Ano XL, número 48 (2.084), sábado 28 de Novembro de 2009 Cidade do Vaticano Preço ; 1,00. Número atrasado ; 2,00
Encontro de Bento XVI com os artistas na Capela Sistina Uma nova
Anunciadores e testemunhas aliança de esperança para a humanidade GIOVANNI MARIA VIAN A proximidade entre Igreja e arte é antiga. Quase como a tradição cristã Num mundo no qual crescem «os si- à qual, contudo, as diversas expres- nais de resignação, de agressividade sões artísticas estão historicamente li- e de desespero» os artistas estão cha- gadas mais do que a qualquer outro mados a serem «anunciadores e tes- mundo religioso. E todavia esta pro- temunhas de esperança para a hu- ximidade, amadurecida já na anti- manidade». Foi o apelo amistoso e guidade tardia, debilitou-se no de- apaixonado, feito por Bento XVI aos correr do século XIX, até se transfor- numerosos representantes do mundo mar muitas vezes em distância no sé- da arte reunidos na manhã de sába- culo XX e mais ainda hoje, quando a do, 21 de Novembro, na Capela Sis- beleza desinteressada «se despediu tina. Após quarenta e cinco anos do em ponta de pés do mundo moderno histórico encontro de Paulo VI na dos interesses», como escreveu Hans mesma Capela, Bento XVI quis reno- Urs von Balthasar citado por Bento var a amizade da Igreja com o mun- XVI diante dos artistas reunidos na do da arte. Amizade que – disse Capela Sistina. convicto – «deve ser continuamente Onde Paulo VI em 1964 propôs promovida e apoiada, para que seja aos artistas que relançassem uma autêntica e fecunda, adequada aos aliança que deixou frutos duradouros tempos e tenha em consideração as no decorrer de quase vinte séculos, o situações e as mudanças sociais e seu actual sucessor convidou de novo culturais» O Pontífice estendeu a homens e mulheres da arte – de paí- mão «ao mundo variegado das ar- ses, culturas e religiões diversas, «tal- tes» com um renovado convite ao vez até distantes por experiências re- diálogo e à colaboração. Partindo da ligiosas, mas desejosos de manter vi- consciência de que «a fé de nada va uma comunicação com a Igreja priva» o génio artístico: ao contrá- católica» – à amizade, ao diálogo, à rio, exalta-o e alimenta-o, orientan- colaboração. Renovando o convite do-o «para o Mistério último, para num lugar carregado de símbolos co- Deus». Nesta perspectiva, Bento XVI Uma proposta cultural inovadora mo a Capela Sistina, onde ressoou e repropôs aos artistas o caminho da com frequência ressoa a música ao beleza autêntica», a qual, explicou, «não é um acessório ou algo secun- dário na busca do sentido e da felici- Arte e experiência espiritual serviço da liturgia, isto é de Deus, «fonte de qualquer outra beleza» di- visada por Santo Agostinho. dade». De facto, ela «abre o coração Nas pegadas do seu Predecessor humano à nostalgia, ao desejo pro- LUCETTA SCARAFFIA rio espiritual, mas é inclusive uma proposta cultural inovadora. A sua re- João Paulo II – «também ele artista» fundo de conhecer, de amar, de ca- que aos artistas quis dirigir um sole- minhar rumo ao Outro, ao Além de bonita catequese de 18 de No- construção das funções e do significa- ne documento papal – e com a mes- si». Aos artistas – em conclusão – o Papa pediu que sejam plenamente conscientes da grande responsabili- A vembro, com que Bento XVI introduziu o tema da arte co- mo preparação do encontro com os do da arquitectura românica e góti- ca, inseridas na cultura do tempo, in- dica efectivamente uma direcção de ma abertura mostrada por Paulo VI, sem esconder as actuais dificuldades, o Papa repropôs a aliança de outro- dade de comunicar a beleza. artistas não só tem o profundo signifi- leitura das obras de arte, hoje pouco ra: «Nós precisamos de vós», porque cado de marcar o caminho da beleza praticada. se «vós sois amigos da verdadeira ar- PÁGINAS 6-7 como vereda principal para o itinerá- Uma proposta positiva e nova dian- te, sois nossos amigos». Palavras con- te da crise da arte – a que Hegel ti- tidas na mensagem do Concílio Vati- nha profetizado como consequência cano II aos artistas. Sim, porque a inevitável da subjectivação e da secu- beleza, como a verdade, infunde ale- larização – e diante de uma sociedade gria no coração dos homens. E por- O Papa denuncia a falta de acesso em que as imagens, embora sejam ca- da vez mais difundidas e poderosas, tanto vale a pena uma aliança entre os guardiães da beleza e quantos, na às curas médicas nos países pobres são desprovidas de significado. «A imagem é o simulacro puro de si mes- humilde quotidianidade, estão cha- mados a testemunhar e a servir a ma», escreveu Jean Baudrillard: ou se- verdade. ja, já não tem referência alguma com a realidade e a verdade. Por isso, «quando todas as imagens somente si- mulam, como se já não houvesse uma realidade sem elas, decai a própria di- Congresso no centenário ferença entre ícone e ídolos»: quem do nascimento observou isto, com grande lucidez, foi do Cardeal Willebrands Hans Belting, historiador da arte mas sobretudo estudioso de antropologia A 19 de Novembro realizou-se na da imagem. Pontifícia Universidade Gregoriana Por esta crise é responsável também um congresso para recordar a figura a cultura crítica, ou seja, o modo co- e a obra do Cardeal Johannes Wille- mo as obras de arte são estudadas e brands, no centenário do seu nasci- interpretadas: isto é, um modo exclusi- mento. Publicamos na página 4 a in- vamente filológico e estético, através tervenção do Cardeal Kasper e o de uma interpretação formal que ten- testemunho dado pelo Arcebispo de de a anular a sua importância históri- Canterbury, Rowan Williams. ca, fazendo da arte o sector mais secu- larizado da nossa cultura. Com efeito, à obra de arte são reconhecidos unica- mente o valor estético, o estilo e a Na audiência concedida a 20 de Novembro, aos participantes na conferência pertença a um movimento, ao máxi- A cruz na documentação epigráfica promovida pelo Pontifício Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde, o mo a inserção num contexto histórico Papa pediu que os países subdesenvolvidos tenham acesso às curas médicas. e social. Estamos perante um processo O sinal do vencedor PÁGINA 3 CONTINUA NA PÁGINA 7 PÁGINAS 8-9