Assim como Marcele, Júlia (11 anos), mesmo elegendo a Internet como
meio de
comunicação preferido, admite que as conversas presenciais são mais
interessantes
porque “na Internet, pelo MSN, você não sabe como a pessoa está
escrevendo, e se é
ela mesmo que está escrevendo”.
3.3. Adolescência
Além das impressões que as entrevistadas possuem da mídia, buscamos
identificar se há alguma forma de reconhecimento da fase adolescente
por parte da
própria menina. Desta forma, queremos entender se as jovens
entrevistadas percebem-se
ou não em estado de mudança e como se comportam diante disso.
Ainda que não
pretendamos nos aprofundar nos aspectos relacionados às questões da
localidade,
acrescentamos algumas observações feitas pelas entrevistadas em
relação ao contexto
em que vivem porque entendemos que de certa forma a cidade
participa deste processo.
Para a maioria das entrevistadas, a adolescência é de fato uma fase
nova da vida.
Quando questionada sobre a adolescência, Bruna (13 anos) aponta
como um dos
acontecimentos decorrentes desta fase o fato de ter conhecido novos
amigos e isso só se
deu porque cresceu. Fernanda (11 anos) acha a adolescência estranha,
mas ao mesmo
tempo reconhece a necessidade de crescer e gosta desta mudança. Para
ela o que mais
mudou em relação à fase em que se considerava criança foi a questão
da brincadeira.
“Antes, eu brincava de Barbie, de roda, de pular elástico, etc., é mais
conversar, ir no
cinema, no shopping com as amigas”. Luana (11 anos) gosta mais de ser
adolescente do
que ser criança, mas ao mesmo tempo tem saudade da sua infância,
principalmente
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porque recebia mais atenção dos pais. Afirma que a principal mudança
percebida nesta
fase é a maturidade.
Dandara (13 anos) acha chato ser adolescente porque “tem muita
espinha”. Mas,
por outro lado, diz que este momento da vida tem lhe proporcionando
momentos
felizes: “é bem melhor, tem dia que eu saio e volto tarde, meia-noite”. A
mudança mais
significativa que percebe nesta fase da vida é a capacidade de dialogar
com outras
pessoas. Antes ficava muito calada, passava o dia todo vendo televisão
e quando estava
quieta demais era porque estava fazendo algo que considera errado.
Agora conversa
mais. Assim como Dandara, Annelise (11 anos) aponta as mudanças
corporais como as
primeiras que se podem perceber nesta fase, principalmente o fato de
“ficar mocinha” e
de os meninos passarem a “ficar mexendo com as meninas”. Para ela a
adolescência é
uma fase em que menina precisa ficar mais madura, em e que não se
pode mais ficar
brincando como antes. Nesta fase da vida ela percebe que é necessária
uma dedicação
maior aos estudos pela quantidade de informações que precisa
absorver. No entanto,
mesmo reconhecendo estas mudanças, Annelise afirma que ainda brinca
de Polly e
Barbie, ocasionalmente.
Ao contrário das demais meninas, Camila (11 anos) ainda não se deu
conta da
fase adolescente. Tem dificuldades de responder efetivamente o que
vem mudando em
sua vida, porém destaca alguns pontos que percebe como mudanças
decorrentes deste
momento. Para ela o que mais mudou foi a vontade de aprender coisas
novas e o medo
de se cortar que antes não era uma questão. Outro aspecto levantado
por ela foi sobre
brincadeiras como pique, amarelinha, esconde-esconde, que antes
adorava e agora não
brinca mais. Assim como Camila, Vitória (10 anos) não identifica
mudanças em sua
vida, mas apesar de admitir que ainda brinca de “pique” e de “polícia e
ladrão” na
escola, reconhece que já não brinca “de Bárbie, de Polly e de casinha”
como antes
brincava.
Notamos, no conjunto das respostas dadas, traços marcantes que
parecem
estabelecer uma ruptura entre as formas de comportamento infantil e
juvenil, para além
das mudanças corporais: a brincadeira e a forma de interação social.
Nas respostas das
informantes percebemos que a interação que antes se dava por meio da
brincadeira e do
brinquedo, de bonecas como a Barbie e a Polly, agora se dá por meio da
conversa
presencial ou eletrônica.
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“Quando eu brincava, eu ficava imaginando que eu era a Bárbie e que
estava
passeando de carro e viajando para vários lugares. Agora que eu cresci
percebo
que é muito melhor porque eu não preciso mais ficar imaginando. Eu
vivo aquilo”
(Rana, 11anos)”.
“Antes eu ficava só em casa brincando de boneca, agora eu vou no
cinema, saio
com as minhas amigas, uma dorme na casa da outra, é mais
legal”(Luiza, 11
anos).
Por meio das respostas dadas nos parece que esta espécie de “ensaio
de
subjetividade” vivido na infância, muitas das vezes proporcionado pelo
uso de
brinquedos, como é o caso de bonecas como a Barbie (na qual a criança
brinca que é a
boneca), se materializa em um novo contexto social, o contexto da
adolescência. Muito
embora esta associação não seja por ora nosso objeto, um estudo
aprofundado do tema
merece ser feito, pois muito se descobriria sobre a concepção de
feminilidade e
juventude circunscrita no contexto das bonecas Barbie, associadas aos
estilos de vida
informados pelas revistas femininas juvenis, haja vista que também
durante nossas
entrevistas, 100% das informantes entrevistadas afirmaram que
brincaram com bonecas
Bárbie durante a infância.
Com respeito à cidade em que vivem, as entrevistadas reclamam da
falta de
opções de lazer, do número limitado de lojas, shopping centers e
cinemas, mas
valorizam a paisagem, o clima e a violência reduzida quando comparada
aos grandes
centros urbanos, principalmente a cidade do Rio de Janeiro.
“Ser uma adolescente em Teresópolis é um porre, porque a cidade não
tem uma
boate, só quando tem festa, o shopping é minúsculo e não tem as lojas
e marcas
que eu gosto, só algumas” (Dandara, 13 anos).
Assim como no caso de Dandara, Júlia (11 anos) considera que ser uma
adolescente em Teresópolis é muito restrito. Em sua opinião “a cidade
não tem parque
de diversões e a única coisa que tem pra fazer é ir para o shopping, o
único parque que
tem é pra criancinha, e eu já não sou mais uma criancinha, então é meio
chato”.
