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Para além da Palavra

Luísa Lopes
Da compreensão do mundo

A maior ou menor compreensão do mundo depende do número de flores que


conseguimos ver debaixo de cada pedra que as esmaga.
O mundo, tal como está organizado, divide-se em três tipos de pessoas: as que
vêm as coisas tal como elas são, as que vêm as coisas tal como elas parecem ser
e as que vêm as coisas como gostariam que elas fossem. Às primeiras
chamaremos imediatistas ou seres perfeitamente terrenos, às segundas
desconfiados ou distraídos e às terceiras utópicos ou incompreendidos.

O mundo tem uma ordem e nela gira todo o sistema de vida e todo o livre
pensamento. Sobreviver implica conhecer e compreender todo o sistema
porque a compreensão do mundo pode existir desde que se considere que há
regras imutáveis, ou desde que se considere que o homem com todas as suas
diferenças pode afinal dividir-se neste grupo tripartido.
Para além da Palavra
Luísa Lopes

I- Das coisas tal como são


- 1- Sobre o casamento como lei social

A evolução e a estrutura das sociedades sempre fizeram do casamento um


acordo mais ou menos económico e castrador do amor. Casar por amor foi uma
utopia a que alguns sobreviveram com a ajuda das religiões. A religião cristã,
moralizadora de costumes apresenta o casamento como sacramento
indissolúvel. No entanto, o mundo está cheio de católicos divorciados e
penalizados por essa "lei" que os obriga a ver todas as vicissitudes
matrimoniais, que vão da infidelidade à embriaguez, do desrespeito à agressão,
como as provas necessárias que o cristão deve passar para ganhar o reino dos
céus.
Vendo as coisas tal como elas são, será inteligente compreender o mundo e o
ser humano, compreender a desordem aparente e evitar outras desordens.
Dado que todos os seres humanos se encontram numa das premissas acima
referidas, basta compreender quem está ao nosso lado e saber lidar com essa
situação. No fundo a relação amorosa é comparável aos dentes do ser humano.
À dentição de leite corresponde a fase de namoro, com todos os gritos e
choros Depois começa-se a ser adulto e a relação surge forte, brilhante,
imbatível. Mas à medida que os anos passam os dentes vão-se estragando. Cada
dente que apodrece é um desgosto na relação amorosa. Os mais cautelosos
arranjam-nos um a um e mantêm-nos até ao fim da vida, embora com dores e
sofrimentos. Outros aguentam a boca cheia de dentes podres e mantêm-se
indiferentemente na expectativa de chegarem ao ponto em que já nem podem
comer, tudo está podre, tudo dói, tudo perdeu a beleza de outrora. É a lei da
vida, nascer, crescer e morrer. Há seres humanos cuidadosos a quem os dentes
apodrecem porque lhes falta algo que pode ter origem médica ou natural, como
é o caso de uma gravidez. Diz-se então que apodreceram por uma justa causa.
Na relação amorosa pode acontecer o mesmo quando se percebe que o outro
está, pelo grupo a que pertence, perfeitamente sufocado e precisa de
liberdade aparente. O amor mantém-se mas ferido e gasto para que o outro
possa ser feliz. Isto só é possível com os altruístas que não conseguem ser
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simultaneamente cuidadosos e apesar dos perigos precaver-se das intempéries.

