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Grupo de Trabalho pela Criação da Reserva Extrativista Marinha de Itacaré

Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC

Reserva Extrativista Marinha de Itacaré:


Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental da Área Proposta e
das Comunidades Extrativistas Beneficiárias

2001
Reserva Extrativista Marinha de Itacaré
Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental da Área Proposta e
das Comunidades Extrativistas Beneficiárias

Editores:
Ronaldo Weigand Jr.
Rubens Lopes

Apoio:
Prefeitura Municipal de Itacaré
Asperi
Colônia Z-18
Jupará
Restaurante Senzala
Supermercado Estrela
Supermercado Itacaré
Supermercado São Miguel
Hortifruti Oliveira
Supermercado Mateus
Supermercado Pituba
Supermercado Menor Preço
Posto São Miguel

2001
1

Ficha Catalográfica:
Weigand Jr., Ronaldo; Lopes, Rubens (editores). Reserva Extrativista
Marinha de Itacaré: Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental da
Área Proposta e das Comunidades Extrativistas Beneficiárias. Itacaré:
Grupo de Trabalho pela Criação da Reserva Extrativista Marinha de
Itacaré; Ilhéus: Universidade Estadual de Santa Cruz, 2001. 142p.
1. Reserva Extrativista, 2. Diagnóstico Rural Participativo, 3.
Comunidades Pesqueiras, I. Título
Reserva Extrativista Marinha de Itacaré
Diagnóstico Socioeconômico e Ambiental da Área Proposta e
das Comunidades Extrativistas Beneficiárias

Elaboração Miguel Carlos Costa – Grupo de Trabalho pela Criação da


Resex Marinha de Itacaré
Comunidades Pesqueiras de Itacaré
Ana Cláudia Mendes Malhado – Ecóloga
Editores
Viviane Menezes Hermida – Psicóloga
Ronaldo Weigand Jr. – Doutorando de Antropologia/ University
of Florida (Coordenador do Trabalho Participativo) Brênio Silva dos Santos - Grupo de Trabalho pela Criação da
Resex Marinha de Itacaré
Dr. Rubens Lopes – Oceanógrafo/ UESC (Coordenador do
Levantamento Biológico) Bárbara de C. Vasconcelos – Grupo de Trabalho pela Criação
da Resex Marinha de Itacaré
Contribuidores
João Batista Alves Viana – Grupo de Trabalho pela Criação da
Ronaldo Weigand Jr. – Antropologia e Métodos Participativos/ Resex Marinha de Itacaré
University of Florida
Gilmar Lopes Santos – Grupo de Trabalho pela Criação da
Dr. Rubens Lopes – Plâncton/ UESC Resex Marinha de Itacaré
Ana Cláudia Mendes Malhado – Ecologia e Métodos Rubens Lopes – Oceanógrafo/ UESC
Participativos
Sylvia M. M. Susini Ribeiro – Oceanógrafa/ UESC
Viviane Menezes Hermida – Psicologia Comunitária e Métodos
Participativos Mônica Y. Tsuzuki – Oceanógrafa/ UESC
M.Sc. Lúcio Figueiredo de Rezende – Oceanografia Física/ Lúcio Figueiredo de Rezende – Oceanógrafo/ UESC
UESC
Gecely R. A. Rocha – Oceanógrafa/ UESC
Sylvia M. M. Susini Ribeiro – Oceanógrafa/ UESC
Cíntia S. Coimbra – Oceanógrafa/ UESC
Dra. Gecely R. A. Rocha – Nécton (Peixes)/ UESC
Manuel dos Santos – Grupo de Trabalho pela Criação da
Dra. Mônica Y. Tsuzuki – Aquacultura/ UESC Resex Marinha de Itacaré
M.Sc. Cíntia S. Coimbra – Algas/ UESC Antônio Marcos Silva do Rosário - Grupo de Trabalho pela
Criação da Resex Marinha de Itacaré
Alexandre Oliveira de Almeida – Crustáceos de Água Doce/
UESC Gicélia Cosme dos Santos - - Grupo de Trabalho pela Criação
da Resex Marinha de Itacaré
Erminda C. G. Couto – Zoobentos/ UESC
Ana Maria Argôlo - Bióloga
Ana Maria Argôlo – Botânica
Valéria Cyrillo – Enga. Agrônoma
M.Sc. Luiz Alberto Mattos Silva – Botânica/UESC
Ananda Marson Silva – Estudante de Biologia/ UESC
M.SC. Ana Amélia Lavenère-Wanderley - Oceanografia
Geológica/UESC Clara Sampaio Dias – Estudante de Biologia/ UESC
Daniela Maria Barreto Martins – Psicologia Comunitária e Renato Seixas Vieira – Estudante de Biologia/ UESC
Métodos Participativos
Diego Idi
Facilitadores
Manoel de O. Pinto -Grupo de Trabalho pela Criação da Resex
Ronaldo Weigand Jr. – Doutorando de Antropologia/ University Marinha de Itacaré
of Florida
Joildo Reis Soledade – Grupo de Trabalho pela Criação da
Resex Marinha de Itacaré
i

Índice
Glossário................................................................................................................................ iii
Prefácio.................................................................................................................................iv
1. Introdução..................................................................................................................... 1
2. Área Proposta para a Reserva Extrativista Marinha de Itacaré ............................... 3
3. Métodos......................................................................................................................... 5
4. Itacaré ........................................................................................................................... 7
5. Comunidades ............................................................................................................... 7
6. Recursos Naturais ........................................................................................................ 22
7. Utilização dos Recursos Marinhos .............................................................................. 34
8. Rios e Estuários............................................................................................................. 48
9. Potencial para Aquacultura ...................................................................................... 65
10. Potencial ecoturístico ............................................................................................. 68
11. Organizações de importância para a comunidade pesqueira......................... 71
12. Conflitos e Direitos Tradicionais .............................................................................. 81
13. Históricos Participativos ........................................................................................... 89
14. Conclusões e Diretrizes para o Plano de Desenvolvimento da Reserva
Extrativista Marinha de Itacaré ......................................................................................... 92
Referências Bibliográficas ............................................................................................... 102
Anexo 1: Reservas Extrativistas Terrestres no Brasil. ........................................................ 107
Anexo 2: Calendário Geral de Atividades Desenvolvidas ........................................... 108
Anexo 3: Atividades de DRP Desenvolvidas em Cada Comunidade ........................ 110
Anexo 4: Amostragens realizadas no estuário do Rio de Contas................................ 118
Anexo 5: Lista de organismos do zooplâncton encontrados em Abrolhos, típicos da
Corrente do Brasil, possivelmente comuns na plataforma continental de Itacaré. . 120
Anexo 6: Resultados das amostragens de plâncton no estuário do Rio de Contas . 122
Anexo 7: Lista de espécies fitobênticas identificadas em Itacaré .............................. 127
Anexo 8: Fotos e lista das espécies de peixes coletadas em Itacaré ........................ 128
Anexo 9: Espécies do Rio de Contas citadas pela comunidade do Porto de Trás. .. 135
ii

Anexo 10: Lista parcial das espécies de zoobentos coletadas dentro da área
proposta para a RESEX – Itacaré (nomenclatura e classificação segundo Brusca &
Brusca, 1996) .................................................................................................................... 136
Anexo 11: Nomes comuns de espécies da fauna conhecidas no ecossistema do Rio
de Contas próximo a Taboquinhas. ............................................................................... 140
Anexo 12: Dados biológicos adicionais sobre crustáceos decápodos da região de
Taboquinhas, Itacaré....................................................................................................... 141
iii

Glossário
Asperi: Associação dos Pescadores e Marisqueiras de Itacaré, entidade com 24
barcos B-18 financiados pelo Banco do Nordeste, e uma infra-estrutura para
conservação do pescado, incluindo câmara frigorífica e fábrica de gelo.
Barco B-18: embarcação menor que o "guincho" (ver abaixo), equipada com motor
diesel B-18, ou semelhante, que pode ser usada para a pesca de camarão, de rede,
espinhel ou linha. Muitas vezes, é usada também para transporte de turistas.
CNPT/Ibama: Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações
Tradicionais, do Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis - Ibama. Responsável pela criação e gestão das reserva extrativistas.
Colônia Z-18: Entidade responsável pela organização e cadastramento dos
pescadores e marisqueiras de Itacaré e região.
Diagnóstico Rural Participativo – DRP: método para envolver comunidades no
diagnóstivo de seus problemas, identificação e planejamento de soluções, e na
implementação das ações planejadas, visando o empoderamento comunitário.
Empoderamento: aumento do poder de uma pessoa ou grupo, que pode ser em
relação a outras pessoas e outros grupos, em relação aos seus próprios objetivos, em
relação à sua participação nos processos decisórios, etc.
Grupo de Trabalho pela Criação da Reserva Extrativista Marinha de Itacaré - GT:
grupo formado por pescadores e marisqueiras de Itacaré, que vem trabalhando
voluntariamente desde 1999 na educação e organização da comunidade para a
criação da Resex Marinha de Itacaré.
Guinchos: embarcação para a pesca industrial de camarão, equipada com
tongones e guinchos para arrasto e levantamento da rede.
Normas da Reserva (Plano de Utilização): conjunto de normas e regras que guiam o
comportamento dos extrativistas, seus direitos e deveres, e as penalidades aos
infratores. Propostas pela comunidade, as Normas devem ser aprovadas pelo
Ibama, e tornam-se parte do contrato de concessão do direito real de uso, firmando
o compromisso da comunidade com o uso sustentável dos recursos naturais.
Plano de Desenvolvimento: O conjunto dos objetivos e estratégias de
desenvolvimento da comunidade extrativista, que deve guiar e organizar as ações
de implantação da resex.
Plano de Utilização: o mesmo que Normas da Reserva.
Resexs: reservas extrativistas, isto é, áreas pertencentes ao Estado, destinadas ao
desenvolvimento sustentável de populações que vivem principalmente da extração
sustentável de recursos do ambiente natural.
iv

Prefácio
Muitas são as histórias de como tudo começou. Esta é apenas uma das versões.
Houve o caso dos botos que morreram na praia, que motivou a criação da
entidade Boto Negro, e também sua movimentação para a criação de uma área
protegida, uma APA marinha. Depois, houve também um problema com os
guinchos, e a motivação de algumas pessoas para a criação de uma reserva
extrativista (Resex) marinha. Grem, dono de pousada em Itacaré, conhecia em
Arraial do Cabo, onde uma resex marinha já existia, o funcionário do Ibama Fábio
Fabian e o chamou para um encontro em Itacaré. A partir desse encontro, surgiu o
primeiro movimento pela criação da Reserva, liderado por Grem e Professor
Raimundo, na época, presidente da Associação dos Pescadores e Marisqueiras de
Itacaré - Asperi. Um abaixo-assinado solicitando a Reserva foi encaminhado ao
Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais -
CNPT/Ibama, mas um requisito básico era a organização da comunidade. Em
março de 1999, Professor Raimundo convidou Ronaldo Weigand Jr., consultor em
desenvolvimento comunitário participativo, para desenvolver um trabalho nesse
sentido na comunidade. Ronaldo conseguiu apoio da ONG de Cooperação
Internacional Terra Nuova, da ONG Jupará, e do CNPT/Ibama. A Asperi e a Colônia
conseguiram apoio de pousadas, da Prefeitura Municipal de Itacaré, do Programa
de Educação Ambiental da APA de Itacaré/Serra Grande.
Em agosto de 1999, o trabalho de organização comunitária começou, com dois
cursos, ministrados por Ronaldo, um em métodos participativos, para técnicos locais,
e outro em liderança e organização comunitária, para pescadores e marisqueiras.
Os cursos resultaram na formação do Grupo Resex, formado por pessoas da
comunidade pesqueira, e um grupo de "assessores", formado pelos "técnicos", que
logo se desarticulou, sendo que alguns dos seus membros (Cláudio Lôpo e Angélica)
foram escolhidos pelo Grupo Resex para acompanhar o seu trabalho.
Esse movimento também passou a receber a orientação de Luiz Souto e Mera, da
ONG Jupará, e do próprio CNPT/Ibama (Rafael Pinzón e Alexandre Cordeiro), em
três visitas a Itacaré. Várias pessoas do Grupo Resex também visitaram a Resex de
Arraial do Cabo, e puderam ver de perto uma resex funcionando. A viagem a
Arraial do Cabo recebeu apoio da comunidade e do comércio de Itacaré, e do
Jupará, entre outros. Em fevereiro, criou-se então o Grupo de Trabalho pela Criação
da Reserva Extrativista Marinha de Itacaré, formado por pescadores, marisqueiras e
pelos assessores que já acompanhavam o Grupo Resex.
Também em fevereiro de 2000, Ronaldo contatou o Núcleo de Oceanografia da
UESC e propôs o seu envolvimento no diagnóstico participativo e laudo biológico da
Resex. A proposta foi recebida com entusiasmo pelos professores e pesquisadores
da UESC que aos poucos foram se envolvendo com a Reserva e sua proposta
participativa.
A tarefa principal do Grupo de Trabalho na época era educar a comunidade
pesqueira a respeito da Resex e também aplicar os questionários que deveriam ter
v

sido usados para elaborar um diagnóstico socioeconômico e ambiental. Mais de 250


questionários foram aplicados nas várias comunidades de Itacaré. Também foram
promovidas várias reuniões para a discussão da Resex, inclusive com a
apresentação do Grupo de Teatro Casa do Boneco, com apoio e orientação do
Jupará. Além disso, o GT se envolveu na proteção ambiental da área da futura
Reserva Extrativista Marinha de Itacaré.
Em setembro de 2000, Ronaldo retornou a Itacaré e começou a orientar um
processo de diagnóstico participativo da Resex. Em janeiro de 2001, depois de um
período de dificuldades, ficou clara a necessidade de apoio e de apressar o laudo
biológico e a criação da Reserva. A credibilidade do processo junto à comunidade
estava em jogo. Felizmente, uma série de apoios foi conseguida. O Núcleo de
Estudos Oceanográficos da UESC conseguiu recursos junto à Reitoria da
Universidade para as visitas a campo. Os professores e estagiários da UESC, sob a
coordenação do Prof. Rubens Lopes, dedicaram-se ao trabalho com grande
entusiasmo e sensibilidade.
Para ajudar na organização das reuniões comunitárias e elaboração de relatórios,
Ronaldo colocou um aviso na Internet solicitando voluntários para ajudar no
trabalho de diagnóstico participativo nas comunidades. Várias pessoas se
candidataram, e foram selecionadas a ecóloga Ana Cláudia Mendes Malhado, e
as psicólogas Viviane Hermida e Daniela Maria Barreto Martins, que doaram seu
tempo à comunidade pesqueira de Itacaré, e cuja dedicação foi essencial ao
trabalho. Apoio também foi conseguido junto ao comércio local de Itacaré. O
Apoio do Restaurante Senzala foi chave para a participação das voluntárias, e
importante para a participação da equipe da UESC. Para as reuniões comunitárias,
os supermercados de Itacaré (Estrela, Itacaré, São Miguel, Oliveira, Mateus, Pituba, e
Menor Preço) contribuíram com doações de alimentos. A Colônia Z-18 e,
especialmente, a Asperi contribuíram com recursos e apoio político. Finalmente,
Ronaldo contribuiu com recursos próprios, abrindo sua casa às voluntárias, doando
seu trabalho à Resex, e pagando vários dos custos do trabalho.
Um aspecto essencial de todo esse trabalho tem sido a persistência e dedicação
dos pescadores e marisqueiras do Grupo de Trabalho pela Criação da Reserva
Extrativista Marinha de Itacaré. Esse grupo tem aprendido a negociar diversos
apoios, conduzir reuniões, e tomar difíceis decisões sobre os rumos da Reserva. É o
GT que coordena esse trabalho, através de reuniões semanais, dedicando tempo e
recursos próprios. Hoje o GT é formado por Catu, Bárbara, Breno, Batista, Gilmar,
Celinha, que realizam a maior parte dos trabalhos de campo, e de outras pessoas
que ajudam nas discussões sobre os rumos do trabalho, como Pedro (Asperi), "Bob
Marley" e "João Doido".
Graças a esses esforços todos, temos este relatório, um retrato da comunidade
pesqueira de Itacaré. Não é um retrato perfeito, pois foi feito com poucos recursos,
mas é um bom retrato, que servirá tanto para a criação da Resex quanto para
orientar um plano de desenvolvimento da comunidade.

Itacaré, 31 de abril de 2001


1

1. Introdução
A base principal de sustentação das comunidades pesqueiras da costa da Bahia é
a pesca de peixes, camarões, lagostas, caranguejos e outras espécies marinhas.
Pescadores e marisqueiras obtém esses recursos nos manguezais, baías e em mar
aberto, ambientes que têm diferentes graus de conservação de acordo com a
região. A atividade pesqueira é de
grande importância para a Bahia,
empregando cerca de 40 mil pescadores
e mais de nove mil embarcações (MMA,
1998). Apesar disso, poucos são os
estudos do potencial pesqueiro do
Estado, principalmente para o litoral sul.
A pesca realizada em Itacaré, assim
como em todo o litoral da Bahia, é
essencialmente artesanal. A Figura 1
mostra os territórios tradicionais de pesca
artesanal do sul da Bahia, segundo
Cordell (1989).
Segundo os dados do MMA (1998), a
produção de pescado marítimo e
estuarino no Estado da Bahia, no ano de
1998, atingiu cerca de 41 mil toneladas.
De acordo com a mesma fonte do MMA,
a arte de pesca mais utilizada, isto é,
responsável pela maior parte da captura
de peixes, é a linha. A pesca do
camarão, realizada com redes de arrasto,
também apresenta grande importância.
Não existem dados de captura por Figura 1: Territórios pesqueiros do sul da
espécie, mas por categoria, isto é, Bahia (Fonte: Cordell 1989)
espécies diferentes agrupadas pelo
mesmo nome popular. As categorias de
peixes mais capturadas são os cações, xaréus, badejos, cavalas, bonitos e arraias.
As espécies costeiras mais valorizadas são as capturadas com linha, em substratos
de cascalho ou próximas de afloramentos rochosos, tais como badejos, robalos,
ciobas, dentões e vermelhos.
Na maior parte, os recursos pesqueiros da Bahia já se encontram degradados
devido à superexploração e ao uso de práticas nocivas, como a pesca com
explosivos. Diversas áreas de manguezais, berçários de grande parte das espécies
marinhas, encontram-se ameaçados de ocupação e degradação. Em mar aberto,
a pesca industrial tem sido especialmente nociva, com barcos de pesca de
camarão equipados com guinchos e tongones destruindo o fundo do mar com suas
redes de arrasto. A cada ano, esse processo tem destruído, mundialmente, uma
2

área equivalente a metade da plataforma continental no planeta, uma área 150


vezes maior que a área de florestas destruída a cada ano (Mayell 1998). A
competição feita por esses barcos maiores, normalmente vindos de outras regiões,
tem causado a queda da produção dos pescadores tradicionais e,
conseqüentemente, a queda de sua renda e o estímulo ao uso de métodos mais
predatórios. A biodiversidade e a produtividade dos ecossistemas marinhos estão
ameaçadas. Em conseqüência, além da população de baixa renda que está sendo
diretamente prejudicada pela degradação dos recursos pesqueiros, outros setores
da economia regional, como o turismo, podem sofrer com a falta de pescado e
mariscos que são a base principal da atrativa culinária regional.
A criação de reservas extrativistas marinhas na região tem sido proposta como uma
estratégia para promover a conservação dos recursos naturais e a melhoria da
qualidade de vida das comunidades pesqueiras. De acordo com a Lei do SNUC (lei
no 9.985, de 18 de julho de 2000, Art. 18),
A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais,
cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de
subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos
básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso
sustentável dos recursos naturais da unidade.
Ainda, segundo o parágrafo primeiro do mesmo artigo, a reserva extrativista é de
domínio público, com uso concedido às populações extrativistas tradicionais.
As reservas extrativistas mais conhecidas incluem populações e ecossistemas
florestais da Amazônia, onde ultrapassam 5,6 milhões de hectares (incluindo reservas
federais, estaduais e assentamentos extrativistas - ver Anexo 1). O conceito nasceu
da luta das populações tradicionais da Amazônia contra a expropriação e o
desmatamento de suas terras (Allegretti 1989, 1994). Nos ecossistemas
marinhos/estuarinos, já existem cinco reservas extrativistas federais criadas, em
Arraial do Cabo (RJ), em Pirajubaé (SC), Aquiraz (CE), e duas na Bahia, na Baía de
Iguape e Corumbáu (Prado). Outras reservas extrativistas estão em processo de
criação pelo Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações
Tradicionais - CNPT, do Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis - Ibama, sendo a de Itacaré uma delas (Tabela 1).
O objetivo deste diagnóstico foi subsidiar o processo de criação da Reserva
Extrativista Marinha de Itacaré, servindo de documento básico para a
caracterização social, econômica e ecológica da área da futura Reserva. Ao
involver a comunidade nessa caracterização, o diagnóstico também identificou
participativamente os problemas e as oportunidades de desenvolvimento da
comunidade pesqueira de Itacaré, subsidiando também a elaboração do Plano de
Desenvolvimento e das Normas da Reserva (Plano de Utilização), já em andamento
em Itacaré.
3

Tabela 1: Reservas extrativistas marinhas em criação (fonte: adaptado de dados do


CNPT/Ibama, 2000)
Nome da Reserva Município Estado Número de famílias Área (ha)
Estudos iniciais
Alcobaça Alcobaça BA 400 Em medição
Augusto Correia Augusto Correa PA 250 Em medição
Bragança Bragança PA 700 Em medição
Curuçá Curuçá PA 600 Em medição
Maracanã Maracanã PA 300 Em medição
Santarém Novo Santarém Novo PA 200 Em medição
São João da Ponta São João da Ponta PA 350 Em medição
Itaipu Niterói RJ 400 Em medição
Mata Norte Igarassu/Goiana PE 420 Em medição
Estudos em
andamento
Itacaré Itacaré BA 280 Em medição
Soure Soure PA 278 128.000
Decretadas nos
últimos dois anos
Baía do Iguape Maragogipe BA 903 96.000
Batoque Aquiraz CE 135 6.678
Corumbau Prado BA 260 38174

2. Área Proposta para a Reserva


Extrativista Marinha de Itacaré
A comunidade pesqueira de Itacaré propõe que a Reserva Extrativista seja criada
abrangendo toda a costa de Itacaré e a extensão do Rio de Contas dentro do
Município até a comunidade de Porto das Farinhas.
No limite norte, a Resex deverá abranger todo o estuário do Rio Piracanga, incluindo
todo o trecho onde há influência das marés, isto é, todo o Riacho Chibum, o Rio
Piracanga até a propriedade do Sr. Douglas e o Riacho Tiririca até a ponte da
estrada que liga Itacaré a Maraú (ver mapa participativo da região de Piracanga,
(Figura 5). Nas duas margens dos cursos d'água citados, a Reserva deverá abranger
todas as áreas de marinha, tanto do lado de Itacaré como de Maraú. Isso se
justifica, pois o estuário do Rio Piracanga é um berçário natural de espécies
marinhas, além de ser uma área de grande beleza, cada vez mais cobiçada com o
desenvolvimento turístico de Itacaré, e que merece a proteção da Resex. A
população residente do lado de Maraú que utiliza regularmente os recursos da
futura Reserva tem sido envolvida nas discussões e reuniões de diagnóstico. A área
incluirá também um grande alagadiço, formado por manguezais e campos
alagados, e também as áreas de marinha que margeiam o alagadiço, cobertas de
mata de restinga. Somente com a inclusão dessa área, o Rio Piracanga poderá ser
4

preservado para as gerações futuras. A comunidade de Piracanga está envolvida


no processo de criação da Resex, e esta representará para ela também segurança
frente às tentativas de expulsão da comunidade local (ver adiante neste relatório).
Na praia que vai do Pontal a Piracanga, há uma ampla área de restinga em rápida
formação. A avaliação sobre o domínio da União sobre esta área deve levar em
conta não apenas a distância da maré, mas também que a área está em
crescimento, ou seja, avança sobre o mar.
Da mesma forma que o estuário do Rio Piracanga, todos os rios e riachos onde
houver penetração da maré, formando estuários, deverão ser incluídos até o ponto
de influência da maré. Isso é justificado pela importância dessas áreas para a
ecologia marinha e para os extrativistas de Itacaré. Por exemplo, no Rio Jeribucaçu,
há uma área considerável de manguezais pouco explorados. As áreas de marinha
nesses locais deverão também ser incluídas na Reserva.
No limite sul, a reserva deverá excluir o estuário do Rio Tijuípe, alcançando somente
a praia até a margem norte da foz deste rio. Isso se justifica pois, apesar do estuário
do Tijuípe também ter grande importância ecológica, a sua inclusão faria necessária
a articulação e organização dos pescadores e marisqueiras de Itacaré com os de
Serra Grande, que também utilizam bastante este rio. Essa organização, no
momento, é difícil do ponto de vista social e político e atrasaria a implementação
da Reserva Extrativista Marinha de Itacaré.
Em toda a extensão da Reserva, é muito importante a inclusão das áreas de
marinha, para garantir os seguintes pontos:
 Manutenção e/ou retomada do acesso dos pescadores e marisqueiras
aos seus pesqueiros tradicionais, que têm sido fechados pelos fazendeiros,
novos proprietários e empresários do setor turístico que se estabelecem no
local.
 Manutenção e/ou retomada dos "portos de jangadas" tradicionais,
estabelecidos em Piracanga, Jeribucaçu e Itacarezinho.
 Preservação da linha da costa e dos aspectos paisagísticos do litoral de
Itacaré, ameaçados pelo desenvolvimento desordenado da área, e pelo
projeto de lei nº 617/99, que, se aprovado, transferirá a titularidade dos
terrenos de marinha ao Município, podendo permitir que esses terrenos
sejam utilizados de forma eleitoreira, sem consideração com o meio
ambiente ou com o direito das populações locais. O mesmo projeto de lei
prevê também a redução da área de marinha de 33 para 13 metros, o
que representa grande perigo para a conservação de tartarugas,
restingas e da paisagem em geral.
 Reversão do processo de privatização das praias, em curso no Município,
em que o acesso a muitas praias tem sido cobrado pelos proprietários das
terras adjacentes, mesmo quando feito por caminhos tradicionais, ferindo
o estabelecido na legislação federal.
 Proteção às tartarugas marinhas, que desovam principalmente nos
terrenos de marinha das praias de Piracanga e Itacarezinho.
5

 Proteção aos estuários de pequenos rios e riachos, onde ocorrem


pequenos manguezais que, por sua raridade na região, são também
importantes para a manutenção da produtividade pesqueira e da
biodiversidade. Na praia de Itacarezinho, especialmente, os pequenos rios
e riachos deram origem a pequenas restingas e manguezais. As restingas
já estão começando a ser ocupadas por casas e empreendimentos
turísticos. A vegetação nativa, apesar de já ser protegida por lei, vem
também sendo descaracterizada com novos plantios de côco e pelo
"paisagismo" dos proprietários locais.
 Manejo sustentável das áreas de marinha, com a aplicação das Normas
da Reserva aos extrativistas que fizerem uso dos recursos presentes nessas
áreas, como o guaiamum, por exemplo.
Assim, além dos terrenos de marinha junto às praias, a Reserva deverá abranger
também os rios e riachos, e os terrenos de marinha nas suas margens, até o ponto
em que há influência das marés, conforme a Legislação Brasileira. O mesmo vale
para os riachos afluentes do Rio de Contas. Todas as áreas de marinha nas margens
do Rio de Contas deverão ser incluídas, sendo que a maré influencia o rio até o salto
do "Pé da Pancada", pouco acima de Taboquinhas. Os extrativistas cujas residências
estejam localizadas nesses limites da Reserva poderão continuar no local, desde que
obedeçam às Normas da Reserva (Plano de Utilização). Um levantamento
detalhado é requerido para determinar quais são as áreas que efetivamente
pertencem à União (terrenos de marinha), para sua inclusão na Reserva.
A partir da costa, a faixa de mar a ser incluída na Reserva compreende os seguintes
limites:
 Até oito milhas náuticas a leste da costa, em frente à foz do Rio Piracanga
(S14°13'05,3);
 Até oito milhas náuticas a leste da costa, em frente ao Cabo da Tromba
(S14°17'36);
 Até oito milhas náuticas a leste da costa, em frente à desembocadura do
Rio Tijuípe (S14°26'20).
No Rio de Contas, a Reserva deverá abranger todo o trecho desde a sua foz no mar
até a localidade de Porto das Farinhas, trecho no qual os pescadores de Itacaré
predominam e onde os conflitos com pessoas de outros municípios que vierem a
querer pescar na área serão menores.

3. Métodos
O trabalho de diagnóstico foi baseado no Diagnóstico Rural Participativo – DRP, um
método para envolver comunidades no diagnóstivo de seus problemas,
identificação e planejamento de soluções, e na implementação das ações
planejadas, visando o empoderamento comunitário. O DRP é definido por Robert
Chambers (1994) como uma "família crescente de abordagens e métodos para
capacitar pessoas locais (rurais e urbanas) para expressar, fortalecer, compartilhar, e
analisar seu conhecimento de vida e condições locais, a planejar e a agir". O
6

método vem sendo aplicado mundialmente, com ótimos resultados e, por isso, tem
sido recomendado por diversas agências de desenvolvimento. O objetivo final do
DRP é empoderar as comunidades na gestão do seu desenvolvimento.
Foram realizadas reuniões de DRP e visitas nas seguintes comunidades:
Comunidades urbanas:
 Porto de Trás
 Banca do Peixe
 Forte
 Passagem/ Marimbondo
Comunidades rurais:
 Piracanga
 Itacarezinho
 Campo Seco
 Comunidades ribeirinhas próximas a Itacaré
Comunidade urbana/rural:
 Taboquinhas (inclui sub-comunidades urbanas e rurais no distrito de
Taboquinhas).
O calendário das atividades realizadas encontra-se no Anexo 2. Em todas as
comunidades, foram promovidos mapas participativos dos recursos naturais e
dinâmicas de grupo. Em boa parte, também foram promovidos os seguintes
exercícios de DRP: diagrama institucional, pirâmide social, histórico dos recursos
naturais e mapa participativo da comunidade. As atividades realizadas em cada
comunidade estão detalhadas no Anexo 3.
Paralelamente ao DRP nas comunidades, uma equipe de pesquisadores do Núcleo
de Estudos Oceanográficos (NEO) da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC),
além de participar de reuniões de diagnóstico participativo em comunidades
representativas do uso dos recursos naturais da área da futura Reserva Extrativista
Marinha de Itacaré, desenvolveu procedimentos de campo para a coleta e
identificação de material biológico. As comunidades pesqueiras da Banca, do Forte
e do Porto de Trás foram envolvidas na coleta de espécimes de peixes e outros
organismos para identificação. A equipe da UESC também acompanhou
desembarques de peixes nessas comunidades. Os espécimes de grande porte
(devido ao seu maior valor econômico) foram apenas fotografados, e os de
pequeno porte foram doados pela comunidade para identificação em laboratório.
Além disso, os pesquisadores da UESC fizeram visitas de campo e coletas em
Piracanga, no estuário do Rio de Contas, nos costões rochosos e corais entre o Farol
e a Praia da Ribeira, na Praia de São José e no trecho do Rio de Contas a montante
de Taboquinhas (do Pé da Pancada à Cachoeira do Fumo). Apesar dessas coletas
não terem representatividade estatística, elas forneceram uma lista inicial das
espécies ocorrentes na área. O envolvimento da comunidade possibilitou a larga
abrangência do levantamento em termos de área, além do conhecimento popular
7

sobre as espécies e os ecossistemas de onde foram coletadas. O DRP desempenhou


um papel chave no envolvimento das diferentes comunidades na coleta do
material biológico.

4. Itacaré
O município de Itacaré está localizado no litoral sul da Bahia, sendo a sede a 70 km
ao norte de Ilhéus, e tem uma área de 730 km 2. De acordo com os dados
preliminares do Censo 2000, o município tem 18.105 habitantes, sendo 7.942
moradores da zona urbana, e 10.163 da zona rural. Há 60 estabelecimentos de
ensino fundamental, com 4.144 matrículas, e somente um estabelecimento de
ensino médio. Há também somente um hospital.
O clima úmido fez Itacaré e sua região propícios para a lavoura de cacau, sendo
que Itacaré já foi um importante porto exportador. Contudo, nos anos 90, a doença
vassoura-de-bruxa destruiu as roças de cacau, deixando boa parte da população
desempregada. A economia do município passou então a basear-se na pesca e no
turismo que, com o asfaltamento da BA-001, estrada que liga Itacaré a Ilhéus,
recebeu um novo impulso. O projeto turístico de Itacaré tem forte ênfase no
chamado "ecoturismo", sendo que a própria Área de Proteção Ambiental Itacaré/
Serra Grande, criada em 1993, tem um forte direcionamento para conservar as
paisagens de que o turismo depende.
A implementação da APA enfrentou muita resistência por parte da população
local. De um lado, veio a impedir parcialmente a atividade de madeireiros na
região, e a disputar poder com os canais estabelecidos de decisão. Por outro, a
APA colocou também limites às ações de pequenos produtores e da população
carente, cujo uso da natureza sempre foi uma forma de vencer a sua situação de
pobreza. A forma como a APA foi criada e implementada recebe muitas críticas da
população local, que faz acusações de autoritarismo, hipocrisia e falta de
participação. Com a Reserva Extrativista, um dos desafios foi vencer a desconfiança
da população local e desenvolver um trabalho reconhecidamente participativo.

