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Luísa Lopes
Da compreensão do mundo
O mundo tem uma ordem e nela gira todo o sistema de vida e todo o livre
pensamento. Sobreviver implica conhecer e compreender todo o sistema
porque a compreensão do mundo pode existir desde que se considere que há
regras imutáveis, ou desde que se considere que o homem com todas as suas
diferenças pode afinal dividir-se neste grupo tripartido.
Para além da Palavra
Luísa Lopes
Apesar das leis evolutivas que levam a tecer considerações sobre o casamento,
as coisas nem sempre são o que parecem, ou seja, às vezes parecem ser coisas
que o não são. A visão exterior ou a imagem dada ao mundo por um casal, pode
ser, e é-o em muitos casos, absolutamente falsa. Tudo depende da
compreensão que se tem do mundo e do alcance a que o nosso conhecimento do
ser humano nos transporta. A visão do mundo, neste aspecto preciso, vai colidir
infalivelmente com o conceito de felicidade que cada par amoroso construiu e
no que cada um espera do outro. Os outros não têm acesso a esses códigos e
continuam, apesar das leis sociais, a ver neles apenas um par amoroso. Todos
nós sabemos que o que leva o ser humano a cumprir o acto oficial de casamento
tem razões diferentes e todos nós continuamos a julgar o par constituído como
um par amoroso. Aí se estabelece o primeiro engano. Esta segunda premissa,
como acima afirmámos, gera seres desconfiados ou distraídos. Muitos destes
pares amorosos se constituíram por distracção, outros por desconfiança. A
desconfiança é múltipla. Fazem-se casamentos para "segurar" o outro, porque
assim se julga ser a ordem do mundo, noutros casos porque se desconfia da
ordem do mundo e teme-se ser foragido fugindo ao casamento. A distracção
leva ao cumprimento de normas sociais a que afinal não se desejava obedecer,
ou a cumprir normas porque distraidamente se pensou ser essa a ordem do
mundo. Depois de concretizada a relação pelas vias oficializadas muitos se
arrependem e mantêm em aparência relações que parecem ser e não são. É
como não ter já dentes ou estarem podres e arranjá-los com placas
esqueléticas, inamovíveis, para que pareçam naturais os dentes que o não são,
ou forrá-los com capas de esmalte para esconder a podridão. Os distraídos
nada notarão, os desconfiados olham e vêem aquilo que parece ser e não é. É
uma forma de compreensão do mundo perceber e não o denunciar, é dar
hipótese a esses seres de viverem a vida a partir das coisas tal como parecem
ser e não são.
Para além da Palavra
Luísa Lopes
Os seres desconfiados passam toda a vida a dizer que não acreditam no amor.
Depois pode acontecer-lhes uma de duas coisas. Descobrem que estão
apaixonados e negam-no sistematicamente ou não o assumem, ou então rendem-
se à evidência e tornam-se possessivos, obstinados e exigem fidelidade
absoluta para ambas as partes. É evidente que haverá sempre o caso da
aceitação pacífica da infidelidade masculina. Passada a infidelidade dirão
sempre que serviu para cimentar o amor. A mulher sentir-se-á embevecida e
perdoará. Os seres que negam sistematicamente que estão apaixonados são
seres traumatizados que consideram, por deficiências de educação ou por
imagem social, que amar é uma fraqueza, que se perde algo da sua
masculinidade quando se ama e é preciso testar permanentemente se ainda se
consegue seduzir outra mulher. É assim possível um homem amar uma mulher e
ser infiel. Esta é a categoria de homens que tem na cabeça princípios como o
ser ridículo andar de mão dada com a mulher com quem se vive há vinte anos, ou
ainda passearem ao fim desse tempo ao luar. O contrário não se verifica. As
maiorias das mulheres, sentindo-se amadas, são fiéis até à morte. De facto, é
uma questão de superioridade e dignidade que a maioria dos homens não possui.
Para uma mulher nunca é ridículo dizer que ama o homem com quem vive há
vinte anos.
Para além da Palavra
Luísa Lopes
III
Das coisas como gostaríamos que elas fossem
Há momentos em que na ordem do mundo não vale a pena de facto ver as coisas
tal como são. Isso causa imensos aborrecimentos e podemos perfeitamente
viver a pensar apenas em como gostaríamos que fossem. Quem parte desta
premissa nunca se enraivece porque a ordem do mundo passa a ser a
irrealidade, o outro não é já como é mas como gostaríamos que fosse, à volta
dele construímos histórias que criem outro ser idealizado. Se nos caírem todos
os dentes e a relação social instituída acabar, colocamos uma placa, cheia de
dentes postiços. Todos nós gostaríamos de ter a vida inteira os nossos próprios
dentes, mas podemos sempre substitui-los e viver na agradável utopia de que
não são nossos mas é como se fossem. Se o outro que connosco coabita não é
aquilo que desejamos, não é o ser puro e natural que para nós nasceu, viveremos
a pensar que não é mas que sabemos exactamente como gostaríamos que fosse.
Viveremos então numa imensa utopia e pensaremos sempre que a ordem do
mundo é tão incompreensível quanto a atitude de viver vendo as coisas como
gostaríamos que fossem. Mas esta utopia gera o sonho e a força produtiva
necessária para que possamos à ordem do mundo sobrepor outras ordens que
gerem a poesia, a arte, a vida. Os utópicos ou incompreendidos geram o seu
próprio sistema. Ao ver uma flor esmagada por uma pedra dirão como é bela
essa flor que não vêem mas sentem e imaginam.