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Revoluçã
o
do Local
GLOBALIZAÇÃO
GLOCALIZAÇÃO
LOCALIZAÇÃO
Augusto de Franco
A REVOLUÇÃO DO
LOCAL
Globalização | Glocalização |
Localização
2
Por que a volta ao local, em uma época de
globalização, está se afirmando como uma
alternativa de indução ao desenvolvimento
que promete transformar milenares relações
políticas e sociais de dominação.
3
“Em um universo infinito,
local pode abranger algo tão gigantesco
que sua mente se encolhe diante dele”.
4
Apresentação
5
Não se pode saber de antemão para onde tal mudança vai
nos levar. Tudo dependerá dos movimentos sociais e das
opções políticas que fizermos. Nenhum desfecho, portanto,
está determinado. Todavia, existe agora uma possibilidade
que não existia antes.
6
Morin) é também uma revolução comunitária, que aponta
para um novo desenho do mundo, cujo sentido é o da
formação de uma nova sociedade cosmopolita global
(planetária) como uma rede de comunidades (sócio-
territoriais e virtuais – subnacionais e transnacionais)
interdependentes. Essa é a mudança social que queremos
interpretar como uma verdadeira revolução: a revolução do
local.
7
realimentação de reforço de sorte a modificar o
comportamento de outros agentes do sistema ao induzi-los
a realizar cópias dos “programas” gerados.
8
tramada “por dentro” e conectada “para fora” ela estiver,
mais chances teremos de que o processo venha a
acontecer.
Sei que tais idéias ainda soam estranhas para boa parte da
análise sociológica. E, na verdade, embora não pareça,
estou falando de política.
Primavera de 2003
Augusto de Franco
Índice
Introdução
Capitulo Um | Globalização
Entendendo a globalização
Globalização e neoliberalismo
Globalização e capitalismo
Globalização e fundamentalismos laicos (de mercado e de
Estado)
Globalização e mudança social
Globalização irreversível
Globalização inédita
Globalização, ordem e desordem
Globalização insuficiente
Globalização em disputa
Globalização e glocalização
9
Capítulo Dois | Glocalização
Entendendo a glocalização
Glocalização e nova realidade glocal: ‘planeta-e-
comunidade’
Glocalização em disputa
Glocalização e Estado-nação
Glocalização e localização
10
Texto 10 | Local e global: as cidades na globalização
segundo Manuel Castells & Jordi Borja
Texto 11 | Michael Shuman e o ideário do localismo
Texto 12 | Offe e a sinergia entre Estado, mercado e
comunidade
Diagramas
Diagrama 1 | Variantes na política da globalização:
diagrama de Held-McGrew (2002)
Diagrama 2 | Variantes na política da globalização:
diagrama de Held-McGrew (2002) modificado por Franco
(2003)
Diagrama 3 | Variantes na política da localização
Introdução
11
‘globalismo’, ‘globalidade’ e ‘globalização’) associadas à
uma emergente ‘sociedade cosmopolita global’. Não temos
percebido adequadamente, porém, as mudanças
silenciosas, muitas vezes subterrâneas, que estão
acontecendo na dimensão local e que estão provocando um
reflorescimento da perspectiva comunitária. Talvez porque
se trate de uma mudança fragmentada, dispersa, que ainda
não logrou constituir um ator, um interlocutor, uma
plataforma, uma justificativa teórica – o que, de resto,
jamais ocorrerá mesmo, porque a fragmentação e a
dispersão fazem parte da sua própria natureza.
12
significativa de todas será – quando florescer – aquela que
foi semeada nos anos 90.
13
isso, ao que parece, não apenas em sentido simbólico:
basta ver, por exemplo, a ereção – em curso neste
momento em que escrevo – do muro de Sharon). Pior,
representa uma proliferação dos muros, agora – salvo no
triste caso acima – desmaterializados e incorporados à nova
paisagem mundial de vez que o inimigo tornou-se invisível
e onipresente e é preciso, portanto, estar-se protegido
contra ele a todo tempo e em qualquer lugar. Os primeiros
dez anos do nosso milênio serão, ao que tudo indica, para
usar a expressão poética da velha linguagem alquímica,
anos de nigredo: aqui ocorrerá a putrefactio, a mortificatio,
a ‘obra em negro’. Para os alquimistas, todavia, isso não era
motivo para desânimo. Pelo contrário, como diz um
antiqüíssimo texto (“O Rosário dos Filósofos”, de 1593):
“quando vires tua matéria enegrecer, rejubila-te: porque
esse é o início da obra” (2). Oxalá haja um paralelo
qualquer com nossa situação atual.
14
No Brasil e no mundo, a década de 1990 foi marcada pelo
surgimento ou pelo aparecimento, em um cenário mais
visível, de grandes novidades. No que diz respeito à uma
nova concepção de desenvolvimento, tema final do
presente livro, tais novidades podem ser identificadas por
algumas visões ou concepções e por algumas idéias ou
conceitos que não compareciam antes, ou que só se
desenvolveram depois, no final da década de 80 (as quais –
em muitos casos – ainda continuam emergindo e se
desenvolvendo).
15
Em quarto lugar, a idéia da sociedade rede (é bom lembrar
que a obra principal de Castells – que melhor identificou tal
fenômeno – é um fruto dos anos 90), o desenvolvimento de
uma nova disciplina de análise das redes sociais (Social
Network Analysis), o surgimento das redes P2P e do
encurtamento do tamanho do mundo em virtude do
aumento da conectividade (‘small-world networks’) (5).
16
Pois bem. A maneira linear e unívoca de ver as mudanças,
que procura sempre emparelhar fator-causa com
modificação-efeito, não nos permite ver as constelações de
múltiplos fatores interdependentes que co-originam as
transformações, entendidas como mudanças de estado de
um sistema complexo. Na maneira linear de ver, por
exemplo, achamos que a globalização é um fenômeno que
só se verifica no plano internacional, no relacionamento
entre realidades de dimensão mundial. Assim,
freqüentemente deixamos de ver que o aspecto global pode
estar presente em dimensões locais, no plano subnacional e
que, simultaneamente, aspectos locais podem estar
presentes na dimensão global.
17
Com efeito, Manuel Castells assinalou como uma das
características dos movimentos sociais contemporâneos, o
fato de que, “cada vez mais, o poder funciona em redes
globais e as pessoas vivenciam e constroem seus valores,
suas trincheiras de resistência e suas alternativas em
sociedades locais. O grande problema que se coloca é
como, desde o local, se pode controlar o global, como, a
partir da minha vivência e da minha relação com o meu
mundo local, que é onde eu estou, onde eu vivo, posso me
opor à globalização, à destruição do meio ambiente, ao
massacre do Terceiro Mundo em termos econômicos. Como
se pode fazer isso? Pois bem, a Internet permite a
articulação dos projetos alternativos locais em protestos
globais, que acabam aterrizando em algum lugar, por
exemplo, em Seattle, Washington, Praga, etc., porém que
se constituem, se organizam e se desenvolvem a partir da
conexão pela Internet, que dizer, de uma conexão global,
de movimentos locais e de vivências locais. A Internet é a
conexão global-local, que é a nova forma de controle e de
mobilização social em nossa sociedade” (9).
18
holograficamente (embora Castells, ao que eu saiba, não
possa ser responsabilizado por esta formulação). Uma frase
surgida em recente discussão na AED resume bem o ponto:
“o local conectado é o mundo todo”.
Resumindo
Há uma mudança social em curso no mundo dos últimos
anos.
Sobre a globalização
1 – O fenômeno da globalização é separável da ideologia
mercadocêntrica que acompanhou as primeiras tentativas
de conceitualizá-lo.
19
3 – Não poderemos compreender adequadamente o que é a
globalização enquanto não nos desvencilharmos de visões
mercadocêntricas e estadocêntricas. Porque a globalização
é, fundamentalmente, um fenômeno da (uma mudança
global na) sociedade.
20
mundialização do local; ou seja, é uma ‘glocalização’ (mas
não exatamente no sentido do marketing, que foi atribuído
pelos economistas japoneses que inventaram o termo no
final da década de 1980 e nem apenas nos sentidos que lhe
atribuiu seu principal divulgador, Roland Robertson, a partir
de meados dos anos 90).
Sobre a glocalização
11 – A glocalização é uma planetarização e uma
comunitarização.
21
Sobre a localização
15 – O local é necessariamente o pequeno, mas não no
sentido territorial ou populacional e sim no sentido daquilo
que foi tornado pequeno por força de alta “tramatura”
social.
22
democracia participativa em redes sociais e de indução ao
desenvolvimento integrado e sustentável, sistemas sócio-
produtivos e de sócio-economia alternativa ou solidária,
ensaiados em escala local.
NOTAS E REFERÊNCIAS
(2) Moya, Miguel Angel Muñoz (ed.) (1986). “El Rosário de los
filósofos”. Barcelona: Muñoz Moya y Montraveta, 1986.
(4) http://www.santafe.edu/
(7) Idem.
23
Capítulo Um | Globalização
24
Entendendo a globalização
25
sua problemática) a partir de pontos de vista totalmente ou
predominantemente mercadocêntricos. Na seqüência veio a
crítica sociológica, da sociologia política baseada,
sobretudo, na sociologia econômica. Essa crítica, ao
desvelar a ideologia presente na visão inicial, se constituiu,
muitas vezes, como uma rejeição do conceito e, não raro,
como uma reação ao próprio fenômeno objetivo que o
conceito (a idéia de globalização) queria captar. Assim, a
crítica ao conceito transformou-se, em parte, em uma
estiolante disputa (ideologizada) entre ideologias,
contrapondo uma visão contra-liberal à visão neoliberal,
uma perspectiva estadocêntrica àquel’outra,
mercadocêntrica. Entrementes, o fenômeno mesmo, na sua
integralidade e naquilo que lhe poderia conferir caráter
distintivo de outros fenômenos sociais, passava (quase)
despercebido.
26
estão podendo expressar toda a sua capacidade destrutiva-
criativa sem as peias impostas pelas regulações
normativas, heterônomas e exógenas, provenientes do
antiquado Estado-nação.
27
A mudança em curso, por certo, é social, mas em um
sentido amplo, ou seja: no sentido “micro”, relativo ao
“corpo” e ao “metabolismo” das sociedades, isto é, aos
padrões de organização e aos modos de regulação de
conflitos; e no sentido “macro”, cultural-civilizacional.
28
desvencilharmos de visões mercadocêntricas e
estadocêntricas (de vez que a globalização é,
fundamentalmente, um fenômeno da – uma mudança
global na – sociedade).
29
NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) Beck, Ulrich (1998). O que é globalização? São Paulo: Paz e Terra,
1999.
(3) Idem.
(5) Idem.
30
Levitt não poderia ter, àquela época, a dimensão plena do
fenômeno que hoje chamamos de globalização. Ele estava
detectando um importante sinal: a convergência dos
mercados do mundo. “Em todas as partes – escreveu Levitt
– a mesma coisa é vendida e da mesma forma” (1).
31
conferiam um peso bastante destacado ao fator econômico,
talvez porque, juntamente com o processo de globalização
em si, ocorria também, como fenômeno acompanhante, a
emersão de uma ideologia (e de uma euforia)
mercadocêntrica.
32
NOTAS E REFERÊNCIAS
(2) Ohmae, Kenich (1990). The Borderless World. New York: Harper &
Row, 1990.
(4) Beck, Ulrich (1998). O que é globalização? São Paulo: Paz e Terra,
1999.
33
Globalização e capitalismo
A globalização não é um fenômeno exclusivamente
econômico.
34
Pois bem. Afirmei acima que para analisar corretamente o
processo de globalização é preciso admitir, como ponto de
partida, que uma nova sociedade está sendo criada. Ela
começou a ser gestada depois da Segunda Guerra, foi se
configurando internamente (ou tomando corpo, como
embrião, ainda no ventre da velha sociedade) a partir do
final dos anos 60, mas só obteve os recursos técnicos e as
condições políticas para vir à luz a partir do final dos anos
80.
35
Simultaneamente, as condições políticas que permitiram
que o atual processo de globalização ocorresse, só se
reuniram a partir da queda do Muro. Nesse aspecto tinha
razão Thomas Friedman quando disse, em 1999, que “o
mundo vagaroso, estável e fragmentado da Guerra Fria, que
dominara o cenário internacional desde 1945, foi
substituído por um novo e bem lubrificado sistema
interconectado, chamado globalização” (3). Para Friedman,
“a globalização é o sistema internacional que substituiu o
sistema da Guerra Fria”, no qual os Estados-nações
detinham em suas mãos a quase totalidade da capacidade
ordenadora (4).
36
Visões como essa, evidentemente, geraram e continuam
gerando fortíssimas reações por parte daqueles que não
têm motivos para aderir a tal crença (seja porque já
abraçaram utopias igualitárias, seja porque já estão
suficientemente impregnados por ideologias contrárias,
baseadas no papel suficiente do Estado como protagonista
único e exclusivo do processo de organização das
sociedades); e também por parte daqueles que, como
registrou o próprio Friedman, “foram violentados ou
deixados para trás pelo novo sistema” (6).
NOTAS E REFERÊNCIAS
37
(3) Friedman, Thomas L. (1999). O Lexus e a Oliveira. Rio de Janeiro:
Objetiva, 1999. Mais adiante veremos que a queda do Muro é um
evento cujas conotações simbólicas são muito mais profundas e
abrangentes do que parecem à primeira vista. A queda do Muro de
Berlim representa a queda de muitos outros muros, o fim de muitas
separações, ou seja, da ausência de múltiplos caminhos... É, em certo
sentido, uma dessacralização do mundo (sagrado = separado), ou
seja, uma des-hierarquização (de vez que a hierarquia constitui-se
sempre como uma ordem sacerdotal, quer dizer, sagrada),
caracterizada pela existência de caminhos únicos. A possibilidade da
conexão em rede – ou seja, da existência de múltiplos caminhos – foi,
aqui, o fator-chave.
(4) Idem.
(5) Idem-idem.
(6) Ibidem.
38
Globalização e fundamentalismos laicos
(de mercado e de Estado
Não poderemos compreender adequadamente o
que é a globalização enquanto não nos
desvencilharmos de visões mercadocêntricas e
estadocêntricas. Porque a globalização é,
fundamentalmente, um fenômeno da (uma
mudança global na) sociedade.
39
acumulação ou incubação de forças econômicas,
represadas politicamente durante 40 anos e sem meios
técnicos para se expressar, de repente, quando as
condições (políticas e técnicas) foram favoráveis, tivesse
irrompido à luz do dia. Nas explicações dessas pessoas os
comportamentos e as normas sociais são, por certo,
alterados por tal fenômeno, mas o fenômeno em si mesmo
não é explicado pela alteração da estrutura e da dinâmica
social, por mudanças no “corpo” e no “metabolismo” das
sociedades e nem por mudanças culturais-civilizacionais. É
como se as forças de mercado tivessem um
comportamento autônomo, uma dinâmica imanente,
inerente apenas à sua própria “esfera” e não fossem
construídas historicamente pela experiência concreta das
sociedades humanas.
40
Ora, para quem pensa dessa maneira não pode mesmo
haver ameaça maior do que a globalização. Porque a
globalização ameaça de fato o velho status do Estado-
nação. Todavia, os que se deixaram impregnar pela
ideologia estatista deveriam parar e perguntar: qual é
mesmo o problema para a sociedade humana? O fato de
estarmos entrando em contato com realidades que não
podem mais ser adequadamente enfrentadas pelas
tradicionais estruturas políticas nacionais e pelos sistemas
de governança atuais, não deveria significar que,
necessariamente, está indo tudo por água a baixo. Deveria
significar, isso sim, que temos pela frente a imensa tarefa
de reconstruir novas estruturas e novos sistemas que dêem
conta de enfrentar os novos desafios.
Globalidade irreversível
Beck lista oito motivos que tornam a globalidade
irreversível:
41
7) A destruição ambiental mundial.
42
5’) As ameaças à paz mundial representadas pela velha
noção de soberania (como vem revelando atualmente as
insanidades do grupo belicista que ascendeu ao poder nos
USA com George W. Bush e as novas ideologias perversas
urdidas e difundidas por esse grupo, como, por exemplo, a
doutrina da preempção ou da guerra preventiva).
43
país comandado pelo inimigo melhor para mim” ou, quando
na situação, desenhando políticas públicas como políticas
exclusivamente estatais que, igualmente, não levam em
conta o papel da cooperação).
44
perspectiva comunitária – um dos sinais mais promissores
dos tempos atuais – não poderia estar ocorrendo se o velho
Estado-nação permanecesse tal como era antes. Foi preciso
abalá-lo, desconstruir a ideologia que justificava a sua
autosuficiência, de certo modo vergar a sua espinha dorsal
– sua pretensão de onipotência e sua ambição de
onipresença na sociedade – para que houvesse um pouco
mais de ar para respirar... e as pessoas, então, respirando
por seu próprio esforço (fora dos “balões de oxigênio da
grande incubadeira-Estado”), pudessem se agrupar para
pensar e agir por si mesmas.
45
estatizante, que está podendo surgir no contexto atual do
processo de globalização, mesmo que os efeitos desse
processo tenham se mostrado, até o momento, em grande
parte, perversos.
NOTAS E REFERÊNCIAS
(2) Beck, Ulrich (1998). O que é globalização? São Paulo: Paz e Terra,
1999.
46
O novo ambiente político mundial e a inovação
tecnológica que têm possibilitado o surgimento do
fenômeno que interpretamos como globalização é
acompanhado por uma mudança social em sentido
amplo (ou seja, no sentido “micro”, relativo ao
“corpo” e ao “metabolismo” das sociedades, isto é,
aos padrões de organização e aos modos de
regulação de conflitos; e no sentido “macro”,
cultural-civilizacional), interagindo, todos esses
fatores, em um mesmo processo de “co-originação
dependente”.
47
financeiros e comerciais possam se internacionalizar e se
integrar e tentar dominar o mundo. Mas que permite,
também, a percepção compartilhada de problemas e
perspectivas globais e o surgimento de novos atores
globais, como a nova sociedade civil mundial que está
emergindo na atualidade.
48
Em outras palavras, são as relações sociais que
determinam, em grandes linhas, os contornos e as
características do campo dentro do qual surge a inovação
tecnológica. Isso vale tanto para a tecnologia hidráulica dos
egípcios, há 4 mil anos, quanto para a tecnologia atual das
redes de computadores. Com efeito, como lembra
Thompson (no excelente artigo “História cultural e sistemas
dinâmicos complexos”, 2001), cada uma das bifurcações ou
transformações culturais... [pelas quais passou a
humanidade], desde as ferramentas da Idade da Pedra até
os computadores, não constitui simplesmente uma
mudança tecnológica. A própria inovação tecnológica é algo
profundamente embutido em diversos sistemas de valores
e símbolos, de modo que uma nova ferramenta pode surgir
em sincronia com uma nova forma de sistema de governo e
também como uma nova forma de espiritualidade. Em
contraste com a história mais linear da tecnologia, a
história cultural preocupa-se com o complexo sistema
dinâmico no qual a flutuação biológica natural, as restrições
ecológicas e os sistemas de comunicação e organização
social interagem em um processo de “co-originação
dependente” (1).
49
novas condições políticas mundiais e da inovação
tecnológica que têm possibilitado o surgimento do
fenômeno que interpretamos como globalização? Esse é o
ponto.
50
Assim, há quem anteveja que o processo de emersão dessa
nova cultura tenha outro sentido. Thompson, por exemplo,
acredita que “estamos testemunhando o surgimento de
complexos sistemas noéticos de governança nos quais os
seres humanos estão se agrupando em redes eletrônicas
globais de consciência. Máquinas que antes eram externas
a nós estão se tornando arquiteturas íntimas do nosso
envolvimento com outras mentes, outras culturas, outros
corpos celestiais” (3).
NOTAS E REFERÊNCIAS
51
Texto 1 | Castells e a ‘Galáxia da Internet’
“A Internet é um instrumento que desenvolve mas não
muda os comportamentos. São os comportamentos que se
apropriam da Internet e, portanto, se amplificam e se
potencializam a partir do que são. Isso não significa que a
Internet não seja importante, mas significa que não é a
Internet que muda o comportamento e sim que é o
comportamento o que muda a Internet”.
52
comportamentos que se apropriam da Internet e, portanto,
se amplificam e se potencializam a partir do que são. Isso
não significa que a Internet não seja importante, mas
significa que não é a Internet que muda o comportamento e
sim que é o comportamento o que muda a Internet”.
53
se pode fazer isso? Pois bem, a Internet permite a
articulação dos projetos alternativos locais em protestos
globais, que acabam aterrissando em algum lugar, por
exemplo, em Seattle, Washington, Praga, etc., porém que
se constituem, se organizam e se desenvolvem a partir da
conexão pela Internet, que dizer, de uma conexão global,
de movimentos locais e de vivências locais. A Internet é a
conexão global-local, que é a nova forma de controle e de
mobilização social em nossa sociedade”.
NOTAS E REFERÊNCIAS
(2) O livro foi publicado no Brasil com o mesmo nome. Cf. Castells,
Manuel (2001). A Galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os
negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
Globalização irreversível
A globalização é um fenômeno irreversível. Ao que
ela vai levar, contudo, depende da evolução do
sistema diante da bifurcação que se defronta na
atualidade.
54
Entendido como um processo de desconstituição do antigo
sistema mundial baseado no Estado-nação, parece óbvio
que a globalização é um processo irreversível. Temos hoje
outros atores internacionais, além do Estado-nação. Do
ponto de vista econômico, como assinala Friedman, “os
países... ainda são de enorme importância, hoje em dia;
mas também o são os supermercados e os indivíduos com
superpoderes. É impossível compreender o sistema da
globalização ou a primeira página dos jornais, sem a visão
da interação complexa entre esses três agentes: os Estados
em choque com os Estados, os Estados em choque com o
supermercados, e os supermercados e Estados em choque
com os indivíduos com superpoderes” (1).
55
certo a que lugar ele levará. O mundo se encontra diante
de uma bifurcação e tanto pode avançar, como supõe
Thompson, “na transição da era de uma economia industrial
global de Estados-nações territoriais para uma ecologia
cultural planetária de sistemas de governança noéticos”,
quanto pode retroceder para formas autoritárias, com um
recrudescimento do estatismo que tenderá a reinstaurar a
velha ordem do “estado de guerra” em âmbito planetário,
baseada em novos complexos-pólos pós-industriais
militares de alta tecnologia (2).
Bifurcação
Mas o conceito de ‘bi-furcação’ não deve ser entendido
literalmente como a existência de apenas duas alternativas,
do tipo ‘civilização ou barbárie’ ou ‘ordem ou caos’.
Bifurcação é o ponto crítico em que o sistema pode “optar”
entre mais de um futuro possível. Atingido esse ponto
crítico, a descrição determinista entra em colapso,
tornando-se impossível prever o estado futuro do sistema.
Tudo indica que o mundo atingiu ou está atingindo esse
ponto crítico na passagem do século 20 para o século 21.