5. Comunidades
Como foi dito acima, o diagnóstico participativo envolveu atividades e visitas em
nove comunidades pesqueiras do Município de Itacaré (incluindo uma na divisa
com Maraú). Entretanto, a divisão da população pesqueira de Itacaré como um
todo nessas nove comunidades foi realizada pelo Grupo de Trabalho pela Criação
da Reserva Extrativista Marinha de Itacaré, em função das afinidades e da
identidade percebidas entre as pessoas de diversos locais e da conveniência dessa
divisão para a realização do diagnóstico participativo e para o trabalho de
organização comunitária. Por exemplo, Marimbondo e Passagem são dois bairros de
Itacaré, e foram tratados como sendo uma só comunidade. O próprio bairro do
Marimbondo pode ser subdividio em Marimbondo, Nova Brasília, e outros. Isto é, a
divisão em comunidades aqui descrita reflete uma decisão do Grupo de Trabalho,
de acordo com sua vivência em Itacaré e com as possibidades de tempo e recursos
8

do trabalho participativo, e não uma divisão necessariamente natural. Um outro


limite deste diagnóstico foi a diferença no nível de detalhes da descrição de cada
comunidade. Isso reflete tanto as características das comunidades (algumas são
mais "compactas", fáceis de descrever que outras), quanto o tempo de diagnóstico,
composição do grupo de facilitadores e tipos de ferramentas de pesquisa do DRP
que puderam ser utilizadas. Ainda, falta fazer um trabalho mais intenso nas
comunidades ribeirinhas do Rio de Contas.

5.1 - Comunidades urbanas:


5.1.1 - Porto de Trás
O Porto de Trás é a comunidade de
pescadores e marisqueiras mais
tradicional de Itacaré. Ela preserva seu
próprio folclore, tem uma organização
social marcante e continua a praticar
as modalidades de pesca mais
tradicionais. Contudo, é também uma
das comunidades mais pobres e com
maior carência de saneamento básico.
A população do Porto de Trás é
composta por cerca de 99 homens, 103
mulheres, 113 meninos e 87 meninas
(das 114 casas do bairro identificadas, Figura 2: Rua 16 de Dezembro, principal rua
não há dados completos para 20 do Porto de Trás, onde se concentram as
casas). A maior parte dos moradores é casas de alvenaria. O esgoto corre pelo
de descendência africana e nasceu no lado direito da rua, a céu aberto.
próprio bairro, mas algumas pessoas
tiveram passagem por outras regiões do país. Alguns moradores descrevem seu
bairro como uma "aldeia", por ser "fechado", seus habitantes casarem-se entre si e
ainda haver poucas pessoas de fora morando lá.
A maioria dos moradores do Porto de Trás vive do trabalho informal, da pesca e da
mariscagem. A mariscagem não é vista como uma profissão digna por muitos, e as
pessoas hesitam antes de admitir a identidade de "marisqueira/o". Um dos
problemas é a irregularidade da quantidade pescada ou coletada. Das mulheres,
algumas são donas-de-casa e outras são marisqueiras, empregadas e trabalhadoras
do turismo (arrumadeiras, camareiras, cozinheiras, etc.). Entre os homens, boa parte
é composta de pescadores. O trabalho braçal e o de segurança/vigia são
ocupações comuns. Alguns meninos vendem peixes, geladinho e já trabalharam
com limpeza e pintura de ruas. Existem várias pessoas idosas que vivem de pensão
ou aposentadoria. Uma parte da população está desempregada, mesmo no verão,
quando o maior movimento turístico abre oportunidades de emprego na cidade.
Devido à sua atividade principal no estuário do Rio de Contas, as marisqueiras e
pescadores do Porto de Trás são considerados, neste relatório, especialistas em
termos de conhecimento popular a respeito dos recursos naturais nessa área.
9

Na área social, as moradoras do bairro


têm orgulho de não terem problemas de
"encaminhamento" (comportamento) de
seus filhos, sendo que os que andam "fora
da linha" (envolvidos com drogas ou
criminalidade) são moradores novos ou
de fora do bairro. Um morador disse que,
quando isso acontece, eles "tomam
conta disso" lá mesmo, ou seja, a
comunidade se junta para castigar as
pessoas com comportamento
delinqüente, sem recorrer às autoridades.
Isso tem preservado a comunidade
Figura 3: Entrada para a Rua da Jamaica,
desses problemas.
mostrando a falta de calçamento e o
esgoto correndo a céu aberto, na parte
O Porto de Trás apresenta um folclore
central da rua rico, representado nas danças e bandas
locais, no "bicho caçador1", no maculelê
e na capoeira. Suas manifestações folclóricas têm sido valorizadas pelo turismo,
como foi o caso da apresentação recente do "bicho caçador" no Ecoresort/ Vilas
de São José.
O bairro do Porto de Trás tem vários problemas de infra-estrutura. O principal está
relacionado com esgotamento sanitário. Não há rede de esgotos e poucas são as
casas com fossas (cerca de 20, das 114 identificadas no mapa participativo). As
outras têm seu esgoto despejado a céu aberto, que escorre em valas que vão se
unindo até desaguar na parte mais baixa, a Baixa da Gia, onde existem várias casas
novas. Os esgotos são, muitas vezes, despejados logo atrás da casa vizinha. Em
muitas casas, não há banheiros. Assim, a infra-estrutura necessária para resolver o
problema de esgoto não é apenas a rede coletora, mas inclui também, em boa
parte das casas, o banheiro com vaso sanitário.
Aparentemente, as casas localizadas nas áreas mais altas deveriam ser as primeiras
a serem envolvidas em um programa de esgotamento sanitário, pois são as de baixo
que recebem os esgotos das de cima (se começar por baixo, as obras vão ter
pouco efeito na qualidade de vida das pessoas). A situação do esgoto na Baixa da
Gia é sem dúvida a mais grave. Lá existe um número maior de valas/córregos com
esgoto. É uma área perigosa para crianças, pois o caminho é em boa parte feito de
pinguelas e pontes improvisadas sobre as valas de esgoto e água de chuva.
Além disso, uma das casas que está sendo reformada na Rua 16 de Dezembro pode
ameaçar soluções futuras para o esgotamento do bairro, pois a nova construção

1 O "Bicho Caçador" é uma encenação de uma caçada, com pessoas fantasiadas de


animais selvagens, com caras assustadoras, e de caçador, sem cara. Um cortejo
acompanha os atores, que visitam as casas das pessoas importantes da cidade, e lá
encenam a luta entre o bicho e o caçador, tudo acompanhando de cântigos, batucada e
samba de roda. O final da apresentação se dá no Porto de Trás, onde ou o caçador mata o
bicho, ou este mata o caçador. Depois do desfecho da luta, o samba de roda continua a
noite inteira.
10

está sendo feita sobre onde a água escoa de um lado do Bairro para a Baixa da
Gia. A falta de saneamento básico no bairro representa um grande perigo à saúde
pública, especialmente para as crianças, que adoecem em contato com o esgoto.
Quanto ao abastecimento de água, todas as casas do Porto de Trás estão de
alguma forma conectadas à rede pública de água. Algumas estão com o
abastecimento cortado por falta de pagamento, outras têm ligações irregulares na
rede pública.
O Bairro recebe energia elétrica e tem iluminação pública na rua principal. As casas
da Baixa da Gia não estão diretamente ligadas à rede elétrica, mas se utilizam de
ligações a casas de parentes e outros na rua de cima. Falta iluminação pública na
Baixa da Gia e na Rua da Jamaica, onde há postes mas não há lâmpadas.
O Bairro não possui telefones públicos. Para telefonar, os habitantes têm que ir a
outros bairros e não podem receber chamadas. O telefone já foi pedido várias vezes
à TeleBahia (hoje Telemar), mas a empresa teria alegado que os custos são muito
elevados.
Quanto a habitação, as casas da rua principal (R. 16 de Dezembro) do Bairro são na
maioria construídas parede a parede, coladas, sem qualquer espaço separando-as.
Houve dois registros de falta de moradia. A Baixa da Gia é uma área nova de
ocupação e há pessoas no bairro que esperam poder ter um lote lá, com "ajuda do
Prefeito". Na Baixa da Gia e outras áreas novas do bairro se concentram as casas de
madeira, algumas vezes mais precárias. As casas de alvenaria se concentram nas
partes mais antigas (R. 16 de Dezembro).
Somente a rua principal do Porto de Trás é calçada. As outras não são propriamente
ruas, mas sim caminhos precários, cheios de valas onde corre esgoto e sem
condição de trafegabilidade (Figuras 2 e 3).
A coleta de lixo no Porto de Trás é feita duas vezes por dia. Mesmo assim, às vezes o
lixo é jogado por moradores no porto, onde se acumula também lixo trazido pelo rio.
Recentemente, porém, um grupo de moradores do Bairro fez a coleta do lixo
espalhado nas margens do rio.
O Bairro tem uma área comunitária, onde são feitas reuniões, e onde há uma
televisão para uso da comunidade. Segundo "Bob Marley", presidente da
Associação dos Moradores do Porto de Trás (AMPT), 80% dos moradores do Bairro
são associados à entidade, que tem cerca de 80 sócios, embora apenas alguns
paguem a taxa de R$ 2,00 mensais. Essa estimativa é provavelmente um pouco
exagerada, pois é fácil de encontrar moradores não associados. A Associação,
entre outras funções, mantém e administra também as canoas utilizadas pelos
moradores nas pescarias e mariscagem, que só podem ser usadas por pessoas
quites com as mensalidades.
Agentes de saúde visitam o bairro, pesando e medindo as crianças, distribuindo soro,
e dando orientações. Haviam opiniões discordantes a respeito da atuação dos
agentes de saúde. Aparentemente, as avaliações dos agentes de saúde que
caracterizam as crianças como subnutridas incomodam a comunidade, pois não há
muitos meios de solução para o problema dadas as condições de vida locais.
11

Alguns moradores apontaram que os agentes de saúde não visitam a Baixa da Gia
com a mesma regularidade da rua principal do Bairro.
Não há igrejas ou locais de culto no Bairro. Há católicos, evangélicos e um bom
número de pessoas praticantes do Candomblé.

5.1.2 - Banca do Peixe


A Banca do Peixe é uma comunidade complexa, pois é composta de pessoas que
nem sempre são vizinhas e, como pescadores, não possuem uma identidade
comum relacionada com o bairro onde moram, mas sim com o lugar de onde
partem para o mar e onde vendem o peixe: a Banca do Peixe. Dessa forma, o
detalhamento da situação de infra-estrutura da comunidade (esgotos, habitação,
saúde, etc.) ficou bastante difícil, pois os membros da comunidade da Banca
moram em condições bastante diversas, em bairros como o Centro, Pituba,
Marimbondo e até mesmo o Porto de Trás, apesar de compartilharem esse espaço
em comum: a Banca do Peixe.
É nas proximidades da Banca que também acontece boa parte das interações
sociais, principalmente dos homens, que têm lá uma extensão de sua casa. É
comum ficarem por lá depois da pescaria, jogando cartas, descansando, "tomando
a fresca" na rampa à noite ou junto à barraca de "Seu" Osvaldo, e jogando
conversa fora. Também é lá que a maioria entrega os peixes para venda aos
camelôs, como "Marcapasso" e "Tonho do Bicho". Muitos também consertam lá suas
redes.
São cerca de 100 os pescadores diretamente ligados à Banca do Peixe, quase todos
homens, que desenvolvem suas atividades de pesca ou junto à foz do Rio de
Contas, em canoas, ou no mar, em barcos motorizados, onde a pesca de peixes e,
sazonalmente, lagostas, é predominante. A maior parte dos pescadores da Banca
são nativos de Itacaré. Muitos são fundadores (como "Seu" Ízio) ou filhos dos
fundadores da Colônia Z-18.
Assim, os pescadores da Banca são os que mais se identificam com a Colônia Z-18.
Embora a Colônia devesse representar todos os pescadores de Itacaré e região, a
identificação desta com os pescadores da Banca também é grande. Então, em
termos de organização social, a Colônia é o principal canal para os pescadores da
Banca. Ao contrário dos membros de outras comunidades, como o Forte e o Porto
de Trás, os pescadores da Banca não têm uma organização de representação
local. Têm somente a organização de representação regional, isto é, a Colônia.
Entretanto, são inúmeras as queixas dos pescadores em relação à entidade (ver
seção sobre a Colônia Z-18, abaixo). Além disso, enquanto outras comunidades se
organizaram ou estão se organizando para contornar os atravessadores, como o
Forte (através da Asperi) e o Porto de Trás (através da AMPT), os pescadores da
Banca entregam seu pescado a atravessadores e não há planos por parte da
diretoria da Colônia naquele sentido.
Uma outra particularidade da Banca é que, enquanto no Porto de Trás homens e
mulheres estão envolvidos com a pesca, a Banca é mais complexa também nesse
sentido. As esposas dos pescadores desenvolvem diferentes atividades, sendo
funcionárias públicas, comerciantes, lavadeiras, faxineiras, etc., e até mesmo
12

pescadoras e marisqueiras (um trabalho específico deve ser realizado para detalhar
a situação das mulheres da Banca e outras comunidades).
Quanto a religião, da mesma forma que no Porto de Trás, há católicos, evangélicos
e adeptos do Candomblé.

5.1.3 - Forte
A comunidade do Forte é complexa como a da Banca, pois os pescadores de lá
também moram em diferentes bairros da cidade e muitas das mulheres também
desenvolvem atividades diversificadas não relacionadas à pesca. Mas há uma série
de diferenças.
No Forte, boa parte dos pescadores não são
de Itacaré, mas vieram de municípios e
comunidades vizinhos, como Barra de
Carvalhos, Barra de Serinhaém e Valença, e
se estabeleceram em Itacaré há alguns
anos. Mas há também um bom número de
visitantes temporários, que vêm para Itacaré
na estação da lagosta, ou quando dá
camarão, e pescam em barcos pequenos,
como os pescadores locais. Há também os
pescadores empregados nos guinchos, Figura 4: Vista do porto na comunidade
muitos de Ilhéus. Uma estimativa mínima do do Forte, mostrando guinchos (à
número de pescadores do Forte (locais, isto esquerda) e barcos B-18 (à esquerda).
é, moradores de Itacaré) pode ser dada
multiplicando-se o número de barcos da Asperi (24) por uma tripulação de três
pessoas, o que dá 72. Somando-se a isso, considerando-se as pessoas que pescam a
partir das margens do rio no Forte, as pessoas associadas à pesca (comercialização
e beneficiamento), ao turismo, e pescadores independentes, podemos concluir que
cerca de 120 famílias estão ligadas ou fazem parte dessa comunidade.
Como apontado acima, uma organização muito presente é a Asperi (ver seção
específica, adiante) que representa 34 sócios, 24 deles com barcos financiados pelo
Banco do Nordeste com aval da Associação. Através da Asperi, eles fazem a
comercialização conjunta do pescado, apesar de no Forte estarem presentes
atravessadores, como Joel, Gordo, Val e Geraldo (este último, dono de guinchos;
nenhum deles é nativo de Itacaré). Um limite da Asperi é que determinou um
número máximo de 50 sócios. No momento, com 34 sócios, há 16 vagas, o que é
insuficiente para atender a todos.
Como muitos pescadores do Forte não são nativos, essa comunidade não domina o
conhecimento sobre o mar de Itacaré da mesma forma que os pescadores da
Banca, mas é especialista na pesca de arrasto e na lama onde o camarão ocorre.
13

5.1.4 - Passagem/ Marimbondo2


O bairro do Marimbondo é uma comunidade urbana, formada por pescadores,
marisqueiras, comerciantes, pousadeiros e outros. A Passagem é uma comunidade
semelhante, porém, com mais problemas de urbanização e pobreza que o
Marimbondo, por ser mais recente. Esses são os dois bairros mais populosos de
Itacaré. A Passagem, especialmente, tem crescido muito, com pescadores e
moradores de outros bairros que, com a expansão do turismo na cidade, mudaram-
se do Centro em busca de moradias menos valorizadas. Isso, porém, tem valorizado
os terrenos no bairro. Mas a infra-estrutura dos dois é ainda precária, especialmente
a rede de esgotos, que não existe.
Os pescadores e marisqueiras do Marimbondo e da Passagem pescam tanto no rio
como no mar, em canoas e barcos motorizados. Dessa forma, tanto quanto os do
Porto de Trás, são especialistas nos recursos naturais do estuário, mas seu
conhecimento abrange também uma área um pouco mais distante da foz que o do
Porto de Trás. Isso ocorre porque há várias pessoas que são proprietárias ou posseiras
de pequenas áreas rio acima. Além disso, há vários pescadores com bom
conhecimento sobre o mar de Itacaré.
Recentemente, um número cada vez maior de pescadores tem se dedicado ao
turismo, levando os visitantes em passeios pelo manguezal ou até a Cachoeira do
Cleandro, em canoas ou barcos motorizados.
Os dois bairros têm vários problemas de saneamento básico. Todas as ruas dos
bairros têm rede de água. Entretanto, não existe rede de esgoto. Em várias ruas o
esgoto corre a céu aberto, na frente das casas, ameaçando a saúde dos
moradores. Em outras, o esgoto corre por trás das casas, e deságua nos ribeirões e
riachos que cortam os bairros. Esses cursos d’água foram, no passado, importantes
para as comunidade, pois a sua água era usada para beber, lavar roupa e tomar
banho. Um dos pontos em que isso acontecia, próximo ao Domingos do Boi,
contava com uma organização de seu uso, pela própria comunidade, com uma
parte para os homens e outra para as mulheres tomarem banho, e um local
designado para lavar roupa. Hoje, o local se encontra completamente poluído e
esse uso desapareceu. Um dos riachos mais problemáticos vem da Maternidade e
foi polêmica a informação de que a Maternidade tem uma fossa (muitos
acreditavam que não, que o esgoto hospitalar iria direto para o regato). Isso
merece mais investigação, pois o riacho vai dar na Baixa da Gia (ver acima, na
seção sobre o Porto de Trás) e pode representar séria ameaça à saúde das pessoas.
O Ribeirão da Passagem também está poluído. Todo esse esgoto vai dar no
mangue, que hoje está tão poluído que não permite nem mesmo a coleta de
caranguejos. Outro problema apontado pelos moradores como resultado dos
esgotos é a grande ocorrência de mosquitos, que incomodam muito.
A maior parte das casas tem banheiro mas não tem fossas. Segundo os
participantes, a Prefeitura está se mobilizando para despoluir os riachos e fazer o

2 Ao descrevermos os dois bairros vizinhos ao mesmo tempo, estamos atendendo à


conveniência das reuniões de diagnóstico, não a uma divisão natural das comunidades de
Itacaré. Assim, este é um limite para a exatidão e detalhamento das informações a seguir.
14

saneamento. Essa história, segundo alguns que estavam descrentes, é antiga. Outros
se mostraram mais esperançosos.
A coleta de lixo é diária, mas os participantes se queixaram que, quando cai lixo dos
sacos na hora de carregar a carreta, os garis não recolhem. Os varredores de rua
varrem o lixo na Passagem, mas a coleta desse lixo varrido não tem sido feita.
Um dos problemas de saúde apontados foi a dengue, que já foi mais incidente mas
que continua a atingir alguns moradores. O pessoal da Sáude vem trabalhando nos
bairros, o que tem diminuído o problema.
Para os participantes da Passagem, as escolas são longe do bairro, que tem muitas
crianças e também precisa de uma creche.
As drogas são um problema que preocupa as mães que participaram das reuniões.
Segundo elas, depois da escola, muitos jovens ficam desocupados, levando-os ao
risco de se envolver com drogas. As mães sugeriram que se faça um trabalho com
os jovens, para resolver o problema.
Somente a rua principal da Passagem tem calçamento. No Marimbondo, há um
maior número de ruas calçadas. Na Passagem também falta iluminação pública.
Apesar disso, todas as ruas têm rede de energia elétrica. Na Passagem só tem um
telefone público, mas vândalos andaram quebrando-o. Mais um telefone deveria ser
instalado, mas em um lugar protegido dos vândalos.
A infra-estrutura de lazer na comunidade inclui um Campo de Futebol e uma área
de voley, e os forrós e serestas no Domingos do Boi.

5.2 - Comunidades rurais:


5.2.1 - Piracanga (e Caubi)
Piracanga é uma comunidade rural em que a pesca é, principalmente, uma
atividade de subsistência. As famílias locais também obtém renda a partir da
pequena agricultura (ex: coco, mandioca e melancia) e beneficiamento de
produtos agrícolas (óleo de coco), e de trabalhos nas terras de outros.
Uma parte da comunidade vive em ilhas no estuário do Rio Piracanga (Figura 5),
que são freqüentes focos de cobiça e conflitos de terra (ver adiante na seção sobre
"conflitos e direitos tradicionais"), devido à grande beleza do local (Figura 6) e ao
desenvolvimento turístico de Itacaré. Outra parte vive em sítios, próprios ou de
outros, onde trabalham como caseiros. Piracanga está localizada na divisa dos
municípios de Itacaré e Maraú, e quase todas as famílias moram do lado de Maraú.
Entretanto, como a comunidade está mais perto de Itacaré do que de Maraú,
acaba tendo uma relação mais intensa com Itacaré.
O estuário de Piracanga também é bastante utilizado pela comunidade de Caubi,
do município de Maraú, que pesca de linha e de mergulho, e coleta caranguejos e
guaiamuns. Este diagnóstico não descreve Caubi em detalhe. Nas reuniões de
diagnóstico, realizadas em Piracanga, somente um morador de Caubi participou.
Assim, enfatizar-se-á Piracanga, enquanto um trabalho mais intenso de organização
comunitária em Caubi está sendo planejado.
15

Os solos de Piracanga
são muito fracos para a
agricultura, arenosos,
sem capacidade de
reter água, e descritos
como "quentes" pela
comunidade. Ainda
assim, algumas culturas
parecem se dar bem,
como maracujá, coco
e melancia.
A população de
Piracanga é formada
por cerca de 38
pessoas, doze homens,
nove mulheres, sete
meninos, e dez meninas
(não temos dados
sobre a população de
Caubi).
Em Piracanga, dois
problemas importantes
são saúde e
educação. As fontes
de água,
principalmente nas ilhas
próximas ao estuário,
são salobas e/ou
contaminadas. Assim,
verminoses são
comuns. Além das
transmitidos pela água,
também são comum os Figura 5: Mapa
"bichos-de-pé" e os participativo da região
"bichos-de-porco". de Piracanga
Como a agricultura (elaborado pelos
não é muito produtiva, homens da comunidade
a alimentação nem em outubro de 2000)
sempre é farta. Além
disso, falta um trabalho de saúde preventiva. Não há postos de saúde nem agentes
de saúde visitando a comunidade. Para assistência à saúde, a comunidade acaba
procurando Itacaré.
Na área de educação, a maior parte dos moradores de Piracanga é analfabeta ou
lê e escreve muito pouco. A quase totalidade das crianças está sem escola, pois
não há escola local, e o estudo precisa ser em Itacaré ou Caubi, o que é difícil pela
distância. Como Piracanga está na divisa dos municípios de Itacaré e Maraú, é
16

comum um jogo de empurra, com um município atribuindo ao outro a


responsabilidade por implementar serviços de educação e saúde no local. Um dos
proprietários de um sítio próximo ao estuário, do lado de Maraú, disponibilizou uma
parte de sua área para a construção de uma escola e de um poço semi-artesiano
para melhorar a qualidade da água, o que ainda não foi feito.
Quanto a habitação, nas ilhas, as famílias moram em barracas rústicas, cobertas de
palha e com piso de areia batida. Nos sítios, há casas de madeira e taipa. Não há
energia elétrica.
Piracanga está no limite norte da área proposta para a Reserva Extrativista Marinha
de Itacaré. A distância de Itacaré faz a comunicação difícil, pois não há telefones e
o acesso à cidade se dá pela praia, com seis quilômetros de caminhada. Para
permitir uma vigilância eficaz da Reserva, é preciso instalar meios de comunicação
(rádio, telefone celular) em Piracanga.

Figura 6: Rio Piracanga junto à foz, com coqueirais ao fundo.

5.2.2 - Itacarezinho
A comunidade pesqueira de Itacarezinho está localizada na costa sul do município,
próxima à praia de mesmo nome. É remanescente de uma comunidade tradicional
e está assentada na área há gerações. As pessoas mais velhas da comunidade já
nasceram no local. A grande maioria da comunidade é tradicional do local,
herdeiros e parentes, o que é apontado por moradores locais e se observa pela lista
de presença das reuniões comunitárias, onde a maioria dos sobrenomes se repetem.
Há coqueiros, plantados pelos moradores, com mais de 45 anos de idade. Existe um
forte conflito pela posse das terras com pessoas de fora que as "adquiriram", o que
tem prejudicado em muito a vida e a liberdade da população local (ver adiante na
seção sobre "conflitos e direitos tradicionais"). As casas são localizadas relativamente
próximas umas às outras, vizinhas ou distantes alguns minutos de caminhada (ver
Figura 7).
17

As mulheres
trabalham como
donas-de-casa, outras
"na enxada"
(agricultura). Além
disso, as mulheres
também pescam e
mariscam, assumindo
sem preconceito a
identidade de
marisqueiras. Essas
últimas atividades são
feitas só para o
consumo. As famílias
Figura 7: Mapa
também produzem
participativo da
coco e óleo de coco comunidade de
(um aspecto Itacarezinho.
interessante é que a
posse dos coqueiros não é definida pela posse da terra onde cada coqueiro está
localizado, mas sim por quem plantou o coqueiro, isto é, uma pessoa pode ter um
coqueiro nas terras de outra).
O desenvolvimento turístico tem causado problemas e oportu-nidades para a
comunidade de Itacarezinho. De um lado, a valorização das terras em função do
turismo tem causado cobiça por pessoas de fora e conflitos pela posse da terra (ver
adiante na seção sobre "conflitos e direitos tradicionais"). Por outro, há algumas
pessoas empregadas no novo Txai Resort (Fazenda Boa Sorte). A comunidade
também poderia se beneficiar em outras iniciativas ligadas ao turismo, já que está
bem próxima a uma das praias mais bonitas de Itacaré.
Os solos de Itacarezinho são muito arenosos e a topografia é bastante ondulada,
tornando a agricultura difícil. A dificuldade de produzir alimentos no local faz com
que, quando as famílias não têm alimentos, as crianças sejam alimentadas com
uma massa de farinha e água. As mulheres preferem fazer compras em Ilhéus, por
ser mais barato que Itacaré. Os "meninos" ajudam em casa e trabalham na roça. Os
homens pescam e trabalham na roça. Homens e mulheres fabricam óleo de coco.
Na comunidade, a população é composta por cerca de nove famílias (11 homens,
nove mulheres, 20 meninos e quatro meninas). Há também, não incluídas nessa
conta, outras famílias que moram mais distante do mar, mas que também utilizam os
recursos marinhos para subsistência.
Existe uma escola "muito boa", segundo a comunidade, que vai até o Telecurso
segundo grau. "É a melhor que tem em Itacaré". A escola tem três salas, vídeo,
geladeira e merenda, e atende crianças desta e de outras comunidades. Está
localizada a quinze minutos da comunidade, a pé.
A comunidade não conta com assistência à saúde no local, não tendo posto nem
agentes de saúde visitando. Em caso de doenças, precisam ir a Itacaré ou Ilhéus.
18

Nas casas dos "proprietários" (a exemplo da área do "Coronel", hoje de Nelson, do


Txai Resort) existe água encanada e energia elétrica. No local onde residem os
posseiros não existe essa infraestrutura, mas o poste de energia elétrica dos
proprietários passa próximo ao local. A fonte de água é distante.
As moradias dos posseiros não têm fossa ou qualquer tratamento para os dejetos.
Uma das casas têm um cubículo externo, onde as pessoas defecam e urinam no
chão.
As instituições ligadas à organização de pescadores, como a Colônia e a Asperi,
não eram muito conhecidas. Segundo Zé Poveira, que foi presidente da Colônia, na
sua época, chegou a ser montado um posto da Colônia em Itacarezinho, inclusive
com uma construção no local, na época em que Itacarezinho era uma pequena
vila. Aquela situação descrita contrasta bastante com o presente, com total
alienação da população local da organização da Colônia.

5.2.3 - Campo Seco


O Campo Seco é uma comunidade rural, formada por pescadores e pequenos
produtores rurais (Figura 8), que na maioria dos casos combinam essas atividades. O
principal problema da comunidade é o fechamento de caminhos tradicionais (ver
adiante na seção sobre "conflitos e direitos tradicionais"). Organização comunitária
para essa comunidade é uma coisa nova. A reunião realizada para este diagnóstico
foi a primeira para a maioria das pessoas.
A população local é composta por cerca de 17 famílias na comunidade,
aproximadamente 90 pessoas, sendo 28 homens, 23 mulheres, 19 meninos e 20
meninas. A maioria das famílias vive da agricultura, em suas pequenas roças. A
pesca e mariscagem são praticadas por todos para consumo próprio.
A maior parte das casas é de taipa, coberta com telhas de amianto. Com os anos,
as paredes ficam bem esburacadas. Após dez ou quinze anos, uma nova casa é
construída. Observa-se a construção de algumas casas de alvenaria e cobertas
com telhas de barro. Nas casas, não há banheiro ou fossas. Elas não possuem
energia elétrica nem têm água corrente. As pessoas buscam água em fontes às
vezes distantes de suas casas.
Quanto à educação, parece haver um grande número de analfabetos na
comunidade. A única escola que funcionava no local oferecia ensino fundamental,
mas segundo os moradores ela não funcionará este ano devido à construção do
novo prédio da escola, que não terminou ainda. No ano passado, a escola
funcionava inicialmente na Fazenda Santo Antônio, mas o funcionário responsável,
Sr. Silva, começou a criar problemas, então houve a necessidade de mudar de lá
para uma outra casa.
19

Não existe nenhum tipo


de serviço de saúde na
comunidade. Qualquer
tipo de problema é
encaminhado para
Itacaré. Os moradores
disseram que o
fechamento das estradas
pelos proprietários de
terra pode dificultar o
acesso de carros ou
ambulâncias, em caso de
emergência. Pela estrada
do Campo Seco, os carros
só têm acesso até a
Fazenda Santo Antônio, o
que não contempla as
casas de diversos
moradores. A saída para o
problema seria a abertura
da estrada que sai do
asfalto junto ao sítio do
Sucuri para tráfego de
carros.
O levantamento da parte
agrícola foi muito
superficial, mas alguns
aspectos foram discutidos.
A maioria das famílias têm
cerca de duas tarefas de
terra (cerca de 0,8
hectares). Essas pequenas
propriedades, de acordo
com alguns participantes,
são todas documentadas
(têm escritura). As
principais culturas
agrícolas são o coco, a
banana, e a mandioca.
Antes da vassoura-de-
bruxa, o cacau também
tinha importância. Existem Figura 7: Mapa da Região do Campo Seco
três casas de farinha por
perto, mas a única que funciona é a da comunidade Marambaia, vizinha. Uma
outra casa de farinha está parada por falta de motor e de bola. As famílias não
recebem nenhuma forma de assistência técnica, apesar da comunidade vizinha, a
Marambaia, ter assistência de um projeto do IESB, para o uso sustentável dos
20

recursos naturais na APA, que envolve a promoção de alternativas agrícolas


sustentáveis. O tipo de agricultura que é praticado no local requer desmatamento
de capoeiras (não há mais matas virgens na localidade). Alternativas ao
desmatamento promovidas pelo projeto na Marambaia talvez pudessem ser
utilizadas no Campo Seco (um motivo provável da não inclusão do Campo Seco no
projeto do IESB é a falta de uma organização que represente a comunidade; as
quatro comunidades envolvidas no projeto – Camboinha, Marambaia, APPRI e Serra
Grande – têm associações fortes).
A comunidade tem pouca experiência com organização comunitária. Como foi
dito acima, a reunião de diagnóstico foi a primeira de que os moradores
participaram. As mulheres, particularmente, apesar de estarem presentes na
reunião, tiveram uma participação muito irregular, prestaram pouca atenção e
saíram da reunião em vários momentos. Isso pode indicar sua inexperiência e a
necessidade de um trabalho de organização de mulheres, mas isso não foi discutido
com a comunidade. Um dos moradores, conhecido como Chapéu Branco, foi
candidato a vereador na última eleição, mas não se elegeu. Foi ele quem convidou
a equipe do diagnóstico para a visita. Um vereador que atua na área é "Azul", que
transporta os moradores para a feira de domingo, juntamente com sua produção,
cobrando R$2,00 por pessoa.
As instituições ligadas à organização de pescadores, como a Colônia e a Asperi,
não eram muito conhecidas. Um participante fez o último curso da Capitania dos
Portos para obter sua carteira, mas não tinha conhecimento sobre os direitos e
deveres dos pescadores e sobre as vantagens de serem colonizados. Alguns desses
pontos foram esclarecidos pelos facilitadores.

