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DESENVOLVIMENTO
SOLUÇÃO DE
CONTROVÉRSIAS
NAÇÕES UNIDAS
Nova York e Genebra, 2003
NOTA
Este módulo foi preparado por Stephanie Cartier a pedido da Conferência das Nações
Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). As visões e opiniões
expressadas neste módulo são da autora e não necessariamente aquelas das Nações
Unidas, WTO/OMC, WIPO/OMPI, ICSID, UNCITRAL ou do Advisory Centre em
Direito da OMC.
As Nações Unidas detêm os direitos autorais deste documento. O curso também está
disponível em formato eletrônico no website da UNCTAD (www.unctad.org). Cópias
podem ser impressas gratuitamente, no entendimento de que elas serão utilizadas para o
ensino ou estudo e não para um propósito comercial. Requer-se referência apropriada à
fonte.
A versão deste módulo em língua portuguesa foi feita pelo Sr. Rabih Ali Nasser,
participante do Programa de Capacitação de Advogados da Missão Permanente do
Brasil junto às Nações Unidas e outros Organismos Internacionais em Genebra.
UNCTAD/EDM/Misc.232/Add.33
2
ÍNDICE
Nota
O que você vai aprender
6. ESTUDO DE CASO
7. LEITURA ADICIONAL
7.1 Livros e Artigos
7.2 Documentos e Informações
4
O GATT 1947 está na origem do atual sistema da OMC. Seus princípios básicos,
aplicáveis ao comércio de bens, foram incorporados em outros acordos da OMC que
tratam de outras áreas de comércio, tais como comércio de serviços e comércio de
produtos de propriedade intelectual; e ele também trouxe os primeiros dispositivos
sobre solução de controvérsias, com base nos quais o Sistema de Solução de
Controvérsias da OMC foi construído. Apesar de o GATT 1994 ser apenas um dos
inúmeros acordos sobre “bens” da OMC, sua importância na história do GATT/OMC é
indiscutível. Este Módulo traz um panorama das obrigações contidas no GATT 1994
sobre comércio de bens.
O primeiro Capítulo deste Módulo define o GATT 1994 e seus elementos constitutivos.
O primeiro Capítulo também delimita o âmbito de aplicação do GATT 1994, e examina
sua relação com outros acordos da OMC.
O quarto Capítulo trata das exceções às disciplinas do GATT 1994, quais sejam: as
exceções gerais, as exceções de segurança, e as exceções para a finalidade de aplicar
medidas de salvaguarda, restrições de balanço de pagamentos, e para a finalidade de
realizar acordos regionais de comércio.
Por fim, o quinto Capítulo analisa a posição dos países em desenvolvimento no GATT
1994.
5
1. GATT 1994: COMÉRCIO DE BENS
Acordo da OMC
Anexo 1
Anexo 1 A: Acordos Multilaterais sobre Comércio de Bens
GATT 1947 – O GATT foi celebrado em 1947 e agora é chamado de GATT 1947. O
GATT 1947 foi alterado pela última vez em 1965. Mais tarde, disciplinas adicionais
foram acordadas em acordos laterais, tais como os acordos da Rodada Tóquio, que não
1
Favor ver Modulo 3.1, Capítulo 1.1. Vários desses acordos estão tratados em outros Módulos deste
curso.
6
constituíram aditivos ao GATT 1947, mas apenas obrigaram (vincularam) as Partes
Contratantes que se tornaram parte desses acordos laterais2. O GATT 1947 foi
encerrado em 1996. No entanto, todos os seus dispositivos, assim como todos os
instrumentos legais celebrados sob a sua vigência foram integrados ao GATT 1994,
sujeitos aos esclarecimentos trazidos pelos Entendimentos, que também são parte
integrante do GATT 1994.
Âmbito de Aplicação – O GATT 1994 trata apenas de comércio de bens. O GATT 1994
busca maior liberalização do comércio de bens por meio de redução de tarifas e outras
barreiras ao comércio, bem como eliminação da discriminação.
GATT 1994 vs. GATS – Em EC-Bananas III, surgiu a questão sobre se o Acordo Geral
sobre Comércio de Serviços (doravante “GATS”) e o GATT 1994 eram acordos
mutuamente excludentes. O Órgão de Apelação afirmou:
“... O GATS não se destinava a tratar do mesmo tema substantivo que o GATT 1994. O
GATS estava destinado a tratar de um tema substantivo não coberto pelo GATT 1994,
qual seja o comércio de serviços. Assim, o GATS se aplica à prestação de serviços. Ele
estabelece, inter alia, tanto o tratamento da nação mais favorecida quanto o tratamento
nacional para serviços e fornecedores de serviços. Considerando o respectivo âmbito
de aplicação dos dois acordos, eles podem ou não se sobrepor, dependendo da
natureza das medidas em questão. Certas medidas poderiam se situar exclusivamente
no âmbito de aplicação do GATT 1994, quando elas afetarem o comércio de bens como
bens. Certas medidas poderiam se situar exclusivamente no âmbito de aplicação do
GATS, quando elas afetarem o fornecimento de serviços como serviços. Há ainda uma
terceira categoria de medidas, que poderiam se situar no âmbito de aplicação de
ambos o GATT 1994 e o GATS. Estas são medidas que envolvem um serviço relativo a
um bem em particular ou um serviço fornecido em conjunção com um bem em
particular. Em todos esses casos, pertencentes à terceira categoria, a medida em
questão poderia ser analisada sob ambos o GATT 1994 e o GATS. No entanto, apesar
da mesma medida poder ser analisada sob ambos os acordos, os aspectos específicos
da medida, examinados sob cada um dos acordos, poderiam ser diferentes. Sob o GATT
1994, o foco está em como a medida afeta os bens envolvidos. Sob o GATS, o foco está
em como a medida afeta o fornecimento de serviços ou os prestadores de serviço
envolvidos. Se determinada medida afetando o fornecimento de serviços relacionado a
2
Para maiores informações sobre a história do GATT, ver Módulo 3.1, Capítulo 1.1.
7
um bem específico será analisada sob o GATT 1994 ou o GATS, ou ambos, é uma
questão que só pode ser resolvida caso a caso.”3
Anexo 1
GATT 1994:
O GATT 1994 incorporou os dispositivos do GATT 1947 na sua íntegra, mas esclarece
a natureza e extensão de algumas obrigações estabelecidas no GATT 1947 por meio dos
chamados “Entendimentos” e outros instrumentos legais, incluindo “outras decisões”
das Partes Contratantes do GATT, que também fazem parte do GATT 1994. Além
disso, altera a linguagem a ser utilizada para se referir às disposições do GATT 1947.
Por exemplo, a expressão “Partes Contratantes” no GATT 1947 agora deve ser lida
como “Membros”. Em particular, as “Notas Explicativas” do Parágrafo 2 estabelecem:
2. Notas Explicativas
(a) As referências a “parte contratante” nos dispositivos do GATT 1994 devem ser
lidas como “Membro”. As referências a “parte contratante menos desenvolvida” e
“parte contratante desenvolvida” serão lidas como “país Membro em
desenvolvimento” e “país Membro desenvolvido”. As referências a “Secretário
Executivo” serão lidas como “Diretor Geral da OMC”.
3
Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Européias – Regime para a Importação, Venda e
Distribuição de Bananas (“EC-Bananas III”), WT/DS27/AB/R, adotado em 25 de setembro de 1997,
8
1.4 Dispositivos do GATT 1994
Para. 1(a) GATT 1994 – O Parágrafo 1(a) da linguagem que incorporou o GATT 1994
ao Acordo da OMC estabelece que:
1. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (“GATT 1994”) consistirá de:
Parte II – A parte II inclui os Artigos III a XXIII. O Artigo III estabelece a obrigação de
tratamento nacional. Os Artigos IV a XIX cobrem principalmente medidas não
tarifárias, tais como práticas de comércio desleais (dumping e subsídios à exportação),
restrições quantitativas, restrições por razões de balanço de pagamentos, empresas
comerciais estatais, assistência governamental ao desenvolvimento econômico e
medidas de salvaguarda emergenciais. Adicionalmente, esta parte também lida com
várias questões técnicas relacionadas à aplicação de medidas de fronteira. Os artigos
XX e XXI lidam com possíveis exceções ao GATT 1994, mais especificamente
exceções gerais e aquelas por motivos de segurança. Os Artigos XXII e XXIII tratam de
procedimentos para solução de controvérsias, os quais estão mais detalhados no
Entendimento sobre os Princípios que Governam a Solução de Controvérsias
(doravante “DSU”).
Parte III – A parte III do GATT 1994 consiste dos Artigos XXIV a XXXV. O Artigo
XXIV relaciona-se principalmente a uniões alfandegárias e áreas de livre comércio,
bem como à responsabilidade dos Membros pelos atos dos governos regionais e locais
existentes dentro do seu território. Os Artigos XXVIII e XXVIII (bis) tratam da
negociação e renegociação de concessões tarifárias.
Para. 1(b) GATT 1994 – O parágrafo 1(b) da linguagem que incorporou o GATT 1994
ao Acordo da OMC estabelece o seguinte:
1. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (“GATT 1994”) consistirá de:
...
(b) dispositivos dos instrumentos legais referidos abaixo, que tiverem entrado em vigor
sob o GATT 1947 antes da data de entrada em vigor do Acordo da OMC:
“... A inclusão desses “instrumentos legais” no GATT 1947 reconhece que o caráter
jurídico dos direitos e obrigações das partes contratantes sob o GATT 1994 não está
completamente refletido no texto do GATT 1994 porque aqueles direitos e obrigações
estão condicionados por “protocolos”, “decisões” e outros “instrumentos legais” aos
quais o parágrafo 1(b) se refere.”4
Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de Apelação declarou que não era toda
decisão das Partes Contratantes do GATT 1947 que constituía uma “outra decisão” no
sentido empregado no parágrafo 1(b)(iv) da linguagem que incorporou o GATT 1994 ao
Acordo da OMC.5 Naquele caso, o Órgão de Apelação concluiu que relatórios de
painéis adotados não constituem “outras decisões”.6 Em US – FSC, o Órgão de
Apelação confirmou as conclusões do Painel de que “outras decisões” não incluíam a
4
Relatório do Órgão de Apelação, EUA – Tratamento fiscal para “Corporações para Vendas ao Exterior”
(“US-FSC”), WT/DS108/AB/R, adotado em 20 de março de 2000, para. 107.
5
Relatório do Órgão de Apelação, Japão – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Japan-Alcoholic
Beverages II”), WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R, adotado em 1º de novembro de
1996, pp. 12-15. Ver também Relatório do Órgão de Apelação, US – FSC, para. 108.
6
Relatório do Órgão de Apelação, Japan-Alcoholic Beverages II, pp. 12-15. Ver também Relatório do
Órgão de Apelação, US – FSC, para. 108. O Órgão de Apelação justificou que os relatórios de painéis
adotados “não são obrigatórios, exceto em relação à solução da controvérsia entre as partes da disputa
específica”. O Órgão de Apelação afirmou, em última análise, que a decisão de adotar o relatório de um
painel não se destinava, para as Partes Contratantes do GATT 1947, a “caracterizar uma interpretação
definitiva dos dispositivos relevantes do GATT 1947.”
10
ação do Conselho adotando um relatório de painel, como resultado do acordo entre as
partes.7
Paras. 1(c) e 1(d) GATT 1994 – Os parágrafos 1(c) e 1(d) da linguagem que incorporou
o GATT 1994 ao Acordo da OMC estabelecem:
(i) Entendimento para a Interpretação do Artigo II:1(b) do Acordo Geral sobre Tarifas
e Comércio 1994;
(ii) Entendimento para a Interpretação do Artigo XVII do Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio 1994;
(iii) Entendimento sobre Dispositivos sobre Balanço de Pagamentos do Acordo Geral
sobre Tarifas e Comércio 1994;
(iv) Entendimento para a Interpretação do Artigo XXIV do Acordo Geral sobre Tarifas
e Comércio 1994;
(v) Entendimento a Respeito de Derrogações de Obrigações sob o Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio 1994;
(vi) Entendimento para a Interpretação do Artigo XXVIII do Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio 1994; e
7
Ver também Relatório do Órgão de Apelação, US – FSC, paras. 22 e 114. O articulado do Órgão de
Apelação consta dos parágrafos 107 a 113.
11
Artigo XXVIII (retirada de concessões) define a expressão “interesse principal no
fornecimento” do Artigo XXVIII do GATT 1994.
Os dispositivos do GATT 1994 aplicam-se a uma medida sob discussão mesmo quando
os dispositivos de outros acordos da OMC são aplicáveis, na medida em que os
dispositivos do GATT 1994 não conflitarem com qualquer dos dispositivos dos outros
acordos da OMC aplicáveis. Em outras palavras, se não houver conflito, a medida em
questão deverá ser examinada de acordo com todos os dispositivos relevantes dos
diferentes acordos da OMC, incluindo o GATT 1994.
Artigo XVI:3 WTO – A relação entre o GATT 1994 e o Acordo da OMC é regulada
pelo Artigo XVI:3 do Acordo da OMC, que prevê:
8
Relatório do Órgão de Apelação, Guatemala – Investigação Anti-Dumping relativa ao Cimento Portland
do México (“Guatemala – Cement I”), WT/DS60/AB/R, adotado em 25 de novembro de 1998, para. 65.
Apesar de, neste caso, os dispositivos supostamente conflitantes constarem do DSU e do Acordo Anti-
Dumping, a análise do Órgão de Apelação é relevante para determinar se há um “conflito” entre
dispositivos do GATT e dispositivos de outros acordos da OMC.
9
Relatório do Órgão de Apelação, Guatemala –Cement I, para. 65.
12
interpretativa genérica” que confere prevalência aos outros acordos sobre comércio de
bens em relação ao GATT 1994, em caso de conflito, e na medida desse conflito.
