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Este documento resume o livro "A Lenda dos Anjos" de Michel Serres. O livro explora a história do conceito de anjos na cultura ocidental e propõe que a era atual é definida pela comunicação, como os anjos representam a comunicação. O livro usa diálogos e ilustrações para conectar ciência, técnica e sensibilidade religiosa.
Este documento resume o livro "A Lenda dos Anjos" de Michel Serres. O livro explora a história do conceito de anjos na cultura ocidental e propõe que a era atual é definida pela comunicação, como os anjos representam a comunicação. O livro usa diálogos e ilustrações para conectar ciência, técnica e sensibilidade religiosa.
Este documento resume o livro "A Lenda dos Anjos" de Michel Serres. O livro explora a história do conceito de anjos na cultura ocidental e propõe que a era atual é definida pela comunicação, como os anjos representam a comunicação. O livro usa diálogos e ilustrações para conectar ciência, técnica e sensibilidade religiosa.
Quando o chamado leitor srio se depara numa livraria com uma vistosa publicao sobre os anjos, de se esperar algum tipo de sarcasmo, j que muito forte a tendncia a confundi-la com mais um lanamento da angelologia de auto-ajuda que prolifera no mercado editorial. O tema dos anjos, para este leitor, est marcado pela frivolidade e no merece ateno. Entretanto, para aqueles que j conhecem Michel Serres, o seu nome encabeando a obra j suficiente para destac-la do fundo indiferenciado da moda. Moda, alis, que o filsofo no reconhece, j que, para ele, a cultura ocidental jamais deixou de se interessar pelos anjos e com eles convive h sculos. O que nos oferece, entretanto, no exatamente uma angelologia, a no ser que considerssemos toda sua extensa obra de filsofo e historiador das cincias como uma grande angelologia; possibilidade que o prprio autor no descarta. De fato, Michel Serres admite que A Lenda dos Anjos, genericamente classificado como um ensaio sobre a comunicao, consiste numa espcie de sntese de suas realizaes filosficas. Portanto, uma obra-chave para o conhecimento do pensamento e do universo de interesses desse formidvel intelectual de nosso tempo, que no apenas vem contribuindo para uma reflexo filosfica da problemtica moderna da comunicao, mas que, principalmente, vem colocando o conceito de comunicao no centro da reflexo filosfica. A edio brasileira segue risca a edio original francesa, uma vez que, neste caso, o tratamento grfico-editorial no um elemento acessrio do livro, mas soma-se ao texto compondo o todo do trabalho oferecido pelo filsofo. O que temos, assim, uma meditao dialogada sobre as redes do mundo acompanhada de um lbum magnifica e significativamente ilustrado (onde se misturam histria da arte e fotos do real: circuitos eletrnicos, traados cartogrficos, fenmenos da natureza e a misria do mundo). As imagens, os textos que acompanham as imagens e o texto-me sob a forma de um dilogo interconectam-se segundo linhas de associao sutis que tecem um outro nvel de significao que , sem dvida, aquele que melhor acolhe as intuies filosficas do autor. sobretudo neste nvel de constituio dos sentidos - que se d nos mltiplos interfaceamentos das diferentes formas pelas quais o pensamento se faz representar - que podemos apreender plenamente o que h de mais singular e original em suas idias. Pode-se dizer que o livro sugere a estrutura de um hipertexto LIVROS 198 Interface Comunic, Sade, Educ 1 (como diria seu amigo e colaborador, o antroplogo da informtica, Pierre Lvy, a quem, entre outros, Michel Serres dedica o livro). E, de fato, estamos diante de uma filosofia toda feita conexes, associaes, ligaes, aproximaes, passagens... Mesmo nos meios intelectuais franceses, a projeo deste autor de 67 anos, que j publicava prolificamente h pelo menos duas dcadas, relativamente recente, justificando- se, portanto, apresent-lo brevemente para o leitor brasileiro. A Lenda dos Anjos, como j foi assinalado, possui esta virtude de introduo geral ao pensamento e obra do filsofo. Nas ltimas pginas da cuidada edio, Michel Serres apresenta uma relao de suas obras j publicadas, organizando-as sob trs rubricas: Equilbrio e fundaes, Energia e transformaes e Mensageiros, mensagens e mensageirias. Numa entrevista imprensa literria francesa, o autor relata que foi durante a confeco do captulo Mensageirias que percebeu que toda sua obra estava de alguma forma ligada a uma destas trs etapas da histria do trabalho, segundo suas prprias formulaes tericas: a era dos carregadores, filha da revoluo agrcola e representada nos mitos de Atlas e Hrcules; a era dos transformadores, filha da revoluo industrial e representada nos mitos de Vulcano e Prometeu; e, filha da revoluo informacional (e de uma revoluo pedaggica, segundo Serres, em grande
