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O presente artigo analisa o conceito de desenvolvimento sustentável dentro do âmbito jurídico internacional. Objetiva-se, para isso, a realização de um delineamento do conceito através da análise de estudos doutrinais e elementos que estão pulverizados nas decisões judiciais de cortes internacionais. Apesar de não se ter ainda como determinar com exatidão a natureza jurídica do conceito estudado, é notório ser este de grande importância no cenário internacional, não podendo ser elidido dos estudos do direito das gentes.
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A NATUREZA JURÍDICA DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO ÂMBITO INTERNACIONAL: DELINEAMENTO ATRAVÉS DE CASOS
O presente artigo analisa o conceito de desenvolvimento sustentável dentro do âmbito jurídico internacional. Objetiva-se, para isso, a realização de um delineamento do conceito através da análise de estudos doutrinais e elementos que estão pulverizados nas decisões judiciais de cortes internacionais. Apesar de não se ter ainda como determinar com exatidão a natureza jurídica do conceito estudado, é notório ser este de grande importância no cenário internacional, não podendo ser elidido dos estudos do direito das gentes.
O presente artigo analisa o conceito de desenvolvimento sustentável dentro do âmbito jurídico internacional. Objetiva-se, para isso, a realização de um delineamento do conceito através da análise de estudos doutrinais e elementos que estão pulverizados nas decisões judiciais de cortes internacionais. Apesar de não se ter ainda como determinar com exatidão a natureza jurídica do conceito estudado, é notório ser este de grande importância no cenário internacional, não podendo ser elidido dos estudos do direito das gentes.
SUSTENTVEL NO MBITO INTERNACIONAL: DELINEAMENTO ATRAVS
DE CASOS Eduardo Motta de Moraes 1
RESUMO O presente artigo analisa o conceito de desenvolvimento sustentvel dentro do mbito jurdico internacional. Objetiva-se, para isso, a realizao de um delineamento do conceito atravs da anlise de estudos doutrinais e elementos que esto pulverizados nas decises judiciais de cortes internacionais. Apesar de no se ter ainda como determinar com exatido a natureza jurdica do conceito estudado, notrio ser este de grande importncia no cenrio internacional, no podendo ser elidido dos estudos do direito das gentes. PALAVRAS-CHAVE: Direito Internacional; desenvolvimento sustentvel; cortes internacionais.
ABSTRACT This paper analyzes the concept of sustainable development within the international legal framework. In order to do so, the teachings of publicists related to treaties involving the concept are used. Moreover, the case law of international courts in which sustainable development is employed is evaluated. Although the legal nature of the referred concept cannot yet be fully determined, its great significance within the international scene is flagrant, being thus a concept that cannot be disregarded. KEYWORDS: International Law; sustainable development; international courts.
INTRODUO Desenvolvimento sustentvel pode ser definido como um conceito que busca integrar desenvolvimento econmico e social com questes ambientais, de acordo com a Comisso Brundtland. Almeja, com isso, alcanar a equidade tanto entre os povos contemporneos quanto entres geraes atuais e futuras alm de traar planos para que haja o menor impacto ambiental possvel em decorrncias de aes humanas. Aceito, atualmente, pela grande maioria dos Estados, um conceito que guia as aes do mundo todo sempre que se envolvem questes ambientais. No se pode mais enxergar o mundo sem contemplar o desenvolvimento sustentvel. As aes estatais, hodiernamente, buscam o desenvolvimento, de maneira geral, mas j no olvidam, na maior parte das vezes,
1 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Ius Gentium - Grupo de Pesquisa em Direito Internacional UFSC/CNPq. as questes ambientais. inevitvel, nesse panorama, que o princpio do desenvolvimento sustentvel adentre o mundo jurdico. O conceito de desenvolvimento sustentvel apresenta-se em diversos tratados. Ao menos duas importantes cortes internacionais tambm se pronunciaram sobre o assunto, inclusive desenvolvendo o conceito. Resta saber at onde vai a natureza jurdica desse conceito, o que pode ser investigado atravs da anlise desses diversos dispositivos e jurisprudncias.