56
Essa reação é o fato mais preocupante nos dias de hoje,
porquanto não se trata propriamente apenas de uma
reação à globalização (ou às suas más conseqüências, o
que seria justificável) e sim, também, de uma reação às
melhores promessas da globalidade. Os fundamentalismos
religiosos (mas também os laicos, como o neoliberalismo e
o estatismo) e as reações terroristas nacionalistas ao que
Thompson chama de ‘planetização’ (e que outros, como
Edgar Morin, por exemplo, chamam de ‘planetarização’),
constituem ameaças gravíssimas. “Como a Inquisição e a
Contra-Reforma – escreve ele – essas explosões
reacionárias podem prejudicar muito e atrasar a
transformação cultural por séculos a fio. Se a humanidade
pode ou não ascender para uma identidade transcultural,
na qual a ciência e um novo tipo de espiritualidade pós-
religiosa possam reintroduzir a consciência plenamente
individuada da pessoa em um cosmos multidimensional, é a
questão dos nossos tempos” (3).
NOTAS E REFERÊNCIAS
(3) Idem.
57
Globalização inédita
A globalização é inédita: está criando algo que
nunca existiu antes.
58
todos os lugares do planeta simultaneamente, quer dizer,
em tempo real. Primeiro porque as condições políticas do
mundo anterior não o permitiriam. Segundo porque a
tecnologia disponível não o permitiria.
59
Globalização, ordem e desordem
A globalização não é uma ordem, mas um processo
de desconstituição da velha ordem.
60
A globalização não é ainda a transição para uma nova
ordem mundial (embora possa levar à essa transição), mas
uma desconstituição do mundo assentado na velha ordem
do Estado-nação. Como diz Beck, é “uma sociedade
mundial sem Estado mundial e sem governo mundial” (1). E
como assinala Giddens, “não se trata de uma ordem global
conduzida por uma vontade humana coletiva” (2).
61
Ora, se a ordem não pode ser gerada espontaneamente, ela
tem que ser imposta por alguém. O mal maior, então, não é
a ordem injusta e sim a não-ordem. O caos é o demônio, a
deusa-dragão Tiamat (a deusa do caos) que deve ser
cortada por Marduk (o deus da ordem) com a espada que
separa, que reintroduz continuamente todo tipo de
compartimentação. Com efeito, grande parte das críticas
estatistas, de direita ou de esquerda, à globalização, são
pautadas pelo tema do confronto com a desordem
internacional gerada por tal processo. São reações à
desordem, como se a ordem anterior e compartimentada do
velho “sistema de muros” do Estado-nação fosse alguma
maravilha ou algo que merecesse ser preservado. Mesmo
os relatórios elaborados por segmentos da sociedade civil
mundial (como os do Social Watch) adotam essa
perspectiva, o que nos dá uma medida de quão
profundamente estão fundeadas no subsolo dos
preconceitos as visões ideológicas de boa parte dos que se
opõem a globalização por medo de uma globalidade não-
controlável, ou seja, por horror ao caos.
62
A opinião pública mundial não tem mais aceitado que, em
nome da soberania, um Estado particular prenda, torture ou
elimine suas minorias políticas, discrimine seus habitantes
por razões religiosas, raciais ou de gênero, ou provoque
catástrofes ambientais. Isso significa que uma nova cultura
planetária está surgindo, impulsionada pelos novos
movimentos sociais globais emergentes, em defesa da
democracia e dos direitos humanos, das minorias sociais e
do meio ambiente. A emersão desses novos movimentos
sociais – democráticos, pacifistas, ecumênicos, feministas,
ecológicos e comunitaristas – ampliou a participação
popular, levando-a de uma perspectiva predominantemente
econômica e corporativa, setorial e compartimentada sócio-
territorialmente, para uma perspectiva mais universal e
global.
63
não tem acompanhado as inovações (sociais, políticas,
culturais e tecnológicas) introduzidas com o atual processo
de globalização. Com efeito, tais inovações têm surgido,
simultaneamente, na dimensão global (como resultado de
mudanças sociais macro-culturais) e na dimensão local
(como resultado de mudanças sociais na estrutura e na
dinâmica de comunidades). O corpo e o metabolismo do
Estado-nação ainda permanece, todavia, como uma
instância intermediária resistente a tais mudanças. Basta
ver como estão organizados os sistemas políticos e
eleitoral, as burocracias, os mecanismos verticais (em geral
clientelistas) de oferta das chamadas políticas públicas e os
padrões de relação entre Estado e sociedade ainda vigentes
na maior parte, senão na totalidade, dos Estados-nações do
globo.
64
Estamos fazendo aqui, evidentemente, um exercício de
antevisão daquilo que, na falta de uma palavra melhor,
Thompson chamou de “ecumene planetária” como sistema
de governança resultante da transformação cultural, que
está acontecendo atualmente no mundo, na transição de
uma economia globalizada, ainda baseada em Estados-
nações industriais, para uma nova ecologia cultural global,
caracterizada por uma era pós-industrial, por uma matriz de
identidade noética (científica e espiritual pós-religiosa, não
mais baseada em língua e religião e em classe e nação),
por uma mentalidade dinâmica complexa (pós-galileana) e
por uma modalidade de governança participativa (pós-
representativa) (4). Exercícios análogos têm sido feitos por
vários arautos da sociedade da informação e do
conhecimento ou da “nova era”, conquanto tais exercícios,
em boa parte, ainda estejam, no primeiro caso, muito
presos a visões unilaterais das conseqüências introduzidas
pelas transformações econômicas e pelas inovações
tecnológicas em curso no mundo hodierno e, no segundo
caso, a visões míticas, sacerdotais, hierárquicas e
autocráticas (como se a nova era devesse ser um novo
reino de velhos magos) e não consigam, ambas, captar
muito bem as mudanças sociais, em sentido amplo,
implicadas em tudo isso.
E é melhor assim.
NOTAS E REFERÊNCIAS
65
(1) Beck, Ulrich (1998). O que é globalização? São Paulo: Paz e Terra,
1999.
66
Globalização insuficiente
“A saída democrática para a crise atual exige mais
globalização e não menos globalização”.
67
asiáticos, incluindo a China, têm, hoje, um Produto Interno
Bruto (PIB) – em comparação com países ocidentais – muito
superior ao registrado há 30 anos. O resultado se deve ao
fato de que, durante esse período, tais países obtiveram
uma média de crescimento consideravelmente alta. Esse
sucesso foi atingido por meio de entrosamentos com a
economia mundial, não pela rejeição dela. Países que
consideraram isolar-se das influências da globalização,
como Coréia do Norte, Mianmá ou Irã (e, claro,
Afeganistão), estão entre as mais pobres e autoritárias
nações do mundo” (2).
NOTAS E REFERÊNCIAS
(2) Idem.
68
Globalização em disputa
A globalização está em disputa e essa disputa não é
somente entre os neoliberais (favoráveis) e os
estatistas (contrários), mas envolve uma
diversidade de posições variantes e conforma novos
campos políticos de convergência que superam tal
contradição.
69
razoavelmente consistente e sofisticada de análise e
sistematização da configuração das forças que interagem
hoje em torno do tema (e do fenômeno) da globalização, foi
elaborada no ano passado por David Held e Anthony
McGrew (2002), no livro “Globalization/Anti-Globalization”,
em especial no Capítulo 8, intitulado “A nova política da
globalização: mapeando ideais e teorias”.
Os neoliberais
70
Princípio(s) ético(s) Liberdade individual
norteador(es)
Os internacionalistas liberais
Princípio(s) ético(s) Direitos humanos e responsabilidades
norteador(es) compartilhadas
71
Reformas essenciais Livre comércio internacional e criação de
mecanismos transparentes e abertos de
governança internacional
Os reformadores institucionais
Princípio(s) ético(s) Ethos colaborativo baseado nos
norteador(es) princípios da transparência, das
consultas e da responsabilização
72
públicos globais
Os transformadores globais
Princípio(s) ético(s) Igualdade política, liberdade igual,
norteador(es) justiça social e responsabilidades
compartilhadas
73
autonomia igual para todos
Os estatistas/protecionistas
Princípio(s) ético(s) Interesse nacional, identidade
norteador(es) sociocultural compartilhada e ethos
político comum
74
reacionária que ainda remanesce na atualidade. São os
únicos que podem ser considerados propriamente
contrários à globalização (não apenas às interpretações
neoliberais do fenômeno, mas inclusive ao sentido mesmo
do fenômeno objetivo). Por isso, não seria muito adequado,
ao meu ver, imaginar – como fazem Held e McGrew – que
eles possam desejar uma forma qualquer de globalização.
Os estatistas são estadocentristas e, não raro, também são
estadocultistas. Grande parte das instituições executivas,
parlamentares e judiciárias (sobretudo estas últimas) da
imensa maioria das nações-Estados no globo estão
dominadas pela cultura estatista e estão ocupadas por
pessoas impregnadas por tal ideologia. Não há nenhuma
alternativa possível – nem mesmo para disputar os rumos
do processo de globalização, invertendo radicalmente o seu
sentido para torná-lo mais justo e mais includente – que
possa se constituir em aliança com os estatistas (5).
Os radicais
Princípio(s) ético(s) Igualdade, bem comum, harmonia com o
norteador(es) meio ambiente natural
75
globais, em uma intensidade às vezes até maior do que
entre estes últimos e, por exemplo, os internacionalistas
liberais. Em todo caso, colocá-los em globo no limite do
espectro (onde deveriam estar, justamente, os estatistas)
não parece correto em termos de análise de posições
políticas (6).
76
pelo atributo de “cosmopolita”. Tudo bem com o
cosmopolita. O problema está no componente social-
democrata que é, na verdade, um componente estatal-
democrata. Em outras palavras, a social-democracia é um
estatismo social-democrata. Como diz Claus Offe, é uma
“filosofia pura da ordem social” (7) que confere ao Estado o
protagonismo único, exclusivo ou preponderante, excluindo
ou subordinando as outras esferas da realidade social: o
mercado e a sociedade-civil (ou a comunidade), ao invés de
buscar a “mistura cívica correta” desses três grandes tipos
de agenciamento.
Os glocalistas
Para usar as mesmas categorias comparativas da tabela de
Held-McGrew, as posições dos glocalistas seriam as
seguintes:
Princípio(s) ético(s) Liberdade como sentido da política (em
norteador(es) uma democracia radicalizada ou
democratizada), igualdade como
77
possibilidade (mas não-obrigatoriedade)
de inserção e participação igualmente
valorizada de todos na comunidade
política e sustentabilidade. Aposta na
capacidade da sociedade humana de
gerar ordem espontaneamente a partir
da cooperação
78
glocalistas – comunitaristas inovadores – são os novos
localistas, mas existem também os velhos localistas, os
comunitaristas conservadores – todos mais ou menos
enfiados por Held e McGrew na categoria de ‘radicais’) vale
a pena dar uma olhada no Texto 11, que resume um ponto
de vista (de Michael Shuman) sobre o ideário do localismo
na atualidade.
NOTAS E REFERÊNCIAS
79
(1) NEOLIBERAIS
80
precursor do progresso humano. A globalização econômica
está provocando a desnacionalização de economias por
meio do estabelecimento de redes transnacionais de
produção, comércio e finanças. Nessa economia "sem
fronteiras", governos nacionais estão se tornando meras
correias de transmissão para forças globais de mercado ou
pouco mais do que isso. Strange interpreta essa postura da
seguinte maneira: "Onde Estados costumavam ser os
senhores dos mercados, agora é o mercado que, em relação
a muitas questões cruciais, é o senhor dos governos de
Estados… a perda de autoridade dos Estados se reflete na
crescente dispersão de autoridade para outras instituições
e associações…" (1996: 4).
81
para que ela se enquadre na lógica permanente da
liberdade humana”.
82
No século 20, as visões dos internacionalistas liberais
desempenharam um papel importante nos difíceis períodos
enfrentados após a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. A
criação da Liga das Nações, com a esperança que trouxe de
um "mundo seguro para a democracia", estava permeada
por essa ideologia, assim como a fundação do sistema das
Nações Unidas. No contexto da Nova Ordem Mundial pós-
Guerra Fria, as idéias dos internacionalistas liberais foram
revitalizadas, embora tenham sido adaptadas no sentido de
se enquadrar a novas circunstâncias (Long, 1995). A
declaração mais recente e sistemática dessa postura pode
ser encontrada no relatório da Comissão para a Governança
Global, intitulado Our Global Neighbourhood (1995). O
relatório reconhece o profundo impacto político da
globalização: "O encurtamento de distâncias, a
multiplicação de vínculos, a crescente interdependência:
todos esses fatores e sua interação estão transformado o
mundo em uma vizinhança (ou uma espécie de bairro)”
(pag. 43). Sua principal preocupação é abordar o problema
da governança democrática nesse novo "bairro global".
Como o relatório afirma, “é extremamente importante que
a governança esteja escorada na democracia em todos os
níveis e, em última análise, na norma do direito exeqüível…
Tanto em nível nacional como na vizinhança global, o
princípio da democracia deve prevalecer. A necessidade de
uma maior democracia é determinada pelo vínculo entre a
legitimidade e a eficácia… à medida que as instituições
internacionais passam a desempenhar um papel cada vez
mais importante na governança global, cresce também a
necessidade de se garantir que elas sejam efetivamente
democráticas” (pags. 48, 66).
83
Para termos uma ordem mundial mais segura, justa e
democrática, o relatório propõe a adoção de uma estratégia
multifacetada de reforma institucional internacional e a
promoção de um novo ethos colaborativo "baseado no
princípio da consulta, da transparência e da prestação de
contas… Essa é a única alternativa para se trabalhar
coletivamente e se usar o poder coletivo para se criar um
mundo melhor" (Comissão para a Governança Global 1995:
2, 5). Em alguns sentidos essenciais, o atual sistema de
governança global não tem como garantir a concretização
desse anseio sem uma reforma substancial, uma reforma
baseada em uma estratégia política que promova uma
transformação institucional em nível internacional e uma
nova ética cívica global. Para que isso seja possível,
precisamos contar com um sistema das Nações Unidas
reformado e apoiado por mecanismos regionais de
governança internacional, como a União Européia,
devidamente fortalecidos. Mediante o estabelecimento de
uma assembléia dos povos e de um Fórum da Sociedade
Civil (Global), ambos associados à Assembléia Geral da
ONU, os povos do mundo devem estar direta e
indiretamente representados nas instituições de
governança global. Além disso, a Comissão propõe que
indivíduos e grupos tenham um direito de petição junto à
ONU por meio de um Conselho de Petições, que
recomendará ações ao órgão pertinente. Juntamente com
um entrincheiramento mais profundo de um conjunto
comum de direitos e responsabilidades globais, o objetivo
seria o de fortalecer noções de cidadania global. Propõe-se
o estabelecimento de um Conselho de Segurança
Econômica para coordenar a governança econômica global,
tornando-a mais aberta e sujeita a prestação de contas
perante a sociedade. É importante promover e fortalecer
formas democráticas de governança dentro dos Estados por
meio de mecanismos internacionais de apoio e adaptar os
princípios da soberania e da não-intervenção "de maneira
que reconheçam a necessidade de se promover um
equilíbrio entre os direitos dos Estados e os direitos das
pessoas e entre os interesses das nações e os interesses do
bairro global" (Comissão para a Governança Global 1995:
84
337). Como elemento de ligação entre todas essas
reformas, assumiríamos o compromisso de promover uma
nova ética cívica global baseada em "valores fundamentais
que toda a humanidade possa sustentar: os valores do
respeito à vida, da liberdade, da justiça e da igualdade, do
respeito mútuo, da afeição e da integridade. O elemento
central dessa ética cívica global é o princípio da
participação na governança em todos os níveis, do local ao
global”.
85
global não permitem um provimento efetivo de bens
públicos globais por estarem enfraquecidas devido a três
lacunas cruciais. Em primeiro lugar, observa-se um
problema de jurisdição - a discrepância entre um mundo
globalizado e unidades formuladoras de políticas nacionais
e separadas, dando margem ao problema de quem seria
responsável por muitas questões globais prementes,
particularmente externalidades. Em segundo lugar,
observa-se um sério problema de participação - a
incapacidade do atual sistema internacional de ouvir
adequadamente o que muitos atores globais importantes,
tanto estatais quanto não-estatais, têm a dizer. Atores da
sociedade civil são freqüentemente excluídos das
estruturas decisórias de importantes Estados e instituições
internacionais, que mais se parecem "silos" superlotados do
que um sistema transparente, aberto e acessível por todos
os lados. Em terceiro lugar, observa-se um problema de
incentivo – os desafios gerados pelo fato de que, na
ausência de uma entidade supranacional para regular a
oferta e o uso de bens públicos globais, muitos Estados
tentarão simplesmente "pegar carona" ou não conseguirão
identificar soluções coletivas duráveis para problemas
transnacionais prementes.
86
envolvidos (trazendo de volta para as comunidades
nacionais os custos e os benefícios externos de uma
política). Se essas iniciativas puderem ser vinculadas ao
estabelecimento de mapas bem definidos dos desafios
jurisdicionais gerados por problemas públicos
transnacionais, poderíamos ter uma base para
responsabilizar Estados pelos problemas externos que
geram e também para identificar pouco a pouco onde seria
necessário desenvolver novas instituições, ou seja, onde o
sistema atual dos Estados precisaria ser desenvolvido e
suplementado.
87
(4) TRANSFORMADORES GLOBAIS
88
por seus efeitos sobre eles. Cada cidadão de um Estado
precisará aprender a se tornar um "cidadão cosmopolita"
também, ou seja, uma pessoa capaz de atuar como
mediador entre tradições nacionais e formas alternativas de
vida. Argumenta-se que, em um sistema democrático de
governo do futuro, a cidadania tenderá a envolver uma
crescente função mediadora: uma função que envolve
diálogo com as tradições e discursos de outros no sentido
de que os cidadãos possam ampliar os horizontes de sua
estrutura de sentido e preconceito e o âmbito de seu
entendimento mútuo. Os agentes políticos que conseguirem
"raciocinar a partir do ponto de vista de outros" terão mais
condições de resolver, em bases justas, as novas e
complicadas questões transfronteiriças que criam
comunidades com destinos sobrepostos. Os
transformadores globais argumentam também que para
que muitas formas contemporâneas de poder possam ser
responsabilizadas por seus atos e para que muitas das
complexas questões que afetam a todos nós - em nível
local, nacional, regional e global - possam ser
democraticamente reguladas, as pessoas precisarão ter
acesso a diferentes comunidades políticas e ser membros
delas.
89
direitos e deveres democráticos. Ele propõe uma série de
medidas de curto e longo prazos na convicção de que, por
meio de um processo de mudanças progressivas e
incrementais, as forças geopolíticas acabarão sendo
socializadas na forma de agências e práticas democráticas
(Held, 1995: parte III; 2002).
90
Juntamente com novas maneiras de se promover a
democracia e a justiça social além das fronteiras nacionais,
os transformadores globais argumentam que devem ser
adotados novos mecanismos para administrar e
implementar acordos internacionais e o direito internacional
e promover a capacidade de se manter e fazer a paz. O
ideal é que essa capacidade seja desenvolvida mediante a
criação de uma força militar permanente e independente
composta por indivíduos recrutados entre voluntários de
todos os países. Por último, nenhum desses mecanismos
pode ser eficaz sem novas fontes de recursos para o
financiamento dessas atividades e a criação, em princípio,
de uma base para uma autoridade política autônoma e
imparcial em nível global. Novos fluxos de recursos serão
indispensáveis, seja na forma de um imposto nos moldes
propostos por James Tobin, de um imposto sobre o uso de
recursos ou de mecanismos paralelos. A defesa de novas
instituições cosmopolitas se limitaria a uma
magnanimidade estéril na ausência de um compromisso de
melhorar as desesperadoras condições dos mais pobres
mediante o cancelamento da dívida dos países mais pobres,
a inversão do fluxo de capitais líquidos do Sul para o Norte
e a geração de novos meios para se investir na infra-
estrutura da autonomia humana - saúde, educação,
previdência social e assim por diante”.
(5) ESTATISTAS/PROTECIONISTAS
91
necessariamente, protecionistas no sentido de serem hostis
em relação a uma economia mundial aberta e ao livre
comércio. Freqüentemente, esses argumentos dizem mais
respeito a meios essenciais, ou seja, estruturas estatais
fortes, para garantir uma participação bem-sucedida em
mercados abertos e mecanismos de boa governança do que
ao afastamento ou desvinculação do resto do mundo
(Cattaui, 2001). Em segundo lugar, esses argumentos estão
freqüentemente associados a um ceticismo acentuado em
relação à tese da globalização... Esse ceticismo conclui que
o alcance da "globalização" contemporânea está totalmente
exagerado (Hirst, 1997; Hirst e Thompson, 1999). Além
disso, ele sustenta que a retórica da globalização é
altamente equivocada e politicamente ingênua, uma vez
que subestima o poder duradouro de governos nacionais de
regular a atividade econômica internacional. Em vez de
estarem fora de controle, as próprias forças da
internacionalização dependem do poder regulador de
governos nacionais para garantir a continuidade da
liberalização econômica.
92
Estados desenvolvimentistas do Leste Asiático oferece um
exemplo importante, uma vez que esse sucesso resultou de
medidas inspiradas pelo governo e não do livre mercado
(Cattaui, 2001: veja Leftwich, 2000.). A promoção da
indústria nacional, a limitação da concorrência estrangeira
e a adoção de políticas comerciais agressivas constituem
novas formas de estatismo que têm alguns aspectos em
comum com o mercantilismo à moda antiga. De Washington
a Pequim, o protecionismo, sob o pretexto de interpretações
comerciais e geoeconômicas estratégicas da política
mundial, teve sua influência renovada nos principais
centros do poder global.
93
não se adaptam a uma determinada identidade
(Huntington, 1996).
(6) RADICAIS
94
são os movimentos sociais existentes (críticos), como os
movimentos ambientais, movimentos de mulheres e
movimentos antiglobalização que desafiam a autoridade de
Estados e de organismos internacionais e definições
ortodoxas do "político". Promovendo uma política de
resistência e empoderamento, esses movimentos
desempenhariam uma função crucial na criação de uma
nova ordem mundial semelhante à função dos (velhos)
movimentos sociais, como o dos trabalhadores organizados,
na luta pela democracia nacional. Esses novos movimentos
sociais atuam no sentido de mobilizar comunidades
transnacionais de resistência e solidariedade contra crises
ecológicas, econômicas e de segurança em nível global.
Esse projeto fundamenta-se nos objetivos da igualdade
social e econômica, do estabelecimento das condições
necessárias para o autodesenvolvimento e da criação de
estruturas políticas autogovernadas. Estimular e
desenvolver, nos cidadãos, o senso de pertencer
simultaneamente a comunidades (locais e globais) que se
sobrepõem constitui um objetivo básico da política dos
novos movimentos sociais e um elemento central da busca
por novos modelos e formas de organização social, política
e econômica sintonizados com o princípio do autogoverno.
O modelo radical baseia-se em uma visão "de baixo para
cima" de uma ordem mundial civilizadora (Klein, 2000). Ele
representa uma teoria normativa de "governança humana"
baseada na existência de uma multiplicidade de
comunidades e movimentos sociais, em contraste com o
individualismo e os apelos por um auto-interesse racional
do neoliberalismo e de outros projetos políticos afins.