Algumas disputas levantaram a questão do conflito entre o GATT 1994 e outros acordos
multilaterais sobre o comércio de bens, constantes do Anexo 1 A do Acordo da OMC.10
Contanto que não haja conflito entre o GATT 1994 e o outro acordo sobre bens, a
medida em questão deve ser examinada à luz de ambos os dispositivos do GATT 1994 e
os dispositivos do outro acordo sobre bens.
1. Qual é a diferença entre o GATT 1994 e o GATT 1947? O GATT 1994 se aplica ao
comércio de serviços?
10
Ver, por exemplo, Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 155; Relatório do Órgão
de Apelação, Argentina – Medidas de Salvaguarda na Importação de Calçados (“Argentina – Footwear
(EC)”), WT/DS121/AB/R, adotado em 12 de janeiro de 2000, paras. 81 e 83; e Relatório do Órgão de
Apelação, Brasil – Medidas Afetando Côco Ralado (“Brazil – Desiccated Coconut”), WT/DS22/AB/R,
adotado em 20 de março de 1997, p. 16.
13
2. O PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO NO GATT 1994
Produto b
País B
País A:
Obrigação de não
discriminar entre os
produtos b e c
País C
Produto c
Artigo I:1 GATT 1994 – Mais especificamente, o Artigo I:1 do GATT 1994 estabelece:
Artigo I
14
Tratamento da Nação Mais Favorecida
Teste das três fases – O Artigo I:1 do GATT 1994 estabelece um teste em três fases.
Para determinar se há ou não uma violação da obrigação de tratamento da NMF do
Artigo I:1, três questões devem ser respondidas. Primeiro, a medida em questão confere
uma “vantagem” aos produtos originados em ou destinados aos territórios de todos os
outros Membros? Segundo, os produtos em questão são “similares”? Terceiro, a
vantagem em questão foi concedida “imediata e incondicionalmente” a todos os
produtos similares?
11
Ver Relatório do Painel, EUA – Negativa de Tratamento da Nação Mais Favorecida a Calçados do
Brasil que não sejam de borracha (“US - Non Rubber Footwear”), adotado em 19 de junho de 1992,
BISD 39S/128, para. 6.9; Relatório do Órgão de Apelação.
12
Relatório do Painel, US – Non Rubber Footwear, para. 6.8.
13
Relatório do Painel, EUA – Taxa do Usuário de Alfândegas (“US – Customs User Fee”), adotado em 2
de fevereiro de 1998, BISD 35S/245, para. 122.
14
Relatório do Painel, Comunidades Econômicas Européias – Importações de Carne Bovina do Canadá
(“EEC – Beef from Canada”), adotado em 10 de março de 1981, BISD 28S/92, paras. 4.2 e 4.3.
15
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 206.
16
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 206.
17
Relatório do Órgão de Apelação, Canadá – Certas Medidas Que Afetam a Indústria Automotiva
(“Canada – Autos”), WT/DS139/AB/R, WT/DS142/AB/R, adotado em 19 de junho de 2000, para. 79.
16
2.3.2 Os produtos são “similares”?
O Artigo I:1 do GATT 1994 estabelece que uma vantagem conferida a um produto
originado em ou destinado a qualquer outro país será estendida a outros “produtos
similares” originados em ou destinados aos territórios de todos os outros Membros da
OMC.
18
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 21.
19
Relatório do Painel, Espanha – Tratamento Tarifário do Café Não-torrado (“Spain – Unroasted
Coffee”), adotado em 19 de junho de 1981, BISD 28S/102, para. 4.11.
17
O Painel observou que nenhuma outra parte contratante aplicava seu regime tarifário
em relação ao café não-torrado e não-descafeinado de forma a submeter diferentes
tipos de café a diferentes tarifas.
Com base nisso, o Painel concluiu que os grãos de café não-torrado e não-
descafeinado listados na Tarifa Alfandegária Espanhola...deveriam ser considerados
como “similares”, no sentido constante do Artigo I:1.20
Finalmente, o Artigo I:1 aplica-se também a produtos que não estão sujeitos a
consolidação tarifária.21
O Artigo I:1 do GATT 1994 exige que qualquer vantagem conferida por um Membro da
OMC a qualquer país seja estendida “imediata e incondicionalmente” a todos os outros
Membros da OMC. Isso significa que uma vez que um Membro da OMC tenha
conferido uma vantagem a um país, ele não pode impor a outros Membros da OMC
condições para que possam se beneficiar dessa mesma vantagem. O Membro da OMC
deve estender o benefício da vantagem a todos os Membros da OMC
incondicionalmente.
“O Painel ... considerou que o Artigo I:1 não permite contrabalançar o tratamento
mais favorável em algum procedimento e o tratamento menos favorável em outros. Se
um tal balanceamento fosse aceito, isso possibilitaria a uma parte contratante eximir-
se da obrigação de nação mais favorecida em um caso, em relação a uma parte
contratante, com base na alegação de que ela confere tratamento mais favorável em
algum outro caso, em relação a outra parte contratante. Na visão do Painel, tal
interpretação da obrigação de nação mais favorecida do Artigo I:1 minaria o próprio
objetivo subjacente à incondicionalidade da obrigação.”22
“A medida mantida pelo Canadá confere uma isenção da tarifa de importação a certos
veículos automotores vindos de alguns países. Esses veículos automotores privilegiados
são importados por um número limitado de produtores identificados, que são obrigados
20
Relatório do Painel, Spain – Unroasted Coffee, paras. 4.11 ff.
21
Relatório do Painel, Spain – Unroasted Coffee, para. 4.3.
22
Relatório do Painel, US – Non-Rubber Footwear, para. 6.11.
23
Relatório do Painel, Indonésia – Certas Medidas que Afetam a Indústria Automobilística (“Indonesia –
Autos”), WT/DS54/R, WT/DS55/R, WT/DS59/R, WT/DS64/R e Corr.1, 2, 3, e 4, adotado em 23 de
julho de 1998, DSR 1998:VI, 2201, paras. 14.145-14.146.
18
a alcançar certos requisitos de performance. Na prática, essa medida não confere a
mesma isenção de tarifa de importação, imediata e incondicionalmente, aos veículos
automotores similares vindos de todos os outros Membros, tal como requerido pelo
Artigo I:1 do GATT 1994. A vantagem da isenção de tarifa de importação é conferida a
alguns veículos automotores provenientes de certos países, sem ser conferida a veículos
automotores similares vindos de todos os outros Membros. Dessa forma, concluímos
que essa medida não é compatível com as obrigações do Canadá sob o Artigo I:1 do
GATT 1994.”24
Produto b
País B
País A: Produto a
Obrigação de não
discriminar entre
produtos a, b e c
País C
Produto c
24
Relatório do Painel, Canada – Autos, para. 85.
25
Relatório do Painel, EUA – Certos Produtos das CE (“US – Certain EC Products”), WT/DS165/R,
adotado em 17 de julho de 2000, tal como modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação,
WT/DS165/AB/R, para. 6.54.
19
Artigo III do GATT 1994 – O Artigo III do GATT 1994 dispõe, na parte relevante:
Artigo III*
Tratamento Nacional em Regulação e Taxação Interna
...
“... tributos internos e outras taxas internas, e leis, regulamentos e requerimentos que
afetem a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso dos
produtos internamente, bem como regulamentos quantitativos internos que requeiram a
mistura, o processamento ou uso de produtos em quantidades ou proporções
especificadas, ...”
O objetivo do Artigo III:1 é assegurar que tais medidas internas “não deveriam ser
aplicadas a produtos importados ou domésticos de forma a dar proteção à produção
doméstica (artigo III:1)”.26
26
Artigo III:1 do GATT 1994 e Relatório do Painel, US – Section 337, para. 5.10.
20
“... o Artigo III obriga os Membros da OMC a fornecer igualdade de condições
competitivas para produtos importados em relação a produtos domésticos.”27
Escopo do Artigo III – O Órgão de Apelação também deixou claro que o Artigo III do
GATT 1994, assim como o Artigo I, não está limitado a produtos sujeitos a concessões
tarifárias sob o Artigo II do GATT 1994.29 Entretanto, o Artigo III do GATT 1994 está
apenas relacionado a medidas internas e não a medidas de fronteira.
Artigos III:2 e III:4 do GATT 1994 – O princípio geral de não discriminação do Artigo
III:1 informa o restante do Artigo III. Os parágrafos seguintes do Artigo III estabelecem
obrigações específicas de não discriminação. O Artigo III:2 do GATT 1994 relaciona-se
especificamente à tributação interna, enquanto que o Artigo III:4 trata de
regulamentações internas. Uma distinção adicional deve ser feita. No Artigo III:2, a
27
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 16. Ver também Relatório do
Órgão de Apelação, Coréia – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Korea - Alcoholic Beverages”),
WT/DS75/AB/R, WT/DS84/AB/R, adotado em 17 de fevereiro de 1999, para. 119; Relatório do Órgão
de Apelação, Chile – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Chile – Alcoholic Beverages”),
WT/DS87/AB/R, WT/DS110/AB/R, adotado em 12 de janeiro de 2000, para. 67; Relatório do Órgão de
Apelação, Comunidades Européias – Medidas Afetando Asbestos e Produtos que Contêm Asbestos (“EC
– Asbestos”), WT/DS135/AB/R, adotado em 5 de abril de 2001, para. 97 e Relatório do Painel, Indonesia
– Autos, para. 14.108.
28
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 120.
29
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 16-17.
30
Relatório do Painel, Índia – Medidas que Afetam o Setor Automobilístico (“India – Autos”),
WT/DS146/R, WT/DS175/R e Corr.1, adotado em 5 de abril de 2002, para. 8.1.
21
obrigação de não discriminação relativa à tributação interna aplica-se não apenas a
“produtos similares” (primeira sentença), mas também a “produtos diretamente
comparáveis ou substituíveis” (segunda sentença). Em contraste, a obrigação de não
discriminação relativa a regulamentações internas aplica-se apenas a “produtos
similares”.
Artigo III:1 do GATT 1994 – A relação entre os Artigos III:1, III:2 e III:4 do GATT
1994 foi examinada pelo Órgão de Apelação. O Artigo III:1 prevê o princípio geral de
que medidas internas não devem ser aplicadas de forma a dar proteção à produção
doméstica. Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão de Apelação esclareceu que a
função desse “princípio geral” é de “informar o restante do Artigo III”. O Órgão de
Apelação prosseguiu afirmando que:
“O propósito do Artigo III:1 é estabelecer este princípio geral como um guia para o
entendimento e interpretação das obrigações específicas contidas no Artigo III:2 e nos
outros parágrafos do Artigo III, ao mesmo tempo respeitando, e não reduzindo de
nenhuma forma, o significado das palavras efetivamente usadas nos textos daqueles
outros parágrafos.”31
As Seções abaixo examinam mais detidamente as obrigações contidas nos Artigos III:2,
primeira sentença, Artigo III:2, segunda sentença, e Artigo III:4 do GATT 1994.
Artigo III:2, primeira sentença, do GATT 1994 – O Artigo III:2, primeira sentença,
estabelece:
Teste de duas fases – Como afirmado anteriormente, o Artigo III:2 relaciona-se apenas
a “tributo interno ou outra taxa interna de qualquer tipo”. Uma vez que a medida em
questão é um “tributo interno ou outra taxa interna de qualquer tipo”, o Artigo III:2,
primeira sentença, estabelece um teste em duas fases, que significa que duas questões
devem ser respondidas para determinar se há uma violação do Artigo III:2, primeira
sentença:
31
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p.18.
32
Tal como refletido nos relatórios do Painel e do Órgão de Apelação em Canada – Periodicals, p. 20.
22
Ausência de Conclusão Separada sob o Artigo III:1 – O Órgão de Apelação concluiu
que não é necessário verificar uma aplicação protetora da medida interna de tributação,
de acordo com o Artigo III:1, separadamente dos elementos ou requisitos específicos do
Artigo III:2, primeira sentença.33 Como o Órgão de Apelação explicou, isto não
significa que o princípio geral contra o protecionismo do Artigo III:1 não se aplica ao
Artigo III:2, primeira sentença, mas sim que o Artigo III:2 é, efetivamente, uma
aplicação do princípio geral contra o protecionismo.34 O Painel de Argentina – Hides
and Leather esclareceu que sempre que produtos importados do território de um
Membro estão sujeitos a tributos superiores àqueles aplicados aos produtos similares no
território de outro Membro, isto é considerado “uma proteção à produção doméstica”
nos termos do Artigo III:1.35
Tributos Internos – O Artigo III:2, primeira sentença, trata apenas de “tributos internos
e outras taxas de qualquer tipo” aplicadas “direta ou indiretamente” em produtos.
Tributos internos sobre produtos, tais como imposto de valor agregado (IVA), impostos
sobre vendas e impostos de consumo estão cobertos pelo Artigo III:2, primeira
sentença. No entanto, impostos sobre a renda ou impostos de importação não estão
cobertos pelo Artigo III:2, uma vez que não constituem tributos internos sobre produtos.
Se tributos internos são “aplicados direta ou indiretamente” sobre produtos, deve ser
entendido como significando se tributos internos foram aplicados “sobre ou em relação
a” produtos. O termo “taxas” indica um “ônus pecuniário” ou uma “obrigação de pagar
dinheiro imposta a uma pessoa”.36
Ausência de Teste sobre Objetivo e Efeito – O objetivo perseguido pelo governo que
impõe a medida tributária não é relevante para determinar se a medida constitui um
33
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 18-19.
34
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 18-19.
35
Relatório do Painel, Argentina – Medidas que Afetam a Exportação de Peles Bovinas e a Importação
de Couro Acabado (“Argentina – Hides and Leather”), WT/DS155/R e Corr. 1, adotado em 16 de
fevereiro de 2001, para. 11.137.
