0 оценок0% нашли этот документ полезным (0 голосов)
242 просмотров6 страниц
O documento discute a revolução tecnológica da gramatização e o surgimento do saber metalinguístico. A escrita desempenhou um papel fundamental nesse processo ao permitir a objetivação da linguagem e a representação metalinguística, levando ao desenvolvimento de tradições lingüísticas e reflexão sobre a natureza da linguagem. A alteridade proporcionada pela escrita, como a necessidade de traduzir textos, também estimulou o florescimento do saber lingüístico.
O documento discute a revolução tecnológica da gramatização e o surgimento do saber metalinguístico. A escrita desempenhou um papel fundamental nesse processo ao permitir a objetivação da linguagem e a representação metalinguística, levando ao desenvolvimento de tradições lingüísticas e reflexão sobre a natureza da linguagem. A alteridade proporcionada pela escrita, como a necessidade de traduzir textos, também estimulou o florescimento do saber lingüístico.
O documento discute a revolução tecnológica da gramatização e o surgimento do saber metalinguístico. A escrita desempenhou um papel fundamental nesse processo ao permitir a objetivação da linguagem e a representação metalinguística, levando ao desenvolvimento de tradições lingüísticas e reflexão sobre a natureza da linguagem. A alteridade proporcionada pela escrita, como a necessidade de traduzir textos, também estimulou o florescimento do saber lingüístico.
A revoluo tecnolgica da Gramatizao - Sylvain Auroux
Sobre o autor: Wagner Torlezi
Professor de Lngua Portuguesa e Literatura para o Ensino Mdio e de Leitura e Produo de Texto para o Ensino Superior e ps-graduado em Lngua Portuguesa pelo Centro Universitrio Nossa Senhora do Patrocnio, em Itu. No twitter: @wagnertorlezi
Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/a-gramatizacao-uma-revolucao- tecnologica/11809/#ixzz2wSf8hzIe O nascimento das metalinguagens Pesquisas sobre os conhecimentos lingsticos, feitas ao longo da histria, apontam para trs categorias: as que visam apenas documentar, as que so homogneas prtica cognitiva e as que se voltam para o passado a fim de legitimar uma prtica contempornea. Todo conhecimento uma realidade histrica, j que limitado a um determinado espao temporal. Cr-se, de forma errnea, que o saber destri seu passado, mas na verdade ele o organiza, o idealiza e o antecipa sem futuro. No h saber sem passado, sem memria e sem projeto. Muitos historiadores lingsticos produziram obras importantes ao longo dos anos, todos eles defendem a idia de que h um certo preconceito em se querer fazer a histria da lingstica concebida como uma cincia, ou seja, como uma forma de saber cuja organizao estvel. notrio, no entanto, como a cincia da linguagem evoluiu nos ltimos anos. Assim, fazer a histria da cincia s pode corresponder a duas estratgias: admitir que uma cincia s a totalidade dos momentos de seu desenvolvimento e procurar, no passado, os elementos que se enquadram nas preocupaes definidas por um ponto de vista datado. Para fazer a histria de uma cincia necessrio ter uma viso definida da natureza de seu objeto, no entanto um historiador no deve ter essa viso, j que ele trabalha a longo prazo e em diferentes civilizaes. A linguagem humana, tal como se realizou na diversidade das lnguas, e os saberes que se constituram a seu respeito so os objetos de estudo deste trabalho. Todo saber um produto histrico, pois resulta de uma interao entre as tradies e o contexto em que est inserido. Por isso, saberes situados diferentemente no tempo e no espao no devem ser organizados do mesmo modo. Esse posicionamento deixa claro que a cincia da linguagem deve ser estudada dentro de um contexto histrico, pois inerente a ele. Graas riqueza do historicismo podemos estudar certos fenmenos lingsticos atravs de analogias, pois elas explicam que certos elementos histricos parecem recorrentes a um determinado termo. Por exemplo, se quisermos classificar os sons