Além da falta de opções de lazer, outros pontos relacionados à
localidade se
revelam nos discursos das entrevistadas, principalmente no que diz
respeito ao fato da
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cidade de Teresópolis ser pequena, com 150.000 habitantes
aproximadamente. Para
Camila (11 anos), ser uma adolescente em Teresópolis é sinônimo de
futilidade. Na sua
opinião, para “ser uma adolescente em Teresópolis” é necessário sair
muito com as
amigas, ser popular e não ligar muito para o estudo, o que, segundo ela,
não é o seu
caso. Para ela não é importante ser popular porque a pessoa popular, na
sua opinião é
muito vigiada pelos demais e acaba
“tendo que fazer o que os outros querem que você faça. Eu não, eu
gosto de ter
a minha opinião, eu sou como eu quero ser e não me importo com que
os outros
acham de mim, então, eu não acho importante ser popular” (Camila, 11
anos).
Para as entrevistadas de uma forma geral o termo “popular” significa
que a
menina se torna o centro das atenções dos membros do seu grupo. A
garota “popular” é
aquela que de certa forma serve de modelo para um determinado modo
de
comportamento do grupo. Trata-se da pessoa a ser imitada pelas
demais, porque estas a
consideram melhor, porque vai a todas as festas, porque é considerada
mais bonita, mais
legal, com mais amigas, etc. Acreditamos que isso se dá porque “quanto
mais o homem
é detentor de poder ou privilégio, tanto mais é marcado como indivíduo
por rituais,
discursos ou representações plásticas” (FOUCAULT, M., 1987, p:160).
Destacamos no discurso das informantes a percepção do Shopping, não
só como
ponto de encontro entre amigos ou namorados, mas como uma das
poucas opções de
lazer oferecidas na cidade. Neste sentido, diante dos vários locais
disponíveis para o
lazer na cidade, o shopping se torna preferencialmente o espaço capaz
de ser um local
que reúne prazer e lazer. Entre as razões deste fenômeno talvez se
inclua o que Dainel
Miller (2002) considera no que tange ao ato de comprar: em um
ambiente delimitado e
destinado exclusivamente à busca abstrata. Durante nossas entrevistas,
muitas meninas
afirmaram que nos fins de semana vão ao shopping para “comprar
alguma coisa”.
Outra explicação que admitimos é que este perambular hedonista que
marca o
comportamento juvenil nos shoppings centers pode ser decorrente de
um “modo de
entretenimento associado à mercantilização moderna e a sua
espetacularização no
consumo (...). O passeio é uma operação de consumo simbólico que
integra os
fragmentos em que já se despedaça essa metrópole moderna”
(CANCLINI, Néstor G.,
2005, p:119).
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3.4. Revistas
Face ao exposto anteriormente, pretendemos demonstrar neste
momento em que
medida a compra de promessas de sucesso das revistas está
relacionada com os rituais
de marcação da adolescência e como estes rituais dão forma a uma
determinada
representação de feminilidade contemporânea expressa pelos meios de
comunicação de
massa.
Bruna (13 anos) lê as revistas com freqüência e o que mais lhe chama
atenção
nas publicações são os Testes, Micos e Horóscopo. Apesar de também
gostar das
entrevistas com pessoas famosas, não dá muita importância para este
ponto. No caso das
revistas, a preferência de Bruna se dá porque a revista, “parece que foi
feita pra gente
da nossa idade, até as palavras que a gente fala estão lá, parece até um
diário”. Das
quatro publicações de nossa pesquisa, a que mais a atrai é “Capricho”.
Fernanda (11
anos) declara ser atraída pela revista na banca, ou seja, ela compra a
revista quando
gosta de algum assunto que vê na capa. Luana (11 anos) gosta das
revistas como uma
forma de distração, e costuma ler nas suas horas vagas. Assim como
Bruna, não dá
muita importância para as entrevistas com pessoas famosas, gosta mais
dos testes.
Procuramos saber se de fato as meninas tomam a revista como
referencial para
construir a sua subjetividade e adotar certo estilo de vida. Para tanto
perguntamos às
entrevistadas o que lhes interessa nas revistas e o que esperavam
encontrar nestas
publicações. Além de tentarmos saber mais sobre as expectativas das
leitoras, também
questionamos a razão pela qual a menina considera importante estar
informada sobre os
assuntos destas publicações e ainda em que momento a revista adquire
importância de
destaque no cotidiano da entrevistada.
Para Bruna as revistas são “super legais”, porque dão “boas dicas”
sobre como
usar as roupas, sendo os testes e o horóscopo os pontos que mais as
atraem. Para ela os
testes são importantes porque a ajudam a obter mais informações sobre
si e com o
horóscopo ela acredita estar a par das previsões do seu futuro. Bruna
costuma conversar
com todas suas amigas sobre o que vê na revista, mesmo com aquelas
que não lêem a
revista. Para Bruna a revista se torna mais importante no momento em
que vai sair e
precisa estar mais preparada para os acontecimentos. Ao contrário,
Fernanda (11 anos)
gosta das revistas, principalmente quando são publicados assuntos
sobre maquiagem,
bandas e amizade. Das entrevistas que costuma ler, dá preferência para
aquelas que
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trazem textos curtos. No que diz respeito aos conselhos da revista,
Fernanda demonstrase
mais seletiva, acredita que nem sempre o conselho dado se aplica
efetivamente na
prática, prefere tratar do assunto do seu próprio jeito. Assim como
Bruna, Fernanda
conversa sobre os assuntos que lê na revista com amigas, leitoras ou
não, e adora os
testes que estão nas publicações. Em sua opinião, os testes são “legais”
porque ajudam a
descobrir com que estilo se parece. Por isso faz testes, com freqüência,
sozinha ou com
amigas. Para Fernanda a revista torna-se mais importante no momento
em que fala de
amizade.
“A revista vai num assunto que às vezes você não tem como falar com
ninguém,
e aí a revista traz este assunto que você está esperando e, com isso vai
resolver”
(Bruna, 13 anos).