2. Sobre o amor, a posse e a infidelidade

De facto, se quisermos ser absolutamente realistas, o amor não existe. Há uma


infinidade de sentimentos que juntos se chamam amor. Há uns séculos atrás os
conceitos variavam e amor era muitas vezes sofrimento. Hoje em dia o amor
divide-se em várias fases e a forma como ele nasce e cresce depende de
outras tantas. A nova geração considera que à relação de duas pessoas se pode
chamar três coisas: curtir, andar com e namorar. São fases gradativas. Curtir
corresponde ao simples engate, que pode ir da marmelada ao acto sexual, com
uma pessoa que se encontra por acaso e com a qual não se estabelece nenhum
outro laço. Passado o interesse meramente animal as pessoas separam-se e não
mais se conhecem. Andar com alguém é um curtir mais prolongado, as pessoas
veêm-se e estão juntas quando calha, fazem entre elas o que entendem mas não
têm qualquer ligação obrigatória nem de fidelidade, nem sentimentos de posse.
Encontram-se enquanto isso lhes dá prazer e a companhia é agradável.
Namorar é já uma ligação séria, existe o sentimento de posse que gera a noção
de fidelidade. No entanto, e dado que o namoro pode existir sem relação
sexual, considera-se que se durante o namoro se curtir com alguém isso não
corresponde a infidelidade mas a uma necessidade fisiológica. Este estado de
coisas leva a considerar que o laço principal a estabelecer entre os seres
humanos é o da amizade. No entanto há quem veja na amizade a possibilidade
de uma relação sexual. Deixou-se pois de considerar a diferença entre o amigo,
aquele ser em quem, quando se toca não se sente desejo. Passou a encarar-se a
possibilidade de se sentir desejo mesmo pelos amigos. Assim sendo, pode
curtir-se com um amigo. Esta curtição implica que se continue a ter relações
com o ser com quem se curtiu. Ou seja. Há anos, séculos atrás, o acto sexual só
podia ser considerado por amor (dizia-se então que se fazia amor), ou por
necessidade fisiológica, recorrendo-se então às mulheres de vida fácil. A
liberalização de costumes confundiu tudo isto porque os homens, na maioria
dos casos continuam a considerar a mulher como uma coisa de que se de abusar
e usar e as mulheres, confundindo a libertação feminina com a promiscuidade
passaram a alimentar a vertente machista que deixou de precisar de gastar
dinheiro para se libertar dessa necessidade fisiológica. Algumas mulheres
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pensam mostrar a sua maturidade e libertação encarando o acto sexual como o
homem machista e passaram a coleccionar casos como antigamente só os
homens faziam.
Vendo as coisas tal como são parece-me apenas que deixou de se dar
importância ao que de facto se sente, ao que se quer da vida, o corpo foi
socializado e entregue como património comum. As pessoas servem-se do seu
corpo e do corpo dos outros como se se tratasse de um objecto e a relação
física deixou de ter uma componente espiritual. A co-habitação com todos
estes conceitos gera uma tremenda confusão porque se desconhecem os
códigos de conduta e pode-se ser fiel a quem não dá importância à fidelidade e
infiel a quem a preza. O sentimento de posse deixou de estar indissoluvelmente
ligado ao amor. Faz agora parte dos bens materiais que as pessoas possuem.
Para além dum carro, duma caso, tem-se não sei quantas mulheres ou não sei
quantos homens.
Para os seres imediatistas e absolutamente terrenos o amor não tem sentido
nem sequer a fidelidade. No entanto, a sociedade continua a falar na fidelidade
da mulher como uma necessidade e esquece em absoluto a infidelidade do
homem. O homem pode ter filhos espalhados pelo mundo, sem sequer saber que
eles existem, a mãe - solteira é malvista pela sociedade. De facto, vendo as
coisas tal como são, continua a achar-se natural que o homem engate uma
mulher, mas o contrário não se verifica. Os imediatistas justificam esta
atitude contando uma história: Se à beira da estrada uma mulher estiver a
pedir boleia e passar um homem de carro, é natural que se oriente com ela, a
mulher ao entrar no carro está disposta a correr o risco. Se se verificar a
situação inversa pode não acontecer nada, porque a mulher que dá boleia não se
atira ao homem que tem dentro do carro. Estes seres justificam esta atitude
como uma diferença de base entre as espécies. Segundo eles, uma mulher
quando dá o corpo dá também o coração, o contrário não se verifica. É evidente
que esta noção é falsa visto que muitas mulheres têm o mesmo comportamento
que a maioria dos homens. Senão, como poderiam os homens ter tantas
mulheres?
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Luísa Lopes

