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ESTÁCIO DE SÁ
CIÊNCIAS HUMANAS
CDD 300
Faculdade de Goiás
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ESTÁCIO DE SÁ CIÊNCIAS HUMANAS
Revista da Faculdade Estácio de Sá de Goiás – FESGO
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ESTÁCIO DE SÁ CIÊNCIAS HUMANAS
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FACULDADE ESTÁCIO DE SÁ DE GOIÁS-FESGO
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APRESENTAÇÃO
151 - 162 Bons e maus selvagens: textos imagens e representações sobre o índio.
Rosani Moreira Leitão.
PESQUISA
RESENHA
ANTÓNIO SANCHES:
A VOZ ANGUSTIADA DE UM CRISTÃO-NOVO DE
JUDEU ABOLICIONISTA
Mário Maestri∗
Resumo: . Abstract:
A partir do século 15, as poucas vozes que From the 15 century, the few voices
questionaram, no mundo lusitano, as that had questioned the religious, moral,
justificativas religiosas, morais, éticas e ethical and social justifications of the slave
sociais do tráfico e de da exploração do trade and worker’s exploration in the
trabalhador escravizado foram duramente Lusitanian world were hardly silenced,
silenciadas, sobretudo pela Inquisição, especially by the Inquisition, suffering the
sofrendo a prisão, o degredo, etc. Entre arrest, the banishment, etc. Among these
esses raros críticos da escravidão rare slavery’s critics are distinguished the
destacam-se o gramático Fernão de grammarian Fernão de Oliveira, and his
Oliveira, e sua obra A arte da guerra do work “A arte da guerra do mar”, in 1555,
mar, de 1555, e o médico António and the doctor António Sanches.
Sanches. Português cristão novo de judeu, Portuguese New Christian of Jew, forced
obrigado a viver no exílio devido às suas to live in the exile due to his world
visões de mundo, no contexto das reformas personal view, in the context of the
pombalinas do ensino, de 1759, Sanches Pombal’s education reforms, in 1759,
foi convidado por autoridade portuguesas a Sanches was invited by Portuguese
escrever, em Cartas sobre a educação da authorities to write, in “Cartas sobre a
mocidade, suas propostas de remodelação educação da mocidade”, his proposals for
do ensino , aproveitando o ensejo para remodeling the education, taking to
tecer duras críticas à escravidão. O opportunity to hardly criticize the slavery.
presente artigo traça sinteticamente a The present article traces, in a
biografia de António Sanches e apresenta synthetically way, the biography of
as diretrizes de sua visão abolicionista. António Sanches and sets guidelines on his
abolitionist vision
Palavras-chave: Key-words:
vila de Aveiro, no seio de família que ele próprio apresenta como modesta. Em 1520,
aos treze anos, teria entrado como noviço no convento de Évora, da Ordem de São
Domingos, onde estudou Gramática e outras disciplinas, na sua progressão em direção
ao estado canônico.6 Em 1532, aos 25 anos, por razões ainda desconhecidas, abandonou
o convento dominicano para refugiar-se em Castela, de onde voltou, em 1535, para
lecionar jovens fidalgos e publicar, em 1536, em Lisboa, aquela que seria a primeira
Gramática da língua portuguesa conhecida.7
Nos anos 1530, o acolhimento de sua Gramática da língua portuguesa e a
sua qualificação intelectual pareciam oferecer-lhe futuro social e profissional, se não
radioso, ao menos seguro, como preceptor de filhos de algumas das mais ilustres
famílias do Reino, entre elas, a de João de Barros, o cronista das Índias, e a de dom
Fernando de Almada, ao qual dedica sua Gramática, por o ter acolhido, “com muita
despesa”, para sua “casa” onde “graciosa e compridamente” o conservara.8 Em 1540,
Fernão de Oliveira partiu outra vez para Espanha, sem que também se saiba os motivos.
Durante viagem de Barcelona para Gênova, teria sido aprisionado pelos franceses, aos
quais serviria como piloto.9 Em 1543, voltava da Itália para Portugal, em companhia do
núncio apostólico dom Luiz Lippomano.10 Nos dois anos seguintes, viveu no
ostracismo ou, talvez, em anonimato relativo. Em junho de 1545, sob falso nome,
arrolou-se novamente como piloto em esquadra francesa que passava pelo Tejo para
juntarem-se à expedição contra a Inglaterra.
No primeiro semestre de 1546, devido às vicissitudes da guerra do mar, a
galé em que o sacerdote-gramático-piloto servia foi capturada no canal da Mancha. Na
capital inglesa, o infeliz prisioneiro teria se arranjado para cair nas boas graças de
Henrique VIII, às turras com Roma, o que nos ilumina fugazmente sobre a heterodoxia
de sua visão de mundo, em relação ao universo ideológico e social ibérico da época.11
Em janeiro de 1547, com a morte do soberano inglês, subiu ao trono Eduardo VI, que
cedeu a Fernão de Oliveira licença para partir e carta de recomendação ao rei português,
com a qual o sacerdote racionalista teria se apresentado a dom João III no “começo do
outono de 1547”. Então, Fernão de Oliveira vivia como homem laico, muito ao estilo
inglês, no “bairro de mareantes” de Cata-que-Farás.
Ao entardecer de 18 de novembro de 1547, à porta de livraria lisboeta, na
rua Nova, Fernão de Oliveira, então com 40 anos, deixou-se envolver imprudentemente
em provocação promovida pelo livreiro cristão-novo de judeu, seu desafeto, sobre a
MAESTRI, Mário. António Sanches: a voz angustiada de um cristão-novo de judeu 14
abolicionista. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 12-29, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Inglaterra e as ações de Henrique VIII contra o papado, que foram por ele defendidas
acaloradamente. Denunciado por João de Borgonha à Inquisição, as “primeiras
inquirições” foram efetuadas dois dias mais tarde, já na prisão, onde o malogrado
Fernão de Oliveira permaneceria por longo tempo. Diante do Santo Ofício, o prisioneiro
teria se negado a condenar Henrique VIII, que disse tê-lo recebido e alimentado.12 Em
agosto de 1548, era condenado por suas “heréticas, temerárias e escandalosas” doutrinas
e, possivelmente, por sua negativa de se dobrar às injunções do dito Santo Ofício.13
Em “3 de setembro de 1550”, transcorridos três anos de encarceramento,
segundo parece, sob intervenção direta do cardeal dom Henrique, Fernão de Oliveira foi
libertado e enviado ao mosteiro de Belém, após abjurar seus erros, sob condição de
“retomar o hábito e tonsura sacerdotal” do qual “há muito se desabituara”.14 Em agosto
de 1552, possivelmente em busca de ares menos opressivos, e certamente procurando
pôr-se longe do alcance dos imensos braços da Inquisição, outra vez, Fernão de Oliveira
embarcava-se, como sacerdote nos papéis, eventualmente como piloto nos fatos, em
pequena expedição de cinco embarcações, enviada por dom João III, para “transportar e
repor nos seus antigos domínios o destronado rei de Vélez, em Marrocos”.15
Novamente, Fernão de Oliveira foi aprisionado, desta vez no porto de Vélez, por frota
argelina, sendo transportado com outros prisioneiros para Argel, de onde, igualmente
deslanchado, conseguiu partir, a seguir, para Lisboa, para tratar do resgate dos cativos.
Em fins de 1552, após chegar à capital portuguesa, teria sido apartado da operação das
negociações sobre o resgate por inspirar pouca confiança à administração real.
Como resultado de suas andanças pelos mares, Fernão de Oliveira escreveu
A arte da guerra do mar, em Lisboa, em 1552-4, na casa de dom António da Cunha, pai
de dom Nuno da Cunha, a quem dedicaria o livro. Porém, em janeiro de 1554, sofreu
nova ordem de prisão, por suas opiniões, parece que denunciado pelo próprio
hospedeiro.16 Ao menos imediatamente, a ação punitiva não teria tido maiores
conseqüências. Em dezembro de 1554, como fênix que renasce das cinzas, Fernão de
Oliveira era nomeado revisor tipográfico da Imprensa da Universidade de Coimbra,
onde teria ensinado “retórica” durante o ano acadêmico de “1554-5”, com “notável
competência”. Suas funções na imprensa da Universidade permitiram concluir a
publicação de seu livro, em 4 de julho de 1555. Possivelmente, esses foram os
momentos de maior consagração e tranqüilidade da vida atribulada do pensador
português.17
MAESTRI, Mário. António Sanches: a voz angustiada de um cristão-novo de judeu 15
abolicionista. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
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náutica, ainda inédita, e, no início da década seguinte, sua última grande obra, sobre a
construção náutica, em parte inconclusa.
O Livro da fábrica das naus, tido como o “primeiro tratado enciclopédico
escrito por um português [...] sobre as matérias navais, entre as quais a construção naval
[...], foi publicado, por primeira vez, por Henrique Lopes de Mendonça, em 1898”, mais
22
de três séculos após suas redação! É possível que Fernão de Oliveira tenha-se
refugiado na França, devido às lutas pela sucessão dinástica, em 1580. Encontram-se na
Biblioteca Nacional, em Paris, “várias obras autógrafas” suas, entre elas uma “História
de Portugal”, um “Livro da antigüidade, nobreza, liberdade e imunidade do reino de
Portugal” e uma tradução ao português da “De re rustica” de Columella, o célebre
23
agrônomo romano.
No trabalho sobre a história de Portugal e em uma outra obra de cunho
historiográfico, sustenta a independência portuguesa contra a anexação espanhola. Ou
seja. Defende a posição da burguesia comercial e marítima, dos mesteirais, da arraia
miúda do campo e da cidade contra a grande aristocracia portuguesa. Como nada mais
se conhece da pena de Fernão de Oliveira, acredita-se que tenha morrido na segunda
metade da década de 1580, com mais de setenta anos, idade venerandíssima para época
em que, com cinqüenta anos, os homens já eram anciães.24 A falta de estudos
biobibliográficos aprofundados sobre Fernão de Oliveira tem permitido que esse
pensador radical e atípico lusitano seja apresentado comumente como “aventureiro de
gênio” que conheceu, quase por vocação, uma “vida aventurosa” e atribulada.25 Para
essa visão, suas dificuldades com a Inquisição e com o Estado lusitano são quase
deduzidas de uma inclinação natural à aventura. Ao contrário, parece-nos que suas
fugas do Reino nasceram da necessidade de se pôr ao largo das contrições intelectuais e
físicas de um Estado despótico e obscurantista, dedicado incessantemente a fazer calar
as razões inaceitáveis às classes proprietárias hegemônicas da época.
Arte da guerra do mar, de Fernão de Oliveira, seria reeditado apenas no
século 20. A segunda edição, de 1937, foi apresentada pelo comandante Quirino da
Fonseca e Alfredo Botelho de Souza. A terceira, de 1969, reproduziu a anterior e a
quarta, de 1983, fez o mesmo, apresentando em fac-símile o texto original. Todas foram
publicadas sob os auspícios do Ministério da Marinha de Portugal. As três reedições não
se deveram ao caráter radical e precoce da crítica do autor do tráfico negreiro e da
escravidão do trabalhador, mas ao fato de se tratar de talvez o “mais antigo tratado de
MAESTRI, Mário. António Sanches: a voz angustiada de um cristão-novo de judeu 17
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Cidadão do mundo
Ana Ivanovna [1693–1740]. Como registra, pelo seu trabalho, receberia 600:000 réis de
salário. Em 1735, estabeleceu-se em São Petersburgo, na função de “médico dos
exércitos”. No “posto de médico-chefe dos serviços sanitários”, partiu para a Criméia,
devido à guerra entre a Rússia e a Turquia. Em 1736, foi nomeado médico da Escola
Militar de São Petersburgo, onde estudavam quinhentos cadetes filhos da aristocracia.
Três anos depois, era nomeado médico efetivo da corte e, a seguir, elevado à situação de
clínico privado da czarina, posto que ocupou, segundo parece, até a morte da imperatriz,
em 1740.
Na Rússia, António Sanches prosseguiu carteando-se com administradores e
homens de cultura portugueses, entre eles jesuítas eruditos estabelecidos na China. Essa
última correspondência teria ensejado projeto jamais realizado de visitar aquelas
distantes e exóticas regiões do mundo. Após dezesseis anos na Rússia, António Sanches
partiu de retorno à Europa Ocidental, coberto de honrarias: foi agraciado com o foro de
“fidalgo hereditário”, tornou-se sócio emérito da Academia das Ciências de São
Petersburgo, recebeu subsídio vitalício da casa real russa.34
Em 1747, após visitar o rei da Prússia, estabeleceu-se em Paris, onde passou
a clinicar, estudar, escrever e pronunciar-se principalmente sobre os fatos portugueses.
Entre suas relações parisienses ilustres encontrava-se o monsenhor Pedro da Costa e
Almeida Salema, ministro plenipotenciário de Portugal na França. A obra de maior
repercussão de António Sanches foi certamente seu compêndio Tratado da conservação
da saúde dos povos, publicado em Paris, em 1756, e reeditado, após correção, no ano
seguinte, em Lisboa. Nas duas edições, a obra não levava o nome do autor.
Consultamos a primeira edição no Real Gabinete Português de Leitura no Rio de
Janeiro.35
Saúde pública
O Tratado, escrito “em estilo tão claro, que todos o pudessem entender”, foi
o primeiro grande compêndio em português a apresentar, às autoridades e ao público
culto, em 31 capítulos, o conhecimento médico da época sobre a saúde pública. “Nele
pretendo mostrar a necessidade que tem cada Estado de leis, e de regramentos para
preservar-se de muitas doenças, e conservar a saúde dos súbditos; se estas faltarem toda
a ciência da Medicina será de pouca utilidade [...].” 36 Em 1759, devido ao Alvará
pombalino de 28 de junho, que abolia as “classes e os colégios dos jesuítas” e instituía o
ensino secundário estatal em Portugal, a pedido do monsenhor Salema, António
MAESTRI, Mário. António Sanches: a voz angustiada de um cristão-novo de judeu 21
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Sanches apresentou suas idéias sobre a educação em pequena obra concluída em fins de
dezembro daquele ano.37
Estampada em Paris, a primeira tiragem de Cartas sobre a educação da
mocidade contava apenas com cinqüenta exemplares, enviados apenas saídos do prelo
para Portugal. Por sua “faina na reorganização da Universidade”, António Sanches
recebeu tensa anual de 360:000 réis”, suspendida no período 1761-69, devido à proteção
que acordara ao matemático Soares de Barros, perseguido por Salema. Sem jamais
voltar a Portugal, António Sanches faleceu, em Paris, em 14 de outubro de 1783, aos 83
anos, poucos anos após o transpasso do marquês de Pombal, que caíra em desgraça
desde o falecimento de seu protetor, dom José, em 1777, morte que ensejara a
entronização de dona Maria I e a viradeira conservadora e feudal que pôs fim ao
reformismo pombalino.38
Compilação do conhecimento da época, o Tratado da conservação da saúde
dos povos registra o esforço de um homem de ciência para arrancar Portugal do atrasa
em que se empantanara. Definitivamente superado pela ciência, não foi objeto, nas
décadas e nos séculos posteriores, de reedições. Ao contrário, as Cartas sobre a
educação da mocidade garantiriam a António Sanches destaque entre os racionalistas
portugueses de sua época, ao registrar sua avançada e original visão de mundo. A livro
assegurou-lhe igualmente o laurel de crítico precoce do escravismo moderno.
Ao enviar um exemplar do livro ao monsenhor Salena, António Sanches
reitera que devido às “preocupações” que tomara, os cinqüenta exemplares – “toda a
impressão” – chegariam, no dia seguinte, às mãos do diplomata.39 Os cuidados que
cercaram a redação, a impressão e, sobretudo, a circulação do opúsculo registram o
caráter transgressor das propostas. O radicalismo das Cartas explica por quê, mesmo
servindo como subsídio do reformismo pombalino, era inaceitável que elas fossem
difundidas além do estrito círculo da mais alta burocracia estatal portuguesa.
Abordagem histórica
O ensaio de António Sanches dividia-se em duas grandes partes.
Inicialmente, apresentava “sucinta história da educação civil e política que tiveram os
cristãos católicos romanos até os nossos tempos” e, a seguir, “uma notícia das
Universidades”, como subsídio para a reforma educacional pombalina, vivamente
apoiada por Sanches.40 Na “introdução”, “historia-se a génese e a evolução das escolas
MAESTRI, Mário. António Sanches: a voz angustiada de um cristão-novo de judeu 22
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Nação inconclusa
Apenas por “razões políticas” e “não por aquelas do Evangelho”, Sanches
aceitava que “o adulto” que fora “cativo, ou comprado na África” permanecesse
“escravo depois que [...] batizado”. Mas para ele era “incompreensível” que “o mesmo”
ocorresse “com seu filho nascido nos Domínios Portugueses, e batizado nos braços da
mãe cristã”. Repetia, portanto, para o cristianismo, a interdição bíblica da escravidão
dos hebreus. Sanches lembrava que, segundo a “religião cristã”, todos os “fiéis” eram
“iguais” enquanto observassem “os mandamentos da Igreja”. Os “eclesiásticos”
deveriam estender “fora da Igreja esta igualdade” fazendo “entrar os escravos cristãos
na classe do súdito livre, e cidadão”.
Defendia, sobretudo, a libertação dos ventres das cativas africanas e crioulas
batizadas. Uma ação que apresentava como necessária à “instrução” e humanização da
“mocidade portuguesa”. “Se eu pretendera somente que a mocidade portuguesa fosse
perfeitamente instruída [...] não havia de reprovar a escravidão introduzida em
Portugal.” Seu “intento” era mais ambicioso. Queria dotar os jovens de “humanidade”,
não apenas de “instrução”. O que dizia ser impossível “enquanto um senhor” tivesse
“um negro a quem” dava “uma bofetada pelo menor descuido”. Para ele, a escravidão
tornava “cada menino, ou menina, rica” “soberbos, inumanos, sem idéia alguma de
justiça, nem da dignidade que tem a natureza humana”. 47
Jacobino avant la lettre, propunha a impossibilidade da construção de nação
cidadã enquanto vigesse o cativeiro e a “desigualdade civil” entre os cidadãos! “Como
dos privilégios dos fidalgos e da nobreza procedeu a escravidão, assim das imunidades
eclesiásticas, procedeu a intolerância civil.” Aproveitando o nadir dos jesuítas em
Portugal, centrava sua crítica dos privilégios nos eclesiásticos, deixando à margem do
espinaframento a nobreza lusitana. “Se a escravidão faz perder aquela igualdade civil
que faz o vínculo e a força do Estado, a intolerância faz perder aquela humanidade, que
é o desejo de a conservar para imitar o Supremo Criador [...].” “O poder eclesiástico é e
deve ser sobre aquele cristão que vai espontaneamente oferecer-se à Igreja para
satisfazer a sua consciência: mas não tem direito nenhum sobre aquele cristão ou gentio
que não quer entrar na Igreja. Logo, os eclesiásticos não podem assentar por máxima
universal que a tolerância, ou liberdade de consciência, é contrária à conservação da
Religião.” 48
MAESTRI, Mário. António Sanches: a voz angustiada de um cristão-novo de judeu 25
abolicionista. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
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Vozes silenciadas
A lógica da análise de António Sanches arrastava-o à critica da colonização
lusitana na África: “Assim se vai criando naquele ânimo uma aversão para a
humanidade; um ódio para os homens que não sujeitos às mesmas idéias que eles crêem
e adoram; daqui vieram aquelas tiranas inumanidades que exercitaram os castelhanos na
conquista da América e nós também em alguns lugares da África.” 51 António Sanches
não era crítico extraordinário. Ao contrário, era apenas expressão excelente de um
difuso movimento de crítica à escravidão e ao tráfico que perpassava, verticalmente, a
sociedade lusitana, com formas e conteúdos desiguais.
A resistência antiescravista, em Portugal, na África e nas colônias
americanas certamente alimentariam e enriqueceriam esse movimento de crítica
dominado na Europa pelo racionalismo burguês revolucionário, em dura oposição às
representações culturais, intelectuais, estéticas, éticas, políticas, etc. feudais. Portanto,
dentro ou fora do Reino, nas últimas décadas do século 18, não faltavam vozes lusitanas
que se alçassem contra o comércio e a ordem infame. Sobretudo, faltava terreno fértil
para que a boa nova frutificasse, alimentando e fortalecendo a luta dos segmentos
sociais em oposição à ordem vigente.
Também a crítica de Sanches sobre o tráfico e a escravidão não deixou
traços entre os intelectuais e a sociedade portuguesa de sua época. As razões certamente
não se encontram na pequena e restrita tiragem da obra.
Os discursos transgressores da época não eram naturalmente estéreis.
representante do bloco feudal-colonial dominante, o Estado lusitano mobilizava-se com
MAESTRI, Mário. António Sanches: a voz angustiada de um cristão-novo de judeu 26
abolicionista. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 12-29, Dez. 2008 / Jun. 2009.
NOTAS
1. Cf. LARA, Silvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro.
1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 35; LEITE, Serafim. História da Companhia de
Jesus no Brasil. Lisboa: Portugália, 1938. T. 2, pp. 227-230; “Opinião de um Frade Capuxinho sobre a
Escravidão no Brasil em 1794”. RIHGB, 60 (1897): 155-157.
2. SAUNDERS, A.C. de C. M. História social dos escravos e libertos negros em Portugal. Lisboa:
Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1994. [Ed. orig. University of Cambridge, 1982.] p. 72
3. SOTO, Domingo, Iustitia et iure IV,2,2
4. SAUNDERS, A.C. de C. M. História social [...].p. 72.
5. MENDONÇA, Henrique Lopes de. O Padre Fernando Oliveira e a sua obra nautica – Memoria
comprehendendo um estudo biographico sobre o afamado grammatico e nautographo e a primeira
reprodução typographica do seu tratado inedito “Livro da Fabrica das Naus”. Lisboa: Academia
Real das Ciencias, 1898; ALBUQUERQUE, Luís de. Navegadores, viajantes e aventureiros
portugueses nos sécs. XV e XVI. II. Lisboa: Círculo de Leitores, 1987. pp. 128-42; DOMINGUES,
Francisco Contente. “Experiência e conhecimento na construção naval portuguesa do século XVI: os
tratados de Fernão de Oliveira”. REVISTA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, XXXII (1986),
pp. 343-7.
6. Cf. ASSUNÇÃO, Carlos & TORRES, Assunção. “Introdução”. OLIVEIRA, Fernão de.
Gramática da linguagem portuguesa. [1536]. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 2000. p. 12.
7. Cf. ASSUNÇÃO & TORRES. “Introdução”. ob.cit. p. 12.
8. Id.ib. p. 4.
9. Cf. DOMINGUES, & BARKER “O autor e seu obra”. Ob.cit. p. 11.
10. Cf. FONSECA, Comandante Quirino. “Comentário preliminar” [da edição de 1937] pp.XI-XXV.
OLIVEIRA, Padre Fernando. A arte da guerra do mar. Lisboa: Ministério da Marinha [1970].
11. Cf. DOMINGUES & BARKER “O autor e seu obra”. Ob.cit. p. 12.
12. Cf. Loc.cit. p. 12.
13. Cf. Loc.cit.
14. Cf. Loc.cit. p. 12; ASSUNÇÃO, Carlos & TORRES, Assunção. “Introdução”. p. 14-5.
15. Cf. DOMINGUES & BARKER. “O autor e seu obra”. p. 12.
16. Cf. loc.cit.
17. Cf. FONSECA, Comandante Quirino. “Comentário preliminar”. Ob.cit.
18. MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo.
São Paulo: Companhia das Letras, 1994; SALVADOR, José Gonçalves. Os magnatas do tráfico
MAESTRI, Mário. António Sanches: a voz angustiada de um cristão-novo de judeu 27
abolicionista. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 12-29, Dez. 2008 / Jun. 2009.
negreiro: séculos XVI e XVII/ José Gonçalves Salvador. São Paulo: Pioneira, 1981; CONRAD,
Robert Edgar. Tumbeiros: o tráfico escravista para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985;
GOULART, Maurício. Escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. 3ª ed. São
Paulo: Alfa-Ômega, 1975; SILVA, Alberto da Costa. A manilha e o libambo: a África e a escravidão
de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Biblioteca Nacional, 2002.
19 Cf. TORRES, Amadeu. “A paz da Fé e a fé na Pax Christiana: cruzadismo e irenismo na expansão
atlântica”. Actas do Congresso Internacional sobre Bartolomeu Dias e a sua Época, Universidade do
Porto, vol. V, 1989, pp. 605-15.
20 Cf. Filhos de Cã, filhos do cão: o trabalhador escravizado e a historiografia. O período colonial.
Revista História Debates e Tendências. Passo Fundo: , v.4, n.1, p.80 - 98, 2003.
21. Cf. MENDONÇA, Henrique Lopes de. O padre Fernando Oliveira e sua obra náutica. Lisboa: 1898;
BARKER, R.A “Ferando Oliveira: the english episode, 1545-1547”; DOMINGUES, Francisco
Contente. Experiência e conhecimento na construção naval portuguesa do século XV: os tratados de
Fernando Oliveira. Lisboa: 1985.
22. Cf. DOMINGUES & BARKER “O autor e seu obra”. Ob.cit. p.14.
23. Cf.FONSECA, Comandante Quirino. “Comentário preliminar”. Ob.cit.
24. Cf. DOMINGUES & BARKER “O autor e seu obra”. Ob.cit. p. 14.
25. Cf. Id.ib. p. 11.
26. FERREIRA, Joaquim. “António Sanches”. SANCHES, António Nunes Ribeiro. Cartas sobre a
educação da mocidade. Pref. e notas de FERREIRA, Joaquim. Porto: Domingos Barreira, s.d. p. 17.
27. Id.ib. p. 18
28. Id.ib. p. 20, 24.
29. Cf. MARQUES. Os sons do silêncio. Ob.cit. p.79.
30. FERREIRA. “António Sanches” pp. 25-7.
31. Id.ib. p. 17
32. Id.ib. p. 27
33. Id.ib. p. 34
34. Id.ib. p. 41.
35. [SANCHES, A.N.Ribeiro]. Tratado da conservação da saude dos povos. Obra util, e igualmente
necessaria a os Magistrados, Capitaens Gerais, Capitaens de Mar, e guerra, Prelados, Abbadessas,
Medicos, e Pays de Familias: com hum Appendix. Consideraçõins sobre os Terremotos, com a noticia
dos mais consideraveis, de que fas menção a Historia, e dos ultimos que se sentirão na Europa desde o
I de Novembro 1755. Paris, MDCCLVI.