5.2.4 - Comunidades ribeirinhas do Rio de Contas


Há várias comunidades ao longo do Rio de Contas, relativamente distantes umas
das outras, formadas por poucas famílias cada uma, sendo que suas casas muitas
vezes não ficam próximas entre si. Não foi possível a visita a todas as comunidades
rurais que utilizam os recursos do Rio de Contas, mas uma comunidade mais próxima
foi visitada e os resultados são descritos a seguir.
Povoação é uma pequena comunidade que fica à margem direita do rio de
Contas. A sua população é composta por cerca de 11 famílias, sendo que a maioria
delas não possui terras e são responsáveis por cuidar de roças de outras pessoas.
Algumas das famílias não têm condição econômica para ter instrumentos de pesca
como tarrafa e siripóia.
Há uma mãe-de-santo no local, que parece funcionar como uma espécie de lider
comunitária, respeitada por todos. Ela é associada à Colônia como marisqueira e
disse ter sido colocada como fiscal.
Não há luz elétrica na comunidade e também não há água encanada. A água de
beber é tirada de uma fonte localizada no Ribeirão da Povoação.
Há uma escola, construída em sistema de mutirão, em terreno cedido por uma
moradora. No ano passado, era oferecido ensino de primeira a quarta séries do
ensino fundamental e ainda alfabetização para jovens e adultos, à noite, através do
21

Programa Alfabetização Solidária. Atendia tanto os moradores da Povoação como


de outras comunidades situadas do outro lado do rio. A escola conta apenas com
uma sala de aula, sendo que ao seu lado foi construída também uma casa de taipa
(assim como a escola) para a professora morar. A escola não está funcionando
ainda este ano porque não há professor.
A comunidade não conta com nenhum serviço de saúde local e também não
recebe visitas de agentes de saúde. Qualquer problema é encaminhado para
Itacaré.
Um restaurante foi instalado por um nativo à beira do rio e é frequentado por
bastante gente (turistas e veranistas) durante o verão. Há ainda um terreiro de
candomblé que também recebe muita gente de outras comunidades e até de
outros munícípios, principalmente aos fins de semana e nas festas do terreiro.
D. Guiomar, a mãe-de-santo colocada pela Colônia como fiscal, diz procurar
controlar as práticas predatórias no mangue, mas sente dificuldades de controlar o
que acontece no rio, pois não mora exatamente na beira, tem muitos afazeres e
ainda muito medo de ser agredida caso tome alguma atitude. Disse que se tivesse
mais condições, inclusive outras pessoas para ajudar, faria questão de fiscalizar.

5.3 - Comunidade urbana/rural:


5.3.1 - Taboquinhas (inclui sub-comunidades urbanas e rurais no distrito de
Taboquinhas).
O distrito de Taboquinhas fica distante cerca de 30 quilômetros do centro de
Itacaré. A maior parte do transporte é feita por uma estrada de terra que liga
Itacaré a Ubaitaba (antigamente era a principal estrada de acesso a Itacaré; hoje,
encontra-se "esquecida"). Taboquinhas apresenta uma infra-estrutura relativamente
boa, contando com serviços como mercado (incluindo uma "Cesta do Povo", da
Empresa Bahiana de Abastecimento - EBAL), escolas, clube municipal, feira e
representantes da administração pública. Porém, somente o ensino fundamental é
oferecido, sendo que os estudantes do ensino médio têm que freqüentar escolas em
Itacaré. Também não há agências ou postos bancários locais.
O número de pessoas que praticam a pesca em Taboquinhas cresceu bastante nos
últimos anos com a crise do cacau, mas a comunidade pesqueira continua distante
das instituições ligadas à pesca, tanto com relação à Colônia Z-18 (regional), como
aos órgãos estaduais e federais, resultando em uma grande desinformação sobre a
regulamentação da profissão. Isso ocorre apesar do grande interesse da
comunidade em documentar-se.
A comunidade de Taboquinhas tem de cerca de 4,5 mil moradores incluindo um
núcleo urbano principal e os povoados de Pé da Pancada, Rua de Palha, "Os
Acaris", Porto das Farinhas e Água Fria (entre os participantes do diagnóstico, não
havia moradores de Água Fria). Nem todos os moradores são pescadores, mas
estima-se há cerca de 200, ou mais. As mulheres tiveram uma participação
pequena nas atividades de diagnóstico, e se denominaram pescadoras ou
pescadeiras.
22

Como foi dito acima, a pesca em Taboquinhas cresceu em importância com a crise
do cacau, sendo uma alternativa para uma ampla parcela da população
desempregada. Os pescadores trabalham todos os dias, “de segunda a segunda”,
conforme a necessidade. No entanto, param por alguns dias quando não há peixes
ou quando fica impossível pescar (na época de enchente, por exemplo). Alguns
pescadores trabalham também na agricultura, recebendo R$ 5,00 pelo dia de
trabalho na lavoura. As culturas principais são a banana, o cacau e a mandioca. Os
proprietários das roças localizadas às margens do rio não interferem na passagem
dos pescadores, contanto que não prejudiquem a sua lavoura.
A comunidade do Pé da Pancada é a mais próxima do núcleo urbano de
Taboquinhas. Os moradores vivem em casas bem próximas umas das outras,
colocadas ao longo da "pedestra" (uma trilha histórica, por onde o transporte de
mercadorias e produtos tem sido feito há mais de cem anos). É no pé da Pancada
que desembarcam os praticantes do rafting, sendo que a agência Ativa comprou
um terreno no local. Recentemente, uma grande movimentação de terra foi feita
pela Ativa na área de preservação permanente do rio, chegando até a beira
d'água. A Ativa emprega vários moradores vizinhos. Além da Ativa, há um novo bar
no local.
A comunidade da Rua de Palha tem escola, igreja católica e evangélica, televisão
comunitária, barzinho, praça arborizada, funcionários responsáveis pela limpeza da
rua e da igreja e uma casa de farinha. A casa de farinha produz a farinha de
mandioca semanalmente para consumo próprio e venda, sendo que a lata de
farinha custa R$ 5,00. Ela conta com todos os equipamentos para a produção:
moedor, amassador, torrador e peneira. "Seu Rocho" é o administrador da Rua de
Palha e tem participado nas reuniões da Reserva. A "pedestra", com seu
calçamento de pedras, é uma das atrações turísticas potenciais da comunidade.
Um trecho novo, calçado no mesmo estilo, dá acesso a uma praia do Rio de
Contas.
Já os povoados de Porto das Farinhas e "Os Acaris", segundo os participantes, não
recebem nenhum benefício por parte da administração pública.

6. Recursos Naturais
6.1 - Aspectos da Geologia do Litoral de Itacaré
O litoral de Itacaré é caracterizado pelo estreitamento da planície costeira com
afloramentos do embasamento cristalino atingindo diretamente a costa, formando
costões rochosos. A presença da desembocadura do rio de Contas contribui com a
sedimentação costeira na região. A praia da Concha é exemplo dessa
contribuição, com sedimentos de origem fluvial e retrabalhados por processos
marinhos (ondas e correntes), distribuídos na praia de acordo com a hidrodinâmica.
Os sedimentos de granulometria grossa estão dispostos junto à zona de
arrebentação, onde a energia das ondas se concentra nessa praia, os sedimentos
finos se depositam na antepraia, região submersa adjacente à praia, onde a
energia é menor.
23

As praias do litoral sul de Itacaré, até


Serra Grande, estão confinadas entre os
afloramentos rochosos, formando as
chamadas "praias de bolso" (pocket
beaches) (Figura 8). A região ao norte da
foz do Rio de Contas é caracterizada
pelo desenvolvimento de extenso
cordão arenoso costeiro, recoberto por
vegetação de restinga, em estado
praticamente inalterado até o estuário
do Rio Piracanga. Nas margens deste
estuário a vegetação de mangue se
Figura 9: Praia de São José, exemplo de uma "praia desenvolve sobre sedimentos lamosos
de bolso" (pocket beach).
com grande quantidade de areia
associada. Segundo as comunidades
litorâneas, a quantidade de areia no
sedimento do manguezal tem se tornado
mais elevada ao longo do tempo.

6.2 - Características físicas da plataforma continental e


correntes marinhas
A plataforma continental tem em Itacaré um de seus trechos mais estreitos em todo
o litoral brasileiro. A plataforma continental interna é estreita, apresentando
cobertura de sedimentos arenosos terrígenos. Sua orientação é aproximadamente
norte-sul, com as isolinhas de profundidade apresentando-se relativamente
paralelas ao litoral. O fundo do mar de Itacaré, representando os diversos ambientes
marinhos da plataforma, é classificado pelos pescadores locais utilizando as faixas
compostas de diferentes sedimentos, corais ou rochas (Figura 10). As faixas típicas, a
partir da costa, são "areia", "laminha", "meia-lama", "baixo" ("lama dos guinchos"),
"cascalho", "as trinta-e-cinco" (faixa de lama a 35 braças3 de profundidade), "as
pedras" (áreas com afloramentos rochosos e corais), as "beiradas", e o "fundo".
Muitas vezes, essas faixas recebem nomes complementares conforme os referenciais
em terra. Por exemplo, o fundo localizado em frente ao Cabo ou Ponta da Tromba,
recebe o nome de "Fundo da Tromba". O fundo localizado em frente ao Pacelete é
conhecido como "Fundo do Pacelete".
A área proposta para a Reserva Extrativista Marinha de Itacaré, abrangendo toda a
extensão do município, engloba praticamente toda a plataforma continental no
trecho de Itacaré, protegendo assim toda a variação de ambientes marinhos desde
as águas rasas junto à costa, com corais, areia e lama, até as "beiradas" (talude
continental) e o "fundo", onde a plataforma termina, dando à Reserva uma
representatividade ecológica importante. Isso também facilitará a fiscalização dos

3Uma braça equivale à distância de uma mão à outra, com os braços abertos, e varia de
pessoa para pessoa, de cerca de 1,6 m a 1,8 m.
24

9 - 12 metros
20-25 metros 35 braças

Usos Redes: Pesca de canoa, Verão: pesca Semelhante a Arrasto de Espinhel Anzol Espi-
- Tapagem barco e mergulho de linha laminha guincho Linha de nhel
- Espera Inverno: pesca Arrasto só por Rede no fundo
- Arrasto de rede guinchos inverno
- Tainheira Ano todo:
- Tarrafa arrasto por
Marisqueira pequenos
Mergulho barcos e
Canoa (caniço) guinchos
Passeio turístico
Espécies Robalo Peixes diversos Camarão Semelhante a Camarão Tubarão Vermelho Meca
Carapicu Siri Peixes diversos laminha Peixe e peixes Badejo Baiacu
Siri Lagosta Siri diversos Cioba mole
Aratu Goia Lagosta
Caranguejo Tartaruga
Carapeba Lagosta
Problemas Desmatamento Banana boat Sobre-pesca Muitos barcos de Muito Sobre- Diminuição
Mangue arenoso Jet ski Arrasto arrasto e guincho guincho pesca do pescado
Bancos de areia Pesca
Pesca de lanchas com rede
Lixo lagostei-
Esgoto ra
Oportunidades Passeio turístico Semelhantes ao Mergulho de
Preservação mangue observação
Passarela

Figura 10: Perfil participativo do fundo do mar de Itacaré (elaborado pelo Grupo de
Trabalho da Resex).

barcos de fora, pois a observação de atividade de pesca clandestina no interior da


Resex será facilitada.
A costa central do Brasil, onde se localiza Itacaré, é influenciada pela Corrente do
Brasil. Essa corrente marinha flui para o sul ao longo do talude continental,
transportando uma massa de água quente e salina, a Água Tropical, que carrega os
organismos marinhos tropicais, encontrando-se com as águas frias e subpolares da
Corrente das Malvinas em torno de 38oS, formando lá a Convergência Subtropical. A
Corrente do Brasil é formada na região de bifurcação da Corrente Sul Equatorial.
Modelos de circulação superficial oceânica gerados a partir de bancos de dados
internacionais, indicam que a bifurcação ocorre na região de Itacaré-Ilhéus, a 15°S
(Stramma & England, 2000), embora esta hipótese ainda necessite de confirmação
a partir de dados de campo. De todo modo, esta região é um dos setores-chave
para a compreensão dos mecanismos de circulação das correntes de contorno
25

oeste do Atlântico Sul e consequentemente


Quadro 1: Mensagens das garrafas
para o entendimento dos processos de
O Núcleo de Estudos Oceanográficos (NEO)
da UESC desenvolveu recentemente um dispersão dos organismos marinhos.
estudo envolvendo o lançamento de garrafas Um estudo do Núcleo de Estudos
de deriva contendo mensagens elaboradas por
Oceanográficos (NEO) da UESC (ver Quadro 1),
crianças da rede pública de ensino de Ilhéus e
Itabuna. As garrafas levavam um questionário, que identificou dois padrões dinâmicos distintos
que ao serem retornados, registraram na região: 1) a existência de uma circulação de
posições e data de coleta, possibilitando seu plataforma independente da dinâmica
uso como traçador dos processos de oceânica e, 2) a predominância do transporte
circulação superficial em águas de plataforma ao largo, naquele período, em sentido norte.
e de oceano aberto.
As garrafas foram marcadas externamente e Esse padrão entretanto, não é constante ao
tiveram suas mensagens internas marcadas longo do ano, como pode ser constatado com
com quatro padrões distintos (Verde, Amarelo, o acidente ocorrido nas proximidades da Ilha
Azul e Branco) e foram lançadas ao mar em de Boipeba. Em fins de Janeiro de 2001 uma
quatro posições, radiais à orientação da costa
de Ilhéus. A posição mais próxima, distou grande quantidade de parafina foi encontrada
cerca de 1,42 km da costa e recebeu as por moradores nas praias da Ilha de Boipeba,
garrafas verdes (14° 48' 13,0" S; 39° 00' uma das 14 ilhas do arquipélago de Cairu, no
50,9"W), a segunda posição, recebeu as sul do Estado da Bahia, a cerca de 250 km de
garrafas amarelas (14° 48' 07,7" S; 39° 59' Salvador. O material, resíduo da extração
29,8"W), a terceira posição recebeu as
petrolífera, foi derramado pelo navio italiano
garrafas azuis (14° 47' 30, " S; 38° 57'
36,3"W); a quarta e mais distante posição, Pietro Bárbaro. Em função da parafina flutuar e
distou cerca de 10 km e uma hora de ter estado sólido em contato com a água do
navegação à partir da barra do Estuário do Rio mar, foi transportada pelas correntes marítimas,
Cachoeira e recebeu as garrafas brancas (14° chegando a atingir o litoral de Canavieiras (A
46' 52,7" S; 38° 56' 15,5"W). Todas as Tarde, 15/02/2001). Sua sucessiva aparição,
garrafas foram liberadas em menos de uma
hora, tendo a liberação iniciado com as
documentada pela imprensa local, oferece um
garrafas brancas às 9:30 h e terminado com as indicativo do sentido e da intensidade do
garrafas verdes às 10:45. O mar apresentava- transporte pelas correntes marinhas. O Jornal A
se moderadamente agitado, com rajadas Tarde documenta a aparição do material em
pouco intensas de vento do quadrante sul e Boipeba em 26/01/2001 (A tarde, 27/01/2001). O
com pancadas periódicas de chuva.
mesmo veículo de comunicação documenta a
A análise preliminar das cerca de cinqüenta chegada do material na baía de Camamu em
garrafas que retornaram apresentou um
padrão bastante interessante. As garrafas
30/01/2001 (A Tarde, 01/02/2001), quatro dias
lançadas no ponto verde (ponto mais próximo depois, enquanto o jornal A Região, de Ilhéus,
à costa), derivaram para o norte, tendo a registra a chegada do material nas praias de
maioria sido encontrada em Salvador, cerca de Itacaré e no litoral norte de Ilhéus em 03 de
10 dias após a liberação. As garrafas fevereiro de 2001 (A Região, 11/02/2001), oito
amarelas, liberadas a cerca de 2 km do ponto
dias depois da aparição original. O padrão do
verde, sob águas da plataforma interna,
apresentaram um padrão bastante singular, transporte evidenciado é, portanto, bastante
que tendo todas derivado para o sul, foram distinto daquele registrado no estudo da UESC
encontradas em praias que distam cerca de 20 para as garrafas de deriva lançadas ao mar em
km do ponto inicial. As demais garrafas abril de 2000. Isto sugere que as correntes
lançadas ao largo, também derivaram para o próximas a costa variam de direção ao longo
norte, tendo, em semelhança às garrafas
verdes, sido recuperadas nas adjacências de
do ano.
Salvador.
-15
26

Isso é confirmado pelos pescadores de Itacaré, que


identificam dois regimes de circulação oceânica
distintos, um “regime de verão”, com fluxo
-20 predominante em direção ao sul, quando as águas ao
largo se aproximam da costa e as correntes são
relativamente mais intensas. Nesse período, desenvolve-
se a chamada pescaria de coço, sendo capturados
peixes oceânicos como o atum, dourado, olho-de-boi e
-48 -46 -44 -42 -40 -38 -36 -34 cavala. Um segundo regime, de inverno, tem como
característica uma circulação predominante para o
norte, com menor intensidade de corrente (a não ser
quando há tempo ruim). Nesse período, predomina a
-15 pesca de espécies de plataforma e de fundo, como o
badejo, linguados, pescadas, dentre outros. É também
nesse período que se dá a pesca de lagostas "de
arribada", ou seja, que estão migrando para o norte
nessa época, acompanhando a corrente.
-20
O comportamento médio do campo de salinidade
superficial para a costa central do Brasil, onde se
localiza Itacaré, também evidencia esse padrão. Na
Figura 11, a isolinha de salinidade 37 demarca os limites
das águas da Corrente do Brasil. Pode-se perceber a
-48 -46 -44 -42 -40 -38 -36 -34 aproximação dessa isolinha em direção à costa
durante o verão e seu afastamento no período de
Figura 11- Dados de inverno. De fato, durante as amostragens realizadas no
médio superficial do estuário do Rio de Contas, em janeiro (Anexo 4), foram
salinidade para a costa central encontradas salinidades acima de 37 na estação mais
Acima, valores típicos para o externa, sugerindo uma aproximação da água
abaixo valores típicos de oceânica nesse período.

6.3 - Praias, restingas e costões


rochosos
O litoral da área a ser incluída na Reserva Extrativista Marinha de Itacaré é
composto de praias intercaladas por costões rochosos. As duas maiores faixas de
areia contínuas são as praias do Pontal a Piracanga (que segue para o norte) e de
Itacarezinho. Nas duas é comum a desova de tartarugas.

6.3.1 - Restinga e praia do Pontal a Piracanga


A praia do Pontal a Piracanga é a continuação de uma das poucas áreas de
restinga preservadas na região, e está localizada em um percurso de cerca de seis
quilômetros atravessando o Rio de Contas em direção ao Rio Piracanga. Em uma
observação superficial da vegetação de restinga, nota-se uma variação na
fitofisionomia nos primeiros três quilômetros. Aí a vegetação halófila (de ambientes
deficientes em água, por ex., cactus) ocupa uma larga faixa variando de cerca de
100 a 150 m em direção ao interior e é dominada principalmente por pinheirinho-da-
27

praia (Remirea maritima Aubl. - Cyperaceae) e batata-da-praia (Ipomoea pes-


caprae (L.) Sweet - Convolvulaceae). Durante a época das enchentes, grande
quantidade de baronesas, ou aguapé, (Eichornia crassipes (Mart.) Solms-Laub.
(Pontederiaceae)) é trazida pelo Rio de Contas e depositada pela maré na linha de
maré alta. A camada densa de baronesas em decomposição acaba funcionando
como uma barreira e a areia é cavada formando pequenas elevações, logo
ocupadas pela vegetação pioneira (Remirea maritima, I. pes-caprae, e Canavalia
rosea (Walt.) Kuntze, conhecida como feijão-da-praia, etc.). Em alguns trechos, a
presença de capim-da-areia (Panicum racemosum (Beauv.) Spreng.) é também
bastante abundante. Outras espécies que ocupam essa área são Ipomoea litorallis
(Convolvulaceae), sendo bredo-da-praia (Blutaparon portulacoides (A.St. Hil.) Mears
- Amaranthaceae) e Mollugo verticilata (Molluginaceae) pouco abundantes,
ocorrendo sempre um pouco mais afastadas da praia. Em seguida, há um longo
pós-praia que se alterna com faixas dominadas principalmente por Chrysobalanus
sp. (icaco?) (Sapotaceae) e faixas de areia, quase que totalmente nuas ou com
pouca vegetação, sempre em pequenas depressões. As faixas compostas por
Chrysobalanus sp. são contínuas, sem interrupções nestas, ou seja, não há formação
de moitas. Nessas faixas ocorrem ocasionalmente Clusia sp. (fluminensis?,
lanceolata?, criuva?) (Clusiaceae), Cereus fernambucensis Lem. (Cactaceae),
Epidendrum sp. (Orchidaceae). Coco-de-xandó (Allagoptera arenaria (Gomes) O.
Kuntze - Arecaceae) quase não ocorre nas primeiras faixas do pós-praia, tornando-
se mais comum à medida que se caminha para a mata.
Em seguida, numa pequena elevação, encontra-se a mata, sendo bordeada
principalmente por Neoregelia cruenta (Graham) L.B. Smith. Outras espécies que
foram observadas na parte mais externa da mata foram Clusia sp., Ouratea sp.,
Protium sp., e pau-pombo (Tapirira guianensis Aubl.). Na borda da mata ocorrem
ainda alguns cajueiros (Anacardium occidentale - Anacardiaceae).
No trecho mais próximo a Piracanga, notamos verdadeiros mosaicos formados por
campos secos e alagadiços, mangue, mata de restinga, e vegetação arbustiva e
herbácea mais próxima à praia. Em determinado trecho, a vegetação rasteira, que
sofre influência direta da água do mar, vai cedendo lugar a um grande campo
alagadiço dominado principalmente por uma Juncaginaceae, campo esse
cercado pela mata a um lado, pelo mangue a outro e a vegetação halófila da
beira da praia. Esses alagadiços recebem influência da maré e constituem-se áreas
de marinha, assim como a faixa de vegetação ao redor, de acordo com a largura
prevista em lei.
Há ainda os campos secos dominados por várias ervas, em geral gramíneas. Espécie
bastante freqüente é Cuphea flava (Lythraceae). Nas áreas de manguezal que
cercam as margens dos rios as espécies observadas foram o mangue-manso ou
mangue-branco (Laguncularia racemosa - Combretaceae), o mangue-vermelho ou
mangue-verdadeiro (Rhizophora mangle – Rhizophoraceae) (mais presente à
margem do rio de Contas), e Siriba ou Siriuba (Avicenia schaueriana -
Avicenniaceae).
Em Piracanga, um problema principal é o lixo, principalmente plástico, trazido pelas
correntes marinhas que o recebem principalmente do Rio de Contas. Uma
indicação disso é que é no trecho da praia próximo ao Pontal e à foz do Rio de
28

Contas que há a maior concentração de lixo, provavelmente proveniente das


cidades localizadas nas margens do Rio de Contas, incluindo Itacaré.

6.3.2 - Praias e costões ao sul do Rio de Contas


A praia da Concha é uma praia média, completamente ocupada por barracas de
praia, que encontra-se em processo de erosão e recuo. Tem grande influência do
Rio de Contas pois está localizada na sua foz. Entre a praia da Concha e a do
Resende há um costão rochoso, entulhado de lixo e baronesas. A vegetação junto
aos morros adjacentes está bastante perturbada, com plantios de coco. A praia do
Resende é uma praia pequena, cercada de coqueirais, onde a prática do surf é
comum. Um pequeno trecho de pedras a separa da praia da Tiririca, a principal
praia de surf e também a mais perturbada por construções e pousadas. Várias
pousadas foram construídas em área de marinha nessa praia. Um trecho de costão
rochoso a separa da praia do Costa, onde não há barracas, mas a rua passa bem
próxima, a menos de 10 metros. A vegetação natural foi completamente eliminada
nessa praia. Mais um trecho de costão rochoso separa essa praia da praia da
Ribeira, onde há várias barracas, mas ainda há um trecho de mata atlântica
encostado na praia, dentro da área de marinha. Essas são as "praias urbanas" de
Itacaré.
As "praias rurais", em direção ao sul, separadas umas das outras por costões
rochosos, incluem as seguintes:
 Ciriaco: pequena praia, cercada de matas.
 Prainha: praia média, cercada de coqueirais e de uma Reserva Particular
do Patrimônio Natural, RPPN. O acesso a esta praia estava sendo limitado
aos turistas, de quem se cobrava taxa na entrada da praia. Uma
fiscalização do Ibama na área, resultante da mobilização pela Reserva
Extrativista Marinha de Itacaré, resultou em advertência ao proprietário da
área adjacente à praia (Sr. Brito), para que deixasse o acesso livre. Até
onde sabe-se, a praia foi mesmo reaberta.
 São José: praia onde se localiza o empreendimento Vilas de São José e o
Ecoresort. O acesso a essa praia também era restrito, a não ser com
pagamento de taxa. Um pescador que uma vez acessou a praia a partir
do mar, disse ter sido ordenado a retirar-se pelo salva-vidas contratado
pelo empreendimento. A mesma ação do Ibama, citada acima, advertiu
o proprietário da área adjacente (Sr. Cleber Isac) para reabrir o acesso à
praia. O proprietário criou então uma proposta de reabertura que deixaria
o acesso livre a todos por uma trilha tradicional, e de membros da
comunidade organizada de Itacaré pelo caminho principal (através de
credenciamento). Turistas que utilizarem o transporte e os guias do Vilas de
São José vão continuar a pagar taxa, pelo serviço. Não temos informação
sobre a implementação dessa proposta.
 Pauva e Arruda: praias pequenas, onde a areia só é exposta na maré
baixa. O acesso a estas praias tem sido limitado aos extrativistas de
Campo Seco, que precisam dar a volta pela praia de Jeribucaçu, e
caminhar sobre o costão rochoso, por onde o acesso nem sempre é
29

possível, devido à maré alta e condições do mar. A trilha tradicional passa


por dentro da Fazenda Sto. Antônio (ver Figura 8, mapa da região de
Campo Seco), propriedade de Karine (que segundo informação do Sr.
Silva, administrador da propriedade, é viúva de Gilles, que permitia a
passagem), cujo administrador não permite a passagem. Uma trilha
alternativa passa por dentro da propriedade do Sr. Albert que, de acordo
com as informações dos moradores, também não tem permitido a
passagem.
 Jeribucaçu: pequena praia cercada de coqueirais, onde deságua o Rio
Jeribucaçu e por onde saem as jangadas da comunidade de Campo
Seco. O acesso a esta praia é permitido aos pedestres, mas já houve
conflitos com os proprietários quanto ao porto de jangadas e pesca da
comunidade local no Rio Jeribucaçu e seus manguezais. O Rio Jeribucaçu
tem sua foz nessa praia, desaguando pelo seu lado sul. Na margem
esquerda do rio, junto à foz, em área de marinha, está localizada a casa
sede da fazenda do Sr. Luciano.
 Engenhoca: o acesso a essa praia também é cobrado pelo proprietário
das terras ao redor, mas somente para a entrada de carros. A praia é
cercada de coqueirais, a não ser nas duas pontas, onde há costões e
mata atlântica. Na parte central da praia há um barranco onde o mar
alcança na maré alta. Há um riacho que deságua na praia, onde a maré
penetra e há um pequeno trecho de manguezal, extendendo a área de
marinha ao seu interior, que deve também ser incluída na Resex. O acesso
a essa praia pode se dar por duas formas: 1) uma estrada, cujo
calçamento está sendo concluído em trecho em forte declive cortando a
mata, liga a praia à estrada asfaltada (BA - 001); e 2) a trilha, somente
para pedestres, que vem da praia do Havaizinho.
 Havaizinho: praia pequena, cercada de coqueirais. O acesso a pedestres
é livre, mas é cobrada a entrada e estacionamento de carros. A entrada
para Havaizinho também dá acesso a pé para a praia da Engenhoca,
como foi dito acima, através de uma trilha na mata.
 Itacarezinho: praia longa, cercada de coqueirais, com duas entradas de
acesso: 1) pela fazenda Camboinha (do Sr. Luciano), e 2) por uma estrada
lateral à Fazenda Boa Sorte. Nas duas estradas, o acesso de carros é
cobrado (R$5,00). Antes havia outro acesso pela Fazenda do Grupo Ásia
de Águia. O acesso a esta praia é livre para pedestres. A entrada para a
comunidade de Itacarezinho se dá pela estrada lateral à Fazenda Boa
Sorte (Txai Resort), sendo que a comunidade não possui acesso livre para
veículos através da porteira colocada a três quilômetros, junto à estrada
asfaltada. Há várias cercas de proprietários na área de marinha desta
praia. O Txai Resort, instalado na área, construiu sua piscina dentro da
área de marinha. Parece que obteve autorização do CRA, depois de ter
sido negada a autorização pelo Ibama. Na parte norte da praia
(Camboinha), pequenos produtores rurais vendem produtos aos banhistas.
Recentemente, porém, o administrador de uma fazenda local (Sr. João)
30

teria destruído e incendiado as barracas, improvisadas na área de


marinha. Nessa praia, há a desova de tartarugas marinhas.