36
New Shorter Oxford English Dictionary, Vol. 1, Oxford (1993), p. 374.
37
Relatório do Painel, EUA – Medidas que Afetam a Importação, Venda e Uso do Tabaco, (“US -
Tobacco”), adotado em 4 de outubro de 1994, DS44/R, para. 82.
38
Relatório do Painel, Medidas da Comunidade Econômica Européia sobre Proteínas para Ração Animal
(“EEC – Animal Feed Proteins”), adotado em 14 de março de 1978, BISD 25S/49, para. 4.4.
39
Ver Relatório do Grupo de Trabalho, Ajuste de Impostos de Fronteira, adotado em 2 de dezembro de
1970, BISD 18S/97.
23
tributo interno nos termos do Artigo III:2. Em Japan – Alcoholic Beverages II, o Órgão
de Apelação afirmou que Membros podem perseguir qualquer objetivo por meio de suas
medidas tributárias, contanto que eles o façam de acordo com o disposto no Artigo III:2.
“... a interpretação do termo deve ser examinada caso a caso. Isto permitiria uma
análise justa em cada caso dos diferentes elementos que constituem um produto
“similar”. Alguns critérios foram sugeridos para determinar, na base do caso a caso,
se um produto é “similar”: os usos finais do produto em determinado mercado; os
40
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.143.
41
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.144.
42
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20.
24
hábitos e gostos dos consumidores, que variam de país para país; as propriedades,
natureza e qualidade do produto.”43
43
Relatório do Grupo de Trabalho, Ajustes de Tarifas Alfandegárias, para. 18 e Relatório do Órgão de
Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20.
44
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20.
45
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20.
46
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 19-20.
47
Ver Relatório do Painel, Estados Unidos – Medidas Afetando Bebidas Alcoólicas e Maltadas (“US –
Malt Beverages”), adotado em 19 de junho de 2002, BISD 39S/206, paras. 5.25 e 5.26 e o Relatório de
Painel não adotado, Estados Unidos – Impostos sobre Automóveis (“United States – Automobile
Taxes”), circulado em 11 de outubro de 1994, DS31/R, paras. 5.8 ff.
48
Ver Relatório do Painel, Japão – Impostos sobre Bebidas Alcoólicas (“Japan – Alcoholic Beverages
II”), WT/DS8/R, WT/DS10/R, WT/DS11/R, adotado em 1o de novembro de 1996, tal como modificado
pelo Relatório do Órgão de Apelação, WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R, DSR 1996:1,
125.
49
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 16.
25
ambos destilados brancos/limpos, feitos de matérias primas similares, e os usos finais
eram praticamente idênticos”.
50
Relatório do Painel, Japan – Alcoholic Beverages II, para. 6.23.
26
É verdade que há inúmeros compromissos tarifários que são, de fato, extremamente
precisos em relação à descrição de produto e que, portanto, podem fornecer orientação
significativa em relação à identificação de “produtos similares”. Claramente, essas
determinações precisam ser feitas na base do caso a caso. No entanto, compromissos
tarifários que incluem uma ampla gama de produtos não são um critério confiável para
determinar ou confirmar a “similaridade” de produtos sob o Artigo III:2.51
O Artigo III:2, primeira sentença, estabelece que tributos internos sobre produtos
importados não devem ser “superiores aos” tributos internos aplicáveis a produtos
“similares” domésticos.
51
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 21-22.
52
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 23.
53
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 23.
54
Relatório do Painel, Estados Unidos – Impostos sobre Petróleo e Determinados Produtos Importados
(“US – Superfund”), adotado em 17 de junho de 1987, BISD 34S/136, para. 5.1.1.
55
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.245.
27
diferenciações em relação ao ônus tributário.56 O Painel também sustentou que o Artigo
III:2, primeira sentença, requer a comparação dos ônus tributários efetivos.
Relembrando o propósito do Artigo III:2, primeira sentença, que é o de assegurar
igualdade de condições de concorrência entre produtos importados e os produtos
domésticos similares, o Painel explicou que esse Artigo preocupa-se com o impacto
econômico nas oportunidades concorrenciais dos produtos importados e domésticos
similares, e não com impostos ou taxas, por si só, ou com os objetivos de política
perseguidos com eles.57 Assim, na visão do Painel, ônus tributários impostos sobre os
produtos taxados deveriam ser objeto de comparação.58 O Painel afirmou:
“... Fosse diferente, os Membros poderiam facilmente fugir dessas disciplinas. Assim,
mesmo onde produtos importados e produtos domésticos similares estão sujeitos a
idênticas alíquotas de impostos, o ônus tributário efetivo pode, ainda assim, ser mais
pesado sobre os produtos importados. Isto poderia acontecer, por exemplo, nos casos
em que diferentes métodos de cômputo da base de incidência tributária levam a um
maior ônus tributário efetivo sobre os bens importados.59”
Deve-se notar que o Painel em EEC – Animal Feed Proteins determinou que uma
regulação interna que meramente expõe produtos importados a um risco de
discriminação constitui, por si só, uma forma de discriminação nos termos do Artigo
III.60
Em Argentina – Hides and Leather, o Painel também decidiu que o Artigo III:2,
primeira sentença, não permite aos Membros contrabalançar um tratamento tributário
mais favorável para produtos importados em alguns casos com um tratamento tributário
menos favorável em outros casos.61
Artigo III:2, segunda sentença, GATT 1994 – “Ademais, nenhum [Membro] deverá de
outro modo aplicar taxas internas ou outros encargos internos para produtos
importados ou domésticos de maneira contrária aos princípios estabelecidos no
parágrafo 1.”
Como discutido anteriormente, o Artigo III:1 antecipa o princípio geral de que impostos
internos ou outros encargos internos:
56
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.220.
57
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.182.
58
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.182.
59
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.183.
60
Relatório do Painel, EEC – Animal Feed Proteins, paras. 5.57, 5.60 e 5.76.
61
Relatório do Painel, Argentina – Hides and Leather, para. 11.260.
28
“... não deveriam ser aplicados a produtos importados ou domésticos de modo a
conferir proteção à produção doméstica.”
“[uma] taxa que se conforme aos requisitos da primeira sentença do parágrafo 2 seria
considerada como incompatível com as disposições da segunda sentença apenas em
casos onde a concorrência estaria envolvida entre, por um lado, o produto taxado e,
por outro lado, um produto diretamente concorrente ou substituível o qual não tenha
sido similarmente taxado.”
Ordem de análise – o Artigo III:2, segunda sentença, pode somente ser utilizado se a
medida em questão for incompatível com o Artigo III:2, primeira sentença. Portanto,
deve-se sempre aplicar primeiro o teste sob o Artigo III:2, primeira sentença. Se a
resposta à questão for negativa, então há uma necessidade de examinar mais adiante se a
medida é incompatível com o Artigo III:2, segunda sentença.62 O Órgão de Apelação
expressou em duas ocasiões que o Artigo III:2, segunda sentença, contempla uma
“categoria mais ampla de produtos” do que o Artigo III:2, primeira sentença.63
Teste de três fases – como constatado anteriormente, o Artigo III:2 envolve apenas
“taxa interna ou outro encargo interno de qualquer tipo”. Uma vez que a medida em
questão é uma “taxa interna ou outro encargo interno de qualquer tipo”, e depois que ela
foi determinada como não sendo incompatível com a primeira sentença do Artigo III, a
segunda sentença do Artigo III proporciona um teste diferente. Ele é um teste de três
fases, o que significa que três questões devem ser respondidas para determinar se há
uma violação do Artigo III:2, segunda sentença. Em Japan – Alcoholic Beverages, o
Órgão de Apelação expressou:
62
Relatório do Órgão de Apelação, Canadá – Certas Medidas Relativas a Periódicos (“Canada –
Periodicals”), WT/DS31/AB/R, adotado em 30 de julho de 1997, pp. 22-23.
63
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 25; Relatório do Órgão de
Apelação, Canada – Periodicals, p. 19.
29
Novamente, estas são três questões separadas. Cada uma deve ser estabelecida
separadamente pelo demandante a um Painel para constatar se uma medida de taxação
imposta por um Membro da OMC é incompatível com o Artigo III:2, segunda
sentença.”64
Tanto a primeira como a segunda sentenças do Artigo III:2 envolvem “taxas internas ou
outros encargos internos”. Esta frase tem sido interpretada de modo consistente não
obstante a sua posição na primeira ou na segunda sentenças do Artigo III. O Capítulo
2.5.1 acima inclui a discussão sobre essa frase.
64
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 24. Ver também Relatório do
Órgão de Apelação, Canada – Periodicals, pp. 24-25, e Relatório do Órgão de Apelação, Chile –
Alcoholic Beverages, par. 47.
65
Relatório do Órgão de Apelação, Canada – Periodicals, p. 28.
66
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 118.
67
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 114-116.
30
perfeitamente substituíveis entre si”, uma análise de demanda latente e existente é
requerida, uma vez que a “concorrência no mercado é um processo dinâmico e em
evolução”.68 Além disso, o Órgão de Apelação lembrou que Painéis anteriores
reconheceram que o comportamento do consumidor poderia ser influenciado por
taxação interna protecionista, e concluiu que isso poderia ser altamente relevante para
examinar demanda latente.69
68
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 120.
69
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 120.
70
Ver Relatório do Órgão de Apelação in Japan – Alcoholic Beverages II, p. 24.
71
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 121.
72
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 121.
73
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 134.
74
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 134.
75
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 134.
76
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 137.
31
Ao examinar se produtos são “diretamente concorrentes ou substituíveis entre si”, não é
sempre necessário examinar produtos item por item. Produtos podem ser agrupados
para o propósito deste exame. No entanto, conforme dito pelo Órgão de Apelação, se e
em que medida produtos podem ser agrupados é uma questão a ser decidida na base do
caso a caso.77
77
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Alcoholic Beverages, para. 143-144.
78
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 26-27.
79
Relatório do Órgão de Apelação, Canada – Periodicals , pp. 25-29.
32
2.6.4 A medida de taxação interna é aplicada “de modo a conferir proteção à
produção doméstica”?
Exame em separado – O último requisito do teste sob o Artigo III:2, segunda sentença, é
se as taxas internas são aplicadas “de modo a sustentar proteção à produção doméstica”.
O Órgão de Apelação especificou que esse requisito é separado do requisito do “não
similarmente taxado”, e que, portanto, ele deve ser examinado separadamente. Logo, se
produtos domésticos e importados “não são similarmente taxados”, então uma
investigação mais a fundo deve ser feita a fim de determinar se a medida de taxação foi
tomada “de modo a sustentar proteção à produção doméstica”.80
Isso significa que se os parênteses mais baixos de uma medida de taxação cobrem quase
exclusivamente produtos domésticos, enquanto os parênteses mais altos cobrem quase
exclusivamente produtos importados, a medida de taxação pode ser considerada como
aplicada de modo a sustentar a proteção à produção doméstica. Tal análise não requer o
exame da intenção subjetiva do legislador ou do regulador, mas sim os critérios, a
estrutura e a aplicação geral da medida de taxação.
80
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 27.
81
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 29-30.
82
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, pp. 29-30. Deve-se notar,
porém, que o Órgão de Apelação pareceu dar alguma importância aos relatos feitos pelos representantes
do Governo Canadense sobre os objetivos políticos da medida de tributação em questão. Ver Relatório do
Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, nota 20.
83
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 29.
84
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 29. Ver também Relatório do
Órgão de Apelação, Chile – Alcoholic Beverages II.
85
Relatório do Órgão de Apelação, Japan – Alcoholic Beverages II, p. 27. Ver também Relatório do
Órgão de Apelação, Chile – Alcoholic Beverages II.
33
O Artigo III:4 estabelece:
Teste de três fases – a fim de determinar se há uma violação do Artigo III:4, três
questões devem ser respondidas:
(1) se a medida em questão é uma “lei, regulamento ou requisito afetando sua venda
interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso”;
(2) se os produtos importados e domésticos em questão são “produtos similares”;
(3) se o tratamento concedido aos produtos importados é “menos favorável” do que
aquele concedido a produtos similares domésticos.86
Sem exame em separado sob o Artigo III:1 – deve-se notar que o Artigo III:4 não faz
nenhuma referência específica ao elemento “de modo a sustentar a proteção à produção
doméstica” no Artigo III:1. Portanto, o Artigo III:4, assim como o Artigo III:2, primeira
sentença, não requer um exame em separado se a medida em questão é aplicada de
modo a sustentar a proteção à produção doméstica”.87
86
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Coréia – Medidas que afetam as Importações de Carne Bovina
Fresca, Resfriada e Congelada (“Korea – Beef ”), WT/DS161/AB/R, WT/DS169/AB/R, adotado em 10
de janeiro de 2001, par. 133.
87
Ver Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, par. 216.
88
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 93.
89
Relatório do Painel, Discriminação Italiana Contra Maquinário Agrícola Importado (“Italian
Agricultural Machinery”), adotado em 23 de outubro de 1958, BISD 7S/60, par. 12.
34
Leis e regulamentos processuais – Além disso, foi decidido que o Artigo III:4 abrange
leis, regulamentos e requisitos procedimentais assim como leis, regulamentos e
requisitos substanciais. O Painel em US – Section 337 explicou que procedimentos de
execução não podem ser separados das disposições substantivas para cuja execução se
destinam.90 O Painel também declarou que se disposições processuais de lei interna não
fossem abrangidas pelo Artigo III:4, os Membros da OMC poderiam escapar da
obrigação de tratamento nacional ao aplicar lei substantiva compatível através de
procedimentos incompatíveis menos favoráveis a produtos importados do que a
produtos nacionais.91
90
Relatório do Painel, EUA – Seção 337 do Tariff Act de 1930 (“US – Section 337“), adotado em 7 de
novembro de 1989, BISD 36S/345, par. 5.10.