Luana (11 anos), quando compra uma revista Atrevida ou Capricho
espera
encontrar principalmente, reportagens sobre atores e testes, embora
também dê atenção
para as dicas de moda e beleza. Ao contrário de Bruna, Luana não segue
os conselhos
da revista. Prefere “ir pela sua própria cabeça” e costuma conversar
sobre os assuntos
que lê nas publicações com amigas e com a mãe. Ela espera que a
revista seja “bem
legal e venham uns testezinhos...” Segundo Luana os testes a ajudam a
saber mais sobre
si, mas ela não costuma levá-los muito a sério. Afirma que faz os testes,
mais para se
distrair. Para ela, de certa forma, o teste é uma maneira de confirmar
aquilo que já sabe
sobre si mesma. Luana diz que a moda que está na revista é bonita,
embora afirme que
nem todos os produtos anunciados seriam usados por ela, o mesmo
acontecendo com as
dicas de beleza e maquiagem, que usa apenas quando vai às festas ou
ao shopping2 e é
justamente neste momento que a revista se torna mais importante para
ela. Quando vai
sair, sempre dá uma olhadinha na revista. Para Luana é necessário
saber dos assuntos da
revista porque, assim como ela, suas amigas também valorizam estas
informações.
O que mais chama a atenção de Dandara (13 anos), quando compra
uma revista
“Toda Teem” ou “Smack!” são as roupas, sapatos e dicas de
maquiagem. Estas últimas
são muito importantes, em sua opinião, porque ela se percebe muito
mais bonita quando
2 O shopping center em Teresópolis é muito mais do que um centro de compras para as
entrevistadas de
uma maneira geral. Apesar de a cidade possuir cinco shopping centers, três no centro
da cidade e dois no
bairro do Alto, apenas um deles – O Teresópolis Shopping Center – é considerado o
ponto de encontro
dos adolescentes, daí que quando as entrevistadas afirmam que vão ao shopping, vão
sempre ao mesmo
lugar.
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usa maquiagens de uma forma geral. Usa até para ir para a escola. Além
das roupas,
sapatos e maquiagem, ela também gosta muito dos testes, embora se
mostre muito
irritada quando no teste aparece um resultado que não se confirma na
realidade. Assim
como Bruna e Luana, a revista se torna mais importante para Dandara
quando ela vai
sair. Para ela faz parte do ritual de beleza dar uma olhadinha na revista
antes dos seus
eventos sociais. Dandara conversa com amigas, leitoras ou não, sobre
os assuntos que lê
na revista. Ela acredita ser importante, de uma maneira geral, estar
ciente dos assuntos
que as revistas tratam porque este é um dos assuntos sobre que suas
amigas mais
conversam. Nas suas palavras: “você tem que estar sabendo porque
todo mundo vai
falar disso e você, não”.
Camila (11 anos) espera encontrar informações sobre artistas e pessoas
famosas,
comportamento e testes nas revistas femininas juvenis. Gosta dos
conselhos que a
revista traz, principalmente a respeito da relação com a família e as
amigas. Para ela a
revista serve como uma forma de ter idéias sobre como vai resolver os
seus problemas.
Nem sempre ela segue os conselhos diretamente, mas a partir da
revista tem uma
sugestão de como agir. Camila acha importante estar atualizada sobre
os assuntos que as
revistas abordam, porque na sua escola as amigas falam muito sobre
isso. Estes assuntos
lhe proporcionam uma chance a mais de estar em contato com as
amigas. Camila se
considera estudiosa e por isso gosta de falar dos assuntos da escola.
Mas, segundo ela,
“ninguém gosta de falar muito sobre isso”. Então, ao falar da revista, ela
sempre tem
um assunto para discutir com as outras meninas, sem correr o risco de
ficar excluída do
grupo. Em sua opinião, a revista se torna mais importante para ela
quando está triste,
neste momento abre a revista, começa a ler e acaba se distraindo e
esquecendo.
Na opinião de Vitória (10 anos), o que mais atrai nas revistas “Toda
Teen” e
“Capricho” são as reportagens sobre as outras meninas, sobre fatos e
acontecimentos de
suas vidas, bem como matérias com informações sobre o
comportamento dos meninos.
Em segundo lugar, Vitória é atraída pela moda que é mostrada nestas
publicações. Para
ela muitas roupas, sapatos e acessórios são bonitos. Mas nem todas ela
compraria, se
pudesse. Vitória costuma conversar sobre os assuntos que lê nas
revistas com as suas
amigas que também são leitoras e, ocasionalmente, com as que não
lêem as publicações.
Para Vitória a revista se torna mais importante no momento em que
“fala da moda e dos
garotos” porque “mesmo sem ajudar muito, dá umas dicas”. Para ela é
importante estar
inteirada sobre os assuntos da revista, porque estes são os temas da
sua idade e que
estão inseridos nesta sua fase de vida.
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Milena (10 anos) espera encontrar na revista “Capricho” informações
sobre
namoro, fatos do mundo da moda, dos filmes, músicas e novidades.
Muito articulada em
suas palavras, ela já se sente preparada para relacionar-se com meninos
e acredita que a
revista é muito boa neste ponto. “Eu gosto muito dessas simpatias para
arranjar
namorado, que às vezes vêm na revista. Eu fico tentando o tempo todo,
mas até agora
não consegui”. Outro ponto destacado por ela são as informações sobre
produtos que
ela deseja. Quando ela quer convencer sua mãe sobre algo que quer
comprar, ou sobre
alguma coisa que precisa da sua permissão, recorre à revista usando-a
como argumento.
Principalmente quando quer alguma coisa que sua mãe não quer deixar:
“Eu falo: -
Olha mãe, tá aqui na revista!” Milena gosta dos testes de personalidade.
Acha que eles
a ajudam a se conhecer melhor: “Eu gosto dos testes, é maneirinho,
você faz o teste e
você sabe melhor como é que você é. E isso ajuda você com as amigas
e com os pais”.
Em sua opinião estar informada sobre os assuntos que estão sendo
abordados na revista
significa estar informada sobre o mundo. E isso para ela é muito
importante. Milena
pensa que a revista é importante em todos os momentos da sua vida,
afirma que se sente
mais segura diante de uma situação afetiva se ler a revista antes de sair
para uma festa
ou para o shopping.
