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Por dentro do Bolsa Família

Alberto Carlos Almeida

Será que algum leitor deste artigo recebe regularmente o Bolsa Família? Eu diria, com
relativa certeza, que dificilmente. Quem lê jornal no Brasil, ao menos jornais com o
perfil do Valor, são pessoas de grau superior, os assim chamados formadores de
opinião, pessoas de renda elevada que fazem parte, em maior ou menor grau, do
debate político e econômico brasileiro. Trata-se de um perfil social distante do perfil
médio de quem recebe o benefício social do governo federal.

Proponho que nós, leitores deste jornal, pensemos no Bolsa Família sob a ótica de
quem o recebe.

A pessoa que recebe esse benefício social reside, na maioria dos casos, em regiões
com pouco ou nenhum dinamismo econômico. Esqueçamos por ora a prosperidade da
cidade de São Paulo com a sua Mesopotâmia, as residências, os escritórios e os
restaurantes que ficam entre os rios Pinheiros e Tietê. O ponto de vista dessa cidade, e
dessa região específica de São Paulo, não serve para entender o significado do Bolsa
Família para quem o recebe.

Alguns críticos de São Paulo, muitas vezes cariocas, dizem que se trata de uma cidade
cheia de restaurantes cercados por escritórios. O interior pobre do Brasil, onde
predomina o Bolsa Família, caracteriza-se por um grande aglomerado de casebres
cercados de informalidade por todos os lados. É uma grande ilha, ou continente ilhado,
de miséria.

Resultado: quem reside em São Paulo, na zona sul do Rio ou na Savassi de Belo
Horizonte aprende desde criança que se tiver uma boa educação e trabalhar muito
melhora de vida. Isso aconteceu provavelmente com todos os que leram e vão ler este
artigo. Isso aconteceu e acontece comigo. Quanto mais trabalho, mais chances tenho
de conseguir mais clientes, de vender mais e, consequentemente, de melhorar de vida.
O ambiente de São Paulo favorece sobremaneira essa trajetória. Há empresas,
negócios, dinamismo. Individualmente, há carreira, há profissão. Muitos dos que se
formam nas faculdades cariocas e paulistas saem pensando em como construir uma
carreira. Isso é possível no chamado Sul Maravilha.

É possível também no interior do Nordeste? Não, não é. Quem mora no interior de


qualquer Estado nordestino e também tem escolaridade baixa, que é pai de família,
não tem carreira.

Não tem, nunca teve, nem nunca terá. Para esse chefe de família o trabalho não
compensa.
Trabalhar mais não levará necessariamente a melhorar de vida.

Vamos nos colocar no lugar dessa pessoa. Um homem, de uns 38 anos, que não
completou o segundo grau, casado e pai de dois ou três filhos, morador de uma cidade

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vizinha a Petrolina, no interior de Pernambuco. Esse indivíduo não tem poder de
barganha no mercado de trabalho.
Naquela região, como ele, existem milhares. Assim, o empregador muito
provavelmente não lhe dará um trabalho de carteira assinada. Caso não se torne um
migrante, ele vai trabalhar em algum roçado, vai construir ou manter a cerca de
alguma propriedade, poderá tornar-se um vendedor de porta em porta de vassouras e
rodos e, se tiver muito sucesso na vida, eventualmente, poderá conseguir um emprego
urbano como "auxiliar administrativo", esta profissão pouco definida e muito mal
remunerada pela qual qualquer brasileiro pouco ou nada qualificado poderá almejar.

Essa criatura imaginária é muito real. Ela não concebe a melhoria de vida por meio do
trabalho. Isso é fato, não é uma simples percepção. Isso é real. É aqui que entra o
Bolsa Família. Esse benefício social, recebido mensal e regularmente por esse chefe de
família, se torna a única oportunidade de melhorar de vida no curto prazo.

Quando se diz que alguém "realmente precisa do Bolsa Família", está-se dizendo que
sem o benefício social essa pessoa jamais melhoraria de vida. É verdade. O
recebimento do benefício mudou a vida dela e de seus familiares. Houve um imediato
aumento na renda corrente e, como se trata de um contrato de longo prazo, essa
família passou a poder comprar coisas no crediário. Praticamente 50% dos que
recebem o Bolsa estão atualmente comprando alguma coisa em prestações. O mais
interessante é que o programa atinge cerca de 30% das famílias brasileiras e custa para
o governo federal a quantia irrisória que corresponde a 0,4%, apenas, de nosso PIB.