91
Relatório do Painel, US – Section 337, par. 5.10.
92
Relatório do Painel, Canadá – Importação, Distribuição e Venda de Determinadas Bebidas Alcoólicas
por Agências de Promoção Provinciais (“Canada – Provincial Marketing Agencies (1992)“), adotado em
18 de fevereiro de 1992, BISD 39S/27, par. 5.30.
93
Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies (1992), par. 4.26.
94
Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies (1992), par. 5.4.
95
Relatório do Painel, US – Malt Beverages, par. 5.32.
96
Relatório do Painel, Tailândia – Restrições à Importação de e Tributos Internos sobre Cigarros
(“Thailand – Cigarettes“), adotado em 7 de novembro de 1990, BISD 37S/200, par. 77.
97
Working Party Report, Certificates of Origin, Marks of Origin, Consular Formalities, adotado em 17 de
novembro de 1956, BISD 5S/102, par. 13.
98
Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies (1992), par. 5.12; e Relatório do Painel,
US – Malt Beverages, par. 5.50.
35
venda, compra, ...’ nos termos do Artigo III:4, e portanto incluem-se no escopo dessa
disposição.”99
“Nós não acreditamos que tal nexo possa existir apenas se um governo assume
obrigações de partes privadas legalmente executáveis, como na situação considerada
pelo Painel em Canada – FIRA, ou se um governo condiciona a concessão de uma
vantagem a obrigações assumidas por partes privadas, como na situação considerada
pelo Painel em EEC – Parts and Components. Notamos a esse respeito que a palavra
‘requisito’ foi redefinida para significar ‘1. A ação de requerer algo; uma solicitação.
2. Algo requerido ou necessário, um querer, uma necessidade. Também a ação ou um
caso de necessitar ou querer algo. 3. Algo exigido ou demandado; uma condição que
deve ser preenchida.’ A palavra ‘requisitos’ em seu significado ordinário e à luz desse
contexto no Artigo III:4 claramente implica uma ação do governo envolvendo uma
demanda, pedido ou a imposição de uma condição, mas em nossa opinião esse termo
não carrega uma conotação particular com respeito à forma legal na qual tal ação de
governo é realizada. A esse respeito, nós consideramos que, ao aplicar o conceito de
‘requisitos’ do Artigo III:4 a situações envolvendo ações por partes privadas, é
necessário levar em conta que há uma ampla variedade de formas de ação de governo
que pode ser efetiva em influenciar a conduta de partes privadas.”103
99
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, par. 220.
100
Ver Relatório do Painel, Canada – Autos, par. 10.80 e 10.84.
101
Ver Relatório do Painel, Canadá – Administração do Ato de Revisão de Investimentos Estrangeiros
(“Canada – FIRA”), adotado em 7 de fevereiro de 1984, BISD 30S/140, par. 5.5.
102
Ver Relatório do Painel, Canada – Autos, par. 10.80 e 10.84.
103
Relatório do Painel, Canada – Autos, par. 10.106-10.107.
36
2.7.2 Os produtos importados e domésticos são “similares”?
Artigo III:1 – quanto ao efeito do “princípio geral” contra protecionismo no Artigo III:1
sobre a interpretação do Artigo III:4, o Órgão de Apelação declarou que:
“Uma vez que produtos que estão em uma relação concorrencial no mercado poderiam
ser afetados através do tratamento de importações ‘menos favoráveis’ do que o
tratamento considerado para produtos domésticos, segue que a palavra ‘similar’ no
Artigo III:4 deve ser interpretada para aplicar a produtos que estejam em tal relação
concorrencial. Portanto, uma determinação de “similaridade” sob o Artigo III:4 é,
fundamentalmente, uma determinação sobre a natureza e extensão de uma relação
concorrencial entre produtos.
... [Nós] [] concluímos que o escopo do produto do Artigo III:4, embora mais amplo do
que a primeira sentença do Artigo III:2, certamente não é mais amplo do que o escopo
combinado do produto das duas sentenças do Artigo III:2 do GATT 1994.
Reconhecemos que, ao interpretar o termo ‘produtos similares’ no Artigo III:4 desta
maneira, damos àquela disposição um escopo de produto relativamente amplo –
embora não mais amplo do que o escopo do produto do Artigo III:2.”107
104
Ver Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 95. Ver Relatório do Órgão de Apelação,
Japan Alcoholic Beverages II, pp. 19-20 e Relatório do Órgão de Apelação, Canada – Periodicals, pp.
20-23.
105
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 94-96.
106
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 98.
107
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 97-100.
37
Critérios – Em EC – Asbestos, o Órgão de Apelação também enumerou critérios a
serem levados em conta para determinar se produtos são “similares” nos termos do
Artigo III:4. O Órgão de Apelação declarou:
“Como no Artigo III:2, nesta determinação, ‘nenhuma abordagem ... será apropriada
para todos os casos.’ Particularmente, uma avaliação utilizando ‘um inevitável
elemento de julgamento individual, discricionário’ deve ser feito em uma base de caso
a caso. O Relatório do Grupo de Trabalho sobre Border Tax Adjustments delineou uma
abordagem para analisar ‘similaridade’ que tem sido seguida e desenvolvida desde
então por alguns painéis e pelo Órgão de Apelação. Esta abordagem consistiu,
principalmente, em empregar quatro critérios gerais para analisar ‘similaridade’: (i)
as propriedades, natureza e qualidade dos produtos; (ii) os usos finais dos produtos;
(iii) gostos e hábitos dos consumidores – mais compreensivelmente chamados de
percepções e comportamento dos consumidores – a respeito dos produtos; e (iv) a
classificação tarifária dos produtos. Notamos que esses quatro critérios incluem quatro
categorias de ‘características’ que os produtos envolvidos podem dividir: (i) as
propriedades físicas dos produtos; (ii) a extensão em que os produtos são capazes de
servir aos mesmos ou similares usos finais; (iii) a extensão em que consumidores
percebem e tratam os produtos como meios alternativos de executar funções
particulares a fim de satisfazer um desejo ou demanda particular; e (iv) a classificação
internacional dos produtos para propósitos tarifários.”108
Lista não-exaustiva – contudo, deve-se notar que essa lista não é de modo nenhum
exaustiva. Esses critérios pretendem ser “simplesmente ferramentas para assistir na
tarefa de selecionar e examinar as evidências relevantes”.109 Isso significa que toda
evidência pertinente deve sempre ser examinada, e não apenas evidência relativa a
alguns desses critérios. Em EC – Asbestos, o Órgão de Apelação discordou com a
recusa do Painel em considerar os riscos à saúde postos por asbestos na sua
determinação de “similaridade”. O Órgão de Apelação declarou:
“... nem o texto do Artigo III:4, nem a prática dos painéis e do Órgão de Apelação
sugerem que qualquer evidência deveria ser excluída a priori do exame de
‘similaridade’ por um painel. Além disso, como dissemos, ao examinar a ‘similaridade’
de produtos, os painéis devem avaliar todas as evidências relevantes. Nós somos
fortemente da opinião de que evidência relativa a riscos à saúde associados a um
produto pode ser pertinente em um exame de ‘similaridade’ sob o Artigo III:4 do GATT
1994. Não consideramos, porém, que a evidência relativa aos riscos à saúde
associados a fibras de asbestos de crisotila precisa ser examinada sob um critério
separado, pois acreditamos que essa evidência pode ser avaliada sob os critérios
existentes de propriedades físicas, e de gostos e hábitos de consumidores, ...”110
108
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 101.
109
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 102.
110
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 113.
38
saúde pode ser relevante ao avaliar a relação concorrencial no mercado entre produtos
supostamente ‘similares’”.111
“Evidência desse tipo é de particular importância sob o Artigo III do GATT 1994,
precisamente porque aquela disposição está preocupada com relações concorrenciais
no mercado. Se não há – ou poderia não haver – relação concorrencial entre produtos,
um Membro não pode intervir, através de taxação interna ou regulamento, para
proteger a produção doméstica. Logo, evidência sobre a extensão em que produtos
podem servir aos mesmos usos finais, e a extensão em que consumidores desejam – ou
desejariam – escolher um produto ao invés de outro para executar aqueles usos finais,
é evidência altamente relevante ao avaliar a ‘similaridade’ daqueles produtos sob o
Artigo III:4 do GATT 1994.
Consideramos que isso é especialmente assim em casos onde a evidência relativa às
propriedades estabelece que os produtos em questão são fisicamente bem diferentes.
Em tais casos, a fim de resolver essa indicação de que produtos não são ‘similares’, um
encargo maior é colocado sobre Membros demandantes para estabelecer que, apesar
das diferenças físicas pronunciadas, há uma relação concorrencial entre os produtos
tal que todas as evidências, juntadas, demonstram que os produtos são ‘similares’ sob
o Artigo III:4 do GATT 1994.”112
111
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 115. Deve-se notar que um Membro do Órgão
de Apelação escreveu uma “opinião divergente” sobre essa questão, na qual ele discordou com os dois
outros Membros da Divisão de que a relação competitiva é decisiva na determinação de “similaridade” de
produtos sob o Artigo III:4.
112
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 117-118.
113
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 122.
114
Relatório do Painel, EUA – Padrões para Gasolina Reformulada e Convencional (“US – Gasoline”),
WT/DS2/R, adotado em 20 de maio de 1996, modificado pelo Relatório do Órgão de Apelação,
WT/DS2/AB/R, DSR 1996:I, 29, para. 6.17.
39
US – Tuna – Finalmente, no relatório não-adotado de US – Tuna, o Painel entendeu que
diferenças no processamento e nos métodos de produção de produtos não são relevantes
ao determinar “similaridade”:
“Observamos ... que o Artigo III:4 exige apenas que uma medida conceda tratamento a
produtos importados que seja ‘não menos favorável’ do que aquele concedido a
produtos domésticos similares. Uma medida que forneça tratamento a produtos
importados que é diferente daquele concedido a produtos domésticos similares não é
necessariamente incompatível com o Artigo III:4, desde que o tratamento dado pela
medida não seja ‘menos favorável’. Conceder ‘tratamento não menos favorável’
significa, como dissemos anteriormente, conceder condições de competição não menos
favoráveis ao produto importado do que ao produto doméstico similar. ...
Para saber se produtos importados são tratados ‘menos favoravelmente’ do que
produtos domésticos similares, isto deve ser avaliado examinando se uma medida
modifica as condições de concorrência no mercado relevante em detrimento de
produtos importados.”119
Balanceamento não permitido – Em US – Gasoline, o Painel explicou que “[a] letra [do
Artigo III:4] não permite tratamento menos favorável dependente das características do
produtor e da natureza dos dados mantidos por ele”.120 O Painel também rejeitou o
argumento feito pelos Estados Unidos de que o regulamento em questão tratava
produtos importados “igualmente no geral” e, portanto, era compatível com o Artigo
III:2. O Painel notou que esse argumento chegava a afirmar que o tratamento menos
favorável de produtos importados particulares em alguns casos poderia ser compensado
ou balanceado pelo tratamento mais favorável de produtos particulares em outros.121
Contudo, sob os Artigos I:1, III:2 e III:4, tal “balanceamento” não é admissível.122
119
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 135-137.
120
Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.11.
121
Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.14.
122
Ver Relatório do Painel, US – Section 337, par. 6.14.
123
Ver Relatório do Painel, Canada – Provincial Marketing Agencies.
124
Ver Relatório do Painel, US – Malt Beverages.
125
Ver Relatório do Painel, EC – Bananas III.
126
Ver Relatório do Painel, Canada – Autos.
41
1. Quais são os dois elementos do princípio de não-discriminação em direito do
comércio internacional? Qual é a diferença entre a obrigação de nação mais
favorecida e a obrigação de tratamento nacional?
42
3. O PRINCÍPIO DO ACESSO A MERCADOS NO GATT 1994
3.2 Tarifas
Tarifas – Tarifas ou taxas alfandegárias128 são encargos financeiros que recaem sobre
bens no momento de sua importação. O acesso a mercados está condicionado ao
pagamento das tarifas aduaneiras. Estas podem ser tanto específicas (quantidade
baseada em peso, volume etc.), quanto ad valorem (quantidade baseada no valor). As
Tarifas aduaneiras Ad valorem têm sido mais comuns.
Recusa à proibição geral – De acordo com o GATT, as tarifas ou tarifas aduaneiras não
são proibidas. Isto está exatamente em contraste com a proibição geral de restrições
quantitativas prevista no artigo XI do GATT 1994. As normas da OMC/GATT têm
nítida preferência pelas tarifas aduaneiras.
127
Ver, por exemplo, o Acordo sobre Agricultura e o Acordo sobre Têxteis e Vestuário.
128
O GATT 1994 usa ambos os termos indistintamente.
43
O artigo XXVIII do GATT 1994 incita e apela aos membros da OMC para negociar a
redução de tarifas:
Artigo XXVIII
Negociações de tarifas
2. (a) As negociações sob este Artigo poderão ser conduzidas de modo seletivo produto
–por - produto ou sob a aplicação destes procedimentos multilaterais que poderão ser
aceitas pelas partes envolvidas. Estas negociações poderão ser dirigidas rumo à
redução de tarifas, relacionando as tarifas sob os níveis existentes ou comprometendo-
se que tarifas individuais ou as tarifas medianas das categorias específicas de produtos
não excedam níveis especiais. A obrigação contra o aumento das tarifas baixas ou das
tarifas aduaneira isentas deverá, em princípio, ser reconhecida, em termos de valor,
como concessão equivalente à redução de tarifas elevadas.