de uma dada lngua, a lgica determina que os apresentemos em funo de suas diferenas mnimas com outras lnguas estudadas. O valor de um saber, ou seja, seu grau de adequao a um fim dado, tem a causa no historicismo. Esse preceito nega o chamado princpio de simetria, segundo o qual a produo de conhecimento provm das mesmas causas, variando seu valor, que j tem a causa em sua histria. O saber lingstico mltiplo e se inicia na conscincia do falante. Da ser chamado de epilingstico, pois inconsciente, ou seja, no sabemos o que sabemos. J o saber metalingstico constitudo, representado e manipulado com a ajuda de uma metalinguagem. Esse saber metalingstico pode ser de dois tipos: de natureza especulativa, situado no abstracionismo; e de natureza prtica, situado nos domnios da enunciao, das lnguas e da escrita. Os domnios do lugar s tcnicas prticas codificadas que permitem obter um resultado desejado. Estudos lingsticos no Ocidente determinaram dois tipos de saberes: a lgica, construdo sob o domnio da enunciao; e a gramtica, construdo sob o domnio das lnguas. Dessa forma, deslocam-se os saberes lingsticos em direo a um tipo de saber especulativo. Este, em matria de linguagem, nunca foi suficientemente dominante para que se pudesse pensar sua prtica, sob o modo da aplicao, como o caso das cincias naturais. Por isso, um saber lingstico especulativo pode ser de natureza emprica. Para a histria das cincias da linguagem, o surgimento da escrita fundamental. Qualquer que seja a cultura, encontramos elementos que permitem a passagem do epilingstico para o metalingstico, no aparecimento de palavras, nas prticas de linguagem e nas especulaes sobre a sua origem. As palavras so, de fato, coisas entre coisas. As palavras fazem coisas graas sua estrutura material. E quando uma linguagem complexa, no porque se destaca a ordem simblica do real, mas porque o real inteiramente simblico. O saber metalingstico marcado pela transformao do saber epilingstico. Assim, designa-se a gramtica como parte essencial do saber lingstico. O processo de aparecimento da escrita de objetivao da linguagem, de representao metalingstica e sem equivalncia anterior. A escrita desempenha um papel fundamental na origem das tradies lingsticas, pois um processo histrico complexo e no por ser um saber lingstico novo. Assim, no possvel se constituir, ao mesmo tempo, um sistema de escrita e um texto que teoriza esse sistema. Todas as tradies se interessam pela adequao do sistema escrito ao oral, supondo j resolvida a questo de constituir uma representao da linguagem da mesma forma que se elabora um cdigo grfico dele. O conhecimento fontico das lnguas nas tradies orais nos permite compreender como um indivduo pode ter conseguido construir um alfabeto. Se a escrita a condio de possibilidade do saber lingstico, impossvel que seu aparecimento seja a verdadeira origem desse saber. Quando se fala de origem, no se trata de um acontecimento, mas de um processo delimitado pelo tempo. A origem de uma tradio pode ser espontnea, ou resultar de uma transferncia tecnolgica. H poucos casos de aparecimento espontneo: as tradies babilnicas e egpcias, que se mantiveram embrionrias; e as tradies hindu, chinesa e grega, que se realizaram a longo prazo, sendo a grega, fonte de toda a tradio ocidental. A transferncia tecnolgica supe um bom conhecimento da lngua-fonte e de sua cultura. No incio do sc. XX, considerava-se que um processo de dominao e de transferncia ocidental em direo a todas as outras tradies tinha acabado, isso resultou em uma homogeneizao relativa dos grandes traos especulativos do saber lingstico. Considerando, ento, a escrita, sabemos que ela produz textos, por isso evidente que supe normas. Mas ela no parece produzir espontaneamente uma reflexo sobre a natureza da linguagem, at mesmo um saber codificado dos processos de linguagem a partir de suas tcnicas. Quanto ao surgimento da escrita, o que aparece em primeiro lugar so as listas de palavras ou de