Annelise (11anos) gosta dos testes que a revista Toda Teen traz
mensalmente e
de informações sobre beijo na boca, roupas da moda, artistas,
entrevistas com modelos,
etc. Para ela, os conselhos da revista são importantes para nortear seu
comportamento,
principalmente no que diz respeito aos meninos. Segundo Annelise,
além dos conselhos,
também é importante fazer os testes que em alguns casos dão certo e
“se pode saber
mais sobre si a partir dos testes”. Ela costuma conversar com amigas
leitoras de Toda
Teen sobre os assuntos que lê, mas também com outras meninas que
lêem Capricho ou
Atrevida. “A gente troca as revistas, cada uma fala um pouco daquilo
que leu. E é
legal”.
Para Luiza (11 anos) as revistas Capricho e Toda Teen são como um
diário que
contém tudo que ela precisa saber para estar bem informada. Através
das revistas, pode
saber mais sobre si mesma e sobre os artistas famosos. Também gosta
de ler matérias
sobre adolescência. Percebemos no discurso da entrevistada, não
apenas a valorização
do mundo “adulto”, mas o reconhecimento da autoridade simbólica da
revista. Para ela
as revistas se tornam mais importantes na sua vida quando ela percebe
que precisa de
ajuda, quando está em uma situação com amigas, por exemplo, e não
sabe o que fazer
nem como agir. Nesta hora, vai à revista e procura um conselho para
seguir na “vida
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real”. Em sua opinião, é importante saber sobre os assuntos abordados
pelas revistas
porque suas amigas também acompanham e conversam sobre as
matérias.
“Geralmente são adultos que escrevem nestas revistas e muitas vezes
eles já
passaram por aquilo que estão escrevendo, eles já tiveram a
experiência do que
é ser uma adolescente e por isso geralmente dá certo. Eu sempre sigo
os
conselhos da revista”.
“O que acontece nas revistas é sempre um bom assunto para se
conversar”(Luiza, 11 anos).
Rana (11 anos) espera encontrar entretenimento e roupas nas revistas
“Capricho”
e “Toda Teen”. Considera-se péssima para escolher roupas. Rana atribui
isso à falta de
contato com a sua mãe que “vive viajando porque trabalha muito e eu
tenho pouco
contato”. Desta forma Rana afirma que as informações de que precisa
para se vestir e
para descobrir o que combina com ela, encontra na revista. Além disso,
Rana também se
interessa pelas matérias relacionadas ao comportamento adolescente,
filmes, músicas,
etc. Prefere seguir os conselhos que as revistas trazem a seguir sua
própria intuição.
Segundo ela, quando segue os conselhos da revista sente-se mais
segura e confiante de
que vai acertar. Para esta entrevistada, a revista também é muito
importante neste
sentido, uma vez que não se sente muito à vontade para conversar
sobre certos assuntos
com os irmãos ou o pai e também não quer demonstrar fragilidade
diante das amigas.
Outro ponto destacado por Rana foram os testes publicados nas
revistas. Conforme seu
relato não apenas ela gosta de fazê-los, mas suas amigas também.
Assim como para as
demais entrevistadas, os testes ajudam Rana a descobrir mais sobre si
mesma. Em
relação ao seu grupo de amigos os estes testes também se tornam uma
referência de
identificação que por sua vez podem ser capazes de atribuir papéis.
“No ano passado a minha turma fez um monte destes testes de revista.
Teve o
teste da garota mais bonita, o teste da garota mais interessante, vários
testes... a
gente trazia e ficava fazendo na hora do recreio. E isso servia para a
gente
descobrir quem era o quê...por exemplo, teve um teste para descobrira
a garota
mais CDF da turma e teve uma garota que ganhou. Aí, de repente, ela
deixou de
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ser só uma garota que brincava com a gente e que estudava bastante,
para se
tornar ‘a CDF’”.
Marcele (11 anos), outra de nossas entrevistadas, afirma que os testes
são os
maiores atrativos que espera encontrar em Toda Teen. Em sua opinião,
os testes ajudam
a pessoa a descobrir certos aspectos obscuros da sua personaliadede.
“Às vezes você faz
o teste e descobre coisas sobre você que nem você mesma sabia. Eles
ajudam muito a
gente”. Para esta menina, acompanhar os assuntos que são publicados
nas revistas é
importante porque acaba sendo um método de obter vantagens no
processo de disputa
pela liderança e popularidade dentro do grupo.
“Vai chegar um dia que aquilo vai virar moda, a maior moda. Então, se
você já
sabe daquilo primeiro, e está tentando se tornar popular, você tem mais
chances
de conseguir se tornar popular do que as outras garotas”.
No conjunto de respostas dadas pelas informantes, podemos entender
que as
revistas femininas juvenis são mais que um mero instrumento de
comunicação entre o
contexto de meninas e os demais produtos da indústria cultural. Estas
publicações
orientam determinadas formas de comportamento e de padrão de gosto,
e também, são
capazes de municiar as leitoras com um tipo de conhecimento de si e do
outro, que, se
por um lado pode ser espelhado em um modelo específico, por outro se
insere no
conjunto de atitudes que permeiam o cotidiano das entrevistadas. Para
além de um
manual de etiqueta e de comportamento, as revistas juvenis femininas
de hoje refletem
um ideal de o que é ser uma adolescente e de como se tornar uma
menina popular,
descolada, fashion, antenada, etc.
3.5. Consumo
Nas entrevistas, chamou nossa atenção o uso de produtos de marcas
específicas,
que apareciam como estabelecedores de fronteiras entre tribos e grupos
sociais. Isto
acontece porque, em primeiro lugar, a revista é capaz de formar um
padrão de gosto,
aglutinando um conjunto de informações de interesse das leitoras,
utilizando-se de uma
linguagem simples e com forte apelo visual. Neste padrão de gosto,
estão presentes as
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personalidades da cultura de massa e outros adolescentes, e também
produtos que são
devidamente tratados visualmente de modo a despertar a atenção das
leitoras e estimular
a relação de projeção-identificação.
Esta forma de “espelhamento” proporcionada pela revista faz com que a
leitora
se imagine usando tais produtos na “vida real”, uma vez que seu uso lhe
oferece a
distinção simbólica no cotidiano, proporcionando à usuária da marca ser
considerada tão
bonita quanto as meninas e atrizes que aparecem nas revistas. Além da
consagração
estética e do caráter espetacular que estes produtos adquirem nas
revistas pela
transformação publicitária, percebe-se que o uso de determinadas
marcas pelas leitoras
também as distingue economicamente dentro do grupo.
