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Este documento discute as especificidades e precariedades das indústrias culturais. Primeiro, analisa as relações entre as indústrias culturais e outras indústrias, notando diferenças nos processos produtivos e mercados. Segundo, discute as diferenças entre os vários ramos das próprias indústrias culturais em termos de integração do trabalho artístico e grau de reprodutibilidade dos produtos. Terceiro, aborda as relações entre as indústrias culturais e outros setores culturais.
Este documento discute as especificidades e precariedades das indústrias culturais. Primeiro, analisa as relações entre as indústrias culturais e outras indústrias, notando diferenças nos processos produtivos e mercados. Segundo, discute as diferenças entre os vários ramos das próprias indústrias culturais em termos de integração do trabalho artístico e grau de reprodutibilidade dos produtos. Terceiro, aborda as relações entre as indústrias culturais e outros setores culturais.
Este documento discute as especificidades e precariedades das indústrias culturais. Primeiro, analisa as relações entre as indústrias culturais e outras indústrias, notando diferenças nos processos produtivos e mercados. Segundo, discute as diferenças entre os vários ramos das próprias indústrias culturais em termos de integração do trabalho artístico e grau de reprodutibilidade dos produtos. Terceiro, aborda as relações entre as indústrias culturais e outros setores culturais.
Verso electrnica do artigo da publicao peridica do Observatrio das Actividades Culturais, OBS n 5,
Fevereiro de 1999, pp. 2-6.
1
INDSTRIAS CULTURAIS: ESPECIFICIDADES E PRECARIDADES
Maria de Lourdes Lima dos Santos
H algum tempo, em sesses com alunos de mestrados, quer no ICS, quer no ISCTE, ao abordar as transformaes por que, ultimamente, vm passando os processos de produo, distribuio e consumo de bens e servios culturais, verifiquei que era indispensvel demorarmo-nos no debate sobre as relaes do sector das indstrias culturais com outros sectores culturais habitualmente designados como o sector clssico ou tradicional e o sector de vanguarda ou experimental. Nesse debate, o carcter difuso da denominao indstrias culturais constitui-se sempre como um obstculo. Hoje, a mesma noo, tal como a de indstrias de contedos, agora mais em voga, continua a ser de uma duvidosa eficcia conforme o era h 3 anos atrs quando tracei algumas reflexes destinadas a concorrer para os meus debates com os ditos alunos de mestrado. Donde a deciso de revisitar um texto ento produzido e no publicado e prop-lo, aqui, aos leitores da OBS 1 .
H trs ordens de relaes a considerar como ponto de partida para uma tentativa de superao das ambiguidades a que d lugar o conjunto de reas a que dado o nome de indstrias culturais (i.c.) e a que corresponde uma imensa lista em permanente actualizao. Uma primeira ordem de relaes a das i.c. com as outras indstrias. Entendem-se aquelas como actividades industriais que integram trabalho cultural ou artstico directamente nos seus produtos. Daqui resultam diferenas tanto a nvel do processo produtivo como do produto e do mercado diferenas que, precisamente, no permitem uma excessiva colagem das i.c. aos parmetros por que se rege a economia das outras indstrias (uma questo que, mau grado no ser nova, continua, muitas vezes, a no ser tomada em conta nas anlises econmicas da produo cultural). Outra ordem de relao a das i.c. entre si, uma vez que elas esto longe de constituir um conjunto homogneo. Fao um parnteses para dizer que no estou aqui a incluir ramos frequentemente designados tambm como i.c. caso das indstrias da aparelhagem reprodutora de
1 O presente texto retoma, com algumas alteraes, esse outro que apresentei num Colquio organizado pela Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses e pelo ISCTE (Novembro 1995), no mbito das iniciativas da 2 Feira das Indstrias Culturais, em Lisboa. Verso electrnica do artigo da publicao peridica do Observatrio das Actividades Culturais, OBS n 5, Fevereiro de 1999, pp. 2-6.
2 sons e imagens uma vez que, apesar da sua importncia para o mercado cultural, os seus produtos no integram directamente trabalho cultural ou artstico. Finalmente, a terceira ordem de relaes a das i.c. com as outras formas culturais que se desenvolvem nos sectores clssico e experimental.