caracteres. Esta ltima, de origem chinesa, prende-se s dificuldades de ler textos antigos. O desenvolvimento do budismo leva a transliterar textos snscritos, j entre os babilnios tambm encontramos listas de palavras. Mas o que faz deslanchar verdadeiramente a reflexo lingstica a alteridade, considerando o ponto de vista da escrita. Nessas tradies, o florescimento do saber lingstico tem sua origem no fato de que a escrita tem como objetivo a alteridade e a coloca diante do sujeito como um problema a resolver. Essa alteridade pode provir da antiguidade de um texto cannico ou de uma mudana de estatuto do texto escrito. Na civilizao hindu antiga, a escrita no tem um estatuto privilegiado, utilizada para contas e atos administrativos. A razo mais profunda que faz da escrita a condio de possibilidade do saber lingstico o surgimento de regras dentro de algumas tradies, enquanto que o estatuto da escrita nas outras tradies deriva do fato de que os textos foram a causa eficiente do aparecimento do saber. Nota-se que, inicialmente, preciso nomear os sons atravs de um sistema de notao fornecido pela escrita, em seguida eles so classificados em funo de certas propriedades e ordenadas no interior das classes, que so nomeadas com a ajuda desse ltimo elemento. No se pode confundir o saber metalingstico com o saber epilingstico, nem a gramtica como representao com a gramtica operando na produo da linguagem. No que diz respeito gramtica como representao, certo que ela no poderia estar ao lado do oral, se separssemos este do escrito. Jamais se observou uma tradio lingstica espontnea nascer a partir do domnio das lnguas. A necessidade de comunicar para trocas comerciais e polticas no provocou nem uma especulao que ultrapasse as generalidades sobre a diversidade lingstica, nem a preservao de tcnicas codificadas, como os manuais de traduo. O bilingismo desempenha um importante papel no caso da transferncia cultural macia, como por exemplo, do grego para o latim ou do chins para o japons, entre outras, ou na permanncia das lnguas mortas. O primeiro aparecimento conhecido dos paradigmas sistemticos e de uma terminologia gramatical aconteceu no incio do segundo milnio. Por isso, a primeira anlise gramatical no nasceu da necessidade de falar de uma lngua qualquer, mas da necessidade de compreender um texto. Atualmente, a gramtica apenas uma tcnica escolar destinada s crianas que dominam mal sua lngua ou que pretendem aprender uma lngua estrangeira. Isso ocorre devido ao desenvolvimento do sistema escolar e da prpria gramtica. Antigamente, em tempos bem remotos, no se tinha a idia de fazer uma gramtica apenas para aprender a falar. Aprendemos a falar espontaneamente, ou seja, falando. Mas uma coisa certa: se existe um sistema de escrita, para utiliz- lo necessrio aprend-lo de modo especial. Por isso, a gramtica uma das formas de saber lingstico mais trabalhadas. E um saber gramatical s pode ter nascido de uma prtica textual na base de uma prtica da escrita. De fato, a formulao de regras nasce espontaneamente de um domnio de enunciao em uma disciplina sob a forma da lgica e da retrica. A primeira, nas ndias e na China, foi uma disciplina extremamente refinada; a ltima, depende do estatuto da palavra e de seu papel social. Desde Plato e Aristteles percebe-se a distino entre noma/rhma, que corresponde ao mesmo tempo oposio verbo-nominal e oposio sujeito/predicado. A gramtica s nasce mais tarde, na Escola de Alexandria, definida como o conhecimento emprico levado o mais longe possvel e que se l nos poetas e nos prosadores. A fora da gramtica estava no fato de que ela adapta a teoria das partes do discurso gramtica natural. Para que a decomposio do enunciado seja de fato um acontecimento gramatical preciso que reencontre a morfologia como tradio ocidental, ou que se ligue morfossintaxe como tradio snscrita. Por outro lado, a tradio chinesa no conheceu o nascimento espontneo da gramtica, mas conheceu uma reflexo sobre os tipos de