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1. Introdução
Nos primeiros anos deste século devem ter saído de Portugal, temporária ou
permanentemente, 80 a 100 mil emigrantes por ano e devem de ter entrado 20 a 40 mil
imigrantes por ano, sendo que a média de entradas legais se cifrou em 12 mil por ano. Ou
seja, o que melhor caracteriza os actuais processos migratórios em Portugal é a existência em
simultâneo de fluxos de entrada e de saída de migrantes com perfis económicos semelhantes,
que se vão incorporar economicamente em Portugal ou nos diversos países de destino
essencialmente nos mesmos segmentos do mercado de trabalho. Ora, como é sabido, a
ocorrência simultânea de fluxos migratórios de saída e de entrada similares na sua
composição, e inserção económica, de e para um mesmo país é uma anomalia teórica. São as
principais determinantes que estão na base desta anomalia que me proponho tratar
seguidamente, para na segunda, e última parte, sumariar alguns dos seus impactos quer para a
sociedade portuguesa quer para as populações migrantes neles envolvidas.
A investigação realizada em Portugal sobre imigração revela que o tipo de fluxos migratórios
que se têm vindo a registar, desde meados dos anos oitenta, é marcadamente bipolar e que a
população imigrante tende a concentrar-se numa área geográfica específica, a Área
Metropolitana de Lisboa (AML), que nas últimas décadas registou uma marcada
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desindustrialização em simultâneo com um acentuado crescimento do terciário (Baganha,
1996, 1998b).
Contudo, quando estas características são desagregadas por nacionalidades, torna-se claro que
a população estrangeira em Portugal é composta por dois segmentos bem diferenciados, de
facto bipolares. O primeiro segmento é essencialmente composto por nacionais de países
europeus e do Brasil que evidenciam um padrão residencial muito mais disperso
relativamente à AML; elevada percentagem de trabalhadores por conta própria relativamente
à estrutura da própria população portuguesa face à situação na profissão, e uma estrutura
ocupacional em que o peso das profissões científicas e técnicas e de directores e quadros
superiores administrativos coloca decididamente este segmento de população estrangeira no
topo da estrutura sócio-profissional portuguesa. O segundo segmento da população
estrangeira é constituído fundamentalmente por nacionais dos PALOP e por um subconjunto
em crescimento, de nacionais vindos de países diversos como a Ucrânia, Moldávia, Rússia,
Zaire, Senegal, Nigéria e Paquistão. Este segmento determina, pelo seu peso numérico, as
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características referidas para o total da população estrangeira que, evidentemente, se
extremam quando o grupo é considerado isoladamente. Grupo que se situa claramente na base
da estrutura sócio-profissional portuguesa1 e que é prevalentemente incorporado no mercado
de trabalho informal. De facto, no ano de 1997 um inquérito à população imigrante activa
revelou que 47% dos homens e 21% das mulheres trabalhavam sem qualquer tipo de contrato.
Acresce que a maioria dos homens entrevistados eram provenientes dos PALOP e
trabalhavam na construção civil, 74% dos quais sem qualquer vínculo laborar (Baganha,
Ferrão e Malheiros, 1998).
A bipolaridade dos fluxos migratórios para Portugal não representa por si mesma nenhuma
singularidade específica do caso português. De facto, dispomos hoje de um conjunto
significativo de trabalhos sobre cidades como Nova Iorque, Tóquio, Londres, Singapura e
Hong-Kong (Sassen, 1991, 1994, 1996, Findlay et al., 1994 and 1996, Li et al., 1998) que
consistentemente têm demonstrado que as migrações para estas cidades são marcadas por
correntes migratórias bipolares. A primeira corrente é composta por mão de obra altamente
qualificada, ligada à gestão, às novas tecnologias e ao saber, atraída para estes nódulos
centrais do sistema económico por razões de estratégia económica e de investigação científica
e tecnológica. A segunda corrente é formada por mão de obra que independentemente da sua
qualificação é atraída para estas cidades pelas oportunidades económicas geradas
parcialmente pela primeira corrente, para actividades que essencialmente não requerem
qualquer tipo de qualificação específica, tais como ‘catering’, limpezas, serviços pessoais e
domésticos, e toda uma panóplia de pequenos negócios nomeadamente restaurantes étnicos,
reparações domésticas e actividades ligadas ao lazer. Ou seja, assiste-se a um recrudescimento
de actividades, ditas tradicionais, que apresentam como especificidade estarem a ser geradas
pelos sectores mais modernos da economia e no mesmo espaço urbano.