6.4 - Base da produtividade marinha: plâncton e


macroalgas
6.4.1 - Plancton
A base da teia alimentar marinha é formada por organismos geralmente
microscópicos, conhecidos como plâncton. O plâncton é formado por microalgas,
que realizam fotossíntese (conhecidas também como fitoplâncton, que inclui as
diatomáceas e os dinoflagelados), pequenos animais (zooplâncton, como os
copépodes) que consomem o fitoplâncton e outros organismos consumidores, e o
chamado ictioplâncton, composto pelos ovos e larvas de peixes. Muitos animais
marinhos que vivem nos sedimentos de manguezais, praias e fundos rochosos,
passam uma parte do ciclo de vida no plâncton, na fase larval, sendo neste caso
chamados de meroplâncton.
O fitoplâncton é geralmente o principal produtor primário nos ecossistemas
marinhos, tendo um papel similar ao das plantas terrestres. O zooplâncton, por sua
vez, consome proporções variáveis da produção primária fitoplanctônica, podendo
controlar o crescimento das populações algais ao longo do ano (Heinle, 1966;
Carlson, 1978; Nicolajsen et al., 1983; Dam & Peterson, 1993). A atividade alimentar
do zooplâncton tem conseqüências importantes para a ciclagem de nutrientes
inorgânicos em águas salobras e costeiras, através da excreção de diversas formas
de nitrogênio e fósforo (Smith, 1978). Além disso, o zooplâncton é a parte principal
da dieta de muitos animais estuarinos e marinhos, incluindo espécies de peixes,
crustáceos e moluscos de interesse econômico (Turner, 1984). Assim, o metabolismo
do zooplâncton tem um papel regulador nas teias alimentares marinhas, além de
representar uma fonte de alimento para consumidores maiores, enquanto que o
fitoplâncton é responsável por uma proporção elevada da produção de matéria
orgânica, a partir da fotossíntese, nos ambientes costeiros.
A distribuição espacial e temporal do plâncton da costa central do Brasil, onde se
inclui o litoral sul da Bahia e Itacaré, não é satisfatoriamente conhecida devido à
baixa freqüência e abrangência de amostragens oceanográficas nesta região.
Entre os estudos pioneiros sobre o fitoplâncton no Brasil encontram-se os trabalhos
taxonômicos de Zimmermann (1914 - 1918) sobre as diatomáceas da Baía de Todos
os Santos. Algumas expedições oceanográficas estrangeiras coletaram informações
sobre o plâncton, como no caso do navio francês "Calypso", que visitou a região em
1962 e gerou a oportunidade para a publicação de alguns trabalhos descritivos
(Gaudy, 1963; Fenaux, 1967; Seguin, 1965). No entanto, a maior parte dos dados
disponíveis sobre o plâncton costeiro regional foi obtida através de expedições
organizadas pela Marinha do Brasil, nas décadas de 1960 e 1980, embora estas
tenham estado geralmente restritas ao setor sul da costa central, no litoral do Espírito
Santo (Brandini et al., 1997). Utilizando material biológico coletado nestas
expedições, foi possível comprovar a origem tropical dos organismos planctônicas
das águas superficiais deste setor da costa brasileira.
31

O ecossistema marinho da região tropical do Atlântico Sudoeste, incluindo o sul da


Bahia, é caracterizado por uma alta biodiversidade e baixa biomassa do plâncton.
Não existem dados disponíveis para a região costeira de Itacaré, mas a região do
Banco de Abrolhos foi estudada em várias ocasiões, inclusive em cruzeiros
oceanográficos recentes (Knoppers & Ekau, 1999). Os dados obtidos em Abrolhos
são representativos das condições oceanográficas e biológicas do litoral sul da
Bahia e servem como uma base de informações relevantes para Itacaré.
Os primeiros trabalhos sobre a composição sistemática do fitoplâncton realizados na
região de Abrolhos e proximidades demonstraram uma alta diversidade de
diatomáceas, apesar dos dinoflagelados terem sido quantitativamente mais
abundantes, mostrando o caráter oligotrófico da região (Macedo-Saidah & Moreira-
Filho, 1977). Estudos sobre excreção do fitoplâncton, produção primária e
concentração de clorofila-a, realizados por Vieira (1980), Vieira e Teixeira (1981) e
Bonecker et al. (1992/93), confirmaram as condições oligotróficas (baixa quantidade
de nutrientes e de plâncton) da plataforma continental da região do Banco de
Abrolhos. Uma maior atividade biológica foi observada na região costeira sob a
influência da drenagem continental, e na região dos bancos, onde ocorre o
chamado “efeito ilha” e onde as interações com a Água Central do Atlântico Sul -
ACAS são mais intensas (Brandini et al., 1997).
Panouse & Susini (1987) estudaram a produção primária nesta região, confirmando
baixas taxas de produção. Com base em experimentos de fotossíntese versus
temperatura, os autores encontraram um ótimo de produção em torno de 25 C. Foi
também sugerido que a atenuação da luz nesta região era causada principalmente
pela presença de microalgas.
Mais recentemente, dentro do programa oceanográfico JOPS-II-9 (“Joint
Oceanographic Projects - Germany/Brazil”), as diferentes classes de tamanho do
fitoplâncton foram estudadas. O picoplâncton (microalgas menores que 20 µm)
contribuiu com 64% da biomassa de carbono, enquanto o nanoplâncton
(microalgas com tamanho entre 20 e 200 µm; sendo 1 mm = 1000 µm) foi responsável
por 33% e o microplâncton, por somente 3% da biomassa. A biomassa sobre a
plataforma continental e extensão de Abrolhos foi duas vezes mais elevada do que
na região oceânica ao largo. Esta biomassa elevada foi decorrente de um “bloom”
de Synechoccocus (cianobactérias) observado nestes locais, devido à presença de
uma massa de água mais fria que ascendeu sobre esta região. A comunidade
nano- e microplanctônica, apesar de contribuir com apenas 36% da biomassa de
carbono, era altamente diversificada e composta por espécies características de
regiões tropicais oligotróficas. Dentre as espécies características das camada de
mistura superficial da Corrente do Brasil podemos destacar as diatomáceas
Stigmaphora rostrata, S. capitata, Chaetoceros tetrastichon, Hemiaulus hauckii, as
cianobactérias filamentosas Oscillatoria spp e os cocolitoforídeos, Discosphaera
tubifera, Umbellosphaera irregularis, U. tenuis, Rhabdosphaera clavigera,
Syracosphaera pulchra, Ceratolithus cristatus, Acanthoica quatrospina,
Anoplosolenia brasiliensis, Periphyllophora mirabilis e outros. Outra característica
interessante observada foi a presença de uma flora tropical de águas profundas,
também denominada na literatura como “flora de sombra”. Esta população
profunda é mais evidente nas regiões mais afastadas da costa, onde a estabilidade
32

ambiental é maior. Podemos destacar as seguintes espécies de diatomáceas,


Planktoniella sol, Gossleriella tropica, Thalassiosira punctifera, Corethron criophilum,
Asteromphalus roperianus, e os cocolitoforídeos típicos da camada eufótica
profunda, Florisphaera profunda, Gladiolithus flabellatus, Hayaster perplexus,
Oolithotus antillarum, Algirosphaera oryza, A. robusta. Pontosphaera syracusana,
Reticulofenestra sessilis, Gephyrocapsa ericsonii, G. oceanica, Calciosolenia murrayi
e Ophiaster hydroideus (Susini Ribeiro, 1996).
Convém ressaltar que a maior parte dos dinoflagelados da Corrente do Brasil é
típica de regiões oligotróficas oceânicas e estão representados em toda a zona
eufótica (onde há penetração de luz suficiente para a fotossíntese), muitos deles
sem apresentar preferências por algum estrato em especial. As seguintes espécies
são típicas de mares tropicais e ocorrem nas águas quentes da Corrente do Brasil:
Ceratium tripos, C. fusus, C. furca, C. massiliensis, C. trichoceros, C. carriense, C.
euarcuatum, Podolampas palmipes, Gonyodoma polyedricum, Ceratocorys horrida,
Oxytoxum sphaeroideum, O. scolopax, O. variabile, O. reticulatum e O. milneri.
Segundo Sournia (1982) as espécies que se seguem são provavelmente típicas de
flora profunda: Ceratium gravidum, C. incisum, C. longissimum, C. platycorne, C.
praelongum, C. ranipes e C. vultur, além das espécies do gênero Triposolenia e
Heterodinium. Entretanto, nos estudos em Abrolhos estas ocorreram tanto na
camada superficial como na camada eufótica profunda.
A produção primária daquela região é relativamente baixa, o mesmo devendo
ocorrer no litoral de Itacaré. A maior parte da produção é efetuada pelo nano- e
picoplâncton, variando de 0,1 a 0,5 g C m -3 d-1 (Gaeta et al., 1999; Susini-Ribeiro,
1999). A produção nova é consumida pelo zooplâncton pequeno e é passada para
os níveis tróficos superiores (zooplâncton carnívoro, peixes) através da alça
microbiana (bactérias, protozoários e outros organismos microscópicos). A biomassa
do zooplâncton na região oceânica de Abrolhos varia de 0,01 a 0,41 ml m-3 (Nonaka
et al., 2000), considerando-se neste estudo uma malhagem de rede mais grossa,
própria para macrozooplâncton. Os grupos de peixes dominantes nas amostras de
ictioplâncton na região são os peixes-lanterna (Myctophidade) e peixes de recife de
coral. Esses peixes são presas importantes dos peixes migradores, tais como atuns e
afins. Um dos estoques pesqueiros mais importantes da costa brasileira é o bonito-
listrado (Katsuwonus pelamis), que faz migração norte-sul. Após a desova que ocorre
nas águas quentes da região nordeste, os bonitos migram para o sul para se
alimentar intensivamente na região de Convergência Subtropical, na costa do Rio
Grande do Sul (Matsuura & Andrade, 2000). Durante sua rota de migração, ao longo
da margem continental, nutrem-se principalmente das concentrações de peixes-
lanterna e eufausiáceos, estes últimos membros do zooplâncton.
A distribuição espacial e temporal do zooplâncton na costa central está
relacionada com os mesmos processos oceanográficos que promovem a
variabilidade do fitoplâncton. O zooplâncton é altamente diversificado e constituído
por espécies típicas da Água Tropical, transportada, como vimos, pela Corrente do
Brasil (Björnberg, 1963; Valentin et al., 1976). A influência de massas de águas mais
profundas, como a Água Central do Atlântico Sul, sobre a plataforma da costa
central ainda não é bem compreendida, mas sabe-se que a influência desta massa
de água fria e rica em nutrientes atinge ao menos a área ao sul de Abrolhos, no
33

vórtice de Vitória (Gaeta et al., 1999). Nesse cenário, ocorre uma injeção de altas
concentrações de nutrientes (incluindo nitrato e silicato) na base da zona eufótica
ou mesmo próximo à superfície, quando ocorrem ressurgências mais intensas
(Valentin et al., 1987), estimulando a produção primária nova e o desenvolvimento
de espécies do microfitoplâncton (Teixeira e Tundisi, 1981; Aidar et al., 1993). O
zooplâncton, nesta situação, é caracterizado por espécies de ressurgência
associadas com espécies costeiras (Valentin, 1989). Em Abrolhos e nos estudos
realizados pela UESC até o momento, no litoral de Ilhéus, estas espécies de águas
frias não foram encontradas.
Uma listagem das espécies e grupos do mesozooplâncton associados a Água
Tropical e à água costeira, registrados em Abrolhos por Lopes & Dutz (1996), é
apresentada no Anexo 5. Esta listagem serve como referência para a região de
Itacaré, pois as mesmas espécies ocorrem em todos os setores sob o domínio da
Água Tropical da Corrente do Brasil (Björnberg, 1981). Esta suposição é confirmada
pelos resultados do levantamento do plâncton no estuário do Rio de Contas (Anexo
6). As espécies de fitoplâncton e zooplâncton observadas são típicas de regiões
estuarinas e costeiras de áreas tropicais do Atlântico Sudoeste.

6.4.2 - Algas
Além das algas microscópicas do fitoplâncton, as macroalgas, aliadas a um
pequeno grupo de angiospermas (plantas vasculares) marinhas, constituem outros
grupos importantes de produtores primários que sustentam a vida nos oceanos. As
macroalgas bênticas apresentam diferentes dimensões e hábitos de vida,
ocorrendo, por exemplo, em costões rochosos, recifes de corais e manguezais,
ambientes comuns em Itacaré.
A flora bêntica, também conhecida como fitobentos, é mais amplamente
representada pelas comunidades de macroalgas, conhecidas popularmente pelos
pescadores como “limo”. A diversidade das comunidades macroalgais está
diretamente relacionada com a diversidade de organismos marinhos. A ocorrência
destas aumenta a estabilidade dos ecossistemas bênticos, na medida em que um
maior número de espécies funcionalmente equivalentes, com diferentes
capacidades de tolerância a fatores ambientais, pode melhor resistir a alterações
do meio marinho, inclusive aquelas causadas por atividades antrópicas (Chapin III et
al., 1997). As algas calcárias são elementos importantes na formação e manutenção
dos recifes de coral, podendo desempenhar um importante papel no ciclo global
do carbono, com consequências sobre o clima do planeta (Oliveira, 1996).
No que tange ao aspecto econômico, as algas marinhas são utilizadas como
alimento para o homem e animais, e fornecem produtos imprescindíveis para a vida
do homem moderno, com valores que ultrapassam alguns bilhões de dólares por
ano. Por exemplo, o comércio de "nori" (gênero Porphyra) foi responsável pela
movimentação de 1,8 bilhões de dólares/ano no começo da década passada
(Oliveira, 1997).
Durante o último Workshop “Avaliação e ações prioritárias para as zonas costeira e
marinha”, realizado de 24 a 29 de outubro de 1999 em Porto Seguro, a região ao sul
da Bahia foi designada como prioritária para estudos de levantamento da flora
34

fitobêntica, tanto pelo desconhecimento a cerca da sua diversidade algal, como


por sua susceptibilidade em sofrer impactos antrópicos de maior monta no curto
prazo (Oliveira. et. al , 1999).
No curto período disponível para o levantamento da flora bêntica da região de
Itacaré, foram realizadas amostragens em áreas de corais, manguezais e costões
rochosos. A listagem das espécies identificadas encontra-se no Anexo 7 . Foram
encontradas e identificadas, nos costões rochosos entre a praia da Concha e do
Resende, e da praia de São José, 14 espécies da divisão Chlorophyta, 12 da
Phaeophyta, e 20 da Rhodophyta. Nos manguezais de Piracanga foram
encontradas e identificadas quatro espécies da divisão Chlorophyta, e cinco da
Rhodophyta. No Jardim dos Corais, área entre as praias da Concha do Resende,
foram encontradas e identificadas cinco espécies da divisão Chlorophyta, seis da
Phaeophyta, e 13 da Rhodophyta. A identificação de gêneros e espécies foi
realizada utilizando-se chaves de identificação (Joly, 1954; Joly, 1965; Nunes, 1999,
Taylor, 1960, King & Puttock, 1989; Fortes, 1992) e revisão taxonômica de acordo com
Wynne (1998).

7. Utilização dos Recursos Marinhos


A utilização dos recursos marinhos segue a variação de ambientes determinada
pelo tipo de fundo ou substrato marinho (Figura 10). Tipicamente, junto à costa, há
uma faixa de areia e lama, em alguns lugares interrompida por corais
(principalmente em frente à foz do Rio Piracanga, entre a foz do Rio de Contas e a
praia da Ribeira, e na praia de Itacarezinho), onde se pratica a pesca de mergulho,
linha, rede de espera e calão (este último principalmente na praia do Pontal). Em
seguida, mais para o fundo, estão a laminha e a meia-lama, locais onde se pratica
o arrasto para a pesca de camarão por barcos pequenos (muitos barcos de fora,
que sazonalmente visitam Itacaré) e por guinchos (barcos de arrasto com draga,
equipados com guincho e tangones na sua maioria de fora, muitos de Ilhéus).
Também ali se pesca a lagosta "de arribada" ou migratória, com redes de espera.
No baixo, a lama está a uma profundidade maior e somente os barcos equipados
com guinchos têm capacidade para arrasto. No cascalho, há uma grande
quantidade de algas. Segundo um dono de guinchos em Itacaré, quando a pesca
de camarão na lama falha, os guinchos também arrastam ali. Nas trinta-e-cinco,
não há pesca de arrasto devido à profundidade, excessiva mesmo para os
guinchos, são usados espinhéis, ou groseiras, para a pesca de peixes como o
tubarão. Nas pedras, se pratica a pesca de linha, e nas beiradas, se usa a groseira.
Cada comunidade pesqueira de Itacaré utiliza os recursos marinhos de forma
diferente. Por exemplo, os pescadores da Banca do Peixe pescam,
predominantemente, com linha e anzol, groseira, e rede de espera (principalmente
para a lagosta). Já os pescadores do Forte praticam predominantemente a pesca
de arrasto de camarão, e também pescam lagosta com redes de espera. Ainda,
alguns utilizam também a groseira e as redes de espera para peixes. Os pescadores
do Porto de Trás e da Banca do Peixe também praticam a pesca de calão no mar
na época de verão, quando o mar está calmo e límpido, o que às vezes rende uma
grande quantidade de peixes. Em Piracanga e Campo Seco, os pescadores utilizam
35

tarrafas para a pesca a partir da praia, e no mar, jangadas, redes de espera e


pesca de linha e anzol. Em Campo Seco também se pesca de linha a partir dos
costões rochosos (conhecidos em Itacaré por "arrecifes"). Em Itacarezinho, além dos
métodos utilizados em Piracanga, os pescadores também pescam lagosta de
mergulho, apanhando-as com a mão. Os pescadores de Itacarezinho, que utilizam
jangadas, pescam tanto junto à costa como nos pesqueiros mais distantes. Algumas
vezes, os interesses de uma comunidade (ou modalidade de pesca) estão em
conflito com os interesses de outra. Por exemplo, o arrasto para a pesca de
camarão, praticado pelos pescadores do Forte, é considerado daninho aos peixes,
prejudicando os pescadores de linha, groseira e rede de espera, da Banca do Peixe,
de Piracanga, Campo Seco e de Itacarezinho. A pesca de mergulho é considerada
predatório pelos pescadores de linha e anzol. As Normas da Reserva Extrativista
Marinha de Itacaré (Plano de Utilização) deverão tentar resolver boa parte desses
conflitos, e permitir a união de todos para o manejo e conservação da área da
Resex.

7.1 - Peixes,
produção de pescado em Itacaré pesqueiros e artes
de pesca
produção (ton)

80
60
40
A pesca em Itacaré é uma das
20 atividades econômicas de maior
0 importância social, pois beneficia
J F M A M J J A S O N D uma ampla parcela da população
mês de baixa renda. Apesar do recente
desenvolvimento turístico do
Figura 12 – Produção de Município, a sua inclusão social, isto
pescado em Itacaré, por é, a participação direta da
mês, no ano de 1998 população nativa de baixa renda
(MMA, 1999). na economia do turismo, ainda é
restrita. A pesca tem maior importância pois proporciona proteína para as dietas de
muitas famílias envolvidas na atividade, e também renda durante os meses de baixa
estação do turismo. Apesar de a maior quantidade de peixes ser pescada
justamente nos meses de verão (Figura 12), na época do turismo, nos meses de
inverno a safra da lagosta é economicamente importante. Na comunidade de
Taboquinhas, onde o desenvolvimento turístico ainda é muito inicial, a pesca tem
sido uma das principais alternativas ao cacau, depois que a doença da "vassoura-
de-bruxa" arrasou com a economia cacaueira da região.
Entretanto, o município de Itacaré, com uma captura de 230 toneladas, representa
apenas 0,6% do total da pesca na Bahia, apesar da opinião dos nativos de que o
mar de Itacaré é um dos mais produtivos do Estado. Para os pescadores locais, a
participação pequena de Itacaré na produção estadual é explicada pela
competição com barcos de fora, que pescam em Itacaré mas desembarcam em
outros portos, como Valença e Ilhéus. A Reserva Extrativista Marinha de Itacaré
deverá fazer com que o produto pescado em Itacaré realmente circule no
Município, o que representará maior benefício para as famílias pesqueiras e para o
36

desenvolvimento da economia do Município como um todo. A renda extra obtida


com a pesca vai impulsionar o comércio local nos meses de baixa estação turística,
e o produto pescado deverá favorecer os estabelecimentos turísticos com pescado
mais barato e de melhor qualidade.

Espécies mais pescadas em Itacaré


albacora

ariacó
outros
arraia

badejo

bagre

xaréu
bonito

vermelho
robalo
mero
guaiuba
cação
dourado
dentão
cavala

Figura 13: Peixes


capturados na região de
Itacaré durante 1998
(MMA, 1999).

De acordo com o MMA (1999), a arte de pesca responsável pela maior parte da
captura de peixes é a linha. A pesca do camarão, realizada com redes de arrasto,
também apresenta grande importância. Não existem dados de captura por
espécie, mas por categoria, isto é, espécies diferentes agrupadas pelo mesmo
nome popular. A importância relativa, em quantidade (kg), das espécies nas
capturas do ano de 1998 encontra-se representada na Figura 13.
De acordo com o MMA (1999), as categorias de peixes mais capturadas são os
cações, xaréu, badejo, cavala, bonito e arraias. As espécies costeiras mais
valorizadas são as capturadas com linha, em substratos de cascalho ou próximas de
afloramentos rochosos, tais como badejos, robalos, cioba, dentão e vermelho. Todas
estas espécies podem atingir grande tamanho na área em questão, o que é um
indicativo do potencial pesqueiro da região. Espécies de pequeno tamanho ou
indivíduos jovens das espécies de importância comercial são utilizadas pelos
ribeirinhos como fonte de alimento.
Através da amostragem de desembarques feita pela equipe da UESC com
colaboração da comunidade, no mês de fevereiro, foram identificadas 51 espécies
(ver lista de espécies e fotos no Anexo 8). Naturalmente, esse número está
37

subestimado, pois este primeiro


estudo envolve um levantamento
rápido e em uma única época do
ano. As famílias mais importantes
foram Carangidae e Sciaenidae.
Os pescadores da Banca do Peixe
são os que melhor conhecem o
mar de Itacaré e seus pesqueiros,
pois são na maioria originários do
próprio município, muitas vezes
segunda ou terceira geração de
pescadores nativos. A descrição
física do mapa feito pela
comunidade da Banca do Peixe
(Figura 14) apontou os pesqueiros
listados na Tabela 2.
Apesar de os pescadores da
Banca serem os que melhor
conhecem o mar de Itacaré, seu
conhecimento ainda assim é
regionalizado. Os pesqueiros
citados na Tabela 2 foram citados
em uma reunião com 25 pessoas.
Em Itacarezinho, porém, um só
pescador citou também os
seguintes pesqueiros não citados
pelos pescadores da Banca:
Vinte-e-Oito, Trinta-e-Cinco do
Norte, Trinta-e-Cinco do Sul, Barra
do Canto, Celinha, Serrinha, Morro
na Estrada, Barriga do Velho,
Setenta, Patizeiro, Trombone,
Quando Achou, e Arraia (não se
sabe se esses pesqueiros estão
realmente dentro da área da
Reserva, ou se são nomes
diferentes para os mesmos
pesqueiros).
Os participantes da Banca do
Peixe disseram que os melhores
pesqueiros são "Itacaré", "Pedra
Nova", "Parede dos Pretos" e
"Parede de Jeribucaçu".
Justamente nesses há hoje o uso
Figura 14: Mapa participativo feito pela de pesca de compressor, por
comunidade da Banca do Peixe. pescadores de fora (muitas vezes
38

com ajuda local) considerada danosa ao recurso. Apesar de denúncias feitas ao


Ibama, inclusive através de abaixo-assinados, a única resposta do Ibama - Ilhéus é
Tabela 2: Pesqueiros de Itacaré identificados. As observações referem-se a práticas
consideradas problemáticas pela comunidade ou sobre a abundância de peixes.
Nome Observações
Pedra do Cachimbo Usada por mergulhadores (C- compressor, e P – peito)
Pedra Duro da Cioba Guinchos arrastam nas proximidades
Pedra Duro do Agnaldo Guinchos arrastam nas proximidades
Parede do Ambrósio Usada por mergulhadores (C)
Pedra Canafista Guinchos arrastam nas proximidades
Pedra do Galo Usada por mergulhadores (C)
Parede do Cemitério Espiano Usada por mergulhadores (C)
Pedra Margulão Usada por mergulhadores (C)
Pedra do Alambique
Beirada Olho de Boi
Pedra da Prainha Usada por mergulhadores (C)
Pedra Evocada Usada por mergulhadores (C)
Beirada do Canto
Beirada do Pacelete
Serra no Campo Guinchos arrastam nas proximidades
Pedra do Catueiro Guinchos arrastam nas proximidades
Pedra da Mariquinha Usada por mergulhadores (C)
Pedra Mata Fome
Parede do Velho Usada por mergulhadores (C)
Beirada do Jeribucaçu Usada por mergulhadores (C)
Rica em peixes
Pedra do Pedro Usada por mergulhadores (C)
Guinchos arrastam nas proximidades
Pedra da Navalha
Pedra Itacaré Usada por mergulhadores (C)
Guinchos arrastam nas proximidades
Rica em peixes
Pedra Quilombo Guinchos arrastam nas proximidades
Pedra dos Pretos Rica em peixes
Usada por mergulhadores (C)
Pedra Nova Rica em peixes
Usada por mergulhadores (C)

que a pesca com compressor é permitida, a não ser nos casos de espécies em
época de defeso, ou de indivíduos ovados. Mesmo assim, nem mesmo esses casos
foram verificados. A pesca de compressor tem atingido principalmente os Canapus,
ou Meros, de grande tamanho, que já se encontram em extinção em boa parte da
costa brasileira.
39

Um abaixo-assinado solicitando uma portaria proibindo o uso do compressor no mar


de Itacaré também foi encaminhado ao Ibama em fevereiro, mas até o momento
nenhuma resposta foi dada. Enquanto isso, os poucos pescadores locais que
vendem seus conhecimentos e habilidades para achar pesqueiros para os
mergulhadores de compressor justificam seu comportamento com o argumento de
que "ainda não é proibido" e "quando for eu paro" ou ainda "se eu não for, outro
vai". Isso mostra a importância da Resex, para que as regras consideradas
adequadas pela comunidade possam ser implementadas e fiscalizadas.
As espécies de peixe economicamente mais importantes para os pescadores
participantes na Banca do Peixe estão enumeradas na Tabela 3.
Tabela 3: Nomes populares e científicos das espécies de peixe mais importantes
economicamente para os participantes da Banca do Peixe.
Nome popular Nome científico
Badejo N/D
Robalo Centropomus spp
Cavala Scomberomorus cavalla
Dourado Coryphaena hippurus
Olho de boi Seriola sp
Vermelho Rhomboplites aurorubens
Cação N/D
Dentão Lutjanus sp
Cioba Lutjanus sp

Se os pescadores da Banca do Peixe são os que melhor conhecem os pesqueiros


marinhos de Itacaré em geral, comunidades que têm uma área menor de atuação
às vezes têm um conhecimento mais detalhado de seus pesqueiros. Para a
comunidade do Campo Seco, os melhores pesqueiros locais são Engenhoca,
Jeribucaçu, Arruda e Pauva, principalmente nas pedras conhecidas como
Catende, Água Caída e Siriíba. Na Engenhoca, pessoas de fora pescam de linha, o
que não foi considerado problema pela comunidade. Mergulhadores de Itacaré
também pescam na costa próxima à comunidade, o que também não foi
considerado problema, pois eles só vêm com frequência no verão, quando a água
está limpa, só pescam os peixes maiores, e até contribuem com alguns moradores,
com "um peixe para a muqueca". Um dos participantes do Campo Seco questionou
se ter gente de fora não faz com que eles tenham menos peixes, mas a maioria
descartou isso na primeira reunião. Para eles, o problema principal da pesca eram
os guinchos, que desprezam os peixes pequenos depois de matá-los. Na segunda
reunião, porém, a questão sobre se os pescadores de outras comunidades ou que
utilizam outras modalidades reduzem a quantidade de peixe para a comunidade se
tornou mais importante.
Em Itacarezinho, a comunidade concorda que os guinchos são o problema
principal. A área utilizada pelos pescadores de Itacarezinho corresponde
principalmente ao trecho de mar ao longo da costa, desde o "Canto da Praia" de
Itacarezinho até a foz do Rio Tijuípe. A pesca de jangada é mais restrita às pedras e
corais próximos à costa, onde peixes e lagostas são pescados, mas pode também ir
40

a pesqueiros mais distantes. Atualmente resta apenas uma jangada na comunidade


e uma segunda, em fase de construção. Essas embarcações tradicionais são
construídas com uma madeira muito leve, denominada "pau-de-jangada". Essa
madeira está ficando escassa nas matas da região e têm-se substituído pela
"muanza". Outras madeiras também são usadas. Segundo a comunidade, devido à
proibição do corte de madeiras, ao processo de fechamento das matas pelos
proprietários das fazendas da região, e à própria escassez do "pau-de-jangada",
está difícil repor as jangadas que tinham no passado. Além disso, segundo a
comunidade, Durval Lélis, um dos proprietários das terras na costa de Itacarezinho,
começou a reprimir o uso do Porto de Jangadas, e chegou a comprar parte das
jangadas existentes no local, somente para destruí-las com uma motosserra.
Ainda, os moradores de Itacarezinho relatam que mesmo os barcos de menor porte
(com motor tipo B-18 ou similares) colocam suas redes de espera próxima à costa,
entre os corais, prejudicando a pesca e, matando inúmeras tartarugas marinhas e
ferinho os botos.
Na comunidade de Campo Seco, existem duas jangadas, que ficam nas praias do
Arruda e Jeribucaçu. Elas duram mais ou menos cinco anos, quando construídas
com muanza e três anos, quando construídas com pau-de-jangada. Não há
canoas, mas os moradores se referiram às madeiras juerana, pequi e passuaré como
as adequadas para sua construção. Os pescadores utilizam bastante a tarrafa, que
jogam a partir das pedras, e a pesca de linha. Também fazem a pesca da lagosta,
com varas apropriadas para isso, utilizando moreias como isca. Contaram que, em
um dia de boa pescaria, chegam a pescar 10 a 12 lagostas, mas que está cada dia
mais difícil.
Em Piracanga, existe somente uma jangada, utilizada pelos moradores para a
pescaria de rede e de linha em frente à costa e junto aos corais. Um problema
apontado foi um conflito com os barcos de arrasto (mesmo os pequenos, tipo B-18)
que arrastam entre os corais, no "Corotó" (uma pequena área de lama em frente à
foz do Rio Piracanga, entre a praia e os corais). Além de ser uma prática destrutiva
para a pesca (pois captura um grande número de peixes muito pequenos), um dos
pescadores de Piracanga aponta que os barcos de arrasto já passaram por cima
de uma de suas redes. Quando fizemos uma reunião no Forte, onde a maioria pesca
de arrasto, os pescadores de lá disseram que nunca passariam por cima de uma
rede, pois isso causaria prejuízos à sua pescaria, e que era um dos pescadores de
Piracanga que costumava sumir com as redes de outros pescadores da cidade que
pescavam junto à costa de Piracanga. As Normas da Reserva devem tentar resolver
esses conflitos.

7.1.1 - Embarcações
As embarcações mais utilizadas para a pesca no mar pelos pescadores da Banca
do Peixe e do Forte são os barcos equipados com motor diesel tipo B-18, ou similar.
Muitos pescadores da Banca do Peixe também utilizam canoas, para a pesca na foz
do Rio de Contas. As jangadas ainda são utilizadas pelas comunidades de
Itacarezinho, Jeribucaçu e Piracanga. Os guinchos são utilizados por apenas um
dono de embarcação, com três embarcações, sendo os demais de fora,
especialmente de Ilhéus.
41

7.1.2 - Modalidades de pesca


No mar de Itacaré, são utilizadas as seguintes modalidades de pesca:
 Calão: é mais usado na costa, no verão, e no rio, no inverno. A maioria dos
participantes da Banca, onde mais se utiliza o calão, não consideram essa
prática muito danosa aos recursos, apesar de ter a malha excessivamente fina,
pois é utilizado só alguns dias por ano. O calão tem grande importância social e
é uma das atividades de pesca mais tradicionais, envolvendo pescadores de
várias comunidades urbanas de Itacaré e beneficiando pessoas que vêm do
vilarejo de Caubi, em Maraú, ou de locais mais distantes, que aproveitam os
peixes menores.
 Rede de espera: há dois tipos, a de nylon seco e a de nylon mole. A pesca de
rede de espera antes era feita só em setembro e no verão. Agora, ocorre
durante o ano todo, o que provavelmente deve ser uma causa da diminuição
da quantidade de peixes no mar. Segundo alguns pescadores, as redes de
espera espantam os cardumes. Essas redes são usadas pelos pescadores de
Piracanga, da Banca do Peixe, do Forte, e de outras comunidades, para a pesca
de peixes e lagostas. A quantidade de redes é impressionante. Alguns
pescadores chegam a possuir cinco quilômetros de redes, ou mais.
 Linha e anzol: utilizados por todas as comunidades.
 Tarrafa: utilizada em todas as comunidades. Pode ser problema em locais em
que o rio é estreito, quando cardumes sobem para desovar, como é o caso em
Piracanga e Jeribucaçu, e no Rio Tijuípe.
 Groseira (ou espinhel): linha de espera com vários anzóis, utilizada para pesca de
peixes maiores, como tubarões.
O uso dessas modalidades de pesca varia conforme a época do ano. As espécies
capturadas e o local de uso também, como mostra o calendário sazonal na Figura
15 (este calendário inclui somente parte das artes de pesca utilizadas em Itacaré).