HISTRICO O conceito de desenvolvimento sustentvel antecede o uso do termo. Sem mencionar a expresso desenvolvimento sustentvel, a Declarao de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, em seu 13 Princpio, mencionava a necessidade de se aliar o desenvolvimento proteo do meio-ambiente. 2 Do mesmo modo, a Carta Mundial, nos pargrafos 7 e 8, asseverou a importncia de se observar a preservao da natureza ao planejar e implementar atividades de desenvolvimento econmico e social. 3
Em 1987, a Comisso Mundial para o Ambiente e o Desenvolvimento (WCED ou Comisso Brundtland), aps facilitar uma srie de audincias pblicas com o fim de evoluir o conceito de desenvolvimento sustentvel, publicou um documento chamado O Nosso Futuro Comum, tambm conhecido como Relatrio Brundtland. 4 Com esse documento, cunhou-se a mais bem conhecida definio de desenvolvimento sustentvel: desenvolvimento que satisfaz as necessidades das geraes atuais sem comprometer a habilidade das geraes futuras de satisfazer suas prprias necessidades. 5 Apesar de no adentrar no contedo do conceito e ser relativamente vaga, essa definio foi a primeira a reconhecer o direito de proteo de geraes futuras no contexto do princpio do desenvolvimento sustentvel. 6
Em 1992, na Conferncia do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, formulou-se uma Declarao de Princpios (Carta da Terra). O encontro, realizado por representantes de diversos Estados e organizaes no-governamentais, focou-se no desenvolvimento
2 FITZMAURICE, Malgosia A. International Protection of the Environment. Recueil des Cours The Hague Academy of International Law, v. 293, 2001, p. 48. 3 Ibid. 4 SANDS, Philippe. Principles of International Environmental Law. New York: Oxford University Press, 2003. p. 48 5 Brundtland report 6 Ibid. sustentvel, citando a expresso em pelo menos 12 dos 27 princpios elaborados na ocasio. Assim, lanou-se o desenvolvimento sustentvel ao meio legal. Os princpios trazidos pela Conferncia do Rio, apesar de no serem obrigatrios, so, sem dvida, jurdicos, pois trazem uma linguagem predominantemente prescritiva. 7 Alm disso, aps a Conferncia do Rio, o desenvolvimento sustentvel tornou-se o princpio definidor do direito ambiental internacional. 8
Apenas em 1997, porm, o terceiro pilar do desenvolvimento sustentvel veio tona. No apenas a proteo do meio-ambiente e o desenvolvimento econmico fazem parte desse conceito, afirmou a Assembleia Geral da ONU, mas tambm o desenvolvimento social, sendo cada um dos trs pilares uma dimenso interdependente do princpio. 9
O desenvolvimento sustentvel baseia-se, portanto, em iniciativas da ONU, primordialmente na Conferncia do Rio, na qual os princpios do desenvolvimento sustentvel se fundam. 10
CONCEITO O conceito mais aceito de desenvolvimento sustentvel aquele delineado pela Comisso Brundtland, que o define como desenvolvimento que satisfaz as necessidades das geraes atuais sem comprometer a habilidade das geraes futuras de satisfazer suas prprias necessidades. Essa definio pode ser separada em dois conceitos: o de necessidade, particularmente aquela dos pases subdesenvolvidos, e a ideia de limitao imposta pela tecnologia e organizao social atuais capacidade do meio-ambiente de saciar as necessidades presentes e futuras. 11
A ligao entre proteo do meio-ambiente e erradicao da pobreza d-se porque os pobres geralmente sofrem mais por causa da degradao ambiental, j que so quem