Os impactos dos processos de globalização na gestação de fluxos bipolares não têm sido
apenas documentados nas chamadas cidades globais como Nova Iorque ou Hong-Kong, mas
também num número crescente de cidades europeias tais como Amsterdão, Paris, Barcelona,
Milão e, como vimos anteriormente, Lisboa. Este último conjunto de cidades da UE,
evidencia características similares, ainda que mais mitigadas, às documentadas para as
cidades globais quer em termos do tipo de fluxos migratórios, quer do modo de inserção
1 É ainda possível documentar um terceiro segmento cuja expressão numérica é ainda muito
pequena mas que está associado a nacionalidades específicas e a formas de inserção económicas
particulares. Este segmento distingue-se dos anteriores essencialmente pela sua inserção económica
no sector do comércio e da restauração e aparece no primeiro caso ligado a nacionais de
Moçambique, Índia e Paquistão e, no segundo, a nacionais da China.
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económica dos imigrantes, pelo que para as distinguir das primeiras, seguindo a sugestão de
Body-Gendrot, as denominarei de “soft-global cities” (Body-Gendrot, 1996).
Dentro desta linha de reflexão tenderia a explicar a actual imigração para Portugal da seguinte
forma: o fim do Império Colonial, a entrada de Portugal na CEE/UE e a reestruturação
subsequente da economia colocaram Portugal numa estrutura internacional que permite ao
país assumir um novo papel na Europa, tanto em relação aos seus parceiros europeus como
aos chamados países terceiros. Este reposicionamento permitiu a Lisboa (para onde
convergem a maior parte dos benefícios decorrentes desta nova posição) tornar-se um pólo de
atracção migratória, uma "soft-global city".
Esta hipótese explicativa levanta contudo um problema. De facto, se nos permite percepcionar
de uma forma elegante os movimentos de entrada em Portugal, ela é totalmente omissa no que
toca os movimentos de saída do país que, como afirmei anteriormente, são numericamente
significativos desde meados dos anos oitenta e o que é mais relevante são similares, quer em
termos de perfis económicos dos migrantes, quer em termos de inserção laboral nos países de
destino, aos verificados para Portugal.
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(UE/Portugal; Portugal/PALOP); pelas estratégias adoptadas pelos agentes (por exemplo, as
opções de mercado das firmas portuguesas no sector da construção civil) e pelos actores
envolvidos, que estão ligados por redes formais e informais de natureza local e transnacional.
Ou como afirmou um imigrante cabo-verdiano ilegal: "Quase se pode dizer que as pessoas,
em geral, imigraram com o sonho de Portugal como um destino inicial. Portugal como o
ponto de entrada para países melhores" (citação de entrevista in Baganha, 1998b).
Nesta nova perspectiva mais do que percepcionar Portugal como desempenhando uma
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posição intermediária do sistema global e Lisboa como uma “soft-global city” Portugal deverá
ser percepcionado como uma placa giratória que distribui (importa e exporta) mão de obra
consoante a estrutura institucional em que opera, e a Área Metropolitana de Lisboa como o
centro dessa placa. Esta metáfora é mais adequada porque permite explicar conceptualmente a
simultaneidade dos fluxos migratórios de entrada e de saída que como referi caracterizam as
actuais correntes migratórios em Portugal.
Como exemplo desta nova realidade emigratória, que tanto quanto a literatura da
especialidade permite avaliar parece ser uma singularidade portuguesa, caracterizemos
sucintamente a população portuguesa em três países europeus em 1996, realçando dois
aspectos: a sua relevância numérica e a inserção económica dos emigrantes portugueses nos
mercados de trabalho desses países.
No mesmo ano, residiam na Suíça 137.081 imigrantes portugueses com títulos anuais ou
permanentes de residência dos quais 79.347 eram economicamente activos. Destes, 19%
trabalhava na construção e 21% em restauração e hotelaria. A média anual de entradas
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sazonais, entre 1991 e 1996 foi aproximadamente de 38 000 trabalhadores. As estimativas
para o número de imigrantes ilegais variam entre 20 e 50 mil. A incorporação económica quer
de ilegais quer de sazonais faz-se essencialmente nos dois sectores económicos acima
mencionados—restauração e hotelaria e construção civil e obras públicas.