7.1.3 - Destino do pescado


O uso do produto pescado pode ser resumido na frase de um pescador da Banca
do Peixe: "A gente vende o bom e come o ruim”. Apesar dessa colocação ser
considerada humilhante por alguns pescadores, a grande maioria concorda que
essa é a realidade. Os peixes de primeira são na maioria vendidos, e os de segunda
e terceira são levados para casa e utilizados para alimentação da família. Às vezes,
quando precisam comprar alguma coisa e falta dinheiro, até o peixe de segunda é
vendido. A venda se dá em uma relação de dependência com um atravessador,
que fornece combustível, gelo e mantimentos ao pescador, criando um débito que
deve ser quitado com o produto da pescaria. De um lado, isso permite uma
exploração excessiva por parte do atravessador. Por outro, permite que o pescador
lide com as incertezas da pesca. Somente no caso da Asperi existe a venda
coletiva, apesar de a Asperi ter uma relação semelhante, também fornecendo aos
seus pescadores. Nas comunidades rurais, a maior parte do pescado é utilizada
para o consumo local, sendo o excedente às vezes vendido.
42

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Artes
Linha de
Mero, Vermelho, Badejo, Guaiuba, Dourado, Cavala,
fundo Ariacó, Guaricema, Cioba, Dentão, Albacora (atum), Bonito,
Olho-de-boi, Aratubaia, Cavala, Marlim, Xaréu, Sororoca,
Beijupirá, Guaraiuba, Peroá, Boca- Beijupirá, Dorminhoco,
negra, Olho-mole, Peixe-pena, Pescada, Arraia,
Arraia, Caramuru, Caranha, Xaréu, Caramuru, Dentão,
Guaçari, Bicuara, Sassupemba, Caranha, Guaçari,
Quatinga, Xixarro, Piranema, Gorá, Corongo, Pescada-goiva
Mero-batata, M.-piraroba, M.-
cherne, Garopa, Jabu
Espinhel
Cioba, Canapu, Badejo,
Tubarões:
Arraia, Caramuru,
- Tintureira
Dentão, Caranha
- Panã
(martelo)
- Galha-preta
- Sucurupóia
- Lixa
- Cação cavala
- Baiacu
- De areia
- Aniquim
- Gualha
branca
- Raposa
Nylon seco Nylon mole Nylon seco
Rede de
Bagre, Curvina, Pampo, Lagosta, Goiá, Siri, Linguado, Cioba, Ariacó, Barbeiro, Bagres,
espera Xaréu, Robalo, Camurim- Curvina, Tapa, Camarão, Tartaruga, Piraboca, Sargo ou
açu (cambriaçu), Peixe- Parucocô, Arraia, Xaréu, Sororoca, Guaçari. Pirambu, Guaraiuba,
elétrico, Sororoca, Cavala, Beijupirá
Peixe-galo, Aracanguira, Outros organismos: Argaço (algas), buzios,
Bonito, Guaricema, estrelas-do-mar
Drominhoco, Pescada,
Pescada-branca, Boca- Lixo: Lata, pneu, placa, plástico, madeira
torta, Cangurupi,
Caximbau, Agulhão,
Budião
Na costa No rio Na costa
Calão de
Barbudo, Boca-torta, Carapeba, Robalo, Cambriaçu, Bicudo, Siri, Lula,
arrasto Bagres, Roncador, Xaréu, Caçari, Arraia, Mirucaia, Cangauá, Tainha, Lagosta,
Pescada, Baiacu, Barbudo, Sardinha, Carapicu, Caratinga, Drominhoco,
Samucanga, Sametária, Carapitanga, Peixe-sabão, Cavalo-marinho Guaricema,
Bicuda, Chatinha, Pampo, Cavala
Sardinha
Preço do
peixe para o
pescador
Primeira 4,00 4,00 4,00 5,00 3,50 3,50 3,50 3,00 3,00 3,50 4,00 4,00
Segunda 2,50 2,50 2,50 2,50 2,00 2,00 2,00 2,00 2,00 2,00 2,50 2,50
Terceira 1,50 1,50 1,50 1,50 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,50 1,50
Quantida-

de de peixe

Primeira
Cavala, Dourado, Badejo, Olho-de-boi, Vermelho, Pampo, Cavala,
Robalo, Beijupirá, Cioba Sororoca
Pescada-branca
Segunda
Dourado Ariocó, curvina, guaiuba Guaricema,
Albacora
Terceira
Lagosta
Defeso
Camarão
Renda do Lagosta Peixe de passagem
Pescador
Semana Santa
Renda com 12/10 1/11 15/11
Turismo
Seguro defeso

Figura 15: Calendário de atividades de pesca e espécies capturadas (elaborado pelos


pescadorese m arisqueirasdo G rupo de Trabalho da Resex).
43

A Asperi tem uma fábrica de gelo, e produz o suficiente para os barcos de Itacaré.
No entanto, os participantes da Banca do Peixe gostariam de garantir o processo da
fabricação de gelo com mais uma máquina, na possibilidade de uma vir a quebrar.
Quando o peixe chega, a conservação se dá na câmara frigorífica da Asperi ou nos
freezers dos atravessadores. Artesanalmente, alguns pescadores às vezes salgam e
secam o pescado para o consumo.

7.1.4 - A Competição pelos recursos naturais e a Reserva Extrativista Marinha


de Itacaré
No mapeamento participativo da Banca do Peixe, ficou aparente que os
pescadores competem entre si, pois ninguém queria falar sobre os pontos de melhor
pesca que conhecem. O mesmo aconteceu na Passagem. A competição também
se expressa em práticas adotadas pelos pescadores, como esconder o local onde o
peixe foi pescado, esconder as lagostas pescadas até de tarde, etc. Essa
competição reflete o receio de perder oportunidades de pescaria para outros, o
que pode causar comportamentos predatórios. Uma frase comum é "se eu não
pescar, outro vem e pesca". Assim, a segurança que a Reserva Extrativista
representa, ao criar acesso exclusivo dos pescadores de Itacaré aos recursos
naturais, é um importante passo para a conservação e o estímulo a
comportamentos ecologicamente sustentáveis. É também um pré-requisito para
que os usuários dos recursos pesqueiros participem de forma responsável do seu
manejo sustentável.

7.2 - Fauna bêntica (organismos de fundo) e seus usos


Segundo Esteves (1988), os animais que compõem a macrofauna bêntica fazem
parte da comunidade de organismos que vivem na interface entre o sedimento e a
água: camarões, lagostas, caranguejos, siris, moluscos, etc.
A distribuição da fauna bêntica é controlada por vários fatores como:
disponibilidade e quantidade de alimento; tipo de sedimento (arenoso, orgânico,
argiloso, etc.); substrato (rochoso, madeira ,etc.); temperatura do meio;
concentração de oxigênio e de gás sulfídrico.
De forma geral o principal alimento da fauna bêntica são os detritos orgânicos, que
podem ser de origem autóctone (local) ou alóctone (externa). A grande
importância da comunidade zoobêntica no fluxo de energia e na reciclagem de
nutrientes decorre do fato destes organismos participarem nos processos de
decomposição da matéria orgânica, reduzindo o tamanho das partículas, além de
participarem da cadeia alimentar de vários organismos aquáticos, notadamente
peixes. Além disso, esses animais ajudam na liberação de nutrientes do sedimento
para coluna da água através da sua atividade de revolvimento do sedimento.
Os organismos bênticos têm sido largamente empregados como indicadores
biológicos de modificações ambientais, uma vez que em decorrência de sua
pequena mobilidade, e devido à posição ocupada na cadeia alimentar, são
sempre afetados por tais modificações. Estes organismos podem ser usados como
indicadores através de análises de diferentes níveis de organização biológica, indo
desde mudanças individuais (genéticas e/ou fisiológicas) até alterações no
44

ecossistema (Couto, 1996). Os donacídeos (molusco bivalve) são considerados


como sensíveis indicadores de impacto ambiental, devido a sua grande
suscetibilidade à poluição industrial e derramamentos de óleo (Chassé & Guenole-
Bouder, 1981).
Em um levantamento inicial, através das visitas de campo e com o auxílio de
pescadores e marisqueiras locais, foram identificadas 78 espécies de organismos
bênticos no município de Itacaré. O número real, porém, deve ser muito maior.
Moluscos (40) e crustáceos (27) foram os grupos melhor representados. Isso se deve,
sem dúvida alguma, a seu maior porte e a sua maior possibilidade de exploração.

7.2.1 - Utilização da fauna bêntica


Considerando o material obtido, e de acordo com os pescadores e marisqueiras
locais, na região cerca de cinco espécies de moluscos sem valor de mercado
(Anadara brasiliana, A. chemnitzi, Tivela mactroides, Iphigenia brasiliana e Macoma
constricta) são consumidas. Essas espécies são coletadas por mulheres e crianças e
complementam a dieta alimentar. Entre os crustáceos são consumidos os juvenis de
Callinectes spp. (tamanho inferior ao comercial) e o caranguejo Aratus pisonii.
Das espécies de importância comercial e/ou com potencial para o cultivo na área,
foram identificadas 12 espécies de crustáceos e 10 de moluscos bivalves explorados
comercialmente. Algumas destas espécies apresentam potencial para incremento
de produção via aquacultura. Além dessas 22 espécies de reconhecido valor
econômico, foram amostradas também três espécies não identificadas de Porifera
(esponjas), com potencial econômico desconhecido.

7.2.2 - Camarão
A pesca de camarões e lagostas ainda é muito importante na região de Itacaré. Os
camarões encontram-se agrupados em quatro tipos:
 Sete-barbas (Xiphopenaeus kroyeri), com menor valor comercial. Bastante
abundante durante todo o período de águas calmas.
 Branco (Litopenaeus schimitti), conhecido por "pistola", de alto valor comercial;
 Rosa (Farfantepenaeus cf. notialis e Farfantepenaeus cf. subtilis), comuns em
fundos lamosos na plataforma adjacente.
 Rosa-pintado ou rosa grande (também conhecido por pistola) (também (F.
brasiliensis), maior valor comercial. Obtido em fundos duros, próximos à costa, no
período de águas mais revoltas.
Todos os tipos são explorados por frotas de arrasto. Sua distribuição envolve a faixa
de mar até a profundidade de 45 metros para o sete-barbas e o rosa, e além desta
para o branco e o rosa-pintado.
Os pescadores da comunidade do Forte são os que mais praticam a pesca de
camarão. A quantidade de camarão disponível varia conforme o dia, e a maior
abundância pode estar em qualquer parte da costa. Há variação de produção
conforme o ano e a época do ano. As épocas mais produtivas são logo depois do
defeso, em junho (o defeso mudou recentemente, passando a terminar em 5 de
45

maio). No verão, durante o dia, o camarão só está disponível nas áreas onde a
água é turva, como ao longo da costa, em frente à praia que vai do Pontal a
Piracanga, e na costa sul. Um dos locais recentemente descobertos pelos
pescadores de camarão é o "Corotó", uma bacia de lama em frente à foz do Rio
Piracanga, cercada de corais.
A pesca de arrasto é praticada ao longo de toda a costa de Itacaré, por barcos
locais e de fora, pequenos (tipo motor B-18) e guinchos. Os barcos pequenos estão
mais restritos a arrastar perto da costa, enquanto os guinchos vão atrás do camarão
onde estiver, lama ou cascalho, perto ou longe da costa. Os guinchos são
apontados como os maiores degradadores dos recursos naturais marinhos. Um
problema apontado foi o arrasto próximo à costa e em frente a Piracanga, tanto
por barcos pequenos como guinchos, locais como de fora. Em Piracanga, os
moradores apontaram que guinchos pequenos estão passando pelo "Corotó", bem
próximo à praia. Os pescadores do Forte e alguns da Banca afirmam que o Corotó é
um dos poucos lugares onde é possível pescar camarão durante o dia no verão.
Outros reconhecem que a área só vem sendo explorada para esse tipo de pesca
há poucos anos, e pensam que a prática,ali, é predatória.

7.2.3 - Impactos da pesca de camarão


A lama de Itacaré está bastante degradada devido à pesca de arrasto de
camarão. Nas reuniões na comunidade do Forte, houve um grande debate sobre se
o arrasto por barcos pequenos causa os mesmos problemas que o arrasto feito pelos
guinchos. Todos reconheceram que ambos causam danos. Nas palavras de um
pescador mais velho, "Quem tá acabando com o mar é nós, não é ninguém".
Porém, os guinchos causam danos em maior escala, pois têm uma maior área de
atuação, uma largura maior de arrasto, maior velocidade e atuam em maior
número de horas, arrastando dia e noite. Além do camarão, a pesca de arrasto
captura diferentes espécies e um grande número de organismos considerados
como fauna acompanhante, incluindo peixes de fundo, devido à baixa seletividade
do aparelho e ao pequeno tamanho de malha das redes. Por isso, a fauna
acompanhante é composta principalmente por indivíduos jovens. A maior parte do
pescado capturado é descartada a bordo por não possuir valor comercial, sendo
devolvida ao mar morta ou com poucas chances de sobrevivência. Além disso, o
descarte da pesca associada de peixes pequenos é maior com os guinchos pois,
como passam vários dias no mar, e preferem usar seu gelo para conservar somente
o camarão, que é economicamente mais rentável. Os barcos pequenos muitas
vezes aproveitam o que seria descarte dos guinchos.
A comunidade de Itacarezinho, por exemplo, relata que sempre observa peixinhos
mortos, depois de terem sido descartados pelos barcos de pesca de camarão. As
maiores queixas são sobre a ação dos "guinchos", barcos de pesca de maior porte
que, segundo dizem, não respeitam as embarcações menores. Por causa dos efeitos
visíveis do desperdício e dos danos que a pesca de guincho ocasiona, parece que
os guinchos começaram a disfarçar. A comunidade de Itacarezinho denuncia que
os guincheiros, visando camuflar sua ação predatória, têm colocado peixes e
camarões pequenos, de tamanho inferior ao comercial, pescados durante o arrasto
para a pesca de camarão, em sacos, afundando-os a seguir com o auxílio de pesos
46

e pedras. Concluíram isso depois de encontrar, na praia, alguns desses sacos. O


descarte e a sobrepesca estão entre os maiores problemas na exploração dos
estoques pesqueiros de regiões tropicais, e Itacaré não é exceção.
Os guinchos, além de serem na maioria de fora, não contribuem significativamente
nem com a economia local nem com empregos. Apesar de o dono dos três
guinchos de Itacaré dizer que emprega muita gente e faz circular dinheiro na
cidade, alguns pescadores disseram que somente um nativo é contratado do
empresário. Mesmo assim, uma economia marginal, de pessoas que vivem de
pequenos peixes e do descarte do último lanço feito pelos guinchos, doados ou
vendidos a elas, existe em Itacaré.
Um dos problemas levantados estava relacionado com o defeso. Alguns
participantes das reuniões do Forte denunciaram que os guinchos pescam dias
antes do fim do defeso do camarão, e que quando os barcos pequenos vão
pescar, já não tem mais nada (em 2000, uma fiscalização promovida pelo Ibama a
partir da iniciativa de pescadores locais autuou vários guinchos pescando no
defeso, o que resultou em apreensões e multas). Para os participantes das reuniões
do Forte, seria bom que o defeso do camarão fosse maior, para aumentar a
quantidade disponível. Mas seria necessário também que houvesse o seguro-defeso
para esse período expandido. Novamente, houve uma discussão sobre a data certa
para o defeso. Para alguns, o camarão-rosa deve ditar o defeso, pois o camarão
sete barbas "não cresce". Estudos deveriam ser feitos para verificar o período
apropriado do defeso do camarão. Porém, no dia 15 de março de 2001, uma
Portaria do Ibama já modificou o defeso do camarão, sem aviso prévio para que os
pescadores pudessem se candidatar ao seguro-defeso ou se preparar, estocando
camarão para isca, por exemplo. Pode-se prever vários problemas no cumprimento
dessa portaria. Segundo um dos pescadores, a portaria só veio para atender os
interesses dos guinchos de Ilhéus, pois poderão arrastar durante a migração da
lagosta que ocorre no antigo período de defeso do camarão. Ao permitir o arrasto
durante as estação da lagosta, a nova portaria também prejudicou os pescadores
de lagosta porque suas redes não poderão ser colocadas na lama onde os
guinchos arrastam, pois estes costumam passar por cima das redes, causando
grandes prejuízos aos pescadores de lagosta.

7.2.4 - Lagosta
A espécie de lagosta mais comum é a Panulirus argus. De acordo com os
participantes, a lagosta é um recurso migratório, que vem de fora (longe da costa)
para a terra, do sul para o norte, e é bastante pescada na lama. A pesca da
lagosta em Itacaré é feita normalmente com redes de espera, de fundo. Em
Itacarezinho, os pescadores locais mergulham (têm equipamento) e pegam com as
mãos, protegidas por luvas, as lagostas escondidas no coral. Mesmo assim, muitas
vezes se ferem nos espinhos da lagosta. Os pescadores da cidade pescam a lagosta
migratória utilizando redes de espera. De março a abril, o conserto e confecção de
redes para a pesca da lagosta envolve um bom número de pessoas.
A lagosta teve seu período de maior captura no início dos anos 90, quando os
pescadores locais descobriram como pescá-las e o mercado que existe para o
produto. Muito dinheiro resultava da pesca da lagosta, o que causou uma
47

verdadeira "corrida do ouro" na cidade. Segundo os pescadores, a lagosta é um dos


poucos recursos que o preço não baixa quando se pesca muito; ao contrário, o
mercado melhora. Hoje, porém, poucos anos depois, a produção de lagosta já
diminuiu muito, devido à sua pesca excessiva por barcos locais e lagosteiros de fora,
que vêm até do Ceará para pescar em Itacaré. Um dos problemas apontados com
os lagosteiros, é que eles descartariam os manzoás no mar, que ficam no fundo
aprisionando e causando a morte de lagostas e peixes, que são disperdiçados. Por
outro lado, alguns pescadores usam redes de espera não permitidas.

7.2.5 - Moluscos
Nos arrastos ao largo (plataforma continental) foram obtidos juvenis de lula
(Lolliguncula brevis). Essa espécie é pouco explorada localmente, mas poderia vir a
tornar-se um recurso interessante para as comunidades locais, se estudos
demonstrarem potencial para extração. Os polvos (Octopus vulgaris) são coletados
(com fisga ou arpão) nas lajes e nos recifes de corais. Apresentam um bom valor de
mercado e são bastante procurados pelos pescadores.

7.3 - Tartarugas marinhas


Apesar de ser ilegal, as tartarugas marinhas são eventualmente utilizadas para a
alimentação por alguns pescadores. Mas parecem ser casos isolados. A maioria dos
casos relatados foi de tartarugas que já tinham morrido nas redes e, para não serem
desperdiçadas, foram utilizadas como alimento.
Duas áreas em Itacaré têm grande desova de tartarugas: as praias de Piracanga e
de Itacarezinho. Neste ano, houve pelo menos 34 casos de desova de tartarugas
em Piracanga, onde o pescador e líder comunitário Batista faz um trabalho
voluntário de proteção dos ninhos, às vezes transplantando-os para um lugar seguro,
e ajudando as tartarugas recém-nascidas a chegar até o mar. Segundo Batista, em
Itacaré estão presentes as seguintes espécies (nomes comuns) de tartaruga: baleia,
marinha, verdadeira, suranha, de pente, e bico de papagaio (ou azul). Na praia de
Itacarezinho, a cada ano, 20 ou 30 ninhos eclodem. Antigamente, eram parte da
dieta da comunidade. Hoje, talvez devido ao turismo e à atuação de alguns
indivíduos na área, e devido ao próprio temor da lei, a comunidade fala bastante
da conservação das tartarugas. Um proprietário local faz o transplante dos ninhos,
mas a comunidade critica, dizendo que poucos ovos realmente eclodem, e que ele
está mais interessado em mostrar as tartaruguinhas para os turistas que em preservá-
las. A região próxima ao antigo Porto de Jangadas é a região de maior
concentração de tartarugas marinhas em Itacarezinho. As tartarugas são alvo de
grande atenção por parte da comunidade, mas parece haver pouca orientação
para a comunidade e proprietários de Itacarezinho e de Piracanga sobre a
conservação das tartarugas.
As tartarugas marinhas de Piracanga e Itacarezinho estão sendo ameaçadas pelo
crescente tráfego de veículos motorizados na praia, principalmente nos meses de
desova e nascimento de tartarugas, alta estação do turismo em Itacaré. Os veículos
compactam a areia sobre os ninhos, criam obstáculos às tartarugas recém-nascidas
e, pelo menos na opinião de Batista, deixam um cheiro de óleo na praia, que
48

espantaria as tartarugas que vêm desovar. Em Itacarezinho, as áreas de marinha,


onde as tartarugas desovam, encontram-se privatizadas e cercadas com arame
farpado. Isso pode atrapalhar esforços de conservação. Além disso, as redes de
espera freqüentemente causam a morte de tartarugas; de janeiro a abril, conta-se
que em Itacarezinho já apareceram pelo menos dez tartarugas mortas na praia.

7.4 - Mamíferos marinhos


Apesar de haver presença de mamíferos marinhos, como baleias e golfinhos, na
área, o levantamento biológico não teve condições para observá-los ou descrevê-
los. Os pescadores citam a presença de baleias na área, inclusive bem próximas à
costa. Botos também são comuns no mar, além de penetrarem o estuário do Rio de
Contas na maré alta.

7.5 - Áreas de uso especial


Quando perguntados sobre se haveria alguma área de mar que deveria ser
preservada, sem arrasto, os participantes da Banca do Peixe e do Forte citaram a
área do "Berçário" ou "Jardim dos Corais", que vai do Farol até a praia da Ribeira,
onde só a pesca de linha deveria ser permitida. A comunidade de Itacarezinho
sugeriu o trecho da praia de Havaizinho ao Rio Tijuípe, onde só pesca de linha e
mergulho deveriam ser permitidos. E a comunidade de Campo Seco sugeriu o
trecho da praia de Pauva até a Engenhoca.
As discussões das Normas da Reserva (Plano de Utilização) estão apontandopara a
confirmação dessas áreas de preservação.

8. Rios e Estuários
Estuários são ambientes nos quais os rios deságuam no mar, e onde a mistura entre a
água doce e a água do mar constitui o processo físico dominante. A física da
mistura estuarina é complexa e é afetada pela estrutura geológica, pela topografia,
pelo fluxo de água de origem continental, e por diversos outros fatores hidrológicos
como as forças gravitacionais, de marés, ou forças de circulação causadas por
ventos dominantes.
São dois os estuários principais a serem incluídos na Reserva Extrativista Marinha de
Itacaré: o do Rio Piracanga e o do Rio de Contas. Entretanto, há uma série de
riachos e ribeirões que deságuam no mar e que formam estuários com manguezais
e restingas. Apesar de Itacaré não ter manguezais extensos, essas poucas áreas são
importantes para manter a produtividade no mar, e garantir o sustento de uma
ampla parcela da população, grande parte mulheres, que extraem caranguejos e
outros mariscos.
49

8.1 - Manguezais e Apicuns


Classificado como “floresta perenifólia
paludosa marítima”, o manguezal é
encontrado em Itacaré numa área que
ocupa aproximadamente 40 km2, com
fisionomia e composição florística
homogêneas, contando com um
número restrito de espécies. Das sete
espécies arbóreas comuns aos
manguezais, apenas três foram
observadas no Rio de Contas: Mangue-
vermelho ou Mangue-verdadeiro
(Rhizophora mangle –
Rhizophoraceae), Siriba ou Siriuba
(Avicenia schaueriana - Figura 17: Manguezal no Rio Piracanga.
Avicenniaceae), esta com flor e com maior incidência próximo à bordadura, e o
Mangue-manso ou Mangue-branco (Laguncularia racemosa - Combretaceae). Na
bordadura foram encontradas as seguintes espécies, todas elas também frequentes
em outras regiões: algodoeiro-da-praia (Hibiscus pernambucensis – Malvaceae),
samambaia-do-mangue (Acrosticum aureum - Pteridophyta), feto-do-mangue
(Blechnum sp. – Blechnaceae ou Pteridophyta), além de Dalbergia ecastophylla
(Fabaceae), bromélias, capim-elefante (Pennisetum purpureum – Poaceae) e
Byrsonima com flor.
De acordo com a amostragem obtida por Vinha et al. (1976), o volume total de
madeira nos manguezais do Sul da Bahia foi de 100 m 3/ha, com uma
predominância significativa (92%) do mangue-vermelho em comparação com as
demais espécies.
Embora os manguezais de Itacaré não sejam extensos, há uma boa área propícia
ao apicum, de onde os extrativistas extraem guaiamuns. O problema é as áreas de
apicum, principalmente no Rio de Contas, estão bastante degradadas, em muitos
trechos substituídas por cacau, coco ou outras plantações.
Mais será descrito sobre os manguezais e apicuns nas seções específicas de cada
rio.

8.2 - Rio de Contas


O Rio de Contas é o maior rio na área da futura Reserva Extrativista Marinha de
Itacaré, e atravessa a cidade sede do Município. Ele percorre um longo trecho
desde suas nascentes na Chapada Diamantina, é um dos maiores rios da Bahia, e
tem sua foz junto à cidade de Itacaré. Ao longo de seu curso são encontradas
barragens, como as dos municípios de Jequié e Ubatã. Além disso, o Rio de Contas
recebe a carga de esgotos de vários municípios (além de todos os tipos de lixo). O
nível de água varia ao longo do ano e, em época de enchente, o rio pode ficar de
seis a dez metros acima do seu nível normal. A bacia do Rio de Contas está
compreendida entre os paralelos de 12º 55’ e 14º 55’ S eos meridianos 38º 58’ e 42º
50

00” W. De acordo com Rocha Filho (1976) é a maior bacia do polígono da Região
Cacaueira, com uma superfície total de 56.550 km2 e 476 km de extensão. Rocha
Filho (1976) ainda apresenta informações sobre a análise química, perfil longitudinal
e declividades médias, características pluviométricas e o potencial energético desta
bacia.
No passado, o Rio de Contas foi um importante meio de integração regional na
Bahia, escoando produtos (como diamantes e, mais tarde, cacau) até a foz do Rio
em Itacaré, de onde eram exportados. No trecho dentro da área da futura Reserva
Extrativista Marinha de Itacaré, o Rio de Contas é navegável entre Itacaré e
Taboquinhas, maso assoreamento tem feito a navegação mais difícil. De
Taboquinhas até o Porto das Farinhas, dentro da área proposta para a Reserva, o
Rio de Contas tem um trecho de corredeiras e cachoeiras, de grande beleza cênica
e, de acordo com o proprietário da agência Ativa, é um dos melhores rios para a
prática do rafting no Brasil.
Segundo informações obtidas da comunidade do Porto de Trás, o limite interno da
zona de mistura do sistema estuarino do Rio de Contas (região onde pode-se
detectar um incremento na presença de sais dissolvidos nas águas do rio) está
localizado na região da Volta do Poço. Ainda, segundo a comunidade de
pescadores, é comum detectar uma inversão no sentido das correntes de fundo
(quando comparado com as correntes de superfície). Relatam que, em certos
momentos, sob condições de maré vazante, as correntes de fundo continuam a
orientar-se rio adentro, enquanto as correntes superficiais já se orientam rio abaixo.
Isso ocorre principalmente onde a profundidade do rio atinge valores superiores a
seis metros e, particularmente próximo à foz. A maré apresenta valores extremos de
altura em torno de três metros. Os resultados apresentados no Anexo 4 mostram a
variabilidade espacial na distribuição da temperatura da água e da salinidade, em
diferentes locais do estuário, para o mês de janeiro, comprovando uma série de
informações obtidas através do diagnóstico participativo.
O estuário do Rio de Contas tem grande perturbação pois é nele que está
localizada a cidade de Itacaré. Ali são despejados, sem tratamento, os esgotos de
cidade. Na praia da Coroa, essa situação é mais evidente, com o mau cheiro
resultante do esgoto em vários pontos da praia bastante forte na maré baixa. O
esgoto deságua diretamente na praia, através da rede de coleta de águas pluviais,
e também é trazido pelo riacho que recebe o esgoto dos riachos que passam pelos
bairros da Pituba, Alagados, Centro, e até perto da Rodoviária. É também nessa
praia que os pescadores da Banca e de outras comunidades trabalham
(embarcam, desembarcam, reformam barcos, fazem e reformam redes) e se
divertem (jogo de futebol - o "baba" - no fim da tarde, conversas sobre pescarias e
outros assuntos, jogo de cartas, além da fresca da noite, junto à rampa perto da
Banca). Um projeto de reurbanização da orla de Itacaré, a ser implementado pela
Conder, começa a preocupar algumas lideranças de pescadores, pois está sendo
feito sem a sua participação e estará alterando justamente esses espaços de
convivência informal da comunidade pesqueira. Se privilegiar o turismo, o projeto
poderá retirar dos pescadores os seus espaços tradicionais. Portanto, o projeto deve
passar pela discussão e avaliação da comunidade pesqueira.
51

Entretanto, também na praia da Coroa são, freqüentemente, jogados os restos dos


peixes limpos na banca do peixe. Além disso, alguns moradores das proximidades
eventualmente jogam seu lixo na praia, para o rio levar.
Na praia da Coroa ocorrem sedimentos areno-lodosos, sendo que a maior parte da
área fica exposta durante a baixa-mar. Em alguns trechos pode ser observada a
intensa deposição de sedimentos com granulometria mais grosseira (de provável
origem fluvial). A fauna bêntica observada é típica destes ambientes: bivalves
(Tagelus plebeius e T. divisus, Anomalocardia brasiliana, Macoma constricta e M.
tenta, Lucina pectinata e Iphigenia brasiliana), siris (Callinectes spp.) e caranguejos
ocipodídeos (Uca thayeri e U. leptodactyla). Não se recomenda o consumo dos
organismos desta área sem estudos mais detalhados sobre os níveis de
contaminação, uma vez que pelo menos parte do esgoto urbano é liberado in
natura no local.
Do outro lado do rio, a praia do Pontal também é bastante utilizada para o lazer dos
nativos de Itacaré. Porém, ali se acumula muito lixo trazido pelo Rio de Contas. O
pontal tem tamanho variável, de acordo com as correntes marinhas. Já foi bem
menor, e não protegia a praia da Coroa como o faz atualmente. Houve uma época
em que a praia da Coroa tinha ondas quebrando, que permitiam até mesmo a
prática do surf. Hoje, é uma praia fluvial, de águas calmas.
Outra fonte de poluição na foz do Rio de Contas são os riachos que atravessam os
bairros do Marimbondo, Passagem, Porto de Trás e Baixa da Gia. O esgoto
despejado nesses riachos acabou com a possibilidade de coleta de mariscos no
manguezal adjacente e contamina o Rio de Contas. Tanto esses esgotos como os
esgotos da Praia da Coroa podem também ameaçar a mais nova fonte de renda
da cidade, o turismo, devido ao mal cheiro e à possibilidade de transmissão de
doenças, risco que atinge principalmente a população local. Óleo e lixo são
também despejados de diversos barcos, tanto na frente da Banca (praia da Coroa)
como no Forte.
O lixo no manguezal aumentou muito nos últimos anos. Encontra-se de tudo: roupas,
plástico, colchões, sandálias, etc. Todo esse lixo chega também ao mar, se
enroscando nas redes, e se depositando nas praias, principalmente na praia que vai
do Pontal a Piracanga.
Além do esgoto e do lixo (os quais vêm também das cidades localizadas rio acima),
o estuário do Rio de Contas sofre com o desmatamento dos manguezais e o
assoreamento, que tem transformado os manguezais que sobram em áreas
arenosas, onde os caranguejos não podem viver, e tem dificultado a navegação no
Rio (inclusive na barra, que está a cada dia mais rasa).
No Rio de Contas, o manguezal é pequeno, e vai da barra do rio até
aproximadamente a Volta do Poço.Na margem esquerda do Rio de Contas,
próximo à cidade, foi observada uma grande ocorrência de dendezeiros sub-
espontâneos e, esparsamente, alguns cultivos perenes de côco ecacau. Em alguns
trechos, nas margens e ilhas do Rio de Contas, os manguezais (áreas de
preservação permanente) foram substituídos por plantações de coco e cacau,
como na Ilha do Quelengue (ou Ilha Bela). Segundo os participantes do Porto de
Trás, a ilha ocupada por Manoel Andrade tem sido desmatada para o plantio de
52

roças. Nesses trechos desmatados, o rio começou a avançar sobre os barrancos,


obrigando a construção de barreiras de contenção e causando o assoreamento do
rio. Próximo à cidade, algumas áreas de mangue foram aterradas para a
construção de casas e pousadas.
No manguezal da Ilha do Meio, foi possível observar que o padrão de sedimentação
encontra-se bastante alterado. Aparentemente o local está sendo erodido. A malha
de raízes está exposta em até 0,5 m e o sedimento é predominante arenoso. Além
de uma estreita faixa de mangue vermelho (Rhizophora mangle), estão presentes
mangue branco (Laguncularia racemosa) de pequeno porte. Pode ter ocorrido
recolonização com propágulos originários de outra área ou rebrota de indivíduos
cortados há menos de cinco anos, mas esse processo deve ser investigado
posteriormente em maior detalhe.
Em alguns trechos do longo do canal que dá acesso à Cachoeira do Cleandro há
áreas de manguezal cercadas por arame farpado. O manguezal está bastante
alterado, com a presença massiva de uma pteridófita no estrato arbustivo. Nesse
ambiente foi observada uma elevada densidade de camarões carídeos (material
não identificado ao nível de espécie até o momento), que a comunidade utiliza
como isca (denominada localmente de pitiguira). Os caranguejos de mangue
(Ucides cordatus) e o aratu (Goniopsis cruentata) eram de maior porte e mais
abundantes. Um pescador citou a ocorrência de busanos (Bivalvia: Teredinidae –
material não coletado) que apodrecem as árvores do mangue e as fazem cair,
além de atacarem os cascos de madeira de barcos e canoas. Na região não é
costume consumir estes organismos.
Nas margens do rio, um dos problemas é o desmatamento das áreas de
preservação permanente para o plantio de roças, especialmente cacau, inclusive
nas áreas de marinha e de apicum. É provável que esse desmatamento esteja
contribuindo para o assoreamento do rio.
Nas imediações da vila Povoação, por exemplo, a vegetação às margens do rio,
encontra-se bastante destruída e os terrenos são utilizados para pastagens (embora
haja poucos animais na área) e roças de cacau e banana. Segundo os moradores,
a terra dos apicuns é muito mais fértil do que as outras, daí a sua utilização para
roças. Apenas um proprietário deixou um bom trecho de mata nas suas terras
(Chico Mineiro). Mas ele não permite que os apicuns sejam utilizados para o
extrativismo.
Além do desmatamento, um outro fator que pode estar contribuindo para o
assoreamento do Rio de Contas tem sido a construção de barragens rio acima, em
Jequié e Ubatã. Estudos são necessários para verificar se as barragens contribuem
com o assoreamento, já que as próprias barragens têm sido assoreadas, retendo os
sedimentos e indicando que o assoreamento do rio estámais ligado ao
desmatamento de suas margens. As barragens apresentam uma série de problemas
para Itacaré: 1) podem estar aumentando o assoreamento do rio, dificultando a
navegação; 2) destroem os ciclos de cheias/secas (enchentes ocorrem de repente,
conforme a abertura das comportas das barragens pelos administradores das
barragens e não conforme os ciclos naturais), e 3) aumentam a quantidade de
baronesas (água-pés) no rio quando liberam água pelas comportas em grande
53

quantidade, e a sua concentração em períodos curtos, o que causa grandes


prejuízos à pesca e ao turismo em Itacaré4.