1. Passemos ento em revista as implicaes da primeira ordem de relaes, a das i.c. com as outras indstrias. A nvel do processo produtivo, convm lembrar que, neste domnio de actividades industriais com integrao directa de trabalho cultural, coexistem diversas estruturas produtivas que vo do assalariamento profisso liberal, passando pela pequena produo independente. Assim, no sector das i.c., temos formas de combinao capital-trabalho em que a concentrao do grande capital deixa espao para a existncia de bolsas de produo independente que, alis, no representam a mera sobrevivncia de uma estrutura produtiva do passado mas desempenham uma funo especfica num sistema de produo cultural articulado e controlado por aquele capital. Caso, por exemplo, dos produtores independentes de cinema que funcionam para as majors como balo de ensaio onde testado o grau de sucesso das inovaes que viro a ser (ou no) apropriadas por aquelas. E temos tambm, no sector das i.c., na definio do estatuto profissional, uma categoria de produtores culturais, a de artista independente, que sobreleva a de trabalhador por conta de outrm, embora a classificao de independente possa ocultar efectivas situaes de instabilidade ou de assalariamento disfarado. No entanto, mau grado a precaridade de que se reveste essa classificao tanto para as estruturas produtivas como para o estatuto profissional dos produtores no sector das i.c., ela no deixa de ser sintomtica da natureza especfica do trabalho cultural. O processo produtivo nas i.c. implica, pois, necessariamente, uma demarcao face ao das outras indstrias, apesar da tendncia para a crescente integrao do produto cultural no trabalho colectivo. A nvel do produto, a distino entre a mercadoria industrial e a mercadoria cultural igualmente de sublinhar (e estamos agora, deliberadamente, a no tomar em conta a questo dos contedos) porque, mesmo quando os produtos culturais so de grande reprodutibilidade e admitem uma economia de escala e de gama (por exemplo os filmes que podem ver-se no cinema, na TV, no vdeo, etc.), mesmo nestes casos, o valor de uso da mercadoria cultural apresenta-se com um carcter de maior incerteza e aleatoriedade relativamente ao das outras mercadorias. A nvel do mercado (mercado cultural), o dito carcter aleatrio traduz-se numa particularmente elevada imprevisibilidade da procura que parece persistir para l dos muitos estudos de mercado j realizados neste domnio. Donde, o uso de estratgias que tendem a ser mais sofisticadas do que Verso electrnica do artigo da publicao peridica do Observatrio das Actividades Culturais, OBS n 5, Fevereiro de 1999, pp. 2-6.
3 nos outros mercados, com vista a tentar gerir aquela imprevisibilidade estratgias tais como a aposta em pblicos bem determinados, a promoo do star-system, o recurso a gate-keepers, etc. O acentuado carcter aleatrio do valor de uso da mercadoria cultural e da procura no mercado cultural conta-se entre os factores que, ao remeter para situaes de precaridade no sector das i.c., interpelam as polticas culturais e levantam a questo do papel do Estado neste mesmo sector. Se bem que as polticas culturais pblicas no sejam o objecto deste texto, de notar que determinados meios de actuao especficos das referidas polticas nomeadamente o accionamento do recurso a mercados culturais assistidos ou da regulamentao do emprego no sector cultural e artstico e do espao a abrir para a produo nacional podem ter efeitos relevantes sobre o jogo das relaes que aqui se consideram.