Os que adotam essa postura radical relutam em
recomendar projetos constitucionais ou institucionais
substantivos para um mundo mais democrático, uma vez
que isso representaria a abordagem estatista centralizada,
moderna, "de cima para baixo" de vida política que eles
rejeitam. Por essa razão, eles enfatizam a identificação de
princípios normativos sobre os quais a política possa ser
construída independentemente das formas institucionais
particulares que ela possa assumir. Por meio de um
programa de resistência e da "politização" da vida social, os
movimentos sociais estariam definindo uma "nova política
95
progressista" que envolve "a exploração de novas formas
de ação, novas formas de se saber e estar no mundo e
novas formas de se agir coletivamente com base em
solidariedades emergentes" (Walker, 1994: 147-8). Como
Walker sugere, "uma lição... é a de que as pessoas não são
tão impotentes quanto são levadas a crer que são. As
imponentes estruturas que parecem tão distantes e
impassíveis podem ser claramente identificáveis e
resistíveis diariamente. Não agir é agir. Todos podem mudar
seus hábitos e expectativas ou se recusar a aceitar que os
problemas estejam lá fora e não nos digam respeito" (1994:
159-60). Esse modelo radical de mudança baseia-se em
teorias normativas de democracia direta e democracia
participativa (Held, 1996).
96
em campanhas que envolvem temas individuais, há sinais
de que alguns elementos de movimentos contemporâneos
de protesto estão indo além dessa agenda e desenvolvendo
programas de reforma institucional não diferentes dos
propostos por reformadores institucionais e
transformadores globais. Na reunião do Fórum Social
Mundial, realizada em Porto Alegre no início de 2002, por
exemplo, diversas recomendações para a reestruturação de
determinados aspectos da globalização foram incluídas na
agenda, entre as quais a de se melhorar a governança
corporativa, de se impor limites à liberdade dos fluxos de
capital e de se adotar medidas para proteger normas
trabalhistas básicas e o meio ambiente. O alvo do ataque
dessas propostas seria a "globalização sem limites" e "o
poder irrestrito das empresas" e não a globalização per se.
Uma nova ênfase na necessidade de se trabalhar com o
sistema das Nações Unidas e de reformá-lo cria
possibilidades positivas de compatibilidade com algumas
das outras posturas definidas acima. No entanto, essa
compatibilidade nunca será completa, uma vez que alguns
grupos radicais - por exemplo, diversos grupos anarquistas,
como os que atacaram a Starbucks na reunião da OMC de
1999 em Seattle - não desejam promover essa
convergência ou uma nova harmonização de pontos de
vista. Nesse sentido, as posturas desses grupos não são
diferentes das adotadas por neoliberais mais extremados,
que depositam a sua fé, em primeiro lugar e acima de tudo,
em mercados desregulados”.
97
Cattaui, M. L. (2001) Making, and respecting, the rules. 25 Oct. At
www.openDemocracy.net
Held, D. (1995) Democracy and the Global Order: From the Modern
State to Cosmopolitan Governance. Cambridge: Polity.
Kaul, I., Grunberg, I. and Stern, M. (eds) (1999) Global Public Goods:
International Cooperation in the Twenty-First Century. Oxford: Oxford
University Press.
98
Leftwich, A. (2000) States of Development. Cambridge: Polity.
Ohmae, K. (1995) The End of the Nation State. New York: Free Press.
99
Diagrama 1 | Variantes na política da globalização – Diagrama de Held-McGrew (2002)
A favor da Antiglobalizaçã
Globalização o
Marxistas
Social-democratas cosmopolitas
Aspectos comuns (overlapping) na
posição política
Variantes políticas
Padrões de influência
Zona de pontos
comuns
100
101
Diagrama 2 | Variantes na política da globalização - Diagrama de Held-McGrew (2002)
modificado por Franco (2003)
A favor da Antiglobalização
Globalização
Marxistas
Social-democratas
cosmopolitas
Variantes políticas
Democratas
Padrões de influência radicais (pós-
Zona de pontos liberais e pós-
Globalização e glocalização
Não se pode captar plenamente o sentido do processo
se não se compreender que a globalização é,
simultaneamente, uma localização do mundo e uma
mundialização do local; ou seja, é uma ‘glocalização’
(mas não exatamente no sentido do marketing, que
foi atribuído pelos economistas japoneses que
inventaram o termo no final da década de 1980 e nem
apenas nos sentidos que lhe atribuiu seu principal
divulgador, Roland Robertson, a partir de meados dos
anos 90).
Quase dez anos atrás, já havia escrito (em “Ação Local: a nova
política da contemporaneidade”) que “a ‘volta ao local’ é um
fenômeno acompanhante do processo de globalização
atualmente em curso. Global e Local não constituem polos de
uma contradição irreconciliável, mas partes complementares
de uma mesma tendência que brota da crise do padrão
civilizatório atual...” (1). Sem o saber, estava falando de
glocalização. Naquela época o termo ‘glocalização’ ainda não
era conhecido, muito embora já tivesse aparecido na Harvard
Business Review no final dos anos 80.
104
Ao que sabe foram economistas japoneses que introduziram,
o termo ‘glocalização’ (na mesma revista onde Levitt – como
vimos anteriormente – já havia introduzido o termo
‘globalização’ em 1983). Tal como o anterior (‘globalização’),
esse novo termo (‘glocalização’) foi cunhado com um sentido
predominantemente mercadocêntrico. A preocupação
principal dos japoneses era o marketing.
105
presença – de tendências universalizantes e particularizantes"
(4).
106
processo se não se compreender que a globalização é,
simultaneamente, uma localização do mundo e uma
mundialização do local; ou seja, é uma ‘glocalização’. É o que
veremos no próximo capítulo, sobre a glocalização.
NOTAS E REFERÊNCIAS
(3) Cf.
http://searchcio.techtarget.com/sDefinition/0,,sid19_gci826478,00.html
107
denota uma relação mais dinâmica e de duas vias entre esses dois
domínios, principalmente à medida que eles estabelecem contato na
Internet e em outros meios de comunicação. Wayne Gabardi (em
“Negotiating Postmodernism”. Minneapolis: University of Minnesota
Press, 2000) escreve que a glocalização caracteriza-se pelo
“desenvolvimento de campos diversificados e sobrepostos de
vinculações globais-locais... [criando] uma condição de panlocalidade
globalizada... que o antropólogo Arjun Appadurai chama de “escapes”
espaciais globais desterritorializados (escapes étnicos, escapes
tecnológicos, escapes financeiros, escapes da mídia e escapes
ideológicos)... Essa condição de glocalização… representa uma mudança
de um processo de aprendizagem mais territorializado e vinculado à
sociedade do Estado-nação para um processo mais fluido e translocal. A
cultura se tornou um software muito mais móvel e humano empregado
para se misturar elementos de contextos diferenciados. Com formas e
práticas culturais mais separadas de enclausuramentos geográficos,
institucionais e atributivos, estamos testemunhando o que Jan
Nederveen Pieterse chama de "hibridização" pós-moderna”.
(7) Cohen, Robin & Kennedy, Paul (2000). Global Sociology. London:
MacMillan, 2000.
108
Capítulo Dois | Glocalização
109
Entendendo a glocalização
110
uma nova sociedade cosmopolita global (planetária) como
uma rede de comunidades (sócio-territoriais e virtuais –
subnacionais e transnacionais) interdependentes. E,
finalmente, que esse sentido pode jamais vir a se materializar
uma vez que a glocalização está em disputa e essa disputa é,
fundamentalmente, uma disputa entre o ‘local separado’ e o
‘local conectado’, entre ‘dependência x independência’, por
um lado e ‘interdependência’, por outro.
Por último, vamos ver que assim como foi necessário utilizar
um novo conceito (o de ‘globalização’) para entender as
mudanças que estão ocorrendo na dimensão global, torna-se
também necessário gerar outro conceito (o de ‘localização’)
para entender as mudanças que estão ocorrendo
coetaneamente na dimensão local. Como as duas coisas
constituem aspectos do mesmo processo de glocalização ou
de emersão da realidade glocal, isso significa que a
glocalização confere um novo status ao local que, para ser
revelado, exige também um novo construct e uma nova
hipótese: a hipótese (no sentido forte) da ‘localização’.
111
Glocalização e nova realidade glocal:
‘planeta-e-comunidade’
A glocalização é uma planetarização e uma
comunitarização.
112
se pode ver um lugar como um holograma do planeta inteiro.
Há, todavia, uma imagem antes da idéia.
Além da citação acima, não sei o que mais disse sobre isso
Fred Hoyle. No entanto, mesmo sem conhecer o contexto da
citação ou outros possíveis escritos de Hoyle sobre o tema,
podemos adivinhar que idéia é essa. É a idéia da planetização,
ou seja, da “Espaçonave Terra” (introduzida por Richard
Buckminster Fuller em 1969) – uma espaçonave na qual
somos todos tripulantes – e, também, da ecumene planetária,
quer dizer, da casa da humanidade (um mesmo lugar de
todos e para todos) e, ainda, para além da casa dos seres
humanos, a casa de todos os seres aqui existentes em uma
mesma totalidade viva – ou seja, a idéia, bem mais
abrangente, de Gaia.
A hipótese Gaia
O formulador da hipótese Gaia, no início dos anos 70, foi o
cientista independente inglês James Lovelock. Segundo ele a
idéia foi exposta pela primeira vez “em 1972, na forma de
uma nota com o título de “Gaia vista através da atmosfera”...
Depois de discussões muito demoradas e intensas, Lynn
Margulis e eu fornecemos declarações mais detalhadas,
embora concisas, nas revistas Tellus e Icarus. Em 1979, a
113
Oxford University Press publicou o meu livro “Gaia: um novo
olhar sobre a vida na Terra”, que reunia todas as nossas idéias
até aquele momento. Comecei a escrever aquele livro em
1976, quando o módulo espacial Viking da NASA estava para
pousar em Marte. Utilizei a presença dele ali como um
explorador planetário a fim de estabelecer o cenário para a
descoberta de Gaia, o maior organismo vivo do sistema solar”
(2).
114
interpretações são antropocêntricas; tentam humanizar a
natureza e o cosmos ao invés de tentar humanizar a
humanidade.
Por outro lado a hipótese de Gaia não foi bem captada pelas
correntes espiritualistas, cujas visões de futuro como
repetição de passado ainda estão aprisionadas em um
paradigma de tradicionalidade, correntes que carregam o
peso de uma tradição mítica, sacerdotal, hierárquica e
autocrática e que imaginam que nada está acontecendo além
do retorno à unidade primordial e que tudo isso já estava
escrito ou já tinha sido previsto. Para essas correntes tudo
está seguindo um plano, o futuro já está contido no divino
software implantado na Criação (ou coisa que o valha) em
todos os seres (daí porque todos os seres são, de certo modo,
vivos – o que fez a hipótese Gaia cair como uma luva), a
evolução não passa de um desdobramento da “centelha”
inicial (é o software “rodando”), e todos os componentes do
sistema estão dispostos por graus evolutivos em uma ordem
sagrada (hierarquia), ou seja, estão hierarquicamente
115
distribuídos em uma cadeia vertical que vai da pedra ao deus,
passando por diversos “reinos” (e mesmo esta denominação
talvez não seja por acaso): mineral, vegetal, animal, humano,
angélico e divino. Ora, o modelo de Gaia como uma rede de
10 milhões de tipos diferentes de nodos, um sistema auto-
organizador, que produz ordem a partir das múltiplas e
imprevisíveis interações entre os seus componentes, não
poderia mesmo ser bem compreendido pela mente
determinista tradicional.
116
do enfoque (teoricamente) democrático. Rudhyar já fazia,
àquela época, uma crítica radical das democracias realmente
existentes, do igualitarismo e do que ele chamou de
“democracia de mercado” que “vê o indivíduo livre como uma
entidade competitiva, em verdade como um ego agressivo
cujo propósito ao viver é dominar os outros (e, a miúdo,
enganá-los), a fim de acumular riqueza, poder, posses” (6).
117
esforço organizado, no qual colaboram cientistas de todas as
nações; calor que destrói, mas também calor que nos dá a
possibilidade de nos aventurarmos para além da gravitação
terrestre, chegando à Lua e, finalmente, também a outros
planetas. Nesta aventura, que agora está fascinando a
imaginação dos homens, da mesma forma que as cruzadas e
as grandes viagens do início do Renascimento fascinaram a
imaginação dos homens há cinco séculos, o homem se
encontrará alcançando a meta paradoxal de descobrir-se
como cidadão da Terra, justamente porque é capaz, agora, de
libertar-se de sua atração gravitacional” (9). É bom lembrar
que Rudhyar escrevia essas coisas às vésperas de o ser
humano chegar à Lua e mais de dez anos antes da primeira
sonda terrestre pousar em Marte.
118
questão da lei e da ordem, da polícia e dos tribunais, e todos
os velhos criminosos têm que ser trazidos de volta... Pequenas
comunas – cinco mil parece ser um número perfeito... Todo
mundo conhece a todo mundo... Não existe casamento, as
crianças pertencem à comuna; a comuna tem hospitais,
escolas, colégios – a comuna toma conta das crianças... Todas
as comunas deveriam ser interdependentes... O mundo inteiro
deveria ser uma só humanidade, somente dividida em
pequenas comunas, em bases práticas – nenhum fanatismo,
nenhum racismo, nenhum nacionalismo. Então, pela primeira
vez, nós poderemos abandonar a idéia de guerras” (10).
Da Terra-Pátria à Terra-Frátria
Edgar Morin, em “Terra-Pátria”, um livro de 1993 (escrito com
Anne Brigitte Kern), dedica um capítulo inteiro à emergência
de uma era planetária. Para ele, “a era planetária começa
com a descoberta de que a Terra não é senão um planeta e
com a entrada em comunicação das diversas partes do
planeta. Da conquista das Américas à revolução copernicana,
um planeta surgiu e um cosmos se desfez” (11).
119
A globalização ocorrida na passagem do século 15 para o
século 16, juntamente com as mudanças no modo-de-ver o
mundo introduzidas pela nascente ciência moderna, criaram
as condições para o surgimento de uma nova era, que
“começa pelas primeiras interações microbianas e humanas,
depois pelas trocas vegetais e animais entre Velho e Novo
Mundo” (12). Na seqüência, há uma ocidentalização do mundo
que “começa tanto pela imigração de europeus nas Américas
e na Austrália quanto pela implantação da civilização
européia, de suas armas, de suas técnicas, de suas
concepções, em todos os seus escritórios, postos avançados,
zonas de penetração” (13).
120
também a aspiração, no início do século 20, à unidade
pacífica e fraterna da humanidade” (17).
121
que tal diagnóstico, por um lado, não enfatizasse
suficientemente as mudanças políticas decorrentes da queda
do Muro de Berlim e, por outro, não pudesse perceber o
impacto (e a amplitude e a profundidade) das inovações
tecnológicas, introduzidas, em meados da década de 1990,
sobretudo com a Internet. A teleparticipação planetária de
que fala Morin era ainda, para usar uma expressão de Pierre
Levy, mais “molar” (via TV e outras mídias não-interativas) do
que “molecular” (via redes telemáticas, funcionando em
tempo real) (21).
122
Planeta-e-comunidade é a realidade glocal. Esta nova
realidade poderá se afirmar no mundo inteiro, quer dizer, há
uma visível macro-tendência que aponta nessa direção, mas
não é certo que ela consiga substituir a antiga ordem mundial
ainda prevalecente. O destino configurado por um mundo
holográfico de miríades de comunidades sócio-territoriais e
virtuais articuladas em rede planetária não está garantido.
Serão os movimentos sociais e as opções políticas que nos
levarão para esse ou para outro cenário.
123
ii) pela universalização da cidadania (pela inclusão e pela
igualdade ou não-discriminação em virtude de diferenças de
renda e riqueza, de gênero, de raça e etnia, de origem ou
situação social ou territorial, de condição física e psíquica –
como, por exemplo, os que defendem direitos dos portadores
de diferenças, ainda julgadas como deficiências à luz de uma
visão de saúde como oposto de doença ou de sanidade como
adequação à normalidade);
iii) pela radicalização da democracia, abarcando todo o
experimentalismo inovador que se desenvolve em torno dos
processos participativos ensaiados em escala local e de
democracia em tempo real ou cyberdemocacy (envolvendo
social networks e civic networks);
iv) pela conquista da sustentabilidade, como os movimentos
ecológicos, ambientalistas e em prol do desenvolvimento
sustentável;
v) pelo ecumenismo em sentido amplo e pela tolerância com
as diferenças de pensamento, de credos ou visões e práticas
devocionais ou confessionais;
vi) pela paz mundial;
vii) pelo fortalecimento da sociedade civil, pela promoção do
voluntariado, pela responsabilidade social (individual,
comunitária e institucional – visando o engajamento de
empresas, governos e organizações do terceiro setor em
ações sociais) e pelas parcerias interinstitucionais que
esboçam um novo padrão de relação entre Estado e
sociedade no combate à pobreza e à exclusão social e na
promoção do desenvolvimento humano e social sustentável; e
viii) pela glocalização (compreendendo os diversos
movimentos de ‘volta ao local’ ou comunitários no contexto
de uma globalização que se quer includente, como os
movimentos de desenvolvimento integrado e sustentável e de
sócio-economia alternativa ou solidária ensaiados em escala
local).
124
é a da Terra-Frátria. Como canta Caetano Veloso (em “Língua”,
1984), “e eu não tenho pátria: tenho mátria e quero frátria”.
NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) Cit. por Russell, Peter (1983). O Despertar da Terra: o Cérebro Global.
São Paulo: Cultrix, 1991.
(4) Idem.
125
(11) Morin, Edgar & Kern, Anne-Brigitte (1993). Terra-Pátria. Porto Alegre:
Sulina, 1995.
(12)-(20) Idem.
126
Texto 3 | A Carta da Terra
Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de
um mundo no qual a dimensão local e global estão ligadas.
A CARTA DA TERRA
PREÂMBULO
127
Terra, Nosso Lar
A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A
Terra, nosso lar, está viva com uma comunidade de vida
única.
A Situação Global
Os padrões dominantes de produção e consumo estão
causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma
massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo
arruinadas.
128
Desafios Para o Futuro
A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da
Terra e uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da
diversidade da vida.
Responsabilidade Universal
Para realizar estas aspirações, devemos decidir viver com um
sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com
toda a comunidade terrestre bem como com nossa
comunidade local.
129
com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo
dom da vida, e com humildade considerando em relação ao
lugar que ocupa o ser humano na natureza.
PRINCÍPIOS
130
proporcionem a cada um a oportunidade de realizar seu pleno
potencial.
b. Promover a justiça econômica e social, propiciando a todos
a consecução de uma subsistência significativa e segura, que
seja ecologicamente responsável.
131
e. Manejar o uso de recursos renováveis como água, solo,
produtos florestais e vida marinha de formas que não
excedam as taxas de regeneração e que protejam a sanidade
dos ecossistemas.
f. Manejar a extração e o uso de recursos não-renováveis,
como minerais e combustíveis fósseis de forma que diminuam
a exaustão e não causem dano ambiental grave.
132
identificar produtos que satisfaçam as mais altas normas
sociais e ambientais.
e. Garantir acesso universal a assistência de saúde que
fomente a saúde reprodutiva e a reprodução responsável.
f. Adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e
subsistência material em um mundo finito.
133
10. Garantir que as atividades e instituições econômicas em
todos os níveis promovam o desenvolvimento humano de
forma eqüitativa e sustentável.
a. Promover a distribuição eqüitativa da riqueza dentro das e
entre as nações.
b. Incrementar os recursos intelectuais, financeiros, técnicos e
sociais das nações em desenvolvimento e isentá-las de
dívidas internacionais onerosas.
c. Garantir que todas as transações comerciais apóiem o uso
de recursos sustentáveis, a proteção ambiental e normas
trabalhistas progressistas.
d. Exigir que corporações multinacionais e organizações
financeiras internacionais atuem com transparência em
benefício do bem comum e responsabilizá-las pelas
conseqüências de suas atividades.
134
b. Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade,
conhecimentos, terras e recursos, assim como às suas
práticas relacionadas a formas sustentáveis de vida.
c. Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades,
habilitando-os a cumprir seu papel essencial na criação de
sociedades sustentáveis.
d. Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado
cultural e espiritual.
135
a. Oferecer a todos, especialmente a crianças e jovens,
oportunidades educativas que lhes permitam contribuir
ativamente para o desenvolvimento sustentável.
b. Promover a contribuição das artes e humanidades, assim
como das ciências, na educação para sustentabilidade.
c. Intensificar o papel dos meios de comunicação de massa no
sentido de aumentar a sensibilização para os desafios
ecológicos e sociais.
d. Reconhecer a importância da educação moral e espiritual
para uma subsistência sustentável.
136
outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual
somos parte.
O CAMINHO ADIANTE
137
Todo indivíduo, família, organização e comunidade têm um
papel vital a desempenhar. As artes, as ciências, as religiões,
as instituições educativas, os meios de comunicação, as
empresas, as organizações não-governamentais e os
governos são todos chamados a oferecer uma liderança
criativa.
138
Glocalização em disputa
A glocalização está em disputa e essa disputa é,
fundamentalmente, uma disputa entre o ‘local
separado’ e o ‘local conectado’, entre ‘dependência x
independência’, por um lado e ‘interdependência’, por
outro.
139
Robertson, que o redefiniu, como aspecto da globalização
cultural, em meados dos anos 90).
140
consumar em um quadro de interdependência. As reações que
podem inviabilizar a glocalização são aquelas que procuram
manter o mundo congelado e aprisionado em um estágio de
contraposição ‘dependência x independência’. E isso é a
mesma coisa porquanto ‘independência’ significa ‘local
desconectado’ como alternativa à ‘dependência’ que significa
‘local hierarquicamente subordinado’. Ou seja, estamos
falando de rede.
141
não são exigidos no âmbito externo. A isso se chama realismo
político.
142
diferentes partes do mundo em uma disputa pela
independência em relação à parte dominante, ou seja, aquela
parte que tenta manter as outras partes em estado de
dependência. Quer dizer: tentam manter o mundo preso na
polarização ‘dependência x independência’.
143
dizer que a única maneira de superar a realidade do local
hierarquicamente subordinado a outro local, não é por meio
do ‘local separado’ e sim por meio do local conectado a uma
multiplicidade de outros locais. O monopolo (em geral
mantido como dipolo) somente pode ser superado pelo
multipolo. E o multipolo só é viável como rede.
144
Glocalização e Estado-nação
145
O Estado não vai desaparecer na transição histórica
atualmente em curso, senão que será transformado,
mas não é certo se tal transformação será
necessariamente glocalizante. O destino da forma
atual do Estado-nação está em disputa e essa disputa
é a mesma disputa que se trava em torno da
glocalização.
146
ferozmente para não ser desabilitada como fulcro do sistema
de governança.
147
Pois bem. A forma Estado-nação atual admite a democracia
política, representativa e formal, mas coloca obstáculos ou
retarda a velocidade do processo de democratização na
direção da democratização da sociedade e da adoção de
modos de regulação mais participativos e mais substantivos.
Sobretudo, no plano explicitamente político, impõe limites à
chamada radicalização (ou democratização, como prefere
Giddens) da própria democracia (2). Isso no âmbito interno.