36. Id.ib. p. vi. Atualizamos.
37. Cf. SANCHES, A[ntónio] N[unes] Ribeiro. Cartas sobre a educação da mocidade. [Nova edição
revista e prefaciada. Maximiano Lemos]. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922. p. V-XV; Cartas
sobre a educação da mocidade. Prefácio e notas de FERREIRA, Joaquim. Porto: Domingos Barreira,
s.d.
38. FERREIRA. “António Sanches” p. 45
39. Cf. SANCHES. Cartas sobre a educação da mocidade. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922. p.
IX.
40. Cf. Id.ib. 2.
41. Cf. Id.ib. p. 53.
42. Cf. Id.ib. p. 60.
43. Id.ib. p. 67
44. Id.ib. p. 67
45. Id.ib. 88
46. Cf. DOCKÈS. La libération médiévale. Ob.cit. p. 140.
47. Id.ib. p.90.
48. Id.ib. p. 96
49. Id.ib.,p.95.
50. Id.ib.,p.93.
51. Id.ib.,p.95.
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_________. Tratado da conservação da saude dos povos. Obra util, e igualmente necessaria a
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Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 01, 30-50, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Inés Valdez∗
Resumo: Abstract:
A pesar del crecimiento del rol de la mujer In spite of the growth of the roll of the
en política en los años transcurridos desde la woman in politics in the years passed since
transición democrática, el discurso the democratic transition, the journalistic
periodístico y de los actores políticos and the political actors speech maintains a
mantienen una visión dicotómica del dichotomizing vision of man and woman.
hombre y la mujer Según esta visión lo According to this vision the feminine is
femenino se asocia a lo extraño en la esfera associated to a strange in the public sphere,
pública, a un carácter naturalmente to a naturally affectionate character, and a
afectuoso, y a un lugar particular dentro de particular place within the familiar
la metáfora familiar que suele hacerse de la metaphor that usually happens with the
nación. La importancia de descubrir sesgos nation. The importance of discovering slants
de género en el tratamiento periodístico of gender in the journalistic treatment
reside en que el discurso refleja una lógica resides in that the speech reflects logic of
de organización social y política subyacente. underlying social and political organization.
Por lo tanto, la evaluación de la inclusión de Therefore, the evaluation of the inclusion of
género en la arena pública no puede dejar de gender in the public places cannot despise
lado esta área de análisis. El análisis de los this area of analysis. The analysis of the
discursos sobre la carrera política y speeches on the political race and
candidatura presidencial de Cristina presidential candidacy of Cristina
Fernández de Kirchner, actualmente Fernandez de Kirchner, at the moment
candidata a presidente por el partido Frente candidate to president by the party Frente
para la Victoria, confirma que la mujer para la Victoria, confirms that the woman
sigue siendo señalada como ajena a lo continues being indicated as other people’s
publico y diferente por naturaleza en el to and different by nature in the political
discurso político. Este artículo afirma que speech. This article affirms that the real
los efectos reales de la recurrencia del effects of the recurrence of the gender in the
género en la determinación discursiva de lo speech determination of the politician
político no pueden ser desestimados en la cannot be misestimated in the search of the
búsqueda de la democratización de los democratization of the scopes of
ámbitos de participación. participation.
Palavras-chave: Key-words:
∗ Inés Valdez. Universidad de Carolina del Norte en Chapel Hill. Professora da Universidad de Carolina
del Norte en Chapel Hill, Departmento de Ciencia Política. Universidad de Duke Beca Doctoral. M.A. en
Ciencia Política Universidad de Carolina del Norte en Chapel Hill. Licenciatura en Economía
Universidad Torcuato Di Tella. Email: inesv@unc.edu.
30 VALDEZ, Inés. Ni feminista ni evitista. Sobre la carrera política y candidatura presidencial
de Cristina Fernández Kirchner. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 30-50, Dez. 2008 / Jun. 2009.
2. Legados históricos
género femenino, como ser sensible que puede acercarse más a las necesidades e
insatisfacciones de las masas y comprenderlas, de modo de poder transmitirlas al
general, quien puede “politizarlas,” es decir, traducirlas del lenguaje del cuidado al de la
acción política.
Esta inclusión condicionada en la esfera pública se hace más notoria cuando
su candidatura a la vicepresidencia se ve bloqueada no por la falta de apoyo popular,
sino por las presiones de actores políticos masculinos como los militares y la oligarquía
(Soria 2005: 46) a las cuales él – su esposo/padre – les otorga prioridad sobre ella.
En este sentido, a Eva Perón se le niega la posibilidad de una legitimación
electoral/pública, lo cual mantiene su participación política en un terreno derivado de su
vínculo conyugal. En la misma línea, Claudia Soria destaca que la renuncia a la
vicepresidencia implica para Evita “permanecer a la sombra de Perón, atendiendo las
pequeñas necesidades de la ‘petite histoire’,” colaborando y operando – como consuelo
– como una extensión o apéndice del cuerpo de su marido (2005: 51).
En otras palabras, Eva sólo ingresa a la esfera pública a través de su
conexión “privada” con el general Perón. Este perfil se ve reforzado por el discurso
oficial y los escritos de la misma Evita (que – por otro lado – son construcciones
funcionales a los intereses del partido gobernante). En un análisis crítico de su auto-
biografía (La Razón de mi vida) Nora Domínguez menciona que esta obra ubica a Evita
como la “intermediaria” en el nuevo contrato social que el líder arma con el pueblo
peronista (Domínguez 2004: 156). Esta centralidad del general Perón en la vida de
Evita, se refuerza en la relevancia que adquiere en el relato el primer encuentro entre
ambos que “se constituye en la revelación absoluta y centro configurador de la
transformación de Eva,” incluyendo el despertar de su conciencia política (Domínguez
2004: 164).
En lo que hace al rol específico que Evita adquiere en la esfera pública, debe
destacarse que tanto el discurso oficial como sus acciones se ubican dentro de aquellas
que la “naturaleza femenina” estaría mejor capacitada para llevar adelante, mayormente
sociales/asistenciales y de “mediación” entre Perón y los miembros del movimiento.
Este discurso se continuaba en los mandatos del peronismo hacia las mujeres militantes.
Guivant (1986: 55) afirma que las mujeres en el peronismo “eran llamadas a
subordinarse como mujeres, es decir, su subordinación era justificada a través de la
VALDEZ, Inés. Ni feminista ni evitista. Sobre la carrera política y candidatura 35
presidencial de Cristina Fernández Kirchner. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 30-50, Dez. 2008 / Jun.
2009.
3. El período contemporâneo
institucional que ella será capaz de llevar adelante, así como la “experiencia, reflexión y
estudio” que aportará al cargo.26
Estas palabras superan lo discursivo, ya que cuando Kirchner se convirtió en
presidente el tipo de rol que se delegó en ella puede ser caracterizado como de
negociación política27, más que de vinculación con las tradicionales tareas sociales y
asistenciales que se encarga a las primeras damas28.
Este reconocimiento de su rol como “cuadro político” se extiende a otros
actores, tanto en el campo kirchnerista como en la oposición. La clase política recuerda
su actuación desde su banca en el Senado y a través de comisiones en casos de alto
perfil tales como la privatización de YPF, el diseño del Consejo de la Magistratura, el
conflicto con Chile sobre los hielos continentales, etc. (Garrone y Rocha 2003: 79).
La prensa, finalmente, también reconoce su rol político, y cita con
frecuencia su papel en ciertas decisiones gubernamentales, e incluso su postura crítica
ante decisiones del presidente29.
Resulta irónico que una política tan hábil y capacitada para intervenir en las
discusiones políticas, pueda terminar accediendo a la presidencia a través de su marido.
Cabe preguntarse si el aparato peronista podría ser movilizado por una mujer sin un
vínculo significativo con un político hombre. En este sentido, no sería extraño que las
limitaciones a la actuación política de las mujeres, se encuentren mayormente del lado
de las elites partidarias, antes que en la cuestión electoral34.
La oportunidad de Cristina Kirchner, por otro lado, no puede ser disociada
del proceso de personalización de la política argentina y del debilitamiento de las
estructuras partidarias, que ponen en cuestión la estabilidad y credibilidad de posibles
alianzas, así como la lealtad de los actores que participan en las mismas. En este
sentido, la valorización de los vínculos familiares se debe en parte a que resultan los
únicos en los que se puede confiar en estas situaciones. Es más, el hecho de que dos
candidatos de corrientes internas peronistas hayan optado por elegir a sus mujeres para
VALDEZ, Inés. Ni feminista ni evitista. Sobre la carrera política y candidatura 44
presidencial de Cristina Fernández Kirchner. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 30-50, Dez. 2008 / Jun.
2009.
5. Conclusión
1. El presidente declaró: “El año que viene vamos a tener un candidato o una candidata.
Argentino o argentina. Pingüino o pingüina.” (Clarín 25/07/2006).
2. Clarín 28/10/2005.
3. Si bien a principios del mes de Julio se cubrió la ciudad con afiches con la imagen de Cristina
Fernández de Kirchner en primer plano, el presidente solo la mencionó explícitamente como
candidata el 3 de julio, mientras que su lanzamiento oficial se realizó el 19 del mismo mes en la
ciudad de La Plata, en la provincia de buenos Aires.
4. Todas las referencias entre comillas a textos originales en inglés son traducciones propias.
5. Si bien es común encontrar éstas dos primeras temáticas analizadas en conjunto (ya que la
división entre las esferas suele ser basada o justificada en diferencias naturales entre los
géneros), considero que es necesario analizarlas por separado, debido a que existen instancias de
participación pública femenina que obviamente pone en cuestión la primera forma de exclusión
pero no dejan de aceptar la segunda modalidad de categorización.
6. Diario Clarín, “Kirchner, estallido en la retaguardia y un interrogante sobre el futuro,”
11/05/2007.
7. En efecto, la posición de presidenta de la Sociedad de Beneficencia era – por costumbre –
ocupada por la primera dama. Sin embargo, los enemigos de Perón dentro de las Fuerzas Vivas
(i.e. los intereses económicos representados por la Sociedad Rural, las mayores empresas
extranjeras, así como los exportadores e importadores) le negaron a Evita dicho cargo. La
respuesta a este acto fue intervenir la sociedad y purgar sus autoridades, convirtiéndola luego en
la Fundación de Ayuda Social y finalmente en 1948 en la Fundación Eva Perón (Rock 1987:
250, 287).
8. Tres de sus fundadoras fueron secuestradas a fines de 1977 y permanecieron desaparecidas
hasta el año 2005 en que se identificaron sus restos, confirmando que habían sido mantenidas
cautivas en el centro clandestino de detención de la Escuela de Mecánica de la Armada y luego
asesinadas arrojando sus cuerpos al río de la Plata.”
9. Presidencia que terminara de manera trágica y abrupta en diciembre de 2001, ver Gervasoni
2002.
10. En un ejemplo de particular falta de tacto y explícita objetivación de la mujer, el Sunday
Times de Inglaterra tituló una reciente nota sobre Elisa Carrió y Cristina Kirchner “‘Fatty’ v the
new Evita in all-girlfight for Argentina,” 07/08/2007.
11. La Nación Online, “Perfiles de los candidatos por Buenos Aires. Elecciones Legislativas
2005.” http://www.lanacion.com.ar/coberturaespecial/legislativas/perfilDuhalde.asp, consultado
18/07/2007.
12. Diario Clarín, “Murphy, contra Cristina y Chiche: pide ‘liberarse de las esposas’,”
25/07/2005.
VALDEZ, Inés. Ni feminista ni evitista. Sobre la carrera política y candidatura 47
presidencial de Cristina Fernández Kirchner. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 30-50, Dez. 2008 / Jun.
2009.
13.Diario Clarín, “Chiche y Murphy en Mar del Plata, otra ‘vidriera’ de los bonaerenses,”
15/09/2005.
14. Diario Clarín, “Chiche lanzó una apelación final al voto: ‘El poder lo tienen ustedes’,”
21/10/2005.
15. Diario Clarín, “Por primera vez sin Kirchner, Cristina se subió a la tribuna,” 27/08/2005.
16. Diario Clarín, “Kirchner volvió a hablar de Cristina: ‘Por ahí es pingüina’,” 15/02/2007.
17. Los ejemplos abundan, como en la descripción del encuentro de Cristina con la candidata
presidencial francesa Ségolène Royal: ¨Con vestido de seda marrón, chaqueta a cuadros con
ajustado cinturón, la senadora…” (Diario Clarín, “Cristina mandó un mensaje desde París: ‘Es
el siglo de las mujeres’,” 06/02/2007); su visita a Los Angeles: “Vestida con un traje verde agua
de gasa y zapatos de taco alto al tono, Cristina recordó…” (Diario Clarín, “Cristina dijo, como
Kirchner, que la oposición pretende proscribirla,” 14/07/2005.); o en los actos de campaña de
Chiche Duhalde: “la mujer de un metro cincuenta y pico y botas de taco soltó: …” (Diario
Clarín, “Chiche Duhalde: ‘La provincia de Buenos Aires no es un hotel que se alquila para una
elección’,” 27/07/2005.).
18. Diario Clarín, “Entre actos fallidos y pasos en falso Cristina y Chiche juraron en el Senado,”
15/12/2005.
19. El término es usado popularmente como sinónimo de “juguete.”
20. Esta costumbre se repite en otros países; Hillary Clinton – por ejemplo – es nombrada con
frecuencia como “Hillary.”
21. Diario Clarín, “Chiche almorzó por TV y se despachó a gusto,” 30/09/2005.
22. Diario Clarín, “‘Duhalde no va a hacer campaña conmigo: yo soy diferente a todos,’”
07/08/2005.
23. Si bien su temprana muerte a los 33 años impiden saber si eventualmente Evita hubiese
desarrollado una postura más radical que la de Juan Domingo Perón los grupos de izquierda
peronista en los años 70 adoptaron a Evita como una de ellos, siendo la expresión “Evita
montonera” parte de los cantos y posters distribuidos por el grupo armado Montoneros
(Hollander 1974: 54).
24. Diario Clarín, “Cristina Kirchner ‘¿Dónde imaginan a Evita, pidiendo no volver al pasado o
con las Madres?’” 27/07/2005.
25. La Opinión Austral, 11/03/1989, citado en Wornat 2005: 173-174.
26. Diario Clarín, “Kirchner le dio otro fuerte impulso a la candidatura de Cristina” 25/05/2007.
27. Sin embargo, debe notarse que el Presidente Kirchner nombró a su hermana (Alicia
Kirchner) en el Ministerio de Desarrollo Social, acatando así la tradicional división de tareas
entre hombres y mujeres trasladada desde el ámbito político a su propio ámbito familiar.
28. De hecho, al asumir Néstor Kirchner como presidente, Cristina declaró que ella no sería la
primera dama sino la “primera ciudadana” (Wornat 2005: 249).
29. Por ejemplo, luego de que Kirchner cambiara las autoridades del Instituto Nacional de
Estadística y Censos, el diario Clarín menciona que entre los críticos de esa decisión se
encontraban Cristina Kirchner, el jefe de gabinete, Alberto Fernández, y la ministra de
economía Felisa Miceli (Diario Clarín, “Kirchner, en tiempo de conflictos,” 22/04/2007).
30. Entrevista en Diario Perfil, “‘De Cristina Kirchner espero cualquier cosa’,” 15/07/2001.
31. Diario Clarín, “Un discurso con aires fundacionales, hacia afuera y adentro del peronismo”
08/07/2005.
32. Diario Clarín, “Cristina denunció un ‘pacto oculto de desestabilización’,” 25/08/2007.
33. Suplemento Las12, Página/12, “Matrimonios y algo más” 27/07/2007.
34. Esto ha sido observado asimismo por Lilian Ferro quien señala que el retorno de la
democracia en la Argentina re-ubicó la actividad política en instituciones tales como los
partidos politicos y los sindicatos, cuyas “rigideces patriarcales” hicieron que la acción política
de las mujeres se volcara hacia las organizaciones no gubernamentlaes (ONGs).
35. Diario Clarín, “En la Iglesia no creen que Cristina garantice una mejor relación”
09/07/2007.
36. Debe notarse que ninguna de las mujeres de alto perfil en la política argentina exhibe una
identidad feminista clara. Si bien hay ejemplos de legisladoras (y legisladores) de partidos
VALDEZ, Inés. Ni feminista ni evitista. Sobre la carrera política y candidatura 48
presidencial de Cristina Fernández Kirchner. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 30-50, Dez. 2008 / Jun.
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VOL. 01, Nº 01, 51-73, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Izadora Xavier∗
Resumo: Abstract:
Mudanças nas características das guerras Changes in the characteristics of the wars
desde o fim da Guerra Fria implicam since the end of the Cold War imply
mudanças no tratamento de questões da área changes in the approach to questions of the
de segurança dentro das Relações security area inside the International
Internacionais. Para analisar uma das Relations. To analyze one of the dimensions
dimensões ainda pouco explorada dessas still little explored of these changes, the
mudanças, a forma de percepção e form of perception and representation of the
representação das mulheres em situações de women in conflict situations, the article uses
conflito, o artigo utiliza de recursos da of resources of the critical speech analysis
análise crítica do discurso para avaliar o to evaluate how much established identities
quanto identidades estabelecidas se relate themselves with the real experiences
relacionam com as experiências reais das of the women. Using the arguments of
mulheres. Usando dos argumentos de authors as Bourdieu, Foucault and
autores como Bourdieu, Foucault e Fairclough, we still intended to perceive
Fairclough, pretende-se ainda perceber how a speech change can affect the
como uma mudança no discurso pode afetar feminine experiences, using the case of the
as experiências femininas, usando o caso do speech of the United Nations to exemplify
discurso das Nações Unidas para the use of the speech as social and politics
exemplificar o uso do discurso como prática practical.
política e social.
Palavras-chave: Word-keys:
1-Introdução
2-Metodologia
Ao propor uma nova forma de análise dos conflitos, que explora dimensões
mais societárias da prática das guerras, perspectivas e metodologias ligadas às formas
tradicionais – “empiricistas”6 – de conceber relações internacionais se mostram
inapropriadas. O estudo das identidades femininas como uma das dimensões
importantes dentro da complexidade dos conflitos atuais implica o uso de uma
metodologia da lingüística contemporânea que em muito se diferencia dos ideais
positivistas usados como padrão na disciplina.
Assim sendo, este artigo se situa do lado pós-positivista do “Terceiro
Debate” em Relações Internacionais, como tem sido próprio da teoria feminista no
campo7. Considerando o objetivo de esclarecer as dinâmicas de construção político-
discursiva das identidades femininas, visões objetivistas, próximas aos padrões das
ciências naturais são impraticáveis no contexto desse trabalho. De acordo com Smith,
escolher uma metodologia calcada nesses princípios mais tradicionais da área é também
definir o que ontologicamente pode ser incluído no estudo de Relações Internacionais,
prática que é criticada exatamente por excluir do campo dimensões da vida política e
social essenciais para a compreensão de fenômenos próprios a ele8.
Kaldor, por exemplo, explica as falhas e dificuldades de órgãos como as
Nações Unidas em responder às complexidades das guerras no pós-Guerra Fria como
resultado do uso de concepções vestfalianas em contextos de funcionamento claramente
XAVIER, Izadora. Mulheres em conflito: uma análise das práticas discursivas sobre 54
identidades femininas em situações de conflito Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 51-73, Dez. 2008 / Jun.
2009.
de uma instituição como as Nações Unidas é pressuposto essencial para que se possa
entender a importância do seu posicionamento em relação às identidades femininas, e
sua escolha como fonte produtora do corpus textual analisado.
A dimensão da prática social no qual estão inseridos os textos deste trabalho
é examinada na próxima sessão, por meio da discussão da categoria de Bourdieu da
‘violência simbólica’. A análise micro do texto, em suas formas e significados, está
concentrada em uma quarta parte do trabalho, dentro de tópicos que obedecem às
categorias de identificação feminina como estabelecidas pelo documento oficial e
relatório da ONU. Dentro dessas três formas de identificação (a saber: ‘refugiadas e
deslocadas’, ‘prostitutas e escravas sexuais’ e ‘ativistas’) usarei tanto do discurso das
mulheres como exposto pelo relatório como do próprio discurso do relatório para
contrapôr a política discursiva da ONU com as identidades femininas mais tradicionais
(e mais ligadas ao conceito de Bourdieu). Pretendo, assim, demonstrar como a análise
da prática discursiva e do texto nos pode fornecer informações para a percepção de que
uma tentativa de reformular as práticas sociais pode partir de uma nova compreensão
discursiva das identidades femininas em situações de conflito.
O corpus do trabalho é formado pelo Relatório de especialistas
independentes para as Nações Unidas sobre a situação da mulher no mundo, Women
War Peace, e pelo Pacote de Recursos para Tratamento de Questões de Gênero em
Operações de Paz17, documento oficial das Nações Unidas. Importante assinalar que o
primeiro servirá não só como base para a discussão do discurso onusiano para as
mulheres, mas também será a fonte da discussão das declarações das mulheres a serem
analisadas também como parte do trabalho.
As Nações Unidas têm como prática, a fim de extrair uma visão ampla sobre
temas tratados pela Organização, de usar o trabalho de especialistas independentes na
exploração desses temas. Tais especialistas são assessorados apenas em questões de
segurança pela ONU, e contam com seus próprios recursos para o trabalho de relatoria,
no objetivo de manter, ao máximo, a independência desses em relação à Organização.
XAVIER, Izadora. Mulheres em conflito: uma análise das práticas discursivas sobre 57
identidades femininas em situações de conflito Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 51-73, Dez. 2008 / Jun.
2009.
constituída pela localização dos agentes nessas estruturas competitivas, marcadas por
relações de dominação sustentadas por significados e mapas cognitivos responsáveis
pela manutenção dessas redes.
Sendo as estruturas sociais loci de dominação, também os sistemas
simbólicos que as constituem subjetivamente são formas de exercício dessa dominação.
O “poder simbólico” é aquele que constitui os atores envolvidos nas relações de
dominação porque constroem as formas de conceber as estruturas sociais desses. A
dominação simbólica é aquela construída com a colaboração do dominado, pois esse é
também constituído como indivíduo a partir de mapas cognitivos que legitimam essa
dominação20.
A violência simbólica, própria das relações sociais caracterizadas pela
dominação masculina é um dos mecanismos de atuação do poder simbólico. Voltando à
afirmação da universalidade da primazia masculina, Bourdieu vai explicar a violência
simbólica como a construção societária que coloca os homens como “matrizes das
percepções, dos pensamentos e das ações de todos os membros da sociedade”21. Isso
quer dizer que, nas relações homem-mulher, as relações de poder aí estabelecidas são
construídas e reproduzidas pelo sistema simbólico a partir das percepções masculinas.
Mesmo as mulheres percebem as relações nas quais estão inseridas por uma
visão do homem como sujeito da relação, enquanto a própria mulher se vê como um
“bem simbólico”, objeto das relações. Os interesses-padrão da sociedade são, assim, os
interesses masculinos, e os agentes-padrão, os homens; mulheres são moeda de troca e
instrumento para as ações dos homens. Bourdieu identifica essa dissimetria como a base
de toda a organização social: “as mulheres só podem aí ser vistas como objetos, ou
melhor, como símbolos cujo sentido se constitui fora delas e cuja função é contribuir
par a perpetuação ou o aumento do capital simbólico em poder dos homens”22.
As próximas seções do trabalho pretendem usar a análise do discurso crítica
para demonstrar como as ordens do discurso tradicional explicitado pelas entrevistas
femininas deixam transparecer os mecanismos simbólicos que suportam as estruturas da
violência simbólica acima descrita. Principalmente, considerando as proposições de
Bourdieu que “o que faz a circularidade terrível das relações de dominação simbólica, o
que faz com que não seja fácil se livrar dela, é que elas existem objetivamente sob
formas de diviões objetivas e sob forma de estruturas mentais que organizam a
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identidades femininas em situações de conflito Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
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(1) “If [a girl] refuses[s], when the time comes for the supply of food items,
you will be told that your name is not on the list”26.
Se uma garota se recusa, quando o momento chega para o fornecimento de
itens alimentícios, eles dirão que seu nome não está na lista.
(2) “If you do not have a wife or sister or a daughter to offer the NGO
workers, it is hard to have access to aid”27.
Se você não tem irmã ou esposa ou filha para oferecer aos trabalhadores das
ONGs, é difícil ter acesso à ajuda.
(3) “Once our children are educated, the girls will know that they do not
have to submit to violence in order to have a husband”28.
Uma vez que nossos filhos forem educados, as garotas saberão que elas não
têm que se submeter à violência para ter um marido.
(4) “In one camp of Sierra Leonean refugees, one social worker offered us
her analysis of the differing ways men and women react to camp life. The men, she said,
loose their identity and their dignity. They sit around all day and then they take out their
frustrations on the women and children at night. In her view, women are different.
‘They cope because they have to. They bend with the situation’”29.
Em um campo de refugiados serra-lenoês, uma tradalhadora social nos
ofereceu sua análise sobre as diferentes maneiras que homens e mulheres reagem à vida
no campo. Os homens, ela disse, perdem a identidade e a dignidade. Eles ficam
sentados o dia todo e descontam suas frustrações nas mulheres e crianças à noite. Sob o
ponto de vista dela, as mulheres são diferentes. ‘Elas enfrentam a situação porque
precisam. Elas se adaptam às circunstâncias.
(5) “The women were restless, burning with the desire to communicate their
common experience, their common trauma”30.
As mulheres eram incansáveis, e ardiam com o desejo de comunicar suas
experiências comuns, seus traumas comuns.
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(6) “The responsibility to care for others is so embedded that even in the
most desperate conditions, women still try to take care of everyone around them”31.
A responsabilidade de cuidar dos outros está tão internalizada que, mesmo
nas situações mais desesperadoras, as mulheres ainda tentam cuidar de todos ao seu
redor.
O relatório do Human Security mostra que mulheres constituem setenta por
cento dos refugiados e deslocados internos32. Essas são pessoas que abandonam seu lar
por medo da violência ou por terem tido suas casas, vilas ou cidades destruídas. Os
excertos dos documentos acima apresentados foram retirados das experiências e
declarações de pessoas vivendo em campos de refugiados. Nessas situações, comida,
água e medicamentos, além de outros itens de primeira necessidade são em geral
supridos por ONGs e OIs, através de ajuda humanitária. Os excertos (1) e (2) mostram
como até na forma de acesso das pessoas a esses itens as formas de compreensão
tradicionais das identidades femininas têm impacto.