2. Passemos segunda ordem de relaes, a das i.c. entre si. Num estudo publicado pela UNESCO na passada dcada, quando o debate internacional em torno das i.c. se intensificou, Augustin Girard afirmava que estas, por mais diversas que sejam, tm em comum o facto de se situarem na charneira de dois universos: um o da criao que, mesmo sendo cada vez menos a obra de um s, permanece como lugar de uma relao nica entre os criadores e aquele a que se dirigem na sua singularidade. Outro o universo dos meios de reproduo e de difuso em rpida evoluo tecnolgica, meios forjados e accionados por empresas capazes de atingir milhes de pessoas (Girard, 1982). Girard, de resto, estava interessado no propriamente em analisar as caractersticas gerais comuns s i.c. mas antes em explorar os aspectos por que, efectivamente, se distinguiam os vrios ramos deste sector preocupao partilhada por outros autores nessa mesma altura 2 e que aqui se retoma numa breve abordagem. Assim, de comear por assinalar que a integrao do trabalho cultural/artstico no processo produtivo industrial pode ser maior ou menor conforme o ramo das i.c. e que o grau de reprodutibilidade dos respectivos produtos pode igualmente ser varivel. Quanto a este ltimo aspecto, ele pode igualmente ser associado a diferentes modalidades de interveno do capital e a diferentes estruturas produtivas. Se se considerar, por exemplo, um tipo de produto de reduzida reprodutibilidade que no reclame um elevado nmero de trabalhadores nem uma grande diviso de trabalho, nem exija investimentos vultosos em tecnologia, verificar-se- que as i.c. que lhes correspondem tendem a ser sede privilegiada de estruturas produtivas artesanais apenas com penetrao de pequenos ou mdios capitais (caso da produo de gravuras ou reprodues de arte). Claro que a relao entre as duas variveis tipo de produto e modalidade de interveno do capital est longe de ser to simples como pode parecer assim colocada de forma to sumria. Basta pensar em casos das i.c. de produtos complexos que conjugam diferentes tipos de
2 Caso, por exemplo, de Lewis (1990) e de Huet, Ion, Lefbvre, Mige e Peron (1984). Verso electrnica do artigo da publicao peridica do Observatrio das Actividades Culturais, OBS n 5, Fevereiro de 1999, pp. 2-6.
4 reprodutibilidade e articulam pequenos produtores e grande capital ao longo do seu processo produtivo. A fase de produo (com as suas duas componentes: concepo e reproduo material) e a fase de circulao podem tambm desenvolver-se diferentemente conforme as lgicas especficas dos ramos em causa. Uma fase pode ser mais determinante do que a outra, por exemplo em termos dos lucros que permite realizar, associando-se-lhe determinadas estratgias do capital com possveis repercusses negativas sobre a outra fase. Por outro lado, esta situao pode implicar tambm diferentes graus de autonomia para o produtor cultural, porventura menos pressionado no seu processo criativo quando a fase de produo fica relativamente distanciada da lgica dos mercados concorrenciais. Uma vez mais, as polticas culturais pblicas tm aqui um campo de aco importante e um papel eventualmente regulador de assimetrias.
3. Finalmente, considerando a terceira ordem de relaes, entre o sector das i.c. e os outros sectores culturais (clssico e experimental), vemo-las configurar-se a partir de duas premissas: consiste uma em tomar qualquer dos referidos sectores como um sistema complexo que integra elementos diversificados; consiste outra em reconhecer a permeabilidade crescente entre os vrios sectores, tanto no plano de produo como no da distribuio e do consumo. Trata-se de premissas que conduzem necessariamente rejeio de qualquer modelo analtico de natureza bipolar (cultura de massas versus cultura cultivada) que, alis, j noutros lugares tive oportunidade de criticar (Santos, 1994). Vamos imaginar que tomvamos como referncia um padro de cultura industrializada que se caracterizasse por factores tais como: grande diviso social do trabalho; grande insero do produtor cultural no trabalho colectivo; grande dependncia em relao ao mercado; grande reprodutibilidade do produto; elevado grau de concentrao e interveno do capital monopolista e transnacional. Se, repito, tomssemos como referncia este tipo-ideal de cultura industrializada, teramos provavelmente dificuldade em identificar actividades do sector das i.c. a que ele se aplicasse em fora. E, por outro lado, teramos provavelmente dificuldade em identificar actividades dos outros sectores culturais em que de algum modo no estivesse presente um ou outro dos referidos factores. Acontece que nas relaes entre as i.c. e os outros sectores culturais, h muitos mais pontos de contacto do que, em regra, se pensa. Como tenho de ser breve, vou recorrer a um exemplo que poder rapidamente ilustrar esta afirmao. Situado na rea da pintura contempornea, um exemplo que remete para factores tais como a dependncia em relao ao mercado, a aproximao produo de srie e o controle pelo grande capital factores que podem estar presentes numa rea que, por princpio, se orienta para um mercado de produto nico. Este mercado de arte, contudo, pode funcionar na base da especulao a curto termo (como sucedeu claramente nos anos 80) e obrigar os artistas a produzir freneticamente para estarem Verso electrnica do artigo da publicao peridica do Observatrio das Actividades Culturais, OBS n 5, Fevereiro de 1999, pp. 2-6.