No âmbito externo, por sua vez, o Estado-nação não consegue
promover o casamento entre a manutenção da soberania
nacional e a simples adoção da democracia formal na sua
relação com os outros Estados, curvando-se ao realismo
político, o qual constitui, como todo mundo sabe, uma
orientação substancialmente autocrática (e os que negam isso
só o podem fazê-lo em nome do mesmo realismo político).
148
um novo paradigma tecnológico, abandonados por um Estado
que concentra suas energias em navegar no encapelado
oceano da globalização, desconfiados de políticos ineficazes
e, freqüentemente, cínicos e corruptos... se refugiam nas
trincheiras de identidades construídas com base em sua
experiência e seus valores tradicionais: sua religião, sua
localidade, sua região, sua memória, sua nação e sua cultura
étnica. E identidades de gênero ou, em algumas ocasiões, sua
identidade eletiva, constitutiva de um sistema alternativo de
valores” (5). Assim, prossegue Castells, “ao questionamento
do Estado-nação pelos fluxos globais de capital, comércio e
informação se acrescenta o solapamento de sua legitimidade
por identidades singulares que não se reconhecem na
cidadania abstrata de uma democracia cada vez mais
retórica, e a serviço de uma minoria globalizada” (6).
149
local) – e não porque, supostamente, esteja sendo atingido
nos seus melhores valores de democracia e cidadania
universais (o que é muito questionável de vez que democracia
e cidadania existem, a rigor, apenas “para dentro” no Estado-
nação industrial).
150
que adquirem, nos tempos atuais, os movimentos pela paz.
Voltarei a esse ponto.
151
democrata’, o ‘liberalismo de mercado’ e o ‘comunitarianismo
conservador’: “esses são os três tipos competitivos de filosofia
pública que estão presentes e em competição no final do
século 20” (12).
152
por comunidades ou pela “capacidade de comunidade” que
possuem, em maior ou menor grau, as sociedades humanas.
O Estado-rede
De qualquer modo o Estado-nação não poderá mais ser como
antes ou se comportar da maneira como se comportava ou se
estruturar da maneira como se estruturava, se – digo: se – a
glocalização avançar no rumo da formação de redes de
comunidades subnacionais e transnacionais. Neste caso ele
terá que se transformar, como quer Castells (por esse e por
outros motivos: além da transferência de atribuições e
iniciativas aos âmbitos regionais e locais, a própria crise que o
assola e o desenvolvimento de instituições supranacionais),
em uma espécie de Estado-rede.
153
fazê-lo perder poder, atribuições e autonomia em benefício
dos níveis supranacional e subnacional. Daí a importância de
que o processo de redistribuição de atribuições e recursos
seja acompanhado por mecanismos de coordenação entre os
diferentes níveis institucionais em que se desenvolve a ação
dos agentes políticos. A fórmula político-institucional que
parece mais efetiva para assegurar essa coordenação é o que
denomino Estado-rede” (16).
A reação a glocalização
Todavia, isso pode não acontecer. Se não acontecer será
porque a disputa em torno da glocalização conseguiu
bloquear de alguma forma a expansão das conexões no
interior dos âmbitos locais e interlocais ou entre o local e o
global. Ou seja, se isso não acontecer será porque o ‘local
separado’ conseguiu prevalecer sobre o ‘local conectado’ ou
porque uma dinâmica de interdependência não conseguiu se
instalar em grau suficiente para desencadear uma mudança
na configuração global do sistema.
154
caminho) para reduzir o tamanho do mundo de sorte a
permitir que a glocalização seja consumada é, ao meu ver, o
mais importante tema da investigação de vanguarda
contemporânea. Trataremos desse assunto no próximo
capítulo, sobre a localização.
155
Por certo, existem outras interpretações para o declínio do
Estado-nação que ora se prenuncia.
156
os danos ao meio ambiente ou os perigos da migração,
expansão populacional, doenças ou fome;
Para Bobbit não existe sociedade civil, não pelo menos como
uma esfera da realidade social subsistente fora da ordem do
Estado. Sua perspectiva é tão mercadocêntrica que ele é
obrigado a supor, diante da mudança social em curso no
mundo atual, um processo de transição para um hipotético
“Estado-mercado”, uma nova forma de Estado que estaria
sucedendo a forma Estado-nação. Ou seja, para ele, parece
157
que nem o mercado pode ter uma existência per se, uma
“lógica” e uma racionalidade próprias.
158
para solucionar o conflito de modo destrutivo. Daí decorre a
sua teoria hobbesiana do Estado.
É uma pena porque, apesar disso, a periodização introduzida
por Philip Bobbit poderia ajudar a compreender melhor o
século 20 (ver Texto 5). Ou, pelo menos, poderia ajudar a
compreender o significado dos anos 90, como uma espécie de
interregno no que tange a instalação de um estado de guerra
generalizado (embora ele não diga – e, ao que parece, nem
pense – isso).
Um software diabólico
Ocorre que não estamos mais na década de 1990. Nos
primeiros anos do presente milênio, ao que tudo indica, a
“America’s new war” está se instalando, ou seja, está sendo
novamente inicializado um software diabólico: um “estado de
guerra” generalizado no mundo (e de novo tipo: ao mesmo
tempo focalizado e “quente”, aplicado preventivamente
contra potenciais inimigos localizados – os Estados-nações
“fora da lei” – e universalizado e “frio”, contra um inimigo
invisível, o terrorismo globalizado). Sobretudo essa última
forma, ‘o estado de guerra permanente contra o inimigo
invisível e onipresente’ é a maior ameaça que poderia ser
concebida e praticada contra a planetarização.
159
Embora a glocalização não teria podido começar sem um
conjunto de condições objetivas determinadas (como a
inovação tecnológica telemática, por exemplo) seu desfecho
está em disputa. E se, no âmbito global, a planetarização
pode ser enfreada pela ação política de atores nacionais
poderosos (como os USA na “Era Bush” e seus aliados), no
âmbito local isso será muito mais difícil de fazer. Esse, aliás, é
um dos sentidos da expressão ‘revolução do local’.
NOTAS E REFERÊNCIAS
(6)-(8) Idem.
(19) Bobbit, Philip (2002). The Shield of Achilles. New York: Alfred A.
Knopf – Randon House, 2002 (publicado no Brasil como A guerra e a paz
160
na história moderna: o impacto dos grandes conflitos e da política na
formação das nações. Rio de Janeiro: Campus, 2003).
(20)-(25) Idem.
161
questionamento das alternativas fundadas na liberdade. Ele
parece convencido de que a liberdade só possa ser alcançada
pela democracia tomada como um fim em si. Todavia, revela-
se cético quanto as possibilidades de realizar a liberdade dos
antigos no mundo que se avizinha, vale dizer, com as
possibilidades da democracia como utopia/topia da
comunidade política.
162
Cerca de cinco anos depois, Guehénno volta ao tema para
tentar “definir as novas condições da democracia dentro da
globalização”. Sua pergunta continua sendo, basicamente, a
mesma: “como construir as comunidades políticas do futuro?”
(4).
163
discussão” não é suficiente para fazer dos internautas
cidadãos de uma nova república virtual da Internet...
164
Guehénno, “nodos atenienses”. Este é um dos temas da
presente investigação.
NOTAS E REFERÊNCIAS
(2)-(3) Idem.
165
Para ele, “as guerras momentosas podem ser compostas por
vários conflitos considerados pelos participantes guerras
separadas; podem compreender períodos de paz aparente
(incluindo até mesmo elaborados tratados de paz); e com
freqüência não mantêm o mesmo alinhamento de adversários
e aliados ao longo de seu desenvolvimento. A Longa Guerra
(que abrange a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, a
Revolução Russa e a Guerra Civil Espanhola, as Guerras da
Coréia e do Vietnã e a Guerra Fria), assim como as guerras
momentosas anteriores, girou em torno de uma questão
constitucional fundamental: que tipo de Estado-nação –
comunista, fascista ou parlamentar – herdaria a legitimidade
antes atribuída aos Estados-nação imperiais do século 19” (2).
166
por sua vez, maximizar as oportunidades do povo; assim,
tende a privatizar diversas atividades estatais, bem como a
restringir a influência do voto e do governo representativo,
tornando-os mais sensíveis ao mercado. Os Estados Unidos,
um dos principais inovadores no desenvolvimento do Estado-
mercado, deve elaborar suas políticas estratégicas tendo em
vista essa mudança constitucional fundamental” (4).
167
produziram as constituições da sociedade de Estados para
suas respectivas eras. Esse processo, iniciado na Europa com
o nascimento de uma pequena sociedade de Estados, durante
o Renascimento, acabou expandindo-se até abranger todo o
globo. O direito internacional pode ser compreendido em
termos dessas constituições – e, portanto, como tendo se
desenvolvido em vários períodos distintos. O estudo desse
desenvolvimento proporciona um fundamento para que se
compreenda a era constitucional seguinte da sociedade de
Estados” (6).
168
Ele trata então de um conjunto de idéias que todos os
Estados-mercado poderão – na verdade, deverão – aceitar:
169
investimentos domésticos ou não ocorrerão, ou vão evadir-se
junto com os investimentos estrangeiros.
170
deprimirá o padrão de vida, em mais um volta deste círculo
vicioso” (9).
171
NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) Bobbit, Philip (2002). The Shield of Achilles. New York: Alfred A. Knopf
– Randon House, 2002 (publicado no Brasil como A guerra e a paz na
história moderna: o impacto dos grandes conflitos e da política na
formação das nações. Rio de Janeiro: Campus, 2003).
(2)-(10) Idem.
172
Glocalização e localização
Assim como foi necessário utilizar um novo conceito
(o de ‘globalização’) para entender as mudanças que
estão ocorrendo na dimensão global, torna-se
também necessário gerar outro conceito (o de
‘localização’) para entender as mudanças que estão
ocorrendo coetaneamente na dimensão local. Como
as duas coisas constituem aspectos do mesmo
processo de glocalização ou de emersão da realidade
glocal, isso significa que a glocalização confere um
novo status ao local que, para ser revelado, exige
também um novo construct e uma nova hipótese: a
hipótese (no sentido “forte”) da ‘localização’.
173
Um conceito de ‘localização’ já surgiu em função da
necessidade de alocação de produtos (em geral de
conhecimento e em geral ligados à informática, como
programas) em realidades culturais/nacionais diversas. Neste
sentido, localização (ou nacionalização) é o processo de se
transferir dados de uma localidade a outra. Trata-se de um
superconjunto de tradução, uma vez que envolve não apenas
a tradução, mas também a conversão de uma formatação
culturalmente específica de dados, como datas, horários e
moedas. Segundo tal acepção, além disso, a localização inclui
o processamento de todos os aspectos técnicos envolvidos no
processo e a visualização adequada de conteúdos localizados.
O processo inclui a importação e exportação de conteúdos
localizáveis, manipulação de gráficos, recompilação em um
ambiente localizado (no caso de conteúdos
binários/executáveis), especificação e conversão da
codificação de caracteres, redimensionamento de elementos
da interface gráfica com o usuário e assim por diante.
174
Capítulo Três | Localização
175
Entendendo a localização
176
Ou seja, não vamos tratar da ‘localização’ em seu sentido
fraco, como adaptação de ofertas globais de produtos e
serviços aos gostos, cultura, condições socio-ambientais e
necessidades locais.
177
ocasião afirmei que “a palavra ‘local’... não é sinônimo de
pequeno e não alude necessariamente à diminuição ou
redução. O conceito de local adquire, pois, a conotação de
alvo socioterritorial das ações e passa, assim, a ser
retrodefinido como o âmbito abrangido por um processo de
desenvolvimento em curso, em geral quando esse processo é
pensado, planejado, promovido ou induzido” (1). Neste
sentido, afirmei ainda que “de certa maneira, todo
desenvolvimento é local, seja este local um distrito, um
município, uma microrregião, uma região de um país, um país,
uma região do mundo” (2).
178
significa, em primeiro lugar, que a conjunção particular de
fatores que possibilita a globalização também possibilita a
localização. E, em segundo lugar, que a localização diminui o
tamanho do mundo, torna o mundo um local, torna qualquer
mundo – qualquer realidade socioterritorial ou virtual,
independentemente do número e do tamanho de seus
elementos componentes e da distância entre eles – um mundo
pequeno. Daí porque local é, nesse sentido, sempre um
‘mundo pequeno’, aquilo que os teóricos que trabalham com
análise de redes estão chamado de SWN (“small-world
networks”).
Rede e hierarquia
O que caracteriza fundamentalmente uma rede é a existência
de caminhos múltiplos. Forçando um pouco a intenção do
conceito e estabelecendo um paralelo geométrico, poder-se-ia
dizer que, se uma rede é uma coleção de nodos ligados por
muitos caminhos (ou um conjunto de vértices interconectados
por muitas arestas) uma hierarquia é um caso particular de
rede caracterizado pela existência do menor número possível
de caminhos (ou uma linha quebrada que, conquanto possa
ter múltiplos vértices, nunca chega a formar uma figura
geométrica fechada). Neste sentido uma hierarquia “máxima”
(ou uma organização com o máximo grau de hierarquização)
poderia ser vista como um conjunto de nodos (vértices)
conectados por caminhos únicos.
179
padrão de organização em rede tal mensagem pode se
propagar através de vários caminhos diferentes.
180
DACB, DBCA, DBAC, DCBA, DCAB – totalizando 60
combinações de 2, 3 e 4 elementos a qual, divida por 2, uma
vez que um caminho AB é igual ao caminho BA (ou seja, as
conexões são transitivas) dará 30 caminhos diferentes .
181
ABDCE, ACBDE, ACDBE, ADBCE e ADCBE). Isso produz 160
caminhos diferentes entre todos os nodos da rede. Se os 5
nodos estivessem organizados em um padrão hierárquico
teríamos apenas um caminho possível entre A e E e apenas
10 caminhos diferentes possíveis entre quaisquer nodos.
182
muitas vezes maior do que um subúrbio novaiorquino atual de
mesma população.
183
maior do que o mundial (no sentido de planetário)
globalizado. E que globalização do local tende a ser igual a
localização do global. O mundo estará totalmente globalizado
quando estiver totalmente localizado. E que, assim, o local
conectado é o mundo todo. Comentaremos isso tudo mais
adiante.
NOTAS E REFERÊNCIAS
(2) Idem.
184
Texto 6 | Small-World Networks:
transformando o vasto mundo em um
mundo pequeno
“Mesmo que grupos locais sejam altamente agrupados, desde
que uma pequena fração (1 por cento ou menos) dos
indivíduos tenha conexões de longo alcance fora do grupo, as
extensões de caminho serão baixas”.
185
julgasse poder levar a carta para mais perto do alvo; o amigo
por sua vez a passaria a outro amigo, e assim por diante até
que a carta chegasse a alguém que conhecesse o alvo
pessoalmente e pudesse entregá-la a ele. Por exemplo, um
engenheiro em Omaha, ao receber a carta, a passou a um
nativo da Nova Inglaterra que morava em Bellevue, Nebraska,
que a passou para um professor de matemática em Littleton,
Massachusetts, que a passou a um diretor de escola em um
subúrbio de Boston, que a entregou a um lojista local, que a
entregou ao bastante surpreso corretor de valores.
186
intrincada de arestas...
187
está envolvido em fazê-lo. Para vermos como podemos lidar
com essas questões, vamos retornar à experiência de
encaminhamento de cartas em maior profundidade. Então
veremos se podemos aplicar quaisquer esclarecimentos à
situação peer-to-peer.
188
Acontece que a presença de mesmo um pequeno número de
pontes pode reduzir drasticamente as extensões de caminhos
em um grafo, como mostrado por um trabalho recente de
Duncan Watts e Steven Strogatz, na revista Nature
(“Collective Dynamics of ‘Small-World’ Networks”, Nature 393,
1998)” (2).
NOTAS E REFERÊNCIAS
(2)-(3) Idem.
189
Texto 7 | O recente experimento sobre
Small-World de Peter Dodds, Roby
Muhamad e Duncan Watts
"Laços “fracos” são desproporcionalmente responsáveis pela
conectividade social”.
190
focalizou apenas a sociedade americana. Isso sugere que o
‘tamanho de mundo’ do mundo inteiro no final de 2002 é mais
ou menos o mesmo do ‘tamanho de mundo’ dos USA em
1967. Mas talvez não seja possível afirmar isso a partir (ou
somente a partir) do experimento de Duncan.
191
Excertos das conclusões desse novo experimento são
reproduzidos abaixo (1).
192
representa um esforço de busca significativo. Ademais, e
contrariamente à sabedoria aceita, a evidência experimental
no que se refere a comprimentos de correntes globais curtas é
extremamente limitada. Por exemplo, Travers e Milgram
relatam 96 correntes de mensagens (das quais 18 foram
concluídas), iniciadas por indivíduos selecionados
aleatoriamente em uma cidade que não a do alvo. Quase
todos os demais estudos empíricos de redes de larga escala
focalizaram redes não-sociais ou substitutos grosseiros de
interação social tal como cooperação científica, e estudos
específicos de redes de e-mail têm-se limitado, até o
momento, a instituições individuais.
193
Além de fornecer o nome e o endereço de e-mail do contato
escolhido, cada remetente foi solicitado a descrever como
havia conhecido a pessoa, bem como o tipo e a intensidade
do relacionamento mantido com esta...
194
escolhas, corroborando constatações anteriores. A geografia
dominou, claramente, os estágios iniciais de uma corrente
(quando os remetentes estavam geograficamente distantes),
mas após o terceiro passo, foi citada com menor freqüência
do que outras características, das quais a ocupação foi a mais
freqüentemente citada. Em contraste com asserções
anteriores, a presença de indivíduos com muitos contatos
(“hubs”) parece ter relevância limitada em relação ao tipo de
busca social incluído em nosso experimento (busca social com
grandes custos/recompensas associados, ou incentivos
individuais de outra forma modificados podem se comportar
de forma diferente). Os participantes raramente indicaram
uma pessoa conhecida pelo fato de esta ter muitos amigos, e
os indivíduos de correntes bem sucedidas apresentaram uma
probabilidade infinitamente menor de enviar mensagens a
“hubs” do que os indivíduos de correntes interrompidas (1.6
versus 8.2%). Também não encontramos evidência de
“afunilamento” de mensagens por meio de uma única pessoa
conhecida do alvo. No máximo 5% das mensagens passaram
por uma única pessoa conhecida do alvo e 95% de todas as
correntes foram concluídas por intermédio de indivíduos que
transmitiram no máximo três mensagens. Concluímos que a
busca social parece ser um exercício geralmente igualitário,
cujo sucesso não depende de uma pequena minoria de
indivíduos excepcionais.
195
porque, por exemplo, os indivíduos mais próximos ao alvo
apresentam maior probabilidade de dar continuidade à
corrente... [mas] a falta de interesse ou de incentivo, e não a
dificuldade, foi a principal razão para a ruptura da corrente...
196
Comparação com o experimento original de Milgram
REFERÊNCIAS E NOTAS
197
(2) Idem. As tabelas, equações, referências e notas originais deste artigo
podem ser acessadas em sciencemag no endereço
http://www.sciencemag.org/cgi/content/full/301/5634/
198
Agora passo a comentar a proposição segundo a qual quanto
mais conectado é o mundo menor ele é, porém mais potente
socialmente ele é (small is powerful).
199
certeza se comprar a idéia de “meme” (ou o “meme” de
‘meme’) implica ter que assumir também a visão
neodarwinista, da qual discordo bastante (1). Desconfio que a
ideologia que vem junto no pacote (segundo a qual os
“memes” se propagariam por “replicação egoista”, disputando
o tempo todo entre si pelos cérebros que vão parasitar ou
infectar viroticamente) possa ser espancada sem que, com
isso, precisemos abrir mão da hipótese de que existem
replicadores independentes, ou melhor – a meu ver – inter-
dependentes, (“softwares culturais”) capazes de instruir
comportamentos (tal como os genes são capazes de instruir a
síntese de proteínas).
200
Em todo caso, as teorias de inspiração neodarwinista que
admitem a hipótese dos “memes” poderiam talvez ser refeitas
a partir da idéia de que essas unidades autoreplicadoras
independentes na verdade são unidades replicadoras
interdependentes que só se configuram e replicam em um
processo de interação com o meio. (Para tanto, valeria a pena
confrontar as idéias de Dawkins com as idéias de Maturana)
(3).
201
sendo descrito e desenvolvido não mais individualmente, mas
por outros colegas” (4).
202
“meméticas” que se replicam e que – aqui está a “x” da
questão em termos de um paralelo com as teorias evolutivas
neodarwinistas – ao se replicarem podem se modificar) (6).
Um comportamento assim “usinado” tem alto poder de
replicação.
Pois bem. O que tudo isso tem a ver com a nossa hipótese,
segundo a qual quanto mais conectado (quanto mais small no
sentido dos ‘small-worlds’) é o mundo, mais potente
socialmente ele é (small is powerful)?
203
exemplo, um pressuposto (talvez o principal) da ideologia
chamada de ciência econômica, segundo o qual o
comportamento das sociedades pode ser explicado a partir do
comportamento dos indivíduos, sendo esse último
comportamento basicamente egoísta e que tudo o mais
decorre daí, inclusive a separação entre fortes e fracos que
está na raiz do poder político; e, em segundo lugar, que tal
sistema funciona como amplificador dos estímulos
recebidos/emitidos por seus componentes, vale dizer, como
uma espécie de processador capaz de realizar múltiplas
operações em paralelo simultaneamente por meio de seus
componentes.
Vimos até agora que dizer que small is powerful significa dizer
que o mundo pequeno (no sentido de muito tramado
socialmente) é mais empoderante de seus componentes do
que o mundo grande e que ele tem mais capacidade de usinar
softwares que instruem a construção de comportamentos e de
replicar tais programas. Porém, muito além disso tudo,
significa dizer que uma mudança de comportamento, mesmo
periférica, ensaiada no mundo pequeno, tem mais chances de
se propagar para o sistema como um todo afetando o
comportamento dos outros agentes que o compõem. Ou seja,
mundos pequenos são mundos mais susceptíveis à mudança
social do que mundos grandes.
204
Ora, se interpretarmos (pelo menos algum tipo ou classe de)
mudança social como desenvolvimento, então mundos
pequenos são mundos mais aptos a experimentarem (isso que
interpretamos como) desenvolvimento do que mundos
grandes. Esse tema é extremamente importante e voltaremos
a ele mais adiante. Por enquanto é bom dizer que “poder
social”, nesse particular sentido, pode ser encarado como
capacidade de desenvolvimento – entendido esse último não
como qualquer crescimento (e. g., da variável econômica – o
PIB –, ou de outra variável qualquer: humana, social,
ambiental etc.), mas como movimento sinérgico; em suma,
como o que se chama, um pouco redundantemente, de
‘desenvolvimento sustentável’ (e entendendo
sustentabilidade como função de integração e conservação da
adaptação). Temos assim uma concepção de “poder social”
como capacidade de mudança social sustentável, como
“aptidão” ou adaptabilidade de um sistema para realizar uma
coreografia estrutural que garanta a sua co-evolução com o
meio, como vocação para a sinergia, para construir e
reconstruir, continuamente, congruências múltiplas e
recíprocas com o meio... Isso tudo também é muito
apaixonante, mas por ora vamos ficar por aqui, uma vez que o
assunto será tratado no epílogo deste livro.