No caso de Bruna (13 anos), apesar de considerar os anúncios muito
bonitos,
aponta que “nem todo mundo tem bolso para comprar”. Gosta da moda
que está sendo
mostrada nas revistas; mas, quanto às dicas de beleza, nem todas usa.
Quando
perguntada s, se vestiria como “as modelos” da revista, ela responde:
“Com certeza,
depende como!” Embora compre certos produtos de beleza anunciados
nas revistas, não
se lembra das marcas consumidas. Bruna valoriza do fato de consumir
produtos
considerados “de marca”. Para ela, certas grifes são símbolo de
qualidade e distinção.
Reconhece que no seu grupo é importante vestir-se bem e isso significa
portar o maior
número de etiquetas possível.
“Quando você tá com uma blusa Mary Jane e a outra menina ta com
uma roupa
‘da feirinha’3, você recebe mais atenção dos amigos que ela. Às vezes,
pelo
simples fato de você estar com uma roupa ‘da feirinha’ você não é
considerada
tão legal quanto a outra menina. Se você ta de marca você chama mais
atenção
que a outra menina”.
Para Bruna isso acontece
“por causa da riqueza, você mostra que pode comprar... O sonho de
algumas
pessoas é passar o dia inteiro no shopping comprando, daí que quando
você vai
3O termo “feirinha” refere-se à Feirarte, uma feira semanal que funciona aos fins de
semana, em
Teresópolis, com aproximadamente 100 barracas que vendem principalmente roupas
artesanais ou não,
por um preço mais baixo que o das lojas.
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pra uma festa com roupa ‘de marca’ você mostra que pode realizar este
sonho e
aí todo mundo vai ficar em volta de você”.
Apesar de gostar dos produtos que a revista anuncia, Fernanda (11
anos) prefere
economizar o dinheiro dado pelos pais para comprar algo realmente
significativo para
ela como o ingresso para assistir ao show do grupo High School Music4,
ainda que ache
as modelos lindas afirma não dar muita importância para as roupas e
produtos
anunciados. Interessa-se mesmo pela revista em si. Já Luana (11 anos)
gosta dos
anúncios e das marcas que as revistas vendem. Porém afirma que quase
nada do que
está na revista está disponível nas lojas em Teresópolis, por isso usa a
revista mais
como um referencial de moda, a partir do qual pode escolher produtos
parecidos com os
que estão na revista. “Se ta lá é porque ta na moda”, diz a entrevistada.
Ao contrario de
Luana, Camila (11 anos) considera a revista mais como uma fonte de
informação para
orientar suas próprias escolhas do que um manual de comportamento.
Para ela a revista
é uma referência informativa, a partir da qual toma decisões próprias
sobre o que vai ou
não usar e sobre o que vai ou não consumir:
“Tem gente que lê essas revistas e segue a moda e essas coisas, eu fico
mais
informada. Mas não é porque a moda e aquela que eu vou mudar o meu
guardaroupa
por causa daquilo, se tem um cinto cor-de-abóbora e eu gosto, vou lá é
compro, mas não vou usar só porque é moda, eu tenho meu próprio
gosto”.
Para Vitória (10 anos), as compras são orientadas muitas das vezes em
razão dos
produtos que são anunciados nas revistas, mesmo quando estes não
estão disponíveis na
cidade ela afirma pedir para sua mãe trazer do Rio de Janeiro para ela.
Em sua opinião
não é que seja importante estar com uma peça “de marca”, mas é
simplesmente uma
questão de beleza, “o que está na revista é sempre mais bonito”. Para
ela além das
matérias os anúncios também são legais. Assim como Vitória, Milena (10
anos) gosta
dos anúncios e das marcas oferecidas na revista “Capricho”. Sempre
que encontra os
produtos e marcas anunciadas procura comprar, embora quando estes
não são
encontrados ela procura por similares. Nem tudo que a revista anuncia
seria comprado
por Milena, embora de tudo que ela vê na revista, apenas uma minoria
ela não
4 O grupo musical High School Music surgiu no Brasil no final de 2006 quando do
lançamento do filme
no país com o mesmo nome produzido pela Disney.
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compraria. Procura seguir as dicas de beleza, principalmente no que diz
respeito às
maquiagens e brincos. Annelise, assim como Milena, usa a revista como
referencial de
vestimenta. Sempre que vê os anúncios das roupas e marcas circula os
que mais gosta à
caneta para posteriormente mostrar à mãe que compra os produtos
anunciados sempre
que encontra em Teresópolis. Segundo esta entrevistada, mesmo
quando os produtos
circulados por ela não são encontrados para comprar ela procura um
produto parecido e
compra mesmo assim. Annelise costuma seguir as dicas de beleza que a
revista traz,
principalmente quando vai às festas, aniversários ou cinema. Costuma
usar rímel,
batom, gloss, sombra etc.
Ao contrário das demais meninas, Luiza (11 anos) gosta dos anúncios
que as
revistas “Capricho” e “Toda Teen” trazem, principalmente porque
considera que através
deles ela fica informada sobre o que é bonito e sobre o que está na
moda, mas reclama
que a quantidade de anúncios é maior do que a de matérias nas demais
sessões. Apesar
de Luiza considerar as revistas como uma espécie de diário pessoal, se
diz bastante
seletiva no que diz respeito à moda que estas publicações oferecem:
“não é só porque ta
na revista que eu vou usar, acho que a gente tem que usar o que tem
vontade o que a
gente acha que é bonito”.
Para Rana (11 anos), como a maior parte das demais entrevistadas,
gosta de
roupas variadas e dá preferência para as de grifes famosas que estão
nas revistas. Ela
também declara que não encontra as marcas anunciadas nas lojas de
Teresópolis. Além
das roupas, em seu dia-a-dia Rana costuma seguir as dicas de beleza
dadas pelas
revistas.
“Hoje, por exemplo, eu não estou de sombra porque esqueci de passar,
mas
geralmente eu uso, eu me arrumo. Eu me considero uma pessoa
arrumada,
porque me ensinaram a ser assim, e as revistas me complementaram,
por
exemplo, até o ano passado eu não usava ‘gloss’ nem ‘glitter’, mas
depois que
eu vi na revista as outras meninas usando, eu também passei a
usar”(Rana, 11
anos).