8.2.1 - Uso dos recursos naturais próximo à foz do Rio de Contas


Os caranguejos (Ucides cordatus e Goniopsis cruentata) são obtidos no manguezal.
Na área de contato entre o manguezal e a mata (restinga ou mata atlântica) é
coletado o guaiamun (Cardissoma ganhumi), considerado como o mais saboroso e
que tem maior valor no mercado. Em vários trechos, não se encontram mais
caranguejos devido à trasformação do ambiente. A produtividade também é baixa
e os caranguejos não atingem grande porte. As comunidades atribuem o pequeno
desenvolvimento dos caranguejos ao solo arenoso que vem se tornando
característico do manguezal, à superexploração (principalmente nos manguezais
próximos à cidade de Itacaré) e às enchentes anuais (que diminuem muito a
salinidade da água e levam os caranguejos para o mar). Por outro lado, os
guaiamuns crescem bem.
Além de caranguejos, guaiamuns e aratus, no manguezal do Rio de Contas
também está presente o Aratus pisonii, utilizado como isca viva na pesca do robalo
e, quando de maior porte, utilizado “quebrado” juntamente com o aratu, em
moquecas e fritadas.
Os siris, pertencentes ao gênero Callinectes (três espécies identificadas para a
área), são um recurso econômico importante para as populações ribeirinhas. A
maior parte da produção é obtida nas gamboas ao longo do estuário do rio de
Contas. A espécie mais valorizada (considerada de carne mais saborosa) é
Callinectes exasperatus.
Segundo a comunidade do Porto de Trás, o guaiamum e o caranguejo ficam
"moles", ou "de leite" após a muda, e nesse período não devem ser consumidos (dá
diarréia, segundo a comunidade). Siris e aratus não têm esta característica. O
caranguejo fica "tapado" na toca para mudar em março-abril.
Ocorrência de fêmeas ovadas (houve controvérsias na reunião do Porto de Trás):
1) Caranguejo: começa em novembro, no máximo em janeiro (a andada
ocorre na maré morta de janeiro, que neste ano seria em 20/01, mas que,
segundo os moradores, não houve por causa da chuva. Entretanto, houve
andada na segunda quinzena de março.
2) Siri: janeiro.
3) Aratu: o ano todo.

4As baronesas, ao chegarem no mar, morrem devido à salinidade da água, e acumulam-se


nas praias, formando montes que até mesmo dificultam o acesso dos banhistas ao mar,
também muito sujo de fragmentos dos vegetais em decomposição. Os montes de
baronesas mortas começam a se decompor nas praias, e quando são mantidos úmidos, um
cheiro podre de enxofre (ovo podre) se desprende. A Prefeitura de Itacaré, no Reveillon de
2001, teve grande trabalho limpando as praias e vários turistas deixaram a cidade com
péssima impressão. Os pescadores, quando retornavam de suas pescarias, eram obrigados
a passar horas limpando os fragmentos das plantas de suas redes.
54

4) Guaiamum: janeiro. A fêmea do guaiamum é chamada de "pata choca".


No passado, na época da desova, eram muito coletadas na região. As
patas chocas costumavam andar até nas ruas da cidade, mas a captura
excessiva fez isso quase acabar. Agora tem pouco.
O uso dos apicuns do Rio de Contas pelos moradores da Povoação é feito apenas
para o próprio consumo, mas pessoas de fora (que moram em Itacaré) têm vindo
para retirar guaiamum para comercializar, usando um método considerado pelos
moradores como bastante predatório: eles fazem buracos no mangue para pegar
um ou dois guaiamuns e quando a água do rio começa a bater, "descava tudo", o
que acaba "destruindo a morada de mais de vinte". Os moradores da Povoação só
utilizam armadilhas para a mariscagem. Porém, uma pessoa disse que os moradores
estão pegando muitos guaiamuns ("três ou quatro sacos") na época de andada,
quando eles estão muito magros, acabam não servindo para nada e apodrecem
nos quintais das pessoas. As fêmeas ovadas ("patas chocas") são levadas
escondidas para fora do povoado. Além de guaiamum, são retiradas lambretas,
caranguejos e siris.
Caranguejos e guaiamuns estão cada vez mais escassos no Rio de Contas, mas
ainda são abundantes em Itacarezinho e Campo Seco, provavelmente devido à
menor pressão de captura. Em Piracanga, por outro lado, já não tem andada de
caranguejos há dois anos.
Entre os moluscos, foram observadas a ostra verdadeira (Crassostrea rhizophorae) e
a rosa (Ostrea equestris). A abundância de ambas foi muito baixa (poucas raízes
escora colonizadas, poucos indivíduos presentes por raiz e de pequeno porte).
Indivíduos maiores estavam sempre abertos (mortos). Um pescador levantou a
possibilidade de essa baixa produção estar relacionada à entrada desordenada de
água doce nos momentos de liberação de água das barragens rio acima. Notável
também foi a virtual ausência de cracas. Apenas alguns exemplares de Euraphia
rhizophorae foram observados.
Além das ostras, a população comercializa dez espécies de moluscos bivalves. A
maioria é habitante de planícies lamosas localizadas à frente dos manguezais.
Nessas áreas são obtidos o sururu (Mytella guyanensis e M. charruana), o berbigão
(Anomalocardia brasiliana), a unha-de-velho (Tagelus divisus e T. plebeius), a
lambreta (Lucina pectinata) e a taioba (Macoma constricta).
A comunidade do Porto de Trás envolveu-se na coleta de organismos para este
diagnóstico. Em área de manguezal foram obtidos moluscos (Lucina pectinata e
Tagelus plebeius) e crustáceos (Callinectes exasperatus) de interesse comercial.
Foram ainda coletados caranguejos-ermitões (Clibanarius vittatus) em conchas de
diferentes gastrópodes. As conchas pertenciam a espécies que são características
de maiores profundidades, devendo ser provenientes da plataforma adjacente à
foz do Rio de Contas. Na área mais externa do estuário, junto à linha de praia
exposta, foram observados depósitos de valvas de diversas espécies de bivalves,
com predomínio de Tivela mactroides, Sanguinolaria cruenta, Tellina spp e Anadara
spp. Foram também observados Arenaeus cribarius e Callinectes danae juvenis. No
nível mais alto foram observados inúmeros Ocypode quadrata.
55

Entre os moluscos da infauna Tabela 4: Espécies comumente pescadas na


(organismos que vivem enterrados Passagem e Marimbondo.
no sedimento), as espécies Mytella Nome comum Observação
falcata, Mytella guyanensis (sururu), Robalo Comum em todo o
Lucina pectinata (lambreta) e rio e na Volta do
Tagelus plebeius (unha-de-velho) Poço
apresentam potencial para o cultivo. Carapeba Comum na volta do
A ostra também poderia ser poço e no pontal
cultivada, caso não ocorressem Tambaqui De água doce.
baixas salinidades no estuário, como Comum na volta do
registrado nos períodos mais poço
chuvosos do ano. Curimatã Comum na volta do
A lista parcial das espécies de poço, com cerca de
zoobentos coletadas neste cinco quilos
diagnóstico encontra-se no Anexo Carapicu
10. Barbudo

Os recursos pesqueiros do Rio de Sardinha cascuda


Contas são a base da sobrevivência Mirucaia
dos pescadores e pescadoras das Corroque
comunidades urbanas do Porto de Baiacu
Trás, Passagem, Marimbondo e Tainha
Taboquinhas. Também são utilizados
Pampo
por alguns pescadores da Banca do
Peixe, e das comunidades rurais Carapitanga
localizadas ao longo do Rio de Moréia de mangue
Contas, mais próximas a Itacaré, Siri "Maria Marta" é o
como João Rodrigues e Povoação, e nome local da
as próximas de Taboquinhas, como fêmea do siri
Pé da Pancada, Rua de Palha e pequeno
Água Fria. Siri bebé ou siri fumo Apimentado,
vermelho com
As modalidades de pesca pintinhas
enumeradas pelos participantes da
Caranguejo
Passagem e Marimbondo foram:
Aratu
 Rede de arrasto Guaiamum A área de ocorrência
 Rede de afincar de vai até as
propriedades de
 Tarrafa João Pezinho, na
 Siripóia margem direita, e de
Joselito, na margem
 Mergulho esquerda do rio.
 Ratoeiras para a coleta de Ostra
caranguejos e guaiamuns Sururu

 Linha
 Molinete
56

As espécies mais comuns no trecho do Rio de Contas utilizado pelos moradores da


Passagem e Marimbondo estão listadas na Tabela 4.
As seguintes artes de pesca foram citadas pelos participantes da comunidade do
Porto de Trás:
1) Rede caçoeira: rede que eles soltam e desce com a maré, para peixes grandes.
2) Mariquita: cerco com uma canoa só (30mm malha).
3) Tainheira: idem anterior (malha maior, 35mm).
4) Rede de arrasto.
5) Rede de calão: lançada com canoa de oito pessoas; a rede é puxada com uma
corda, e é usada no mar e também no rio.
6) Tarrafa: só os homens jogam, mas as mulheres conhecem a arte. É usada da
boca da barra até Taboquinhas.
7) Tapasteiro: sistema em que os pescadores "fecham" o "riacho" com mourão e
uma rede; na maré enchente os peixes entram e então eles "fecham" o bloqueio
levantando a rede amarrada no mourão: os peixes ficam presos na vazante.
8) Cesta para coleta de camarões entre a vegetação e no riacho (água doce).
Pegam também com o cesto peixinhos e camarões miúdos na areia/barranca
do rio.
9) Pesca com pano de aninhagem e tela: usada para a pesca de pentiguira (um
tipo de camarão) usado para pegar peixes miúdos que eles amarram como isca
na siripóia (ou no caso dos peixes, usam para consumo).
10) Siripóia, para a pesca de siri, no pontal e outras partes do rio. Não pescam siri
apenas na boca da barra, porque a canoa não aguenta as ondas.
11) Coleta de caranguejo, com a mão (e até o pé) no mangue, em que a pessoa
tem que enfiar o braço na lama para alcançar o animal no buraco. Coleta-se
dois a três quilos de caranguejo por dia.
12) Linha e anzol, usada para a pesca no Forte (linha com vara e linha de jogar).
13) Rede de mão, para a pesca no riacho.
14) Groseira, que não é mais utilizada no rio pois a "moda passou".
15) Camboa, um cercado colocado como armadilha no rio, que ficou proibida e
não é mais usada. Uma oportunidade levantada foi o uso da Cambôa para
fazer a engorda de peixes capturados, usando os restos dos mariscos catados.
As tarrafas são usadas em todos os estuários, mas no Rio de Contas um grande
número (20-30) de pessoas de Ilhéus vêm para Itacaré pescar no período de maio e
junho. Nesse mesmo rio, também há um grande número de pessoas pescando de
mergulho. Muitas pessoas de fora e locais utilizam o mergulho noturno com
iluminação subaquática, atividade que é considerada predatória pelos pescadores
de Itacaré.
57

As seguintes artes de pesca foram citadas para


algumas espécies de peixe:
 Robalos: caçoeira, rede-de-arrasto, anzol e
mergulho. Robalo pode ser encontrado até
Taboquinhas.
 Carapicu, caratinga e carapitanga: anzol e
tarrafa.
 Dentão: anzol, tarrafa e linha.
 Caranha, carapeba: rede e anzol.
 Tainha: rede e tarrafa.
 Pescada escamuda: rede.
 Pescada goiva: rede, anzol e mergulho.
 Cangauá e curimã: tarrafa.
 Baiacu: anzol.
No Rio de Contas, os moradores da Povoação só
pescam para subsistência, usando para isso
canoas, redes e tarrafas. As mulheres pescam de
caniço. As espécies mais apreciadas são o robalo,
carapeba e tainha. Pessoas de fora também têm
utilizado pesca de mergulho noturna com
iluminação, que já foi observada pelos moradores
e é considerado errado por eles. Algumas pessoas
disseram ter ouvido barulho de pesca com
bomba, o que também consideram totalmente
errado.
A maior parte do que é pescado ou coletado
pelos moradores e moradoras do Porto de Trás é
destinada para consumo próprio. O pouco que
sobra para venda é dado para "os meninos", que
levam para vender na cidade (venda avulsa). No
passado, mariscavam e pescavam só para
consumo. Hoje é para consumo e venda, o que
pode estar ajudando a diminuir a abundância
desses recursos. O peixe é uma parte importante
da dieta, que também tenta ser variada, incluindo
carne, quando há dinheiro para comprar. Apesar
de estar diminuindo, elas acham que tem Figura 17a: Mapa
quantidade suficiente de caranguejo. Na andada participativo do Rio de
dos caranguejos, os/as marisqueiros/as acabam Contas, elaborado pelas
coletando muitos para estocar e ganhar preço, comunidades de
mas muitas vezes os animais acabam morrendo Marimbondo/Passagem
antes mesmo de serem vendidos. Além dos (1a. parte).
58

animais aquáticos, outros são


utilizados para a subsistência,
como é o caso das cobras.

8.2.2 - Afluentes do Rio de


Contas no trecho
próximo à foz
Os mapas participativos
realizados no Porto de Trás e
com as comunidades de
Passagem e Marimbondo
(Figuras 17a e 17b) indicaram
os seguintes afluentes do Rio de
Contas:
 Boca de Aurino (margem
esquerda do Rio),
 Baiacu de Baixo (idem)
 Baiacu de Cima (idem)
 Rio João Amarelo (margem
direita): corta o Bairro da
Passagem, antes de atingir
a comunidade do Porto de
Trás. No Bairro da Passagem,
recebe uma grande carga
de esgoto doméstico de
ligações irregulares. As suas
águas ainda hoje são
utilizadas na lavagem de
roupas. Chegam ao Porto
de Trás já poluídas.
 Riacho Pedrosa (margem
esquerda).
 Rio Cachoeiro do Aderno
(margem direita): tem na foz
um sistema de apicum (á
sua direita) e, um
Manguezal à esquerda.
 Riacho do Aderno (margem
direita). Figura 17b: Mapa
participativo do Rio de
 Riacho Santo Amaro Contas, elaborado pelas
(margem esquerda). comunidades de
Marimbondo/Passagem
 Rio Povoação (margem (2a. parte).
direita).
59

 Riacho da Mariquinha (idem).


 Rio do Engenho (margem esquerda): cercado de manguezal e apicum, este
riacho forma a conhecida cachoeira do Cleandro, que cobra entrada das
pessoas de fora de Itacaré para aproveitar a cachoeira e não permite a coleta
de mariscos na área de marinha. A maré avança pelo riacho até o pé da
cachoeira. Nas margens, próxima à cachoeira (áreas de preservação
permanente), a vegetação nativa foi destruída para a construção de uma
cabana e para o plantio de uma roça.
 Riacho do Bambu (margem esquerda).
 Riacho Tucum (margem direita).
 Riacho de Jaime (margem esquerda).
 Riacho Lauro Grande (idem).
 Riacho do Careca (margem direita).
 João Rodrigues (margem esquerda).
 Riacho da Imata (margem direita).
 João Pezinho (idem)
 Vantuí (idem): deságua junto à ilha Vantuí, em frente a Fazenda Vantuí, que
utiliza a ilha como pastagem.
 Riacho do Capitão (margem direita).
 Pinheiro (margem esquerda).
A lista de afluentes do Rio de Contas, acima, é incompleta e refere-se somente ao
trecho entre a Foz e a Volta do Poço, onde a água salgada alcança, e até onde o
Rio é mais utilizado pelas comunidades da cidade de Itacaré, especialmente Porto
de Trás, Passagem e Marimbondo. Em praticamente todos esses afluentes há
variação da maré, manguezais e apicuns. Em boa parte, o acesso de pescadores e
marisqueiras a essas áreas, apesar de serem áreas de marinha, tem sido restringido
pelos proprietários das terras adjacentes.

8.2.3 - Dinâmica do Rio de Contas próximo à foz, conforme relato das


comunidades

 No local conhecido por Banco do Renato, ocorre um processo recente de


colonização por mangue. Este processo é explicado por uma "reversa" (célula de
circulação em sentido horário) que tende a acumular os propágulos das plantas.
Esse manguezal é bem estreito e está se desenvolvendo sobre um substrato
outrora arenoso.

 Próximo à foz do Rio de Contas, em pontos onde a profundidade local do rio


ultrapassa seis metros, observa-se um fluxo bidirecional (com intrusão salina junto
ao fundo). Ou seja, enquanto na superfície a água doce corre em um sentido, a
água salgada (mais pesada) corre mais no fundo em sentido contrário. A maré
apresenta valores extremos em torno de três metros. Sob tais condições, áreas
60

marginais do rio e afluentes são totalmente inundadas. Mesmo sob condições


normais de maré, a Ilha da Coroa, na parte central do rio é constantemente
lavada pela maré.
 Quando ocorrem enchentes no Rio de Contas (mais freqüentes no verão), o rio
traz baronesas (água-pés), entulho e lixo (proveniente principalmente de
Ubaitaba), interrompendo as atividades de pesca até que a água volte a ficar
limpa. Essas enchentes são causadas pela abertura das comportas da represa
em Jequié, que ocorre sem planejamento ou consideração pelos ecossistemas
rio abaixo. A represa pode também estar contribuindo para a diminuição do
volume de água no rio durante o resto do ano e para o seu assoreamento.
 Os trechos mais fundos do Rio de Contas perto da foz estão localizados no
caminho percorrido pela balsa e na barra, junto à pedra do Xaréu (dependendo
da maré).

8.2.4 - Rio de Contas próximo a Taboquinhas


O trecho do rio situado próximo à Taboquinhas é marcado pela existência de rochas
e corredeiras, sendo que, em alguns pontos as duas margens situam-se separadas
por poucos metros. Canhões e gargantas bastante profundos (até 20 metros) e
piscosos são encontrados próximos à Taboquinhas, e são amplamente explorados
pelos pescadores locais. Nos trechos em que o rio apresenta maior largura, é
comum a formação de praias com areia fina.
Perto de Taboquinhas, um problema tem sido a retirada de areia ilegal por um tal
Rael. Ao invés de retirar areia do leito do rio, onde beneficiaria a navegação, os
infratores estão retirando areia das margens, desestabilizando-as e aumentando o
problema. A areia é retirada em pelo menos dois pontos: 1) próximo à cachoeira do
Fumo e 2) no Pé da Pancada. Segundo a comunidade, a areia é vendida em
Taboquinhas e Itacaré, onde a demanda é crescente devido ao turismo. Assim, o
problema tende a se agravar.
No Pé da Pancada também houve recentemente uma infração ambiental em área
de preservação permanente por parte da Agência Ativa, que promove rafting no
Rio de Contas. Grande quantidade de terra foi movimentada nas margens do rio. O
trecho da "pedestra", uma estrada para pedestres histórica, cujo calçamento tem
mais de 80 anos, junto à estrada que liga Taboquinhas a Ubaitaba foi aterrado. As
máquinas passaram por sobre uma ponte para pedestres e animais, arriscando sua
estrutura, e abriram caminho na vegetação que separava a "pedestra" de um
terraço na beira do rio. Dois acessos foram construídos ligando a pedestra ao
terraço. Ali, as máquinas movimentaram terra e destruíram a vegetação herbácea
que estabilizava o terreno contra a ação das chuvas e do próprio rio em ocasiões
de cheias. A movimentação de terra chegou a menos de um metro da água. Em
conversa com o Sr. Otto no dia 31/3/01, ele afirmou que sua intenção é criar ali um
parque, e um lugar para desembarque do rafting. Disse ainda que vai replantar as
árvores no local. Entretanto, o Sr. Otto realizou a obra em terreno que não é seu, em
área de preservação permanente e "de marinha", sem licença ou mesmo consulta à
comunidade.
61

O rio varia muito de nível, sem grande previsibilidade de acordo com as estações.
As enchentes ocorrem tanto no verão como no inverno, causando um aumento de
cerca de seis metros na profundidade do rio, e uma grande expansão lateral,
atingindo terraços marginais. Durante as enchentes, a pescaria torna-se difícil,
porque a água fica muito suja. Segundo os pescadores e pescadoras locais, isto
acontece devido à força com que as águas são liberadas pelas duas barragens,
construídas há aproximadamente 60 anos. Sempre aconteceram enchentes, mas
elas tinham força para remover a sujeira de uma forma que não atrapalhava a
pescaria. Ao contrário, a pescaria logo após as enchentes costumava ser muito
boa. A última grande enchente ocorreu em 1964.
Na área inundável do rio, existe uma vegetação arbórea nativa de pequeno porte,
com caules retorcidos, que parece estar bem conservada. Essa vegetação inclui
ingauí, ingá, alecrim, angelim, bambu, dendê e cajá.
Nas curvas do rio, observa-se a formação de praias com acúmulo de areia fina e
cascalho. As rochas encontradas parecem ser do tipo cristalina, em alguns trechos
com metamorfização semelhante à que encontramos em Itacaré. Nesse trecho do
rio de Contas, peixes de água salgada (robalo, tainha e carapeba) se misturam
com peixes de água doce (tambaqui, pacu, piranha, acari, piau e carpa).
O local mais usado para jogar tarrafa é o Pé da Pancada. A área da prainha é
usada para lazer e turismo. Ali, a comunidade faz churrasco, passa o dia, namora,
etc.
O Anexo 11, apresenta nomes comuns de espécies da fauna conhecidas no
ecossistema.
Na coleta realizada em Taboquinhas, encontraram-se quatro espécies de
crustáceos decápodos: 1) o pitu (Macrobrachium carcinus), e 2) o ca1ambau (M.
acanthurus), camarões carídeos pertencentes à família Palaemonidae, 3) a curuca
(Atya scabra), um também carídeo, pertencente à família Atyidae, e, ainda, (4) o siri
(Callinectes sapidus), pertencente à família Portunidae. Os pescadores reconhecem
três diferentes siris na região de Taboquinhas, o siri-nema, o siri-de-ponta e o siri-
cearense, porém coletou-se apenas C. sapidus. A ocorrência, no rio de Contas e
seus tributários, de espécies previamente registradas para o estado da Bahia, como
M. olfersii, M. nattereri, M. brasiliense e M. jelskii, bem como de caranguejos
dulcícolas do gênero Trichodactylus, não pode ser descartada, dado o caráter
pontual da amostragem. Todas as espécies coletadas apresentam importância
econômica, sendo também utilizadas para fins de subsistência por parte da
comunidade local. Parte do ciclo de vida das espécies coletadas é dependente de
águas salobras e/ou salgadas. O Anexo 12 apresenta dados adicionais sobre a
biologia das espécies de crustáceos coletadas junto a Taboquinhas.

8.2.5 - Artes de pesca e seus usos próximo a Taboquinhas


As artes de pesca mais usadas são:
 manzuá, que é feito artesanalmente seguindo a tradição indígena, com
samambaia e cana brava; como quase todos confeccionam seus próprios
manzuás, eles apresentam pequenas diferenças que servem como
62

identificação. Servem para pegar pitu e camarão, principalmente no


Sequeiro. As iscas mais utilizadas para pitu são peixes pequenos, curuca e
mandioca;
 Jereré, para curuca;
 Anzol, tarrafa (principalmente no Pé da Pancada) e espingarda de
mergulho são instrumentos usados para a pesca do robalo;
 Jiqui;
 Siripóia, usada para capturar várias espécies de siri;
 Arpão, utilizado para captura de pitu. Hoje em dia, tem sido utilizado para
pitus muito pequenos, o que foi bastante criticado.
Os pescadores a montante de Taboquinhas usam apenas canoas e jangadas,
porque o rio nesse trecho é muito acidentado, impossibilitando o uso de barcos e
lanchas. As canoas são feitas de madeiras cada vez mais raras, como o pequi,
vinhático, muanza, louro, e graveto. Estas madeiras foram substituídas pela
capoeira. As jangadas ainda são usadas, mas hoje em dia quase não há mais as
feitas de bambu, pois são muito pouco resistentes, ao contrário daquelas feitas com
pau-de-jangada. No período de enchentes, os pescadores usam apenas a pesca
de anzol.
A captura dos crustáceos é realizada com o auxílio de armadilhas artesanais, como
o manzuá (covo), o jereré e o jiqui (Fig. 5), e também utiliza-se a captura manual.
Acidentalmente, são apanhados com tarrafa. Os siris são ainda apanhados com a
siripóia. Como iscas são utilizados mandioca, peixe e vísceras, e, no caso do pitu,
utiliza-se a própria curuca, que tem um valor comercial bem menor. Como esses
animais apresentam maior atividade no crepúsculo e no amanhecer, os manzuás,
que são os instrumentos mais largamente utilizados, são colocados ao fim da tarde,
no fundo dos rios e permanecem durante à noite, sendo recolhidos na manhã
seguinte. Em épocas favoráveis, pode-se apanhar até 2 kg de pitu por noite.
Segundo relato dos pescadores, a população de camarões do rio de Contas vem
sofrendo progressiva diminuição ao longo das últimas décadas. Inicialmente, tal
recurso era utilizado principalmente para fins de subsistência. A pesca do pitu era
farta e seu valor comercial era bem menor do que é hoje, porém, com a crise na
cultura do cacau, provocada pela vassoura de bruxa, o índice de desemprego
elevou-se, os trabalhadores deixaram a roça e passaram a viver principalmente da
pesca. O recurso, até há pouco tempo abundante, diminuiu em quantidade e os
animais capturados atualmente são de pequeno e médio porte. Além disso, até
mesmo fêmeas ovadas são capturadas. A escassez de pitus provocou recente
interesse pela da pesca da curuca, recurso que também já se encontra ameaçado.
Tais fatores indicam que esses recursos sofrem sério risco de extinção nos próximos
anos, em decorrência da sobrepesca e da captura de fêmeas ovadas.
Os pescadores pescam para o consumo e para venda aos moradores da
comunidade, principalmente na feira, que acontece aos sábados, e também na
casa de compradores habituais. Alguns atravessadores também compram para
revenda em Ilhéus, obtendo um lucro muito maior que os próprios pescadores. O filé
63

de curuca é vendido por R$ 5,00/kg. O filé de pitu, por R$ 12,00/ kg. Os pescadores
deixaram de comer pitu, pois o preço de comercialização é muito alto.

8.3 - Rio Piracanga


No Rio Piracanga, proporcionalmente, há mais mangue que no Rio de Contas. O
Piracanga é um rio é meândrico, cheio de curvas. O trecho proposto para ser
incluído na Reserva percorre uma restinga típica, com todas as gradações (ver
trecho sobre a praia de Piracanga, acima). A praia de Piracanga, onde o rio
deságua, é também parte dessa restinga. A partir da foz do rio, indo em direção ao
sul por um bom trecho, a praia tem o mar de um lado e o manguezal do outro,
sendo a faixa de areia não mais larga que 100 metros. O rio corre para o norte,
acompanhando a praia, até rompê-la onde hoje é a sua foz para o mar. A barra
do Rio Piracanga é móvel, às vezes está mais ao norte, outras está mais ao sul.
Em Piracanga, o rio apresenta água escura, típica de manguezais, mas corre em
pequena quantidade. O maior volume de água é causado pela entrada periódica
do mar com o ciclo das marés. Os principais afluentes do Piracanga são o Riacho
Tiririca (na margem esquerda) e o Riacho Chibum (na margem direita) (ver Figura 5).
A influência da maré (que demarca os limites propostos da futura Reserva) vai até a
propriedade do Sr. Douglas, no Rio Piracanga, e a ponte sobre o Riacho Tiririca.
Relativamente à vazão do rio, os manguezais no Piracanga são extensos. Segundo
os moradores de Piracanga, são várias as espécies de peixes que sobem o rio para
desovar, e o fazem nas cabeceiras, próximas ao Pontal. É provável que seja
bastante importante para a manutenção de várias espécies de peixes no mar.
O estuário do Piracanga tem várias ilhas, cercadas de mangue, sendo quatro delas
ocupadas por famílias de pescadores. A maior parte das famílias está nas ilhas há
cerca de quatro anos. Entretanto, as ilhas têm uma história de ocupação antiga, na
maior parte, com coqueiros plantados há mais de 15 ou 20 anos em uma delas. O
manguezal de Piracanga, apesar de belo e importante para a pesca, apresenta
também problemas, como o assoreamento por areia, e o desmatamento de um
trecho de mangue pelo proprietário de um dos sítios nas suas margens.
No Rio Piracanga, as modalidades de pesca mais comuns são a pesca de arpão,
tarrafa e caniço, por pessoas da comunidade de Piracanga, do povoado de Caubi,
e de Itacaré e Maraú. Alguns pescadores locais consideram a pesca de arpão
danosa aos recursos pesqueiros do Piracanga.

8.4 - Rio Jeribucaçu


O estuário do Rio Jeribucaçu é caracterizado por meandros e um trecho razoável
de manguezais, onde parece predominar o mangue branco, localizados entre
montanhas íngremes cobertas de mata. Os caranguejos e outros recursos naturais
do mangue ainda são pouco explorados para fins comerciais.
O rio tem pouco volume de água, e a sua foz é na praia de Jeribucaçu, um trecho
curto de areia. Na margem direita da foz, localiza-se a sede de uma fazenda, onde
a vegetação nativa foi eliminada para a construção da casa e seus jardins. A
64

influência da maré vai até a antiga barragem e entra também pelo riacho Maria
Rita, afluente do jeribucaçu.
Um problema apontado pelos moradores de Campo Seco é a pesca de mergulho
com fisga. O pequeno volume e a largura estreita do rio torna a pescaria de tarrafa
na entrada do estuário também perigosa para a conservação dos recursos. Os
moradores não mostraram uma preocupação especial com isso.
Não foram levantadas mais informações sobre os riachos da região de Jeribucaçu.