A visão das mulheres como ‘moeda de troca’ e objeto de relações nas quais
os sujeitos são os homens, caracterizados pela latência sexual típica da masculinidade,
determina o acesso das famílias aos itens. Isso se mostra claramente quando em (2) um
homem do campo usa o termo ‘oferecer’ (offer) como forma de definir a relação
necessária entre ele e os trabalhadores humanitários para ter acesso à ajuda. O uso da
mulher como moeda de troca não poderia ser mais explícito nessa construção, sendo as
relações entre os sujeitos masculinos aqui constituídas a partir do uso da mulher não
para o angariamento de bens simbólicos como a honra, mas de capital material, o da
ajuda humanitária. A lógica da violência simbólica presente,pode-se notar, é a mesma
discutida por Bourdieu.
Da mesma forma, em (1) uma das mulheres do campo reafirma tal
relacionamento ao dizer que se a ‘garota’ (girl) se recusa, ela não receberá a ajuda. Tal
proposição coloca os homens como agentes da ação, impondo relacionamentos aos
quais as meninas se recusam. A impossibilidade de se recusar explícita em (2) – sendo
este o único meio possível de acesso à comida –, nos deixa entender que resta
simplesmente às garotas se submeter a uma relação na qual elas não possuem agência
ou vontade.
Os trechos seguintes, em oposição, são usados pelas especialistas do
relatório para adicionar a essa visão das mulheres uma outra nuance: as refugiadas e
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deslocadas são apresentadas então como ativas e altivas – no caso do adjetivo ‘restless’
(incansáveis) em (5). Elas são responsáveis pelo cuidado dos outros, e, ainda que tal
comportamento também seja derivado de visões tradicionais do papel essencialmente
maternal das mulheres e, ultimamente, tenha impacto negativo sobre estas por pressupor
uma abnegação em favor da família que acaba negligenciado as necessidades destas,
leva à compreensão do motivo porque em (4), ao contrário dos homens, que se entregam
a auto-piedade, as mulheres se mantêm trabalhando, “tomando conta de todos”.
Assim sendo, elas passam do capital a ser negociado pelos homens,
submetidas em troca de comida e medicamentos, para aquelas que agem na manutenção
da comunidade, no cuidado dos outros, que dividem experiências próprias. Elas são
‘diferentes’, ‘inquietas’ e comunicativas. A identidade das mulheres, ao contrário do
que acontece com os homens, não é perdida: suas formas de agência são enfatizadas. A
agência dessa maneira enfatizada se liga às ideologias tradicionais de gênero: a mulher é
abnegada e coloca o bem-estar da família acima do seu. Mas é importante perceber,
nesse caso, que tal característica é enfatizada em contraste com as dos homens, que se
abandonam e se entregam à indolência, de forma que o papel e a ação das mulheres se
valorizam.
Finalmente, a declaração em (3) corresponde a uma demonstração da
consciência feminina da sua situação de submissão, e de bem simbólico.
Impressionantemente, elas concordam com Bourdieu de que saber estar submetida não
garante a liberação33. No entanto, parecem saber de que forma isso se dará: pela
educação, suas filhas saberão não ter que se submeter à violência doméstica. Tal trecho
é especialmente interessante na formação de uma visão dessas mulheres não como
vítimas, ainda que sofram violência – afinal, nas guerras os homens a sofrem sem serem
reconhecidos como tal. Elas são indivíduos e agentes da sua própria história,
reconhecendo os motivos de sua ‘dominação’ e planejando a superação dela pela
próxima geração.
(1) “I am the only person who has an income in the family. Since the
UNAMSIL’s34 arrival, I have been able to make enough money to support my family.
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My clients are mainly peacekeepers. Of course I do not like to trade my body for
money, but what choice do I have?”35
Eu sou a única que tem renda na família. Desde a chegada da UNAMSIL,
eu fui capaz de conseguir dinheiro suficiente para sustentar minha família. Meus
clientes são principalmente peacekeepers. É claro que eu não gosto de trocar meu corpo
por dinheiro, mas que outra escolha eu tenho?
(2) “They told us about their struggle to heal from the physical violence and
psychological pain”36.
Elas nos contaram sobre sua luta para se curar da violência física e dor
psicológica.
(3) “The girls were all sex workers. They belonged to different religions and
ethnic groups, but they all had one thing in common: they had been separated by from
their families during the war. Most had been abducted and forced to stay with the rebels
until they escaped or the cease-fire was signed. They had been raped repeatedly. Many
had seen their parents and siblings killed by armed groups (…) It is impossible to ignore
the desperation of these girls, but at the same time we were moved by the efforts to
support each other. Out of nothing they had created a community”37.
As meninas eram todas profissionais do sexo. Pertenciam a diferentes
religiões e grupos étnicos, mas todas tinham algo em comum: haviam sido separadas
das suas famílias durante a guerra. A maioria tinha sido raptada e forçada a permanecer
com os rebeldes até conseguirem escapar ou até a assinatura do acordo de paz. Elas
haviam sido estupradas repetidamente. Muitas viram pais e irmãos serem assassinados
pelas milícias. (...) É impossível ignorar o desespero dessas garotas, mas ao mesmo
tempo estávamos comovidas pelos esforços que faziam para apoiar umas às outras. Do
nada, elas criaram uma comunidade.
(4) “I was taken by the RUF when I was 14. Now I am 17. I was made to be
the ‘wife’ of a man for nearly two years. That is quick to say, two years, but everyday
felt like a year to me. I feel like an old woman now. Nobody will ever want me. I don’t
want to face my family because they know what happened. I will never love.38"
A RUF me levou quando eu tinha 14 anos. Agora tenho 17. Eu fui obrigada
a ser ‘esposa’ de um homem por quase dois anos. Isso parece rápido ao dizer, dois anos,
mas todo dia parecia um ano para mim. Sinto-me como uma velha agora. Ninguém
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jamais vai me querer. Eu não quero encarar minha família porque eles sabem o que
aconteceu. Eu nunca vou amar.
(5) “women and girls who have been abducted, suffered gender-based
violence such as sexual assault and rape, and been forced into marriage or worked as
sexual slaves, will have particular psycho-social needs”39.
Mulheres e crianças que foram raptadas, sofreram violência de gênero tais
como ataques sexuais ou estupro, e foram forçadas a casar ou a trabalhar como escravas
sexuais, terão necessidades psico-sociais particulares.
A situação das mulheres em redes de prostituição ou que foram submetidas
à escravidão sexual durante os conflitos é especialmente complexa. Por razões sociais e
culturais, até pouco tempo elas não eram nem um segmento considerado no tratamento
de questões de guerra e paz. A rejeição e o estigma que marcam a vida das mulheres
identificadas com a prostituição ou mesmo com a violência sexual por combatentes é
óbvia em (4): “eu não quero encarar minha família porque eles sabem o que aconteceu.
Ninguém jamais irá me querer”.
O próprio esforço presente nos trechos acima de caracterizar a dor, o
sofrimento e as necessidades especiais das mulheres que sofreram violência ou que se
prostituem é uma demonstração da desconsideração da subjetividade dessas mulheres
geralmente vigente. O estatuto de ‘objeto’ dessas pessoas restringe as possibilidades
econômicas das mulheres – afinal, como coloca Bourdieu, a esfera pública é dos
homens40, sobrando para mulheres, quando obrigadas a sustentar a família como em
(1), apenas atividades ligadas aos seus papéis tradicionais. A forma de violência sofrida
pelas mulheres, como em (4), também é pautada por esses papéis. Ao caracterizar sua
situação na milícia como ‘mulher’ (wife) de um combatente, a mulher dando o
depoimento está de fato demonstrando que a relação de violência física constante
caracteriza um “casamento” baseado na negação de sua individualidade e vontade em
favor do que seriam as necessidades do outro, nesse caso sexuais. A construção do
significado da mulher “fora de si”, retomando Bourdieu, chega nesse ponto ao extremo
– a percepção da mulher a partir do padrão masculino da sociedade nega a essa o
mínimo da subjetividade, permitindo que ela seja usada, sem consideração das suas
vontades ou percepções sobre aquela experiência, como objeto para exercício da
sexualidade do combatente.
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crianças durante os dez anos da guerra. Nós fizemos lobby por cotas para as mulheres
na futura legislatura, a Assembléia Nacional Transitória. Mas enfrentamos oposição dos
delegados, que nos disseram que homem algum concordaria em ser representado por
uma mulher.
(3) “The men who had been negotiating didn’t fell that the women had any
right to be there. These men felt that they had the right to be there because they were
fighter or had been elected to some parliament before the war escalated. Burundi
women who had suffered so much didn’t have any legitimacy in their eyes. But by
bringing in the women, the documents have more legitimacy now”43.
Os homens que estiveram negociando não sentiam que as mulheres tinham
qualquer direito do estar ali. Esses homens sentiam que eles tinham direito de estar ali
porque eles eram combatentes ou tinham sido eleitos para um parlamento antes do
conflito escalar. As mulheres do Burundi não tinham muita legitimidade aos olhos
deles. Mas ao trazer as mulheres, os documentos têm mais legitimidade agora.
(4) “Women and girls are not only victims in armed conflict; they may also
become active agents. In many conflicts and post-conflict situations they have been
instrumental in promoting peace. Their involvement in a number of countries has drawn
upon their moral authority as mothers, wives and daughters to call for an end to the
conflict. However, women continue to be largely absent from formal peace process.
Instead they tend to play more prominent roles in informal activities that support formal
peace processes”44.
Mulheres e crianças não são apenas vítimas em conflitos armados; elas
também se tornam agentes ativos. Em muitas situações de conflito e pós-conflito, elas
têm sido instrumentais na promoção da paz. Seu envolvimento em um número de países
foi baseado em sua autoridade moral como mães, esposas e filhas que clamam pelo fim
do conflito. No entanto, mulheres continuam ausentes do processo de paz formal. Em
vez de participarem desses processo, elas tendem a possuir papéis mais proeminentes
em atividades informais que servem de apoio ao processo de paz.
(5) “When collecting information, UNMOs/MLOs45 are advised to
interview women in the communities being monitored as well as women leaders and
member’s of women organizations. These groups can provide important information on
a variety of topics, including human rights abuses such as the rape and trafficking of
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women and girls, forced recruitment of boys into armed groups, the level of weapon
ownership in the community and small arms trade”46.
Ao coletar informações, UNMOs/MLOs são aconselhados a entrevistar as
mulheres das comunidades sendo monitoradas, assim como as mulheres líderes e
membros de organizações femininas. Esses grupos podem fornecer informações
importantes em diversos tópicos, incluindo violações de direitos humanos tais como
estupro e tráfico de mulheres e crianças, recrutamento forçado de meninos em grupos
armados, o nível de posse de armas na comunidade e do comércio de armas leves.
Os locais de conflito visitados pelas redatoras do Relatório Women War
Peace são sociedades nas quais a divisão público/privado é essencial na compreensão
dos papéis masculinos e femininos, assim como na maior parte do mundo. Assim sendo,
qualquer atividade política feminina é em geral considerada imprópria e ilegítima, como
o trecho (3) claramente apresenta. O trabalho discursivo da ONU, nesse caso, centra-se
no esforço de legitimação de um trabalho político feminino calcado por vezes em
lógicas mais informais e afinadas com os papéis tradicionais asssumidos pelas
mulheres, como informam os trechos (1) e (4).
O trecho (2) tem um significado especial quando ele trata de categorias de
representação entre masculino e feminino, em diálogo com a idéia de violência
simbólica de Bourdieu. A diferença entre homem e mulher é caracterizada pela
capacidade de representação de um sexo pelo outro. Se as mulheres são bens simbólicos
de uma sociedade masculina, eles podem falar em nome delas, mas o inverso é
rejeitado. Em (1) a mesma lógica das mulheres como bem simbólico se repete – elas não
tem direito à terra ou aos filhos porque não são sujeitos dentro do casamento, são bens
como a terra e, logo, não faz sentido que um tenham posse sobre qualquer herança.
No entanto, em (1), ao mesmo tempo em que a declaração demonstra o
poder dessas formas tradicionais de identificar a mulher, ela também mostra a própria
mulher resistindo a essa identificação tradicional. Ela afirma sua identidade como
agente na ‘exigência’ (claim) de seus direitos sobre a terra de seu marido e os filhos que
teve com ele.
Os discursos em (4) e (5) colocam em cheque a lógica que leva à declaração
indireta em (2) de que as mulheres deveriam ser representadas pelos homens ao
estabelecer a ação política das mulheres como mãe, filhas e esposas em um patamar de
autoridade válido apesar da informalidade do seu exercício. A legitimação discursiva
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Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 51-73, Dez. 2008 / Jun.
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das experiências das mulheres, que em geral acontecem nas esferas consideradas
privadas, tem a finalidade de permitir que elas participem dos processos formais de paz
e não sejam rejeitadas na base do argumento exposto em (3). Nesse caso, apenas os
‘guerreiros’, os que pegaram em armas, num papel estritamente masculino, teriam
direito político. A ligação entre as duas experiências, da guerra e da política é entendida
essencialmente por serem realizadas por homens nas esferas consideradas públicas. O
estabelecimento da importância social do trabalho feminino ‘privado’ pelos trechos (1),
(3), (4) e (5) pretende levar as mulheres para um patamar político que permita o
reconhecimento público de suas demandas.
1 Human Security Centre. Human Security Report 2005 – War and Peace in the 21st
Century. New York, Oxford: Oxford University Press, 2005, p.3.
2 Ibidem, p. 23.
3 Ver KALDOR, Mary. New and Old Wars: Organized Violence in a Global Era.
Cambridge: Polity Press, 1999.
4 Ver TICKNER. J. Ann. Gender in International Relations: Feminists Perspectives in
Achieving Global Security. New York: Columbia University, 1992.
5 GOLDSTEIN, Joshua S. War and Gender: How Gender Shapes the War System and
Vice-Versa. Cambridge: University Press, 2001, p. 59.
XAVIER, Izadora. Mulheres em conflito: uma análise das práticas discursivas sobre 71
identidades femininas em situações de conflito Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 51-73, Dez. 2008 / Jun.
2009.
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Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 01, 74-92, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Flavia Guerra∗
Érica Simone Almeida Resende**
Resumo: Abstract:
O artigo visa a discutir as atuais políticas The article aims to argue the current politics
para a mulher da União Européia, baseadas for the woman of the European Union,
no conceito de gender mainstreaming based in the concept of gender
(perspectiva de gênero ou transversalidade). mainstreaming. According to this approach,
De acordo com esta abordagem, a política the gender politics must surpass all the
de gênero deve perpassar todas as outras others public politics of the Union and not
políticas públicas da União e não ficar to be confined to a specific department. It is
confinada a um departamento específico. about, therefore, to remove it from a
Trata-se, portanto, de retirá-la de uma secondary position and to become it visible
posição marginal e torná-la visível em toda in all the group structure. By this point of
a estrutura do bloco. Desse ponto de vista, o view, the gender mainstreaming represents
o gender mainstreaming representa um an advance in relation to the previous
avanço em relação às anteriores políticas da politics of the EU to the woman: from the
UE para a mulher: a do feminismo liberal e liberal feminism and from the positive
a da ação positiva. Além disso, ele poderia action. Moreover, it could have an
ter um caráter inovador, ao introduzir innovative character, when introducing not
elementos não patriarcais no desenho das patriarchal elements in the drawing of the
outras políticas públicas. others public politics.
Para avaliarmos a eficácia dessa nova To evaluate the effectiveness of this new
concepção, optamos por um estudo de caso conception, we opt to a case study of the
da política imigratória da União Européia. immigration politics of the European Union.
Estariam as mulheres imigrantes se Would the immigrant women be benefiting
beneficiando da influência da perspectiva de themselves from the influence of the gender
gênero sobre as políticas imigratórias? perspective on the immigration politics? We
Constatamos que o caráter liberal, evidenced that the liberal, repressive and
repressivo e conservador da política de conservative character of the politics of
integração cívica a torna resistente e civic integration becomes it resistant and
incompatível com uma concepção de incompatible with a conception of gender
perspectiva de gênero, sobretudo quando perspective, especially when this conception
esta propõe uma modificação das estruturas considers a modification in the patriarchal
patriarcais. structures.
Palavras-chave: Key-words:
Introdução
A União Europeia proclamou “2007” como o Ano europeu da Igualdade de
Oportunidades para Todos. As ações se baseiam nos artigos 2° e 3° do Tratado de
Roma, que já tratava da igualdade entre os cidadãos e, particularmente, da igualdade
entre homens e mulheres. O Ano europeu da Igualdade, portanto, parece ser um
coroamento de uma série de medidas a favor da igualdade que vem sendo adotadas
desde os primórdios da União Européia.
No entanto, um estudo divulgado no dia 18 de julho de 2007 pela Comissão
Européia (CE), o órgão executivo da União Européia, revela que as mulheres do bloco
recebem salários até 15% mais baixos do que os homens, embora tenham mais anos de
estudos.
Mais do que mostrar que a Europa ainda está longe de ser um modelo de
eqüidade entre homens e mulheres, o informe da Comissão nos leva a questionar o teor
das políticas para a mulher adotadas desde a fundação do bloco.
A UE conta com órgãos acostumados a tratarem de temática relativas aos
direitos da mulher. Por outro lado, algumas políticas, como as de ação positiva e
perspectiva de gênero (ou gender mainstreaming) encontram obstáculos para serem
plenamente aceitas.
A finalidade deste artigo é investigar se a nova abordagem gender
mainstreaming teria mais chances do que sua antecessora (política de ação afirmativa)
para superar determinados pressupostos do feminismo liberal e as resistências de outras
políticas comunitárias em relação à questão da mulher. Para isso, optamos por analisar a
compatibilidade ou incompatibilidade entre o conceito de “perspectiva de gênero” e as
bases ideológicas da política imigratória da União Européia
Betty Friedman, entre outras, as mulheres devem lutar por tratamento igual no trabalho,
paridade de salários para tarefas iguais e legalização do aborto. Parte-se do pressuposto
de que as mulheres são essencialmente iguais aos homens e, portanto, aptas a alcançar
os mesmos postos que estes na estrutura do mercado de trabalho.
O feminismo liberal representado no século XX por Friedman é tributário
do pensamento de Mary Wollstonecraft, que no século XVIII reivindicava o Direito da
Mulher com base na mesma Razão iluminista que inspirou a Declaração Universal dos
Direitos do Homem. A mulher ocuparia uma posição inferior na sociedade não por
possuir uma qualidade intrínseca qualquer, mas por receber uma educação diferente da
dos homens, uma educação que as deixava mais preocupadas com uma elegância fútil
do que com o desenvolvimento de uma personalidade forte. Podemos, então, inferir que,
no pensamento de Wollstonecraft, o desenvolvimento da capacidade racional da mulher
dependeria de uma mudança na orientação de sua educação.
A principal crítica de outras correntes feministas a essa abordagem refere-se
ao fato de que ela, influenciada pela doutrina liberal que considera apenas o indivíduo
como sujeito de direito, tenta “adaptar” a mulher a uma estrutura historicamente criada
por uma sociedade dominada pelos homens. Neste sentido, a adequação da mulher,
pensada como indivíduo, à estrutura não modificaria as bases da dominação. A segunda
crítica geralmente dirigida ao feminismo liberal diz respeito ao próprio conceito de
mulher. Esta seria vista como portadora de uma essência inata igual à do homem,
essência essa constituída pela razão.
Um outro tipo de crítica vem de fora do movimento. Ao se referir ao
feminismo, Terry Eagleton lembra que sua popularidade se deve ao fato de não
representar uma ameaça ao sistema capitalista:
feminismo liberal talvez explique o fato de ele ter permanecido como a linha
predominante nos documentos oficiais da União Européia desde sua criação.
Outra característica deste tipo de feminismo é a prioridade dada à
legislação, como se as leis tivessem o poder, por si sós, de mudarem a realidade. O
feminismo liberal segue a tradição liberal de igualdade formal, garantindo direitos
iguais a todos os indivíduos. Ao estabelecer a “igualdade entre homens e mulheres”, o
Artigo 2° do Tratado da Comunidade está se referindo àquela igualdade formal. As
demais referências nos principais documentos da UE seguem a mesma linha. Assim,
temos no artigo 3° a determinação de “eliminar desigualdades, e promover a igualdade
entre homem e mulher” e no artigo 13°, a proposta de combater a discriminação baseada
em sexo. No artigo 119°, encontramos a preocupação típica do feminismo liberal com a
entrada da mulher no mercado de trabalho e o recebimento de uma remuneração
equivalente à dos homens. De acordo com o artigo em tela, cada Estado-membro deve
assegurar o “princípio de pagamento equivalente para trabalhadores homens e mulheres
que desempenham o mesmo trabalho ou trabalho de valor equivalente”. Todos esses
artigos foram absorvidos pela Constituição Européia1: a “igualdade entre homens e
mulheres” passou a figurar no Artigo 1° e o “pagamento igual para trabalhadoras e
trabalhadores que desempenham o mesmo trabalho ou um trabalho de valor igual”, no
Artigo III-214.
Em suma, apesar de vários desses artigos terem sido revisados ou
substituídos posteriormente, como veremos em outra seção, o compromisso com o
“tratamento igual” da visão feminista liberal foi mantido e passou a coexistir com outras
abordagens.
A própria Voets admite que é apenas nos anos 80 que as ações positivas
adquirem maior autonomia em relação ao arcabouço jurídico. A União Européia chegou
à conclusão de que a legislação era necessária, porém não suficiente, e, por isso, a ação
positiva precisava de uma estratégia que fosse além da igualdade formal valorizada pelo
GUERRA, Flávia e RESENDE, Érica Simone Almeida. A “perspectiva de gênero” na 78
política imigratória da união européia: expectativas e dificuldades. Estácio de Sá –
Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº
01, 74-92, Dez. 2008 / Jun. 2009.
feminismo liberal. Assim, a Comissão Européia adotou os Programas de Ação, que têm
o objetivo de promover valores e práticas favoráveis à igualdade de gênero, avaliar a
eficácia das políticas e desenvolver a percepção dos atores para promover a igualdade
de gênero. Em outras palavras, trata-se de criar uma nova cultura que possa garantir a
aplicação e a eficácia da legislação.
A ação positiva também se afasta, em princípio, do liberalismo por sua
visão sobre a mulher. Enquanto o feminismo liberal entendia a mulher como portadora
de uma essência igual à do homem, a ação positiva pode se aproximar da imagem
fornecida pelas feministas culturais de que a mulher é essencialmente diferente do
homem. Por estarem acostumadas a cuidar dos outros, as mulheres poderiam levar para
a política o que Carol Gilligan chamou de uma “ética do cuidado”, que se preocupa
mais com disposições morais do que com princípios morais. Na “ética do cuidado”,
modo de raciocínio tipicamente feminino, haveria uma propensão a buscar respostas
para um caso particular e não princípios de aplicabilidade universal. Por fim, explica
Gilligan, as mulheres estão mais atentas para as responsabilidades e as relações para
com o outro concreto do que para os direitos e a eqüidade do outro pensado como
abstração.
Mas a principal característica da ação positiva, intervencionista e antiliberal,
é o fato de inserir a mulher num grupo historicamente desprivilegiado. As políticas de
ação afirmativa ou cotas estão associadas a direitos coletivos e não aos direitos
individuais da mulher. Ora, no caso de uma política de ação afirmativa baseada na
“ética do cuidado”, teríamos aí um desvio em relação à concepção tradicional de ação
afirmativa. A “ética do cuidado” não se preocupa nem com o indivíduo abstrato do
liberalismo nem com o grupo, mas com o indivíduo concreto.
Apesar dessas diferenças, há um ponto de contato entre a igualdade formal
do feminismo liberal e a ação afirmativa baseada na ética do cuidado do feminismo
cultural. Ambas promovem uma acomodação da mulher à estrutura social patriarcal e ao
sistema político vigente. A primeira visa tornar a mulher equivalente ao homem dentro
do sistema patriarcal. A outra exige cotas para introduzir uma ética do cuidado no
mesmo sistema.
GUERRA, Flávia e RESENDE, Érica Simone Almeida. A “perspectiva de gênero” na 79
política imigratória da união européia: expectativas e dificuldades. Estácio de Sá –
Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº
01, 74-92, Dez. 2008 / Jun. 2009.
exigência chegou a ser estendida aos candidatos à imigração ainda em seus países de
origem, numa espécie de imigração controlada no exterior. Na França, o então ministro
do Interior Nicolas Sarkozy chegou a declarar em 2004 que “trata-se de obrigar aquele
que faz vir uma pessoa do exterior, e que geralmente é sua mulher, a permitir que ela
aprenda o francês e se integre à nossa sociedade” (apud Lochak, 2004, p.1).
Sarkozy invoca indiretamente o patriarcado como uma tradição capaz de obrigar a
mulher a romper os laços com a comunidade étnica e se integrar à sociedade francesa.
Se no multiculturalismo, a mulher estava submetida a uma dupla tirania, a da
comunidade e a da família, agora, na integração cívica ela tem a possibilidade de se
libertar dos grilhões da comunidade, mas isto se dá às custas de um reforço dos grilhões
da família. A esta situação Joppke e outros chamam de liberalismo repressivo3.
Mesmo o liberalismo influenciado pelo romantismo, que pregava a proteção
da liberdade individual em relação a qualquer grupo, sempre se absteve de interferir na
esfera privada da família. A integração cívica reproduziu as características deste tipo de
liberalismo. Foi eficaz para quebrar os laços comunitários, mas recuou diante da
estrutura patriarcal da família e até se aproveitou dela para atingir seus objetivos.
Voltamos então à nossa pergunta inicial. A abordagem da perspectiva de
gênero (ou gender mainstreaming), introduzida em 1996, foi capaz de revolucionar a
política de integração cívica adotada no final dos anos 90 na União Européia? De
imediato, detectamos uma contradição entre as duas políticas, a imigratória e a de
gênero. Enquanto a integração cívica se aproveita do patriarcado para trazer a mulher
para a sociedade, numa espécie de liberalismo repressor, como discutido por Joppke, a
política de perspectiva de gênero, quando revolucionária, confronta a estrutura patriarcal
da sociedade.
Suspeitamos que, se a perspectiva de gênero tivesse mantido sua proposta
revolucionária de modificar estruturas patriarcais, a política imigratória de integração
cívica jamais teria considerado em sua elaboração a estratégia de usar o patriarcado para
liberar a mulher da comunidade de origem e aproximá-la da sociedade receptora.
5. Conclusão
NOTAS
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gênero, feminismo, União Européia, ação afirmativa, transversalidade, política de imigração,
liberalismo.