Marcele (11 anos), declara que se pudesse, compraria tudo o que as
revistas
mostram. Particularmente com relação aos anúncios, afirma que adora e
que acha muito
bonito, principalmente porque, ao olhar um anúncio com a foto da
modelo, fica
imaginando-se no lugar desta. Além disso, gosta muito de maquiagens e
de sair “toda
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brilhosa”. Para ela, a marca é sinônima de qualidade. Não faz questão
de usar algo de
grife exclusivamente por causa dos outros, mas também confessa que
gosta de estar em
dia com as marcas da moda para não se sentir excluída. Pensa que é
importante ser
popular e neste caso estar com roupa de marca torna-se fundamental:
“É como se ainda pequena você pudesse experimentar o que é ser uma
pessoa
famosa. Por isso é que eu acho que tem tanta menina que quer ser
famosa
quando crescer, que quer ser modelo, cantora, atriz...Todo mundo fica à
sua
volta, tudo que acontece, acontece em função de você. Eu queria muito
ser
popular”.
Nenhuma de nossas informantes declarou deixar de comprar os
produtos das
marcas anunciadas por causa do preço5. Ainda que isso fosse um fator
de
constrangimento por parte das meninas durante nossas entrevistas,
notamos que tanto as
leitoras que não podem comprar os produtos anunciados, quanto as que
mesmo tendo
condições econômicas favoráveis à compra (mas não o fazem devido às
limitações do
comércio local) tomam a revista como referência para suas decisões e
desejos de
consumo. Diante do material coletado das informantes e da observação
das revistas
objeto, percebemos que estas são tidas pelas informantes como uma
das instâncias
norteadoras do seu “ritual de arrumação6” e, também, podem ser vistas
como um dos
reflexos materiais do mundo social adolescente contemporâneo, cuja
estrutura interna é
marcada por uma individualidade consumidora e hedonista.
Na análise da auto-descrição destas revistas, notamos várias maneiras
de
desempenhar papéis nos grupos sociais (família, escola, grupos de
amigos, etc.) e que as
revistas se colocam, tanto diante de seus anunciantes potenciais quanto
das suas leitoras,
como um meio capaz de orientar as escolhas juvenis, como uma amiga
e conselheira.
Nas entrevistas percebemos que estas maneiras ganham importância no
universo
feminino adolescente, em razão de as meninas consagrarem estas
maneiras de ser e de
viver publicadas pelas revistas, provocando uma espécie de
“espelhamento” no estilo de
vida ofertado pela revista.
5Como exemplo, um dos “looks” anunciados na edição Ed. nº 993, datada de
28/05/2006 da revista
Carpricho, custava R$ 324,70.
6Ver Grant McCracken, em Cultura e Consumo: Novas Abordagens ao Caráter
Simbólico dos Bens e das
Atividades de Consumo, 2003, p:117 e 118.
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Se considerarmos que no cotidiano estamos sujeitos a várias formas de
representação do “eu” e que esta representação ocorre de forma
consciente ou
inconsciente, de acordo com um cálculo prévio que fazemos sobre as
expectativas dos
outros atores sobre nós (GOFFMAN, Erving, 2001 p:11-74), podemos
supor o porquê
do sucesso deste tipo de publicação. Diante do medo do estigma
(traduzido no discurso
das adolescentes entrevistadas como “medo de ficar excluída”),
percebemos na fala das
informantes, que a menina acredita que será mais aceita do que outra
se dominar
determinados códigos de identidade preconizados nas revistas em
estudo porque calcula
previamente que, por meio deste código, será capaz de corresponder de
uma maneira
melhor à expectativa das outras meninas sobre ela.
As revistas são referências do mundo social deste público porque, além
de fazer a
mediação entre um enunciador que tenta se apresentar como sendo
“adolescente” – que
se dirige a um possível grupo de leitores, cujos dilemas e anseios são
semelhantes – elas
estimulam uma individualização capaz de estabelecer as formas pelas
quais as
adolescentes constituem a sua subjetividade, aderindo a determinados
estilos de vida.
Daí porque as revistas querem reconhecimento do seu discurso pelos
leitores,
principalmente porque com muita freqüência os “adolescentes” são os
próprios
enunciadores, ou seja, são os que contam sobre seus dilemas e anseios,
são aqueles que
fazem parte do mesmo mundo social do público para o qual a revista se
destina.
Retomando um dos nossos questionamentos iniciais sobre a importância
da
novidade no contexto adolescente a partir de nossa vivência
profissional, o que
constatamos é que os adolescentes não se interessam por aquilo que
não faz parte do seu
universo cultural. Se a revista faz sucesso entre este público é porque
ela está inserida
no universo adolescente com a proposta de ser um meio de
comunicação específico para
pessoas nesta faixa etária e porque existem pessoas nesta faixa que
concordam com esta
proposta. Dito de outra maneira, a revista faz sucesso entre os jovens
porque se tornou
um dos elementos do campo adolescente contemporâneo.
Mais do que um canal de comunicação entre leitoras, editoras e
anunciantes, as
revistas femininas juvenis de hoje se tornaram uma instância normativa
de um
determinado estilo de vida que é estruturado por meio do consumo de
produtos e
serviços e ainda, de um modo de pensamento, de construção de
identidade e de
ideologia.

Conclusão
A revista feminina juvenil contemporânea tornou-se uma espécie de
manual de
conduta consumido por meninas na faixa dos 10 aos 13 anos de idade,
no qual é
possível compreender um tipo de subjetividade feminina juvenil.
No caso deste trabalho, dividimos a pesquisa em três momentos
principais. O
primeiro capítulo realizou um breve passeio pela história da imprensa
feminina no
Brasil com o objetivo de entender como essa imprensa se formou e de
que maneira o
contexto sócio-histórico brasileiro foi capaz de desenvolver esta
indústria editorial
segmentada por gênero e faixa etária.
No segundo capítulo fizemos uma radiografia das revistas que
constituíram o
material empírico deste estudo. Descrevemos a forma pela qual se
estruturam as revistas
femininas juvenis no contexto da cultura de massa e entendemos as
recorrências nestas
publicações. Destacamos a maneira como tais recorrências são
associadas a
determinados aspectos da vida cotidiana. É preciso sublinhar que não
nos propusemos a
estudar o conceito de adolescência, mas de entender como a
representação de
adolescência aparece nas revistas que constituem o material empírico
de nossa pesquisa.