II- Das coisas tal como elas parecem ser

1- Sobre o casamento como lei social

Apesar das leis evolutivas que levam a tecer considerações sobre o casamento,
as coisas nem sempre são o que parecem, ou seja, às vezes parecem ser coisas
que o não são. A visão exterior ou a imagem dada ao mundo por um casal, pode
ser, e é-o em muitos casos, absolutamente falsa. Tudo depende da
compreensão que se tem do mundo e do alcance a que o nosso conhecimento do
ser humano nos transporta. A visão do mundo, neste aspecto preciso, vai colidir
infalivelmente com o conceito de felicidade que cada par amoroso construiu e
no que cada um espera do outro. Os outros não têm acesso a esses códigos e
continuam, apesar das leis sociais, a ver neles apenas um par amoroso. Todos
nós sabemos que o que leva o ser humano a cumprir o acto oficial de casamento
tem razões diferentes e todos nós continuamos a julgar o par constituído como
um par amoroso. Aí se estabelece o primeiro engano. Esta segunda premissa,
como acima afirmámos, gera seres desconfiados ou distraídos. Muitos destes
pares amorosos se constituíram por distracção, outros por desconfiança. A
desconfiança é múltipla. Fazem-se casamentos para "segurar" o outro, porque
assim se julga ser a ordem do mundo, noutros casos porque se desconfia da
ordem do mundo e teme-se ser foragido fugindo ao casamento. A distracção
leva ao cumprimento de normas sociais a que afinal não se desejava obedecer,
ou a cumprir normas porque distraidamente se pensou ser essa a ordem do
mundo. Depois de concretizada a relação pelas vias oficializadas muitos se
arrependem e mantêm em aparência relações que parecem ser e não são. É
como não ter já dentes ou estarem podres e arranjá-los com placas
esqueléticas, inamovíveis, para que pareçam naturais os dentes que o não são,
ou forrá-los com capas de esmalte para esconder a podridão. Os distraídos
nada notarão, os desconfiados olham e vêem aquilo que parece ser e não é. É
uma forma de compreensão do mundo perceber e não o denunciar, é dar
hipótese a esses seres de viverem a vida a partir das coisas tal como parecem
ser e não são.
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Luísa Lopes

2- Sobre o amor, a posse e a fidelidade

Os seres desconfiados passam toda a vida a dizer que não acreditam no amor.
Depois pode acontecer-lhes uma de duas coisas. Descobrem que estão
apaixonados e negam-no sistematicamente ou não o assumem, ou então rendem-
se à evidência e tornam-se possessivos, obstinados e exigem fidelidade
absoluta para ambas as partes. É evidente que haverá sempre o caso da
aceitação pacífica da infidelidade masculina. Passada a infidelidade dirão
sempre que serviu para cimentar o amor. A mulher sentir-se-á embevecida e
perdoará. Os seres que negam sistematicamente que estão apaixonados são
seres traumatizados que consideram, por deficiências de educação ou por
imagem social, que amar é uma fraqueza, que se perde algo da sua
masculinidade quando se ama e é preciso testar permanentemente se ainda se
consegue seduzir outra mulher. É assim possível um homem amar uma mulher e
ser infiel. Esta é a categoria de homens que tem na cabeça princípios como o
ser ridículo andar de mão dada com a mulher com quem se vive há vinte anos, ou
ainda passearem ao fim desse tempo ao luar. O contrário não se verifica. As
maiorias das mulheres, sentindo-se amadas, são fiéis até à morte. De facto, é
uma questão de superioridade e dignidade que a maioria dos homens não possui.
Para uma mulher nunca é ridículo dizer que ama o homem com quem vive há
vinte anos.
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Luísa Lopes