unidades, em funo de sua significao e de sua adequao a certas finalidades. Houve, a algumas especulaes sobre a relao da linguagem com o real. A chamada Escola dos Nomes, da tradio chinesa, distinguia o nome e a atualidade, sendo que esta concebida como aquilo que se fala e o nome como aquilo que serve para falar dele, o que pode ser comparado tradio grega do noma/rhma, visto acima. Assim, os nomes so divididos em trs partes: os gerais, que servem para todas as coisas; os classificadores, que so os nomes comuns; e os nomes prprios. O chins no tem morfologia, contrrio ao japons, que tem sufixos e conjugaes. Ainda que a tradio lingstica resulte do chins, a anlise morfolgica j estava presente na adaptao de seus dois tipos de escrita: o kanji, ideograma que se preocupa com o valor lexical; e o hiragana, que serve para anotar as desinncias gramaticais. O desenvolvimento dos saberes lingsticos se d de forma extremamente complexa. Suas causas so a administrao dos grandes Estados, a literalizao dos idiomas e sua relao com a identidade nacional, a expanso colonial, o proselitismo religioso, as viagens, o comrcio, os contatos entre lnguas e o desenvolvimento dos conhecimentos complexos, como a medicina, a anatomia e a psicologia. Antes do sc. XIX europeu e do desenvolvimento da fontica no conhecemos nenhuma inovao tecnolgica que tenha agido sobre o conhecimento da linguagem. O aparecimento da imprensa e o desenvolvimento do capitalismo mercantil foram decisivos para a gramatizao. Uma gramtica pode ter a finalidade de se aprender uma lngua estrangeira. Assim, os contatos entre as lnguas se tornaram elementos determinantes dos saberes lingsticos e as gramticas se tornaram de suma importncia no conhecimento das lnguas. Desse saber multilnge nasceram tanto a gramtica geral quanto a comparada. A primeira homognea, j a segunda surgiu para determinar as regularidades inerentes sua natureza. Em nenhuma cultura o domnio das lnguas chegou a esse saber desinteressado e abstrato, que a gramtica comparada, saber to perseguido por profissionais do sc. XIX. O saber lingstico abstrato vai se definir em uma relao de delimitao e de oposio lgica e filosofia. No caso da primeira, que se preocupa em passar de um enunciado verdadeiro para outro enunciado verdadeiro, a questo parece resolvida, embora alguns lingistas inventaram o logicismo, que consiste em importar da lgica para a lingstica. J a segunda se preocupa com as especulaes mticas, sendo que seu domnio tradicional o das relaes da linguagem com o pensamento, com o verdadeiro e com o real. Sendo assim, uma lingstica autnoma pode se dar a positividade de um objeto especfico: as lnguas nelas mesmas e por elas mesmas. O fato da gramatizao Num perodo que se estende do sculo V ao sculo XIX vamos ver o desenrolar de um processo nico em seu gnero: a gramatizao massiva a partir de uma s tradio lingstica, a greco-latina. Essa gramtica constitui a segunda revoluo tcnico-lingstica. A primeira foi o surgimento da escrita. s cincias da linguagem que devemos a primeira revoluo cientfica do mundo moderno. Essa revoluo vai criar uma rede de conhecimentos lingsticos centrada na Europa. O novo modelo de cientificidade passar a ser dominante, de tal modo que se pensar em incluir nele as cincias humanas, mas sem a segunda revoluo tcnico-lingstica, as cincias naturais no teria sido possveis nem em sua origem, nem em suas conseqncias sociais. Nesse mesmo perodo, acontecero outras transformaes na histria das cincias da linguagem. A gramtica se torna, simultaneamente, uma tcnica pedaggica de aprendizagem das lnguas e um meio de descrev-las. Surge, ento, o dicionrio monolnge como conhecemos at hoje. O conjunto dessas transformaes permanece ligado gramatizao das lnguas do mundo, que persiste como fenmeno central. As caractersticas das cincias da linguagem so explicadas pelo fato de que a anlise lingstica tem por objeto a diversidade emprica das linguagens. Essas disciplinas sofrem uma virada decisiva a