205
mais favorável à replicação – a medida que sua tessitura
aumenta e, portanto, que seu tamanho diminui. É possível
que a partir de certo grau de tessitura (ou de certo tamanho
de mundo) surja o que chamamos de comunidade. Altos graus
de tessitura podem possibilitar a ocorrência de um fenômeno
novo, que chamei, em outro lugar, de comunalidade (9).
NOTAS E REFERÊNCIAS
206
(2) Os interessados na extensa literatura sobre “memes”, devem ler
Richard Dawkins (“O gene esgoísta”, 1976; “The extended phenotype”,
1982; “O relojoeiro cego”, 1986; e “Desvendando o arco-íris”, 1998),
Daniel Dennett (op. cit., 1995; e também “Consciousness explained”,
1991), Richard Brodie (“Virus in the mind”, 1995) e Susan Blackmore
(“The meme machine”, 2000). Mas existem vários outros investigadores
interessantes. Vale a pena visitar o sites
http://users.lycaeum.org/~sputnik/Memetics/index.html que contém uma
boa lista intitulada “Memetics Publications on the Web” e o site
http://jom-emit.cfpm.org/biblio que contém “A Bibliography of Memetics”
atualizada porém até 1997).
(4) Thompson, William Irwin (org.) (1987). “Prefácio” in Gaia: uma teoria
do conhecimento. São Paulo, Gaia/Global, 1990.
(5) Os “memes” como novos tipos de replicadores (para além dos genes)
podem ser encarados como idéias, mas apenas grosso modo. Eles não
são – como afirma Dennett (1995) – “as ‘idéias simples’ de Locke e
Hume (a idéia de vermelho, ou a idéia de redondo, quente ou frio), mas
o tipo de idéias complexas que se reúnem em unidades memoráveis
distintas... unidades culturais mais ou menos identificáveis... [e essas
unidades de transmissão cultural ou unidades de imitação] são os
menores elementos que se replicam com confiabilidade e fecundidade”.
Cf. Dennett, Daniel C. (1995). A perigosa idéia de Darwin: a evolução e
os significados da vida. Rio de Janeiro: Rocco, 1998
207
evolução pela seleção natural deixam claro que ela ocorre sempre que
existem as seguintes condições: i) variação: há uma contínua
abundância de elementos diferentes; ii) hereditariedade ou replicação:
os elementos têm a capacidade de criar cópias ou réplicas de si
mesmos; e iii) “aptidão” diferenciada: o número de cópias de um
elemento que são criadas em um determinado tempo varia dependendo
das interações entre as características desse elemento e as do ambiente
em que ele subsiste. Observe que essa definição, embora baseada na
biologia, não diz nada específico sobre as moléculas orgânicas, a
nutrição ou mesmo a vida... Como Dawkins observou, o princípio
fundamental é ‘que toda vida evolui pela sobrevivência diferenciada de
entidades replicadoras...’ [Dawkins, 1976]” (op. cit.). Cf. Dawkins,
Richard (1976). O gene egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 2001.
208
que pode ter impulsionado a inflação do cérebro humano”. Ele estava
procurando “inovações de software [como a linguagem] que poderiam
ter iniciado uma espiral auto-alimentadora de coevolução
software/hardware para explicar a inflação do cérebro humano”. Isso
significa admitir que os “memes” (os softwares) podem ser capazes de
produzir modificações neuroestruturais; ou – como aventou Dennett em
1991 – que “a própria mente humana é um artefato criado quando os
memes reestruturam um cérebro humano para torná-lo um melhor
hábitat para os memes”. Cf. Dawkins, Richard (1986). O relojoeiro cego.
Lisboa: Edições 70, 1988.
209
Localização e geração de identidade
Localização não significa isolamento, mas um campo
configurado com certo grau de estabilidade para
permitir a conservação e a reprodução de uma
mesma dinâmica endógena.
210
se desfazem eventualmente. Comportamentos coletivos
particulares gerados em filas, aglomerados ocasionais,
manifestações de massa, platéias de shows e multidões em
geral, dificilmente se propagam para outras regiões do tempo,
isto é, não inventam tradições nem se transmitem como
cultura.
211
identidade local é, ao mesmo tempo, gerar um modo-de-ser e
exportar esse modo-de-ser, induzindo o entorno a copiar esse
modo (ou características “meméticas” que o instruem).
212
Pois bem. O grau de desenvolvimento desses programas é a
mesma coisa que o grau de desenvolvimento da sociedade
que os gerou.
A afirmativa acima lança nova luz para a compreensão do
processo de desenvolvimento. Dela (aliada a outras
premissas) podemos inferir pelo menos três conseqüências
importantes que redefinem o próprio conceito de
desenvolvimento: i) todo desenvolvimento é social; ii) todo
desenvolvimento é local; e iii) todo desenvolvimento local só
se define completamente pelas suas conexões com o global.
Mas, como o assunto será tratado no epílogo deste livro, não
vamos enfrentar agora o desafio de construir argumentações
para tentar justificá-las (nem enunciar as outras premissas
que seriam necessárias para uma exposição lógica desses
teoremas).
213
– definidas como coletivos de interdependência – são, por
excelência, as usinas de tais padrões.
O processo de localização
A localização é um processo. Todavia, o que constitui tal
processo? Afirmei que a localização é, fundamentalmente, um
processo de geração de identidade e de replicação de
características próprias dessa identidade gerada. E afirmei
também que quanto mais tramada for uma coletividade, mais
condições ela terá de gerar padrões capazes de se replicar.
214
gene que parecem não corresponder ao que realmente se
passa na reprodução e na evolução biológicas de um ponto de
vista sistêmico.
215
hormônios, enzimas e complexos moleculares), que compõe o
ambiente no qual o genoma pode existir enquanto tal. No
caso dos “memes”, os programas, correspondentemente,
também não estão em uma espécie de “diretório memético”
de arquivos (o “caldo” ou “fundo” de “memes” ou a
“memesfera” aventados por Dawkins, Dennett, Blackmore e
outros) – nem em algo do tipo de The Matrix (do filme dos
irmãos Wachowski) – e sim em uma rede social que regula a
produção e a reprodução de comportamentos.
216
Mas, tal como deve existir alguma coisa como o gene –
independentemente do papel mais ou menos autônomo, mais
ou menos abrangente e mais ou menos determinante que
queremos atribuir a isso que conotamos com o conceito de
‘gene’ –, tudo indica que deve existir também alguma coisa
como o “meme” como um replicador de idéias e
comportamentos.
217
misterioso, de determinadas instituições de uma civilização
terem sido replicadas em outras civilizações (coetâneas ou
posteriores) que não mantiveram um intercâmbio tão intenso
ou uma herança tão forte assim que justificasse a fidelidade
das cópias (4).
218
possa ser reduzido às pessoas que o compõem, quer dizer,
suas características de conjunto não podem ser obtidas a
partir da simples conjunção das características individuais dos
seus elementos.
NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) Quem quiser conhecer uma perspectiva não darwinista, não neo-
darwinista e não determinista em termos genéticos deve ler,
fundamentalmente, os livros de Lynn Margulis e Humberto Maturana. E
também: Ho, Mae-Wan e P. T. Saunders, orgs. (1984). Beyond darwinism:
introduction to the new evolutionary paradigm. London: Academic Press;
Ho, Mae-Wan e S. W. Fox, orgs. (1988). Evolutionary processes and
mataphors. London: Wiley; Ho, Mae-Wan (1998). Genetic engineering:
dream or nightmare? Bath: Gateway Books; Strohman, Richard (mar.,
1997). “The Coming Kuhnian Revolution in Biology”, Nature
Biotechnology, vol. 15 e, sobretudo o mais recente Keller, Evelyn Fox
(2000). The century of the gene. Cambridge, Mass.:Harvard University
Press. Para uma abordagem simplificada de divulgação, pode-se ler
ainda: Harman, Willis e Sahtouris, Elisabet (1998). Biologia revisada. São
Paulo: Cultrix:, 2003; e Capra, Fritjof (2002). As conexões ocultas. São
Paulo: Cultrix/Amana-Key, 2002 (em especial o capítulo seis).
219
(2) Strohman; op. cit.
(4) A acreditar no que diz o erudito Samuel Noah Kramer (por exemplo,
em History Begins at Sumer. Philadelphia: University of Pennsylvania
Press, 1981) parece incrível que há 6 mil anos, na antiga Mesopotâmia,
já haviam se esboçado os protótipos de boa parte das instituições
religiosas e laicas do chamado mundo civilizado posterior: o panteão de
doze seres divinos (que depois foi replicado por praticamente todas as
culturas subseqüentes), templos e sacerdotes, a monarquia, exércitos,
artes da guerra e armamentos, escolas e parlamentos, justiça e
tribunais, música e artes, construção, entalhação em madeira e
gravação de metais, uso do couro e tecelagem, escrita e matemática e
muitas outras coisas, totalizando mais de uma centena de “programas”
(chamados de “ME”, espécies de “fórmulas divinas”). O mais incrível é
que esses misteriosos “ME” eram conhecimentos armazenáveis. As
várias versões da autêntica narrativa suméria “Enki e Inanna” sugerem,
curiosamente, que os “ME” podiam ser transportados, ou seja, eram
objetos físicos, como se fossem disquetes. Segundo a assirióloga
Gwendolyn Leick (2001), em Mesopotâmia: a invenção da cidade (Rio de
Janeiro: Imago, 2003), “ME” é um “termo sumeriano que abrange todas
aquelas instituições, leis, formas de comportamento social, emoções e
símbolos... que, em sua totalidade, eram vistos como indispensáveis ao
funcionamento regular do mundo”.
220
Comentando o processo de localização afirmei, na seção
anterior, que quem localiza é quem assume uma parte do
território como se estivesse construindo um mundo para si.
Mas só o faz enquanto inserido de uma maneira particular em
um coletivo, não enquanto elemento individual. O local é,
assim, criado pelo desejo coletivo. Por causa disso, o local tem
“cara”, tem “gosto”, tem “cheiro” e tem um conjunto de
outras características que lhe são atribuídas pelos que nele
(com)vivem. São as relações intersubjetivas e
comunicacionais que o constituem e não uma simples coleção
de indivíduos lançados sobre uma mesma porção do planeta.
O local se (com)forma, não se detecta como quem localiza um
acidente geográfico a partir, por exemplo, de uma foto de
satélite.
221
Desse ponto de vista, pode-se afirmar que só existe
localização se existir perspectiva de futuro para uma (e
compartilhada por uma) coletividade. E se, além disso, essa
perspectiva puder ser antecipada no presente. O que
chamamos de desenvolvimento é o caminho em direção ao
futuro desejado; ou melhor, é a caminhada coletiva a partir do
presente que vai construindo tal caminho.
222
evolução (e o de coevolução), a sociedades humanas. Mas
Robert Wright (2000) em “Não Zero” nos lembra que “o
significado original da palavra “evolução” era
“desenvolvimento” ou “desenrolar” – como no desenrolar de
um rolo antigo para ver o fim da história. Há algo a ser dito
por esse sentido, há muito perdido, da palavra. Muito embora
nem a evolução biológica, nem a cultural, tenham um roteiro
nem sejam inexoráveis assim como uma narrativa escrita é
inexorável, ambas têm uma direção – e até, defendi, uma
direção que sugere uma finalidade, um telos. O
desenvolvimento da vida neste planeta pode ser uma história
com uma razão de ser” (1). Para Wright, é a “sinergia
potencial” (ou o “non-zero-sumness”) que dá sentido ao
desdobramento evolutivo. Ele está falando de cooperação, ou
melhor, de um tipo “de relacionamento em que, caso
houvesse cooperação, esta beneficiaria ambas as partes” (2).
NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) Wright, Robert (2000). Não Zero. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
223
(2) Idem.
224
elementos em um só sistema, devemos ser cuidadosos na colocação de
estruturas ou plantas que intervenham entre elementos potencialmente
prejudiciais... Se tivermos um sistema com uma diversidade de plantas,
animais, habitats e microclimas, a possibilidade de uma infestação de
pragas é reduzida. Plantas espalhadas umas com as outras dificultam a
movimentação de pragas de uma planta para a outra. Todavia, uma vez
que a praga se reproduza em qualquer planta, insetos e predadores irão
perceber isso como uma fonte concentrada de alimentos, e também se
concentrarão para aproveitar-se. Na situação monocultural, a
alimentação para as pragas é concentrada; em uma policultura, a
própria praga é uma concentração de alimento para os predadores...
Então, a importância da diversidade não está muito no número de
elementos de um sistema, mas no número de conexões funcionais entre
esses elementos. Não é o número de coisas, mas o número de formas
nas quais as coisas trabalham. O que procuramos é um consórcio de
elementos (plantas, animais e estruturas) que trabalhem
harmoniosamente juntos”.
225
Texto 8 | Manzano e a ciência do local como
ciência da singularidade
“O local não seria apenas um local entre locais, mas também
a encruzilhada entre os locais (ou entre os tempos, ou ainda
entre os contextos)”.
226
contexto. Assim, os parceiros de jogo são livres para escolher
o jogo que quiserem jogar; feita a escolha, submetem-se às
suas regras. O desejo e o prazer de jogar aquele jogo e não
outro é a referência.
227
presente um futuro que ainda não é. Assumo, pois, a
experiência do local como expressão da simultaneidade ou
contemporaneidade dos tempos, escapando aos engodos das
filosofias da História, do hegelianismo, do positivismo e de
todo pensamento linear e mecânico.
228
probabilidade), e sim um sujeito diverso na minha unidade, ou
uno na minha diversidade (emoção, razão, ética, intuição,
estética, sentimentos, lúdico, tudo a um só tempo).
Localização e globalização
Globalização do local tende a ser igual a localização
do global.
229
A afirmativa de que globalização do local tende a ser igual a
localização do global não é trivial. Formalmente (em termos
lógicos) ela significa que globalização e localização serão a
mesma coisa quando local e global também o forem. Ocorre
que mesmo que o mundo inteiro seja (visto como) um local,
isso não significa que a dimensão global terá desaparecido. E
nem se, por hipótese, o mesmo processo de localização, que
ocorre em uma localidade qualquer do mundo, se
completasse no planeta inteiro (com a coletividade mundial
projetando e antecipando um mesmo futuro desejado,
unificadamente, o que, como veremos, não parece ser
possível – nem desejável...), ainda assim permaneceria
existindo a dimensão global.
230
Em outras palavras, a globalização – ao contrário do que se
imagina – não leva à uma aldeia global mas à miríades de
aldeias (unidades localizadas) globais. Isso é muito, muito
relevante para que se possa entender o sentido da
glocalização.
O que é o local? O local não é o que parece... O mundo pode
ser um local: se o local globalizado for um mundo inteiro.
Como escreveu Frank Herbert em 1976 (em “Os Filhos de
Duna”), “em um universo infinito, local pode abranger algo
tão gigantesco que sua mente se encolhe diante dele” (1).
231
de identidades próprias. Para tomar uma imagem, já
empregada por outros e em outras circunstâncias, milhões de
pontos de luz, cada um com uma cor diferente, vibrando em
uma freqüência diferente, porém conectados entre si,
formando uma grande rede neural. Como escreveu Robert
Muller, há mais de 20 anos, “conforme caminhamos para o
terceiro milênio, talvez a participação em networks se torne a
nova democracia, um novo elemento importante no sistema
de governança, um novo modo de vida nas complexas e
miraculosas condições globais do nosso estranho e
maravilhoso planeta vivo, girando e circulando no universo
prodigioso em uma encruzilhada de infinidade e eternidade”
(2).
232
percebeu genialmente Ernst Bloch quando observou que, do
ponto de vista dessa utopia hebraica primitiva, “deus não
existe, porém existirá”) (4) só seria útil se tal operação
substituísse também a compreensão de que a regulação é
extrínseca ao sistema pela compreensão de que ela é inerente
ao seu processo adaptativo; ou seja, de que a regulação
societária global se dá por meio de miríades de processos
holográficos que ocorrem em cada local-nodo da rede e não
de um processo que possa ser unificado em um local distinto
dos demais (e, portanto, separado dos demais), em um
mainframe do tipo de The Matrix.
NOTAS E REFERÊNCIAS
233
(1) Herbert, Frank (1976). Os Filhos de Duna. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
(2) Cit. por Lipnack, Jéssica & Stamps, Jeffrey (1986). Networks: redes de
conexões. São Paulo: Aquariana, 1992.
(3) Cf. Morin, Edgar & Kern, Anne-Brigitte (1993). Terra-Pátria. Porto
Alegre: Sulina, 1995.
(5) Cf. Rosnay, Joël (1995). O homem simbiótico. Petrópolis: Vozes, 1997
e também Levy, Pierre (1994). A inteligência coletiva: por uma
antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.
Localização e glocalização
Localidades tendem a se tornar holografias do planeta
à medida que reflorescem comunidades no mundo
globalizado.
234
O aspecto holográfico da afirmativa acima já foi abordado na
seção anterior. As duas principais questões que restam para
debater são as seguintes: a) que comunidades são essas que
reflorescem no mundo globalizado? e, b) por quê a localização
do global ocorre em função direta do reflorescimento dessas
comunidades?
Por tudo o que foi dito nas seções anteriores deste capítulo
fica claro que existe uma co-implicação entre localização e
comunidade. Ora, se está em curso um processo de
localização, então é razoável esperar que esteja em curso
também um processo de criação de comunidades. Mas que
comunidades são essas?
235
em curso de globalização, são comunidades de projeto, ou
seja, futuros desejados, projetados e antecipados em
experiências concretas por coletivos humanos estáveis.
236
fundamental são as novas “Atenas” (virtuais ou sócio-
territoriais, neste sentido tanto faz, pois o que importa aqui é
que sejam sociedades de parceria ou coletivos de
interdependência) que vão surgir, possibilitando a
universalização de novos princípios éticos norteadores: dentre
outros, a liberdade como sentido da política (em uma
democracia radicalizada ou democratizada) e a igualdade
como possibilidade (mas não-obrigatoriedade) de inserção e
participação igualmente valorizada de todos na comunidade
política.
237
Talvez sem ter ainda uma compreensão global do fenômeno
da glocalização, muitas pessoas, sobretudo a partir da década
de 1990, têm procurado trabalhar com novas categoriais
analíticas – exteriores ao mundo do pensamento econômico –
para tentar explicar por quê comunidades tecidas por redes e
redes de comunidades estão se constituindo como ambientes
mais favoráveis ao desenvolvimento.
238
Contrariando, talvez, uma parte dos teóricos do capital social,
opto pela segunda alternativa; ou seja, o capital social é
produzido (e acumulado e reproduzido) sempre em um local.
Quer dizer, em um coletivo humano estável que pensa a si
próprio (e é assim visto pelos demais) como um sujeito
caminhante em direção a um futuro desejado. Todas as
evidências empíricas sobre a relação entre capital social e
desenvolvimento foram recolhidas em localidades. Em sentido
positivo, em localidades que apresentaram incrementos em
seus índices de desenvolvimento em virtude da existência de
redes sociais, de organizações voluntárias da sociedade civil e
outras formas de sociabilidade motivadas por
emocionalidades cooperativas. E, por inferência, em sentido
negativo, naquelas localidades que ficaram paralisadas (ou
retrocederam) em relação aos seus índices de
desenvolvimento em virtude da predominância de padrões
hierárquicos de organização e de modos autocráticos de
regulação (como, por exemplo, um padrão vertical de relação
entre Estado e sociedade e a prática do clientelismo).
239
O que chamamos de capital social é algo assim como se fosse
o “combustível” que alimenta a geração de identidade e a
replicação de características (que podem ser vistas como
softwares que instruem a construção de comportamentos) das
peculiares identidades geradas.
Dessarte, em virtude de geração por repetição e replicação
por imitação, se constrói o mundo como uma rede holográfica
de miríades de comunidades. E o “combustível” ou a “energia
social” para isso tudo não vem de outra fonte senão da
cooperação.
240
vontade de poder (no sentido de serem desenhados para
viabilizar a tomada e a retenção do poder de mandar alguém
fazer alguma coisa contra a sua vontade), pela motivação de
derrotar um concorrente ou destruir um inimigo. Não são
baseados em jogos do tipo ‘ganha-perde’ ou do tipo ‘o
vencedor leva tudo’ e sim em jogos ‘ganha-ganha’. São,
portanto, todos eles, movimentos de ethos
predominantemente cooperativo.
241
em geral, coletivamente) e pela sua “lógica” competitiva. Ora,
nenhuma dessas racionalidades e nenhuma dessas “lógicas”
são, por excelência, produtoras de capital social na medida
em que nenhuma delas se baseia predominantemente na
cooperação. Já tratei desse assunto em outro lugar e não seria
o caso de reproduzir aqui os argumentos construídos para
mostrar que o que caracteriza, positivamente, a nova
sociedade civil (ou o chamado terceiro setor) é a cooperação
(4).
NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) Cf. Guéhenno, Jean-Marie (1993). O fim da democracia. 2ª. ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1999; e também (1999). O futuro da liberdade.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
(2) Jacobs, Jane (1961). Morte e vida de grandes cidades. São Paulo,
Martins Fontes, 2000.
(4) Cf. Franco, Augusto (2003). Terceiro Setor: a nova sociedade civil e
seu papel estratégico para o desenvolvimento. Brasília: AED, 2003.
242
Texto 9 | Beck e a aliança em favor da
atividade comunitária
“A atividade comunitária poderia se tornar um... centro de
atividade que garantiria a substância democrática da
sociedade”.
243
Ulrich Beck, na quarta parte do seu livro “O que é
globalização?” intitulada “Respostas à globalização”, elenca,
como sexta em uma lista de dez respostas, o que chamou de
“aliança em favor da atividade comunitária” (1).
244
poderiam fazer da atividade comunitária uma alternativa
interessante...
NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) Beck, Ulrich. O que é globalização? São Paulo: Paz e Terra, 1999.
(2) Idem.
245
Localização em disputa
A localização está em disputa e essa disputa tenderá
a pautar, em futuro próximo, os embates políticos
dentro do Estado-nação.
246
Entretanto, no âmbito nacional, o comportamento do Estado-
nação (que ainda domina o processo político nacional e infra-
nacional) bem como o comportamento das instâncias de
governo nacionais, estaduais e municipais, são decisivos para
acelerar ou retardar a localização.
247
Por último, pessoas e comunidades terão mais capacidade e
mais possibilidade de ensaiar, em âmbito local, padrões de
organização em rede e modos de regulação democrático-
participativos, quanto mais respirável for o “ar” democrático
no seu entorno. Logo, autocracias e democracias com alto
grau de antagonismo e governos dominados por partidos
impregnados por uma cultura adversarial constituem ameaças
seriíssimas à localização. Governos cuja intervenção divide as
sociedades locais em amigos x inimigos baseados em critérios
político-ideológicos de alinhamento a programas e normas
partidárias são forças reacionárias perigosas, capazes de
atrasar em muito a revolução do local.
248
Desse ponto de vista, a solução não é ter governos
“alinhados” com a localização, mesmo porque isso não é
possível em virtude da própria natureza do Estado-nação, que
sempre resistirá, em alguma medida ou de algum modo,
perder poder para níveis infra-nacionais. Bastaria ter governos
comprometidos com a manutenção de um clima democrático
e que adotassem um padrão de relação com a sociedade não-
muito-inibidor das iniciativas locais, quer dizer: não-muito-
intervencionista, não-muito-centralizador, não-muito-
paternalista, não-muito-clientelista. Isso se revelaria na matriz
de suas policies, sobretudo nas chamadas políticas públicas
na área social.