parte por se realizar), a era dos mensageiros, anunciada pelas antiqssimas lendas dos anjos que povoam as grandes religies monotestas (judasmo, cristianismo, islamismo). Uma dentre vrias conseqncias deste ponto de vista sobre a histria dos modos de transformao humana do mundo encontrada nesse mesmo captulo: Michel Serres argumenta que a crise de nosso tempo se deve fundamentalmente ao prolongamento do esquema prometico do trabalho, que teve seu apogeu no sculo XIX, quando j deveramos ter passado para o esquema das mensageirias. Ns j s trabalhamos para reparar os estragos do trabalho... Ns j transformamos e exploramos bastante o mundo, chegado o tempo de compreend-lo. Para o pensador, o remdio para o desemprego, p.ex. - problema gerado pelo efeito das novas tecnologias sobre o antigo trabalho - deve ser procurado, de preferncia, no terreno das mensageirias... Mas este apenas mais um ponto luminoso na constelao de idias descortinadas ao longo da obra. H outro, entretanto, que merece destaque, por revelar um dos traos mais significativos das intervenes filosficas deste autor: em toda sua obra, Michel Serres no cessou de tranar os liames, lanar pontes e passarelas entre as artes e as cincias, entre as ditas cincias exatas e as ditas humanas, entre natureza e cultura, entre religio e LIVROS agosto, 1997 199 razo. Sua mxima: pas dunivers sans mlange. A Lenda dos Anjos no faz outra coisa: um livro sobre a cincia, sobre a inteligncia, sobre a tcnica, em que a sensibilidade religiosa, amorosa e pattica est totalmente presente. Nas suas palavras, comentando o livro: Eu quis aproximar o corao e a razo. O anjo possui ao mesmo tempo um olhar acerado de inteligncia e um olhar piedoso. No livro, escreve: o anjo permite ao mesmo tempo compreender, por finas tcnicas, o funcionamento das coisas, dos homens ou dos utenslios e de expor a moral, coisa rara. O anjo (do grego angelos, mensageiro) faz a mediao entre estes dois universos por meio do dilogo de Pia e Pantope, que se d num dos grandes ns das redes mundiais que o aeroporto Charles de Gaulle em Paris. Pia mdica do aeroporto, imvel e atenta ao movimento; Pantope inspetor de uma companhia area e gira em torno do mundo. por meio do dilogo destas duas sensibilidades que chegamos viso do planeta como uma imensa mensageiria. Trata-se do dilogo como forma privilegiadamente filosfica (o autor se confessa, dentro do gnero, um admirador irrestrito de Diderot). Mas o dilogo de Pia e Pantope tambm o dilogo de um homem e uma mulher e, no caso, trata-se de um dilogo amoroso. Michel Serres no dissimula nem um pouco essa dimenso e nem perde a oportunidade, ao comentar este aspecto do livro, de revelar mais um ngulo das suas concepes sobre a comunicao: Eu fiz dialogar um homem e uma mulher porque meu livro tambm um livro sobre o amor, o que jamais ousara abordar. Mas quando se escreve sobre a comunicao, preciso ter a coragem de ir at o fim: a verdadeira comunicao entre os homens o amor. Nesta era que se autonomeia comunicacional e depois pratica as mais constrangedoras redues do conceito, mergulhar no universo angelical oferecido pela obra de Michel Serres pode significar uma experincia nica de desopresso intelectual e libertao criativa. E esta parece ser, mais do que nunca, fundamental para a compreenso e o enfrentamento otimista de alguns dos nossos principais desafios contemporneos, o que certamente passa por se alcanar uma conceitualizao mais ampla (at mesmo ecolgica e cosmopoltica, mas, sobretudo, eticamente comprometida) do que seja comunicao.
Ricardo Rodrigues Teixeira Departamento de Medicina Preventiva Faculdade de Medicina, USP
LIVROS
Trs anjos alados, MESTRE DO LIVRO DE CASA, 1460/1490, Museu de Arte de Basilia, Sua. 200 Interface Comunic, Sade, Educ 1
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