partir do Renascimento, formando, assim, o eixo da segunda revoluo tcnico-lingstica. A partir do final do sc. XV, algumas lnguas, entre elas o italiano, o francs, o espanhol, o portugus e o ingls, vo dominar a histria da Europa. Mais tarde, no incio do sc. XIX, outras lnguas se fortificaro como o hngaro e o polons. Desta forma, pode-se notar que a gramatizao das lnguas europias contempornea de outros continentes, em especial das lnguas amerndias. Houve um crescimento considerado do patrimnio espanhol a partir do sc. XVI. Nessa poca, contava-se com 33 lnguas. No sc. XVII, perto de 96 e no final do sc. XVIII, em torno de 158 lnguas. Isso o que podemos entender como processo massivo de gramatizao, a partir do Renascimento. J a gramatizao do ingls no foi to precoce. Os ingleses se interessaram pelos elementos gramaticais do irlands por razes de proselitismo religioso e tambm por impulsos pelo estudo de suas prprias tradies. Por outro lado, os franceses retomaro a gramatizao do provenal. Utilizando as antigas gramticas, eles redescobriro a oposio entre o caso regime e o caso sujeito. A gramatizao massiva das lnguas aconteceu a partir da Europa e tomou uma amplitude significativa numa poca bem tardia. Outras civilizaes, como a indiana, a chinesa e a greco-latina, tiveram meios mais prticos e tericos para faz-lo, associados aos contatos multilingsticos, embora estes no sejam suficientes para determin-los. O caso mais surpreendente dos rabes, que possuam uma tradio de anlise gramatical autnoma, alm de terem conjuntamente a herana cientfica greco-latina e uma expanso semelhante expanso religiosa do cristianismo. No entanto, eles se interessaram menos pela descrio de outras culturas e lnguas. Quanto ao latim, h uma situao histrica bastante particular: de um lado, as invases do Imprio Romano no Ocidente provocaram o fim do papel vernculo dessa lngua e o surgimento das lnguas neolatinas; e de outro, pudemos ver a conservao desse idioma como lngua de administrao e de cultura intelectual e religiosa. Ou seja, observamos ao mesmo tempo um fenmeno de disperso e de fragmentao e a persistncia de um potente fatos de unificao. A gramtica latina tornou-se uma tcnica de aprendizagem da lngua por dois motivos fundamentais: serviu como acesso cultura escrita, j que os latinos sabiam sua lngua; e serviu tambm como uma segunda lngua para os europeus do sc. IX. Este ltimo motivo possibilitou que a gramtica de uma lngua j gramaticalizada fosse empregada para fins pedaggico-lingsticos, tornando, assim, a gramtica uma tcnica geral de aprendizagem. O latim constitui um fator de unificao terica inigualvel na histria das cincias da linguagem. Ele explica a homogeneidade dessas disciplinas, o que se pode considerar uma metalinguagem, j que temos um caso de gramtica latina redigida em latim. O mesmo acontece se a metalinguagem de um vernculo qualquer servir para redigir gramticas em outro vernculo, pois h uma certa equivalncia entre as gramticas das diferentes lnguas redigidas em qualquer vernculo em uso. De lngua em lngua, o processo de gramatizao transitivo e reversvel. assim que as gramticas podem ser simples tradues umas das outras, ou terem como ponto de partida o motivo de tornar acessvel a seus locutores. A gramatizao de um vernculo europeu pode servir de partida para uma outra lngua e lhe transmitir sua latinidade. Por outro lado, o rabe e o hebraico so casos particulares, na medida em que dispem de uma gramatizao autctone, ou seja, original e muito diferente da latina. J o latim, cuja gramtica serve de estudo para todos os cursos escolares, ter sua declinao utilizada por todas as lnguas gramaticalizadas durante o Renascimento. Por isso, sem a tradio gramatical latina, no haveria a Lingstica, em seu amplo sentido: a forma abstrata de sua formao discursiva de carter cientfico e sua aplicao a objetos empricos. A maior parte das lnguas europias de grande porte so atestadas sob a forma escrita desde o sc. XIX, j que a Igreja