249
Para entender esse ponto de vista é preciso admitir que a
revolução do local não é uma revolução política nacional, não
visa a substituição das elites no poder do Estado-nação. É
uma revolução social stricto sensu, uma mudança no “corpo”
e no “metabolismo” das sociedades.
Todavia, é preciso reabrir o debate sobre o que entendemos
por mudança, transformação ou revolução em termos sociais,
como será abordado na próxima seção (cf. também Texto 12).
250
Tal será o rebatimento, no interior do Estado-nação, do que
chamamos de revolução do local.
251
(ou a comunidade). Ou seja, os neoliberais, os estatistas e os
comunitaristas.
252
inclusive as sociais) para o mercado, não se importando muito
com a capacidade de autoregulação das comunidades (mas
também a ela não se contrapondo quando se trate de outras
esferas – extra-mercantis – da vida social). Estatistas são, em
geral, antiglobalização e antilocalização, muito embora
existam, dentre estes, os que tendem a ser a favor da
globalização ou da localização ou de ambas (uma parte dos
estatistas de centro-esquerda) e os que são radicalmente
contra as duas (os estatistas de esquerda e os estatistas de
direita). Por último, como vimos, os comunitaristas, por
definição a favor da localização, se dividem em dois grupos:
os que são antiglobalização (os comunitaristas conservadores)
e os que são a favor (os glocalistas).
253
agentes, em um espectro amplo, que vai desde
ambientalistas e ecologistas, passando pelos que participam
de movimentos em prol dos direitos humanos e da cidadania,
do feminismo, do ecumenismo e da tolerância cultural, pela
paz mundial, pelo fortalecimento da sociedade civil e pela
promoção do voluntariado, até os dedicados ao
experimentalismo inovador que se desenvolve em torno de
processos participativos de democracia em tempo real ou
cyberdemocacy (envolvendo social networks e civic networks)
e de processos de indução ao desenvolvimento integrado e
sustentável, sistemas sócio-produtivos e de sócio-economia
alternativa ou solidária ensaiados em escala local, muitos dos
quais foram considerados como ‘radicais’ na classificação de
Held & McGrew (2).
254
ideológico – como, por exemplo, as de “esquerda” e “direita” –
se revelaria forçada.
255
Tudo isso será acompanhado pelo fortalecimento das
sociedades civis locais e pelo crescimento do número de
organizações do terceiro setor que não poderão ser
controladas nem pelo poderes estatais centrais, nem pelos
intermediários e, nem mesmo, pelos locais. Tecendo suas
próprias redes, tais organizações estarão linkadas a
organizações de outros países, com propósitos semelhantes
ou convergentes, e farão parte, voluntária e conscientemente,
da sociedade civil mundial.
256
Em segundo lugar, também parece óbvio que, para boa parte
da emergente sociedade civil mundial, quem deverá governar,
no futuro, não são os indivíduos por meio de trocas de
mercado, nem os aparatos estatais-nacionais (“mínimos” ou
não) e sim as pessoas, por meio de comunidades que se
autogovernam e por meio de mecanismos de governança em
múltiplas camadas articulando o local (em diversos níveis) e o
global.
257
Por último, em quinto lugar, a modalidade de transformação
política mais desejável por entes e processos de uma
sociedade civil mundial não será, por certo, aquela que prevê
uma minimização da regulação burocrática para favorecer a
criação de uma ordem internacional baseada no livre mercado
(pregada pelos neoliberais) e nem a velha reforma estatal e
geopolítica (dos estatistas) e sim o empoderamento molecular
das populações, o fortalecimento da sociedade-rede, a
transformação glocalizante da forma atual do Estado-nação
(rumo ao Estado-rede); em suma, a revolução do local como
revolução planetária/comunitária em direção à uma
“ecumene planetária”.
NOTAS E REFERÊNCIAS
258
259
Diagrama 3 | Variantes na política da localização
A favor da Antilocalização
Localização
Estatistas de
centro-esquerda
(“novos” social-
democratas) Estatistas Estatista
Comunitari Comunitaris Neoliber de s de
stas tas ais esquerda direita
inovadores conservado
Social- Social-
democratas democratas
anti-estatistas anti-liberais
Social-democratas
pós-estatistas e pós-
liberais
260
261
Texto 10 | Local e global: as cidades na
globalização segundo Manuel Castells &
Jordi Borja
“Os grandes desafios a que deve responder à humanidade
hoje têm uma dimensão global... Tais desafios, entretanto,
requerem respostas locais”.
262
são hoje a manifestação majoritária e simbólica de nossa
forma de vida, de suas contradições e de suas
potencialidades. Mas, ainda que seja verdade que a população
urbana tenda a ser majoritária, é preciso ter em conta que
uma parte dessa população é urbana porém não tem os
direitos próprios de cidadania e que o agravamento dos
desequilíbrios entre as zonas urbanas e rurais provocam
migrações difíceis de suportar pelas cidades e que tornam
ainda mais pobres as zonas rurais.
263
habitantes e de todas as famílias de participar da vida política
local. Tampouco há cidadania se há exclusão social, se se
constituem guetos para a população imigrante, se não se
toleram as diferenças e as identidades de cada grupo e se se
tolera a intolerância. Não há cidadania se a cidade como
conjunto de serviços básicos não chega a todos os seus
habitantes e se não se oferece esperança de trabalho, de
progresso e de participação a todos. A cidade deve ser um
espaço de fraternidade.
A inovação democrática
264
ou privado, pode arrogar-se ao monopólio da comunicação. A
socialização das novas tecnologias de comunicação a serviço
da participação cívica é uma oportunidade histórica.
265
ii) o reconhecimento da capacidade de coordenar as distintas
administrações e empresas públicas para que seja possível
aplicar políticas integrais e não setoriais na cidade;
266
Cidades ricas, cidades pobres
267
tradicionais de obras e equipamentos públicos, importantes
geradores de emprego.
268
administração honesta e acessível e uma participação
possível para todos.
269
O associacionismo local, um objetivo de importância
global
A cooperação descentralizada
270
iv) articular a cooperação dos poderes locais com as
organizações sociais e culturais, empresas e, em geral, com a
sociedade civil;
271
Conseqüentemente, devem ser reconhecidas as cidades, ao
lado das nações e seus Estados e das organizações políticas,
econômicas, sociais e culturais internacionais, o direito e o
dever de participar, com a mesma legitimidade, nos fóruns
onde se elaboram e aprovam normas e programas e nos
organismos encarregados de sua aplicação” (2).
NOTAS E REFERÊNCIAS
(1) Castells, Manuel & Borja, Jordi (1997). Local e global: a gestão das
cidades na era da informação. Madrid: Taurus, 1997.
(2) Idem.
272
Texto 11 | Michael Shuman e o ideário do
localismo
“Nós temos muito mais poder do que imaginamos”.
273
assassinatos por arma de fogo que afligiam Washington. Sua
conclusão, após haverem trabalhado para solucionar centenas
de homicídios? Alguém precisa se interessar. Hoje, um número
excessivo de jovens cresce em famílias pobres, chefiadas por
apenas um dos pais, nas quais o amor é problemático ou
inexistente. Com a derrocada das economias locais, as
instituições que poderiam ter ajudado (escolas, igrejas,
polícia, associações cívicas) entraram em total desalinho. As
cidades ficaram tão grandes e suas populações tão móveis,
que o contato pessoal e a confiança praticamente
desapareceram.
274
Dez passos para a auto-suficiência (ou auto-
dependência) da comunidade
Chega de filosofia. O orçamento de sua cidade está no
vermelho, empresas-chave estão deixando a cidade, serviços
públicos vitais estão fechando as portas, instituições cívicas
estão se desintegrando, os cidadãos estão se sentindo
desesperançados. O que você pode fazer? Por onde você pode
começar?
275
(1) Uma declaração de direitos e garantias da
comunidade
276
mas também a escolha política. O que queremos produzir?
Como? Onde? Que tipos de bens e serviços são, efetivamente,
essenciais? Qual deveria ser nossa norma para os salários e
os direitos dos trabalhadores? Basta que as empresas
atendam aos padrões mínimos em termos ambientais e de
segurança pública previstos nas legislações federal e
estadual, ou devemos exigir mais? Será que nós – e nossos
vizinhos – deveríamos ter direito a um salário mínimo, a uma
pensão e a um plano de saúde? Que tipos de estruturas de
propriedade são melhores para a comunidade? Muitos de nós
temos sentimentos fortes em relação a essas questões,
embora raramente tenhamos tido condições de expressá-los
em público.
277
Universidade American, descreve, em linhas gerais, os tipos
de dados que toda empresa deve divulgar. Qual a diferença
salarial entre os empregados que recebem a maior e a menor
remuneração? A força de trabalho é sindicalizada? Até que
ponto os empregados têm poder para tomar decisões? Quais
os principais insumos à produção como terra, energia, água,
aço, concreto e assim por diante, e quantos desses bens são
importados de fora da comunidade? Quais os níveis anuais de
descarga de poluentes e resíduos, e o que está sendo feito
para reduzi-los? Para quais campanhas a empresa contribuiu e
quanto gastou com lobbying? Quantos processos foram
instaurados contra a empresa nos tribunais, quantas multas
foram aplicadas por órgãos governamentais e quantas
queixas foram apresentadas no Better Businesss Bureau
(órgão de defesa do consumidor dos EUA)? Que percentual da
propriedade da empresa está nas mãos de moradores da
comunidade?
278
conseqüências. Toda vez que um cidadão pensar em fazer
uma compra, assinar um contrato, abrir uma conta bancária,
ou investir em valores mobiliários, terá em mente a relação de
empresas qualificadas. Empresas amigas da comunidade
terão uma vantagem comercial sobre as não amigas, as quais
tenderão a mudar-se para outro lugar.
279
mais em regiões e “cidades marginais”. Adotar uma posição
excessivamente rígida em relação a essa questão, entretanto,
significaria negligenciar inevitavelmente os desafortunados
que vivem em comunidades não priorizadas, tais como
pequenas cidades, guetos, ou regiões de mineração.
Conforme enfatizado no meu livro [“Going Local”], mesmo
pequenas comunidades têm a oportunidade de gerar sua
própria eletricidade, cultivar seus próprios alimentos, reciclar
água e madeira, transformar bens locais em roupas e abrigo,
criar economias de serviço viáveis e participar de redes de
produtores mais abrangentes. As cooperativas Mondragon
tiveram início na década de 1940 em uma cidade com 8 mil
habitantes, e mesmo após seu espetacular sucesso
econômico a população não ultrapassa 25 mil habitantes. O
potencial para criar uma economia local viável e auto-
suficiente (ou auto-dependente) pode residir em
assentamentos com apenas mil habitantes – talvez até
mesmo algumas centenas. Quem pode saber o que
aconteceria até que novas experiências sejam feitas? Como
argumenta Wess Roberts “Quem não erra não está se
esforçando o suficiente” (3). Descartar qualquer comunidade
como economicamente inviável parece uma atitude
prematura, prosaica e mesquinha.
280
inexplorados de artistas locais. Há associações subutilizadas
que formam a sociedade civil, especialmente nas
comunidades menores da América. Dirija ao longo de uma
rodovia e observe quem “adotou” cada milha: grupos de
escritores, de músicos, de artistas; a Câmara de Comércio; os
Clubes Elks, Kiwanis, Moose e Rotary; grupos de jovens como
o Clube 4-H, as Bandeirantes e a Liga Juvenil; clubes de
futebol e equipes da Liga Infantil; Associações de Pais e
Mestres e grupos de centros de recreação extracurricular;
clínicas de saúde da mulher e centros locais de Planejamento
Familiar; comitês locais de Democratas e Republicanos;
grupos liberais e conservadores dedicados a causas sociais;
instituições beneficentes como a United Way; vigilâncias de
bairros; comitês ad hocs organizadores de eventos no Natal e
4 de julho; e instituições de atendimento ao público sem fins
lucrativos como igrejas, hospitais e universidades públicas.
Finalmente, contabilize os ativos inanimados que foram
descartados: prédios vazios, maquinaria ociosa, terrenos
vazios, áreas industriais abandonadas (conhecidas como
“campos marrons”), energia desperdiçada e água mal
utilizada.
281
segurança econômica, a integridade ecológica, a qualidade de
vida e a atribuição de poderes políticos (5). Para aferir a
segurança econômica, Kline recomenda que uma comunidade
monitore fundos de aposentadoria, contas de poupança,
empréstimos, taxas de inflação, salários, impostos e
distribuição de renda. Como a ecologia local é parte
integrante da segurança econômica, a professora também
sugere um inventário do consumo: os recursos renováveis
locais (energia, árvores, peixes, vida silvestre, terra
agricultável e água) estão sendo utilizados de forma
sustentável? Os recursos não-renováveis, como petróleo e
cobre, estão sendo substituídos por recursos renováveis? Para
aferir a saúde ecológica, Kline recomenda que uma
comunidade avalie áreas pantanosas, a erosão do solo, a
diversidade de espécies e o abastecimento de água. A
comunidade também deve monitorar a formação de lixo e
resíduos tóxicos e a poluição do ar e da água. Obviamente, os
indicadores de qualidade de vida incluem taxas de
longevidade, divórcio, fome, falta de moradia, doenças e
criminalidade. Finalmente, há indicadores de atribuição de
poder. Nesse aspecto, Kline faria com que a comunidade
analisasse o número de jardins comunitários, as taxas de
participação em eleições e reuniões da câmara municipal,
bem como o progresso em relação à igualdade de gênero e
raça em diversas profissões. Os indicadores são quantitativos,
mas a escolha do que aferir e de como aferir é inerentemente
subjetiva. Kline e outros defensores de indicadores, como a
Redefining Progress, sediada em São Francisco, incentivam as
comunidades a adaptar essa lista genérica aos valores e às
necessidades locais.
282
autoridades eleitas a despoluir os rios locais e priorizar os
gastos públicos na redução das taxas de evasão escolar (8).
283
multiplicador econômico. No cômputo geral, apenas 16 cents
de cada dólar ganho por um morador de Chester vinham de
empresas locais, e surpreendentes 87 cents de cada dólar
gasto destinavam-se a proprietários de fora da comunidade. O
Projeto de Renovação Comunitária do Instituto Rocky
Mountain utilizou esse tipo de análise para ajudar pequenas
cidades rurais a se revitalizar.
(3) Empresas-âncora
284
Finalmente, toda dependência constitui uma oportunidade
para as empresas da comunidade. Pode ser que os
consumidores, ao constatar que a eletricidade que utilizam
está sendo transmitida de usinas de carvão localizadas a
centenas de milhas de distância, desejem gastar mais um
penny ou dois por quilowatt/hora em alternativas de geração
local. O Distrito de Serviços de Utilidade Pública Municipal de
Sacramento (SMUD) lançou um programa de “tarifação verde”
em 1994, no qual os usuários residenciais eram convidados a
pagar uma sobretaxa de US$ 6,00 ao mês para ter um
aparato fotovoltaico de 4 quilowatt preso ao teto de suas
casas e ligado na grade comunitária (11). Até o momento,
mais de dois mil clientes se ofereceram voluntariamente para
participar do programa.
285
funcionará – 200 cidades dos EUA hoje ganham dinheiro
reciclando mais da metade de seu lixo sólido (13).
286
locais, desde que haja empresários locais preparados para
aproveitá-las.
287
em detrimento do serviço comunitário. Lewis Mumford certa
vez observou que a sociedade industrial transformou todos os
sete pecados capitais – à exceção da preguiça – “em virtudes
positivas. A cobiça, a avareza, a inveja, a gula, a luxúria e o
orgulho são as forças propulsoras da nova economia” (16).
Um estudo surpreendente da Universidade Cornell constatou
que os alunos do curso de pós-graduação em economia,
quando tinham a oportunidade de contribuir para instituições
beneficentes, doavam metade do valor doado pelos alunos de
outros cursos (17). Seu impulso caridoso na realidade
diminuía na medida em que esses alunos acumulavam mais
anos de treinamento, e atingiam um nível mínimo quando eles
se tornavam professores.
288
Quase todos nós temos poupança e conta corrente, cartões de
crédito, contas de aposentadoria e Plano Keogh (conta de
plano de aposentadoria com tributação diferida, idealizada
para funcionários de pequenas empresas ou profissionais
autônomos) em instituições da nossa escolha, com base em
conveniência, taxas de retorno e grau de amicabilidade – mas
não em lealdade à comunidade. Qualquer pessoa interessada
no futuro que persistir nessa prática estará jogando dinheiro
fora. Mesmo que seu banco atual apresente uma boa
pontuação em relação aos critérios da Lei de Re-investimento
na Comunidade, há grandes possibilidades de que ele não
esteja financiando empresas da comunidade.
289
responsabilidade gerencial, como faz Mondragon. Um banco
comunitário pode apoiar mutuários empresariais, incentivando
todos os seus clientes a fazer negócios com essas empresas.
Pode enviar uma brochura mensal a seus clientes, com
publicidade. Ou, ainda, criar um sistema comercial interno
entre todos os beneficiários de empréstimos, como faz o
Círculo Econômico na Suíça.
290
exploração de trabalhadores de baixa renda e em
ecossistemas em ruínas mais arriscada, no longo prazo, do
que uma economia local revitalizada. Mesmo que o dinheiro
de sua aposentadoria se saia bem em fundos de investimento
convencionais, vale a pena procurar saber quão útil ele seria
se sua aposentadoria precisar ser gasta em uma comunidade
que está se desintegrando.
291
poderiam criar parcerias nacionais – talvez até mesmo globais
– entre si. Poderiam reunir algumas de suas carteiras de
aposentadoria e investir nas empresas comunitárias umas das
outras. Isso diversificaria as opções de investimento e
reduziria o risco, mas de tal forma que continuasse a
beneficiar empresas locais.
292
um número maior de seus contratos e suas compras
envolvesse empresas locais. Os sindicatos de funcionários
municipais poderiam até mesmo reivindicar aumentos de
salários na moeda da comunidade.
293
únicos beneficiários de investimentos, contratos, compras e
financiamento de títulos locais sejam empresas da
comunidade. Pode ajudar a igualar fornecedores locais de
insumos e trabalhadores a produtores locais. Pode criar
fundos de bolsas de estudo que incentivem os alunos
melhores e mais inteligentes a voltar para casa após a
universidade. Pode reestruturar impostos sobre rendas,
riquezas e recursos para privilegiar empresas da comunidade.
294
mercados locais e privilégios especiais do governo certamente
retaliarão. Elas farão lobbying junto a governos estaduais e
nacionais para retirar os poderes de governos locais e
continuarão a utilizar tratados comerciais e salas de tribunal
cordiais para, sempre que possível, burlar os incômodos da
democracia. Mas sua reação mais provável – e mais perigosa –
será apertar o cerco aos governos locais. Desde que a
América continue comprometida com um mercado livre no
poder político, no qual votos e influência podem ser vendidos
a quem pagar o melhor preço, as empresas multinacionais
com enormes cofres financeiros poderão fazer lobbying e
campanhas, e persuadir com agrados e subornar políticos
para que se posicionem contra a auto-suficiência (ou auto-
dependência) comunitária. O princípio central da política
neste país passou de uma pessoa/um voto para US$1/um
voto.
295
preocupar? A reforma política, portanto, é um passo essencial
para a criação da auto-suficiência (ou auto-dependência)
comunitária.
296
existentes, aumentar a probabilidade de que pelo menos um
partido representasse o interesse das comunidades e tornar o
debate público mais informativo e participativo. O fato de que
a maioria das eleições locais é não-partidária, na realidade
permite que os candidatos se alinhem com partidos
embriônicos e vençam as eleições.
297
da devolução, para que recebam poderes de fato sobre a
economia local e não apenas mais responsabilidades sem a
capacidade de arrecadar receitas para pagar por elas. Elas
precisam forçar o governo nacional a re-direcionar as políticas
comerciais da nação para longe da autocracia centralizada da
Organização Mundial do Comércio e em direção aos princípios
matizados do federalismo americano. Elas devem convencer o
Congresso a abolir a previdência social para empresas e
bancos que não sejam leais às comunidades.
298
poder entre os atores for equilibrado (26). A interdependência
que entrega o poder a forasteiros implica custos econômicos
de longo prazo e cria o potencial para um grave conflito.
Poucas comunidades no mundo de hoje têm poder sobre
empresas independentes que orientam a globalização. Nesse
contexto, uma maior interdependência econômica assegura
maior dependência, vulnerabilidade e exploração.
299
comunidades a se tornarem mais auto-suficientes (ou auto-
dependentes) em energia. Desde 1979, a cidade co-
patrocinou três conferências sobre biogás, financiou um
boletim técnico intitulado “Fórum do Biogás” e apoiou projetos
de demonstração por intermédio da Associação de Pesquisa e
Desenvolvimento de Bremen para o exterior (BORDA).
Durante a década de 1980, a associação gastou mais de US$
300 mil para distribuir digestores de biogás em comunidades
no Malí, na Etiópia e na Tanzânia.
300
comunidades indígenas, no levantamento, na demarcação e
na proteção da floresta tropical Amazônica.
301
mobilidade de capital, esperavam criar um código de conduta
empresarial global. A idéia percorreu as ante-salas das Nações
Unidas durante anos e se tornou uma demanda padrão em
declarações de países não-alinhados e do Terceiro Mundo. O
Centro de Corporações Transnacionais da ONU chegou a
esboçar esse código. Mas as empresas globais reagiram com
uma vingança. O jornal “The Wall Street Journal” e outros
meios de comunicação conservadores ridicularizaram esses
esforços e, sob a liderança dos EUA, o Centro da ONU foi
extinto. O resultado é que as instituições globais hoje estão
promovendo liberdade empresarial por meio da OMC, em vez
de responsabilidade empresarial por meio das Nações Unidas.
302
e taxas mais altas de retorno para seus investimentos, mas
também teria de suportar condições de trabalho em
deterioração, colapso do meio ambiente, e instabilidade
comunitária. O “bloco socialmente responsável” poderia
acabar pagando preços mais altos, mas gozaria de uma
melhor qualidade de vida. Embora as comunidades e as
empresas no último bloco constituíssem, inicialmente, uma
minoria, no transcorrer do tempo – na medida em que um
número maior de trabalhadores no bloco neoliberal perdesse
seu emprego e salário, os problemas de poluição e produtos
perigosos se multiplicassem e organizações ecológicas,
trabalhistas e de mudança social surgissem para responder a
esses problemas – um número cada vez maior de
comunidades e empresas neoliberais provavelmente
começasse a optar por uma melhor qualidade de vida em
detrimento de noções obsoletas de eficiência econômica. A
mera existência de um bloco alternativo daria aos políticos e
ativistas comprometidos com uma nova economia do local e
interlocal uma meta concreta para que se organizassem.
303
França, na Alemanha, em Luxemburgo, na Suíça e no Reino
Unido.