129
Para um estudo detalhado sobre cada uma das rodadas, favor verificar Anwarul Hoda, “Tariff
Negotiations and Renegotiation under the GATT and the WTO”, Cambridge University Press, 2001,
44
Resultado das Negociações – Estas oito rodadas de negociações tiveram bastante
sucesso no que se refere à redução de tarifas e tarifas aduaneiras. Nos últimos quarenta
anos, a média da tarifa sobre produtos industrializados era em torno de 40 por cento ad
valorem. Como resultado da Rodada do Uruguai e das Rodadas anteriores, a tarifa
média ficou em 3,9%. Muitos produtos hoje possuem a tarifa zero. Economistas,
freqüentemente, consideram que tarifas aduaneiras inferiores a 5 por cento são um
incômodo e não uma barreira. Entretanto, em mercados muito competitivos, ou em
comércio entre países vizinhos, uma tarifa/tarifa muito baixa poderá continuar a
constituir uma barreira. Além disso, muitos países em desenvolvimento possuem tarifas
elevadas em grupos específicos de produtos, como produtos agrícolas e têxteis.
NMF - Negociações de tarifas são conduzidas de forma bilateral, mas qualquer redução
em tarifa aduaneira irá beneficiar todos os outros Membros. Este é o resultado da não
discriminação das obrigações no GATT, mais particularmente, a obrigação de
tratamento da nação mais favorecida coberta pelo Capítulo 2. Como resultado da
obrigação de tratamento da nação mais favorecida, as negociações sobre redução de
tarifa aduaneira são, entretanto, consideravelmente complicada porque o país A irá
resistir na concessão de redução de tarifas a outros países, sem receber algo como
retorno. Assim, é plausível que irá retardar a sua negociação com o país B, até que este
seja capaz de oferecer algo em retorno de outros países. A obrigação de estender
qualquer concessão bilateral para todos os membros da OMC leva os membros a
negociarem a redução de tarifas de modo multilateral.130
Capítulo II: “Tariff Conferences and Rounds of Multilateral Trade Negotiations”, páginas 25-78, e para
práticas e procedimentos em renegociações, verificar Capítulo IV, páginas 83-110.
130
Ver John H. Jackson, A Jurisprudência do GATT e da OMC (“The Jurisprudence of GATT and the
WTO”), Cambridge Univesity Press, 2000, página 59, Capítulo 5: Igualdade e discriminação no direito
econômico internacional: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio. (Equality and discrimination in
international economic law: the General Agreement on Tariffs and Trade”), páginas 57-68.
131
Verificar capítulo 3.2.1 deste Módulo
45
Renegociações de Tarifas – É possível aos Membros modificar ou retirar as concessões
tarifárias depois da negociação, com observância de condições específicas. É
comumente referida como renegociações de tarifas. O Artigo XXVIII do GATT 1994
regula a renegociação de concessões de tarifas. A modificação ou retirada de
concessões de tarifas só é possível perante Membros com quem inicialmente houve
negociações ou com os Membros que estejam voltados ao fornecimento. Também
devem ser realizadas consultas aos Membros que tiverem interesse substancial nas
referidas concessões. É de se esperar do Membro que estiver buscando modificação ou
retirada das concessões tarifárias a compensação em outros produtos. Se um Membro
não cumprir um acordo, os Membros envolvidos terão o direito de retirar as suas
concessões negociadas inicialmente com o Membro que fizer as modificações
tarifárias.132
Artigos II:1 GATT 1994 – Os Artigos II:1(a) e II:1(b) do GATT 1994 prevêem regras
relacionadas às concessões previstas nas listas de concessões tarifárias e estabelecem:
Artigo II
Lista de Concessões
1. (a) Cada [Membro] deverá conferir ao comércio de outro [Membro] tratamento não
menos favorável do que aquele estabelecido na Lista apropriada anexada a este
Acordo.
132
Para maiores informações sobre renegociações de tarifas, verificar Rodada Anwarul, Negociações e
Renegociações de Tarifas no GATT e na OMC (“Anwarul Hoda, Tariff Negotiations and Renegotiation
under the GATT and the WTO”, Cambridge University Press, 2001, Chapter II: “Tariff Conferences and
Rounds of Multilateral Trade Negotiations”, páginas 11-18.
46
prevista na data deste Acordo ou aqueles requeridos diretamente ou obrigatoriamente
para serem impostos pela legislação que estiver em vigor no território importador.
O Artigo II: 1(a) estipula que os Membros deverão concordar com o tratamento
comercial menos favorável de outros Membros do que aquele conferido à parte
apropriada da Lista anexa a este Acordo. O Artigo II;1(b), em sua primeira sentença,
estipula que os produtos descritos na Parte I da Lista de qualquer Membro deverão, na
importação, ser isentos de tarifas aduaneiras ordinárias superiores àquelas previstas na
referida Lista. Isto significa que os produtos não estarão sujeitos às tarifas aduaneiras
acima das concessões tarifárias.
“Outras obrigações e encargos”- Todas as taxas aplicadas sobre a importação, além das
tarifas que não estão em conformidade com o Artigo VIII do GATT 1994 sobre “taxas e
procedimentos”(Ver capítulo 3.4) são consideradas como “outras obrigações e
encargos” com o significado do Artigo II:1(b) do GATT 1994, que estabelece que os
produtos mencionados nas listas de concessões “deverão estar isentos de outras
obrigações e encargos de qualquer natureza que excederam aquelas aplicadas ao tempo
em que a concessão foi feita.”
Intenções Comuns das Partes - Como julgado pelo Órgão de Apelação no caso EC –
Computer Equipment, as regras aplicáveis para interpretar o significado de uma
concessão são as regras gerais de interpretação estabelecidas na Convenção de Viena
sobre Direito dos Tratados – “Vienna Convention on the Law of Treaties”, com o
propósito de assegurar os interesses comuns das partes.134 Neste sentido, o Órgão de
Apelação também deixou claro que os interesses comuns não podem ser assegurados
com base subjetiva unilateral e “expectativas” unilateralmente determinadas por cada
uma das partes do tratado.135 Similarmente, o Órgão de Apelação julgou que a prática
por somente uma das partes poderá ser relevante, mas é de valor mais limitado do que
133
Relatório do Órgão de Apelação, Argentina – Medidas que afetam importação de calçados, têxteis,
vestimentas e outros itens. (“Argentina – Textiles and Apparel”)
134
Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Européias – Classificação de tarifas de certos
equipamentos de computadores (“EC – Computer Equipment”), WT/DS62/AB/R, WT/DS67/AB/R,
WT/DS68/AB/R, adotado em 22 de Junho de 1998, parágrafo 84.
135
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 84.
47
aquela praticada por todas as partes.136 O Órgão de Apelação acrescentou que o Sistema
Harmonizado, incluindo suas notas explicativas, e decisões da Organização Mundial de
Tarifas – “World Customs Organization” (“WCO”) poderão ser relevantes para
interpretar as concessões tarifárias na Lista LXXX.137 O Órgão de Apelação afirmou
que a prática de um membro da OMC durante a Rodada Uruguai poderá constituir
“circunstâncias da conclusão” do Acordo da OMC e poderão ser usadas como formas
suplementares de interpretação no sentido constante do Artigo 32 da Convenção de
Viena.138 Finalmente, o Órgão de Apelação estatuiu que a prática de classificação
anterior poderá ser freqüentemente significante, porém a prática desta classificação
incompatível não poderá ser relevante para interpretar o significado da concessão de
tarifa.139
A relação entre as concessões de tarifas e o GATT 1994 foi explorada em alguns casos,
e a regra geral que surgiu de cada um desses casos é a seguinte: um Membro poderá
136
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 93.
137
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 89-90.
138
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 92.
139
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafo 95.
140
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Computer Equipment, parágrafos 109-110.
48
renunciar aos seus próprios direitos e garantir benefícios a outros Membros, mas não
poderá reduzir unilateralmente suas próprias obrigações.141
Assim, a concessão prevista na Lista LXXX referente à alíquota da tarifa para carne de
frango congelada deverá estar de acordo com os Artigos I e XIII do GATT 1994.142
Quota tarifária - Uma quota tarifária, entretanto, não é uma quota e não é considerada
como uma restrição quantitativa. Uma quota tarifária é uma quantidade que poderá ser
importada sob uma determinada tarifa. Por exemplo, um Membro poderá permitir a
importação de 5000 objetos a 10 por cento ad valorem e qualquer objeto importado
acima desta quantidade, a 20 por cento ad valorem. As quotas tarifárias não são
restrições quantitativas uma vez que não proíbem ou restringem a importação. Elas
somente submetem as importações a tarifas variáveis.
141
Verificar relatório do Painel, EUA – Restrições à Importação de Açúcar (“US – Sugar Headnote”),
adotado em 22 de Junho de 1989, BISD 36S/331, parágrafo 5.2; Relatório do Órgão de Apelação, EC –
Bananas III, para. 154-155; e Relatório do Órgão de Apelação, EC – Poultry, para. 98.
142
Relatório do Órgão de Apelação, Comunidades Européias – Medidas que afetam a importação de
determinados produtos de frango (“EC – Poultry”), WT/DS69/AB/R, adotado em 23 de julho de 1998,
paras. 98-99.
49
Artigo XI do GATT 1994 – O GATT 1994 dispõe sobre uma proibição geral de
restrições quantitativas. Um dos principais objetivos do GATT 1994 é proteger a
indústria doméstica somente com tarifas. O Artigo XI:1 do GATT 1994 estabelece:
Artigo XI
1. Nenhuma proibição ou restrição que não seja tarifária, tributária ou que envolva
outros encargos, quando adotadas por quotas, licenças de importação e exportação ou
outras medidas, deverá ser instituída ou mantida por qualquer [Membro] na
importação de qualquer produto de território de outro [Membro] ou na exportação ou
venda para exportação de qualquer produto destinado ao território de qualquer outro
[Membro].
RQs em outros Acordos da OMC - Alguns outros Acordos da OMC contêm previsões
que regulam a redução gradativa das restrições quantitativas das suas respectivas áreas
de interesse. Isto é ilustrado no Módulo 3.11 sobre têxteis e vestuários, por exemplo.
Artigo XIII do GATT 1994 - O GATT 1994 prevê que as restrições quantitativas, como
proibição de importação, por exemplo, quando aplicadas, devem ser administradas com
fundamento não discriminatório. Desta forma, restrições quantitativas, quando
aplicadas, devem abranger todos os membros igualmente. Isto é conhecido como a regra
da “restrição similar”. O Artigo XIII:1 do GATT 1994 estipula:
Artigo XIII
143
Artigo XI:2 do GATT 1994.
50
1. Nenhuma proibição ou restrição deverá ser aplicada por qualquer [Membro] na
importação de qualquer produto do território de outro [Membro] ou na exportação de
qualquer produto destinado para o território de qualquer outro [Membro], salvo se a
importação do produto de um terceiro país ou a exportação de um terceiro país seja
igualmente proibida ou restrita.
Artigo XIII:4 do GATT 1994 – O GATT 1994 prevê que, se as negociações para
alocação da divisão de quotas não forem bem sucedidas, as alocações deverão ser feitas
de acordo com a respectiva proporção dos países fornecedores no comércio, durante o
período de representação anterior.144
Com base na não – discriminação prevista no Artigo XIII do GATT 1994, o Órgão de
Apelação enfatizou em EC – Bananas III que a igualdade de tratamento dos produtos é
a essência da não – discriminação, independentemente de sua origem.
Consequentemente, neste caso, a condição da não discriminação aplicável a todas as
importações de bananas, independe de quando e como um Membro categoriza ou
subdivide essas importações para fins administrativos ou quaisquer outras razões. O
Órgão de Apelação esclarece que se um Membro poderia evitar a aplicação da não
discriminação desses produtos diante de outro Membro, por meio da escolha de uma
base legal diferente, o Membro poderia, assim, muito facilmente dissimular a previsão
de não - discriminação do GATT 1994 no caso da previsão desses atos normativos
aplicarem-se somente a este Membro.145
Artigo II:1 (b) do GATT 1994 – O Artigo II:1(b) do GATT 1994, na segunda sentença,
prevê:
Esta previsão estipula que com relação aos produtos em que há uma concessão tarifária,
nenhuma outra obrigação ou encargo financeiro poderá ser imposto além daqueles
impostos em 1948 ou em qualquer momento de ingresso no GATT ou OMC, ou
estabelecidos em legislação em vigor em qualquer das referidas datas. O Entendimento
para Interpretação do Artigo II:1(b) prevê a obrigação de registrar todas as outras
144
Artigo XIII:4 f do GATT 1994.
145
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Bananas III, para. 190.
51
obrigações e encargos na Lista do Membro da OMC. Somente quando estiverem
devidamente registradas, podem “outras obrigações e encargos” ser impostas.
Artigo II: 2(c) do GATT 1994 – Por outro lado, o Artigo II do GATT 1994 prevê uma
exceção permitindo a imposição de taxas ou outros encargos:
Nada neste Artigo impedirá qualquer parte contratante de impor a qualquer momento,
na importação de qualquer produto:
....
taxas ou outros encargos proporcionais ao custo dos serviços prestados.
Artigo VIII: 1(a) do GATT 1994 – O Artigo VIII: 1(a) do GATT 1994 prevê que todas
as taxas e encargos (exceto tarifas) impostos sobre a importação ou exportação deverão
ser limitados ao custo aproximado dos serviços prestados, e não deverão constituir
proteção indireta dos produtos nacionais ou taxação para fins fiscais. Os Membros
também reconhecem a necessidade de reduzir o número e a diversidade de taxas e
encargos.146
Esta é uma categoria muita ampla. Muitas barreiras não tarifárias aplicam-se a produtos
nacionais e importados. Incluem-se procedimentos aduaneiros, atos normativos
técnicos, medidas sanitárias e fitossanitárias, encargos equivalentes às taxas nacionais,
anti-dumping e medidas de salvaguarda sobre serviços prestados. Informações
adicionais sobre outras barreiras não tarifárias estão no Capítulo 3.4 acima, Módulo 3.9
em medidas sanitárias e fitossanitárias e, Módulo 3.10 em barreiras técnicas ao
comércio.