7 BARRAL, Virginie. Sustainable Development in International Law: Nature and Operation of an Evolutive Legal Norm. European Journal of International Law, 23 (2), 2012. p. 379 8 CRAIK, Neil. The International Law of Environmental Impact Assessment: Process, Substance and Integration. New York: Oxford University Press, 2008. p. 259 9 BARRAL, Virginie. Ibid. 10 KISS, Alexandre. Public Lectures on International Environmental Law. In: BRADBROOK, A. J; LYSTER, R; OTTINGER, R. L.; XI, W (Org). The Law of Energy for Sustainable Development. New York: Oxford University Press, 2005. p. 18 11 SANDS, Philippe. Ibid. p. 252 geralmente mora em regies degradadas. Alm disso, pases pobres tm menos condies de proteger suas populaes de intempries naturais, como enchentes. 12
A imprescindibilidade da proteo do meio-ambiente faz-se ainda mais clara quando se considera as necessidades das geraes futuras. Muitos dos recursos presentes na natureza so finitos, e devem ser protegidos para que possam ser utilizados no futuro. Deve-se, ento, sopesar as necessidades atuais e o dever de se preservar o meio-ambiente. 13
NATUREZA JURDICA DO CONCEITO Quatro so os elementos jurdicos do conceito de desenvolvimento sustentvel, segundo Sands: a necessidade de preservar recursos naturais para o benefcio das geraes futuras (princpio da igualdade intergeraes); o objetivo de explorar recursos naturais de maneira sustentvel, prudente, racional, inteligente ou apropriada (princpio do uso sustentvel); o uso igualitrio de recursos naturais, o que significa que um Estado deve respeitar as necessidades dos outros Estados (princpio do uso igualitrio ou igualdade intrageraes); e a necessidade de se integrar consideraes ambientais em planos econmicos e outros planos de desenvolvimento, programas e projetos, e vice-versa (princpio da integrao). 14
Esses elementos esto presentes na maioria dos inmeros tratados relacionados a desenvolvimento sustentvel firmados entre Estados. 15 Desses, ao menos 112 so multilaterais, dos quais 30 so de participao universal. 16 Ademais, ao fazer uso do princpio do desenvolvimento sustentvel, as citadas convenes no o fazem de maneira insignificante, j que o incluem em suas partes operativas, ou seja, que tm carter vinculante para as partes. 17 Isso demonstra um relativo consenso a respeito do carter jurdico do desenvolvimento sustentvel por parte da comunidade internacional. Tratados, contudo, no geram efeitos de maneira geral, mas apenas aos seus Estados- partes. Para que o princpio do desenvolvimento sustentvel gere efeitos jurdicos vinculantes a toda a comunidade internacional, necessrio que se observe que este faz parte do direito
12 HOLDER, Jane; LEE, Maria. Environmental Protection, Law and Policy, 2 ed. New York: Cambridge University Press, 2007. p. 239 13 SUNKIN, M.; ONG, D. M;. WIGHT, R. Sourcebook on Environmental Law, 2 ed. London: Cavendish, 2002. p. 48 14 SANDS, Philippe. Ibid. p. 253 15 Ibid. 16 BARRAL, Virginie. Ibid. p. 284 17 Ibid. consuetudinrio internacional. Para que uma norma consuetudinria exista, todavia, alguns elementos devem ser abarcados: prtica estatal, consistncia da prtica, generalidade da prtica, durao da prtica e opinio juris. 18 Todavia, a falta de uniformidade nas prticas estatais relacionadas a desenvolvimento sustentvel deixa dvidas quanto condio de normas desse tipo. A fim de descobrir se existem normas consuetudinrias relacionadas ao desenvolvimento sustentvel, alm de se buscar maiores elucidaes a respeito de outras facetas do carter normativo do conceito, deve-se analisar a jurisprudncia das cortes internacionais que j apreciaram o tema.
Jurisprudncia Ao menos trs importantes casos foram julgados por tribunais internacionais nos quais o conceito de desenvolvimento sustentvel foi utilizado em algum momento da argumentao pelos juzes. Dois deles, o caso Gabkovo-Nagymaros e o caso Papeleiras, foram julgados pela Corte Internacional de Justia (CIJ); o ltimo uma arbitragem do rgo de Recurso da Organizao Mundial do Comrcio (OMC).