304
A estratégia liliputiana
Será que uma economia do século XXI pode ser localizada? Os
céticos provavelmente se lembrarão da história do Grande
Salto para o Futuro. Em 1958, Mao Tsé-tung e o Partido
Comunista da República Popular da China arrastaram milhões
de agricultores relutantes pelo caminho da industrialização,
dando ordens a 25 mil comunas para que estabelecessem
suas próprias fábricas. Milhares de usinas de pequena escala
foram montadas às pressas na zona rural para produzir aço,
cimento, fertilizante, energia e maquinário, com tecnologias
inadequadas, sem coordenação central e sem o apoio e as
peças necessários. O resultado foi o caos, e a União Soviética
imediatamente decidiu retirar seus técnicos da China. As
imagens do Grande Salto que persistem até os dias de hoje
são as de usinas dilapidadas e ociosas.
305
Mas o Grande Salto suscita uma importante pergunta: Será
que a ação comunitária pode efetivamente definir a agenda
econômica de uma nação? Ou do mundo? As forças das
empresas móveis parecem tão grandes, tão globais, tão
refratárias, que qualquer coisa feita no nível local pode
parecer insignificante – algo como combater a seca com um
conta-gotas. Mas nenhuma empresa pode existir sem clientes
e investidores. Retire qualquer um deles e até mesmo a
empresa mais poderosa sucumbirá. Nossos próprios poderes
para adquirir bens ou ações próprias são o calcanhar de
Aquiles das gigantescas bestas comerciais que vêm
destruindo as comunidades.
306
próximas usinas de energia deveriam ser nucleares, mas se
novas usinas de energia seriam de fato necessárias.
Há uma importante lição em tudo isso. Por que nos
exaurirmos lutando contra empresas que se comportam mal?
Se criarmos nossas próprias empresas com base em uma
nova visão de responsabilidade social e se optarmos por
comprar e investir apenas nessas empresas, as outras
empresas se adaptarão ou morrerão. Se criarmos um número
ainda que pequeno de comunidades auto-suficientes (ou auto-
dependentes), nas quais todo morador tenha um emprego
decente que produza bens essenciais para um e para todos,
outras comunidades nos visitarão, aprenderão conosco e nos
seguirão. Nós temos muito mais poder do que imaginamos.
307
famílias, nossos vizinhos e nosso meio ambiente. Desejamos
desesperadamente adquirir um senso de espaço no qual
possamos alimentar a cultura e nos orgulharmos de nossa
história. Trabalhamos longas horas para legar aos nossos
filhos e netos os tipos de comportamento econômico que
dêem prosseguimento à prosperidade. Por que apenas
imaginar o que seria possível fazer em seu quintal? Por que
apenas sonhar com um passado remoto ou um futuro
distante? Por que não começar hoje?”
(2) Ralph Estes, “Tyranny of the Bottom Line: Why Corporations Make
Good People Do Bad Things” (São Francisco: Berrett-Koehler, 1996),
pags. 220-31. Veja também Thad Williamson, "The Content of Ethical
Impact Reports: A Two-Tiered Proposal", Tikkun, Vol. 12-4, pags. 36-40.
(3) Wess Roberts, “Victory Secrets of Attila the Hun” (Nova Iorque: Dell
Trade, 1993), pag. 59.
308
(8) Alex MacGillivray e Simon Zadek, "Accounting for Change"
(monografia) (Londres: Fundação New Economics, outubro de 1995),
pag. 26.
(13) Ibid.
(15) Jane Jacobs, “Cities and the Wealth of Nations” (Nova Iorque:
Vintage, 1984), pag. 42 (ênfase no original).
309
(21) Robert L. Morlan, "Municipal vs. National Election Voter Turnout:
Europe and the United States", “Political Science Quarterly”, Outono de
1984, pag. 462 (Tabela 1).
(23) William Greider, “Who Will Tell the People: The Betrayal of American
Democracy” (Nova Iorque: Editora Simon & Schuster, 1992), pag. 22.
310
identidade – que dão origem a comunidades de
projeto – a partir das novas temáticas do
ambientalismo, dos direitos humanos e da cidadania,
do feminismo, do ecumenismo e do pacifismo, do
fortalecimento da sociedade civil e da promoção do
voluntariado e, sobretudo, dedicados ao
experimentalismo inovador que se desenvolve em
torno de processos de democracia participativa em
redes sociais e de indução ao desenvolvimento
integrado e sustentável, sistemas sócio-produtivos e
de sócio-economia alternativa ou solidária ensaiados
em escala local.
311
necessárias para fazer eclodir ou desencadear o processo
revolucionário a partir da fixação de objetivos, da elaboração
e aplicação da estratégia (ou seja, do planejamento dos
passos do caminho para atingir tais objetivos), da formulação
da tática (ou dos modos de atuação capazes de materializar a
estratégia em circunstâncias diversas) e, enfim, de uma forma
organizativa fulcral portadora de um programa (isto é, de um
conjunto de medidas que, ao serem tomadas, dão
desdobramento ao projeto estratégico). No entanto, tais
agentes só poderiam lograr seu intento caso estivessem
consteladas as condições favoráveis ao desenvolvimento do
processo revolucionário (e essas condições seriam objetivas,
ou seja, independentes da intenção e da posição dos sujeitos).
312
na sociedade – de vez que exige uma certa “acumulação”,
que desequilibre a balança do poder a seu favor, por parte do
contingente revolucionário (em geral organizado em um
partido ou em uma frente de partidos e outras organizações),
sem o que não é possível adquirir o comando dos centros
decisórios (em geral as estruturas do governo central),
tomando-os pela emprego da violência ou ganhando uma
eleição decisiva. Para tanto, é necessário “acumular forças”
para “dar o bote” na hora certa.
313
governamentais não são suficientes para assegurar a
realização dessas medidas, torna-se necessário, sempre,
conquistar ainda mais poder para garantir a sua consecução.
Então se, por exemplo, um partido conquistou o executivo
central de uma república, cabe conquistar também o
legislativo e controlar (ou pelo menos estabelecer um
relacionamento que subordine) o judiciário e o ministério
público, tanto em âmbito nacional quanto em todas as demais
esferas onde tais poderes republicanos constitucionalmente
se estabelecem. E se isso não basta, cabe controlar (ou, pelo
menos, pressionar para “domesticar”) os meios de
comunicação. E finalmente, cabe exercer um controle sobre a
(ou reduzir os graus de liberdade da) sociedade – o mercado e
a própria sociedade civil –, sobre os (ou dos) seus entes e
processos, em todas as esferas.
314
questioná-la, mesmo quando incluía a pregação por uma
revolução mundial (que aboliria, em algum lugar do futuro,
todas as fronteiras et coetera).
315
miniaturizadas de informação em tempo real, amplamente
disponibilizadas), nova cultura correspondente a uma
sociedade cosmopolita global, nova morfologia da sociedade-
rede e novos processos democrático-participativos ensaiados
sobretudo em âmbito local (abrindo novas possibilidades de
democratização das relações políticas intra-locais, inter-locais,
entre o local e o micro-regional, o estadual, o nacional, o
regional e, em suma, entre o local e o global).
316
iii) seus objetivos são os de promover o desenvolvimento
humano, social e sustentável, de pessoas e comunidades,
setores e organizações nos quais se inserem;
iv) sua estratégia é baseada em micro-mudanças de
comportamentos e na capacidade de difusão e amplificação
dessas mudanças por intermédio das redes sociais; e
v) suas táticas são as de resistência ou geração de identidade
dos novos movimentos sociais que dão origem a comunidades
de projetos (e.g., ambientalistas, pelos direitos humanos e
pela universalização da cidadania, feministas, ecumênicos,
pacifistas, pelo fortalecimento da sociedade civil e pela
promoção do voluntariado etc. e, sobretudo, os dedicados ao
experimentalismo inovador que se desenvolve em torno de
processos de democracia participativa em redes sociais e de
processos de indução ao desenvolvimento integrado e
sustentável, sistemas sócio-produtivos e de sócio-economia
alternativa ou solidária ensaiados em escala local).
317
na periferia do mundo, empoderando molecularmente as
populações, aqui e acolá, sem que as pessoas situadas no
centro tenham ainda se dado conta do que está acontecendo.
318
compartilhando seus sonhos e cooperando na busca de
objetivos comuns, exercitando seu protagonismo para
alavancar seus próprios recursos na solução de problemas
locais, conectando-se horizontalmente – peer to peer – e
tecendo redes de desenvolvimento comunitário,
democratizando decisões e procedimentos e inaugurando
novos processos democráticos participativos de caráter
público.
319
de um contingente reduzido de militantes e profissionais
outsiders, como eram vistos, por exemplo, os velhos
comunitaristas ou os novos “localistas”, no mesmo bolo dos
ambientalistas e das feministas (para citar os três exemplos
de movimentos contemporâneos de resistência aos rumos da
globalização excludente, considerados por Manuel Castells)
(2).
320
profissionais vinculados a instituições governamentais e não-
governamentais dedicadas à capacitação para a gestão-
empreendedora de assuntos públicos e negócios privados. O
importante é que, mesmo quando remunerados, o que os
impulsiona é o desejo, o sonho e a visão: o desejo e o desejo
de materializar o desejo; o sonho e a vontade de adquirir as
capacidades requeridas para realizar o sonho; a visão e a
disposição de desenvolver habilidades e competências para
viabilizar a visão. Nesse sentido parece que a melhor maneira
de caracterizá-los é dizendo que são, todos, empreendedores,
inclusive e principalmente, novos empreendedores políticos.
321
partido” etc.). Quando todos os membros de um coletivo
formulam (ou assim se supõe) as mesmas proposições, o
agenciamento de enunciação coletiva encontra-se no estágio
da monodia ou do uníssono” (3).
322
Uma realidade desconcertante
Já existe um número suficiente de evidências para apoiar a
conclusão de que estamos vivendo agora em um tipo de
sociedade onde a dinâmica da mudança social está, ela
própria, mudando velozmente e onde o papel do
empoderamento molecular das populações periféricas está
adquirindo, pela primeira vez, uma importância decisiva em
qualquer estratégia de mudança social.
323
a estrutura (ou “corpo”) de rede e que sua dinâmica (ou
“metabolismo”) seja democrática.
Ou seja, desde que ela incida (ainda que tendo como foco
inicial apenas uma sub-região particular do sistema) sobre os
mecanismos ou processos pelos quais os comportamentos são
mantidos e reproduzidos. Nas sociedades humanas esses
mecanismos e processos se relacionam aos padrões de
organização e aos modos de regulação, às maneiras como o
poder se distribui e como os conflitos são resolvidos. Em
outras palavras, desde que a mudança introduzida seja
política.
Esses casos são diferentes de muitos outros casos de sucesso
onde um empreendedor individual conseguiu atingir seu
objetivo e realizar um grande feito.
324
que ela pode estar inventando uma nova tradição). A
possibilidade de uma intervenção política pontual, com tais
características, se expandir, aumenta na razão direta do grau
de “enredamento” (ou de reticulação) da sociedade.
325
transmitidas no interior daquilo que chamamos de sociedade.
Manuel Castells nos ensina que, a cada dia que passa, as
nossas sociedades estão adquirindo as características de uma
sociedade-rede. Mas só muito recentemente tem se
desenvolvido uma nova ciência, dedicada a análise das redes
sociais.
326
terceiro setor não estaria ocorrendo esse fenômeno que
estamos chamando de revolução do local.
327
estado de equilíbrio. O que não quer dizer que não sejam
sistemas estáveis. Mas estabilidade nada tem a ver com
equilíbrio. Tudo indica que o que é necessário alcançar não é
um "equilíbrio de forças", mas uma sinergia entre iniciativas
provenientes desses três setores. Por quê? Porque nenhum
deles, isoladamente, é suficiente para promover o
desenvolvimento desse sistema complexo e estável, que só
pode se desenvolver quando afastado do estado de equilíbrio,
chamado de sociedade humana.
328
Não é, portanto, por acaso, que esses novos agentes de
desenvolvimento que estão surgindo sejam, em grande parte,
participantes de organizações do terceiro setor.
329
conexão toda a sua força, por empoderamento molecular –
ficamos no mínimo desconfiados ou inseguros.
NOTAS E REFERÊNCIAS
330
(4) Idem.
(5) Idem-idem.
331
Foi na conferência “Sociedade e Estado em Transformação”,
realizada em São Paulo, em 1999, que Claus Offe pronunciou
a interessante alocução intitulada “A atual transição da
história e algumas opções básicas para as instituições da
sociedade”. A intervenção foi publicada na coletânea
“Sociedade e Estado em Transformação” (Bresser Pereira, L. C,
Wilheim, Jorge e Sola, Lurdes (orgs.), Brasília: Enap, 1999).
332
“construção” da história ao contrário da exposição a forças e
a destinos históricos anônimos.
333
firmas e relações internacionais) se correlacionam com os
resultados particulares de suas ações? A partir desta se
desdobra a questão normativa: que mudanças na
configuração dos agentes resultariam em conseqüências
superiores aos observados em termos de critérios de
avaliação como paz, sustentabilidade ou justiça social?
1. Democratização
334
os cidadãos, a garantia de direitos humanos, civis e políticos e
a accountability* das elites governantes. O fenômeno global
de transição maciça para democracia foi impulsionado por
propósitos inspirados em ideais associados com a forma
democrática de regime, assim como por mecanismos causais.
Consideremos de forma breve cada um desses fatores.
335
governo da maioria e as maiorias são feitas tipicamente
daqueles que não detêm privilégios econômicos e poder
social. Além disso, o poder estatal democrático, apesar da
rigidez dos pontos estabelecidos constitucionalmente, é um
fato capaz de afetar o tamanho e a distribuição dos recursos
econômicos de formas mais do que marginais (por exemplo,
por meio de políticas de crescimento, cobrança de impostos e
seguro social). Conseqüentemente, as democracias
normalmente funcionarão para servir aos interesses dos
segmentos menos privilegiados da população, promovendo
direitos “positivos” ou “sociais” e, mais geralmente,
crescimento, prosperidade e justiça social.
336
democráticas e suas organizações supranacionais. Além disso,
investidores (cujo investimento é urgentemente necessário a
novas democracias para desenvolvimento e recuperação
econômicos) preferem sempre operar sob formas
democráticas que apresentem as condições mínimas para o
mando da lei, a segurança dos contratos e a accountability
das elites políticas.
2. Globalização
337
Uma explicação para essas desapontadoras experiências de
transições democráticas tem, até certo ponto, a ver com o
enfraquecimento do Estado nacional e de suas capacidades
de governo. Esse é o tema da interdependência global (ou, ao
menos, interdependência macrorregional, como na União
Européia). A presença de conexões transnacionais
intensificadas constrange e marca o destino das sociedades.
Esse processo traz para a vida social e econômica local forças
que estão, em sua maioria, fora do controle das elites políticas
nacionais, até mesmo das mais determinadas. À medida que
as fronteiras são transpostas e tornadas permeáveis, o
alcance do que pode ser feito coletivamente de maneira
efetiva pelas forças políticas locais diminui (9), graças às
repercussões negativas que a antecipação de qualquer
“movimento errado" pode provocar na arena internacional
externa. As fronteiras, ao que parece, perderam não apenas
sua característica de limite, mas também sua característica
protetora, e portanto capacitadora de respostas
independentes e autônomas. A forma pela qual as ações de
governo dos Estados nacionais são parcialmente
incapacitadas pode ser resumida através da seguinte
fórmula**: dinheiro, matemática, música, migração, força
militar e meteorologia (ou clima):
338
=> Migração: como muitos Estados nacionais não podem
proteger ou prover condições mínimas de vida e liberdade
para todo o seu povo, muitos outros Estados recebem em sua
população residente (e não têm, prática e legitimamente,
como evitar receber) números crescentes de estrangeiros,
refugiados, trabalhadores migrantes, residentes estrangeiros
etc.;
339
parece ser a resposta inversa de recuo para unidades
menores, subnacionais, para fazer frente à percebida fraqueza
das capacidades estatais em controlar os seus destinos.
Apenas aparentemente paradoxal, a globalização envolve
incentivos para “comportamento de bote salva-vidas” e
separação subnacional dos grupos e regiões (relativamente)
mais ricos que, de forma bastante racional do seu ponto de
vista, lutam para defender, explorar e isolar suas vantagens
competitivas locais e regionais, em vez de dividir os avanços
com outras (e supostamente mais vulneráveis) unidades do
Estado ao qual elas pertencem. Isso tem se dado
preferencialmente por meio de secessão e construção de
estados separados (10) ou então por meio de amplas formas
de autonomia fiscal do conjunto da federação.
340
desigualdades distributivas ficarão maiores; alguns fora do
mundo ocidental serão capazes de imitar os modelos
ocidentais, mas a grande maioria não obterá sucesso. O
resultado combinado das duas más notícias é o seguinte: o
número de proprietários de automóveis de luxo e
apartamentos com ar condicionado no que antes era o
Terceiro Mundo tende a aumentar, mas da mesma forma se
eleva o número de pessoas que procuram comida nas latas de
lixo no que antes era o Primeiro Mundo.
3. Pós-modernização
341
que envolva, como uma vez envolveram a teoria da
modernização liberal, o marxismo revolucionário ou o zelo
missionário da cristandade, uma noção universalista de fins
desejáveis, na direção dos quais a história deveria se mover e
pode realmente ser encaminhada por agentes históricos
constituídos. Essa noção de progresso, na medida em que
sobreviveu a todas as forças desorganizadoras da cultura pós-
moderna, está hoje sendo reformulada: o progresso é agora
concebido como a capacidade de evitar continuamente a
recaída no barbarismo e em formas catastróficas de des-
civilização.
342
avaliações de consistência e viabilidade, alguns argumentos
críticos que podem informar o julgamento nesses assuntos. O
que evitar, no entanto, é bem mais óbvio do que o que fazer.
343
nenhuma ou pequena consideração de, ou controle sobre, o
que a busca dos propósitos de aquisição fará para outros ou
mesmo para seus próprios futuros, seja no sentido positivo
(como a riqueza das nações sendo promovida através da
“mão invisível”) seja no sentido negativo (com crises,
injustiças, conflito social ou danos ambientais como um
resultado agregado que, como a lógica do mercado
subentende, ninguém pode prever e ninguém assume a
responsabilidade de ter acontecido).
344
definido de acordo com critérios de necessidade reconhecida.
Os membros de comunidades são chamados a, em nome da
justiça específica da comunidade, assistir os membros
necessitados mesmo se eles de nenhuma forma “tenham
ganho” a reivindicação para tal assistência através de
contribuições feitas por eles ou através de titulações legais a
eles orientadas por autoridades estatais. Nesse caso, o grupo
decide, de acordo com padrões e tradições, quem tem a
necessidade legítima à assistência de seus pares.
345
de preço, defendendo, portanto, a privatização, a
desregulamentação e a demolição do estatuto dos direitos,
particularmente do estatuto dos direitos do trabalho.
Finalmente, há as formas religiosas e não-religiosas de
comunitarianismo e filosofias públicas conservadoras sociais
que enfatizam significados repartidos, missão e identidade
dos grupos e comunidades nacionais como a fundação última
da coesão social. Esses são os três tipos competitivos de
filosofia pública que estão presentes e em competição no fim
do século XX. Desnecessário observar que os sistemas
partidários de muitos países refletem a configuração dessas
filosofias públicas, divididos que são em partidos
socialistas/social-democratas, partidos liberais de mercado e
partidos que vêem a ordem social em termos de identidades
religiosas e étnicas.
346
partir dos quais o seu escopo respectivo pode ser avaliado e
reconfigurado.
347
de e entre os atores coletivos da sociedade civil, tanto formais
como informais. Na verdade, a demonstração por métodos
acadêmicos de inconsistências e impossibilidades pode ajudar
o público a fazer escolhas mais bem informadas. Mas a
resposta é, em última instância, uma questão de “voz”, e não
de “prova”, ou de alguma medida objetiva de “racionalidade”.
A relação e a demarcação da linha entre mercado, Estado e
comunidade é ela própria uma questão de política (16). Como
conseqüência, quase qualquer resposta à questão do papel
adequado e do desejável tamanho relativo dos princípios
macrossociais que organizam a economia política será
controversa e essencialmente contestada.
348
um modelo de proteção estatal autoritário e dirigismo
produtivista, deixando para trás em muitos regimes pós-
socialistas a busca de uma “economia de mercado sem
adjetivo". (Essa é uma receita do antigo primeiro-ministro da
República Checa, Vaclav Klaus, que propôs deslocar a
especificação da economia de mercado como “social”.)
Entretanto, parece muito importante manter viva na mente a
diferença entre um Estado grande (medido em termos do
tamanho de seu orçamento ou do número de seus
funcionários públicos) e um Estado forte, isto é, um Estado
cujas ações de governo têm um impacto significativo no nível
e na distribuição das perspectivas de vida dos indivíduos na
sociedade civil (17). Pode mesmo acontecer que um Estado
seja ao mesmo tempo superdimensionado e pouco eficiente, e
que os bens por ele gerados não sejam na verdade bens
públicos, mas bens de certas categorias (ou “clubes”)
apropriados pelo que tem sido chamado de “burguesia
estatal”, que pode existir tanto em versões militares como
civis. Entretanto, Estados grandes, freqüentemente, também
tentam ser Estados “fortes”. Em vez de servir à sociedade
civil de alguma forma tangível, eles exercitam controle
oligárquico sobre atores na sociedade civil. Ainda está aberto
o debate no interior das sociedades avançadas com respeito a
que esferas da vida e da provisão coletiva deveriam ser
adotadas ou mantidas pelas autoridades estatais, e quais
deveriam ser deixadas de fora ou transferidas para mercados
e comunidades.
349
esse objetivo? Se a resposta é sim, devíamos obter ainda
“mais por menos”. O ônus da prova para responder a tais
questões deve ser daqueles que defendem maiores gastos
estatais e maior nível de empregos no setor público.
350
e coletivas e seguridade social organizadas pelo Estado. Isso
porque, na ausência desses serviços e desse estatuto de
direitos que associamos com o Estado do Bem-Estar moderno,
o mercado de trabalho se transforma naquilo que Polanyi
(citando Blake) chamou de “moinho satânico”.
351
3. A falácia da excessiva confiança nos mecanismos
de mercado
352
mercados não há nenhum valor auto-evidente e absoluto
associado a aumentos de eficiência. Sociedades sem mercado
se sustentaram por séculos sem nenhum aumento observável
de eficiência. Os mercados concedem prêmios para resultados
que sejam medidos por eles como superiores em termos de
eficiência. É importante ter em mente a lógica circular desse
argumento. Se fizermos isso, ficaremos menos
impressionados com o argumento tradicional de que os
arranjos de mercado são preferíveis a outros arranjos porque
eles levam a maior eficiência. Esse argumento é virtualmente
tão poderoso quanto o argumento de que cerejeiras são
preferíveis a todas as outras árvores porque elas dão cerejas.
353
eles externos que forcem que a competição seja mantida.
Adicionalmente, os mercados são conhecidos por sua surdez e
cegueira: são surdos às externalidades negativas por eles
causadas, por exemplo de natureza ambiental, ao mesmo
tempo que são cegos às conseqüências de longo prazo que as
transações de mercado podem causar àqueles envolvidos
com elas.
354
venda". Exemplos podem incluir títulos de doutor, atração
física, atenção pública, decisões judiciais e até mesmo
carreiras políticas (que podem ser adquiridas,
respectivamente, através da compra dos serviços de algumas
instituições acadêmicas, de cirurgiões plásticos, de tempo na
mídia, de advogados caros ou de uma equipe de campanha).