Finalmente, na Alemanha viviam legalmente 130.842 Portugueses, em 1996 dos quais 27%
(35.327) chegara nos últimos quatro anos. A estes portugueses há que acrescentar todos
aqueles destacados temporariamente a trabalhar para empresas portuguesas do sector da
construção civil e obras públicas ou para empresas de trabalho temporário. O número de
trabalhadores portugueses registados no regime de contrato de prestação de serviços no
Instituto Federal do Trabalho era, no final de Novembro de 1997, de 21.481, representando
15% do total dos 145.000 trabalhadores registados neste regime. A hierarquia por
nacionalidade era a seguinte: Polaca, Portuguesa, Irlandesa, Britânica e outras nacionalidades.
No mesmo ano, a embaixada portuguesa e a Caritas estimavam que, pelo menos, mais de 15
mil Portugueses se encontrassem a trabalhar irregularmente para empregadores portugueses
neste sector da economia. Os sindicatos alemães estimam que o número de trabalhadores
portugueses na construção seja aproximadamente de 150 mil indivíduos o que nos levaria
para um total de mais de 100 mil trabalhadores ilegais.
Estes breves apontamentos sobre a emigração portuguesa na Europa mais do que reveladores
da magnitude dos volumes de saída de mão de obra, que obviamente têm vindo a ultrapassar
substancialmente as 100 mil saídas anuais, indicam o ressurgimento de uma corrente
emigratória tradicional, ou seja saídas individuais motivadas pela procura de melhores
condições económicas, tecnicamente referidas usualmente como migrações “ com objectivos
definidos e por tempo determinado” do tipo da emigração permanente que se verifica para a
Suiça, em simultâneo com fluxos de saída de um novo tipo de migrante, os chamados
trabalhadores destacados, induzidos por agentes económicos ligados ao sector da construção e
obras públicas ou de angariação de mão de obra, operando em outros países da UE,
nomeadamente na Alemanha.
Mas o que estes dados também indicam claramente é que a emigração portuguesa continua a
ser, como no passado, uma emigração económica essencialmente constituída por
trabalhadores manuais pouco qualificados que vão inserir-se, ainda que sob formas
institucionais novas, nos mercados de trabalho europeus, nas chamadas ocupações sujas ou
mal pagas, ou seja nas mesmas ocupações em que se inseriram os emigrantes portugueses dos
anos 60 e 70.
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A existência de oportunidades de trabalho no exterior alteraram substancialmente, quer as
opções dos trabalhadores, quer dos empregadores portugueses. De facto, os novos parâmetros
institucionais, nomeadamente no que concerne à liberdade de circulação de pessoas, bens e
serviços dentro do mercado europeu permitiram aos empregadores nacionais ligados
particularmente aos sectores da construção civil e obras públicas e das empresas de cedência
de mão-de-obra temporária, obter lucros consideráveis, colocando no exterior os seus
efectivos em mercados de outros países comunitários.
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chegados a Portugal, sobretudo na área metropolitana de Lisboa aonde decorriam grandes
obras públicas e onde imigrantes, essencialmente dos PALOP, constituem uma parte
considerável da mão de obra empregada no sector, facilitando o funcionamento de redes de
angariação e colocação de mão de obra tanto para imigrantes já inseridos como e sobretudo
para os recém chegados.
4. Conclusão
Do que ficou dito resulta que as actuais dinâmicas migratórias em Portugal parecem estar a
ser essencialmente determinadas por quatro factores: 1. Os novos parâmetros institucionais
que regulam a circulação de pessoas, bens e serviços no espaço da UE. 2. A rede de
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informação e contactos que os imigrantes recém-chegados dos PALOP detém em sectores
económicos específicos que se caracterizam por índices elevados de informalidade,
flexibilização laboral e relações de trabalho precárias. 3. A transferência para outros países
europeus de uma parte substancial da força de trabalho doméstica e as vagas proporcionadas
por essa transferência. 4. O facto de a actual situação apresentar claros benefícios económicos
a curto prazo e custos diferidos e difusos, quer financeira, quer socialmente, não sendo, por
esse mesmo facto susceptível de desencadear pressões suficientes da sociedade civil para
forçar o Governo a alterar a situação existente.
3 Sobre este tema ver, Baganha e Marques, 1996, Baganha 1996 e 1997, e Cristóvam et al., 1996.
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