GUERRA, Flávia e RESENDE, Érica Simone Almeida. A “perspectiva de gênero” na 91
política imigratória da união européia: expectativas e dificuldades. Estácio de Sá –
Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº
01, 74-92, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Angelita Lopes∗
Eguimar Felício Chaveiro**
Resumo: Abstract:
O trabalho que ora se apresenta tem esse The present work has as objective: to
objetivo: demonstrar a leitura espacial de demonstrate the space reading of Goiânia
Goiânia feita pela poesia de diferentes made by the poetry of different author-
autores-poetas. Tentaremos verificar o grau poets. We will try to verify the degree of
de aprofundamento dessa leitura viajando na deepening of this reading travelling in the
paisagem da cidade, especialmente landscape of the city, especially centering
centrando a viagem no modo como o poeta the trip in the way as the poet sees the life
vê a vida no espaço – e lê o espaço pela in the space - and reads the space through
emoção. the emotion.
Palavras-chaves: Key-words:
Introdução
trabalhos feitos por Fontanezi (2004); Chaveiro (2001) e vários que analisam Goiânia
pelo viés literatura explorando obras de Brasigóis Felício, Carmo Bernardes, Horieste
Gomes, Jose Mendonça Teles etc.
Esses trabalhos certamente fazem uso de alguns pressupostos fundamentais
oriundos de novos paradigmas de conhecimento como o de que a cultura é um
manancial de símbolos, signos e artefatos que se entremeiam na construção, na vivência
e na experiência dos espaços. Por ser assim, toda ação social é guiada por uma prática
cultural que lhe serve de guia, mediante a qual os sujeitos produzem sentidos políticos e
desenvolvem significados às suas ações.
Esses pressupostos, no caso do presente trabalho, possuem um sentido
prático: Goiânia é representada pela poesia. Essa representação, forjada pelos critérios
estéticos próprios da empresa poética e do labor metafórico, ajuda a conhecer a alma da
cidade – e a decifrar os sentidos de usos das instituições e dos diferentes tipos de poder
que transformam o espaço em bem privado, de rentabilidade ou de produção e
reprodução da vida.
O trabalho que ora se apresenta tem esse objetivo: demonstrar a leitura
espacial de Goiânia feita pela poesia de diferentes autores-poetas. Tentaremos verificar
o grau de aprofundamento dessa leitura viajando na paisagem da cidade, especialmente
centrando a viagem no modo como o poeta vê a vida no espaço – e lê o espaço pela
emoção.
Uma cidade nasce sem rosto, no silêncio dos sonhos que adormecem...
brotam, geram a vida e a morte, a alegria e a tristeza. E de guardados em guardados,
trançam-se as teias dos destinos que ali viverão. Das muitas ruas, dos muitos carros, das
muitas flores, se constroem pontes que se tornarão um infindável presente e passado se
interpondo.
No coração do Brasil adormecida em sua inocência e pureza infantil de pele
intocada, na pureza virginal de suas matas, nasce..., cresce... Aos olhos de muitos,
menina feia, sem viço, que mesmo em sua tenra idade já se fazia em rugas, deformada
em seus membros tortuosos – Goiânia, cidade poesia para muitos, cidade dos sonhos
para outros tantos... É o ranger dos carros de bois que vem a nos acordar para uma nova
vida, para a junção com a Campininha, com a Aparecida de Goiânia, com a Trindade da
fé em um amanhã reluzente de salvação.
Goiânia nasceu do sonho de muitos, da fantasia de desbravadores humildes
da enxada e da foice e, dos não tão humildes, que ambicionando o multiplicar de suas
luzes douradas e, ambos valentes em seus devaneios, foram lapidando a Menina-flor,
mesclando as cores no coração do Brasil.
Do alto da serrinha
um som esbravejou:
“Goiânia, aqui será Goiânia!”
Indômita caçula desta América
que arde no topo das bandeiras.
(Gabriel Nascente em “Goiânia, a cidade de costas para o mar”.)
LOPES, Angelita, e CHAVEIRO, Eguimar Felício. A poesia que lê a cidade: versos que 98
interpretam Goiânia em travessia Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 93-104, Dez. 2008 / Jun. 2009.
E pra não dizer que só falei de verde, mostro sinal vermelho para o transporte
público... Quando adolescente, eu adorava atravessar a cidade num ônibus
pra chegar até o campus, era como se o ônibus me levasse para o futuro: era
bem longe, eu ia de pé, mas havia espaço para o meu calo sem que o
pisassem e eu não esperava tanto nos pontos; hoje, tem-se a impressão de que
a população cresceu e a quantidade de coletivos diminuiu e, no espreme-
LOPES, Angelita, e CHAVEIRO, Eguimar Felício. A poesia que lê a cidade: versos que 100
interpretam Goiânia em travessia Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade
Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 93-104, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Como mudam as coisas, hoje, não ando mais de ônibus, atravesso as nossas
ruas largas e até limpas e me assusto com as buzinas mal educadas, com os
apressados, com as filas duplas nas portas das escolas, entretanto, agradeço
por serem, relativamente, raros os engarrafamentos (Ana Caetano em “A
Goiânia dos Meus Olhos”.).
Chaveiro segue expondo que não há como viver em nosso mundo sem contradição,
pois, elas estão embebidas em nosso ser contraditório.
Por isso, é que uma cidade contemporânea se faz num cruzamento dinâmico
de processos econômicos, de apropriação da natureza, e de sua
transformação, de processos, políticos, culturais, sociais, ideológicos,
imaginários, fabulários, míticos. E é atravessada de sentidos, vozes,
significados, ações (Eguimar Chaveiro em “Por Uma Leitura de Goiânia,
2006”.).
Nas várias leituras dos poetas, podemos perceber o duelo entre o passado e
presente, a queixa contra a modernidade destrutiva do ser, que se perde diante da magia
do consumismo que o brutaliza e o conduz a pobreza das relações sociais, que vão se
desertificando, perdendo seus referenciais de vida construídos por seus antepassados.
O sujeito reportado nos poemas é alienado pela sociedade que lhe repassa a
figura de um mundo pelo qual não vale a pena lutar, pelo qual não vale a pena
preservar, nem em suas memórias, nem em suas riquezas naturais. A vida em sociedade
é apresentada em suas contradições, pois o sujeito é em si a representação da
divergência por não sermos fadados a uma só história, e ao entrar na vida social:
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Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 01, 105-124, Dez. 2008 / Jun. 2009.
AS FORMAS DO SILÊNCIO NA
LITERATURA BRASILEIRA E PORTUGUESA
VIDAS SECAS E GAIBÉUS
Resumo: Abstract:
Neste estudo, nós observaremos como o In this study, we will observe how silence
silêncio significa compromisso com os means commitment with the social
problemas sociais, que não podiam ser problems, which could not be pointed out
abordados explicitamente. Para desenvolver explicitly. To develop this research, we will
este estudo, nós analisaremos os romances: analyze the following novels: Vidas Secas,
Vidas secas, do brasileiro Graciliano by the Brazilian author Graciliano Ramos
Ramos, e Gaibéus, do português Alves and Gaibéus, by the Portuguese author
Redol. As analises nas duas obras Alves Redol. The analysis on these books
consistirão em investigar as causas que will consist of investigating the causes that
provocaram o silêncio e a passividade das provoked the silence and the characters
personagens ante os fatores de repressão. passivity facing the factors of repression.
Os dois romances serão estudados segundo The two works will be studied according to
as suas características específicas, ou seja, their specific features, which mean their
os seus aspectos literários e as formas de literary aspects and the ways of silence that
silêncio que nelas ocorrem. Serão, também, occur. These books will be confronted, but
confrontados entre si, sendo que Vidas Vidas Secas will be the basis novel for the
secas será o romance que embasará a parallel among them. In the two stories,
comparação entre eles. Nas duas obras, as characters are repressed and exploited by
personagens são reprimidas e exploradas physical, social, political, economical and
por elementos físicos, sociais, políticos, ideological. Because of this, the study of
econômicos e ideológicos. Por esse motivo, these elements will be needed to
o estudo desses fatores, que atendem aos comprehend which exploitation level the
interesses da classe dominante, será characters are submitted.
necessário para se compreender o nível de
exploração a que as personagens são
submetidas.
Palavras-chave: Key-words:
Introdução
Este trabalho pretende estudar, na literatura, os motivos que desencadeiam o
silenciamento de personagens que sofreram alguma forma de repressão. Ao abordarmos
o estudo do silêncio em obras literárias, buscaremos compreender o sentido que ele
possui em romances neo-realistas, escritos durante regimes ditatoriais. A nossa intenção
será a de verificar como a arte, em seu contexto diegético1, fornece meios para se
∗ Mestra em literatura pela UFG. Professora de orientação de estágio em língua portuguesa e literatura na
Universidade Estadual de Goiás – Unidade Universitária De Inhumas.
**Doutora em literatura pela USP. Professora de literatura na Universidade Federal de Goiás.
RESENDE, Kellen Millene Camargos e RAMOS, Marilúcia Mendes. As formas do 104
silêncio na Literatura brasileira e portuguesa: Vidas secas e Gaibéus. Estácio de Sá –
Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº
01, 105-124, Dez. 2008 / Jun. 2009.
subterfúgio em prol da arte, pois, sendo este recurso um signo, ele se apresenta no nível
do discurso como uma contra-ideologia.
Analisar o silêncio é observar como esse fenômeno lingüístico e literário
significa na compreensão de acontecimentos históricos que influenciaram ou afetaram a
sociedade e a arte.
Assim, rever a obra pelo recurso do silêncio é lançar um novo olhar,
podendo ser ele mais sensível ou mais consciente, como explica Sontag (1987: 20): “As
noções de silêncio, vazio e redução delineiam novas receitas para os atos de olhar, ouvir
etc. – as quais ou promovem uma experiência de arte mais imediata e sensível, ou
enfrentam a obra de arte de uma maneira mais consciente e conceitual”.
Ao definir a teoria do silêncio, Orlandi (1992: 23-24) distingue duas formas,
o silêncio fundador e a política do silêncio. O fundador seria aquele silêncio que existe
nas palavras, cuja significação encontra-se naquilo que não é dito, mas que produz
condições para significar.
Assim, transferindo essa definição para a compreensão das obras, a
significação do silêncio está naquilo que é mostrado no desenrolar do enredo, em cada
uma das formas de silenciamento: na repressão sofrida pelas personagens, seja pelos
Aparelhos Repressivos de Estado, seja pela exploração de capitalistas; no isolamento;
nas angústias; nas catástrofes naturais; nas explorações sexuais; ou pelas formas sutis de
repressão dos Aparelhos Ideológicos de Estado.
O silêncio se faz ler nos espaços da linguagem, em sua construção artística,
no desenrolar de cada cena em que é mostrada a vivência sofrida de cada personagem,
como expõe Teles (1979:12), ao dizer que
Preferimos ver o silêncio não em torno da linguagem, mas dentro dela, no
espaço ocupado pela figura e por todos os elementos que transformam a linguagem
comum numa linguagem literária, que fazem da linguagem sonora da comunicação
coloquial a linguagem silenciosa da comunicação escrita e intencionalmente artística.
Além do mais, em vez de ausência de fala, o silêncio se deixa ler como o espaço de
outras “falas”, de outras linguagens, como a pausa na música, como a página branca ou
o espaço em branco de um livro de vanguarda, como a mímica no teatro, criando
tensões e expectações, contribuindo para que o expectador aprofunde os estados de
alma, motivando verossimilhanças, fazendo avançar as ações, enfatizando-as, pois
muitas vezes as cenas “falam” mais que as palavras. (Teles, 1979: 12).
RESENDE, Kellen Millene Camargos e RAMOS, Marilúcia Mendes. As formas do 106
silêncio na Literatura brasileira e portuguesa: Vidas secas e Gaibéus. Estácio de Sá –
Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº
01, 105-124, Dez. 2008 / Jun. 2009.
analisando. Há, neste momento, o encontro das duas vozes que se envolvem, não sendo
possível separar os discursos, como se percebe a seguir, em um trecho de Gaibéus:
Sentiam saudades da terra que lhes negava o pão. Saudades bem fundas,
catano! Vir de tão longe... E se lá havia pão para todos! Mal tinham acabado
os dias fadigosos das vindimas, ainda o vinho saía ao pipo, já as aldeias se
despovoavam para a Borda-d’Água. Era um êxodo de desgraça e susto. Que
iriam encontrar por ali?!... (Redol, 1976: 23).
A expressão “Vir de tão longe...” pode ser a voz do narrador bem como das
personagens, assim como “E se lá havia pão para todos!” e “Que iriam encontrar por
ali?!”, essas expressões além de representarem as dúvidas e apreensões das
personagens, podem representar, também, as indagações do narrador, que interage com
os seres narrados. O uso do discurso indireto livre, como explica Maingueneau (1996:
125-126), apóia-se na polifonia, em que se ouvem duas vozes mescladas, a do narrador
(discurso citante) e a da personagem (discurso citado, que pode ser apresentado nas
formas de discurso direto e indireto). O discurso indireto livre seria então um amálgama
entre os discursos citante e citado, as duas vozes. No entanto, são percebidas pelos
leitores devido à dissonância que ocorre entre elas, pois não se relacionam a uma única
instância enunciativa.
Maingueneau (1996: 117) afirma que para identificar o discurso indireto
livre é preciso observar se ele é incompatível com os elementos que propiciam o
discurso indireto e o direto, pois o primeiro exige a subordinação e exclui as
exclamativas, enquanto o segundo é enunciado com o apoio de um “eu” ou um “vós” e,
também, do presente dêitico, momento em que o enunciador fala.
Por sua vez, o discurso indireto livre não possui um modo específico de
introdução, há, todavia, alguns sinais como o uso de verbos não dicendi, orações
exclamativas, predicativos do sujeito, evocação direta dos pensamentos e dos
sentimentos das personagens (fluxo de consciência), sem, contudo, passar pelo discurso
indireto. Resta observar que, apesar de haver esses sinais, pode-se considerar que não há
marcas lingüísticas para esta forma de citação, ou seja, não há como indentificá-la fora
do contexto. Existe, ainda, uma delimitação do discurso indireto livre, não há total
segurança sobre o lugar exato em que surge e do momento em que desaparece
(MAINGUENEAU, 1996, p. 118-120), como se nota neste trecho de Gaibéus (Redol,
1976: 35):
RESENDE, Kellen Millene Camargos e RAMOS, Marilúcia Mendes. As formas do 112
silêncio na Literatura brasileira e portuguesa: Vidas secas e Gaibéus. Estácio de Sá –
Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº
01, 105-124, Dez. 2008 / Jun. 2009.
O ceifeiro pende mais a cabeça, finca na foica os dedos com desvigor de moribundo e vai
cortando caules que lhe roçam a fronte e lha limpam de suor.
Aquele roçagar de humidade empresta-lhe ímpetos – parece mão fresca de mulher a dar-lhe
afagos que não conhece.
Cerra os olhos e pensa. Pensa vingança que não esqueça. A mão descarnada vai tacteando o
arroz; o decepar das canas assemelha-se ao fender de um cutelo a cortar carne.
E vê a cabeça do capataz, ali à mão, a sorrir o seu descanso, a ralhar as suas injúrias.
Nunca os dedos entorpecidos de fadiga se fincaram mais num pé de arroz. Nem os tendões
se crisparam tanto no seu braço escorreito de vigor.
Segurava ali entre as mãos, as suas, a gorja carnuda daquele vendido – que entre eles,
ceifeiros, eram só alugados a tanto por cada dia.
Alugados por uma colheita e depois... ala, moço! Cada qual trata de si.
Mas agora nada havia que valesse àquele vendido. Ia dizer-lhe cara a cara, olhos com olhos,
todo o seu ódio. O ódio de sete gerações roubadas.
E quando na cara do outro alvorecesse o primeiro sinal de medo, quando pela garganta bem
apertada se escapasse o primeiro vagido de súplica, saberia também gritar-lhe o seu
desprezo.
“Ah, cão!... Se ainda fosses uma cachopa tenra!...” (Redol, 1976: 35).
Se ele soubesse falar como sinha Terta, procuraria serviço noutra fazenda,
haveria de arranjar-se. Não sabia. Nas horas de aperto dava para gaguejar,
embaraçava-se como um menino, coçava os cotovelos, aperreado. Por isso
RESENDE, Kellen Millene Camargos e RAMOS, Marilúcia Mendes. As formas do 113
silêncio na Literatura brasileira e portuguesa: Vidas secas e Gaibéus. Estácio de Sá –
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esfolavam-no. Safados. Tomar as coisas de um infeliz que não tinha onde cair
morto! Não viam que isso não estava certo? Que iam ganhar com semelhante
procedimento? Hem? Que iam ganhar? (Ramos, 2002: 97).
O uso da não pessoa (ele), como ocorre no fragmento acima: “Se ele
soubesse falar como sinha Terta”, e do imperfeito: “Nas horas de aperto dava para
gaguejar”, são formas do discurso indireto livre em que são descritos tanto o mundo
exterior, quanto os pensamentos das personagens, sobre esse aspecto Maingueneau
(1996: 122) esclarece que:
Soldado Amarelo”: “De repente notou que aquilo era um homem e, coisa mais grave,
uma autoridade.” (Ramos, 2002: 100).
O fenômeno do silêncio pode ser observado nas obras, mediante o recurso
do discurso indireto livre, principalmente quando as personagens sofrem qualquer forma
de repressão.
O silêncio surge como um todo significativo. Em alguns momentos,
significa medo de falar, ou consciência de que não será ouvido, e, às vezes, indica
resistência, como se percebe em Gaibéus quando o ceifeiro rebelde, ao levar Ti Maria
do Rosário nos braços, quase morta pela febre e cansaço do trabalho, encontra no
caminho o patrão: “Ouve cá!... Quando se fala comigo, quero esse chapéu fora da
cabeça... O outro lhe mostrou a companheira [que estava em seus braços] e não deu
palavra.” (Redol, 1976: 90).
Não é a todo o momento que as personagens se calam. Depende de quem é
o interlocutor e a condição de interação para que as personagens deixem de expor suas
vontades para aceitar as do outro. Quando o silêncio significa resistência, ele incomoda
o outro, pois “um indivíduo que permanece silencioso torna-se opaco ao outro; o
silêncio de alguém inaugura uma série de possibilidades de interpretação desse
silêncio”. (Sontag, 1987: 24).
Em Gaibéus, as personagens podiam cantar enquanto trabalhavam na
colheita do arroz, pois isso não atrapalhava o serviço, dava-lhes ânimo, porém, eram
proibidas de executar aquilo que pudesse atrasar o trabalho. Não tinham o direito de
parar um pouco para pedir água: “De soslaio, os olhos vão clamando, em silêncio, aos
capatazes. Mas os capatazes espreitaram as horas nos relógios e entenderam que ainda
não chegou a hora de lhes dar de beber” (Redol, 1976: 34). Quando bebiam água,
paravam a ceifa, por isso o horário de bebê-la era determinado pelo capataz.
As personagens, por sua vez, sabem a hora de calar, como ocorre com
Fabiano, que para não perder o emprego teve de aceitar as contas feitas pelo patrão sem
reclamar (Ramos, 2002: 93).
Coutinho (1986: 406), ao se referir ao silêncio, em Vidas secas, considera
que “Fabiano é a imagem da terra que pisa; é um ser ilhado pela incapacidade de
verbalização dos próprios pensamentos”. É preciso considerar cada detalhe da
argumentação de Coutinho.
RESENDE, Kellen Millene Camargos e RAMOS, Marilúcia Mendes. As formas do 115
silêncio na Literatura brasileira e portuguesa: Vidas secas e Gaibéus. Estácio de Sá –
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Pelo fato de não ter para onde ir, é que Fabiano se calou, não por que não
sabia verbalizar os próprios pensamentos. Percebe-se no discurso indireto livre que ele
“baixava a crista”, não “protestava”, devido à sua falta de opção.
Fabiano justificou, nesse episódio, que aceitara as contas do patrão porque
não tinha recurso, discurso persuasivo, para se defender: “Muito bom uma criatura [...]
ter recurso para se defender. Ele não tinha. Se tivesse não viveria naquele estado”
(Ramos, 2002: 97-98).
As ideologias que cooperam para o silenciamento das personagens vão se
configurando como necessidade para encobrir as verdadeiras razões da exploração.
Essas ideologias são difundidas pela classe exploradora e os indivíduos assimilam,
progressivamente, como se fossem deles, como deixa claro Bakhtin (1992: 45):
RESENDE, Kellen Millene Camargos e RAMOS, Marilúcia Mendes. As formas do 116
silêncio na Literatura brasileira e portuguesa: Vidas secas e Gaibéus. Estácio de Sá –
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O tema ideológico possui sempre um índice de valor social. Por certo, todos
estes índices sociais de valor dos temas ideológicos chegam igualmente à
consciência individual que, como sabemos, é toda ideologia. Aí eles se
tornam, de certa forma, índices individuais de valor, na medida em que a
consciência individual os absorve como sendo seus, mas sua fonte não se
encontra na consciência individual. O índice de valor é por natureza
interindividual. (grifo do autor).
fator ocorre nas duas obras. O silêncio, por sua vez, não é apenas um fator social. Ele
também desencadeia recursos estilísticos, pois quando ocorre entre as personagens,
intensifica-se o discurso interior, cuja forma perfaz-se no discurso indireto livre.
Quando não há razão para o silêncio, este é substituído pelo discurso direto, como
ocorre no capítulo “Inverno”, de Vidas secas. Esse capítulo relata a temporada de chuva,
fenômeno tão esperado pelas personagens. Nesse momento de contentamento, a
narrativa mostra as personagens conversando uma com as outras, acontecimento raro
em toda a narrativa, pois aparecem sempre caladas, conversam pouco entre si. O uso do
discurso direto, diálogo entre a família de Fabiano, nesse capítulo “Inverno”, contrasta
com o restante da obra, em que as personagens aparecem sempre caladas, ora devido à
repressão provocada pela seca, ora pela exploração do patrão ou do soldado amarelo.
Dentre as obras estudadas, a que termina com um traço menos negativo, em
termos de possibilidade de superação da alienação e miséria, ainda que
involuntariamente, é Vidas secas. Involuntária porque é a seca quem obriga as
personagens a tomarem uma decisão. A decisão tomada foi a de se retirarem e se
dirigirem para o litoral, ou em direção ao litoral, ainda que não cheguem lá. É esse
aspecto que diferencia Vidas Secas de Gaibéus, pois não houve, sequer, no outro
romance, possibilidade de resolução dos conflitos expostos no início da obra.
Em relação a Gaibéus, Reis (1983: 509) considera que “do restrito tempo da
ceifa não decorre, aparentemente, nenhuma transformação positiva, uma vez que os
próprios projectos dos emigrantes em potência não foram capazes de colher a obscura
mensagem enunciada pelo ceifeiro rebelde”.
Apenas em Vidas secas ocorre a “possibilidade”, do que se poderia
considerar, conforme um dos desígnios do materialismo histórico, a superação dialéctica
dos conflitos, utilizando aqui uma definição usada por Reis (1983: 509).
Fabiano, durante a caminhada, no último capítulo do livro, denominado
“Fuga”, menciona um lugar onde poderá arrumar emprego e os meninos poderão
estudar. A família parece ter a intenção de dirigir-se para a zona urbana. Nesse sentido,
pensa em se afastar do isolamento e procura integração no meio social. Essa é uma
“possibilidade” de que venha adquirir consciência de classe entre outros trabalhadores
urbanos. Não se pode esquecer que é uma possibilidade, pois o romance terminou com
o mesmo contexto inicial, com as personagens fugindo da seca. A obra não dá respostas,
ela sugere um fato.
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silêncio na Literatura brasileira e portuguesa: Vidas secas e Gaibéus. Estácio de Sá –
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No entanto, Vidas secas prova, hoje, que Graciliano Ramos não escreveu
mais uma história do Nordeste. É uma obra universal. E seus aspectos intrínsecos e
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silêncio na Literatura brasileira e portuguesa: Vidas secas e Gaibéus. Estácio de Sá –
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extrínsecos diferem dos romances nordestinos. Segundo Pereira, Vidas secas é uma obra
que não envelhece.
Os escritores dessas obras, devido à censura, tiveram que se calar, sujeitar-
se à imposição de não poder resistir, ainda que pela arte literária. Ao invés de Graciliano
e Redol criarem, na literatura, uma ideologia de resistência explícita, mostrando a luta
de classes e, por fim, a consciência do proletário, mostraram o que a ausência de
consciência de classe estava provocando: a passividade imposta.
Pode-se considerar, no entanto, que mesmo os escritores tendo criado
personagens passivas, demonstra-se uma forma de resistência, que não chamou a
atenção da censura. Talvez esses escritores não tenham atentado para isso, mas por
certo, opuseram à censura e, conseqüentemente, à repressão.
Nas duas obras, quando se intensificam os problemas, repressões, angústias
e calamidades naturais, as personagens ficam mais silenciadas. Em Gaibéus, assim que
as personagens chegaram à Lezíria, para a colheita, cantavam enquanto trabalhavam,
aos poucos, com o cansaço, vão se calando. Quando acaba a colheita e vêem que pouco
lucraram, o silêncio é quase completo: “Tirou o saco para fora e foi passando as moedas
nos dedos – decorara-as de tanto as contar. Setenta e oito e oitocentos. Bem pouco para
uma ceifa – o resto ficara para o Agostinho Serra.” (Redol, 1976:164).
Na volta dos ceifeiros para casa, tamanho era o cansaço e a decepção pelo
muito que trabalharam e pelo pouco que rendeu a ceifa, que ninguém falava (Redol,
1976: 166).
Uma das diferenças entre Gaibéus e Vidas secas ocorre em relação à
opressão advinda das calamidades ambientais. Enquanto em Vidas secas o problema é a
seca, a escassez de chuva, em Gaibéus é a chuva que traz angústia aos trabalhadores.
Assim, a temática da água está presente nas duas obras como um dos motivos
desencadeadores do silenciamento.