Como os mercados são estruturalmente intolerantes a
métodos não-mercadológicos para gerar e alocar itens de
valor, eles podem causar o que tem sido chamado de
“armadilha de baixo nível”. Países (como os Estados Unidos)
onde formas privadas comerciais de provisão são amplamente
consideradas como resposta padrão às condições de
necessidade social, e onde qualquer expansão dos
orçamentos estaduais e federal é vista com o alarme
costumeiro, são, ao mesmo tempo, aqueles onde provisões
complementares do Estado do Bem-Estar, onde elas existem,
são mais facilmente demolidas. A generalização até certo
ponto paradoxal é que, quanto menor o Estado do Bem-Estar,
quanto mais precários e vulneráveis seus arranjos residuais,
mais facilmente qualquer tentativa de expandi-lo será
frustrada (23).
355
Ainda assim, como muitas substâncias venenosas, os
mercados são indispensáveis como poderosos remédios se
administrados em doses razoáveis. Esse é o caso de mercados
apropriadamente constrangidos e regulados. A retirada dos
mecanismos de mercado de todas as esferas da vida social
nos deixaria sem os efeitos salutares que os mercados podem
trazer. Embora essa retirada seja raramente proposta hoje, é
ainda útil lembrar por um momento o que os mercados são
capazes de nos trazer. Quatro pontos vêm à mente. Primeiro,
as trocas no mercado, se bem supervisionadas e policiadas,
são usualmente pacíficas e não violentas, como os
economistas políticos do século XVIII estavam bem cientes
quando louvavam as virtudes do comércio (24). Essa defesa
“pacifista” dos mercados, quando aplicada à história do
século XX com sua experiência de conquista e defesa de
mercados através de poderes imperialistas, pode certamente
ser colocada em questão. Apesar disso, ela mantém grande
parte de sua validade no nível micro. Pessoas que se
relacionam entre si como parceiros potenciais ou reais nas
trocas do mercado têm poucas razões para atacar os
pescoços uns dos outros. Eles podem, ao contrário, até
desenvolver algum sentido de “simpatia” entre si, como Adam
Smith foi o primeiro a sugerir. Isso ocorre porque os resultados
do mercado, isto é, os termos de troca do comércio (por
exemplo, a renda ganha por hora trabalhada) não podem ser
atribuídos de forma plausível a intenções (hostis) de qualquer
ator, mas se devem a algumas causas anônimas para as quais
o “eu” não tem ninguém para culpar a não ser a si mesmo. Os
mercados são ambientes que se aprimoram e favorecem a
auto-atribuição de resultados, tanto favoráveis como
desfavoráveis, e no final acabam por produzir um quadro
cognitivo de responsabilidades.
356
aplica somente se as recompensas positivas e negativas vêm
na forma de incrementos ou perdas relativamente moderados.
Ao contrário, se as recompensas mudam aos saltos, as
pessoas param de aprender e começam a confundir o
mercado com uma loteria (25) (no caso dos grandes ganhos
que não podem ser explicados em termos do comportamento
individual) ou respondem de forma fatalista ou em pânico, no
caso de grandes perdas, já que as proporções desastrosas de
mudança excedem a capacidade individual para ajustamento
inteligente (26). Finalmente, o mercado tem um poderoso
potencial libertador, já que ele permite que o possuidor de
ativos mercantilizáveis escape ao controle tanto das
comunidades como de burocracias estatais (27). Na medida
em que se pode efetivamente demonstrar que o mercado tem
realmente potencial para redimir o espírito de interação
pacífica e civilizada, de responsabilidade, de ajustamento
inteligente e de liberação do controle do autoritarismo e dos
poderes paternalistas, eles certamente não podem ser
desconsiderados como blocos essenciais para a construção da
estrutura institucional da vida social.
357
feminismo provê um outro mapa cognitivo que enfatiza
identidades de gênero. A “política do corpo” (idade, comida,
saúde, orientação sexual) é invocada mais à frente na
construção de diferenças baseadas em características físicas,
práticas e preferências (28).
358
As tensões existentes entre a política da identidade e os
princípios igualitários de cidadania podem ser explicadas
pelas dificuldades particulares encontradas pela tentativa de
resolução civilizada dos conflitos de identidade quando
comparados com a resolução dos conflitos de classe (29). A
identidade, ou a identificação apaixonada com alguma
comunidade, é quase por definição inalienável e não
negociável. Enquanto conflitos de classe são levados a cabo
entre atores coletivos que dependem uns dos outros (mesmo
se assimetricamente), e por essa razão carregam algum
interesse, ao menos implícito, no bem-estar dos seus
oponentes, os protagonistas dos conflitos de identidade, ao
menos na sua versão mais radical, tendem a retratar não-
membros como pessoas cuja ausência da “nossa" comunidade
ou território nacional é uma condição para o preenchimento
de “nossas” aspirações de “pureza”. Esse tipo de aspiração
com freqüência tem levado a práticas e justificativas de
limpeza étnica.
359
através de políticas de Estado porque, quase como caldo
genético da cultura de uma sociedade, não podem ser
manufaturados ou reproduzidos artificialmente. A necessidade
de proteger as culturas comunitárias se aplica
especificamente, ou ao menos é isso que se afirma, quando
elas são vistas como expostas ao risco de extinção pelo
mercado ou pelas forças políticas da modernização.
IV – CONCLUSÃO
360
complementares, em parte contraditórios, que podem ser
trazidos à baila sob a crítica e a reconstrução dos arranjos
institucionais existentes. Isso porque não existem instituições
ou relações Estado-sociedade somente racionais. Ao contrário,
essas antinomias e rivalidades ideológicas devem (e eu
acredito que possam) ser resolvidas através de uma cultura
de civilidade que se desdobre entre os pólos de nosso
triângulo conceitual de soluções “puras", em grande parte
obsoletas.
361
hegemônicos que realmente conseguem privilegiar um
modelo de ordem social em prejuízo de suas alternativas
desacreditadas efetivamente. Nós também não entendemos
as transformações, às vezes abruptas, que dão origem a
novos discursos hegemônicos, como o da ortodoxia do
mercado livre, e à rápida desmobilização de modelos de
ordem social institucionalizados previamente. Tudo o que
podemos talvez dizer é que as lutas de classe semânticas que
levam à disseminação e à consolidação dos quadros
cognitivos hegemônicos e intuições morais estão sujeitas,
assim como seus resultados, à formação de julgamentos e ao
confronto autônomo de padrões de avaliação e experiência
que podem se originar nas associações cívicas. Nesse sentido,
o capital social não é neutro com respeito ao poder, mas a
própria essência da capacidade da sociedade civil é desafiar e
limitar o seu alcance.
362
capital social no interior da sociedade civil. As forças
associativas são mais capazes de definir e redefinir de forma
constante a “mistura correta" de padrões institucionais do que
qualquer autoproclamado especialista ou protagonista
intelectual de uma das doutrinas “puras” da ordem social”.
(Tradução: Eduardo César Marques).
(2) Em vez das forças desejáveis e diretas descritas pela “mão invisível”
de Adam Smith!
363
lados desse modelo de feedback é apoiado pela maior parte da
evidência histórica recente.
(6) Ver Beetham (1994).
(9) Como alguns autores têm afirmado, isso tem ocorrido até o limite de
tornar a democracia inútil. Ver Guéhenno (1993).
(13) Ver Etzioni (1961) para uma conceitualização similar dos modos de
coordenação através de normas sociais, poder de coerção e incentivos
materiais. Ver também Schuppert (1997)
364
(19) Ver Kaufman (1997a, b).
(26) Isso é bem ilustrado por uma história que se contava na Polônia no
contexto da transição econômica. Suponhamos que o preço do carvão
dobre durante um inverno rigoroso. As pessoas iriam economizar em
aquecimento e trabalhar mais (o que já em si as aquece), de forma a
ganhar o adicional necessário de renda para comprar carvão. Agora,
suponhamos que o preço do carvão quintuplique. Qual seria então a
resposta? As pessoas desistiriam e simplesmente permaneceriam na
cama.
365
(29) Ver Offe (1998).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HALL, P., TAYLOR, R. (1996) Political Science and the Three New
Institutionalisms. Political Studies, v.XLIV; p.952-73.
HELLER, A. (1996) Biopolitics. The Politics of the Body, Race and Nature.
Aldershot: Avebury.
366
----------.(1997b) The Next Challenges for Latin America. In: Working
Papers, n. 108. Madrid: Instituto Juan March.
367
TENDLER, J. (1997) Good Government in the Tropics. Baltimore: John
Hopkins University Press.
Epílogo | Localização e
desenvolvimento
368
Globalização, glocalização, localização
369
e desenvolvimento humano e social
sustentável
A volta ao local, em uma época de globalização, está
se afirmando como uma alternativa de indução ao
desenvolvimento que promete transformar milenares
relações políticas e sociais de dominação.
370
Há quem, cavando ainda mais fundo, tente mostrar que a
economia ortodoxa é uma economia que só vale para o
modelo de crescimento, podendo haver, entretanto, um
modelo estacionário (de ‘crescimento zero’), supostamente –
sob certas condições ambientais latu sensu – mais sustentável
para as sociedades humanas.
Por último, nos anos 90, apareceram aqueles que, como Brian
Arthur (1996), tomando a sociedade (e a economia) como um
sistema complexo, questionam dogmas universalmente
aceitos, como a famosa Lei dos Retornos Decrescentes de
Turgot (1767), mostrando que tais retornos podem sim ser
crescentes e, muito além disso, abrindo um novo referencial
conceitual e introduzindo novos instrumentos analíticos para
estudar as múltiplas interações (e retroalimentações) que se
dão nesse tipo de sistema (4).
371
governos (sua tarefa preferida) como eles devem se
comportar para promover o desenvolvimento das nações. A
solução universal é sempre o crescimento que, por virtude de
mecanismos intraeconômicos, traria como conseqüência o
desenvolvimento humano e social. Depois eles discordam em
quase tudo sobre a posologia. O remédio, contudo, é
consensual.
Assim, existem muitas teses que são dadas como certas pelo
pensamento econômico, mas que não estão “provadas” por
critérios científicos e se assemelham mais a crenças. Vejamos
alguns exemplos.
372
ideais que, em geral, não se reúnem perfeitamente em
sociedades reais. Além disso, as escolhas individuais
freqüentemente não são apenas racionais, mas dependem de
expectativas de recompensa emocional. E, ainda, os “átomos
de interesse” são condicionados por padrões de
comportamento coletivos (das “moléculas de convivência”)
que se replicam pelo simples fato de que são replicáveis
culturalmente e não em virtude de qualquer maximização
voluntária e racional da satisfação de interesses individuais.
Se não fosse assim não se explicaria porque se gasta, nos
Estados Unidos, cerca de 60 bilhões de dólares em produtos
de beleza e, no Reino Unido, mais de 1 bilhão de libras em
comida para animais de estimação, enquanto que as pessoas
resistem tanto a investir em sistemas de saúde e educação
ou, mesmo, na melhoria do ambiente social e natural onde
vivem, o que, racionalmente, aumentaria a qualidade da sua
vida e de suas famílias (8).
373
sociedades cooperativas. Ou seja, a economia pode – e deve –
ser “de mercado”, mas a sociedade não.
374
teimam em não diminuir em virtude do crescimento)
começaram a se perguntar sobre os objetivos do crescimento,
sobre ‘para quê’ e ‘para quem’ ele deveria ser promovido. Foi
assim que começou a entrar em debate a temática do
desenvolvimento humano. E, mais recentemente ainda, a
temática do desenvolvimento social.
375
Quando os economistas falam em desenvolvimento social
estão, em geral, pensando em desenvolvimento humano a
partir de uma racionalidade econômica. E quando os
policymakers (cuja consciência foi colonizada pelos
economistas) falam em desenvolvimento social estão falando
em usar superavits de crescimento (recolhidos em geral na
forma de impostos) para fazer investimentos em saúde,
educação, saneamento, habitação, alimentação e nutrição,
transporte, segurança, emprego e renda e estão falando na
perspectiva de que o Estado, ao fazer isso, estaria
promovendo as condições necessárias e suficientes para que
as pessoas pudessem ter acesso ao mundo do
desenvolvimento econômico. Não estão tratando exatamente
de desenvolvimento social, mas de igualdade de
oportunidades para os indivíduos a partir de uma
racionalidade econômica.
376
econômico ortodoxo virou uma espécie de “religião laica”,
cujos dogmas são ensinados nas escolas e reproduzidos em
toda a parte, sobretudo pelos noticiários da mídia, em geral as
pessoas são conduzidas a pensar nos seus termos.
377
Assim, para o desenvolvimento sustentável, o relevante é a
configuração dos fatores do desenvolvimento em seu conjunto
(como a renda, a riqueza, o conhecimento, o poder ou o
empoderamento e a interação com o meio ambiente natural)
e não os valores dessas variáveis tomados isoladamente.
Maximizar isoladamente o valor de uma dessas variáveis
levará por certo à insustentabilidade – hipótese muito difícil
de ser aceita pelos ideólogos do crescimento, para os quais a
coisa funciona sempre na base do ‘quanto mais melhor e não
importa o resto’. Mantidos os padrões atuais de produção e
consumo (cuja conformação tem a ver com a relação entre
vários outros fatores do desenvolvimento), uma renda per
capita, por exemplo, de 100 mil dólares, poderia levar uma
sociedade ao colapso, como qualquer pessoa inteligente pode
desconfiar, mas para eles seria algo assim como o céu.
378
desenvolvimento nacional. Ontem, Adam Smith escreveu
sobre “a riqueza das nações” e não sobre a riqueza de uma
localidade qualquer. Hoje, já no declínio da era das nações-
Estado, as pessoas continuam considerando apenas o
desenvolvimento nacional, se bem que agora como o
resultado de políticas macroeconômicas acertadas (que levem
à estabilidade e ao crescimento), mas cujas medidas não
podem ser tomadas em nível sub-nacional, em pequenas
localidades pelas quais não trafegam os grandes fluxos de
recursos do mundo econômico. Não é a toa que essa gente
ande tão nervosa nos últimos anos, ao constatar que o
processo de globalização retira também boa parte da
autonomia macroeconômica do Estado-nação, que, em alguns
casos, vira uma localidade tão periférica no mundo econômico
global quanto os pequenos municípios do interior que sempre
desprezaram.
379
O mesmo preconceito também se verifica entre os que
aceitam a idéia de desenvolvimento local (aplicada a
unidades infra ou sub-nacionais) sem terem se livrado ainda
da ideologia econômica. Dentre estes há os que sustentam,
por diversos caminhos argumentativos, que o fundamental é
promover o desenvolvimento econômico das localidades, seja
para fortalecer o mercado interno, seja para aumentar o
volume ou promover a distribuição da riqueza pela
multiplicação do número de proprietários produtivos, seja
para – em uma época de globalização – se refugiar em
espaços ainda não devastados pelos fluxos financeiros do
capitalismo global para, ali então, nesses pequenos
“esconderijos da história”, iniciar processos virtuosos de
acumulação primitiva de capital autóctone.
380
projetos no território (o que chamo de "usina social de
projetos"), onde se combinam articulação interinstitucional e
participação social (ou novos "arranjos sócio-institutucionais"
ou "novas institucionalidades", vinculando ampliação da
esfera pública e oferta de serviços territorializados). Como
sabemos, este diferencial de ambiente não é apenas um
"aspecto contextual", mas é o núcleo do processo, é aí que se
dá o salto do pontual para o sistêmico” (10).
381
valor da variável ‘capital humano’ pode ser muito maior do
que em outra e isso não significa que tal localidade é mais
desenvolvida do que a outra. Valores menores de ‘capital
humano’ podem ser “compensados” por valores maiores de
‘capital social’. Se não fosse assim o Brasil seria um país
muito menos desenvolvido do que a Argentina. Ou valores
menores do PIB podem ser “compensados” por altos valores
do ‘capital humano’. Se não fosse assim a Islândia ou a Suiça
seriam países muito menos desenvolvidos do que os Estados
Unidos. As pessoas que não vêem isso em geral confundem
desenvolvimento com pujança econômica ou, às vezes,
infelizmente, com capacidade político-militar de se impor ao
mundo, unilateralmente, a partir de posições e argumentos de
força. Ora, estamos falando de desenvolvimento ou de
capacidade de dominar e de mandar nos outros? Se ambas
são a mesma coisa, ou se uma leva inexoravelmente à outra,
então se poderia medir o grau de desenvolvimento de uma
localidade pelo número de ogivas nucleares e mísseis
balísticos operacionais que possui em estoque e não
deveríamos ficar perdendo tempo e quebrando a cabeça com
a elaboração de índices humanos, sociais ou ambientais de
desenvolvimento. Mas não me consta que apesar de seu
número de ogivas e mísseis intercontinentais alguém em sã
consciência prefira viver na Rússia do que no Canadá baseado
no cálculo de que lá, na primeira, exista mais
desenvolvimento.
382
chamamos de localidade. Tal fator é o capital social, ou o
‘poder social’ ou a capacidade de um coletivo humano estável
de se mover, de alterar suas relações internas
(compreendendo que, se desenvolvimento implica sempre
mudança, tal mudança é também, sempre, uma mudança
social, uma vez que o conceito de desenvolvimento se aplica
a sociedades humanas e não a quaisquer outros sistemas ou
coleções de objetos vivos ou inanimados).
383
paralelo simultaneamente por meio desses componentes
(humanos).
384
15 – Comunidades são sociedades com mais ‘poder social’
para usinar padrões de comportamento (programas).
385
26 – Todo desenvolvimento é humano.
386
Na velha concepção de revolução estatal-nacional os
revolucionários são reformadores de conteúdos político-
ideológicos e não de estruturas e dinâmicas sociais. Mesmo
declarando o contrário – e se apresentando como
transformadores sociais – na prática logram apenas trocar o
“recheio” do Estado. Pregam, muitas vezes, a mudança do
“caráter de classe” do Estado e outras besteiras semelhantes
que significam, sempre, ao fim e ao cabo, remover (por meios
violentos ou pacíficos) os velhos ocupantes para ocupar o seu
lugar, via de regra mantendo, entretanto, inalterados, as
estruturas piramidais (hierárquicas), os processos
centralizados (e burocratizados de comando) e sobretudo, o
padrão, vigorante há milênios, de relação do Estado com a
sociedade.
387
Mas assim como, em geral, economistas e policymakers ainda
não se deram conta das relações entre desenvolvimento e
democracia, nem mesmo os teóricos do capital social
parecem ter se dado conta das relações entre a produção de
capital social e o processo de democratização, ou melhor, de
democratização da democracia.
388
ensejando/viabilizando a participação dos cidadãos na polis
(entendida como comunidade política).
389
centralizadamente, por meio de um comando unificado, de
uma mesma diretiva emitida “de fora” e “de cima”, porém
sustenta que tal empoderamento deva ser molecular, a partir
“de dentro” e “por baixo”. Ela parte da idéia de que o
empoderamento molecular é a única maneira de se subtrair
aos padrões hierárquicos e aos modos autocráticos que ainda
predominam nas sociedades humanas.
Por isso, estou cada vez mais convencido de que grande parte
de nossos problemas não decorre de excesso e sim de falta de
globalização, no sentido em que o termo é empregado aqui,
ou seja, como um dos aspectos de um processo de mudança
social global que implica também localização. Neste sentido, o
que chamamos de dominação só ocorre por insuficiência de
glocalização; ou melhor: existe dominação na medida inversa
da existência de globalização-e-localização, uma vez que não
se conhece na história nenhum sistema ou prática de
dominação que tenham conseguido se implantar na ausência
de padrões hierárquicos de organização (e de modos
autocráticos de regulação, que parecem lhes ser próprios).
390
relações políticas e sociais de dominação. Ora, se isso não é
uma revolução, não sei o que poderia ser assim chamado.
391
sempre únicas e encontrando suas próprias soluções para
resolver seus problemas, da sua maneira, afirmando a sua
identidade.
Portanto, para uma estratégia de investimento em capital
social, induzir o desenvolvimento humano e social sustentável
como forma de estimular a revolução do local é manter a
esperança centrada no empoderamento molecular das
populações, para que elas próprias se emancipem.
392
Ora, em primeiro lugar é preciso ver que a revolução do local
já está acontecendo.
393
desencadeie. Algo assim como uma “massa crítica”
detonadora. Mas, certamente, para cada configuração
particular haverá uma quantidade e uma qualidade mínimas
dessa “massa crítica”. E, mesmo para uma configuração
particular, talvez nunca possamos conhecer, completamente
e de antemão, nem os valores nem as características dessa
“massa crítica” para que o processo seja detonado.
394
ligação, em comparação com a população total, para
consolidar o distrito como uma Entidade real. Bastam cerca de
cem pessoas em uma população mil vezes maior. Mas essas
pessoas precisam dispor de tempo para descobrir umas às
outras, para investir em colaboração proveitosa – e também
para criar raízes nos diversos bairros menores locais ou de
interesse específico" (14) (Jacobs, 1961: 147).
395
Talvez bastasse isso... Talvez estejamos perdendo tempo...
Estimule as redes – e o “metabolismo” que parece lhes ser
próprio: a democracia interativa – e tudo o mais virá. Ou não
virá. Mas se não vier não é por nossa culpa e não podemos
fazer nada para que venha, a não ser sucumbir à tentação de
levar as coisas prontas, a partir de uma intervenção exógena,
a partir de uma lógica heterônoma. E aí não vai adiantar,
porquanto não conseguiremos fazer isso sem afetar
negativamente o “corpo” e o “metabolismo” das redes
endógenas, sem reintroduzir ou reforçar padrões hierárquicos
de organização e modos autocráticos de regulação,
interrompendo (ou retardando), então, o processo de
localização.
396
dessas instituições e aparelhos para ocupar o seu lugar em
nome de um ideal generoso e igualitário, via de regra não
fazemos mais do que manter (e freqüentemente até reforçar)
as estruturas iníquas que queríamos transformar.
O que não é tão óbvio assim é que quanto mais bilhões você
injetar a partir do Estado, mais capital social exterminará se –
digo: se – os desenhos das políticas não forem alterados; ou
397
seja, se o padrão de relação entre Estado e sociedade não for
modificado. Mas vá-se lá dizer-lhes!
398
Para concluir, não se percebe que desenvolvimento é um
fenômeno sistêmico, próprio de sistemas complexos – como o
são as sociedades humanas. Ora, não existe outro meio de
operar tais sistemas senão pela política. Pode-se, através da
política – e, nos regimes democráticos, unicamente através
dela – manter ou alterar as configurações dos sistemas
sociais.
399
houver, mais tempo estará sendo ganho a favor da revolução
do local.
NOTAS E REFERÊNCIAS
(2) Idem.
(4) Arthur, W. Brian (1996). “Increasing returns and the new world of
business”, Harvard Business Review, jul-ago.
(6) Idem.
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(7) Cit. por Henderson (1999). Cf. Reder, M. (1999). Economia: a cultura
de uma ciência controversa. Chicago: Chicago University Press, 1999.
(12) Jacobs, Jane (1961). Morte e vida de grandes cidades. São Paulo:
Martins Fontes, 2000.
(13) Jacobs; op. cit. em Franco, Augusto (2001). Capital Social. Brasília:
Instituto de Política / Millennium, 2001.
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