No terceiro capítulo demonstramos os resultados de uma série de
entrevistas
feitas com meninas leitoras das revistas em estudo, na faixa dos 10 aos
13 anos de
idade, realizadas com o objetivo de verificar em que medida as jovens
leitoras
efetivamente tomam a revista como um referencial para a formação do
seu padrão de
gosto e de que forma o estilo de vida proposto pelas publicações é
adotado pelas
leitoras. Apresentamos neste capítulo o que as meninas dizem sobre os
meios de
comunicação de massa, seus hábitos de consumo e a sua percepção
sobre a fase
adolescente. Este capítulo também abordou, de forma sucinta, o
imaginário feminino
através da análise de alguns anúncios publicitários contidos nas
publicações de modo a
demonstrar o entendimento que as leitoras fazem destas mensagens
visuais.
Lançamos um olhar sobre as representações sociais da adolescência e
dos ideais
de feminilidade circunscritos no contexto de revistas femininas juvenis
brasileiras.
Buscamos conhecer as mensagens direcionadas para o consumo
feminino por meio do
mapeamento do discurso presente nestas publicações, bem como
observamos suas
relações com as expressões da cultura de massa na
contemporaneidade.
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108
Neste caminho de investigação do consumo feminino adolescente,
mostrou-se
necessário levar em conta, que a importância deste segmento da
indústria editorial não
se deve apenas ao sucesso de aspecto mercadológico, mas no sucesso
que estas e outras
publicações femininas obtiveram ao longo da história da imprensa, em
ofertar um modo
de vida determinado, consumido por jovens e adultos de todo o país. O
consumo das
revistas propriamente ditas e dos produtos que ela anuncia tanto
representa, quanto
traduz o mundo social feminino de certa faixa etária. Depois de termos
observado as
publicações e entrevistado as meninas, o que se percebeu em relação
ao discurso da
valorização da novidade é que o jovem não se interessa por tudo que é
novo, mas nas
novidades do próprio campo adolescente. Isto posto, acreditamos que
para alcançarmos
sucesso na formação de platéias jovens, um dos questionamentos que
alimentaram a
produção deste trabalho, é necessário que determinados códigos
específicos desta
juventude estejam presentes nos espetáculos de música, teatro, artes
plásticas, etc.
Ao trabalharmos com conceitos complexos como juventude e
feminilidade, e ao
buscarmos entender os diferentes processos de consumo de nossa
sociedade, sempre
estivemos cientes dos desafios empreendidos e dos limites de nossa
pesquisa. Por isso,
não nos coube romper conceitos, mas fornecer uma contribuição a mais
para a reflexão
sobre estas temáticas cada vez mais presentes na mídia em geral.
Não esgotamos nossa motivação para conhecer o universo da
adolescência
contemporânea e dos paradoxos que envolvem tanto a cultura de massa
quanto a própria
vivência do jovem na contemporaneidade. Apesar de constatarmos que
as revistas
femininas juvenis nos têm muito a dizer, acreditamos que o estudo de
outras instâncias
da mídia não apenas complementa, mas se torna fundamental para a
compreensão das
formas de mediação entre a enunciação de um determinado modo de
vida proposto pela
indústria cultural e a prática deste modo na cotidianidade feminina
juvenil. Como dito,
apesar de notadamente vivermos em um universo globalizado e
culturalmente diverso,
apesar dos jovens de ambos os sexos terem acesso real ou simbólico a
um excesso de
informações, nos parece que é justamente este excesso que dificulta
certos
aprofundamentos, daí porque os adolescentes de hoje só se fixem
naquilo que é repetido
constantemente pelo processo massificatório da indústria cultural.
Acreditamos que, mesmo decorridos quase dois anos desde que
começamos este
estudo, muito ainda necessitará ser dito, escrito e pesquisado, por nós e
por tantos outros
no entendimento das representações da juventude nas revistas
femininas juvenis e em
outros produtos da comunicação. Parece que esta concepção ideológica,
que permeia o
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discurso das publicações estudadas, está presente também em outros
produtos da
indústria cultural a qual procuraremos compreender de forma mais
ampla em estudos
posteriores. Esperamos poder continuar neste caminho por meio de
estudos futuros
sobre o consumo feminino adolescente, uma vez que esta concepção
ideológica que
permeia o discurso das publicações estudadas está presente também
em outros produtos
da indústria cultural.

Michelle Muniz Bronstein


CONSUMO E ADOLESCÊNCIA
Um estudo sobre as revistas femininas brasileiras
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre pelo Programa
de Pós-Graduação em Comunicação Social da
PUC-Rio.
Orientador: Prof. Everardo Pereira Guimarães Rocha
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610532/CA
Michelle Muniz Bronstein
CONSUMO E ADOLESCÊNCIA
Um estudo sobre as revistas femininas brasileiras
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Everardo Pereira Guimarães Rocha
Orientador
PUC-Rio
Prof. José Carlos Rodrigues
PUC-Rio
Prof. Vicente de Paulo Carvalho Madeira
FESO
Prof. Nizar Messari
Coordenador(a) Setorial do Centro de Ciências Sociais - PUC-Rio
Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 2008
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610532/CA
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do
trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.
Michelle Muniz Bronstein
Michelle Bronstein, Pós graduada em Gestão da Cultura pela
Universidade
Estácio de Sá e Graduada em Administração de Empresas pela Fundação
Educacional Serra dos Órgãos. Desde 1999 atua como gestora do Centro
Cultural Feso Pro Arte (CCFP) em Teresópolis/RJ. Em 2004 recebeu o
TROFÉU TIRADENTES - concedido pela Academia Teresopolitana de
Letras
pela atuação no campo da cultura. Em 2006 recebeu o Prêmio de Melhor
Painel
apresentado no 30º Encontro Anual da ANPOCS com o trabalho: O
CONSUMO
FEMININO ADOLESCENTE. Além do CCFP exerce docência em instituições
privadas e participa de congressos nas áreas da Comunicação Social,
Sociologia
e Antropologia.
Ficha Catalográfica
Bronstein, Michelle Muniz
Consumo e adolescência : um estudo sobre as revistas femininas
brasileiras / Michelle Muniz Bronstein ; orientador: Everardo Rocha. – 2008.