8.5 - Rios e riachos na região de Itacarezinho


Dentre os rios que deságuam na região de Itacarezinho, o Rio Tijuípe é o que
apresenta as águas mais claras, enquanto que o Rio Vermelho recebe sua
denominação em função de substâncias em solução na água. O Rio Vermelho
apresenta uma área de mangue e, aparentemente, também uma área de campos
alagados, semelhantes aos de Piracanga mas menores, que foram avistados do alto
de um morro, a distância, pelos facilitadores. Há um pequeno trecho de vegetação
de restinga bem conservado ao longo da praia, junto à foz do Rio Vermelho.
Na praia de Itacarezinho, do norte para o sul, o Rio Vermelho é o segundo curso
d'água a desaguar no mar (o primeiro é um riacho que corre em cascatas até
desaguar no canto da praia). Em terceiro, vem o Riacho da Pagã, que corre ao
longo da praia de Itacarezinho, contido pelas suas areias, formando um pequeno
manguezal. Nas épocas de menor chuva, a Pagã fica represada pela praia, sendo
invadida às vezes pela maré alta. Quando chove mais, rompe a barragem natural,
desaguando no mar. A restinga entre a Pagã e a praia encontra-se plantada com
coqueiros. Na foz da Pagã (área de marinha e de preservação permanente), o
"proprietário" desmatou o mangue, e construiu uma pequena lagoa, uma cabana e
uma estrada de terra.
Mais ao sul, um riacho que desaguava no Porto de Jangadas teve seu curso
interrompido por um aterro na propriedade de Durval Lélis. Cerca de duzentos
metros ao sul do Porto de Jangadas, o Riozinho tem uma boa área de mangue e
apicum, e encontra-se menos perturbado junto à foz. Parece ter um volume de
água maior, pois estava correndo livre para o mar na mesma ocasião em que a
Pagã encontrava-se ainda represada pela praia.
Ao demarcar a Reserva Extrativista Marinha de Itacaré, atendendo à proposta de
incluir nela as áreas de marinha, deve-se tomar o cuidado de verificar as áreas de
influência da maré nos estuários destes riachos, pois são utilizados para o
extrativismo da população local, apresentam importância para os ecossistemas
marinhos locais (os corais, por exemplo, concentram-se em frente aos estuários do
Rio Tijuípe e dos riachos que deságuam na praia de Itacarezinho), e têm
importância paisagística. Assim, devem ser incluídos na Reserva para serem
protegidos e utilizados de forma sustentável, sujeitando os usuários às regras de uso
escolhidas pela comunidade.
Segundo os moradores de Itacarezinho, a ação da maré é mais sentida na boca do
estuário do Rio Tijuípe, onde a profundidade média é da ordem de um metro na
maré vazante e de cerca de três metros na maré cheia.
65

9. Potencial para Aquacultura


São encontradas na região várias espécies de crustáceos e peixes marinhos, fluviais
e estuarinos, e moluscos bivalves estuarinos com potencial para aquacultura (vide
lista de espécies encontradas, nos anexos):

9.1 - Peixes
Os robalos (espécies da família Centropomidae) são considerados de primeira linha
devido à qualidade de sua carne, e com potencial e grande interesse pela
comunidade de pescadores para o cultivo. Exemplos são os robalos Centropomus
undecimalis (camurim), C. parallelus (robalo de barriga mole, ou branco), e C. spp.,
que ocorrem na região. Centropomus undecimalis é a maior espécie da família
podendo atingir até 1,3 m de comprimento e pesar 25 kg. Apresenta reprodução do
meio do verão ao final do outono, época em que costumam subir rios e lagoas
costeiras para desovar (Suzuki, 1986). Centropomus parallelus possui um tamanho
menor que a anterior, atingindo no máximo 60 cm de comprimento e três quilos,
sendo mais comum e abundante em águas doces.
De uma maneira geral, os centropomídeos apresentam potencial para aquacultura,
pois aceitam o cativeiro, são resistentes ao manejo e às variações da qualidade de
água (Tucker, 1987; Brugger e Freitas, 1993). Porém, trabalhos mais conclusivos até o
presente momento ainda não foram desenvolvidos com as espécies acima citadas,
apesar do seu grande interesse (Cerqueira, 1995; Benetti, 1993; Barbuio, 1999), e
ainda pouco se conhece em relação a aspectos biológicos desses peixes.
Tentativas de crescimento de C. parallelus em tanques-rede na região de Angra dos
Reis (RJ) obtiveram resultados satisfatórios onde os animais atingiram tamanho
comercial (160g) com 40 % de sobrevivência (Brugger e Freitas, 1993). Acredita-se
que o Nordeste seja uma região altamente favorável à criação de robalos.
Algumas espécies da família Lutjanidae, denominadas de vermelho (cioba, dentão
e vermelho - Lutjanus spp.) também apresentam grande potencial para cultivo. São
espécies muito apreciadas pela qualidade de sua carne, ocorrendo com maior
freqüência no Nordeste do Brasil e, mais raramente, no Sudeste e Sul (Menezes e
Figueiredo, 1980; Godoy, 1987). Espécies desta família tem sido estudadas visando
seu aproveitamento na piscultura (Menezes e Figueiredo, 1980; Gaspar e Cervigón,
1987). Em testes preliminares foram observadas a adaptação de juvenis de algumas
espécies desta família a tanques-rede e à alimentação artificial, e crescimento
satisfatório na região de Barra dos Carvalhos, BA (Tsuzuki, comunicação pessoal).

9.2 - Moluscos
Ostras (Crassostrea rhizophorae e Ostrea equestris) foram encontradas em pequena
quantidade e em áreas restritas. Em certas áreas foram observadas a ocorrência de
valvas abertas, ou seja, indivíduos adultos mortos fixados em raízes de mangue
(Rhizophora mangle).
66

Crassostrea rhizophorae tem sido cultivada com sucesso, principalmente na região


Sudeste do Brasil. Nas áreas internas dos ambientes estuarino-lagunares destas
regiões, os cultivos de Crassostrea rhizophorae adaptadas a baixas salinidades dão
melhores resultados, atingindo tamanho comercial em 10 meses (Absher, 1990).
Temos também com potencial para cultivo, moluscos de sedimento como o sururu
(Mytella falcata, M. guyanensis), a lambreta (Lucina pectinata - Lucinidae) e unha-
de-velho (Tagelus plebeius - Solecurtidae). O cultivo destas espécies pode ser
realizado em planícies intermareais margeadas por manguezais.

9.3 - Crustáceos
Na região de Itacaré os camarões, como o camarão-branco Litopenaeus schimitti,
o camarão-rosa Farfantepenaeus brasiliensis e F. subtilis (confirmar), são abundantes.
Todos são explorados por frotas de arrasto, em sedimento lamoso. Todas essas
espécies apresentam potencial para cultivo, porém, o desenvolvimento de
tecnologia para produção de pós-larvas em laboratório, e crescimento destes
organismos em cativeiro são necessários. A introdução de outras espécies como
Litopenaeus vanammei, atualmente a espécie de maior produção no estado da
Bahia, poderia ser testada uma vez que se determinassem condições propícias para
instalação de tanques-rede ou cercados na região.
O cultivo de camarão em gaiolas, técnica desenvolvida recentemente no Brasil,
tem atraído bastante atenção de pequenos investidores em cultivos, que contam
muitas vezes com a parceria de pescadores artesanais. Alguns trabalhos referentes
a transferência e adaptação da tecnologia de cultivo de camarões marinhos em
gaiolas flutuantes aos pescadores artesanais têm mostrado resultados positivos
(Accioly, comunicação pessoal; Lemos, comunicação pessoal; IFREMER,1995).

9.4 - Crustáceos de água doce


De acordo com Valenti (1985), o pitu (M. carcinus) e o calambau (M. acanthurus),
juntamente com M. amazonicum (que não ocorre na região), seriam as espécies
nativas do Brasil com potencial para atividades de cultivo. O pitu e o calambau são
espécies de grande porte, que podem atingir comprimento total de 27 e 18 cm,
respectivamente. Estas duas espécies teriam condições de repetir o êxito alcançado
com o cultivo de M. rosenbergii, o “camarão gigante da Malásia”, sem os riscos
inerentes à introdução de espécies exóticas. A distância do mar seria, no entanto,
um fator desfavorável ao cultivo destas espécies na região de Taboquinhas, visto
que, parte do seu ciclo de vida é dependente de salinidade, o que, se não
inviabiliza o cultivo, o tornaria mais oneroso.
As curucas são de menor porte do que os camarões anteriormente citados. Na
literatura, o maior tamanho registrado é o de um macho de 49,3 mm de
comprimento de carapaça (cerca de 10 cm de comprimento total) (Hobbs e Hart,
1982), tamanho similar aos espécimes coletados em Taboquinhas. Sua biologia
ainda é muito pouco conhecida, o que torna difícil seu aproveitamento imediato
em atividades de cultivo.
67

O cultivo de siris é uma atividade ainda pouco difundida no mundo, pois a


demanda é suprida totalmente pela captura artesanal. Segundo Valenti (1995),
estes animais não são cultivados no Brasil.
Atividades de cultivo devem ser incentivadas no município, pois além de gerar
empregos e rendimentos com a comercialização de adultos e pós-larvas, este tipo
de prática diminui a pressão sobre os estoques naturais e aumenta a possibilidade
de repovoamento das águas da região.

9.5 - Algas
Os gêneros com potencial para cultivo e extração de alginatos e carrageninas são
Hypnea, Ulva, Porphyra entre outras. O cultivo em condições naturais requer espaço
em baías protegidas, com elevada carga de nutrientes.

9.6 - Obstáculos ao cultivo:


Os maiores empecilhos para aquacultura estuarina em Itacaré são:
a) A inexistência de grandes rios ou
estuários com áreas protegidas, que
possam suportar cultivos em maior
escala, principalmente tanques-
rede, que ocupam maior área.
b) As áreas de manguezais são muito
pequenas e limitadas, o que pode
restringir o desenvolvimento de
cultivos, principalmente de moluscos
bivalves, uma vez que o sucesso dos
mesmos, e a sua sustentabilidade
estão diretamente relacionados à
quantidade de matéria orgânica e nutrientes Figura 18: Descarga
produzidos nos mangues. Este fator, além da fluvial (m3/s) por
quantidade de água doce por períodos prolongados período do ano, da
Bacia do Rio de
(vide item 3, a seguir), podem vir a ser um fator
Contas, estação
limitante para o estabelecimento de sistemas de Jequié, nos períodos
cultivo na região. de 1934 à 1977. Fonte:
UNH/GRDC
c) Períodos prolongados de água doce em toda a
(http://www.grdc.sr.un
extensão dos rios da região. Como anteriormente
h.edu/html/Polygons/P
citado, observou-se uma fraca ocorrência de ostras 3652220.html)
nas áreas de manguezais, e em algumas localidades
foram encontrados vários organismos adultos mortos
fixados a raízes de mangue (Rizhophora mangle). Através de entrevistas com
pescadores, levantou-se a hipótese de que a pouca abundância e alta
mortalidade destes organismos podem ser ocasionadas por períodos
prolongados de água doce (até três meses) ao longo de toda a extensão dos
rios, decorrentes da abertura de uma série de barragens na bacia do Rio de
Contas, em períodos de chuva (geralmente de Dezembro-Março, ver Tabela 5
68

e Figura 18). Segundo entrevista com pescadores e a comunidade local,


anteriormente à construção da barragem, isto é, quando a água doce
proveniente das chuvas era transportada pelo rio com maior freqüência e
diluição, as ostras eram encontradas em maior abundância, e em diversas
localidades do estuário. Neste caso, a água doce afetaria a distribuição e
abundância espaço-temporal de uma série de organismos, dependendo do
grau de tolerância das espécies. Além de períodos prolongados de chuva
abundante, causando grande aporte de água doce, lançada principalmente
no Rio de Contas, com grande vazão e portanto, forte correnteza, há o
carreamento de uma grande quantidade de aguapés ou baronesas,
Eichhornia crassipe. A espécie é muitas vezes considerada como “praga”, pois

Tabela 5: Monitoramento do Volume dos Reservatórios para a Bacia Rio de Contas no


mês de dezembro.

Açude Município Capacidade máxima (m3) Volume em 31/12/00 (m3) Volume em 31/12/00 (%)

Pedra Jequié 640.00 1214000 74.02

Anagé Anagé 255.63 257860 100.87

Brumado Rio de Contas 105.00 79310 75.53

Funil Ubatã 53.00 46400 87.55

Tremedal Tremedal 23.75 18250 76.84

Champrão Condeúba 5.98 6320 105.69

Fonte: INPE (http://www.cptec.inpe.br/products/proclima/Acude/bahiatabela.htm)

seu desenvolvimento excessivo dificulta a navegação em rios e represas e


danifica as turbinas de usinas hidroelétricas em determinadas regiões. Além
disso, pode propiciar o desenvolvimento de vetores de doenças e o aumento
da poluição orgânica das águas pela decomposição, em larga escala, de suas
folhas. Desta forma, aguapés em grande quantidade podem vir a destruir
possíveis estruturas de cultivo como tanques-rede, colmatar malhas, e dificultar
o trabalho de manutenção de estruturas de cultivo.

10. Potencial ecoturístico


O turismo representa grandes negócios em Itacaré e uma esperança para a
estagnação econômica que o município vivia desde que a vassoura-de-bruxas
arrasou a lavoura de cacau. O Estado da Bahia investe pesadamente nessa
alternativa, sendo que a opção pelo "ecoturismo" na região reflete-se na iniciativa
do Estado de criar a Área de Proteção Ambiental Itacaré/Serra Grande. Grande
parte das preocupações da APA gira em torno da preservação da natureza para
sustentar o turismo. Porém, a idéia de ecoturismo em Itacaré é bastante restrita e
criticada pela própria população local. Ecoturismo deveria ser um turismo que não
somente tivesse a natureza como base mas que propiciasse a conservação da
69

natureza e a melhoria de vida das populações locais. Mas a relação entre o setor
turístico e a comunidade está longe de ser harmônica. Pelo contrário, os direitos
tradicionais têm sido sistematicamente desrespeitados (ver na seção sobre Conflitos
e Direitos Tradicionais). Além disso, boa parte da comunidade pesqueira vê o setor
turístico como um grupo aproveitadores, interessados em dinheiro, e não no bem-
estar de todos, apesar do envolvimento de pessoas do setor turístico em questões
coletivas, como o movimento ecológico. Como apontado adiante neste relatório,
isso reflete as perdas que a comunidade pesqueira vem sofrendo, mas também
reflete a dificuldade de os benefícios do turismo chegarem aos mais carentes.
Apesar disso, pescadores inovadores têm começado a aproveitar o movimento
turístico. Com a expansão do turismo em Itacaré, os pescadores têm aprendido a
explorar essa nova economia, levando os turistas em barcos e canoas de turismo.
No verão, são vários os barcos pesqueiros que transportam turistas em passeios, com
ou sem licença na Capitania dos Portos.
As cachoeiras são um atrativo importante para esses passeios. Um dos destinos mais
populares é a Cachoeira do Cleandro. As canoas muitas vezes levam os turistas em
passeios pelo manguezal até a cachoeira, ao custo de R$10,00 por pessoa.
Cleandro tem explorado a cachoeira em sua propriedade, através da cobrança de
ingressos. A área é equipada com bar, cestos de lixo e placas de orientação.
Porém, o proprietário também cercou uma área de mangue, proibe o acesso de
canoas pelo ribeirão, e desmatou a área próxima ao riacho, em área de
preservação permanente e de marinha. Em termos ecoturísticos, a exploração dessa
cachoeira pelo proprietário, apresenta várias contradições. Ainda assim, o
proprietário faz a manutenção da limpeza da área e a proximidade da cidade faz
dessa cachoeira a mais atrativa. Porém, a sua privatização pelo proprietário
também causa insegurança aos que levam passeios, pois temem que Cleandro crie
regras de acesso exclusivo à cachoeira.
Além da cachoeira do Cleandro, um pouco mais distante rio acima, há também a
cachoeira da Pancada Grande (a dois quilômetros do Rio de Contas), e algumas
cachoeiras menos exploradas, no Rio João Rodrigues (nas terras de Joselito), com
cerca de quatro metros de altura e a dois quilômetros do Rio de Contas.
Os passeios pelo manguezal tem boa popularidade. Falta, porém, aos pescadores e
canoeiros independentes, uma articulação entre si para poderem competir com as
agências de "ecoturismo", que transferem pouco do que arrecadam ao guia
turístico.
A praia de Piracanga tem um potencial turístico importante por ser um lugar deserto
e uma das poucas praias extensas o suficiente para permitir caminhadas. Entretanto,
ao cruzar o Rio de Contas, o turista encontra uma grande quantidade de lixo.
Agências de turismo também têm utilizado a praia como via de rodagem para
passeios "ecoturísticos" de carro até as praias ao norte de Itacaré. Esse tráfego de
veículos parece ser prejudicial às tartarugas marinhas e reduz a tranquilidade do
turista na praia, um de seus maiores atrativos. Mais uma vez, o "ecoturismo" em
Itacaré aproveita-se da natureza, sem ser realmente a favor da natureza. A muitos
dos que exploram o ecoturismo, parece faltar compromisso com a comunidade e
70

com a própria natureza que lhes serve de pretexto para conquistar o mercado
turístico. A população pesqueira local percebe e é crítica desse problema.
A falta de respeito à natureza e às populações locais também é presente no próprio
turista, e convém estabelecer um programa educativo para o visitante de Itacaré,
se possível em parceria com ações mais amplas de educação do turista da
natureza. Como muitas vezes o turista vem de lugares distantes, pode ser difícil obter
uma mudança de comportamento nos poucos dias em que passa em Itacaré,
sendo necessárias ações educativas nos locais de origem no Brasil e nas agências
no exterior.
Em Piracanga, o potencial turístico é grande, sendo o manguezal um dos atrativos
principais. Passeios de jangada ou canoa no manguezal, aulas práticas para os
turistas no manejo dessas embarcações, observação da fauna local e outras
iniciativas podem dar à população local uma nova alternativa de renda. A restinga
entre Piracanga e a cidade de Itacaré apresenta inúmeros frutos comestíveis.
Através da visitação controlada com guias nativos, esses frutos dariam uma
experiência fascinante ao turista.
Em Taboquinhas, o turismo está começando com a Agência Ativa, que promove o
rafting no Rio de Contas. Mas a localidade, que será passagem da nova estrada
asfaltada que ligará Itacaré com a capital, tem também várias cachoeiras, e a
trilha dos pescadores, pela beira do rio, é uma aventura bem atrativa, com inúmeras
cachoeiras, corredeiras, praias e oportunidades para banho de rio. Há um trecho de
canhões e gargantas, em que é possível ao turista mergulhar no rio de rochas com
mais de sete metros de altura, como a pedra da Adrenalina. Também há uma
estrada centenária (para pedestres e animais), calçada de pedras, por onde
passavam as mulas para o transporte de mercadorias, cacau e, em tempos mais
antigos, pedras preciosas (dizem que o nome "Rio de Contas" teve origem com o
transporte dessas pedras). Na beira do rio, também há ruínas de casarões
centenários, sedes de fazendas e senzalas, atrativos hoje em degradação. No Pé da
Pancada, a ruína da casa sede de uma das fazendas mais antigas tem uma
plantação de cacau dentro da sala, e o que sobrou de uma senzala. A proprietária
cobra pela visitação e fotos, mas tem pouca orientação e capacidade de
investimentos para fazer um uso turístico de qualidade, que também preserve as
características do local.
Junto à cidade de Itacaré e à costa, o turismo é bastante explorado pelas barracas
de praia, pousadas, e resorts. Mas as atividades dos pescadores ainda não são
parte do roteiro. O calão, por exemplo, uma das modalidades de pesca mais
tradicionais, tem forte atrativo turístico, e poderia ser aproveitado para passeios,
principalmente se for associado com outras atividades. Este também é o caso de
várias modalidades de pesca. A pesca de tubarão, por exemplo, já está sendo
explorada de forma informal para fins turísticos. Um problema é a legalização dos
papéis do barco, para que possam pescar e levar turistas ao mesmo tempo. Devem
ser estudadas formas de legalização da documentação e garantia da segurança
dos turistas nessas atividades.
Ainda, a trilha do telégrafo, que ligava Itacaré a Ilhéus, além de outras trilhas
tradicionais que têm sido fechadas pelos empreendimentos "ecoturísticos", como o
71

Ecoresort e o Txai Resort, se reabertas, poderiam dar passeios atraentes aos


ecoturistas de verdade.
Além dessas atividades, um centro de visitantes, um museu marinho, e a venda de
materiais promocionais da Resex (como camisetas, cartões postais e artesanato)
também podem ser atrativos turísticos e fonte de renda para algumas famílias.
Todas as alternativas apontadas acima devem ser melhor discutidas com a
comunidade antes de serem implementadas.

11. Organizações de importância para a


comunidade pesqueira
Uma série de organizações tem influência positiva ou negativa na qualidade de
vida das comunidades pesqueiras de Itacaré. Algumas são diretamente ligadas à
pesca, como a Colônia Z-18 e a Asperi. Outras, são ligadas à área ambiental, como
Ibama, CRA, e IESB. Outras, ainda, têm uma atuação mais geral, como a Prefeitura
Municipal de Itacaré e o Banco do Nordeste.
Nesta seção, relatamos as impressões, opiniões e visões da comunidade pesqueira
de Itacaré de diversas entidades e órgãos públicos, e de empresas e pessoas
importantes para o contexto de Itacaré. A versão apresentada a seguir é parcial,
isto é, reflete o ponto de vista e as informações da comunidade pesqueira em
relação aos atores considerados importantes, positiva ou negativamente, para o seu
bem-estar. Não é apresentada a versão das partes descritas, que demandaria um
trabalho que estrapola as pretenções deste diagnóstico. Aqui, basta conhecer
como a comunidade sente, ou percebe, as organizações e setores descritos.
Embora, em alguns casos, a versão colocada possa ser ou parecer injusta para as
organizações e entidades descritas, é importante que elas tomem esta discussão de
forma aberta, como guia para ações futuras que possam corrigir eventuais
impressões negativas deixadas na comunidade pesqueira.

11.1 - Banco do Comunidade Pesqueira de Itacaré

Nordeste Ibama
Ilhéus Pousadeiros
BNB
O Banco do Nordeste é um PMI

agente de desenvolvimento Banca do


AMPT

importante para a região, Colô-


Peixe Surf
Sindicato
financiando projetos para nia Asperi patronal
Mari-
pequenos produtores e nha

pescadores. Na comunidade
pesqueira de Itacaré, o Banco
CRA
do Nordeste financiou 24
barcos para os pescadores da
Asperi (comunidade do
Forte). Entretanto, poucos Figura 19: Diagrama institucional elaborado pela
pescadores estão em dia com comunidade da Banca do Peixe.
72

seus pagamentos. Segundo os pescadores da Banca, o problema foi que o sistema


utilizado pelo Banco do Nordeste para garantir os pagamentos é falho, e não
estimula as pessoas a pagarem pois, como um é fiador do outro, o individualismo faz
com que os que pagam corram o risco de perder tudo. Outro problema, segundo os
pescadores, foi a seleção das pessoas contempladas com o financiamento, que
não priorizou pescadores locais. Muitos, nem mesmo eram pescadores. A Figura 19
mostra o diagrama institucional elaborado pelos pescadores da Banca do Peixe.
Como mostra o diagrama, O BNB está ainda um pouco distante da comunidade da
Banca. A posição no gráfico, marginal à comunidade pesqueira, resultou de uma
discussão de que o Banco do Nordeste vem ajudando só a Asperi, na opinião dos
participantes, e não toda a comunidade pesqueira. Mas os participantes
consideram que o BNB tem grande potencial de ajudar a comunidade. Ainda, no
Porto de Trás, foi ressaltado que o Banco do Nordeste representou esperança
através do microcrédito.

11.2 - Organizações dos Pescadores: Colônia e Asperi


As entidades representativas dos pescadores, Colônia e Asperi, não tem a mesma
representatividade em todas as comunidades pesqueiras. Os pescadores mais
profissionais e capitalizados (que pescam em barcos motorizados) são os que mais
recebem atenção dessas
duas entidades. Por
exemplo, no diagrama Igreja Comunidade Pesqueira de Itacaré
 Marinha Colonia
institucional feito pelos 
Governo
Z-18 
Banco NE 
participantes da Banca 
C.D.L.
do Peixe, inicialmente, a  Asperi
 P.M.I
Colônia foi colocada no A.P.A. 

centro, mostrando uma Surf

Ibama

grande identificação das Contur
Porto
pessoas com a entidade 
AFI de Trás
(embora existam também 

muitas críticas, como Boto Negro Sementes


A.M.P.T.

pode ser visto abaixo). Isso  de JAH 

não acontece em todas


as comunidades. No Porto
de Trás, os pescadores e
marisqueiras apontaram
que sempre estiveram
esquecidos e separados Figura 20: Diagrama institucional elaborado pela
da sociedade de comunidade do Porto de Trás.
pescadores de Itacaré,
da Asperi e da Colonia Z-18. Hoje em dia, esse panorama parece estar se
revertendo, mas muito lentamente. Isso é mostrado no diagrama institucional do
Porto de Trás (Figura 20), pela posição do círculo representando o Porto de Trás, à
margem da comunidade pesqueira. O mesmo ocorre em outras comunidades,
como será discutido a seguir.
73

11.2.1 - Colônia Z-18


Nas reuniões realizadas na Banca do Peixe, primeiramente, os participantes disseram
que a Colônia estava no centro da comunidade da Banca, por ter conseguido o
seguro-defeso, aposentadoria (recolhimento do INSS) e auxílio para invalidez e
doença. Quando o pescador não pode pescar por motivo de doença ou invalidez,
ele recebe auxílio do INSS. No caso da invalidez temporária, o auxílio dura três meses
e, após esse período, necessita-se de uma nova perícia. Entretanto, esses benefícios
só estão disponíveis aos colonizados.
Para alguns, não ser colonizado mostra descaso por parte do pescador. Entretanto,
em várias comunidades, como Taboquinhas, Campo Seco, Itacarezinho, Piracanga,
e Porto de Trás, os pescadores e marisqueiras não conhecem seus direitos nem a
importância de se documentar junto à Colônia. Em muitos casos, nem mesmo
sabem o que é a Colônia. Em Taboquinhas, há um grande interesse em ser
documentado. Apesar disso, a Colônia pouco faz para mudar essa situação e
extender a todos os pescadores os benefícios hoje disponíveis a somente algumas
dezenas de pescadores, que por sua vez são somente uma parcela dos pescadores.
De fato, falta participação de pescadores e marisqueiras não ligados ao mar e de
comunidades rurais na Colônia. Por exemplo, em Taboquinhas e no Porto de Trás,
poucos são colonizados. Mas um dos diretores da Colônia apontou que são feitas
reuniões mensais em Ubaitaba e Aurelino Leal, onde os pescadores têm os mesmos
direitos. Por que o mesmo não é feito nas outras comunidades?
O início da discussão na Banca apontou várias falhas da entidade. Por exemplo, no
passado, havia um "posto médico itinerante" que visitava a Colônia quinzenal ou
mensalmente, com médicos, dentistas e oftalmologistas. Eram também distribuídos
remédios, sendo que alguns remédios ainda eram doados para o posto médico e a
Maternidade da cidade. Alguns participantes, porém, questionaram se seria papel
da Colônia distribuir remédios. Muitos medicamentos que eram doados pelo
Governo através da Colônia acabavam descartados por perderem a validade.
Atualmente, existe apenas um kit de primeiros socorros, de cuja existência os
pescadores não sabiam. Com a reunião deste diagnóstico na Banca, esse kit foi
colocado à disposição dos pescadores.
A Colônia Z-18 tem 637 cadastrados, dos quais, aproximadamente, apenas 60 estão
quites. Afirmou-se que a Colônia tem grande poder, pois facilita a atuação do
Ibama e da Marinha.
A falta de participação parece ser o principal problema da Colônia. Os pescadores
apontam que somente uma pessoa da Diretoria (Leônidas) trabalha realmente,
estando os demais diretores afastados da realidade dos pescadores. Leônidas
recebia, até há pouco tempo, pagamento da Prefeitura, que o colocava à
disposição da Colônia. Porém, existe uma incerteza quanto à continuidade desse
apoio. O prefeito chamou Leônidas de volta ao cargo que ocupa na Prefeitura. Os
pescadores percebem pouco a atuação dos outros diretores.
O mesmo problema de atuação acontece, de acordo com os participantes da
Banca, com os membros do Conselho Fiscal da Colônia. Ao invés de agir pela
Colônia, os fiscais parecem só estar interessados em não pagar a taxa de
74

associação (direito dos fiscais). Porém, a participação dos pescadores, mesmo em


eventos festivos, como as festas de São Francisco e de Iemanjá, é pequena. Falta
coesão e união dos pescadores. Mesmo essas festas só têm sido organizadas com
ajuda da Prefeitura. Porém, quando existe possibilidade de dinheiro para os
pescadores, eles participam em massa. Reuniões que discutem crédito e seguro-
defeso têm ampla presença.
Prestações de contas, como balancetes, segundo Leônidas, tiveram pouca
receptividade pois, quando eram afixadas em um mural, eram arrancadas de lá.
Por outro lado, um pescador relatou que as prestações de conta eram sem nexo,
um monte de débitos e uma pequena arrecadação, difíceis de entender.
Na reunião da Banca, foi levantada a possibilidade (e necessidade) de o presidente
da Colônia ser também pescador, como era no passado. Um dos participantes
discordou, e disse que deveria ser "alguém de capacidade", que tivesse
possibilidade de buscar melhorias para os pescadores. Um facilitador apontou que o
presidente, mesmo sendo pescador, poderia ter assessoria de técnicos e outras
organizações, que poderiam capacitá-lo. Um outro participante disse que no
passado os pescadores que foram presidentes não fizeram muito. Mas ainda outro
participante rebateu dizendo que isso aconteceu porque, no passado, não havia o
aconselhamento que eles estão tendo hoje. Mesmo assim, não parece que os
pescadores que foram presidentes da Colônia no passado foram pouco efetivos, já
que a maior parte da infra-estrutura da Colônia foi construída por eles. Hoje, os
cargos principais da Colônia (presidência, secretaria e tesouraria) são ocupados por
não pescadores, incluindo professores e um dono de guinchos.
Sobre os pagamentos da Colônia, alguns participantes disseram que era falta de
interesse, pois a taxa é pequena. Outros disseram que, mesmo sendo baixa, para
quem tem pouco, acaba ainda assim sendo alta. Ficou claro também que, de um
lado, existe um vício de paternalismo entre os pescadores, e de outro, que muitos
consideram que os benefícios são poucos. Além disso, quando falta controle,
mesmo os que não pagam recebem os benefícios. Assim, faltam incentivos para
que as pessoas paguem.
Os gastos da Colônia incluem os seguintes itens: água, luz, telefone, material de
papelaria, festa, cursos (exemplo: alimentação e hospedagem para palestrantes),
viagens do funcionário que representa a Colônia, contribuição beneficente, limpeza
dos banheiros, entre outros.
Denúncias sérias foram feitas pela comunidade da Banca, como é o caso de
pescadores que acusam a Colônia de facilitar a quitação do débito de sócios que
estavam dispostos a votar na chapa única da última eleição para a diretoria. No
Porto de Trás, a comunidade também acusou a diretoria da Colônia de trocar
documentos por votos. Reclamaram que a Colônia pouco faz pelo Porto de Trás e
só procura os pescadores na época de eleição. Outros questionam o destino do
dinheiro da Colônia, e insinuam que há má administração e até mesmo corrupção.
Caso as acusações sejam verdadeiras, essas ações podem comprometer em muito
a quantidade e qualidade da participação dos pescadores, inclusive estimulando a
falta de pagamentos.
75

A Colônia tem um projeto de reforma das suas instalações, com a construção de 11


boxes, um frigorífico, uma área para marisqueiras, banheiros, escritório e área para
eventos. Esse projeto foi proposto à CAR, enquanto um outro, de barcos de fibra
está sendo proposto ao Banco do Nordeste. O projeto dos barcos, porém, está
sendo atrasado pela falta de pagamentos por parte do pessoal da Asperi. Dos 11
boxes, a Colônia terá três, dois dos quais para a comercialização de peixe e um
para apetrechos de pesca. Os oito restantes serão arrendados a camelôs. O plano,
segundo Leônidas, é substituir a taxa de 5% do pescado pelo dinheiro arrecadado
com o arrendamento dos boxes.
Entretanto, a maioria dos participantes da Banca acha que a comercialização deve
ser feita pela Colônia, sem camelôs ou atravessadores, para que o lucro fique com a
Colônia. Para Leônidas, essa proposta não é realista, porque dá grande
responsabilidade à Colônia e pouca ao pescador. Segundo ele, no passado, na
gestão do prefeito Edgard, a Colônia já tentou isso, quando adquiriram dois freezers
para fazer a comercialização. O problema foi que os pescadores não entregavam o
peixe à Colônia, que ficava sem ter o que comercializar. Segundo Leônidas, sua
proposta era vender um peixe a baixo preço para a comunidade. Será que o preço
pago ao pescador era compensador? Segundo Leônidas, muitos pescadores não
pagavam os adiantamentos recebidos da Colônia, alegando que eram sócios
fundadores. De fato, pessoas mais antigas na Colônia criticam a tomada da
diretoria por não-pescadores e relembram que quem construiu tudo o que tem na
Colônia hoje foram os pescadores. Foi na gestão de Ízio, o primeiro presidente, que
a base do que existe hoje na Colônia foi feito, com os próprios pescadores
"carregando pedras nas costas", como dizem. Com razão, esses pescadores mais
antigos sentem muito orgulho de suas conquistas.
É importante acentuar que os pescadores acabam ficando dependentes com os
"camelôs" (atravessadores), porque esses financiam apetrechos e combustível aos
pescadores. Para alguns, os camelôs só exploram o pescador, e deveriam ser tirados
da Colônia, que deveria comercializar o pescado de forma cooperativa. Porém,
mesmo hoje, com os camelôs, alguns pescadores desviam o pescado da Colônia,
sem pagar a taxa de 5%. O pagamento é meio sem controle, às vezes as pessoas
pagam, às vezes não, e pagam em peixe, o que não é muito fácil de controlar. Para
alguns, o pagamento deveria ser mais fiscalizado, e ser em dinheiro. A fiscalização
poderia ser feita já no desembarque. Essa idéia pode ser difícil, pois muitos
pescadores se recusam. Não foi encontrada uma solução adequada.
Problemas como esse estão relacionados com os problemas de participação,
apontados acima. Em geral, os pescadores esperam paternalismo e resistem às
tentativas de correção. Criou-se um vício, por sucessivas práticas, como os apoios
da Prefeitura para festas antes promovidas com recursos exclusivos dos pescadores,
e os projetos que se tornam "a fundo perdido". Um exemplo é o dos barcos da
Asperi. Uns chegaram a deixar o barco estragar para diminuir o interesse do Banco
do Nordeste em retomá-lo.
Na reunião da Banca, levantou-se ainda os problemas da dívida dos membros para
com a Colônia. Uma sugestão da diretoria foi promover um prazo, para acertar a
dívida com um desconto. Muitos discordaram por achar isso um desrespeito a quem
estava em dia, todo quitado, pois não seria justo com eles, que sempre pagaram.
76

Mais preocupante foi a colocação de que alguns associados não pagam em dia,
esperando que na próxima eleição os candidatos vão comprar seus votos com
quitação da dívida. Essa prática, se confirmada, além de desestimular o pescador a
permanecer em dia, levaria a distorções graves no processo eleitoral da Colônia,
com aqueles que têm mais dinheiro tendo maior chance de ganhar a eleição.
Representaria também uma forma de corrupção nociva a qualquer processo
democrático. Entre os pescadores, pergunta-se, primeiro, se o dinheiro das
mensalidades atrasadas realmente entra nos cofres da Colônia, e segundo, como os
candidatos que se utilizam dessa prática recuperam o dinheiro investido na eleição.
A Colônia já promoveu vários cursos para os pescadores:
- Da Capitania dos Portos, para licenciamento dos pescadores e seus
barcos;
- Do Ministério da Agricultura, para recadastrar os pescadores;
- Da BahiaPesca, sobre motores, matemática, carta náutica e groseira;
- Com a Asperi, sobre Liderança Comunitária e a Reserva Extrativista de
Itacaré.
Para alguns, falta ainda a capacitação do pescador nos cuidados com o peixe
depois de pescado, até entregá-lo ao comprador. Esse curso já foi dado na Asperi,
mas um dos participantes disse que o convite não foi feito aos pescadores da
Colônia. Um outro curso sugerido foi para os camelôs/ atravessadores, de como lidar
com a comunidade.