A chuva adquire representação de personagem, pois desencadeia o
desenrolar dos conflitos, e serve como mecanismo ideológico da classe dominante para
controlar a exploração das personagens. Nos dois romances, tanto a abundância como a
falta da chuva provocam o desemprego. Em Vidas secas, apesar dos perigos que ela
poderia causar, é esperada como uma dádiva dos céus, pois representava a possibilidade
da permanência na terra, mesmo que fosse por pouco tempo. Em Gaibéus, as chuvas
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silêncio na Literatura brasileira e portuguesa: Vidas secas e Gaibéus. Estácio de Sá –
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NOTAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Resumo: Abstract:
Este artigo discute as políticas de formação This article argues about the politics of
docente e os desafios enfrentados nesta teacher formation and the challenges faced
profissão/trabalho. Busca perceber as in this profession/work. It tries to perceive
contradições dos conceitos de the contradictions of the concepts of
exclusão//inclusão dentro de um contexto exclusion/inclusion inside of a context of
de reestruturação produtiva, e a atual productive reorganization, globalization
globalização e políticas neoliberais. and neoliberal politics. It was concluded
Conclui-se que se faz necessário that is necessary to understand the logic of
compreender a lógica do sistema the capitalist system, it’s interests and
capitalista, seus interesses e tendências, tendencies to from this search for a
para a partir disto a procura de uma “identity” that has value and social
identidade que tenha valor e significação signification instead of allow the capital to
social ao invés de permitir que o capital se appropriate or this “know-how”. If the
aproprie desse “saber-fazer”. Se a educação education is for everybody, is necessary to
é para todos é preciso reverter o percurso revert the path of the exclusion, beginning
da exclusão, iniciando com a formação do with the formation of the teacher, giving
professor, dando-lhes condições de serem them conditions of being teachers and
ensinantes e aprendizes diante da apprentices ahead the diversity of the
diversidade do aluno. student.
Palavras-chave: Key-words:
como atividade exercida com o máximo tempo para se obter o maior ganho
possível? Será que, por estarmos vivendo em uma cultura que busca satisfações somente
no campo do consumo, a educação também estará envolvida neste processo consumista?
Esta formação possibilita ao docente lidar adequadamente com questões conseqüentes
da reestruturação produtiva, como, por exemplo, a exclusão ou inclusão?
A sociedade da última década do século XX foi alvo de grandes
transformações. Designada por alguns estudiosos como sociedade do conhecimento, por
outros como a sociedade em rede, para Rifkin (2001) esta sociedade presenciou a
economia no ciberespaço, o capitalismo cultural, em que os relacionamentos e as
experiências se transformam em commodities2 e o novo produto é o conhecimento, ao
qual só alguns têm acesso, através da rede. Parte da humanidade embarca rumo à “era
do acesso”. Acessar, segundo Rifkin (2001:12):
Diz respeito a distinções e divisões, sobre quem deverá ser incluído e quem
será excluído. Acessar está se tornando uma ferramenta conceitual potente
para se repensar nossa visão de mundo, bem como nossa visão econômica,
tornando-se a metáfora mais poderosa da próxima era.
A distancia cada vez maior entre os que têm e os que não têm vem deixando
um numero bastante grande de pessoas no Terceiro Mundo num estado
lamentável de miséria (...) apesar das repetidas promessas de redução dos
índices de pobreza feitas durante a ultima década do séc XX, o numero dos
que vivem na miséria efetivamente aumentou, e muito. Isso ocorreu ao
mesmo tempo que a renda total do mundo elevou-se, em média, 2,5 por cento
ao ano.
Todo Estado que não pretenda denunciar essas práticas, nem colocar sob a
acusação a política dos EUA, mas que também queira colocar seus bônus do
Tesouro é obrigado a se alinhar às práticas americanas.(...) O mesmo vale
para a desregulamentação. (...) todo estado que não esteja disposto a abrir um
confronto direto com os ninhos de capital monetário concentrado de seu país
(bancos, grandes companhias de seguro), é obrigado a acompanhar, ou até a
antecipar-se aos demais.
NOTAS
1 Identidade não é um dado imutável.Nem externo, que possa ser adquirido. Mas é um
processo de construção do sujeito historicamente situado. A profissão de professor, como as
demais, emerge em dado contexto e momento históricos, como resposta a necessidades que
estão postas pelas sociedades, adquirindo estatuto de legalidade. ( Pimenta, 1999, p.18)
2 Commodity é um anglicismo para mercadorias homogêneas com mercados muito
líquidos, tais como café, ferro, soja e outros. (Rifkin, 2001, p. 6)
3 Necessidades Educacionais Especiais, aquelas relacionadas às aprendizagens que
requerem uma dinâmica própria na relação ensinar-aprender em decorrência das características
particulares do aluno, bem como, da ausência do conhecimento institucional de suas
possibilidades e limites em desenvolver uma prática pedagógica a contento (Declaração de
Salamanca, 1994).
4 Liberalismo, enquanto termo político, significa adquirir ou preservar algum grau de
liberdade dentro do controle exercido pelo Estado. No campo teórico, os liberais receberam
influencia de John Locke, o qual acreditava num estado e numa lei naturais, de acordo com os
quais se reconhecesse que ninguém deve prejudicar o outro em sua saúde, vida, liberdade e
posses.
5 John Maynard Keynes, economista britânico, filósofo, bibliófilo, social liberal, é autor
da Teoria Keynesiana também chamada de Estado do Bem Estar Social - Welfare State.
6 Acumulação flexível caracteriza-se pela flexibilidade dos processos de trabalho, dos
mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo, pelo surgimento de novos setores de
produção, de inovações tecnológicas, comerciais e organizacionais, desenvolvimento desigual
das regiões subdesenvolvidas, desemprego, subemprego, terceirização, prestação de serviço,
desvalorização dos sindicatos. (Harvey, 2001)
7 Fordismo : marco simbólico em 1914, quando Henry Ford introduziu seu dia de oito
horas e cinco dólares como recompensa para os trabalhadores da linha automática de montagem
de carros. O Fordismo aprimorou os princípios da administração científica de Taylor.
8 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases do Sistema Educativo Goiano de 26/98, em
seu artigo 80 paragrafo 2º “por educandos com necessidades especiais entendem-se todas as
crianças, jovens e adultos, cujas necessidades decorrem de suas características peculiares ou de
suas dificuldades de aprendizagem permanentes ou transitórias”.
9 Integração escolar é uma forma de inserção proposta pela escola, onde essa recebe
alunos com deficiência desde que os mesmos sejam capazes de acompanhar a escola comum
existente nos modos tradicionais. Para Sassaki, (1999. p.32 ) houve um avanço significativo
nessa proposta com o desenvolvimento do princípio de mainstreaming, termo na maioria das
PÉCLAT, Gláucia Empadão goiano: expressão de práticas festivas e ecológicas. Estácio 135
de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO.
VOL. 01, Nº 01, 139-150, Dez. 2008 / Jun. 2009.
vezes sem tradução e significa levar os alunos o máximo possível para os serviços educacionais
disponíveis na corrente principal da comunidade.
10 Educação inclusiva é o processo de se educar tanto os ditos normais como as pessoas de
necessidades e/ou direitos especiais, com o fim de utilizar todos os recursos disponíveis,
especialmente os recursos humanos, para promover a participação e a aprendizagem de todos os
alunos, no seio de uma comunidade local. Para Mantoam (1997) a inclusão causa uma mudança
de perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar somente os alunos que apresentam
dificuldades na escola, mas apóia a todos: professores, alunos, pessoal administrativo, para que
obtenham sucesso na corrente educativa geral.
11 LDBEN 9.394/96, em seu Artigo 4º define como dever do Estado “atendimento
educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino” (inciso III).
12 Apesar da ênfase que o governo vêm dando à formação de professores, como é o caso
dos cursos emergenciais, licenciaturas parceladas de fins de semana, cursos que contam com
recursos humanos e materiais insuficientes, nota-se um vazio e uma dificuldade de melhoria na
qualidade da educação.
13 A renda média das elites brasileiras é 25 vezes maior que do que a renda média do
restante da população e a riqueza média das elites é 110 vezes maior que a riqueza média do
restante da população brasileira. Ver o nome do autor desse dado é do livro o desmonte da
nação.(Gonçalves, 1999, p. 45-46.)
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Estácio de Sá – Ciências da Ciências Sociais Aplicadas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO.
VOL. 01, Nº 01, 139-150, Dez. 2008 / Jun. 2009.
EMPADÃO GOIANO:
EXPRESSÃO DE PRÁTICAS FESTIVAS
E ECOLÓGICAS
Gláucia Péclat∗
Resumo: Abstract:
O presente trabalho pretende analisar as This work is based on research I carried out
práticas e concepções dos vilaboenses com in the City of Goiás, the former capital of
relação aos significados do empadão dentro the State of Goiás. Following the steps of
do contexto de festas sociais e religiosas. E, this research, I analyze the practices and
por último, contextualizar o conceito de conceptions of the vilaboenses in relation to
“tradição” dentro da perspectiva the meanings of empadão in the context of
mudança/continuidade acordada entre os local religious and social functions. Finally,
próprios habitantes da região. A partir dos I contextualize the concept of “tradition” in
dados etnográficos e pesquisa bibliográfica, the perspective of change/continuity
procurou-se acompanhar a relação entre os according to the local residents. To start
sujeitos da comunidade em questão e o from the ethnographic data and the
empadão mediante as orientações bibliographic research, I tried to follow
ecológicas que também, presidiram a closely the relation between the individuals
constituição deste como uma referência da of the community and the empadão, by
culinária local. means ecological orientations that managed
the organization of this research as a
reference to the local cookery.
Palavras-chave: Key-words:
EMPADÃO
EMPADÃO
Considerações Finais
mudança, e achar que serão aceitas. Há pessoas que são legítimas introdutoras de novos
produtos no empadão. Estas são entendidas como “autoridade máxima” do saber fazer.
Àquelas a quem a comunidade delegou certa autonomia e responsabilidade sobre o
modo de fazer. As mudanças estão limitadas pela necessidade de se adequar à memória
da comunidade. É preciso que essas mudanças sejam reguladas e tacitamente aceitas.
O tema proposto ainda tem muitos aspectos a serem desvendados e sua
reflexão não deverá ser vista como conclusão. A dinâmica mudança/continuidade
implicada no “modo de fazer” empadão que acontece em todos os níveis - tecnológico,
econômico, cultural, ligada à complexidade do mundo da cozinha e diversidade da vida
social, tem, sobretudo, alterado o quadro de essa prática alimentar em Goiás. Assim
sendo, buscar entender os fatores interligados a este complexo dinâmico é, no meu
ponto de vista, mais importante do que compreender as razões que levaram ao seu
surgimento.
NOTA
1 “Potages, Vermicelle. Consomé. Orge perlè. Hors d’ouvre croquettes aux pommes de
terre. Petits patès de viande. Patês de poisson. Rele vès poisson a la goyene. Roast-beef aux
petits pois. Mayonnaise de poulets. Filets de boeuf a la Custodie. Perdrix farci rotis pigeons au
cresson. Paca aux olives. Salade aux oeufs. Legumes haricots verts. Petits pois. Dessérts
pouding à la federation des provinces. Gelleé aux oranges. Creme à la Sainte Therese. Café,
cognac, liqueurs. Vins Bordeaux, Madére, Porto” (Goyaz, 15 D 06 D 1888. Apud Bittar, 2002:
136).
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Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO.
VOL. 01, Nº 01, 151-162, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Resumo: Abstract:
Este trabalho tem como objetivo discutir a This work aims to argue the construction of
construção da imagem do índio no the image of the indigenous people in the
imaginário brasileiro, apontando diferentes Brazilian imaginary, pointing different
aspectos que influenciaram a construção de aspects that had influenced the construction
uma representação, via de regra of a representation, usually prejudiced,
preconceituosa, estereotipada, idealizada stereotyped, idealized that it retraces to the
que remonta às primeiras imagens first images constructed by the European
construídas pelo imaginário europeu acerca imaginary concerning the New World and
do Novo Mundo e dos seus povos. Estas its people. These images will influence the
imagens vão influenciar a mentalidade national mentality and they will reflect in
nacional e refletir na produção literária, the literary production, also those
inclusive aqueles elaborados com elaborated with educative purposes
finalidades educativas compondo composing school contents that make
conteúdos escolares que possibilitam a possible the creation of a “didactic
criação de um “índio didático”***, um indigenous”, a generic and primitive
índio genérico e primitivo, cujas indigenous, whose positive or negative
características consideradas positivas ou characteristics are manipulated presenting
negativas são manipuladas apresentando images that oscillate between the notions of
imagens que oscilam entre as noções de good or of bad savage.
bom ou de mau selvagem.
Palavras-chave: Key-words:
Era um belo tipo, elegante, bem proporcionado, alto e robusto (...) Tinha
aspecto agradável e não feroz ou brutal. A fisionomia era varonil, embora não
lhe faltasse a doçura e a suavidade do semblante europeu (...). Os cabelos
eram compridos e pretos, e não crespos como lã de carneiro. A fronte era alta
SILVA, Edson Pereira da SILVA. A representação do professor nos filmes 152
hollywoodianos. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá.
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e larga, os olhos vivos e penetrantes. A pele não era negra retina, porém,
acobreada, mas não daquele horrível acobreado, amarelecido e nojento, dos
índios do Brasil, da Virgínia e de outras regiões da América. Era mais um
tom azeitonado, brilhante, muito agradável, ainda que difícil de descrever. O
rosto era redondo e cheio, o nariz pequeno e não achatado como o dos
negros. A boca era muito bem feita, tinha os lábios finos e os dentes bonitos,
regulares, alvos como marfim (Dedoé, 2001: 161)
relações menos assimétricas entre índios e brancos e de políticas adequadas pelo poder
oficial. Existe assim:
1) uma mentalidade estatística, que deposita demasiada crença nos números
que se fundamenta pela comparação do número supostamente “insignificante” de
índios, frente a uma numerosa população brasileira carente de atenção e de políticas
sociais. Esta mentalidade é comum, segundo os autores, entre camadas da população
que possuem poder de decisão sobre as ações do Estado e legitimam a definição de
prioridades que consideram os problemas indígenas como menos importantes;
enfim, uma noção simplificada que acaba sendo tomada como modelo didático pelas
escolas e pelos textos escolares.
Faria29 analisa a concepção de trabalho no livro didático e aponta este
último como um difusor de preconceitos que reforça uma mentalidade que concebe o
índio como “‘selvagem’, desconhecendo o progresso, nu e enfeitado com cocares”.
Além disso, o índio é apresentado como não adepto ao trabalha, pois não se submete à
uma jornada de trabalho própria do modelo ocidental de sociedade “. Neste sentido, o
trabalho voltado para o abastecimento familiar e do grupo, que não obedece a horários
rigorosamente fixos não é tido como trabalho30.
Aracy Lopes, Almeida, Norma Telles e outros (1993) realizam estudos
sobre a questão indígena na sala de aula, o que resulta na organização de um livro cujo
prefácio afirma que os livros didáticos reproduzem a historiografia oficial, voltados para
a divulgação da história contada pela ótica do colonizador.
Almeida aborda o racismo nos livros didáticos das seis primeiras séries do
ensino fundamental e demonstra que, apesar de a princípio eles apresentarem-se contra
o racismo e de mostrarem-se tolerantes com relação aos grupos etnicamente diversos, e
orgulhosos de “uma nacionalidade que surge da diversidade”, uma leitura mais
aprofundada dos mesmos demonstra “... dificuldade em enfrentar a existência de
diferenças étnicas e sociais atuais na sociedade” Estas dificuldade se revelam pelo
patente “esforço de recalcar, para o passado e para o folclore, essas diferenças. Além
disso, os índios são apresentados como criaturas “cordiais e ingênuas”, que “trabalham
para os brancos” e são “preguiçosos”, “inimigos da colonização”, “perigos tropicais,
aliados a estrangeiros”. Aparecem também como mão de obra e em contextos em que
“os bandeirantes são vistos como heróis e em que o genocídio dos grupos indígenas é
uma necessidade para o progresso”31.
De acordo com Telles (1993:27) , a abordagem didática do índio
conservadoras e desejosa de adequar a realidade aos “desígnios convencionais”
cultivando “um modelo ideal de como as coisas deveriam ser” e esvaziando, assim, “a
história, os episódios narrados e os grupos étnicos envolvidos”.
Assim, é possível compreender essas concepções, imagens e textos como
informadas por um conjunto de elementos que podem ser utilizados na elaboração de
uma representação sobre o índio, que de acordo com o que se pretende demonstrar no
argumento, pode resultar, tanto em um índio caracterizado por a) heroísmo e coragem -
SILVA, Edson Pereira da SILVA. A representação do professor nos filmes 157
hollywoodianos. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá.
Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 163-179, Dez. 2008 / Jun. 2009.
quando são mencionados heróis indígenas que serviram aos projetos de colonização; a)
pureza, ingenuidade e carência de proteção - quando são justificadas as intervenções
missionárias ou estatais – c) ou ainda preguiçoso, primitivo e selvagem, se seus
territórios são considerados mais do que necessitam e se são alvos de pretensões
lucrativas.
NOTAS
29 Faria Ana Lúcia G. A Ideologia no Livro Didático Faria, Ana Lúcia G. A Ideologia no
Livro Didático. São Paulo: Cortez, 1984.
30 Segundo Nosella, embora bastante freqüentes nos textos didáticos, os indígenas são
tratados como “figuras idealizadas”, ou como “raça em processo de extinção”. A resistência à
dominação colonialista, por parte dos indígenas, quase nunca é mencionada. São Eles são
apontados como “...leais colaboradores dos portugueses na conquista de suas próprias terras e
na exploração de suas riquezas”. (NOSELLA, Maria de Lourdes Chagas Deiró. As Belas
Mentiras e a ideologia subjacente aos Textos Didáticos., São Paulo: editora Moraes, 1981).
31 Leitão ressalta, além de questões já apontadas por outros autores, a ênfase que os
conteúdos didáticos dão ao evento da “descoberta do Brasil”. De modo geral, a idéia da
“descoberta” traz implícitas duas concepções de história: uma, que ignora toda a história
anterior a 1500 e outra, uma noção vaga, que se refere à incorporação de entidades geográficas à
Europa e assegura a continuidade da história européia, mas nega a existência e a autonomia de
grande parte da humanidade, pois em 1500, mais do que “ser descoberto” foi revelado à Europa
e através dela ao mundo” (LEITÃO, R. M. Padronização X Diversidade: as sociedades
indígenas no livro didático de 1º Grau (monografia). Goiânia: ICHL/UFG, 1994.
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Estácio de Sá – Ciências da Ciências Sociais Aplicadas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 01, 163-179, Dez. 2008 / Jun. 2009.
A REPRESENTAÇÃO DO PROFESSOR
NOS FILMES HOLLYWOODIANOS∗
Resumo: Abstract:
Palavras-chave: Key-words:
Introdução
∗ Este relato de experiência foi elaborado sob a orientação do prof. Dndo. Paulo Henrique Castanheira
Vasconcelos do departamento de História da FECHA/FACER/UEG. End. Eletrônico:
paulohcv@uol.com.br.
∗ * Graduado em filosofia pela UCG. Especialista em educação e modernidade filosófica também pela
ucg. Professor De Filosofia, Ética E Metodologia Científica Da Fecha (Faculdade De Educação E
Ciências Humanas De Anicuns).
SILVA, Edson Pereira da SILVA. A representação do professor nos filmes 162
hollywoodianos. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá.
Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 163-179, Dez. 2008 / Jun. 2009.
sala de aula é mais uma destas ferramentas que permitem desenvolver atitudes críticas,
que ajudam a discernir e conhecer o mundo em que vivemos com toda sua diversidade.
Conforme a opinião de Libâneo (2005: 117):
O cinema é, portanto, um conteúdo que sintetiza razão e emoção, por meio
de imagens, movimentos, sons, que, juntos, compõem essa síntese. Ele não fala sobre as
coisas, ele ´representa‘ as coisas de outras formas, as audiovisuais, as cênicas, as
sonoras, as artísticas. Essas qualidades do cinema possibilitam o enriquecimento das
experiências de aprendizagem, porque o filme nos leva a formular uma idéia da
realidade com mais amplitude, para além da nossa própria experiência cotidiana, e para
além dos textos escritos sobre a realidade. Portanto, o cinema ajuda nossos alunos a
aprender a pensar, ajuda no desenvolvimento cognitivo e nas aprendizagens.
Em síntese, o cinema (Vídeo, DVD, TV), especialmente quando usado
pedagogicamente, atua de maneira eficaz na formação das alunas, nos aspectos
cognitivo, físico, afetivo, estético e moral. Conforme o autor supracitado, o cinema é
uma experiência cognitiva e estética muito rica para a formação. Quando bem usado na
formação acadêmica, ele possibilita mudança na capacidade de ser e agir diante do
mundo, auxiliando a educanda para pensar e agir em relação à sua própria vida, aos
outros, às situações de vida cotidiana. O mundo de hoje é cheio de imagens, diferente de
outras décadas em que prevalecia a palavra, isto é, a leitura escrita. Portanto, a
acadêmica de hoje é um ser humano que pensa, mas também que vê, que percebe
através da TV e das outras mídias. Há até uma tendência de a imagem se sobrepor à
palavra, o visual ao inteligível (Sartori, 2001).
Como frisou Libâneo, o filme nos leva a formular uma idéia da realidade
com mais amplitude. A seleção dos quatro filmes para a experiência com as alunas do
curso de Pedagogia da FECHA (Faculdade de Educação e Ciências Humanas de
Anicuns) tem justamente esse intuito de poder proporcionar, através dos exemplos,
modelos, atitudes dos educadores representados, a reflexão das nossas atitudes em sala
de aula como professores de crianças, adolescentes e até mesmo de pessoas adultas. Em
um mundo fragmentado como o nosso a ajuda dos filmes levaram as alunas a
aprenderem a pensar de maneira reflexiva e crítica e essa contribuição da Filosofia da
Educação em si representa uma grande vitória.
O texto pretende realizar uma análise de quatro produções cinematográficas
de Hollywood que possuem como foco central o universo do educador e têm o professor
como personagem principal, na tentativa de identificar, por meio das propostas
SILVA, Edson Pereira da SILVA. A representação do professor nos filmes 163
hollywoodianos. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá.
Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 163-179, Dez. 2008 / Jun. 2009.
estudos sobre o cinema e com ele desenvolver competências que auxiliem as futuras
professoras no cotidiano escolar.
Para Rezende e Fusari (1994), “Os bons pedagogos sabem hoje qual é o
papel pedagógico das mídias, especialmente do cinema e da televisão elas são, ao
mesmo tempo, portadoras de conteúdo e meios tecnológicos da comunicação humana
(visuais, cênicos, verbais, sonoros e audiovisuais)”. Todavia, esses meios de
comunicação não substituem a Pedagogia. A escola convencional continua tendo seu
espaço e importância mediante todas essas transformações. Com efeito, as mídias são
mediações culturais e educacionais que educam e auxiliam a formar subjetividades. Os
valores e as crenças transmitidas por esses meios ajudam na formação da personalidade
das educandas que serão também formadoras das novas personalidades.
Como nos lembra Libâneo (2005: 121), “Quem domina as mídias acaba por
dominar as cabeças das pessoas, que é o que vemos acontecer na televisão, nas
campanhas políticas, na propaganda”. O domínio exercido através dos meios de
comunicação sobre as representações, o imaginário das pessoas e os discursos precisam
considerar os aspectos pedagógicos e da ética para evitar que o encantamento com os
meios de comunicação deixem em segundo plano os aspectos do desenvolvimento e
formação humana.
1. Iniciar a discussão de um assunto ainda não abordado e lançar uma questão a ser
investigada;
2. Desenvolver um conteúdo;
3. Perceber o contexto histórico a que o filme se refere, o que ele está mostrando e que
fenômenos e fatos são retratados;
4. Explorar a estrutura narrativa e como ela foi desenvolvida no filme (Bencini, 2005:
49).
relacionada à vida cotidiana do professor e do aluno. O uso dos filmes foi escolhido por
ter provocado uma maior inquietação nas nossas alunas, sendo possível levá-las a
abordar e questionar a compreensão do vivido e do presente fazendo com que o
encantamento com as lições fílmicas motivasse a prática pedagógica.
Diante dos vários filmes existentes no mercado que tratam da representação
do professor nos filmes de Hollywood optamos por trabalhar com os quatro que mais
marcaram nossas educandas: Vem Dançar, de 2006; O Sorriso de Monalisa, de 2003; O
Clube do Imperador, de 2002 e Em Nome de Deus, de 1988.
O filme Vem Dançar1 é uma grande lição de vida e exemplo, pois mostra a
realidade pela qual passam muitos jovens que ficam uma parte do tempo na detenção da
escola, e um professor de dança: Pierre Dulaine, que se oferece para ajudá-los através de
suas aulas de dança. No começo, o professor teve algumas dificuldades com os alunos,
mas ele não desistiu e continuou, procurando motivá-los e encorajando-os, fazendo com
que aprendessem a confiar em si mesmos para que ninguém os manipulassem e nem os
colocassem em uma escala inferior, procurou mostrar também que a sociedade não é
uma divisória e que todos têm direitos iguais, desde que lutem e trabalhem para alcançar
seus objetivos.
O professor: Pierre Dulaine foi um exemplo para muitos educadores que
passaram e ajudaram milhares de estudantes, ele sim, fez a diferença. “A inteligência
dos alunos não é um vaso que se tem de encher, é uma fogueira que é preciso manter
acesa”. Essa fala do professor durante o filme alerta que todo ser humano nasce com um
potencial, mas é preciso que dia após dia esse potencial seja alimentado; pois se
deixarmos que o descaso dos governantes e parte da sociedade que detém os recursos
financeiros, tecnológicos e culturais continuem manipulando a inteligência e o potencial
dos jovens, vão a cada dia se tornando em meras cinzas, incapazes de produzir algo útil.
Esse filme gerou a reflexão em torno das relações de poder tão freqüentes na
sociedade brasileira e que podem ser verificadas entre os gêneros. O professor Dulaine
revela a necessidade do “pathos”, o espanto que nutre o educador a continuar se
adaptando às mudanças para poder promover uma educação de qualidade. Os alunos de
castigo daquela escola pública de Nova York lembram as crianças e jovens da maioria
das escolas municipais e públicas no nosso país. Aqueles interessados em hip-hop, os
nossos amantes desse estilo de música e muitas vezes mergulhados no crime, nas drogas
e roubo. O mais importante é que o professor consegue trabalhar como voluntário na
escola e conquista a confiança da turma e os motiva a aprimorar suas habilidades.
SILVA, Edson Pereira da SILVA. A representação do professor nos filmes 169
hollywoodianos. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá.
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é preciso exercitar e dar valor a verdade que mais alivia do que machuca e certos de que
ela estará sempre acima de qualquer falsidade como o óleo sobre a água.
Esse filme motivou um caloroso debate em sala de aula, pois proporcionou
duas grandes lições: a nomeação do prof. Peter Abelard para Escola Catedral de Notre
Dame, tornando-se, em pouco tempo muito conhecido com sua sabedoria por fazer uso
da dialética em suas aulas. O respeito e o envolvimento com os discípulos chamaram a
atenção de todos. O amor sentimento dos sentimentos que envolveu Abelardo e Heloísa
intrigou toda a turma por transmitir a vitalidade e a persistência com que lutaram para
estarem juntos.