112 f. : il. (color.) ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Comunicação Social)–Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
Inclui bibliografia
1. Comunicação social – Teses. 2. Adolescência. 3. Consumo. 4.
Identidade. 5. Ideologia. 6. Mulher. 7. Representações sociais 8. Revistas. I.
Rocha, Everardo. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Comunicação Social. III. Título.
CDD: 302.23
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Este trabalho é dedicado ao meu pai,
Edmundo Bronstein, em memória
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Agradecimentos
Ao meu orientador Prof. Dr. Everardo Rocha, que me inspirou desde o
primeiro
contato com suas obras um outro olhar sobre os fenômenos da cultura
contemporânea e do consumo e me proporcionou prestimosa ajuda e
incentivo,
depositando confiança neste estudo que agora apresento.
Ao Prof. Dr. José Carlos Rodrigues pela generosa amizade e pelos
inestimáveis
conselhos e observações que jamais esquecerei.
Ao Prof. Dr. Miguel Pereira, coordenador do Programa de Pós-Graduação
em
Comunicação Social da PUC-Rio e aos demais professores do quadro
docente,
pelos valiosos ensinamentos recebidos durante o curso. À Sr.ª Marise,
secretária
do Programa, pela ajuda sempre presente e pelo carinho.
À PUC-Rio e ao UNIFESO, pelos auxílios concedidos, sem os quais esta
dissertação não poderia ter sido realizada.
Ao Prof. Jorge Bragança e ao Prof. Dr. Vicente Madeira pelo incentivo e
apoio.
À Prof.ª Ana Maria Gomes de Almeida e aos Profs. Drs. Sady Bianchin e
Gláucia Villas Boas.
Aos meus colegas do mestrado na PUC-Rio e de trabalho no UNIFESO.
Aos meus queridos alunos da Universidade Estácio de Sá.
A minha mãe e minha filha, pelo carinho, amor e compreensão com as
fases
mais difíceis deste trabalho, que me permitiram vencer mais esta etapa
em
minha formação.
Finalmente agradeço às minhas informantes por seu tempo e
disponibilidade e
ao Centro Educacional Serra dos Órgãos, por ter me propiciado o espaço
necessário para a realização do trabalho de campo.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0610532/CA
Resumo
Bronstein, Michelle Muniz; Rocha, Everardo Pereira Guimarães,
CONSUMO E ADOLESCÊNCIA. Rio de Janeiro, 2008. 112p.
Dissertação de Mestrado - Departamento de Comunicação Social,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Este estudo pretende compreender as representações sociais da
adolescência e dos ideais de feminilidade circunscritos no contexto de
revistas
femininas juvenis brasileiras. Buscamos conhecer as mensagens
direcionadas
para o consumo feminino por meio do mapeamento do discurso
presente nestas
publicações, bem como observamos suas relações com as expressões
da cultura
de massa na contemporaneidade. Diante do sucesso que estas
publicações
adquiriram no mercado editorial ao longo dos anos, tentamos entender
como
certo segmento da imprensa é capaz de propor uma acepção ideológica
que
fundamenta um modo de vida determinado pelo consumo de produtos e
símbolos capazes de estabelecer fronteiras e distinções sociais.
Palavras-chave
Adolescência, consumo, identidade, ideologia, mulher, representações
sociais, revistas.
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Abstract
Bronstein, Michelle Muniz; Rocha, Everardo Pereira Guimarães,
CONSUMPTION AND ADOLESCENT: a study about Brazilian’s
feminine magazines. Rio de Janeiro, 2008. 112p. MSc Dissertation -
Departamento de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro.
This present study intends to understand the social representations
about
adolescent and femininity goals inside the context of the Brazilian’s
feminine
magazines for girls. Searching to know the directed messages for the
feminine
consumption by structure of discuss in those publications and
observations about
its relations with mass cultural expressions on modernity. In front of the
obtained success those publications on editorial market alongside years,
we have
been tried to understand how determined press segment is capable to
propose an
ideological sense that built determined life’s way by the products
consumption
and symbols capable to establish social frontiers and distinctions.
Key-words
Adolescence, consumption, identity, ideology, woman, social
representations, magazines.
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Sumário
Introdução 11
1 – A imprensa feminina no Brasil
1.1. O século XIX 18
1.2. O século XX 22
1.2.1. Modernismo, prosperidade e indústria cultural no Brasil 25
1.2.2. O surgimento de uma cultura adolescente-juvenil 31
1.2.3. Sexo e consumo 37
2 – As revistas femininas juvenis
2.1. Alguns tópicos sobre o consumo 42
2.2. Os meios de comunicação de massa 48
2.3. Radiografando as revistas
2.3.1. “Capricho” 51
2.3.2. “Atrevida” 56
2.3.3. “Toda Teen” 60
2.3.4. “Smack!” 64
2.4. Modelos e ideais na cultura de massa 67
2.5. A verdade nas revistas femininas juvenis 71
2.6. O enfoque sexual 78
3 – Algumas meninas leitoras
3.1 Valores e revistas 85
3.2. Mídia 89
3.3. Adolescência 92
3.4. Revistas 96
3.5. Consumo 101
Conclusão 107
Referências bibliográficas 110
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Lista de tabelas
Tabela 1 – Publicações femininas no século XIX 20
Tabela 2 – Revistas estudadas na pesquisa 51
Tabela 3 - Revista “Capricho” 54
Tabela 4 - Revista “Atrevida” 58
Tabela 5 - Revista “Toda Teen” 62
Tabela 6 - Revista “Smack!” 65
Tabela 7 - Entrevistadas - Abril de 2007 87
Lista de gráficos
G1 – Revista Capricho 54
G2 – Revista Capricho 55
G1 – Revista Atrevida 58
G2 – Revista Atrevida 59
G1 – Revista Toda Teen 62
G2 – Revista Toda Teen 63
G1 – Revista Smack! 65
G2 – Revista Smack! 65
Representação Gráfica (leitoras, marcas e fidelidade) 88
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“Talvez o mais importante neste
momento não seja descobrir, mas
recusar aquilo que somos.
Precisamos imaginar e construir
o que poderemos ser para nos
livrarmos desta sorte de ´duplo
impasse` político constituído pela
individualização e pela
totalização simultaneamente
perpetradas pelas modernas
estruturas de poder”
Michel Foucault.

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