Caso Gabkovo-Nagymaros A deciso do caso Projeto Gabkovo-Nagymaros foi dada pela CIJ no ano de 1997, quatro anos aps o incio do julgamento. Em 1977, Hungria e Tchecoslovquia (que durante o caso separou-se, sendo a Eslovquia sua sucessora no projeto) firmaram um tratado estabelecendo a construo de duas barragens no rio Danbio, na divisa entre os dois pases, com o sistema peak-power 19 . 20 A construo acabou levando mais tempo do que o inicialmente estimado e, em 1989, a Hungria, em decorrncia de a uma grande presso popular devido aos possveis danos ambientais, decidiu paralisar os trabalhos que estavam sendo realizados em uma grande poro do projeto. 21 Os dois pases buscaram uma soluo conjuntamente; porm, os hngaros acreditavam que a construo levaria a problemas
18 DIXON, Martin. Textbook on International Law, 6 ed. New York: Oxford University Press, 2007. p. 31-34.
19 O sistema peak-power funciona com o armazenamento de grandes volumes de gua, funcionando apenas ocasionalmente, ao contrrio do sistema run-of-the-river, que utiliza nenhuma, ou apenas uma pequena reserva de gua e funciona ininterruptamente. 20 Gabkovo-Nagymaros Project (Hungary v. Slovakia). I.C.J. Reports, 1997. p. 17-22 21 Ibid. p. 25 ambientais, enquanto a Tchecoslovquia afirmava que no. 22 Sem que se chegasse a um consenso, a Tchecoslovquia iniciou o que chamou de soluo provisria a construo de uma nica barragem em seu territrio baseando essa deciso no tratado firmado entre os dois Estados. 23 A resposta hngara foi tentar encerrar o contrato. 24 Neste momento, os dois pases concordaram em levar o caso CIJ. 25
A Corte, em seu julgamento, decidiu: que a Hungria no poderia ter, em 1989, suspendido ou encerrado (com a justificativa apresentada) os trabalhos no projeto; que a Tchecoslovquia no poderia ter, em 1992, iniciado a sua soluo provisria unilateral sem o consentimento da Hungria; que a Hungria no podia, em 1992, ter posto termo ao tratado de 1977. 26 A soluo ao impasse foi dada pela Corte, que sugeriu s partes que preservassem o status quo 27 apenas uma barragem, operada conjuntamente pelos dois pases, com o sistema run-of-the-river acabando por reescrever o tratado de 1977. 28 Ao justificar essas sugestes, a CIJ, mencionando a constante interferncia da humanidade na natureza, proferiu que inmeras novas normas surgiram no ordenamento jurdico internacional com o objetivo de proteger o meio-ambiente. 29 Tais normas devem ser levadas em considerao na execuo de atividades pelo Estados tanto novas quanto as que j estejam em andamento aplicando-se, assim, o conceito de desenvolvimento sustentvel. 30 As partes, por isso, deveriam explorar as possibilidades presentes e traar um pano de operao para a usina resultante do projeto com vistas preservao do meio-ambiente mais especificamente, uma soluo satisfatria para o volume de gua que seria despejado no rio. 31
O fato de a Corte Internacional de Justia ter lanado mo do conceito de desenvolvimento sustentvel prova de que ele tem uma funo jurdica. Alm disso, esse conceito tem, de acordo com a deciso, tanto um aspecto procedimental/temporal (obrigando as partes a se adaptarem s novas tendncias ambientais) quanto um aspecto material (obrigando produo de um resultado, a saber, o volume de gua a ser liberado). 32