III
Das coisas como gostaríamos que elas fossem

1-Sobre o casamento como lei social

Há momentos em que na ordem do mundo não vale a pena de facto ver as coisas
tal como são. Isso causa imensos aborrecimentos e podemos perfeitamente
viver a pensar apenas em como gostaríamos que fossem. Quem parte desta
premissa nunca se enraivece porque a ordem do mundo passa a ser a
irrealidade, o outro não é já como é mas como gostaríamos que fosse, à volta
dele construímos histórias que criem outro ser idealizado. Se nos caírem todos
os dentes e a relação social instituída acabar, colocamos uma placa, cheia de
dentes postiços. Todos nós gostaríamos de ter a vida inteira os nossos próprios
dentes, mas podemos sempre substitui-los e viver na agradável utopia de que
não são nossos mas é como se fossem. Se o outro que connosco coabita não é
aquilo que desejamos, não é o ser puro e natural que para nós nasceu, viveremos
a pensar que não é mas que sabemos exactamente como gostaríamos que fosse.
Viveremos então numa imensa utopia e pensaremos sempre que a ordem do
mundo é tão incompreensível quanto a atitude de viver vendo as coisas como
gostaríamos que fossem. Mas esta utopia gera o sonho e a força produtiva
necessária para que possamos à ordem do mundo sobrepor outras ordens que
gerem a poesia, a arte, a vida. Os utópicos ou incompreendidos geram o seu
próprio sistema. Ao ver uma flor esmagada por uma pedra dirão como é bela
essa flor que não vêem mas sentem e imaginam.

2. Sobre o amor, a posse e a fidelidade


O ideal de vida para quem compreende o mundo é descobrir o amor e ser
correspondido. Esta situação gera a posse absoluta do outro, encarando-se a
posse apenas como uma constatação e não como um bem. Os seres pertencem
um ao outro apenas porque um sentimento os une e como tal são fiéis sem
precisarem de fugir às tentações. Havendo tentações preferem não estragar o
grande edifício construído. De facto, pensando as coisas como gostaríamos que
fossem, as pessoas unir-se-iam depois de compreenderem o mundo e depois de
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se aperceberem das diferenças evidentes entre os seres humanos. A galinha do
vizinho pode ser sempre mais gorda do que a minha se eu passar a vida a olhar
comparando com o que tenho em casa. Aí poderá sempre haver melhor e mais
perfeito. É como quando se vive para curtir, há sempre quem dê mais e melhor,
só que não se estabelecem outros laços como o amor, a amizade, a
solidariedade, a paixão e a comunhão. Está provado que o acto sexual com o
mesmo ser não cansa, ao contrário dos princípios machistas. De facto pode
aperfeiçoar-se cada vez mais e ser cada vez melhor, à medida que se conhece a
fundo o corpo do outro.
Na maioria das situações, porém, o amor entre as pessoas nem é reciproco, nem
tem intensidades iguais, porque cada um vê o mundo de modo diverso. Há uma
corrente filosófica que admite que o amor também pode ser sofrimento, que
pode haver uma total doação amorosa a ponto de se desculparem os serros dos
outros. Essa corrente admite que a mulher deve sofrer pelo marido mas nunca
o inverso. Se o homem quer ser infiel ela deve perdoar-lhe porque o ama, o
contrário não se verifica, causaria a risota geral e social, dir-se-ia desse
homem que nem é homem nem é nada. Mas de facto a mulher tem mais
tendência para olhar para o homem infiel com compaixão e benevolência, desde
que este respeite os compromissos sociais que vão desde acompanhá-la à missa
ou ao supermercado até ter que dormir em casa todos os dias. De resto não
interessa o que possa fazer. Elas gostariam que fosse doutro modo, mas se não
é aguenta-se enquanto se pode. Difícil é quando a mulher percebe que tem em
casa não o que gostaria de ter mas o que tem e percebe de repente que a sua
vida é de uma imensa insegurança. As mais católicas e mais frágeis viverão com
o desgosto até ao fim da vida, verão eternamente novelas em que as mulheres
conseguem sempre o que querem. Outras, mais afoitas, tornam-se vingativas e
arranjam amantes sem o marido saber ou divorciam-se e levam-lhes tudo o que
de material é possível. Passam a ter não o que gostariam de ter (amor,
felicidade, segurança), mas o que é possível ter (situação económica invejável
para poder fazer sauna, massagens e comprar toilettes que as tornem
invejáveis).

1998, Figueira da Foz, publicado no Jornal O FIGUEIRENSE

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