Não há regras gerais no âmbito da OMC sobre barreiras não tarifárias, porém há regras
sobre barreiras específicas. Por exemplo, em relação a formalidades aduaneiras, os
Membros reconhecem a necessidade de minimizar a incidência e a complexidade das
formalidades de importação e exportação para diminuir e simplificar os documentos de
importação e exportação requeridos.
Muitas medidas não tarifárias estão sob as previsões da Parte II do GATT 1994 (Artigo
III do Artigo XXIII do GATT 1994). Estes artigos tratam do tratamento nacional em
relação à taxação interna e suas regras, às quotas de exibição de filmes
cinematográficos, ao trânsito livre, a anti-dumping e direitos alfandegários
compensatórios, às avaliações para fins alfandegários, às taxas e formalidades, às
marcas de origem, às restrições quantitativas, aos subsídios, às restrições impostas por
razões de balança de pagamentos e ao auxílio governamental para desenvolvimento
econômico. Na parte II há maiores disposições sobre exceções gerais de segurança.
Muitos outros acordos da OMC tratam de barreiras não tarifárias, mais especificamente
o Acordo TRIMS, o Acordo sobre Inspeção Pré-Embarque (Agreement on Preshipment
Inspection), o Acordo sobre Compras Governamentais (Agreement on Government
Procurement), e o Acordo TRIPs (TRIPs Agreement).
Artigo X
53
(b) Cada [Membro] deverá manter, ou instituir assim que possível, juízo, árbitros,
tribunais administrativos ou procedimentos para este fim, inter alia, para a revisão
imediata e correção de atos administrativos relacionadas às matérias aduaneiras. Estes
tribunais ou procedimentos deverão ser independentes em relação às agências
envolvidas na execução administrativa, e suas decisões deverão ser implementadas
pelas agências a não ser que um recurso tenha sido interposto para uma corte ou
tribunal de jurisdição superior dentro do prazo previsto aos importadores; desde que a
administração central desta agência possa adotar medidas para obter uma revisão da
matéria em outro procedimento, tendo bons fundamentos para sustentar que a decisão
foi inconsistente em relação aos princípios estabelecidos por lei ou fatos.
54
4. EXCEÇÕES ÀS DISCIPLINAS DO GATT 1994
O GATT 1994 permite aos Membros da OMC eximirem-se das disciplinas do GATT a
fim de protegerem valores sociais sob certas condições específicas.
Artigo XX
Exceções Gerais
Sujeito aos requisitos de que tais medidas não sejam aplicadas de maneira que possam
constituir arbitrária ou injustificada discriminação entre países onde as mesmas
condições prevaleçam, ou disfarçada restrição ao comércio internacional, nada neste
Acordo poderá ser interpretado de forma a evitar a adoção ou aplicação por qualquer
parte contratante de medidas:
55
Equilíbrio - Sobre a relação entre o Artigo XX e os demais dispositivos do GATT, o
Órgão de Apelação mencionou no US - Gasoline que alguma forma de equilíbrio é
necessária: os dispositivos do Artigo XX “não devem ser lidos tão expansivamente de
forma a subverter seriamente o propósito e o objeto” de outros dispositivos do GATT.
Nem se pode dar a outros dispositivos do GATT 1994 “um alcance tão amplo a ponto
de macular” os dispositivos do Artigo XX e as políticas e interesses nele
incorporados.147 O Órgão de Apelação concluiu que a relação entre “as exceções gerais”
do Artigo XX deve ser examinada caso a caso, “através do escrutínio cuidadoso do
contexto factual e legal de determinada disputa, considerando as palavras de fato usadas
pelos Membros da OMC para expressar suas intenções e propósitos”.148
Teste em duas fases - A abordagem geral para determinar se uma medida em apreço
configura uma exceção válida nos termos do Artigo XX é a aplicação do teste dos dois
níveis:
A seqüência dos passos indicados acima para análise dos pedidos de justificação nos
termos do Artigo XX reflete não uma escolha inadvertida ou aleatória, mas sim, pelo
contrário, a estrutura fundamental e lógica do Artigo XX...
147
Órgão de Apelação Report, US – Gasoline, p. 16-17.
148
Órgão de Apelação Report, US – Gasoline, p. 16-17.
149
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, p. 22.
150
Relatório do Órgão de Apelação, Estados Unidos – Proibição à importação de certos camarões e
produtos à base de camarão (“US - Shrimp”), WT/DS58/AB/R, adotado em 6 de novembro de 1998,
paras. 119-120.
56
Várias exceções específicas estão contempladas no Artigo XX , parágrafos (a) a (j),
para medidas que seriam, em princípio, incompatíveis com as disposições do GATT
1994. Essas exceções reconhecem que os Membros têm o direito de adotar e
implementar legítimas políticas governamentais que podem entrar em conflito com a
liberalização comercial. Tais políticas governamentais podem objetivar a proteção de
valores sociais e interesses legítimos tais como vida ou saúde humana, animal e vegetal,
recursos naturais esgotáveis, tesouros nacionais de valor artístico, histórico ou
arqueológico e valores morais.
Para os propósitos deste Curso, somente trataremos das exceções específicas que já
foram cuidadosamente consideradas em diferentes relatórios do GATT e da OMC, ou
seja, as exceções específicas previstas nos Artigos XX(b), XX(d) e XX(g).
“... nada neste Acordo deverá ser interpretado de forma a impedir a adoção ou
aplicação, por qualquer parte contratante, de medidas:
...
(b) necessárias para proteger a vida humana, animal ou vegetal, ou a saúde;”
Teste de duas fases – O Artigo XX(b) prevê um teste de duas fases para determinar se
uma medida é justificada sob aquela disposição, antes de examinar se ele também
satisfaz os elementos do caput do Artigo XX. A parte invocando o Artigo XX(b) deve
estabelecer:
1) que a política relativa às medidas para as quais o dispositivo foi invocado inclui-
se no espectro de políticas destinadas a proteger a vida ou saúde humana, animal ou
vegetal;
2) que as medidas incompatíveis para as quais a exceção está sendo invocada são
necessárias para cumprir o objetivo da política.151
151
Ver Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.20.
152
Relatório do Painel, Thailand – Cigarettes, par. 73.
153
Ver Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 162.
57
medida é “necessária” nos termos do Artigo XX(b) apenas quando não há medidas
alternativas compatíveis com o GATT, ou menos incompatíveis com ele, cujo emprego
poderia razoavelmente ser esperado pelo Membro demandado, para alcançar seu
objetivo.154 À luz desse padrão, o Painel em Thailand – Cigarettes conduziu a seguinte
avaliação da “necessidade” das restrições à importação da Tailândia alegadamente
estabelecidas para proteger a saúde pública:
Em suma, o Painel considerou que havia várias medidas compatíveis com o Acordo
Geral que estavam razoavelmente à disposição da Tailândia para controlar a
qualidade e quantidade de cigarros fumados e que, colocadas juntamente, poderiam
alcançar os objetivos da política de saúde que o governo tailandês busca ao restringir
a importação de cigarros de modo incompatível com o Artigo XI:1. O Painel entendeu,
portanto, que a prática da Tailândia de permitir a venda de cigarros domésticos
enquanto não permitia a importação de cigarros estrangeiros era uma
incompatibilidade com o Acordo Geral não ‘necessária’ nos termos do Artigo
XX(b).”155
“O Painel considerou que as medidas dos Estados Unidos, mesmo que o Artigo XX(b)
fosse interpretado de forma a permitir a proteção extrajurisdicional da vida e da saúde,
não alcançariam o requisito de necessidade previsto nesta disposição. Os Estados
Unidos não demonstraram ao Painel – como exigido pela parte invocando uma exceção
154
Relatório do Painel, Thailand – Cigarettes, par. 74-75.
155
Relatório do Painel, Thailand – Cigarettes, par. 73-81.
58
do Artigo XX – que eles exauriram todas as opções razoavelmente disponíveis para
isso, para perseguir os objetivos de proteção aos golfinhos através de medidas
compatíveis com o Acordo Geral, em particular através da negociação de arranjos de
cooperação internacional, que pareceriam desejáveis à luz do fato de que golfinhos
vagam pela águas de muitos Estados e pelo alto-mar. Ademais, ainda que se assumisse
que uma proibição à importação fosse o único recurso razoavelmente disponível aos
Estados Unidos, a medida particular escolhida pelos Estados Unidos poderia, na
opinião do Painel, não ser considerada como necessária nos termos do Artigo XX(b).
Os Estados Unidos ligaram a taxa máxima de captura incidental de golfinhos que o
México tinha de alcançar durante um período particular a fim de poder exportar atum
aos Estados Unidos, com a taxa de captura realmente registrada para os pescadores
dos Estados Unidos durante o mesmo período. Conseqüentemente, as autoridades
mexicanas não poderiam saber se, em um dado momento, suas políticas conformavam-
se aos padrões de proteção a golfinhos dos Estados Unidos. O Painel considerou que
uma limitação ao comércio baseada em tais condições imprevisíveis não poderia ser
considerada como necessária para proteger a saúde ou a vida de golfinhos.”156
156
Relatório do Painel, US – Tuna/Dolphin, par. 5.25-5.28.
157
Ver Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.22.
158
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 168.
159
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 166 e 163.
160
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 162.
59
“Nesse caso, o objetivo visado pela medida é a preservação da vida humana e da saúde
através da eliminação, ou redução, dos bem conhecidos, e ameaçadores, riscos à saúde
colocados pelas fibras de asbestos. O valor almejado é tanto vital como importante no
nível mais alto. A questão restante, então, é se há uma medida alternativa que
alcançaria o mesmo fim e que é menos restritiva ao comércio do que uma proibição. ...
Meios Suficientes de Prova – Quanto aos meios suficientes de prova para justificar uma
medida de outro modo incompatível com o GATT sob o Artigo XX(b), o Órgão de
Apelação declarou em EC – Asbestos, que um Membro pode valer-se, de boa-fé, de
fontes científicas que, naquele momento, podem representar uma opinião divergente,
mas qualificada e respeitada. O Órgão de Apelação expressou:
“... nada neste Acordo deverá ser interpretado para impedir a adoção ou
implementação por qualquer parte contratante de medidas:
...
(d) necessárias para assegurar a obediência a leis ou regulamentos que não são
incompatíveis com as disposições deste Acordo, incluindo aqueles relativos à
161
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 174.
162
Relatório do Órgão de Apelação, EC – Asbestos, par. 178.
60
implementação de aduanas, a implementação de monopólios operados sob o parágrafo
4 do Artigo II e do Artigo XVII, a proteção de patentes, marcas registradas e direitos
autorais, e a prevenção de práticas enganosas;”
Teste de duas fases – Duas questões precisam ser respondidas a fim de determinar se
medidas de outro modo incompatíveis com o GATT podem ser justificadas
provisoriamente sob o Artigo XX(d), antes de determinar se as medidas também
satisfazem os requisitos sob o caput do Artigo XX. O ônus de demonstrar que esses dois
elementos estão presentes reside no Membro que invoca o Artigo XX(d) como
justificativa.163
“Em suma, a determinação de se uma medida, que não é ‘indispensável’, pode não
obstante ser ‘necessária’ dentro da contemplação do Artigo XX(d), envolve em todo
caso um processo de pesar e balancear uma série de fatores que incluem, de forma
proeminente, a contribuição feita pela medida de obediência para a implementação da
lei ou regulamento em questão, a importância dos interesses ou valores comuns
protegidos por aquela lei ou regulamento, e o impacto da lei ou regulamento associado
às importações ou exportações.”166
“... nada neste Acordo deverá ser interpretado para impedir a adoção ou
implementação por qualquer parte contratante de medidas:
...
(g) relativas à conservação de recursos naturais esgotáveis se tais medidas forem
aplicadas em conjunção com restrições à produção ou consumo domésticos;”
163
Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 157.
164
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 157.
165
Relatório do Painel, US – Gasoline, par. 6.33.
166
Ver Relatório do Órgão de Apelação, Korea – Beef, par. 164.
61
Teste de três fases – Três questões precisam ser respondidas sob o Artigo XX(g) para
avaliar se a medida em disputa é provisoriamente justificada sob o Artigo XX, antes de
determinar se ela também satisfaz os elementos do caput do Artigo XX;
“... nós não acreditamos que recursos naturais ‘esgotáveis’ e recursos naturais
‘renováveis’ sejam mutuamente excludentes. Uma lição que as ciências biológicas
modernas nos ensinam é que espécies vivas, embora em principio capazes de
reprodução e, nesse sentido, ‘renováveis’, são realmente em certas circunstâncias
suscetíveis de depleção, exaustão e extinção, freqüentemente devido a atividades
humanas. Recursos vivos são tão ‘finitos’ quanto petróleo, minério de ferro e outros
recursos não-vivos.
As palavras do Artigo XX(g), ‘recursos naturais esgotáveis’, na verdade foram
elaboradas há mais de 50 anos. Elas devem ser lidas por um interpretador de tratados
à luz das preocupações contemporâneas da comunidade de nações acerca da proteção
e conservação do meio-ambiente. Apesar do Artigo XX não ter sido modificado na
Rodada Uruguai, o preâmbulo anexado ao Acordo da OMC mostra que os signatários
daquele Acordo estavam, em 1994, totalmente cientes da importância e legitimidade da
proteção ambiental como objetivo da política nacional e internacional. O preâmbulo do
Acordo da OMC – que informa não apenas o GATT 1994, mas também os outros
acordos abrangidos – reconhece explicitamente ‘o objetivo do desenvolvimento
sustentável...’; ...