22 Ibid. 23 Ibid. 24 Ibid. p. 25-26 25 Ibid. p. 26 26 Ibid. p. 82-84 27 Ibid. p. 76 28 SANDS, Philippe. International Courts and the Application of the Concept of Sustainable Development. Max Planck Yearbook of United Nations Law, v. 3. Leiden: Martinus Nijhoff, 1999. p. 392 29 Gabkovo-Nagymaros Project (Hungary v. Slovakia). Ibid. p. 78 30 Ibid. 31 Ibid. 32 SANDS, Philippe. Ibid. p. 393 Pode-se concluir, aps a anlise da sentena, que a CIJ dispe do conceito de desenvolvimento sustentvel para tomar uma deciso que no condiz com o que se espera do raciocnio adotado nos pargrafos anteriores (manuteno do status quo), j que para isso a manuteno do tratado de 1977 deveria ter sido feita literalmente. No se pode ignorar, por bvio, que a Hungria j havia concedido no ser necessria a construo da segunda barragem; porm, fica clara a utilizao do desenvolvimento sustentvel pela CIJ para embasar e reforar a deciso proferida, assim como suas consequncias. 33 Alm disso, a Corte Internacional de Justia faz do desenvolvimento sustentvel um dos critrios que podem ser utilizados na resoluo de conflitos entre normas. 34
Caso Shrimp-Turtle O caso Shrimp-Turtle foi levado ao rgo de Recurso da Organizao Mundial do Comrcio devido a uma proibio imposta pelos Estados Unidos da Amrica ndia, Malsia, Paquisto e Tailndia, relacionada importao de camares, pois estes estariam sendo capturados de maneira a pr em perigo as tartarugas marinhas. Em 1987, os Estados Unidos haviam obrigado todas as embarcaes americanas que estivessem capturando camares em reas com muitas tartarugas a utilizar um dispositivo que permitiria exercer a atividade sem prejudicar outras espcies. Dois anos depois, os Estados Unidos proibiram a importao de camares de pases que no estivessem utilizando esse dispositivo, alm de todos os seus parmetros de controle de mortalidade de tartarugas. 35 Um Painel da OMC considerou que os Estados Unidos estariam, com isso, aplicando suas leis de conservao fora de seu territrio. Os EUA responderam afirmando que as tartarugas marinhas em questo estariam reconhecidas pelo direito internacional como ameaadas de extino. 36
ndia, Malsia, Paquisto e Tailndia contestaram a legislao americana. 37 Um painel da OMC primeiramente concluiu que ela feriria determinados artigos do GATT 1994. 38 Os Estados Unidos, porm, rebateram com o artigo XX(g) do GATT 1994, que permite, como uma exceo s regras do GATT, medidas que busquem conservar recursos naturais extinguveis, se tais medidas funcionam em conjunto com restries de produo e consumo
33 SANDS, Philippe. Ibid. p. 394 34 BARRAL, Virginie. Ibid. p. 395 35 United States Import Prohibition of Certain Shrimp and Shrimp Products. Report of the Appellate Body. WT/DS58/AB/R. 1998 p. 2 36 SANDS, Philippe. Ibid. p. 397 37 United States Import Prohibition of Certain Shrimp and Shrimp Products. Ibid. p. 1 38 Ibid. p. 5 domsticos. 39 O rgo de Recurso, impugnando a argumentao do painel 40 , declarou fazendo uso, para isso, do conceito de desenvolvimento sustentvel 41 que a legislao dos Estados Unidos estava de acordo com o artigo XX(g). 42 Contudo, o rgo de Recurso proferiu ser a legislao americana contrrio ao caput do artigo XX, pois impunha uma discriminao injustificada 43 e arbitrria 44 s importaes de camaro dos pases requerentes. Ao julgar o argumento americano relativo ao artigo XX(g), o rgo de Recurso se viu confrontado a uma situao em que teria que decidir se as aes dos Estados Unidos realmente buscavam a conservao de recursos naturais extinguveis, alm de analisar o argumento da parte contrria de que o artigo refere-se apenas a recursos finitos como minerais, e no recursos biolgicos ou renovveis. 45 Foi a que se empregou o princpio do desenvolvimento sustentvel. O rgo de Recurso argumentou que o artigo XX(g) aplica-se conservao de recursos naturais, tanto vivos quanto no-vivos, englobando, assim, as tartarugas marinhas. Isso porque o artigo XX(g) deve ser lido, segundo a Corte, levando-se em considerao os interesses contemporneos da comunidade internacional de preservao do meio-ambiente. 46 O prembulo do Acordo da OMC de 1994 ainda cita explicitamente o objetivo do desenvolvimento sustentvel. 47 Assim, devido sua natureza evolutiva, o desenvolvimento sustentvel autoriza uma leitura evolutiva do supramencionado artigo. 48