recomendava pregar para o povo na lngua local, na mesma poca em que o latim se tornara um instrumento pedaggico. J durante a Idade Mdia, houve uma diversidade dialetal e lingstica bastante significativa, pois existiu um equilbrio entre o latim, lngua sofisticada do saber letrado, do poder e da religio, e vernculos que se aprendem na vida prtica. Nessa poca, a falta da gramatizao desses vernculos se deu devido falta de interesse. A primeira causa da gramatizao foi a necessidade de aprendizagem de uma lngua estrangeira. Essa necessidade de deveu, entre outros fatores, ao acesso a textos sagrados e a uma lngua de cultura, s relaes comerciais e polticas, s viagens, implantao de uma doutrina religiosa e colonizao. A segunda causa da gramatizao deve-se poltica de uma lngua dada, reduzida a dois interesses: organizar e regular uma lngua literria e desenvolver uma expanso lingstica interna e externamente. As primeiras gramticas europias surgiram com a finalidade do fazer potico. Em 1494, aparece a primeira gramtica castelhana, simultnea aos acontecimentos decisivos para a histria da Espanha, como a viagem de Colombo e o conseqente incio da construo do imprio colonial espanhol. Essa gramtica tinha trs finalidades: fixar a lngua, facilitar a aprendizagem do latim e permitir aos estrangeiros aprenderem o castelhano. Fica clara, assim, a relao nao-lngua, ou seja, o uso de uma lngua oficial est condicionado condio de cidado. Temos, ento, o chamado movimento de gramatizao, que se deu, em primeiro lugar, por questes literrias e para as discusses tericas. Basta observar que o aparecimento dos tratados de lgica acompanham a gramatizao. Os tratados de retrica seguem o mesmo caminho, pois tambm precedem a redao de uma gramtica. Voltando ao latim, ele permanecer ainda por vrios sculos como lngua privilegiada da comunicao cientfica, embora surja uma poltica lingstica realizada pelo absolutismo centralizador na Frana e na Espanha que corresponda s atividades intelectuais das novas elites e s atividades espirituais, notadamente marcada pela Reforma Protestante. Essa entrada dos vernculos coloca em perspectiva trs elementos fundamentais: a renovao da gramtica latina, a inveno da imprensa e as grandes descobertas martimas. Esses vernculos recusaram a gramtica latina medieval, pois era uma lngua tcnica, artificial e de comunicao intelectual influenciada por suas prprias estruturas vernculas. O Humanismo, que nasce na Itlia no sc. XIV, vai tentar restaurar o latim clssico, retomando os textos antigos, renascendo, assim, a filologia e vai ser uma luta contra o latim medieval. Esse movimento teoricamente coroado com o surgimento de numerosos manuais originais. A gramatizao dos vernculos europeus e a extenso da imprensa fazem parte da mesma revoluo tecnolgica. A primeira se deu posteriormente segunda. A imprensa, por permitir a multiplicao do mesmo texto de forma rpida, responsvel pelo fato de o fenmeno da escrita mudar de dimenso, desaparecendo, assim, o escoliasta, antigo sbio medieval. Teremos, ento, o copista e o impressor, separando a produo intelectual do texto de sua reproduo material, supervalorizando, com isso, as idias novas. Dessa forma, a imprensa teve conseqncias significativas sobre a gramatizao dos vernculos, pois a prtica manuscrita medieval abre espao para a variabilidade ortogrfica, normalizando-se, assim, os vernculos. A ortografia, a morfologia e a pontuao concernem aos impressores tipogrficos, mesmo contra o concurso dos autores e dos gramticos. Um fato que contribuiu bastante para a gramatizao de alguns vernculos, em especial os europeus, foi a passagem de uma viso de mundo fechado, como ocorria na era medieval, para um universo infinito, quando se descobriu que a Terra redonda e que ela que gira ao redor do Sol. Assim, o mundo terrestre, ou seja, o mundo humano no pra de crescer. Ao mesmo tempo, os relatos de viagens dos missionrios so colocados ao alcance do grande pblico, fato considervel de conhecimentos