Da perspectiva incorporada no preâmbulo do Acordo da OMC, notamos que o termo
genérico ‘recursos naturais’ no Artigo XX(g) não é ‘estático’ no seu conteúdo ou
referência, mas ‘por definição, evolucionário’. É pertinente, portanto, notar que as
convenções e declarações internacionais modernas fazem freqüentes referências aos
recursos naturais como abrangendo tanto recursos vivos como não-vivos. ... Ademais,
dois relatórios do painel do GATT 1947 adotados julgaram anteriormente que peixes
são um ‘recurso natural esgotável’ nos termos do Artigo XX(g).”167
167
Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 128-131.
168
Ver Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline. O Órgão de Apelação entendeu que a medida
“da gasolina” dos Estados Unidos incluía-se nos termos do Artigo XX(g), mas o Órgão de Apelação
concluiu que ela não satisfazia os requisitos do caput do Artigo XX do GATT 1994.
62
que eram danosas a tartarugas marinhas.169 Novamente, o Órgão de Apelação entendeu
que o objetivo da medida incluía-se no escopo do Artigo XX(g), mas também entendeu
que a medida falhava ultimamente em preencher o requisito do caput do Artigo XX.
“relaciona-se à” – Para satisfazer o segundo elemento que exige que medida “relacione-
se” à conservação de recursos naturais esgotáveis, a medida em questão deve
“primariamente visar a conservação”.170
“Em seu desenho e estrutura gerais, portanto, a Seção 609 não é uma proibição
simples e abrangente da importação de camarão, imposta sem considerar as
conseqüências (ou a falta delas) do modo de colheita empregado na captura incidental
e na mortalidade de tartarugas marinhas. Focalizando no desenho da medida aqui em
jogo, parece-nos que a Seção 609, com linhas gerais de implementação, não é
desproporcionalmente ampla no seu escopo e alcance em relação ao objetivo da
política de proteção e conservação das espécies de tartarugas marinhas. Os meios são,
em princípio, razoavelmente relacionados aos fins. A relação de meios e fins entre a
Seção 609 e a política legítima de conservar uma espécie esgotável e, de fato, em
perigo, é visivelmente uma relação próxima e real. ...”171
169
Ver Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp: o Órgão de Apelação entendeu que a medida dos
Estados Unidos incluía-se nos termos do Artigo XX(g), mas o Órgão de Apelação concluiu que ela não
satisfazia os requisitos do caput do Artigo XX do GATT 1994.
170
Relatório do Painel, Canadá – Medidas que Afetam as Exportações de Arenque e Salmão Não
Processados (“Canada – Herring and Salmon ”), adotado em 22 de março de 1988, BISD 35S/98, par.
4.4-4.6.
171
Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 141.
172
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 20-22.
173
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 20-22.
63
O Artigo XX prevê um teste de duas fases para determinar se uma medida de outro
modo incompatível com o GATT pode ser justificada. Ele requer primeiro, que a
medida satisfaça os elementos de uma exceção particular, e segundo, que a mesma
medida satisfaça os requisitos do caput do Artigo XX.
“Sujeito à exigência de que tais medidas não sejam aplicadas de uma maneira que
constituiria um meio de discriminação arbitrária ou injustificada entre países onde as
mesmas condições prevalecem, ou uma restrição disfarçada ao comércio
internacional...”
Quanto ao terceiro elemento, deve-se notar que tal discriminação poderia ocorrer não
apenas entre diferentes Membros exportadores, mas também entre Membros
exportadores e o Membro importador envolvido.178
174
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 20-22.
175
Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 156-159.
176
Ver Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 23-24. Ver também Relatório do Órgão de
Apelação, US – Shrimp, par. 150.
177
Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 150.
178
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 23-24.
64
“Nós localizamos acima duas omissões por parte dos Estados Unidos: explorar
adequadamente os meios, incluindo particularmente a cooperação com os governos da
Venezuela e do Brasil, de mitigar os problemas administrativos usados como
justificativa pelos Estados Unidos para rejeitar bases individuais para refinadores
estrangeiros; e contar os custos para refinadores estrangeiros que resultariam da
imposição de bases estatutárias. Em nossa opinião, essas duas omissões vão bem além
do que era necessário para o Painel determinar que uma violação do Artigo III:4
ocorreu em primeiro lugar. A discriminação resultante deve ter sido prevista, e não foi
meramente inadvertida ou inevitável. À luz do exposto acima, nossa conclusão é que as
regras de estabelecimento de bases na Regra da Gasolina, em sua aplicação,
constituem ‘discriminação injustificada’ e uma ‘restrição disfarçada ao comércio
internacional.’ Mantemos, em suma, que as regras de estabelecimento de bases,
embora nos termos do Artigo XX(g), não servem para justificar a proteção conferida
pelo Artigo XX como um todo.”179
Ao aplicar o teste de três fases descrito acima, o Órgão de Apelação fez as seguintes
observações e conclusões em US – Shrimp:
“... Deve ser bastante aceitável que um governo, ao adotar e implementar uma política
doméstica, adote um padrão único aplicável a todos os cidadãos daquele país. No
entanto, não é aceitável, nas relações do comércio internacional, que um Membro da
OMC utilize um embargo econômico para ‘exigir que outros Membros adotem
essencialmente o mesmo programa regulador abrangente, alcancem um certo objetivo
político, como aquele em vigor dentro do território daquele Membro, sem levar em
consideração as diferentes condições que podem ocorrer nos territórios daqueles
outros Membros.’
... Nós acreditamos que a discriminação resulta não apenas de quando países nos quais
as mesmas condições prevalecem são diferentemente tratados, mas também de quando
a aplicação da medida em questão não permite nenhuma investigação sobre se aquele
programa é apropriado às condições prevalecendo naqueles países exportadores.
... A Seção 609, em sua aplicação, impõe um requisito único, rígido e firme de que
países candidatando-se a uma certificação... adotem um programa regulador
abrangente que é essencialmente o mesmo programa dos Estados Unidos, sem
investigar se aquele programa é apropriado para as condições prevalecentes nos
países exportadores. Além disso, há pouca ou nenhuma flexibilidade sobre como
oficiais fazem a determinação para certificação segundo essas disposições. Em nossa
opinião, essa rigidez e inflexibilidade também constituem ‘discriminação arbitrária’
nos termos do caput.”180
179
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, pp. 28-29.
180
Relatório do Órgão de Apelação, US – Shrimp, par. 164-165, 177.
65
“‘Discriminação Arbitrária’, ‘discriminação injustificada’ e ‘restrição disfarçada’ ao
comércio internacional podem, portanto, ser lidas lado-a-lado; eles transmitem
significado um ao outro. É claro para nós que ‘restrição disfarçada’ inclui
discriminação disfarçada no comércio internacional. É igualmente claro que a
restrição ou discriminação oculta ou não-anunciada ao comércio internacional não
esgota o significado de ‘restrição disfarçada’.
Consideramos que ‘restrição disfarçada’, o que quer mais que ela cubra, pode ser lida
apropriadamente como a adoção de restrições equivalentes à discriminação arbitrária
ou injustificada ao comércio internacional, assumidas sob a aparência de uma medida
formalmente nos termos de uma exceção listada no Artigo XX. Colocados de uma
maneira de certo modo diferente, os tipos de considerações pertinentes ao decidir se a
aplicação de uma medida em particular equivale a ‘discriminação arbitrária ou
injustificada’ podem também ser levados em conta ao determinar a presença de uma
‘restrição disfarçada’ ao comércio internacional. O tema fundamental será encontrado
no propósito e objeto de evitar abuso ou uso ilegítimo das exceções às regras
substantivas disponíveis no Artigo XX.”181
As “exceções de segurança” permitem aos Membros tomar medidas que partem das
disciplinas do GATT para alcançar objetivos de “segurança”, nos termos do Artigo
XXI.182
Artigo XXI
Exceções de segurança
181
Relatório do Órgão de Apelação, US – Gasoline, p. 25.
182
Vale notar que o Artigo XIV bis do GATS e o Artigo 73 do Acordo TRIPS contêm disposições
similares ao Artigo XXI do GATT 1994.
66
Artigos XXI(a) e XXI(b) do GATT 1994 – os Artigos XXI(a) e XXI(b) do GATT 1994
estabelecem:
Artigo XXI
Exceções de Segurança
4.2.2 Ações sob a Carta das Nações Unidas para a Manutenção da Paz e Segurança
Internacionais
Artigo XXI
Exceções de Segurança
183
Ver Artigo 41 da Carta das Nações Unidas.
67
Nações Unidas sobre outros acordos internacionais na ocasião de um conflito, como
estipulado no Artigo 103 da Carta das Nações Unidas.
Na prática, isso significa que os Membros não estão violando suas obrigações do GATT
ao implementarem sanções econômicas impostas pelo Conselho de Segurança das
Nações Unidas, como foi o caso dos anos 80 quando sanções econômicas foram
assumidas contra a África do Sul para protestar contra seu regime de apartheid. Os
Membros geralmente notam seus recursos às sanções da ONU quando notificam seus
sistemas de licenciamento de importação.184
Padrões aplicáveis – O GATT 1994 permite algumas derrogações sob certas condições
estritas a fim de que grupos de Membros da OMC alcancem uma integração mais
próxima de suas economias por meio de acordos voluntários conhecidos como “acordos
regionais de comércio” estabelecendo “uniões aduaneiras” ou “áreas de livre
comércio”.185
• Artigo XXIV do GATT 1994, a ser lido em conjunção com o Entendimento sobre a
Interpretação do Artigo XXIV do GATT 1994, sendo que ambos fornecem regras para
uniões aduaneiras e áreas de livre comércio no que toca ao comércio de bens;
• Decisão sobre Tratamento Diferenciado e Mais Favorável, Reciprocidade e Ampla
Participação de Países em Desenvolvimento (a chamada “Cláusula Habilitadora”) do
184
Índice Analítico do GATT, Art. XXI, 6ª. ed., 1995, p. 605.
185
Artigo XXIV:4, primeira sentença, do GATT 1994.
68
GATT, de 1979, que envolve preferências no comércio de bens concedidas entre países
em desenvolvimento.
Artigo XXIV:4 do GATT 1994 – O princípio básico no Artigo XXIV:4 do GATT 1994
é que o propósito das áreas de livre comércio ou uniões aduaneiras deveria ser o de
facilitar o comércio entre os territórios constituintes e não levantar barreiras ao
comércio de territórios não-constituintes.186
Artigo XXIV:8 do GATT 1994 – uniões aduaneiras e áreas de livre comércio são
definidas no Artigo XXIV:8 que estabelece:
Áreas de livre comércio e uniões aduaneiras são revistas pela OMC para determinar sua
compatibilidade com os Acordos da OMC. O Entendimento também modifica o
procedimento de revisão para uniões aduaneiras e áreas de livre comércio. Desde 1996,
o Comitê sobre Acordos Regionais de Comércio está encarregado dessas questões.
Artigo XII do GATT 1994 – Conforme o Artigo XII, o Membro aplicando medidas para
balança de pagamentos deve estar visando “salvaguardar [sua] posição financeira
externa e assegurar um nível de reservas adequado para a implementação de seu
programa de desenvolvimento econômico” e ele deve precisar “restaurar o equilíbrio em
uma base sólida e duradoura”. O objetivo do Artigo XII é de “evitar o emprego não-
econômico de recursos”. O Artigo XII, segundo parágrafo, estabelece que as restrições
à importação “não deverão exceder aquelas necessárias (i) para antecipar a ameaça
iminente de, ou parar, um sério declínio em suas reservas monetárias” ou “(ii)... no caso
de um [Membro] com reservas monetárias muito baixas, para atingir uma taxa razoável
de aumento nas suas reservas”. O Artigo XII requer que os Membros relaxem
progressivamente as restrições assim que as condições melhorarem e as eliminem
quando as condições não mais justificarem tal manutenção. Finalmente, o Artigo XII
prevê notificação e requisitos de consultas com Membros mantendo restrições de
balança de pagamentos.
187
Entendimento sobre a Interpretação do Artigo XXIV do GATT 1994, para. 3.
70
Primeiro, a preferência deveria ser dada a medidas compatíveis com o GATT que
possuem “o efeito menos perturbador sobre o comércio”. Segundo, a aplicação
simultânea de mais do que uma medida comercial para propósitos de balança de
pagamentos deveria ser evitada. Terceiro, “quando quer que seja aplicável, [os
Membros] deverão anunciar publicamente um cronograma para a remoção das
medidas”. Ela também esclarece que as medidas não deveriam ser tomadas para o
propósito de proteger uma indústria ou um setor particulares.
Na prática, os países mais desenvolvidos não têm utilizado medidas comerciais para
propósitos de balança de pagamentos. Medidas que lidam com problemas de balança de
pagamentos têm sido majoritariamente baseadas em preços. É geralmente aceito que
medidas restritivas de comércio são meios geralmente ineficientes de manter ou
restaurar a balança de pagamentos.
71
constituintes? Como são definidas as “uniões aduaneiras” e “áreas de livre
comércio” no GATT 1994?
72
5. PAÍSES-MEMBROS EM DESENVOLVIMENTO NO GATT 1994
Este Capítulo está apenas preocupada com as medidas favoráveis aos Países-Membros
em desenvolvimento no GATT 1994. O Módulo 3.1 e os módulos lidando com Acordos
específicos fornecem uma visão abrangente de todos os tipos de benefícios conferidos a
Países-Membros em desenvolvimento em vários acordos da OMC.
188
A Declaração Ministerial da Conferência de Genebra declara, entre outros, que “Nós continuamos
profundamente preocupados com a marginalização dos países menos desenvolvidos e certas economias
pequenas e reconhecemos a necessidade urgente de lidar com essa questão que tem sido combinada com
problemas crônicos de dívida externa que muitos deles enfrentam”. Ver também Business Guide to the
World Trading System, 2ª. ed., International Trade Centre / Commonwealth Secretariat, 1999, pp. 13-14.