Por fim, o rgo de Recurso traz o conceito de desenvolvimento sustentvel mais uma vez, no momento em que declara a legislao americana no condizente com o caput do artigo XX. 49 No se explica, todavia, a relao direta entre o conceito e a deciso, sendo esta a ltima referncia a desenvolvimento sustentvel da sentena. 50
Desta forma, a deciso do rgo de Recurso inegavelmente reconhece o desenvolvimento sustentvel como um conceito legal. No se adentra, contudo, na questo da situao jurdica das normas referentes a desenvolvimento sustentvel. Pode-se inferir um carter convencional de tais normas, j que a deciso se baseia na presena do conceito no
39 Ibid. p. 11 40 Ibid. p. 76 41 Ibid. p. 48 42 Ibid. p. 76 43 Ibid. p. 72 44 Ibid. p. 75 45 Ibid. p. 47 46 Ibid. p. 48 47 Agreement Establishing the World Trade Organization, 1994. p. 9 48 BARRAL, Virginie. Ibid. p. 395 49 United States Import Prohibition of Certain Shrimp and Shrimp Products. Ibid. p. 58-59 50 SANDS, Philippe. Ibid. p. 401 Acordo da OMC de 1994. No h nada que leve a crer, porm, que as supracitadas normas possam ter um carter consuetudinrio.
Caso Papeleiras Em 2006, a Argentina acionou a Corte Internacional de Justia contra o Uruguai, alegando que este estaria violando obrigaes do Estatuto do Rio Uruguai, assinado entre os dois Estados. A Argentina alegava que essa violao estaria ocorrendo devido autorizao, construo e futuro funcionamento de duas fbricas de celulose, referindo-se em particular aos efeitos de tais fbricas na qualidade das guas do Rio Uruguai e das reas afetadas pelo rio. 51
A Corte Internacional de Justia, em seu julgamento, no se estendeu muito ao falar sobre desenvolvimento sustentvel. Aps evocar o julgamento do caso Gabkovo- Nagymaros, 52 a CIJ afirmou ser o artigo 27 do Estatuto do Rio Uruguai consistente com o objetivo do desenvolvimento sustentvel. 53 Alm disso, a CIJ ainda expe que desenvolvimento sustentvel requer a cooperao das partes na proteo do meio ambiente. 54
O desenvolvimento sustentvel, ento, passa a ser visto como um objetivo. Tal objetivo, alm de incluir um dever de prevenir a destruio do meio-ambiente, vai alm e gera um dever de cooperao para que esses fins sejam alcanados. 55
CONSIDERAES FINAIS Um conceito que engloba, alm da proteo do meio-ambiente, o desenvolvimento econmico e tambm o desenvolvimento social, o desenvolvimento sustentvel desde a Declarao de Estocolmo faz-se presente no cenrio internacional, embora tenha evoludo com o passar dos anos. apenas com o Relatrio Brundtland, contudo, que passa a ser reconhecido e incorporado ao direito internacional. O carter normativo do desenvolvimento sustentvel pode ser visto ao se analisar o Relatrio Brundtland, que traz, em diversos de seus artigos, normas internacionais relativas ao conceito. Alm disso, diversos tratados trazem o desenvolvimento sustentvel em sua
51 Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v. Uruguay). I.C.J. Reports, 2010 p. 25 52 Ibid. p. 48-49 53 Ibid. p. 74 54 Ibid. p. 48-49 55 BARRAL, Virginie. Ibid. p. 392 redao, no apenas em seus prembulos, mas tambm em suas partes operativas. Uma dvida fica, porm, quando se questiona o carter consuetudinrio de normas relacionadas a desenvolvimento sustentvel. Devido falta de uniformidade das prticas estatais quanto a este tema, no se pode inferir tal status legal da. Recorre-se, vista disso, anlise da jurisprudncia de Cortes Internacionais, que podem, alm de resolver a questo, elucidar ainda mais outras facetas do carter jurdico