O Brasil passou longos anos sem cuidar de sua população, sem educá-la formalmente
de maneira apropriada. Apenas durante o governo Fernando Henrique, ou seja, depois
de 1994, conseguimos universalizar o acesso das crianças à educação básica. Ainda não
conseguimos universalizar o acesso dos adolescentes ao ensino médio. Além disso, a
evasão e a repetência são um fenômeno avassalador nos dois níveis de ensino. Não
investimos há 30 ou 40 anos em educação, temos que gastar agora um pouquinho
(0,4% do PIB, como mencionado anteriormente) com política social para "compensar"
o não investimento.

Há uma crítica de caráter moral ao Bolsa Família: ele cria acomodação. Ledo engano. O
beneficiário do programa já era acomodado. A ambição já veio morta, de berço. Em
áreas sem dinamismo econômico, como afirmei, o trabalho não compensa, a ambição
não existe. O Bolsa não gera nem vai gerar ambição. Os pais nunca terão uma boa
oportunidade no mercado de trabalho, é uma geração perdida em termos
profissionais. Se alguém tiver oportunidades de empregos melhores, serão os filhos.
Daí a necessidade da obrigatoriedade da matrícula escolar. O Bolsa melhorou o bem-
estar geral da família e criou um incentivo a mais, para muitas famílias o único
incentivo, para manter as crianças na escola. Salva-se a geração dos mais jovens.

A crítica moral a essa política social não encontra apoio na maioria da população
brasileira.

Nada menos do que 77% da população concorda com a seguinte afirmação: "Muita

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gente que recebe o Bolsa Família continua trabalhando, por isso ele tem que
continuar". Essa proporção é menor entre as pessoas que têm o grau superior
completo e maior entre as pessoas de escolaridade mais baixa. Quem tem o grau
superior completo, ao contrário das pessoas de escolarização baixa, está muito
distante da situação financeira e social de quem recebe o Bolsa. Assim, é menos
compreensivo em face dos benefícios do programa social. A maioria de nossa
população tem a renda e a escolaridade baixas. Sendo assim, o apoio social ao Bolsa
Família é muito grande.

Se apenas 30% da população recebe o Bolsa, nada menos do que 60% afirmam ser
totalmente a favor do programa. Quando somamos esse número aos 23% que dizem
ser a favor, obtemos 83% da população adulta brasileira apoiando o programa social
criado no governo Fernando Henrique Cardoso. Só 16% se dizem contrários ao
programa. Destes 5% são totalmente contra e 11%, um pouco contra. Quem é mais
contra? Quem tem diploma de grau superior. Praticamente um quarto de quem se
formou em uma faculdade é contra o bolsa. Essa proporção é de somente 12% para as
pessoas do mais baixo nível de escolaridade formal, o primário completo.

Qual é a consequência política dessa informação? Que o Bolsa Família está para a área
social assim como a inflação está para a área econômica. A maioria os quer, aceita,
valoriza e considera ambos um ganho já estabelecido e com poucas chances de haver
retrocesso.

O presidente Lula escreveu e divulgou em 2002 a famosa "Carta aos Brasileiros",


eufemismo para uma carta aos banqueiros e investidores internacionais. Nela, Lula
prometeu e cumpriu manter os quatro elementos-chave da política econômica de FHC:
câmbio flutuante, superávit primário, metas de inflação e responsabilidade fiscal. Em
13 de agosto de 2002, Lula declarou na "Folha de S.Paulo": "Eu me dei conta de que o
PT que precisava construir era maior do que o PT de macacão que eu sonhava em
construir". Tão grande que trouxe recentemente Fernando Collor como um de seus
importantes aliados. Lula foi e é extremamente pragmático.

A oposição, PSDB, DEM e PPS, precisa cometer o "pecado" do pragmatismo para


enfrentar Lula. Nesse caso, o pecado é quebrar o omelete de apoiar sem tergiversação
o Bolsa Família.

Há várias maneiras de demonstrar que se é a favor de alguma coisa. Uma delas é


simplesmente afirmar: sou a favor do Bolsa Família, aliás, ele foi criado durante um
governo do PSDB. Outra maneira é afirmar: vamos duplicar o valor do Bolsa Família.
Esse é um apoio contundente, um apoio que não dá espaço para desculpas evasivas de
quem apoia ou para ataques infames do adversário.

A propósito, dobrar o Bolsa significa sair de 4,0 para 0,8% do PIB nesse gasto. Apenas
um pouco a mais do que os 0,6% colocados no benefício da Lei Orgânica da Assistência
Social (Loas), mais um programa de proteção social criado no período tucano. Se o
programa é bom para quem o recebe, se foi criado (com inspiração de Milton
Friedman) por um governo do PSDB e se trará dividendos eleitorais importantes, em

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particular para quem se caracteriza por gestões eficientes, por que não assumir o
compromisso de duplicá-lo? Há uma única razão para não fazê-lo: uma visão de
mundo, uma ideologia que rechace o bolsa. Uma ideologia que, nesse caso, é oposta à
ideologia do pragmatismo.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário

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