Pretendendo ampliar o conhecimento fílmico e buscando encontrar outros
fatores relacionados ao uso de outras linguagens no ensino da filosofia da educação,
nossas reflexões procuraram compreender três pontos:
Considerações finais
NOTAS
3 Esta é a segunda vez que o diretor Michael Hoffman e o ator Kevin Kline trabalham
juntos. A anterior fora em Sonhos de uma noite de verão (1999). (Dados capturados no site
www.adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes, acesso em 30 de julho de 2007).
4 Pierre Abélard (1079-1142) foi teólogo e filósofo francês, nascido em Lê Pallet, perto
de Nantes, considerado um dos maiores intelectuais do século XII com especial importância no
campo da lógica, e precursor do racionalismo francês. (Dados capturados no site
www.beatrix.pro.br/cultobsc/heloidecem.htm, acesso em 30 de julho de 2007).
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Anexo: ficha técnica e sinopse dos filmes
1. Título: Vem dançar
Gênero: Drama
Tempo de duração: 108 minutos
Ano de lançamento (EUA): 2006
Direção: Liz Friedlander
Roteiro: Dianne Houston
Produção: Christopher Godsick, Michelle Grace e Diane Nabatoff
Edição: Robert Ivison
Elenco: Antônio Banderas (Pierre Dulaine), Rob Brown (Rock), Dante Basco (Ramos) e Lyriq
Bent (Easy)
Sinopse: Pierre Dulaine (Antônio Banderas) é um dançarino de salão profissional, que se torna
voluntário para dar aulas de dança em uma escola pública de Nova York. Pierre tenta apresentar
seus métodos clássicos, mas logo enfrenta resistência dos alunos, mais interessados em hiphop.
É quando desse confronto nasce um novo estilo de dança, mesclando os dois lados e tendo
Pierre como mentor.
2. Título: O sorriso de Monalisa
Gênero: Drama
Tempo de duração: 125 minutos
Ano de lançamento (EUA): 2003
Direção: Mike Newell
Roteiro: Lawrence Konner e Mark Rosenthal
Produção: Elaine Goldsmith-Thomas, Paul Schiff e Deborah Schindler
Edição: Mick Audsley
Elenco: Julia Roberts (Katherine Watson), Kirsten Durnst (Betty Warren), Julia Stiles (Joan
Brandwyn), Maggie Gyllenhaal (Giselle Levy), Marcia Gay Harden (Nancy Abbey) e Topher
Grace (Tommy Donegal).
Sinopse: Em 1953, a recém graduada Katherine Watson (Julia Roberts) torna-se professora de
História da Arte do respeitado e conservador colégio Wellesley. Decidida a lutar contra normas
tradicionais que existem na sociedade e no próprio colégio, a jovem professora inspira suas
alunas, como Betty (Kirsten Dunst) e Joan (Julia Stiles), a vencer seus desafios de vida. Uma
espécie de Sociedade dos Poetas Mortos na versão feminina.
SILVA, Edson Pereira da SILVA. A representação do professor nos filmes 176
hollywoodianos. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá.
Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 163-179, Dez. 2008 / Jun. 2009.
CEMITÉRIOS OITOCENTISTAS
COMO LUGARES DE MEMÓRIA
Resumo: Abstract:
Nada é tão individual quanto à morte, por Nothing the death is so individual how
ser intransferível. Todo conhecimento a much, for being intransferable, All
seu respeito é indireto, pois somente é knowledge its respect is indirect, therefore it
apreendido pela morte do outro. Isso gera, is only apprehended by the death of the
ainda, a exacerbação dos signos tumulares other. This generates, still, the exacerbation
para tornar visível o ser em detrimento do of the signs tumulares to become visible the
nada, buscando dar um sentido de presença being in detriment of the nothing, searching
e recordação eterna ao ausente. Esse artigo to give to a direction of presence and
abordará os cemitérios oitocentistas como perpetual memory to the absentee. This
lugar de memória, observando o caso article will approach the cemetaries
específico do Cemitério São Miguel de oitocentistas as memory place, observing
Arcanjo na cidade de Goiás. the specific case of the Cemetary Is Miguel
de Arcanjo in the city of Goiás.
Palavras-chave: Key-words:
∗ Mestre em História pela UFG. Este artigo é resultado parcial da pesquisa: “O cotidiano da morte em
Goiás no Século XIX”.
MOREIRA, Gleidson de Oliveira. Cemitérios oitocentistas como lugares de memória. 178
Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES –
GO. VOL. 01, Nº 01, 180-194, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Cora Coralina
(1889-1985)
Tanto a vida orgânica quanto a vida simbólica dará a Cora Coralina uma
nova cenografia e culto. A renovação das velhas qualificações da morte como “morte-
sono” (E minhas raízes agarradas às pedras de meu berço...) implicará na explicação
de outra forma de habitação do morto. Arquitetonicamente materializada como
sucessora e sucedânea do “teto eclesiástico” (o jazigo-capela), mas também como
“casa”, a sepultura, tal como a “casa da família” (dos pais, dos avós), passa a ser centro
privilegiado de “identificação” e de “filiação” de gerações que retornam ao “berço de
origem”, a cidade de Goiás. E todas estas necessidades simbólicas farão da necrópole
um analogon da cidade dos vivos.13
O cemitério Municipal São Miguel Arcanjo é uma necrópole de evidências
burguesas, pois levou às últimas conseqüências um desejo de sobrevivência
individualizada que, embora potenciado pelo uso do material tumular (porcelana,
mármore carrara...), arte estatuária importada (regiões litorâneas do Brasil ou da
Europa) epígrafes rebuscadas em bronze e territorizalização de poder no uso geográfico
do espaço cemiterial (militares e políticos ocupando simultaneamente o lado esquerdo
da entrada do cemitério), (famílias tradicionais, em sua maioria destadas na entrada pelo
lado direito), (pobres e indigentes ao fundo), ainda alimentou a idéia judaico-cristã do
post-mortem, sobretudo, pela promessa de ressurreição final dos corpos, que só ganhou
curso nos alvores da modernidade. Afinal, se comparada a necrópole oitocentista, a
necrópole do homem medieval não o permite estar centrado sobre si mesmo, pois se
sentia co-participante da comunidade santa dos crentes, isto é, sentia-se na posse da
verdadeira vida.14 Em tal horizonte, só podia brotar uma concepção dominantemente
comunitária do além. Ao seja, com o crescimento da importância do “sujeito”, teriam de
aparecer projetos em que a nova dimensão sociabilitária não poderia subsumir o direito
ao “indivíduo” e à sua privacidade.
Os sinais que apontam para a emergência de atitudes “individualizantes” do
cemitério oitocentista começam como os jacentes e os orantes no século XIII,
conquanto ainda circunscritos aos mais dignitários da sociedade. Com o avanço do
processo civilizacional, nomeadamente a partir dos finais do século XVIII, esta
tendência ir-se-á “democratizar” e expandir, atingindo a sua máxima expressão nos
novos cemitérios do século XIX. No Brasil é a própria lei imperial (ao exigir sepulturas
individualizadas) e os próprios valores fundantes da nova sociedade surgida da transição
da monarquia a república a acenar com a promessa de que, nem que fosse através da
MOREIRA, Gleidson de Oliveira. Cemitérios oitocentistas como lugares de memória. 181
Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES –
GO. VOL. 01, Nº 01, 180-194, Dez. 2008 / Jun. 2009.
ritualização mnésica, o culto dos mortos devia cada vez mais ser intersubjetivo e
familiar, a que todos podiam finalmente aspirar à perpetuação na memória coletiva. Dir-
se-ia que as garantias de imortalização foram passando de privilégio de alguns a direito
natural de todos.
Neste contexto, a progressão dos privilégios individuais antes restritos a
padres ou a um líder político de notoriedade sepultados no interior das Igrejas templos
no Brasil e observados Goiás na igreja do Carmo, na capital da Província tornado
secularizado, a partir de 1801, que reforça o domínio do status quo. É a partir de 1808
que em Goiás o advento dos cemitérios públicos, leva a individualização e anonimato,
os cadáveres acantonados no adro e naus direita e esquerda15 de muitas igrejas
católicas.
O jazigo, O epitáfio, a estátua e, por fim, a fotografia (relembre-se que a
descoberta da fotografia é contemporânea da revolução cemiterial romântica) que se
detecta nos cemitérios modernos a partir do final dos oitocentos a tradução iconográfica
adequada a ritualização dos novos imaginários. Mesmo imaginários que apontavam para
fins escatológicos. E para que o trabalho simbólico do cemitério (a localização
geográfica) correspondesse àquelas expectativas, a materialização dos signos que exigiu
a “fixação” do cadáver (isto é, um monumento), passou a ser nítida e inequívoca a
“evocação” (a imagem, o símbolo ou o epitáfio narrativos) e a “identificação” do
ausente (a epigrafia onomástica).16
Esta maior acentuação da memória ocorreu dentro de uma mundividência
dominantemente religiosa, embora já alcançada por influências secularizadoras. O novo
cemitério oitocentista rompeu com o círculo sacral dos enterramentos nas (ou à volta
das) igrejas ficou subordinada a uma gestão política, passando também a ter um
ambíguo estudo profano. Por isso surgiram várias resistências dos setores mais
tradicionalistas da igreja Católica ou de populares ligados a ela. Na Bahia esses novos
espaços geraram no século XIX a revolta da cemiterada, uma reação de escravos e
homens livres secularização da morte17. Mas faltar-se-ia à verdade se não se frisasse
que, desde o século XVIII, muitos iluministas e eclesiásticos já defendiam o “exílio dos
mortos”, e basta atentar nas prerrogativas que a Igreja continuou a ter em relação aos
novos cemitérios (considerando-as como campos consagrados) e ter em conta a
fraquíssima expressão dos enterramentos civis oficialmente confirmadas desde o século
MOREIRA, Gleidson de Oliveira. Cemitérios oitocentistas como lugares de memória. 182
Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES –
GO. VOL. 01, Nº 01, 180-194, Dez. 2008 / Jun. 2009.
memória procura responder.25 Por com seguinte, a comemoração será sempre uma
partilha. Nela, o recordar, mesmo sendo um diálogo do “sujeito” consigo mesmo, não se
esgota num ato ensimesmado ou meramente subjetivo, mas diz-se na linguagem
“pública”, “coletiva” e “instituinte” da celebração ritual, numa teatralização que
pretende gerar efeitos que ultrapassem o pragmatismo da transmissão dos saberes.
Com efeito, se, como sustenta Pierre Nora, os “lugares de memória”
sugerem a paragem do tempo26 e, de certa maneira, a “imortalização da morte”, não é
outro valor senão o mnésico do cemitério, pois nele se encontra uma das características
essenciais daqueles espaços: a sua estruturação como um sistema de significantes que, a
par da face “veritativa” que referenciam, também visam gerar “efeitos normativos” e, de
certo modo, “afetivos”. Os símbolos do cemitério possuem conteúdo ou história, eles
revelam algo característico de toda ordem simbólica encobridora da corrupção do
tempo: organizam o campo imaginário como um “templo”, cavando uma censura de
indeterminação do “espaço” e do “tempo” profanos, e escrevem um círculo de
sacralidade no interior do qual os signos só valem no tecido das suas relações. Assim, as
“liturgias” desenrolam-se num “espaço- tempo” específico, distinto do espaço e do
tempo cotidianos, e o cemitério é freqüentado como uma espécie de santuário. Ora
“historiquement, cela n’a d’ailleurs pas toujours été le cas; ce n’est qu’au XVIII siècle
et sourtout au XIX siècle, au moment où la sépulture s’affirme comme support du
souvenir et où le culte dês morts devient culte des tombeaux, que le cimetiére accéde à
la sanctuarisation”27 Devido a este estatuto, os cemitérios oitocentistas, ao contrário
dos cemitérios antigos, tinham de ser lugares de excesso, fechados sobre si mesmos,
espaços em que o próprio muro físico funciona como proteção contra as profanações e
como uma espécie de “símbolo-fronteira”, campo semântico onde mesmo o mais
secular dos significantes se aura de sacralidade.
Nesta perspectiva, e ao contrário das peças de um museu, os objetos
cemiteriais não são psicologicamente dissociáveis da estrutura em que se integram. Isto
é, o lugar (topos) e o signo (sema) estão de tal modo imbricados um no outro, são de tal
modo compreendidos como co-extensivos, que nenhum dos dois é
fenomenologicamente separável,28 parecendo natural a relação entre o significante, o
significado e o referente (ausente). Mas esta naturalidade recobre-se de sacralidade, já
que, como “lugares de consagração” neles se convoca o “invisível” através do “visível”,
suscitando simultaneamente atração e medo, ao contrário do que acontece com o museu,
MOREIRA, Gleidson de Oliveira. Cemitérios oitocentistas como lugares de memória. 185
Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES –
GO. VOL. 01, Nº 01, 180-194, Dez. 2008 / Jun. 2009.
sua leitura, como todo o rito, denota algo da esfera das intenções, o seu significado é,
porém, irredutível à pura racionalidade. Como não se procura construir uma “memória-
saber”, evocar será “recordar” e “comemorar”, pelo que o território dos mortos funciona
simultaneamente como um texto objetivador de sonhos escatológicos (transcendentes
e/ou memoriais) será como um “espaço público” e de “comunhão”, cenário
“miniaturizado” do mundo dos vivos e teatro exemplar de afetividades e de produção e
reprodução de memórias, de imaginários e de sociabilidades. E só depois de um
adequado e extrovertido tempo de luto ganhará força o distanciamento racional, que
cura e normaliza, porque “só a razão é que pode distinguir um antes e um depois da
morte, ao passo que o imaginário se recusa a aceitar a ruptura e continua a ver naquele
que acaba de morrer alguém que ainda não deixou a vida”.41
NOTAS
1 RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Vol 05 n 10,
1992, p.200-212
2 Sobre o peso do esquecimento nos processos construtivos das memórias subjetivas (e
coletivas), veja-se CANDAU, Joel. Anthropologie de la Mémoire. Paris: PUF, 1996.
3 ETLIN, Richard. I Encontro internacional sobre los cemitérios contemporâneos. Actas.
Sevilla 4/7 Junio 1991.
4 DÉCHAUX, Jean-Hugues. Le Souvenir dês Morts. Essai sur lê lien de filiations. Paris:
PUF, 1997 p 232
5 DEBRAY, Régis. Vie et Mort de I’Image. Une histoire du regard em Occident. Paris:
Gallimard, 1992
6 DEBRAY 1992 p.28
7 THOMAS, Louis-Vicent. Lê cadavre. De la biologie a I’antropologie. Paris: Complexe,
1980 p. 35
8 O inominável – morrer. In A Invenção do Cotidiano. Michel de Certau. Ed. Vozes. Vol
I. 1990 p 293
9 REVISTA MONUMENTOS SEPULCHRAES, 1868.
10 Ver Claudia Rodrigues em Lugar dos mortos na cidade dos vivos. 1995 p. 35
11 No mesmo sentido, leia-se TODOROV, Tzvetan. Les Abus de la Mémoire. Paris: Arléa,
1995
12 AUGE, Marc. Les Formes de L’Oubli. Paris: Payot, 1998. p 18
13 RODRIGUES, Claudia. Lugares dos mortos na cidade dos vivos: tradições e
transformações fúnebres na Corte. Dissertação. UFF. 1995 p 76
14 FEUERBACH, Ludwig. Pensées sur la Mort et I’Immortalité. Paris: Cerf, 1991.
15 Algumas das partes em que estavam divididas os interiores das igrejas católicas.
16 URBAIN, Jean-Didier. Lês Bouleversements Actuls de l’Art Funeraire. Coimbra:
Septembre, 1993. p 15
17 Ver o livro: A morte é uma festa de João José Reis. Ed. Cia das Letras, 1990 p.68
18 Quando aqui se usa o conceito de secularização não se pretende confundi-lo com o de
laicização. Com efeito, e como se procurou esclarecer em outro lugar, o primeiro denota o longo
processo de automatização, em todos os níveis da vida social, da esfera profana da sagrada.
Situa-se na longa duração e foi-se concretizando em temporalidades diferenciadas, ainda que
sempre num horizonte pautado pelos valores cristãos. Assim sendo, importar reter que o
fenômeno da secularização nem sempre se definiu em oposição a igreja (e muito menos a
MOREIRA, Gleidson de Oliveira. Cemitérios oitocentistas como lugares de memória. 190
Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES –
GO. VOL. 01, Nº 01, 180-194, Dez. 2008 / Jun. 2009.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DESTERRITORIALIZAÇÃO: A ÓTICA
CULTURAL DO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO
DA AGRICULTURA EM GOIÁS
Resumo: Abstract:
Palavras-chave: Key-words:
A Desterritorialização na Geografia
Ao propor o estudo sobre a modernização da agricultura em Goiás sob a
ótica da questão cultural, pretende-se aqui, fazer uma discussão sobre as transformações
no modo de vida do indivíduo e do grupo social envolvidos neste processo. Para tal,
teremos como direcionadores os pressupostos da Geografia Cultural. Segundo Claval
(1997).
Neste sentido Guatarri (1986: 323) afirma que: a reterritorialização consiste numa
tentativa de recomposição de um território engajado em um processo
desterritorializante”.
Nas sociedades globalizadas, sob a égide da evolução tecnológica, ocorre o
fenômeno do “desencaixe”, entre espaço e tempo, que é definido por Giddens, (apud
Haesbaert, 2004: 57) como “O deslocamento das relações sociais de contextos locais de
interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de espaço”. Neste
contexto, de acordo com Haesbaert (2004: 158): “A desterritorialização é apenas uma
face de uma dinâmica conjunta de reterritorialização, o desencaixe espaço temporal
representa uma das faces do processo de reencaixe, em novas bases histórico-
geograficas”.
Em outras palavras, o território é reorganizado para atender as exigências do
momento histórico, rompendo com a organização anterior através do processo de
desterritorializaçõ, a reterritorialização é a adaptação a esta nova realidade, que
acontece concomitantemente a desterritorialização. Neste à
desterritorialização/reterritorialização a adaptação ao novo é envolvida por profundas
transformações, tendo em vista que o modo de vida anterior é significativamente
modificado, o que não implica numa absoluta perda de identidade do grupo ou
individuo envolvido no processo1. Como exemplo, podemos citar o caso do sertanejo
goiano envolvido no processo de modernização da agricultura, que passou por
mudanças e adaptações no seu modo de vida.
virtual, no qual o ser humano perde sua preeminência. De acordo com Lencione (2003:
176-177):
tese, um firme golpe nos ingênuos intelectuais e numa certa militância política que
vêem na reforma agrária a panacéia para todos os problemas que afligem sem-terras e
demais segmentos de explorados e despossuídos que transbordam nas grandes cidades,
mas, ao nosso ver, exagera, pra não dizer erra, ao diagnosticar que tal processo sócio-
político (a reforma agrária) seja “a maior perversidade que pode existir”.
Preferimos acreditar que existam uma infinidade de outras condições que
são muito mais perversas, em termos humanos, existenciais e materiais, do que a
inferida por Santos, ademais, considerando alguns conteúdos programáticos de
determinados movimentos sociais, tais como os do próprio MST, enxergamos, pelo
contrário, um combate a anterior (e atual!) condição de perversidade que
estruturalmente condena o homem do campo e das cidades brasileiras a uma vida
totalmente destituída de qualquer perspectiva.
O que corrobora nosso posicionamento é o modelo de reforma agrária
brasileira, que condiciona o deserdado da terra, a interesses vinculados ao grande
capital, com a supervalorização das terras de grandes latifundiários, e com a sujeição do
assentado a normas do mesmo. Neste sentido concordamos com Oliveira (1986: 56), ao
afirmar que: “o modelo de reforma agrária tem que ser desvinculado do capital, não
consiste em apenas doar terras e sim dar condições para que o assentado sobreviva
dignamente dela”.
Considerações finais
Os Estudos sobre o espaço agrário nas ultimas décadas colocam como
ênfase a modernização da agricultura, sendo ela o carro chefe das mudanças estruturais
na renda fundiária e agrícola, inserindo o campo no capitalismo globalizado, o que
acarretou num conjunto de transformações: nos meios de produção, na fecundação do
solo, no tempo do plantio, na relação de trabalho, enfim no modo de vida da população
envolvida no processo. A modernização da agricultura implanta uma segunda
relação social, entre a sociedade do conhecimento e a sociedade do costume e das
tradições sertaneja, estabelecendo um conflito entre saber popular e saber científico, em
uma nova ordem de poder, na qual ascende o agrobusines. Este por sua vez, se sustenta
na exclusão camponesa e na utilização de evoluídos meios tecno-ciêntifico, da
biogenética, dos sistemas virtuais, da maquinificação, meios responsáveis diretos pela
desterritorialização do sertanejo.
BORGES, Júlio César Pereira. Desterritorialização: a ótica cultural do processo de 202
modernização da agricultura em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas.. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 195-206, Dez. 2008 /
Jun. 2009.
NOTAS
1 Para Stuart Hall, autor que tem se posicionado ao lado da virada pós-moderna, a identidade
não se define, em última instância, unicamente pela classe social a qual pertence o indivíduo.
Segundo o mesmo, a identidade é fruto de uma espécie de jogo, onde o indivíduo se
posiciona e assume posições diversas dentro da “partida social” que disputa, ou seja, a
tradicional idéia de submissão total do sujeito diante do poder aniquilador econômico-
político, estaria sendo substituída pela atual idéia de identidade como uma mutante “força
plástica”, onde o eu não é idêntico a si mesmo, mas , pelo contrário a do indivíduo
fragmentado que se (re)constrói através dos discursos, das suas práticas e de suas posições
assumidas no “jogo”, o que, necessariamente, supõe graus de escolha e autonomia.
2 Expressão utilizada pelo prof. Dr. Marcelo Mendonça em sua tese de doutorado intitulada a
Urdidura do Trabalho e do Capital no Cerrado do Sudeste Goiano.
3 Expressão utilizada por Felix Guatari ao definir a perda cultural de um indivíduo ou grupo
social no processo de mutação territorial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BORGES, Júlio César Pereira. Desterritorialização: a ótica cultural do processo de 203
modernização da agricultura em Goiás. Estácio de Sá – Ciências Humanas.. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 195-206, Dez. 2008 /
Jun. 2009.
Resumo: Abstract:
Este texto tem por finalidade analisar a This text has as purpose to analyze the
efetivação das formas de participação effect of the social politics forms of
sociopolíticas instituídas no Brasil após a participation instituted in Brazil after the
Constituição de 1988, principalmente no que Constitution of 1988, mainly in what
diz respeito ao planejamento e concerns to the urban planning and
desenvolvimento urbanos, regulamentados development, regulated in 2001 from the
em 2001 a partir do Estatuto da Cidade. A Statute of the City. The basic idea is to
idéia básica é discutir os condicionantes da argue the conditioners of the culture
cultura política e a sua materialização em politics and its materialization in action of
ações de impacto no sistema democrático impact in the Brazilian democratic system,
brasileiro, verificando não só a capacidade verifying not only the organization
organizativa da sociedade civil como capacity of the civil society as also the
também os dispositivos de abertura do devices of opening of the State created by
Estado criados por governos. No caso governments. In the specific case of
específico de Goiânia, se pretende verificar Goiânia, it intends to verify the impacts of
os impactos do programa “Agenda Goiânia” the program “Agenda Goiânia” in the
na ampliação da condição democrática. magnifying of the democratic condition.
Palavras-chave: Key-Words:
∗ Texto apresentado no XIII Congresso Brasileiro De Sociologia, acontecido entre os dias 29 de maio e
01 de junho de 2007 na UFPE, Recife – Pe.
**Graduado em História (UFG), mestre em Sociologia (UFG) e doutorando em Geografia pela UFG-GO.
Pesquisador do observatório das metrópoles – núcleo de Goiânia e professor de sociologia na FECHA. E-
mail: adaofrancisco@yahoo.com.br
***Graduado em Ciências Sociais (UFG) e mestrando em Sociologia (UFG). Pesquisador do observatório
das metrópoles. E-mail: juliano_cs@hotmail.com
OLIVEIRA, Adão Francisco de e RODRIGUES, Juliano Martins. Democracia, novos 205
arranjos institucionais e gestão das cidades. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 207-220, Dez. 2008 /
Jun. 2009.
3. Agenda Goiânia
N %
“Moradores do Setor Sul solicitam discussões aprofundadas para um possível fechamento das
vielas, transformando o bairro em condomínio fechado.”
“Cobra-se a incorporação, pelo Plano Diretor, de um Plano de Arborização.”
“Campinas é vítima da poluição visual, sonora e hídrica. Vizinhos de ferros-velhos e
serralherias são os mais prejudicados.”
“Foi sugerido engajamento da comunidade e o envolvimento do empresariado local na
priorização da contratação de jovens da região.”
“A demora na autorização para construção de prédios em Campinas reflete “descaso” das
administrações municipais e a ausência de obras de grande impacto em uma região que ´parou
no tempo´.”
“Uma das formas de gerar mais empregos na região central de Goiânia é estimular os
comerciantes informais a partirem para a formalidade e criarem suas micro e pequenas
empresas. Para tanto, é necessário que a Secretaria de Desenvolvimento Econômico crie
políticas específicas para os informais e artesãos, apoiando essas pessoas em seus projetos de
estruturação comercial e empresaria.”
“Os bairros de ambas as regiões necessitam de um plano de arborização, que está previsto no
Plano Diretor, e mapeamento das áreas onde se encontram árvores cinquentenárias, muitas
delas doentes, e oferecendo risco de acidentes.”
OLIVEIRA, Adão Francisco de e RODRIGUES, Juliano Martins. Democracia, novos 215
arranjos institucionais e gestão das cidades. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 207-220, Dez. 2008 /
Jun. 2009.
4. Considerações finais
NOTAS
1 A Região Metropolitana de Goiânia – RMG, foi criada em 1999 pela Lei Complementar
nº 27, que instituiu como finalidade “integrar a organização, o planejamento e a execução de
funções públicas de interesse comum dos municípios dela integrantes” (cf. art. 2º). Faziam
parte dela 11 municípios, sendo eles: Abadia de Goiás, Aparecida de Goiânia, Aragoiânia,
Goianápolis, Goiânia, Goianira, Hidrolândia, Nerópolis, Santo Antônio de Goiás, Senador
Canedo e Trindade. Porém, a partir de 2004, com a Lei Complementar nº 049, foi acrescentado
a ela o município de Bela Vista de Goiás.