novos que produz a explorao do planeta. Do sc. XV ao fim do sculo XVIII, as chamadas cincias humanas superam o desenvolvimento das cincias da natureza. As primeiras no oferecem, entre os conhecimentos, uma relao idntica que se encontra nas segundas. Estas valem uniformemente em qualquer lugar do mundo, aquelas variam de um lugar para outro. Mesmo assim, nessas disciplinas existe sentido em se falar de mudanas globais, por isso a revoluo que a gramatizao representa um movimento que afeta a vida social a longo termo. Comentrios A obra apresenta duas importantes teses sobre o aparecimento da escrita e sobre processo de gramatizao das lnguas do mundo. A primeira delas a considerao do aparecimento da escrita como uma revoluo tecno-lingstica e, enquanto tal, como um dos fatores necessrios ao aparecimento das reflexes sobre a linguagem. A segunda tese a considerao do processo de gramatizao das lnguas do mundo como a segunda revoluo tecno-lingstica, que mudou profundamente a ecologia da comunicao humana e deu ao Ocidente um meio de conhecimento e de dominao sobre as outras culturas do planeta. O estudo de Auroux tem incio com uma reflexo sobre o nascimento das metalinguagens. Nessa reflexo, o autor distingue dois tipos de saberes sobre a linguagem: um saber epilingstico e um saber metalingstico. O saber epilingstico, segundo o autor, o saber inconsciente que todo locutor possui de sua lngua e da natureza da linguagem. este saber que nos permite, por exemplo, entender piadas e jogos de linguagem. E, mais do que isso, este saber que nos permite produzir piadas e jogos de linguagem. J o saber metalingstico construdo e manipulado enquanto tal com a ajuda de uma metalinguagem. este saber que permite que possamos no apenas entender e produzir piadas e jogos de linguagem, mas tambm desenvolver reflexes a respeito do funcionamento das piadas e dos jogos de linguagem. O aparecimento da escrita teve um papel decisivo na passagem dos saberes epilingsticos para os saberes metalingsticos. Por este motivo, o autor considera o aparecimento da escrita como uma revoluo tecnolgica. De fato o . Um ponto importante que o autor observa que no se trata de considerar a escrita como a origem de uma tradio de saber lingstico. Isso porque o que se tem no uma origem, mas um processo. Processo esse que passa, necessariamente, pela escrita e que pode ser bem longo. Segundo Auroux, o que faz deslanchar verdadeiramente uma reflexo lingstica a alteridade, considerada do ponto de vista da escrita. Devido dificuldade de ler textos antigos, palavras ou textos estrangeiros foi necessrio refletir sobre o funcionamento dessas lnguas para poder traduzi-las. A esse respeito, o autor observa que a primeira anlise gramatical nasceu da necessidade de se ler e compreender textos e no da necessidade de se falar uma lngua qualquer. De uns tempos para c, a gramtica passou a ser uma tcnica escolar destinada s crianas que dominam mal sua lngua ou que aprendem uma lngua estrangeira. Isso se deve tanto ao desenvolvimento do sistema escolar quanto ao da gramtica. Em tempos remotos, nunca se teve espontaneamente a idia de fazer uma gramtica para aprender a falar. Auroux apresenta duas causas da gramatizao das lnguas. A primeira delas a necessidade de aprendizagem de uma lngua estrangeira em um contexto onde j existe uma tradio lingstica. A segunda concerne essencialmente poltica de uma lngua dada, e pode se reduzir a dois interesses: organizar e regular uma lngua literria; e desenvolver uma poltica de expanso lingstica de uso interno ou externo. Auroux faz uma interessante afirmao sobre isso: que durante o desenvolvimento das concepes lingsticas europias desde o sculo V de nossa era at o fim do sculo XIX, tem-se o desenrolar de um processo nico em seu gnero: a gramatizao massiva, a partir de uma s tradio lingstica inicial (a tradio greco-latina), das lnguas do mundo. Um marco importante durante esse perodo, destacado pelo autor, o Renascimento Europeu (XIV a