5 presentes com mais e mais obras em sucessivas exposies, em vrias partes do mundo, sob pena de perderem a visibilidade. Num caso como este assiste-se, ento, a uma coisa paradoxal que o facto do valor das obras passar, afinal, a assentar j no propriamente na raridade (princpio valorativo especfico da obra de arte) mas na multiplicidade. A concorrncia no mercado internacional da arte contempornea pode, portanto, obrigar a uma procura constante de novidade tal como acontece no sector das i.c. Conforme observa Raymonde Moulin, nas suas anlises deste mercado, entre uma esttica da mudana contnua e as exigncias da concorrncia instaura-se uma relao de circularidade (Moulin, 1992). Mas, uma vez ameaado o poder simblico da singularidade do autor e da obra, fica igualmente ameaado o valor econmico da obra (o que exprime bem a indissociabilidade entre o cultural e o econmico no processo de constituio do chamado valor artstico). Face a uma tal ameaa, tendem, ento, a desencadear-se comportamentos de controle de mercado designadamente, segundo mostra a mesma autora, atravs da conteno da oferta por parte das galerias leaders, as que dispem de meios financeiros e reputao cultural internacional para poder traar as tendncias dominantes. Num caso como este, a raridade regra geral considerada como especfica dos sectores culturais tradicional e experimental gerida de modo equivalente ao que se pode verificar nas i.c. (por exemplo, na produo em srie de gravuras cujas tiragens so artificial e deliberadamente limitadas). Ainda relativamente interdependncia entre as i.c. e os outros sectores, pode avanar-se um outro caso de natureza diferente mas tambm significativo o das relaes entre o espectculo gravado e o espectculo ao vivo. Como sabido, as actuaes ao vivo implicam custos mais elevados do que o espectculo gravado onde os avanos tecnolgicos levam a ganhos de produtividade crescente. Assim, a curto prazo (estou a basear-me num trabalho de Dominique LeRoy (1995) sobre as diferentes economias de um e outro tipo de espectculo) o espectculo ao vivo que constitui um risco financeiro; a longo prazo, no entanto, a cost disease vai afectar o prprio espectculo gravado na medida em que a existncia deste depende no s da gravao e difuso mas tambm da componente viva (a actuao destinada a ser gravada). Se no se quiser fazer desaparecer certos domnios da criao, nem baixar-lhe a qualidade, os dois tipos de espectculos tero de ser organizados de forma integrada, contrariando polticas estreitas de empresa que apostem na rentabilizao a curto prazo uma questo, tambm esta, a suscitar formas de interveno das polticas culturais pblicas. Considerando, porm, que a cultura ao vivo no sempre, necessariamente, espao de criatividade e de diversidade, acrescentaria um outro elemento para a anlise desta terceira ordem de relaes o da relao da inovao com os contextos organizacionais onde se enquadram os processos de produo, difuso e consumo culturais. Ao que parece, a inovao tende a aparecer associada privilegiadamente a contextos de redes informais que renem criadores de diversas reas Verso electrnica do artigo da publicao peridica do Observatrio das Actividades Culturais, OBS n 5, Fevereiro de 1999, pp. 2-6.
6 culturais, enquanto em organizaes mais pesadas se tende a evitar a aposta no experimental 3 . Isto significar que a inovao se forja no tanto no quadro de um determinado sector cultural mas antes no quadro de um jogo complexo de relaes entre diferentes sectores e diferentes contextos organizacionais.
BIBLIOGRAFIA
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Políticas públicas em Espaços Organizados: uma análise comparativa dos fatores de competitividade dos distritos industriais do Estado do Rio de Janeiro