73
transição. Os Países-Membros restantes são considerados como Países-Membros
desenvolvidos.189
O Artigo XVIII:9 estabelece que restrições à importação não deverão exceder aquelas
necessárias:
(a) para se antecipar à ameaça de, ou parar, um sério declínio em suas reservas
monetárias, ou
(b) no caso de um [Membro] com reservas monetárias inadequadas, para atingir uma
taxa razoável de aumento nas suas reservas.
189
Ver Business Guide to the World Trading System, 2ª. ed., International Trade Centre / Commonwealth
Secretariat, 1999, pp. 13-14.
190
Artigo XVIII:9 do GATT 1994.
74
deverão relaxar progressivamente quaisquer restrições aplicadas sob este capítulo
[i.e., Artigo XVIII:B] assim que as condições melhorarem, mantendo-as somente na
medida necessária sob os termos do parágrafo 9 desse Artigo [XVIII] e deverão
eliminá-las quando as condições não mais justificarem sua manutenção.
“... Ao analisar a situação da Índia nos termos do Artigo XVIII:9(a), é importante ter
em mente que a questão é se a Índia estava enfrentando ou era ameaçada por um sério
declínio nas suas reservas monetárias. Se um declínio de um dado tamanho é sério ou
não, isso deve estar relacionado com o estado inicial e a adequação das reservas. Um
grande declínio não precisa necessariamente ser um declínio sério se as reservas são
mais do que adequadas. Conseqüentemente, é apropriado considerar a adequação das
reservas da Índia para os propósitos do Artigo XVIII:9(a), assim como os do Artigo
XVIII:9(b).
Em conexão com isso, lembramos que o FMI relatou que as reservas da Índia em 21 de
novembro de 1997 eram de US$ 25.1 bilhões e que um nível adequado de reservas
àquela data seria de US$ 16 bilhões. Enquanto o Reserve Bank da Índia não
especificou um nível preciso do que constituiria adequação, ele concluiu apenas três
meses antes, em agosto de 1997, que as reservas da Índia estavam ‘bem acima da
regra-padrão de adequação de reserva’ e, embora o Reserve Bank não aceitasse a
regra-padrão como a única medida de adequação, ele também entendeu que ‘por
quaisquer critérios, o nível de reservas de troca estrangeira parece confortável’. Ele
também declarou que ‘as reservas seriam adequadas para resistir tanto a choques
cíclicos como não-antecipados’.
Também consideramos os quatro métodos alternativos de avaliação da adequação de
reservas citada pela Índia. Notamos que a Índia concorda que suas reservas de US$
25.1 bilhões teriam sido adequadas sob duas das alternativas (a e b). Sob uma terceira
alternativa (d), as reservas de US$ 25.1 bilhões estavam em um ponto mais alto de uma
escala entre os níveis de reservas mínimos (US$ 16 bilhões) e desejáveis (US$ 28
bilhões). Sob o quarto método (c), as reservas de US$ 27 bilhões seriam consideradas
adequadas. Enquanto ela possa seguir uma abordagem prudente ao sugerir o método
(c), a Índia não explica porque ele deveria ser superior ao método do FMI ou às três
outras alternativas indianas sob as quais as reservas poderiam ser consideradas
adequadas. Ademais, as alternativas da Índia não parecem compatíveis com a
abordagem do Reserve Bank da Índia citada acima.
Tendo pesado as evidências à nossa frente, notamos que apenas um dos quatro métodos
sugeridos pela Índia para medir a adequação de reservas sustenta um entendimento de
que as reservas da índia são inadequadas, e mesmo sob aquele método, a questão é
bem próxima (US$ 25.1 bilhões v. US$ 27 bilhões, ou menos do que uma diferença de
10 por cento). No todo, somos da opinião de que a qualidade e o peso das evidências
são fortemente em favor da proposição de que as reservas da Índia não são
inadequadas. Em particular, essa posição é apoiada pelo FMI, pelo Reserve Bank da
Índia e por três dos quatro métodos sugeridos pela Índia. Conseqüentemente,
196
Na apelação, o Órgão de Apelação concluiu que o Painel fez uma avaliação objetiva da questão, e
manteve todos os entendimentos e interpretações legais do Painel. Ver Relatório do Órgão de Apelação,
India – Quantitative Restrictions, par. 153.
76
entendemos que as reservas da Índia não eram inadequadas em 18 de novembro de
1997.”197
Artigo XVIII:7 do GATT 1994 – Segundo o Artigo XVIII:7 do GATT 1994, Países-
Membros em desenvolvimento podem renegociar (modificar ou retirar) concessões
tarifárias do GATT 1994 a fim de promover o estabelecimento de uma indústria em
particular. Exige-se que o País-Membro em desenvolvimento notifique os Membros de
sua intenção de renegociar as concessões tarifárias e ele deve entrar em negociações
com os Membros que possuem direitos iniciais de negociação, assim como aqueles com
interesse substancial.
“Se um Membro vindo dentro do escopo do parágrafo 4(a) deste Artigo entende que a
assistência governamental é exigida para promover o estabelecimento de uma indústria
em particular, com vistas a aumentar o padrão geral de vida de seu povo, mas que
nenhuma medida compatível com outras disposições deste Acordo é praticável para
atingir aquele objetivo, ele pode ter recurso às disposições e procedimentos previstos
neste Capítulo.”
Nos casos onde o produto não está sujeito à concessão tarifária, e se outros Membros
não objetam ou exigem consultas, então o Membro em questão pode se desviar das
disposições relevantes do GATT na medida necessária para aplicar a medida
proposta.199 Se outros Membros pedirem consultas, o Membro em questão deve realizar
consultas com eles “para fins da medida proposta, para as medidas alternativas que
podem estar disponíveis sob este GATT, e para o possível efeito da medida proposta
sobre os interesses comerciais e econômicos de outros [Membros].”200
197
Relatório do Painel, India - Quantitative restrictions, par. 5.73-5.76. O Painel também entendeu que a
Índia não estava enfrentando um sério declínio, ou ameaça de sério declínio, das suas reservas. Ver
Relatório do Painel, India – Quantitative restrictions, par. 5.77-5.180.
198
Artigo XVIII:14 do GATT 1994.
199
Artigo XVIII:15 do GATT 1994.
200
Artigo XVIII:16, primeira sentença, do GATT 1994.
77
Se, como resultado de tal consulta, os Membros concordam que não há medida
compatível com outras disposições deste Acordo que seja praticável a fim de atingir o
objetivo delineado no parágrafo 13 deste Artigo, e que coincida com a medida proposta,
o Membro em questão pode ser liberado de suas obrigações sob as disposições
relevantes do GATT 1994 na medida necessária para aplicar aquela medida.201 Nos
casos onde a medida envolva o enfraquecimento de uma concessão tarifária, uma
cooperação prévia do Conselho Geral é necessária, além de consultas prévias com
Membros interessados. Em ambas as situações, a aderência aos limites estritos de tempo
é exigida.
A Parte IV do GATT 1994, que foi adicionada ao GATT 1947 em 1965, é intitulada
Comércio e Desenvolvimento, e estabelece regras especial e diferenciais para Países-
Membros em desenvolvimento.
“Está entendido que a frase ‘não esperam reciprocidade’ significa, de acordo com os
objetivos apresentados neste Artigo, que não se espera que os [Países-Membros em
desenvolvimento], no curso das negociações comerciais, façam contribuições que
sejam incompatíveis com suas necessidades individuais desenvolvimentistas,
financeiras e comerciais, levando-se em consideração desenvolvimentos comerciais no
passado.
...”
207
Para uma explicação mais detalhada do impacto do conceito de não-reciprocidade para Países-
Membros em desenvolvimento, ver Anwarul Hoda, Tariff Negotiations and Renegotiations under the
GATT and the WTO, Cambridge University Press, 2001, p. 9 e p. 56-65.
208
BISD 26S/203.
79
A liberação da obrigação de tratamento da nação mais favorecida, sob essas
disposições, estende-se a todos os Países-Membros desenvolvidos para o propósito de
permitir que eles apliquem tratamento tarifário preferencial apenas aos Países-Membros
em desenvolvimento.209 Como explicado no Módulo 3.1, a maioria dos Países-Membros
desenvolvidos o fez sob o Sistema Geral de Preferências (o “SGP”), primeiramente
adotado como uma política pela UNCTAD em 1968. O Parágrafo 6 da Cláusula
Habilitadora também prevê disposições especiais para os países menos desenvolvidos:
209
Ver John H. Jackson, The Jurisprudence of GATT and the WTO, Cambridge University Press, 2000,
pp. 65-66 in Chapter 5: “Equality and discrimination in international economic law: the General
Agreement on Tariffs and Trade”, pp. 57-68.
210
Ver Módulo 3.1, Seções 3 e 5.
80
desenvolvimento, e fornece argumentos adicionais para Países-Membros em
desenvolvimento ao negociarem com Países-Membros desenvolvidos.
Embora o Artigo XXXVIII preveja “linhas gerais” de ação, estas linhas são fontes de
obrigações e, como tais, elas foram examinadas por um Painel do GATT, que
determinou que houve uma violação deste Artigo. Em European Communities –
Refunds on Exports of Sugar – Complaint by Brazil,211 o Brasil argüiu que ao manter
seu sistema de subsídio ao açúcar, que resultava em maiores exportações e importações
reduzidas, e ao recusar-se a participar do Acordo Internacional do Açúcar (o “AIA”), a
Comunidade Européia agiu de forma incompatível com o Artigo XXXVIII:1, 2, 2(a) e
2(e).212 O Painel considerou que o Artigo XXXVIII fornece “linhas gerais” para uma
ação conjunta para levar adiante os objetivos previstos no Artigo XXXVI e que o
Brasil, sendo um país em desenvolvimento, poderia esperar usufruir os benefícios de
acordo com essas disposições. O Painel concluiu declarando que:
211
Relatório do Painel, Comunidades Européias – Reembolsos sobre Exportações de Açúcar –
Reclamação do Brasil (“EC – Sugar Exports (Brazil)”), adotado em 10 de novembro de 1980, BISD
27S/69.
212
Relatório do Painel, EC – Sugar Exports (Brazil), par. 4.30.
81
“O aumento das exportações de açúcar através do uso de subsídios na situação
particular do mercado de 1978 e 1979, e onde Países-Membros em desenvolvimento
realizaram passos dentro da estrutura do AIA para melhorar as condições no mercado
mundial de açúcar, inevitavelmente reduziu os efeitos dos esforços feitos por esses
países. Para este período de tempo e para este campo particular, a Comunidade
Européia não colaborou, portanto, com os outros [Membros] para levar adiante os
princípios e objetivos previstos no Artigo XXXVI, em conformidade com as linhas
gerais no Artigo XXXVIII.”213
213
Relatório do Painel, EC – Sugar Exports (Brazil), par. (h).
214
Claúsula de Habilitação, parágrafo 2(c).
82
6. Sob que condições podem os Países-Membros em desenvolvimento estabelecer
“arranjos” comerciais?
83
6. ESTUDO DE CASO
Phobia nunca realizou uma concessão tarifária sobre vinho mas, durante a Rodada
Uruguai, ele vinculou suas taxas aduaneiras sobre cerveja a 25 por cento ad valorem.
Além disso, Phobia limita sua importação de vinho a 50.000 hectolitros e a importação
de cerveja a 100.000 hectolitros por ano. Phobia alega que essas restrições quantitativas
sobre a importação de vinho e cerveja são necessárias para salvaguardar sua balança de
pagamentos e para promover o desenvolvimento de sua indústria vinicultora.
Vinho e cerveja de Farland, um país desenvolvido com quem Phobia possui fortes
ligações econômicas e políticas, também está livre de taxas e quotas de importação em
Phobia.
Phobia impõe uma taxa de vendas sobre vinho tinto de 30 por cento, sobre vinho branco
de 20 por cento e sobre cerveja de 10 por cento. Essas taxas de vendas aplicam-se tanto
a produtos importados como domésticos. No entanto, vinho produzido por micro-
vinícolas está isento de taxas de venda.
Phobia impõe uma taxa de reciclagem de um por cento sobre vinho e cerveja importada.
Ele não impõe esta taxa sobre vinho e cerveja domésticos porque os produtores de
vinho e cerveja domésticos participam de um esquema nacional de reciclagem de “latas
e garrafas”.
Finalmente, Phobia proíbe a venda de vinho em supermercados. Como parte de sua luta
contra o alcoolismo, especialmente entre jovens, ele exige que vinho seja vendido
apenas em lojas de vinho especializadas. Cerveja e outras bebidas alcoólicas, porém,
podem ser vendidas em supermercados.
7. LEITURA ADICIONAL
84
7.1 Livros e Artigos
• Hoda, Anwarul, Tariff Negotiations and Renegotiations under the GATT and the WTO
(Cambridge University Press, 2001) 9, 11-18, 25-78, 83-110.
• Hudec, Robert E., “Chapter 12: The Product-Process Doctrine in the GATT/WTO
Jurisprudence” in Bronckers, Marco and Quick, Reinhard (Eds.), New Directions in
International Economic Law: Essays in Honour of John H. Jackson (Kluwer Law
International, 2000) 187-218.
• Jackson, John H., The Jurisprudence of GATT and the WTO (Cambridge University
Press, 2000), 57-68.
• Jackson, John H., The World Trading System: Law and Policy of International
Economic Relations, 2ª. ed., The MIT Press, 1997.
• McRae, Donald M., “GATT Article XX and the WTO Órgão de Apelação” in
Bronckers, Marco and Quick, Reinhard (Eds.), New Directions in International
Economic Law: Essays in Honour of John H. Jackson (Kluwer Law International, 2000)
249-289.
• Van den Bossche, Peter, The Law and Policy of the World Trade Organization: Text,
Cases and Materials (Cambridge University Press, a ser lançado).
• WTO Secretariat, Analytical Index: Guide to GATT Law and Practice, 6ª. Edição
(1995), Volumes 1 e 2.
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