XVI), que um momento em que so produzidos, em uma quantidade extremamente significativa, dicionrios e gramticas de diversas lnguas do mundo e no somente dos vernculos europeus, na base da tradio greco-latina. Essa gramatizao constitui a segunda revoluo tcnico-lingstica, que tem considerveis conseqncias prticas para a organizao das sociedades humanas. Trata-se propriamente de uma revoluo tecnolgica sem dvida muito importante para a histria da humanidade. A gramatizao definida por Auroux como um processo que conduz a descrever e a instrumentar uma lngua na base de duas tecnologias, que so ainda hoje os pilares de nosso saber metalingstico: a gramtica e o dicionrio. Desse ponto de vista, a gramtica e o dicionrio no so vistos como simples descries da linguagem natural. Eles so concebidos tambm como instrumentos lingsticos. O aparecimento dos instrumentos lingsticos no deixa intactas as prticas lingsticas humanas. Assim como as estradas, os canais, as estradas-de-ferro e os campos de pouso modificaram nossas paisagens e nossos modos de transporte, a gramatizao modificou profundamente a ecologia da comunicao e o estado do patrimnio lingstico da humanidade. As lnguas, pouco ou menos no-instrumentalizadas, foram mais expostas ao que se convm chamar lingicdio, quer seja ele voluntrio ou no. O processo de gramatizao corresponde a uma transferncia de tecnologia de uma lngua para outras lnguas, transferncia essa que no totalmente independente de uma transferncia cultural mais ampla. Essa transferncia pode ser de dois tipos. Ela pode ser uma endotransferncia ou uma exotransferncia. O autor especifica esses dois tipos de transferncia pelos termos endogramatizao (correspondente a uma endotransferncia) e exogramatizao (correspondente a uma exotransferncia). A gramatizao espontnea (fora de transferncia) corresponde para o autor a uma endogramatizao. Um caso de endogramatizao a transferncia de tecnologia das tradies lingsticas gregas para a lngua latina, pelos latinos. A gramatizao dos vernculos europeus a partir das tradies latinas pelos prprios europeus tambm um caso de endogramatizao. Um caso de exogramatizao a transferncia de tecnologia do portugus para as lnguas indgenas, pelos portugueses e no pelos indgenas. Um outro ponto extremamente importante a ser destacado no estudo do autor a sua observao de que a gramtica no surgiu de uma necessidade didtica. Ele afirma, a esse respeito, que as crianas gregas ou latinas, que freqentavam a escola, j sabiam sua lngua, sendo a gramtica s uma etapa do acesso cultura escrita. J para um europeu do sculo IX, o latim era antes de tudo uma segunda lngua que ele devia aprender. Somente com a constituio das naes europias que a gramtica passou a ser utilizada para fins de aprendizagem da prpria lngua. Naquele momento, houve uma profunda transformao das relaes sociais. A expanso das naes implicou uma situao de luta entre elas, o que se traduziu, ao final, por uma concorrncia entre as lnguas. Com as naes transformadas em Estados, estes vo fazer da aprendizagem e do uso de uma lngua oficial uma obrigao para os cidados. Concluso de suma importncia para as cincias da linguagem o trabalho de pesquisa feito por Auroux nesta Revoluo Tecnolgica que marca o surgimento da gramatizao. As duas teses que o autor sustenta nesta obra tm um grande interesse filosfico. A primeira tese sobre o nascimento das cincias da linguagem e a segunda, sobre o surgimento da gramatizao. O autor acredita que essa gramatizao revolucionou sobremaneira a histria das cincias da linguagem e todo o processo de comunicao humana, dando ao Ocidente uma forma de dominao, pelo conhecimento, sobre as outras culturas do planeta. Essa revoluo, sem dvida, to importante quanto Revoluo Industrial do sc. XIX. Referncias AUROUX, Sylvain. A revoluo tecnolgica da gramatizao. 1 ed. Campinas, SP. Ed. Da Unicamp, 2001.
Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/a-gramatizacao-uma-revolucao- tecnologica/11809/#ixzz2wSephV5Y