do desenvolvimento sustentvel. No caso Gabkovo-Nagymaros, a Corte Internacional de Justia deixa claro o carter jurdico do conceito de desenvolvimento sustentvel ao utiliz-lo em uma anlise jurdica, em busca de uma concluso tambm jurdica. Alm disso, o desenvolvimento sustentvel deve, segundo a CIJ, ser utilizado na integrao de diferentes reas do direito internacional. O caso Shrimp-Turtle tambm reconhece o desenvolvimento sustentvel como um conceito legal. Assim como no caso Gabkovo-Nagymaros, o conceito aplicado de maneira a se reinterpretar tratados luz da viso contempornea do direito internacional. Por fim, o caso Papeleiras, alm de retomar o que j havia sido exposto no caso Gabkovo-Nagymaros, traz a viso do desenvolvimento sustentvel como um objetivo e como um conceito que gera um dever de cooperao entre os Estados. No se pode inferir dos casos qualquer sinal de que normas relacionadas a desenvolvimento sustentvel sejam consuetudinrias. Os juzes, em suas argumentaes, em momento algum abordam esse vis, restando a tais normas apenas um carter convencional. Tais normas, ento, so obrigatrias somente aos Estados signatrios de tratados que tragam o conceito em sua redao. Mesmo assim, o fato de dois grandes tribunais internacionais invocarem o conceito do desenvolvimento sustentvel para embasar decises que primeira vista no seriam tomadas um importante sinal de que no se pode ignorar esse princpio no meio jurdico internacional.
REFERNCIAS BARRAL, Virginie. Sustainable Development in International Law: Nature and Operation of an Evolutive Legal Norm. European Journal of International Law, 23 (2), 2012. p. 377-400. CRAIK, Neil. The International Law of Environmental Impact Assessment: Process, Substance and Integration. New York: Cambridge University Press, 2008. 356 p. DIXON, Martin. Textbook on International Law, 6 ed. New York: Oxford University Press, 2007. 408 p. FITZMAURICE, Malgosia A. International Protection of the Environment. Recueil des Cours The Hague Academy of International Law, v. 293, 2001, p. 9-488. HOLDER, Jane; LEE, Maria. Environmental Protection, Law and Policy, 2 ed. New York: Cambridge University Press, 2007. 820 p. INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Gabkovo-Nagymaros Project (Hungary v. Slovakia). I.C.J. Reports, 1997. Disponvel em: <http://www.icj- cij.org/docket/files/92/7375.pdf>. Acesso em: 7 de outubro de 2013. _______________. Pulp Mills on the River Uruguay (Argentina v. Uruguay). I.C.J. Reports, 2010. Disponvel em: <http://www.icj-cij.org/docket/files/135/15877.pdf>. Acesso em: 7 de outubro de 2013. KISS, Alexandre. Public Lectures on International Environmental Law. In: BRADBROOK, A. J; LYSTER, R; OTTINGER, R. L.; XI, W (Org). The Law of Energy for Sustainable Development. New York: Cambridge University Press, 2005. p. 6-33. SANDS, Philippe. International Courts and the Application of the Concept of Sustainable Development. Max Planck Yearbook of United Nations Law, v. 3. Leiden: Martinus Nijhoff, 1999. p. 389-405. _______________. Principles of International Environmental Law. New York: Cambridge University Press, 2003. 1246 p. SUNKIN, M.; ONG, D. M;. WIGHT, R. Sourcebook on Environmental Law, 2 ed. London: Cavendish, 2002. 901 p. WORLD TRADE ORGANIZATION. Agreement Establishing the World Trade Organization. 1994. Disponvel em: <http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/04- wto.pdf>. Acesso em: 7 de outubro de 2013. _______________. United States Import Prohibition of Certain Shrimp and Shrimp Products. Report of the Appellate Body. WT/DS58/AB/R. 1998. Disponvel em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/58abr.pdf>. Acesso em: 10 de outubro de 2013.