2 Para o autor, a situação é gerada pela precariedade ou inexistência dos vínculos com o
mundo do trabalho pela redução dos espaços públicos que geram relações informais de
convívio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MOYSÉS, Aristides (org.). Cidade, segregação urbana e planejamento. Goiânia: Editora da
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Política, n.23 Curitiba Nov. 2004.
Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 01, 221-238, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Resumo: Abstract:
Palavras-chave: Key-words:
Introdução
∗ Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Católica de Goiás (2001) e Mestrado em
Sociologia pela Universidade Federal de Goiás (2007). Atualmente é doutorando em Planejamento
Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
RIBEIRO, Marcelo Gomes. Ocupação do espaço urbano e produção de desigualdades 219
sociais: o caso de Goiânia. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 221-238, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Mapa 1
Região Noroeste e Região Sudeste de Goiânia – 2005.
RIBEIRO, Marcelo Gomes. Ocupação do espaço urbano e produção de desigualdades 221
sociais: o caso de Goiânia. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 221-238, Dez. 2008 / Jun. 2009.
cidade em que sua ocupação fora patrocinada pela iniciativa privada (imobiliárias,
principalmente).
Urbanização brasileira e goiana
se define por sede do município é considerado como urbano, e a população que aí reside
é também computada sob essa categoria.
Mas isso não invalida a importância que tem tomado o crescimento da
população urbana. Ao considerar apenas os dez municípios com o maior quantitativo de
pessoas de Goiás, segundo os dados do Censo Demográfico de 2000, observa-se que a
sua população corresponde a 48% da população do estado, que possui 246 municípios.
A população urbana desses dez municípios corresponde a 54% da população urbana do
estado, o que explica uma taxa de urbanização da ordem de 98% no conjunto desses
municípios. Esses dados sugerem que é preciso tratar com relatividade os processos
territoriais e populacionais, pois como se vê o fenômeno da urbanização não é
homogêneo e possui peculiaridades dependendo do contexto e do recorte que se analisa.
Além disso, é importante considerar a forte concentração populacional em
alguns dos municípios ou conjuntos de municípios do estado. Para se ter uma idéia
somente a população da capital, em 2000, representava 22% da população de Goiás. Ao
acrescentar a população de municípios adjacentes, os quais constituem a Região
Metropolitana de Goiânia (RMG)2, sua população passou a representar 33%, ou seja,
1/3 do total da população. A população dos municípios goianos que pertencem a Região
Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE) possui 17% da
população. Ou seja, ao considerar apenas os municípios da RMG e os municípios
goianos da RIDE eles possuem juntos a metade (50%) de toda população do estado,
sendo que o número de municípios (30) dessas regiões somados corresponde a 12% do
número de municípios de Goiás. A outra metade da população está distribuída pelo
restante do estado, nos seus outros 216 municípios.
Porém, o processo de urbanização e, por conseguinte, a metropolização e
desmetropolização não podem ser explicados apenas em si mesmos. Se por um lado
esse processo sofreu as conseqüências da reestruturação produtiva iniciadas nos países
centrais (Harvey, 1992), por outro não podem ser desprezadas as mudanças estruturais
ocorridas na economia brasileira quando do esgotamento da política de substituição de
importações (Mantega, 1984). Além disso, é preciso considerar as transformações da
estrutura econômica de Goiás. Esses fenômenos atribuem significados diferentes para o
modo de vida das pessoas que moram nos centros metropolitanos.
Mudanças estruturais
RIBEIRO, Marcelo Gomes. Ocupação do espaço urbano e produção de desigualdades 225
sociais: o caso de Goiânia. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 221-238, Dez. 2008 / Jun. 2009.
econômico exigidos pela novo contexto espacial. Porém, esse processo não ocorre de
modo homogêneo em toda a cidade, pois em contextos que a população se enquadra nos
baixos padrões de consumo e que a ocupação espacial se verificou por meio de
mobilização social, a localização aí construída, apesar de ser maior valorada que antes
da intervenção estatal, não se iguala àquelas em que o modo de ocupação se deu por
iniciativa das imobiliárias e construtoras. Nestas o processo se dá de modo
completamente diferente. E isso se verifica pela relação que a iniciativa privada constrói
com o poder público.
Nos lugares onde a ocupação do território urbano se processou através das
empresas imobiliárias e construtoras verifica-se que sua valoração ocorre antes mesmo
de o espaço ser ocupado por aqueles que realizarão sua atividade finalística, como
morar e trabalhar. Isso ocorre porque a iniciativa privada mantém uma estratégia em que
ao doar parte do terreno para o poder público construir algum equipamento público
significativo, aumenta o preço da terra, na medida que valora a localização. Por este
motivo, o perfil sócio-econômico das pessoas que conseguem se apropriar de uma
parcela desse território se situa nos segmentos de mais elevada renda da sociedade.
Mas é preciso também considerar um outro aspecto da relação público-
privado presente no contexto de ocupação urbana que tivera a chancela dos movimentos
populares, o que se verifica na Região Noroeste. Apesar de essa mobilização ter como
apelo a reivindicação da função social da propriedade, atualmente contida na
Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade, de 2000, não se pode ignorar que
sua ação apenas muda a estrutura de privação da propriedade, na medida que antes ou
era concentrada em poucos proprietários ou pertencia ao Estado. Como se sabe, o que
hoje é denominado Região Noroeste fora no passado estabelecido para ser área de
preservação ambiental.
Região Noroeste (9,9%). Ao passo que naquela Região o índice é de 36% enquanto em
Goiânia o índice é de 38,7%.
Considerações finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 01, 239-260, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Resumo: Abstract:
Esta pesquisa foi conduzida com base na This research was lead on the basis of the
suposição de que o conhecimento a assumption that the knowledge regarding
respeito da procedência geográfica dos the geographic origin of the entrepreneurs,
empresários, bem como das atividades as well as the economic activities
econômicas por eles desempenhadas developed by them preliminarily to the
preliminarmente à ocasião em que occasion where they had invested in one
investiram em uma dada economia given capitalist economy, consists in a
capitalista, constitui-se em elemento-chave key-element for the clarification of
para o esclarecimento de questões relativas questions relative to the original
à acumulação originária do capital, accumulation of the capital, particularly,
particularmente, onde e como fora where and how was previously
previamente acumulado. Conforme os accumulated. As the data, the geographic
dados, a área geográfica de onde se area where originated most of the capital
originou a maior parte do capital aplicado applied in the enterprise economy of
empresarialmente na economia de Goiânia Goiânia corresponds to the territory of the
corresponde ao território do próprio Estado proper State of Goiás, in the present time
de Goiás, na atualidade (excluído, pois, o (excluded, therefore, the territory of the
território do atual estado de Tocantins). current state of Tocantins). On the other
Por outro lado, foi considerável a hand, the contribution that other Brazilian
contribuição que ofereceram à formação regions, mainly the Southeast, had offered
daquele capital outras regiões brasileiras, to the formation of that capital was
principalmente a Sudeste. considerable.
Palavras-chave: Key-words:
Introdução
De acordo com os dados reunidos na Tabela 1, a seguir, 90% dos indivíduos que se estabeleceram na
condição de homens de negócios em Goiânia, no transcorrer de seus primeiros 30 anos,
residiam no Estado de Goiás na ocasião em que se tornaram membros de uma
organização empresarial da cidade, sendo que a grande maioria deles - 85% do universo
- já se achava vivendo ali. Conforme a Tabela 2, que vem em seguida, referindo-se ao
capital segundo os locais de residência dos investidores, a participação dos que
moravam naquele Estado foi de 82% do total investido pelo conjunto compreendido na
pesquisa, sendo de 79% a dos que já se encontravam residindo naquela Capital.
Tais números forneciam indicação importante acerca de onde uma parcela
significativa do capital investido na economia urbana de Goiânia havia sido
preliminarmente acumulada. Mas eles não detinham, sozinhos, suficiente poder de
convencimento, razão pela qual tiveram de ser confrontados com informações obtidas
mediante outras fontes, expediente cujos resultados reforçam sobremaneira a
importância desses números, conforme iremos explicar adiante.
Vamos aqui tratar primeiro das referidas tabelas, visto que, além do valor
que detêm seus dados como contribuição para o esclarecimento da questão das origens
do capital aplicado empresarialmente em Goiânia, forneceram-nos elementos de base
empírica para novas reflexões acerca do assunto, servindo também de ponto de partida
no desenvolvimento de ulteriores procedimentos de pesquisa a respeito da questão.
Acerca dos dados contidos nessas tabelas, devemos antes esclarecer que o universo
nelas tomado em consideração abrange os casos relativos a unidades empresariais
organizadas sob a forma de sociedades - por cotas e anônimas - ou de cooperativas,
entre 1935 (a partir de quando se fundaram empresas de tais tipos em Goiânia) e 1963, e
que tiveram duração igual ou superior a cinco anos. Estão excluídos dele, portanto, os
proprietários de empresas do tipo jurídico Individual e os que participaram de
MACIEL, Dulce Portilho. Formação do setor empresarial da economia de Goiânia (1933- 239
1963): origens do capital. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 239-260, Dez. 2008 / Jun. 2009.
organizações cuja duração foi inferior à mencionada. Estão excluídos dele, ainda, os
empresários afetos ao comércio varejista.1
Examinemos, pois, os dados reunidos na Tabela 1, acerca da composição do
empresariado goianiense quanto aos locais de residência de seus membros na ocasião
em que se estabeleceram na Capital goiana. De acordo com a referida tabela, até 1945 -
fase considerada pioneira da história de Goiânia -, 100% dos empresários nela
considerados residiam no Estado de Goiás, registrando-se uma diferença curiosa entre
os dois períodos aí abrangidos; isto é: entre 1935 e 1940, 45% dos indivíduos que
investiram empresarialmente na economia da nova cidade residiam fora dela; já no
período seguinte, entre 1940 e 1945, apenas 3% dos novos empresários estabelecidos na
Capital moravam em outros municípios goianos. Ao que indicam tais dados, neste
último período, a cidade, além das vantajosas oportunidades para investimentos em
negócios que já vinha oferecendo desde o início de sua construção, tornara-se também
um lugar atraente para se viver, aos olhos dos homens de dinheiro no Estado.
Unidades
Federadas
35|-40 40|-45 45|-50 50|-55 55|-60 60|-63
Quant.% Quant. % Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %
obtida pelos que residiam em Goiânia. Ao contrário disto, os que eram domiciliados em
outras cidades fluminenses apresentaram uma média de capital por empresário inferior à
dos moradores do Estado de Goiás. Os empresários de Goiânia residentes em outras
unidades da Federação brasileira, distintas das mencionadas acima, contribuíram, em
conjunto, com 1% do capital considerado na tabela em pauta, sendo que tiveram uma
média capital/empresário idêntica à dos moradores do Estado de Goiás.
Os dados que viemos examinando são incisivos em apontar o Estado de
Goiás como o território onde fora originariamente acumulado o maior volume do capital
privado investido na economia urbana de Goiânia, no decorrer dos primeiros trinta anos
da história da cidade. Enfraquece seu poder de convencimento, entretanto, o fato de a
população daquele Estado ter-se constituído, ao longo desse tempo, com grande e
sempre renovada mescla de imigrantes. A ocorrência deste fato colocou-nos a
possibilidade de que uma parcela daquele capital considerado goiano, com base na
informação sobre o local de residência dos empresários, pudesse ter resultado da
contribuição de habitantes recém-chegados ao Estado ou diretamente à cidade.
Isto gerou a necessidade de que fosse avaliado o grau de legitimidade de tais
dados, em vista do objetivo que tínhamos em mente com relação a eles, mediante o uso
de fonte e método distintos dos que havíamos utilizado na sua obtenção. Com referência
a esta tarefa, todavia, a averiguação de valores de capital estava impossibilitada pela
inexistência de outras fontes de informação diferentes da já utilizada, razão pela qual
optamos por rever o aspecto da procedência do empresariado de Goiânia, desta vez,
segundo os lugares de permanência duradoura de seus componentes, anteriormente à
ocasião em que se estabeleceram nesta condição.
Assim, recorrendo à técnica estatística da amostra aleatória, sorteamos, do
conjunto dos empresários goianienses abrangidos na pesquisa realizada na Junta
Comercial, cem (100) nomes de indivíduos a respeito dos quais, mediante novo
procedimento de investigação, iríamos tomar alguns dados biográficos. No que se refere
ao assunto em pauta neste momento, as informações a serem obtidas acerca desses
indivíduos eram, em resumo, lugar de nascimento e local de residência prolongada em
época anterior ao ingresso como sócios de organizações empresariais de Goiânia.
Os dados que vamos apresentar a seguir foram obtidos por meio de
entrevistas, realizadas principalmente com pessoas próximas aos empresários
selecionados - parentes ou, mais raramente, ex-sócios -, pois eram poucos os casos em
que eles próprios permaneciam vivos. Dos cem indivíduos sorteados para compor a
MACIEL, Dulce Portilho. Formação do setor empresarial da economia de Goiânia (1933- 244
1963): origens do capital. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 239-260, Dez. 2008 / Jun. 2009.
assunto, relativos ao período de tempo que estudamos - segundo o IBGE, até 1960, a
taxa mais elevada obtida pela indústria na formação da renda interna goiana foi de
6,6%, em 1948; a mais baixa foi de 3,5%, em 1955. (Anuário Estatístico do Brasil,
1973) Este foi um dos motivos pelos quais deliberamos conferir, mediante o expediente
utilizado em relação à amostra a que nos referíamos atrás, a veracidade dos números
que havíamos reunido acerca das atividades ocupacionais anteriores dos empresários de
Goiânia, assunto de que voltaremos a tratar adiante.
Os comerciantes vêm em seguida na tabela em pauta, tendo sido de 30% a
participação deles na composição do empresariado de Goiânia - eram o maior
contingente - e de 18% no capital. No subgrupo dos proprietários, foi uma das
categorias ocupacionais a apresentar menor média de capital por empresário; só
superaram os fazendeiros, quanto a esta média. Tais dados, todavia, não nos trouxeram
maior embaraço. Em primeiro lugar, porque podíamos imaginar que uma boa parte
desse contingente fosse procedente da economia informal do Estado, aí incluídos desde
a figura popular do mascate, até uma série de tipos que, sem se acharem estabelecidos
na condição de comerciantes, podiam estar envolvidos em negócios de monta, como,
por exemplo, na compra e revenda de cereais, animais de corte, ouro, pedras preciosas,
etc.
Depois, porque contávamos com a possibilidade de, entre os homens de
negócios de outras plagas, os pequenos comerciantes terem sido os primeiros a serem
atraídos para a nova cidade, conforme costumeiramente acontece em relação às áreas
em recente processo de ocupação populacional e econômica. A categoria “outros
proprietários”, apresentada em seguida na Tabela 3, inclui avicultores e criadores de
pequenos animais, os declarados simplesmente como “proprietários” e outros mal
definidos. Formavam 2% do conjunto de empresários e contribuíram com 3% do capital
considerados na tabela. Sua média de capital por empresário foi a segunda mais elevada
- depois dos industriais - no conjunto dos proprietários.
No subgrupo chamado “funções burocráticas ou de escritório”, fizemos
distinção entre dois segmentos, ou seja, de um lado, coletores, caixas, tesoureiros e
afins, e de outro, funcionários públicos. O primeiro deles participou com 2% do
conjunto de empresários e 3% do capital compreendidos na tabela em referência. Em
relação a eles, chama a atenção a elevada média capital/empresário - bem superior à do
conjunto do subgrupo dos proprietários -, o que levanta em nós a suspeita de que o seu
capital teria outra origem que não o exclusivo exercício das profissões ou ocupações
MACIEL, Dulce Portilho. Formação do setor empresarial da economia de Goiânia (1933- 249
1963): origens do capital. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 239-260, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Diante da incoerência que parecia estar existindo entre os dados que vínhamos examinando e as condições
do desenvolvimento econômico do Estado de Goiás, principalmente com referência ao
pequeno peso neles representado pelos fazendeiros e, contrariamente a isto, a
importância aí adquirida pelos que se declararam como industriais para efeitos de
registro na Junta Comercial, conforme mencionamos atrás, deliberamos conferir o grau
de fidedignidade de tais dados, mediante o recurso da amostra estatística, do modo
como descrevemos antes.
De acordo com os resultados obtidos por meio de entrevistas acerca
daqueles sessenta e um indivíduos componentes da amostra, a maioria dos empresários
de Goiânia antes pertencera ao grupo das chamadas ocupações administrativas - 33
indivíduos (54% do conjunto deles) -, sendo que destes, o maior contingente fazia parte
do subgrupo dos proprietários - 23 indivíduos (38%) -, do seguinte modo: 1 fazendeiro
(2%), 2 pequenos agricultores (3%), 6 industriais (10%), 13 comerciantes (21%), 1
proprietário de empresa de transportes (2%). O segundo maior contingente dentro deste
grupo era o dos que haviam anteriormente se ocupado com funções burocráticas ou de
escritório - 8 indivíduos (13% do total da amostra) -, sendo que deles 4 eram
funcionários públicos (7%) e os restantes coletores ou bancários (7%). Por último vinha
a subgrupo dos administradores, com 2 indivíduos - 3% do total da amostra.
Repare-se que não obstante exista alguma divergência entre estes
percentuais e aqueles encontrados com base nos arquivos da Junta Comercial, os dois
conjuntos de dados convergem no sentido de indicar certos aspectos importantes da
constituição do empresariado de Goiânia, referentes ao esclarecimento da questão de
como o capital privado de sua economia foi preliminarmente acumulado. Com relação
ao grupo de que acabamos de tratar, absolutamente majoritário na formação do
empresariado desta cidade, de acordo com ambos os conjuntos de dados, os pontos de
maior interesse para o nosso caso são a participação pouco considerável de fazendeiros
no quadro empresarial goianiense, a predominância aí de comerciantes e industriais, e o
peso que nele adquiriu a presença de funcionários públicos.
Conforme os resultados da amostra, 25% dos empresários de Goiânia (15
indivíduos) possuíam habilitação para exercer funções técnicas, científicas e afins ou
eram estudantes: 3 engenheiros (5% do total da amostra), 1 agrônomo (2%), 3 médicos
(5%), 2 advogados (3%), 3 professores (5%), 1 jornalista (2%), 2 estudantes (3%). Tais
MACIEL, Dulce Portilho. Formação do setor empresarial da economia de Goiânia (1933- 252
1963): origens do capital. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 239-260, Dez. 2008 / Jun. 2009.
obtidos com o levantamento da Junta Comercial, conseguir elucidar alguns pontos para
nós obscuros acerca destes.
Tomemos primeiro os indivíduos que antes de ingressarem como sócios de
empresas em Goiânia exerciam ocupações administrativas, a maior parte dos
empresários da cidade. Segundo os dados da amostra, 82% deles residiram
duradouramente em Goiás antes de realizar o investimento - 44% destes já em Goiânia e
56% em municípios do interior. No conjunto do grupo, 58% dos indivíduos eram
nativos do próprio Estado. Este grupo contribuiu, conforme os dados reunidos com base
nos arquivos da Junta Comercial, seguramente, com mais da metade do volume de
capital aplicado no setor privado da economia de Goiânia pelo conjunto de empresários
abrangidos em nossa pesquisa; provavelmente com mais que isto, posto que grande
parte daqueles a respeito dos quais não se obteve informação sobre as ocupações
anteriores, por certo pertencia ao grupo.
Tais dados são, por si só, muito contundentes em confirmar a indicação que
vínhamos tendo de que a maior parte do capital investido empresarialmente em Goiânia
fora acumulado nos próprios limites do Estado de Goiás. Seus desdobramentos
contribuem também, decisivamente, para o esclarecimento da questão de como, ou seja,
que atividades econômicas propiciaram esta acumulação. Examinemos primeiro os
casos acerca dos quais pairaram nossas principais dúvidas.
Começando pelo caso dos proprietários rurais - 1 fazendeiro e 2 pequenos
agricultores -, verificamos que nenhum deles tinha nascido em Goiás ou residira
duradouramente no Estado, anteriormente à ocasião em que investiram
empresarialmente em Goiânia. Isto significa, surpreendentemente, que o capital
originário da atividade produtiva rural representado, ao menos parcialmente, pela soma
que investiram juntos tais indivíduos na economia de Goiânia, fora acumulado em
outras partes que não em Goiás.
Quanto aos industriais, segundo os resultados da amostra, 83% deles
residiam no Estado de Goiás há bastante tempo quando realizaram investimentos
empresariais nessa cidade - destes, 60% em Goiânia mesmo e 40% em municípios do
interior. Do conjunto de tais indivíduos, entretanto, apenas 17% eram goianos por
nascimento. Isto significa, então, que muito embora grande parte do capital procedente
do setor industrial da economia investido na cidade tenha sido acumulada em território
goiano, era forânea a maioria dos agentes humanos promotores desta acumulação. E isto
também indica que uma parcela considerável deste capital fora acumulada já na própria
MACIEL, Dulce Portilho. Formação do setor empresarial da economia de Goiânia (1933- 254
1963): origens do capital. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 239-260, Dez. 2008 / Jun. 2009.
cidade, o que nos leva a deduzir que segmentos importantes da economia urbana de
Goiânia estiveram excluídos de nossa pesquisa - limitada que esteve ela à chamada
“escala possível”. As empresas de tipo individual, as do comércio varejista e as que
funcionavam mediante mecanismos da economia informal devem ter sido responsáveis
por boa parte dessa acumulação.
Em relação aos comerciantes, os resultados da amostra não ofereceram
grande surpresa quanto às origens geográficas - 69% eram naturais do Estado de Goiás,
outros 8% residiam aí desde muito tempo e 23% eram forâneos. Os dados acerca das
localidades de moradia dos indivíduos domiciliados no Estado é que surpreenderam,
principalmente se comparados com os anteriores acerca dos industriais - 80% deles
residiam em municípios do interior e apenas 20% na Capital. Isto aponta para duas
possibilidades não excludentes entre si; isto é, por um lado, as oportunidades oferecidas
à acumulação de capital mediante atividades comerciais levadas a efeito no interior do
Estado teriam sido bastante vantajosas; e, por outro, na economia urbana de Goiânia, o
setor industrial teria propiciado, em comparação com estas, melhores condições de
reprodução ao capital.
As outras categorias ocupacionais que, no grupo, bem como no conjunto do
universo considerado na pesquisa, detiveram importância numérica e também quanto à
participação que tiveram na formação do capital privado da economia de Goiânia foram
os funcionários públicos, de um lado, e coletores, bancários, contadores e afins, de
outro. Segundo os resultados da amostra, residia em Goiás a totalidade dos
componentes de ambas estas categorias, sendo que eram naturais do Estado 100% dos
primeiros e 75% dos últimos. Em relação a tais indivíduos, entretanto, pode-se apenas
levantar conjecturas acerca das possibilidades que tiveram de ganhar dinheiro, exercício
que levamos a efeito atrás, mas que carece de base empírica que o sustente
satisfatoriamente.
No grupo das ocupações técnicas, científicas e afins, o segundo colocado em
importância no setor empresarial de Goiânia, conforme já vimos, de acordo com os
resultados da amostra, 73% dos indivíduos residiam no Estado de Goiás há algum
tempo, dos quais, 55% em Goiânia e 45% no interior. Do conjunto deles, 47% nasceram
no Estado. Neste caso, ao que indicam estes dados, embora o interior do Estado tivesse
oferecido condições de se ganhar dinheiro através do exercício de funções tecnicamente
qualificadas, uma parte do capital investido pelo grupo teria sido reunida mediante
atividades profissionais e/ou empresariais levadas a efeito na própria cidade
MACIEL, Dulce Portilho. Formação do setor empresarial da economia de Goiânia (1933- 255
1963): origens do capital. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio
de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 239-260, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Conclusão
Devemos aqui lembrar, entretanto, que não obstante isto, a existência de tais
excedentes foi responsável pela criação de um mercado interno em Goiás para bens e
serviços produzidos nesta cidade, sem esquecer, também, da parcela que, pela via fiscal,
transferia para ela o Estado – melhor dizendo, o governo estadual, que além de se
encarregar da implantação da cidade, ocupou-se, de forma quase exclusiva (ignorando o
poder público municipal), com administração do seu desenvolvimento, ao longo do
tempo aqui em causa. De um modo ou de outro, portanto, a produção de excedentes
pelo setor agropecuário do Estado de Goiás constituíu-se, certamente, em fator
fundamental do qual dependeu o desenvolvimento da economia urbana de Goiânia.
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Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO.
VOL. 01, Nº 01, 261-269, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Resumo: Abstract:
O presente artigo aborda as raízes da The present article approaches the roots of
sociologia no Brasil, buscando analisar as the sociology in Brazil, looking for to
razões de seu surgimento tardio em analyze the reasons of your late appearance
comparação com o ocorrido na Europa in comparison with happened him in
Ocidental. A conclusão geral é a de que tal Western Europe. The general conclusion is
surgimento tardio é produto do próprio the that such a late appearance is product of
desenvolvimento capitalista tardio em the own late capitalist development in our
nosso país. country.
Palavras-chave: Key-words:
colocar que ao invés de um motivo, houveram vários. Pois bem, partimos das
indicações metodológicas feitas por Karl Marx. Segundo este: “o concreto é o resultado
de suas múltiplas determinações” (Marx, 1983), mas cabe ao pesquisador, descobrir a
determinação fundamental do fenômeno, isto é, descobrir aquilo que engendrou
efetivamente o fenômeno, e, posteriormente, re-agrupar as demais determinações numa
totalidade concreta (Marx, 1983; Viana, 2007). Assim, ao perguntarmos do motivo,
estamos perguntando pela determinação fundamental, o que não significa descartar as
demais determinações. Porém, focalizaremos esta para posteriormente enquadrarmos as
demais.
A partir do problema levantado buscamos realizar uma investigação
bibliográfica que nos permitisse constituir uma hipótese que fosse o fio condutor de
nossa pesquisa. Para elaborar nossa hipótese percebemos que seria necessário partir da
idéia de que a compreensão deste fenômeno nos remete a um estudo sociológico da
sociologia, isto é, a aplicação do saber sociológico à própria sociologia. Este será,
portanto, o embasamento de nosso referencial teórico.
O quadro teórico de nosso trabalho se encontra na contribuição
metodológica de vários sociólogos, entre os quais, Marx e Durkheim, e daqueles que
contribuíram mais especificamente com a sociologia do conhecimento, além dos acima
citados, tal como Mannheim, Löwy, Bourdieu, Berger e Luckmann, entre outros, e
também estudiosos da sociologia brasileira e da sociedade brasileira, tal como Florestan
Fernandes, João Manuel Cardoso, Antônio Cândido, Cândido Gomes, entre outros.
O referencial teórico se baseia, então, na sociologia do conhecimento,
partindo da idéia de totalidade como categoria central para nossa análise. A sociedade
compreendida como totalidade é a chave explicativa para o nosso problema e fio
norteador de nossa análise e hipótese.
Karl Marx e Friedrich Engels forneceram significativas sugestões neste
sentido. Para estes autores, as idéias (religiosas, morais, estéticas e, o que se refere
diretamente ao objeto de nosso estudo, científicas) não podem ser compreendidas de
forma isolada das relações sociais. As idéias, as representações, as formações culturais
(Marx e Engels, 1991) se formam e desenvolvem no interior das relações sociais. O
modo como os homens vivem, suas relações recíprocas, seu modo de produzir, suas
relações sociais em geral, é a chave explicativa de suas representações, suas idéias.
Assim, a produção científica está indissoluvelmente ligada com o processo social
(Löwy, 1987).
PEIXOTO, Maria Angélica. As raízes da sociologia brasileira. Estácio de Sá – Ciências 260
Humanas . Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 261-
269, Dez. 2008 / Jun. 2009.
social do trabalho, o que faz emergir o que Bourdieu denomina “campo científico” e
outros autores chamam “comunidade científica” (Portocarrero, 1994; Viana, 2003), o
desenvolvimento das ciências naturais e o progresso tecnológico e científico que traz
legitimidade e status superior ao novo ramo do saber, a ciência (Viana, 2000). Também,
neste contexto, como subdivisão no interior do “campo científico”, emerge o “campo
sociológico”, isto é, uma subdivisão no interior de um campo mais amplo. A sociologia
de Pierre Bourdieu (1983) contribui para uma compreensão deste processo,
principalmente sua análise do campo científico e sua obra (Bourdieu, 1983) na qual
aborda as características dos sociólogos, embora não trabalhe exatamente sua gênese
histórica.
O surgimento da sociologia fora do continente europeu é posterior, pois é
neste que o capitalismo surge inicialmente e se torna hegemônico. Nos países fora do
continente europeu em que ocorre um rápido processo de industrialização também há
um desenvolvimento da sociologia, embora peculiar e ligado às influências européias
(Cuin e Gresle, 1994).
Por fim, o desenvolvimento da sociologia nos países de capitalismo tardio
tende a ser tardio, embora, devido à influência cultural dos países industrializados,
possa se esboçar antes da concretização do processo de industrialização e sua
consolidação.
Assim, a partir dos estudos de Gorender (1978; 1990), podemos perceber
que a sociedade brasileira nasce sob o signo da escravidão. No período colonial, o Brasil
é um país que se fundamenta num modo de produção escravista. No entanto, o
escravismo brasileiro difere do escravismo antigo e a diferenciação se encontra no
caráter colonial do primeiro. O regime escravista colonial brasileiro estava intimamente
ligado ao processo colonizador europeu, mais especificamente português, e ao processo
que Marx (1988) denominou “acumulação primitiva de capital”.
As relações de produção, no Brasil, no período da expansão colonial e
acumulação primitiva de capital, eram escravistas. O escravismo brasileiro era mais
brutal que o existente no mundo antigo, pois o seu caráter colonial e sua ligação com o
processo de acumulação de capital na Europa, fazia dele uma máquina de sugar
excedente, e assim a super-exploração dos escravos negros se tornava sua máxima. Para
se ter apenas um exemplo, a média de vida dos escravos negros era mais baixa do que a
dos escravos da sociedade antiga. O regime colonial, em que pese o contato com os
países mais industrializados, não possuía um desenvolvimento científico e tecnológico
PEIXOTO, Maria Angélica. As raízes da sociologia brasileira. Estácio de Sá – Ciências 264
Humanas . Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 261-
269, Dez. 2008 / Jun. 2009.
A economia cafeeira paulista impulsiona a industrialização brasileira com o capital monetário acumulado, a
transformação da força de trabalho em mercadoria, e a formação de um mercado
consumidor interno. Este processo gera uma industrialização restringida que só se
expande a partir de 1933, se estendendo até 1955. Neste momento, a acumulação
capitalista brasileira se liberta da dependência da economia cafeeira.
Portanto, temos um processo de formação do capitalismo extremamente
lento no Brasil. O capitalismo brasileiro dá os seus primeiros passos com o início da
industrialização no final do século XIX, vai se consolidando no decorrer do século XX e
somente se autonomiza do setor agrícola a partir de 1955. A lentidão deste processo
decorre de sua industrialização tardia em relação aos demais países capitalistas
avançados, o que o faz entrar na divisão internacional do trabalho de forma
PEIXOTO, Maria Angélica. As raízes da sociologia brasileira. Estácio de Sá – Ciências 265
Humanas . Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 261-
269, Dez. 2008 / Jun. 2009.
subordinada, pois o mercado mundial já estava dominado pelas grandes potências bem
como as possibilidades de importação e exportação estavam dadas, sendo que a
produção de bens de produção era pouco incentivada nos países de capitalismo
retardatário, já que sua produção ocorria nos países centrais.
O processo de industrialização no Brasil foi diferenciado em relação ao
ocorrido na Europa. Aqui se saía de um regime escravista colonial para um regime
capitalista, enquanto que na Europa a transição do sistema feudal para o sistema
capitalista foi um processo mais longo, marcado por todo um processo de expansão da
força da classe capitalista e expansão do comércio que o acompanhava e por uma
formação cultural construída secularmente, incluindo o desenvolvimento das ciências
naturais.
No caso do Brasil, temos um processo de formação cultural caracterizado
pela importação de idéias estrangeiras bem como a falta de classes sociais relativamente
independentes e por uma situação de concentração da produção capitalista em
determinadas regiões (eixo Rio-São Paulo) convivendo com a manutenção de relações
agrárias na maior parte do território brasileiro. A formação de instituições de ensino
superior no Brasil, bem como de tradições científicas e da própria comunidade
científica, foi muito posterior à ocorrida na Europa.
É a partir da década de 60 que o capitalismo brasileiro se encontra
sintonizado com os elementos mais característicos do modo de produção capitalista e
sua superestrutura, pelo menos na maior parte do país, apesar de ainda haver regiões
mais voltadas para a produção agrária e dominadas por relações sociais tradicionais.
A nossa incursão sobre a realidade brasileira reforça nossa hipótese do
desenvolvimento tardio do capitalismo brasileiro e sua relação com a formação também
tardia da sociologia em nosso país. Podemos observar que o capitalismo brasileiro
começa a dar seus primeiros passos no final do século IX mas somente alcance um
estágio significativo no início do século XX. Na Europa, as origens do capitalismo
remontam o século XVI, passando pelos séculos XVII, XVIII e culmina no século XIX.
Nos principais centros europeus (Inglaterra, Holanda, França) o século XIX é um século
capitalista, no qual não apenas o modo de produção capitalista predomina amplamente,
como também a superestrutura que lhe é correspondente já é hegemônica, o que foi
conquistado a partir das revoluções burguesas. Assim, temos o nascimento das ciências
humanas nesta região do globo terrestre. Em países mais atrasados no processo de
PEIXOTO, Maria Angélica. As raízes da sociologia brasileira. Estácio de Sá – Ciências 266
Humanas . Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 261-
269, Dez. 2008 / Jun. 2009.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOMES, Cândido Alberto. A Educação em Perspectiva Sociológica. 3ª ed. São Paulo: Epu,
1994.
Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 01, 271-287, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Resumo: Abstract:
Este artigo tem como objetivo discorrer This article aims to discuss the theoretical
sobre as tradicionais formas teórico- and methodological traditional ways of
metodológicas de medição do chamado measuring the so-called informal sector and
setor informal e as principais criticas the main criticism assigned to the same.
atribuídas às mesmas
Palavras-Chave: Key-Words:
INTRODUÇÃO
∗
Doutor em Ciêncis Sociais pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, Professor Adjunto da
Universidade Estadual de Goiás-UEG e Coordenador de Pesquisa da Faculdade Estácio de Sá Goiás.
LOPES, Edmar Aparecido de Barra. Formas usuais de mediação do sertor 269
informal. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 271-285, Dez. 2008 / Jun. 2009.
1
Esta maneira é utilizada, em geral, nas definições dos trabalhos do PREALC. Ver, por exemplo,
PREALC (1978). Raczynski (1977: 40-44) apud: CACCIAMALI, (1983).
LOPES, Edmar Aparecido de Barra. Formas usuais de mediação do sertor 270
informal. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 271-285, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Existem partes de ramos da produção que estão sendo capturados pelo capital
(parte da agricultura, por exemplo) ao mesmo tempo que ramos da produção
primordialmente dominados por formas de organização da produção
capitalista sofrem modernização tecnológica, introduzindo ou não novos
produtos. Estes movimentos, por sua vez, decompõem-se, por um lado, na
destruição de atividades informais e postos de trabalho assalariados e, por
outro, na criação de outros postos de trabalho assalariado e criação, recriação
ou ampliação de atividades informais. Enquanto a intensidade desse processo
não diminuir , em especial na área rural, observar-se-á a manutenção de
excedente de mão-de-obra, particularmente migrantes, que podem ocupar
parcelas de determinadas atividades informais (Cacciamali, 1983:45).
2
O modo de produção capitalista deve ser entendido também como abrangendo, em especial, a produção
e reprodução de seres humanos (esperança de vida, tamanho da família, taxa de crescimento demográfico,
etc.). Ver: OLIVEIRA (1977).
LOPES, Edmar Aparecido de Barra. Formas usuais de mediação do sertor 271
informal. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 271-285, Dez. 2008 / Jun. 2009.
3
Segundo CACCIAMALI (1983:47) é importante ressaltar que “(...) no setor informal a sub-remuneração
da relação capital-trabalho está intimamente ligada a : a) o proprietário/produtor explora sua própria força
de trabalho e, as vezes, de alguns ajudantes; b) o trabalho excedente, em geral de pequena monta, tem a
finalidade de aumentar a renda, o consumo, do proprietário/produtor; c) os meios de trabalho não tem a
finalidade de extrair trabalho excedente alheio para valorizar o dinheiro aplicado, mas, em geral, o
próprio sustento e melhoria nas condições de vida. Pode-se afirmar: em primeiro lugar, não é a sub-
remuneração que cria ou mantém o setor informal (este depende do espaço produtivo enquanto um todo);
em segundo lugar, o setor informal depende também de pessoas que se disponham e/ou não tenham
opção, mas que possuam requisitos necessários para ocupá-lo”.
LOPES, Edmar Aparecido de Barra. Formas usuais de mediação do sertor 272
informal. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 271-285, Dez. 2008 / Jun. 2009.
(Cavalcanti e Duarte, 1978: 32). De outro modo, tal evidência empírica mostra que o
preço de determinados serviços oferecidos pelo setor informal é fixado em função dos
custos.
No que concerne ao segundo desdobramento desta questão - a determinação
dos preços no setor informal - a tese do confinamento ao setor informal do consumo dos
mais pobres - tal tese é no mínimo duvidosa. É assim que Perlam (1979) e Kowarick
(1980) formam coro crítico segundo o qual o confinamento pode ser percebido em
função do nível de desenvolvimento econômico encerrado em uma dada realidade
(principalmente, naquelas caracterizadas pela concentração de indivíduos pobres na
periferia ou em favelas). No entanto, esclarecem, é um falso confinamento, pois estes
indivíduos trabalham e se relacionam com o restante dos indivíduos. Ou seja, as
referidas parcelas mais pobres da população engrossam o mercando interno consumindo
variado número de produtos industriais distribuídos tanto pelo setor formal quanto pelo
informal.
Em relação à terceira e última colocação - análises que referem-se ao
elevado grau de competição que caracteriza este setor informal – vale lembrar que
inúmeras atividades informais não se caracterizam por baixa renda, nem por facilidade
de entrada ou por atuarem em mercados competitivos.4
4
CACCIAMALI (1983) lembra que o próprio SOUZA (1979; 1980), critica a si mesmo sobre esta
questão em trabalhos anteriores.
LOPES, Edmar Aparecido de Barra. Formas usuais de mediação do sertor 273
informal. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 271-285, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Ocupam primeiro lugar neste grupo aqueles que trabalham por conta
própria (que tem mais possibilidades do que outros trabalhadores de ocultar seus
ganhos).5 Outra categoria suspeita deste grupo - a segunda - é constituída pelos
desempregados, porque cabe a possibilidade de que possam estar trabalhando fora do
mercado de trabalho protegido, ao mesmo tempo em que recebem algum tipo de
prestação social obrigatória – como seguro desemprego e outros. Constitui a terceira
categoria, aqueles que declaram não ter ocupação. Cabe reforçar que, em geral, aqueles
que não trabalham ou não buscam trabalho realizam atividades informais para gerar
renda - ao menos em tempo parcial. A OIT define como quarta categoria deste primeiro
enfoque o serviço doméstico, levando em conta principalmente dados provenientes dos
países menos desenvolvidos (embora possa ser aplicado também aos países mais ricos).
A mesma observação vale para a quinta e última categoria, micro-empresas
que empregam até cinco pessoas, considerando que estas empresas operam fora da
legalidade ou que estando registradas - geralmente não cumprem com as normas
jurídicas em suas práticas de contratação. Como esclarecem Pérez-Sáinz (1992) e Klein
y Tokman, (2000), é a partir destas categorias de emprego, registradas nas pesquisas de
domicílio, que organismos das Nações Unidas proporcionam estimativas sobre a força
de trabalho informal da maioria dos países.
A segunda forma/enfoque de medição do setor informal - o enfoque das
pequenas empresas – toma como base a evolução do número e a proporção de
“empresas muito pequenas” considerando-os como indicadores de troca das atividades
informais. Por definição, as empresas muito pequenas são as que empregam menos de
10 trabalhadores. Este enfoque tem sido aplicado nos Estados Unidos no lugar do
método dos dados do mercado de trabalho. Segundo Portes e Sassen (1987:47):
5
“La Oficina Internacional del Trabajo (OIT) y el Programa Regional del Empleo para América Latina y
el Caribe (PREALC) han clasificado a los trabajadores por cuenta propria, con exclusión de los
profesionales y los técnicos, como parte del sector informal”. Ver: PORTES e HALLER (2004:30).
LOPES, Edmar Aparecido de Barra. Formas usuais de mediação do sertor 274
informal. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 271-285, Dez. 2008 / Jun. 2009.
6
Ver: PORTES; HALLER (2004).
LOPES, Edmar Aparecido de Barra. Formas usuais de mediação do sertor 275
informal. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 271-285, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Este método y el de las empresas muy pequeñas empleam una premisa básica
común: que la informalidad predomina en las unidades económicas más
pequeñas. Sin embargo, en ambos casos hay discrepancias significativas
entre lo que ocurre en los hechos y lo que indican las cifras.
7
Ver: FEIGE (2004).
LOPES, Edmar Aparecido de Barra. Formas usuais de mediação do sertor 276
informal. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 271-285, Dez. 2008 / Jun. 2009.
8
Ver: PORTES e HALLER (2004:37).
9
Não devemos nos esquecer - entretanto - que as estimativas sobre o setor informal no campo são quase
inexistentes, ao contrário do que ocorre nas regiões metropolitanas.
LOPES, Edmar Aparecido de Barra. Formas usuais de mediação do sertor 277
informal. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 271-285, Dez. 2008 / Jun. 2009.
NOTAS
1
O modo de produção capitalista deve ser entendido também como abrangendo, em especial, a
produção e reprodução de seres humanos (esperança de vida, tamanho da família, taxa de
crescimento demográfico, etc.).Ver: OLIVEIRA (1977).
1
Segundo CACCIAMALI (1983:47) é importante ressaltar que “(...) no setor informal a sub-
remuneração da relação capital-trabalho está intimamente ligada a : a) o proprietário/produtor
explora sua própria força de trabalho e, as vezes, de alguns ajudantes; b) o trabalho excedente,
em geral de pequena monta, tem a finalidade de aumentar a renda, o consumo, do
proprietário/produtor; c) os meios de trabalho não tem a finalidade de extrair trabalho excedente
alheio para valorizar o dinheiro aplicado, mas, em geral, o próprio sustento e melhoria nas
condições de vida. Pode-se afirmar: em primeiro lugar, não é a sub-remuneração que cria ou
mantém o setor informal (este depende do espaço produtivo enquanto um todo); em segundo
lugar, o setor informal depende também de pessoas que se disponham e/ou não tenham opção,
mas que possuam requisitos necessários para ocupá-lo”.
1
CACCIAMALI (1983) lembra que o próprio SOUZA (1979; 1980), critica a si mesmo sobre
esta questão em trabalhos anteriores.
1
“La Oficina Internacional del Trabajo (OIT) y el Programa Regional del Empleo para América
Latina y el Caribe (PREALC) han clasificado a los trabajadores por cuenta propria, con
exclusión de los profesionales y los técnicos, como parte del sector informal”. Ver: PORTES e
HALLER (2004:30).
1
Ver: PORTES; HALLER (2004).
1
Ver: FEIGE (1990).
1
Ver: PORTES e HALLER (2004:37).
1
Não devemos nos esquecer - entretanto - que as estimativas sobre o setor informal no campo
são quase inexistentes, ao contrário do que ocorre nas regiões metropolitanas.
1
Ver: STARK (1989) apud: PORTES e HALLER (2004:39).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
10
Ver: STARK (1989) apud: PORTES e HALLER (2004:39).
LOPES, Edmar Aparecido de Barra. Formas usuais de mediação do sertor 278
informal. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia
SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 271-285, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Resumo: Abstract:
Palavras-chave: Key-words:
Introdução
Metodologia
ANOS MESES
1995 JUNHO
2001 JULHO
JÁCOMO, Simone de Almeida. Utilização de geotecnologias para detecção de mudanças 288
de uso no cerrado. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá.
Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 288-291, Dez. 2008 / Jun. 2009.
Resultados
Considerações finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Resumo: Abstract:
Palavras-chave: Key-words:
Apresentação e Justificativa
∗ Especialista em Patrimônio Histórico e Cultural pela UEG e Graduada em Arquitetura pela UFV.
** Doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP.
COUTO, Beatriz Coroa do. e LOPES, Edmar Aparecido de Barra. A história 292
construída de Viçosa: uma proposta de gestão do espaço. Estácio de Sá – Ciências
Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 292-
304, Dez. 2008 / Jun. 2009.
“O espaço urbano da cidade, até o final dos anos 20, se caracterizou pela
expansão de sua malha urbana; já na década seguinte ele se caracterizou mais
pela ocupação e consolidação de ruas, praças, largos e travessas existentes do
que pela abertura de novos logradouros.” (RIBEIRO FILHO, 1997)
Objetivos Gerais
Objetivos Específicos
Metodologia
Programa de Atividades
Recursos Orçamentários
ORÇAMENTO
Descrição Valor
1. Equipe de trabalho
1 gerente (contrato, parcerias) 20.000,00
5 professores (contratos, parcerias) 20.000,00
5 estagiários (programas, estágios, bolsas) 10,00
1 servente limpeza (parcerias, programas) 0,00
1 técnico informática (parcerias, programas) 0,00
2.Material
2.1. Permanente (parcerias)
Salas
Mesas
Cadeiras
Armários 0,00
computadores
Câmeras
Filmadoras
2.2. De consumo (parcerias, programas, licitação)
material de escritório 10.000,00
COUTO, Beatriz Coroa do. e LOPES, Edmar Aparecido de Barra. A história 297
construída de Viçosa: uma proposta de gestão do espaço. Estácio de Sá – Ciências
Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 292-
304, Dez. 2008 / Jun. 2009.
material de copa
material de limpeza
3. Capacitação e Cursos
treinamento das equipes (contratos,
parcerias)
programa de Educação Patrimonial 20.000,00
(programas)
cursos-oficinas (parcerias, programas)
4. Licitação
4.1. Execução de obra civil
4.2. Fornecimento de equipamentos urbanos 400.000,00
4.3. Recuperação da Linha Férrea
5. Divulgação
Rádio (parcerias)
Tv (parcerias)
Jornal (parcerias, contratos) 10.000,00
Palestras (parcerias)
Material
7. Desocupações3
Provisória/Definitivas Abonos/Concessões
Definitiva 10.000,00
TOTAL 500.000,00
Avaliação e Controle
NOTAS
1 O Trabalha Final de Graduação mencionado dividiu-se em dois semestres acadêmicos, sendo
o primeiro relativo à pesquisa e discussão teórica (anexo I) que deu suporte à segunda parte do
trabalho, o projeto de intervenção urbana e arquitetônica de fato (anexo II). O projeto de
intervenção, em si, apresenta a cidade de Viçosa e a praça, objeto da intervenção, mostrando sua
conformação atual e a proposta.
2 Pollak fala de um trabalho de enquadramento da memória a partir dos dados fornecidos pela
história, os “discursos e objetos materiais que conceitualmente embasam a memória e história
oficiais (POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, São
Paulo: Associação de Pesquisa e Documentação Histórica, 1989).
COUTO, Beatriz Coroa do. e LOPES, Edmar Aparecido de Barra. A história 298
construída de Viçosa: uma proposta de gestão do espaço. Estácio de Sá – Ciências
Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 292-
304, Dez. 2008 / Jun. 2009.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
COUTO, Beatriz Coroa do. e LOPES, Edmar Aparecido de Barra. A história 299
construída de Viçosa: uma proposta de gestão do espaço. Estácio de Sá – Ciências
Humanas. Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 295-
304, Dez. 2008 / Jun. 2009.
300 COUTO, Beatriz Coroa do. e LOPES, Edmar Aparecido de Barra. A história construída
de Viçosa: uma proposta de gestão do espaço. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 292-304, Dez. 2008 / Jun.
2009.
301 COUTO, Beatriz Coroa do. e LOPES, Edmar Aparecido de Barra. A história construída
de Viçosa: uma proposta de gestão do espaço. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 292-304, Dez. 2008 / Jun.
2009.
302 COUTO, Beatriz Coroa do. e LOPES, Edmar Aparecido de Barra. A história construída
de Viçosa: uma proposta de gestão do espaço. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 292-304, Dez. 2008 / Jun.
2009.
303 COUTO, Beatriz Coroa do. e LOPES, Edmar Aparecido de Barra. A história construída
de Viçosa: uma proposta de gestão do espaço. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 292-304, Dez. 2008 / Jun.
2009.
RESENHA
Estácio de Sá – Ciências Humanas.
Rev. da Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES - GO
VOL. 01, Nº 01, 306-311, Dez. 2008 / Jun. 2009.
CAMPOS NEGROS:
AS MÚLTIPLAS FACES DA RESISTÊNCIA QUILOMBOLA
NO UNIVERSO OITOCENTISTA DO RIO DE JANEIRO
∗ Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Possui graduação em Licenciatura
Plena em História pela Universidade do Vale do Sapucaí (2004). Tem experiência na área de História,
com ênfase em História
DELFINO, Leonara Lacerda. Campos negros: as múltiplas faces da resistência quilombola 306
no universo oitocentista do Rio de Janeiro. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 308-311, Dez. 2008 / Jun.
2009.
pobres livres, taberneiros e até mesmo autoridades e fazendeiros locais atuavam num
jogo de confronto e trégua armada desenhando um paradoxo mosaico social com
aspectos multifacetados em torno de solidariedades, conflitos, trocas mercantis e
simbólicas.
Para melhor entendimento deste conceito, o autor faz uma minuciosa análise
das conexões mercantis entre cativos, quilombolas e taberneiros daquela região. Os
cativos da ordem de São Bento instaurado na região tinham o antigo costume de possuir
roças e até mesmo gado, o que garantia uma via de fornecimento de gêneros aos
quilombolas. Estes, por sua vez, detinham o controle da extração do mangue que
forneciam a um preço razoavelmente atraente aos taberneiros, que em troca, além de
abastecê-los, os emprestavam seus estabelecimentos (alguns pessoalmente gerenciavam)
para festas e encontros noturnos, estabelecendo um local de forte influxo cultural,
negócios clandestinos, circulação de informações e articulação e organização de motins
e insurreições.
Ao longo de sua análise o leitor percebe que a não repressão direta dos
quilombos estava intimamente associado à conivência dos próprios fazendeiros locais
que, por um lado, temiam a represália de seus membros, com o súbito ataque, por
exemplo, às suas propriedades, e por outro, tinham, alguns deles, interesses em manter
aquelas redes econômicas entre taberneiros e quilombolas. “O que justificaria a
conivência e a tolerância de São Bento, com a presença de quilombos no interior de
suas próprias terras”? Indaga o autor. Seriam comparsas no comércio do mangue, ou
seriam os quilombolas os próprios fornecedores da lenha para o funcionamento de suas
fábricas de tijolos? Com hipóteses bem trabalhadas, o autor nos leva a raciocinar que
não era tão simples para a elite dominante da época, como na referência do próprio
ministro da justiça Gama Cerqueira, reprimir o que ele chamou de “hidra de Lerna do
Iguaçu” em alusão ao indestrutível monstro de várias cabeças da mitologia grega. Para
muito além dos interesses mercantis, o campo negro era movido por alianças, interesses
recíprocos, práticas e permutas simbólicas compartilhadas difíceis de serem rompidas
ou destruídas.
No segundo capítulo, Flávio Gomes aborda como os planos de uma
insurreição quilombola em Vassouras, que foram articulados tanto nas senzalas, quanto
nas cozinhas da casa-grande, amedrontou a elite branca de todo sudeste, alastrando
pelos quatro cantos do império uma grande “onda negra” de tensão e medo. Marcado
DELFINO, Leonara Lacerda. Campos negros: as múltiplas faces da resistência quilombola 308
no universo oitocentista do Rio de Janeiro. Estácio de Sá – Ciências Humanas. Rev. da
Faculdade Estácio de Sá. Goiânia SESES – GO. VOL. 01, Nº 01, 308-311, Dez. 2008 / Jun.
2009.
NOTA
1
GOMES Flávio dos Santos Histórias de quilombolas. Mocambos e comunidades de senzalas
no Rio de Janeiro, século XIX. São Paulo: cia. das letras, 2006.
Normas para publicaçção
Editor Responsável
Edmar Aparecido de Barra e Lopes
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indicadas por algarismos arábicos em ordem crescente. As menções a autores, no decorrer
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da data. Ex.: (Parsons, 1967ª), (Parsons, 1964b).
8 – A bibliografia (ou referências bibliográficas) ser apresentada no final do
trabalho, listada em ordem alfabética, obedecendo aos seguintes esquemas:
a) No caso de livro: SOBRENOME, nome. Título sublinhado. Local de publicação,
Editora, data. Ex.: GIDDENS, Anthony. Novas regras do método sociológico. Rio
de Janeiro, Zahar, 1978. Solicita-se observar rigorosamente a sequência e a
pontuação.