11.2.2 - Asperi
A Asperi - Associação dos Pescadores e Marisqueiras de Itacaré tem hoje 34 sócios.
Foi fundada em 1995 a partir de um trabalho de organização promovido pelo
Professor Raimundo, e pescadores interessados. No final, a maior parte dos
pescadores que foram financiados tinham origem em outros municípios, apesar de
já estarem vivendo em Itacaré. Isso deu à Asperi uma identidade diferente e criou
uma certa rivalidade com pescadores nativos. O financiamento do Banco do
Nordeste para 24 barcos foi uma das grandes motivações de formação da
Associação. A Associação tem também assistência do Governo do Estado, através
da BahiaPesca. Hoje, a Asperi tem um patrimônio maior que a Colônia Z-18, mas
não tem o mesmo valor de representatividade política, na opinião dos pescadores
da Banca. Além dos barcos, a Asperi tem uma fábrica de gelo e câmara frigorífica,
e um escritório equipado com computadores e máquina copiadora. Através da
comercialização do pescado, a Asperi mantém suas próprias despesas e
funcionários.
Como muitas entidades, há problemas de participação: falta união e participação
ativa dos sócios, que se comportam de forma individualista e não contribuem para
a Asperi. Um dos indicativos é que os associados estão vendendo para fora da
Asperi, em outros locais, ou não estão contribuindo com a taxa devida à Asperi (10%
do pescado para aqueles que não entregam à Asperi). Alguns, depois de terem
conseguido os barcos pararam de participar. Um outro caso que ilustra os
problemas de participação é que, ao tentar punir alguns associados que não
77

estavam cumprindo com suas obrigações definidas em estatuto, a diretoria da


Asperi não encontrou apoio da assembléia dos sócios.

11.3 - Associação dos Moradores do Porto de Trás (AMPT)


A AMPT é uma associação com uma diretoria coesa e motivada, cheia de projetos
e hábil negociadora. Apesar disso, vários projetos continuam sem sair do papel. A
AMPT é uma associação de bairro. Assim, tem uma função mais comunitária,
envolvendo-se com iniciativas ligadas à pesca e mariscagem, e também com
tratamento de esgotos, educação, e recolhimento de lixo. A AMPT tem uma
atuação muito localizada no bairro, e a percepção das outras comunidades de sua
força é pequena. Por exemplo, participantes da Banca do Peixe acham que a
AMPT tem pouco poder, apesar de a AMPT ter uma atuação comunitária mais ativa
que a Colônia. Há uma falta de integração entre a AMPT e a Colônia, o que se
reflete na baixa associação das marisqueiras e pescadores do Porto de Trás à
Colônia e leva-os a perderem benefícios como o seguro-defeso.
A atuação localizada da AMPT reflete-se na opinião dos participantes do Porto de
Trás, que consideram que é a melhor das organizações citadas, a que mais ajuda os
pescadores do bairro (é preciso salientar que o presidente da AMPT e membros da
diretoria estavam presentes, reduzindo as chances para uma participação sincera e
qualquer reclamação, embora isso tenha acontecido em outros casos, como na
Banca, em relação à Colônia). Em entrevistas individuais, pode-se perceber que a
AMPT não é igualmente aceita e apreciada por todos os moradores. Alguns pensam
que o grupo que hoje domina a AMPT tenta monopolizar todas as iniciativas sociais
e culturais no bairro, e que boicota aqueles que escolhem promover atividades
comunitárias sem passar pela AMPT. Se for verdade, isso reforçaria o poder da AMPT
mas reduziria sua legitimidade perante um grupo de moradores que têm iniciativa
para propor atividades independentemente.
No entanto, são vários os projetos da AMPT que beneficiam pescadores e
marisqueiras. Um deles, apoiado pelo CNPT, deu à comunidade sete canoas e
equipamento de pesca que têm facilitado bastante a vida dos extrativistas do
bairro.

11.4 - APA de Itacaré: Centro de Recursos Ambientais -


CRA, Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da
Bahia - IESB, e Instituto Boto Negro
O CRA é o órgão estadual responsável pela fiscalização ambiental e, através do
pacto federativo, poderia fiscalizar infrações ambientais no mar. No entanto, apesar
de ter um escritório em Itacaré, não o faz. O escritório de Itacaré é voltado
especialmente para a administração da Área de Proteção Ambiental - APA de
Itacaré/ Serra Grande, de que é o órgão gestor. Curiosamente, a população
identifica a APA com um outro grupo, não governamental, ligado ao Instituto de
Estudos Socioambientais do Sul da Bahia (IESB) e originário de uma entidade
ambientalista local, o Instituto Boto Negro. Ao grupo associado ao IESB, atribuem até
mesmo as ações fiscalizadoras e punitivas de que foram vítimas as comunidades
78

rurais de Itacaré. O IESB tem a função de promover a educação ambiental, mas


atua também de forma ativista, que resultou em fiscalizações por parte do Poder
Público. Essa atuação resultou em reações locais, e antipatia da comunidade em
relação à "APA" ou ao "pessoal da APA". A comunidade do Porto de Trás nutre uma
grande antipatia pelo Boto Negro, em função de experiências desastradas de
trabalhos comunitários no bairro no passado. Uma das coisas que irritou a
comunidade foi a forma como foi caracterizada em um projeto apresentado pelo
Boto Negro, que dizia que na comunidade existiam problemas de marginalidade. A
comunidade diz que é pobre, mas lá não há marginais.
Finalmente, as comunidades em geral são bastante moralistas com os ambientalistas
locais, e questionam, por exemplo, a arquitetura das casas dos ativistas, que muitas
vezes utiliza madeira em grande quantidade, quando querem proibir a população
local de extrair madeira das matas para a construção de suas casas. Questionam
também a legitimidade de projetos em que os ambientalistas são remunerados.
Esses questionamentos são nutridos pelo choque cultural entre nativos e não-nativos
(que incluem a maior parte dos ambientalistas), e pela disputa de poder entre a
elite local tradicional e uma nova elite, formada por ambientalistas e pessoas
ligadas ao turismo.

11.5 - Prefeitura Municipal de Itacaré


A Prefeitura de Itacaré encontra-se em um momento novo, com a posse de um
novo prefeito. A gestão passada foi bastante inoperante, o que criou uma certa
repulsa na comunidade. Assim, o sentimento geral dos pescadores em relação ao
novo prefeito era bastante entusiasmado nos primeiros meses do ano. Atualmente,
esse entusiasmo encontra-se mais moderado e observa-se já algum ceticismo e
crítica.
Um ponto positivo para a comunidade pesqueira é que a nova gestão criou uma
Secretaria de Agricultura, Turismo e Meio Ambiente, onde há uma Divisão de Pesca,
cujo responsável é um pescador que é um dos líderes do movimento pela Reserva
Extrativista Marinha de Itacaré. Ele tem se dedicado a fortalecer a Reserva
Extrativista através de seu trabalho na Prefeitura, com resultados importantes como
este diagnóstico.

11.6 - Sindicato Rural (patronal)


Essa instituição ajuda nos eventos e cursos promovidos pela Colônia Z-18 e pela
Asperi, quando empresta a sede para determinados eventos.

11.7 - Marinha (Capitania dos Portos)


Os pescadores apontam que a Capitania existe para própria segurança do
pescador. O problema é que suas intervenções são irregulares, o que resulta em
pouco estímulo por parte dos donos de barco para estarem em ordem. A Marinha
só vem a Itacaré por denúncia ou quando é chamada. Além disso, várias das
exigências da Capitania (previstas em lei, que segue diretrizes internacionais),
79

apesar de desejáveis, são pouco razoáveis quando se observa a realidade dos


pescadores.
A comunidade considera a postura da Marinha autoritária, diz que vários
pescadores têm sido mal atendidos na Capitania em Ilhéus e que, quando ela vem
a Itacaré, suas ações não são de qualificação, mas só de multar.
Alguns participantes sugerem que seja instalado um posto da Marinha em Itacaré.
Esta sugestão foi amplamente debatida, devido às desvantagens que o posto
poderá trazer, como uma maior fiscalização e pressão em cima dos donos de
barcos. Uma das desvantagens para os donos de barcos é que, com o posto da
Marinha, haverá maior cobrança da questão trabalhista. Em outros locais, como
Camamu, alguns participantes apontaram que os pescadores se utilizavam da
legislação trabalhista para processar os donos de barco. Parece que a proteção
trabalhista dada aos pescadores artesanais é inadequada ao seu próprio padrão
de trabalho, que é mais irregular e independente, mas isso precisa de maior
discussão.
Os participantes da Banca acreditam que a fiscalização não é nociva, já que faz as
cobranças necessárias. Um exemplo de sucesso da ação da Marinha foi o aumento
do número de barcos na última procissão de Iemanjá, o que indica um maior
número de barcos regularizados. Parece também que a Marinha atua com mais
rigor com o pessoal de fora da cidade. Contudo, as exigências da Capitania, como
foi dito acima e será detalhado a seguir, são bem pouco razoáveis para o contexto
da pesca artesanal praticada em Itacaré e em toda a costa da Bahia.
Segundo o Comandante Duque, a atuação da Marinha na salvaguarda da vida no
mar e controle da poluição por embarcações se dá de acordo com os seguintes
níveis hierárquicos: 1) Diretoria de Portos e Costas (sede no Rio de Janeiro); 2)
Capitanias (Itacaré está na jurisdição de Salvador); e 3) Autoridades Locais (na
Bahia, sedes em Porto Seguro, Ilhéus e Valença. A área de atuação da delegacia
da Capitania dos Portos de Ilhéus vai de Canavieiras até o Rio de Contas, em
Itacaré. A missão da Capitania é fazer cumprir a lei de segurança do tráfego
aquaviário, que segue diretrizes internacionais. Segundo o Comandante, apesar de
a lei ser exigente demais para os padrões dos países em desenvolvimento, estes
foram obrigados a adotá-las para baratear o seguro dos navios. É uma norma única
de segurança para todo o mundo, imposta pelos países ricos. São também
unificados mundialmente a forma de habilitação (matérias, etc.) e os certificados.
São treze normas, cada uma com cerca de 500 páginas!
A inspeção naval é o instrumento básico de fiscalização da Capitania, que envolve
a verificação do título de inscrição e registro da embarcação, habilitação da
tripulação e o seguro obrigatório. Além disso, a inspeção envolve a checagem de
equipamentos obrigatórios.
Um deles, considerado de difícil aquisição, é o rádio VHF, que custa em torno de
R$800,00 (Canavieiras, com um lote grande, conseguiu por apenas R$350,00 cada) .
Uma vantagem de ter esse equipamento é a possibilidade de pedir socorro ao
Sistema Salvamar Brasil, que possui navios e helicópteros para o salvamento de
vidas no mar. No mundo inteiro, o canal de emergência no mar é o 16 de VHF, que
a Marinha escuta 24 horas por dia, através de uma rede nacional. Em caso de
80

emergência, navios mercantes são acionados para dar salvamento. Os pescadores


de Itacaré duvidam da utilidade desse sistema para eles pois a maioria dos
acidentes ocorre na barra do Rio de Contas, onde um salvamento desses, além de
não poder utilizar o rádio, teria um socorro local mais imediato através da
solidariedade dos pescadores.
Todos os barcos tem que ser equipados com coletes salva-vidas (o salva-vidas custa
R$60,00 em Ilhéus; direto, sem atravessador, custa R$24,00). Outros equipamentos
requeridos são foguetes, ração e água. Além de caros, os donos de barco
reclamam que esses itens têm validade de somente um ano.
A aquisição de equipamentos pode ser feita com grande economia se for feita de
forma coletiva. Financiamentos também podem ser utilizados, como foi o caso de
Canavieiras, que está usando um "fundo de aval".
Segundo o Comandante, a tendência da fiscalização é ficar cada vez mais
rigorosa. Recentemente, em Valença, 32 barcos foram rebocados para Salvador. O
mesmo pode acontecer em Itacaré. "É a lei. Tenho que fazer cumprir," disse.

11.8 - Ibama – Ilhéus


Esta discussão refere-se à atuação do escritório do Ibama em Ilhéus. Na opinião dos
participantes da Banca, o Ibama não ajuda a comunidade e ainda age com
autoritarismo e violência. Algumas vezes, os agentes do Ibama usaram até
escopetas para abordar os pescadores além de ameaçá-los no caso de denúncias.
São comuns os comentários de que o Ibama abusou de seu poder nas diligências
em Itacaré. O sentimento geral é de que "o Ibama só atrapalha".
Parte dos problemas junto ao Ibama/Ilhéus são causados também pela falta de
apoio da Colônia, da Asperi, do Ibama/Brasília e da sociedade em geral ao
pescador. Essa falta de apoio e cobrança leva o Ibama a ter uma equipe com
pouco conhecimento de como atuar em uma comunidade, o que leva a má
atuação. Também permite que o Ibama faça abuso de poder e uso de violência
contra os pescadores. Segundo os pescadores falta consciência à maioria dos
técnicos do Ibama de Ilhéus, o que pode estar levando à pouca fiscalização,
corrupção e suborno, suspeitas que são alimentadas pelo tratamento desigual
observado para infratores pobres e ricos. Os aspectos como falta de infra-estrutura e
técnicos do Ibama foram considerados um problema do Ibama, que com cobrança
por parte das entidades e sociedade em geral teriam que ser resolvidos.
Os problemas do Ibama acabam resultando em uma comunidade pesqueira
resistente ao órgão e às suas orientações. Isso aumenta os comportamentos
predatórios da comunidade local, o que leva à diminuição do pescado e,
conseqüentemente, da renda de pescadores e marisqueiras.
A impressão negativa que a comunidade da Banca tem do Ibama reflete sua
experiência com a instituição no passado, que não foi boa. No caso de
Taboquinhas, por exemplo, tem-se a impressão contrária. O Ibama é visto como um
aliado, pois a comunidade teve pouco contato com o órgão e, como existe uma
postura favorável à conservação da natureza, o Ibama é visto com simpatia.
81

De fato, o Ibama pode ser um importante aliado. Em 2000, uma equipe do Ibama
ajudou em fiscalizações promovidas por pessoas ligadas ao Grupo de Trabalho,
contra pessoas de fora que estavam levando guaiamuns e contra guinchos que
estavam pescando no defeso do camarão. Em 2001, recentemente, uma diligência
do Ibama fez um ótimo trabalho de quatro dias, a mando do Ministério Público
Federal, de Ilhéus, com recursos do CNPT/Ibama de Brasília. Essa missão, em que os
fiscais do Ibama tiveram uma atuação exemplar, deu bastante apoio à proposta da
Resex em Itacaré.

12. Conflitos e Direitos Tradicionais


12.1 - Acesso às praias
Com o desenvolvimento turístico de Itacaré, foi iniciado um processo de
"privatização" de praias. Proprietários de terras na costa de Itacaré têm fechado as
estradas, trilhas e caminhos que antes eram abertos à comunidade. Em vários casos,
os proprietários são pessoas de fora, que não reconhecem os direitos tradicionais de
passagem por dentro de suas terras. Mais do que isso, porém, seu interesse é criar
praias particulares, o que é proibido por lei, e vender essa exclusividade aos turistas
de melhor renda. Os proprietários usam o argumento de que, ao fechar o acesso
livre à praia, estão ajudando na conservação da natureza.
Nas praias ao sul do Rio de Contas, a privatização é facilitada pelo acesso difícil.
Porém, o acesso a pedestres tem sido livre para todas as praias, com excessão da
Prainha e da praia de São José (onde o acesso de pedestres era cobrado até que o
Ibama fez uma diligência no local, advertiu os proprietários e ordenou a reabertura),
e também das praias de Pauva e Arruda, pequenas praias entre a praia de São José
e Jeribucaçu. Na praia de Itacarezinho, o acesso de pedestres é possível através de
duas entradas, mas vários caminhos anteriormente livres hoje estão fechados até
mesmo para pedestres. Para carros, o acesso é cobrado (R$5,00).

12.2 - Áreas de marinha


Há dois tipos básicos de áreas de marinha em Itacaré: 1) aquelas ao longo da costa,
e 2) aquelas nos estuários dos rios e riachos. A situação das áreas de marinha ao
longo da costa é perigosa porque a valorização dada pelo turismo cria a cobiça de
empresários e especuladores. Em vários trechos, como em Itacarezinho, as áreas de
marinha foram cercadas pelos proprietários e sua vegetação natural (restinga) tem
sido substituída por coqueirais. Na praia de Itacarezinho, um amplo trecho de área
de marinha foi incorporado pelo Txai Resort para uso exclusivo de seus hóspedes.
Até mesmo uma piscina foi construída na área da União. Segundo dizem, o Sr.
Nelson Moraes, proprietário do Txai Resort pediu autorização para a construção da
piscina ao Ibama, e após ter sido negada, recorreu ao Centro de Recursos
Ambientais - CRA, órgão gestor da Área de Proteção Ambiental Itacaré/ Serra
Grande, que concedeu a autorização. É necessária uma investigação sobre a razão
da discrepância entre as decisões dos dois órgãos (Ibama e CRA), verificando o
porquê do segundo beneficiar o empreendimento.
82

O Sr. Cláudio Magalhães, também em Itacarezinho, cobra aos campistas pelo uso
da área de marinha no verão. Não se sabe se esses proprietários pagam
aforamento ou taxa de ocupação pela área da União.
Ainda em Itacarezinho, uma área de marinha importante é a do Porto de Jangadas,
que foi fechada com cerca e teve sua vegetação e topografia alteradas pela
fazenda de Durval Lélis. O aterro construído interrompeu o curso de um riacho que
desaguava no Porto de Jangadas. O local era utilizado para a construção e abrigo
das embarcações.
Nas praias urbanas de Itacaré, a área de marinha também encontra-se com uma
série de problemas. A praia da Concha está completamente ocupada por barracas
de praia, com fossas muito próximas à agua. Há um camping na área de marinha, e
não se sabe se pagam aforamento ou taxa de ocupação. A praia da Tiririca é a
mais perturbada por construções e pousadas. Várias pousadas foram construídas
em área de marinha, irregularmente, nessa praia.
As áreas de marinha nos estuários têm grande importância para os estrativistas, pois
é nelas que coletam guaiamuns, caranguejos e outros mariscos. Em boa parte, essas
áreas foram fechadas pelos proprietários e foram desmatadas para plantios de
coco e cacau, entre outras culturas, principalmente no Rio de Contas. Esse
desmatamento é ilegal, pois foi feito em área de preservação permanente. Além
das áreas de marinha no estuário do Rio de Contas, as áreas de marinha nos
pequenos riachos ao longo da costa também têm sido fechadas aos extrativistas,
como é o caso do mangue e do apicum na Prainha e na praia de São José. O
fechamento dessas áreas é feito através de ameaças e cães ferozes. Para garantir a
subsistência dos extrativistas de Itacaré, é necessário verificar a situação de cada
uma dessas áreas, reabrindo o acesso dos extrativistas às áreas da União. Alguns
proprietários e ocupantes das áreas de marinha dizem ter documentação, e muitos
alegam que, ao fechar as áreas aos extrativistas, estão ajudando a preservar a
natureza. "Eu sou ecologista", é uma declaração freqüente daqueles que estão
privatizando as áreas da União. Entretanto, como o desmatamento dessas áreas
demonstra, sua preocupação ambientalista é, no mínimo, contraditória.

12.3 - Caminhos tradicionais


Em Itacaré, os caminhos tradicionais, trilhas por onde a passagem de pessoas e
animais sempre foi permitida, têm sido fechados gradualmente. A comunidade de
Campo Seco está situada no local há muitas gerações e, durante a maior parte da
história da comunidade, as pessoas podiam circular por caminhos e trilhas que se
tornaram tradicionais e integrados às necessidades locais, e que foram construídos
pelos próprios moradores em sistema de mutirão. Por exemplo, boa parte do
transporte de pessoas e mercadorias ainda é feita por animais, o que dá autonomia
de deslocamento e baixa o custo do transporte. O acesso da comunidade de
Campo Seco à estrada asfaltada é tranqüilo, e se dá por uma estrada de terra que
termina no Km 6, depois de atravessar o assentamento Marambaia. A produção
agrícola é, às vezes, escoada por caminhões. Outras vezes, usam animais de carga.
Nesse caso, o caminho mais curto e mais conveniente seria pela antiga Trilha ou
83

Estrada do Telégrafo (também conhecida como "Pedestra") que vinha de Ilhéus até
Maraú.
Entretanto, a Trilha do Telégrafo foi fechada em vários pontos, ferindo os costumes
tradicionais e aumentando os custos de transporte. Da comunidade, em direção a
Itacarezinho, a trilha é aberta a pedestres mas fechada para animais, o que dificulta
práticas comerciais de moradores de Campo Seco, que não podem circular com
seus produtos. No sentido oposto, de Campo Seco para Itacaré, a trilha está
fechada na propriedade de Arnô Bovilliard de St. Symphoqlen (um francês), e em
dois pontos na Fazenda São José (Vilas de São José/ Itacaré Ecoresort), onde foi até
mesmo aterrada.
A Estrada do Telégrafo sempre foi um caminho público, mantido pelo Poder Público.
Por exemplo, a Prefeitura contratava a limpeza da trilha. Além disso, a trilha é
histórica. Até hoje se encontram postes de ferro da linha de telégrafo, ou pelo
menos a sua base, ao longo do caminho. É o caminho mais curto de Itacaré para as
praias do sul e, embora só permita a passagem a pé ou de animal, é também uma
excelente atração potencial para o ecoturismo, para pessoas adeptas de
caminhadas, ou treking. Infelizmente, os próprios empresários do setor turístico estão
impossibilitando a passagem nessa trilha, colocando seus interesses acima dos da
coletividade.
A Estrada do Telégrafo deixou vestígios históricos até mesmo nas cidades de Itacaré
e Ilhéus: os pontos de partida e chegada, tanto em Itacaré como em Ilhéus, têm o
nome de "Rua da Linha", em referência à linha telegráfica. Em Itacarezinho, o local
por onde passa a trilha também tinha o nome de Rua da Linha, quando havia mais
famílias e Itacarezinho era um povoado.
O fechamento da Estrada do Telégrafo causa prejuízos à população local porque
aumenta a distância das comunidades pesqueiras rurais (Itacarezinho e Campo
Seco) a Itacaré. Isso impossibilita ou dificulta o uso de animais para o transporte de
carga e pessoas, e torna as pessoas dependentes na estrada e no ônibus.
Para as praias, sempre houveram trilhas utilizadas pelos pescadores da comunidade
de Campo Seco para chegar aos pesqueiros. Esses caminhos atravessam
propriedades particulares e existem há gerações. Há alguns anos, essa situação
começou a mudar. Com o crescimento turístico de Itacaré, as terras na costa
passsaram a ser adquiridas por pessoas de fora, muitas vezes estrangeiros, que
começaram a fechar os caminhos e trilhas tradicionais. O proprietário Arnô, por
exemplo, fechou a trilha do Telégrafo com uma cerca. A comunidade abriu uma
passagem na cerca ao lado, que acabou sendo aceita pelo proprietário (como
indica a porteira improvisada no local pelos seus funcionários), mas o proprietário
continua tentando restringir a passagem daqueles por quem não tem simpatia. O Sr.
Silva, administrador da propriedade (Fazenda Sto. Antônio) do falecido Sr. Gilles
Bovilliard de St. Symphoqlen (irmão do Sr. Arnô) fechou a estrada para a praia de
Pauva com um "cancelão" e cadeado. A própria cancela teve sua parte superior
84

cercada por arame farpado, para que a comunidade nem mesmo possa pulá-la e
utilizar sua trilha tradicional para chegar ao pesqueiro5.
Um outro conflito relatado pela comunidade foi com o Sr. Albert, também
proprietário, que também fechou a estrada para a praia de Arruda e Pauva, que
passa em sua propriedade. De acordo com a história da comunidade, Albert já
ameaçou com revólver um dos moradores na frente da filha deste, que ao tentar
escapar acabou se machucando no arame farpado. Ele ainda deu queixa duas
vezes na delegacia sobre moradores da comunidade. Ironicamente, o Sr. Albert,
que não permite a passagem por dentro de sua propriedade, para chegar lá, passa
pelas propriedades de vários dos moradores tradicionais. A única pessoa que tem a
chave do cadeado e autorização para passar é o chileno Álvaro, proprietário das
terras junto à praia.
Entretanto, segundo a comunidade, as disputas não se restringem aos estrangeiros.
Em Jeribucaçu, o Sr. João (gerente) não quer que as jangadas sejam guardadas na
beira do rio, e tem ameaçado soltar as jangadas na corrente. Segundo os
moradores do Campo Seco, o Sr. João não quer que ninguém pesque na beira do
rio, "na minha porta". De acordo com o relato da comunidade, o Sr. João já
ameaçou com escopeta calibre 12 jovens da comunidade e, por seu próprio
discuido, acabou sendo atingido no pé pela própria arma. Na praia da Engenhoca,
moradores do Campo Seco denunciaram que João atira para o ar para intimidar
pescadores e banhistas, quando se juntam em grandes números. O Sr. Luciano é o
proprietário da área da Engenhoca, e das duas margens do Jeribucaçu (suspeitam
que a margem norte tenha sido comprada com "testa de ferro"). Recentemente
houve uma transação de terras na região, alterando os proprietários. Não sabemos
como ficou a configuração final.
Na seção a seguir, descrevemos a questão das terras em Itacarezinho, onde
também há problemas com os caminhos traducionais.

5 Uma disputa particular que ilustra o caráter de Silva e Arnô é que o Sr. Romildo "Chapéu
Branco" tinha uma novilha e um garrote nas terras de Gilles quando este morreu. Ao tentar
recuperar seus animais, o Sr. Silva se recusou, e chegou a ameaçar Chapéu Branco de
morte. Chapéu Branco deu parte na polícia na tentativa de reaver seus bens, conforme
certidão passada pelo escrivão de Polícia da 7a. Coordenadoria de Polícia em Itacaré. Os
Srs. Silva e Arnô acabaram abatendo a novilha e vendendo o garrote, conforme ofício 15/00
da procuradora Flávia Cerqueira Sampaio ao delegado Eduardo Lemos Barcelos. Chapéu
Branco apresentou três testemunhas mas o delegado não as ouviu. O Sr. Arnô acabou
"inventando", segundo Chapéu Branco, que este o ameaçou de morte, e deu parte deste à
polícia. O delegado também não garantiu a integridade dos bens de Chapéu Branco.
Apesar da ordem dada pelo delegado para que Arnô e Silva não vendessem os animais, e
deles terem vendido, nada foi feito para remediar a questão. Chapéu Branco está
esperando pelo resultado da Justiça. Por atitudes como essa, Arnô já sofreu sanções pela
comunidade, por exemplo, como no dia em que as pessoas se reuniram, impediram a sua
passagem pela estrada e quiseram atear fogo no seu carro.
85

12.4 - Conflitos pela posse da terra em Itacarezinho


A situação da posse das terras na comunidade Itacarezinho é bastante incerta. A
seguir, descrevemos esses conflitos conforme o relato e informações da própria
comunidade, confirmadas com visita ao local.
Grilagem de terras é a "arte" de se aproveitar da documentação frágil ou inexistente
para tomar as terras de pequenos agricultores. Um comportamento típico de
grileiros é comprar terras e titulá-las em área maior, abrangendo a área de posseiros,
e comprar terras em volta das posses, depois fechando o acesso dos posseiros às
estradas que ligam suas áreas ao mercado e às cidades. Com o fechamento das
estradas, a vida nas comunidades cercadas vai se tornando difícil. Para piorar as
coisas, violência, ou ameaça de violência, é empregada para intimidar os posseiros.
Então os grileiros oferecem uma pequena quantia de indenização, que os posseiros
acabam aceitando.
Em Itacarezinho, uma situação típica de grilagem é descrita pela comunidade, que
também tem uma documentação frágil de suas terras. As terras de Itacarezinho (200
hectares), segundo a comunidade, pertenciam ao Sr. Silvino Pinto (?), que cedeu
parte da terra ao pai de Dona Ananilza e Dona Noélia. Das terras herdadas, parte
foi dividida (a parte próxima às casas), outras permaneceram de "uso comum", ou
coletivas, sem serem divididas.
As propriedades ao redor foram adquiridas pelos novos proprietários com posseiros
no seu interior. Antes, a passagem de carros se dava por duas fazendas: a de Durval
Lélis, ao sul, e a Fazenda Boa Sorte (Txai Resort). Ambas as estradas foram fechadas,
sendo que a da Fazenda Boa Sorte foi adequadamente trocada por uma nova
estrada de acesso. O problema é que nessa estrada foi colocada uma porteira
com cadeado e que a comunidade não tem a chave. Além disso, os proprietários
ao redor estão constantemente pressionando a comunidade para vender suas
terras.
Esse objetivo foi, em boa parte, conseguido. Boa parte da comunidade de
Itacarezinho vendeu e/ou saiu de suas terras. Os únicos que ficaram são posseiros.
Foram observados em Itacarezinho conflitos extremamente delicados sobre a posse
da terra. Esses conflitos são entre os pescadores e marisqueiras os proprietários
Cláudio Magalhães, Nelson Moraes (Txai Resort/ Fazenda Boa Sorte, que comprou
também as terras do "Coronel") e Oscar Artaza. Também existem disputas com os
proprietários sobre a posse dos coqueiros (as regras tradicionais de posse dos
coqueiros no local permitem que um coqueiro, apesar de plantado na terra de uma
pessoa, possa pertencer a outra). Um exemplo dessa disputa sobre a posse dos
coqueiros é a existente entre Oscar e um dos posseiros (João de Jesus).
A história que as pessoas contam é coerente e é sempre a mesma. Ela revela
problemas sérios entre Cláudio Magalhães, Oscar Artaza, Nelson Moraes, "Coronel"
(que vendeu recentemente suas terras a Nelson), e a comunidade. Os conflitos com
Cláudio Magalhães são sem dúvida os mais fortes. De acordo com a comunidade,
Cláudio Magalhães chegou à comunidade há sete anos, a princípio acampando e
dormindo nas casas dos próprios pescadores. Aos poucos, foi ganhando a
confiança das pessoas e fazendo amizade. E gradualmente, de acordo com a
86

história da comunidade, Cláudio Magalhães foi convencendo as pessoas a vender


suas terras. Primeiro, adquirindo as terras documentadas que, entretanto, tinham
posseiros sem documentação em seu interior. A seguir, os posseiros passaram a ser
pressionados para vender as posses. A comunidade acusa Cláudio Magalhães de
aproveitar-se da falta de conhecimentos e da pobreza das pessoas para comprar
barato, impor acordos, e intimidar. Para isso, Cláudio Magalhães teria utilizado até a
polícia de Itacaré, dando queixa contra os moradores e conseguindo ordens de
despejo. Em pelo menos uma ocasião, não se sabe se com ordem judicial, uma
família foi expulsa de sua casa, ao anoitecer, sem ter a chance de recolher
pertences ou documentos, que foram queimados juntamente com a sua casa. A
família também tem sido impedida de reconstruir a casa. A família de Dona Noélia
Miranda tem sido impedida de construir uma nova casa, para substituir a antiga
casa de taipa em ruínas, e é ameaçada por Cláudio, que diz que derrubará a casa
nova se for construída. O Sr. José de Souza, já idoso, diz que foi agredido fisicamente
por Cláudio Magalhães, que teria tentato forçá-lo a assinar um documento de
venda da sua terra em Itacarezinho. O Sr. José diz que Cláudio Magalhães sempre
insiste na compra da terra, ligando para marcar encontros em locais suspeitos, os
quais o Sr. José evita.
A comunidade também já reagiu à altura. Uma vez, Cláudio Magalhães construiu
uma casa nas terras de uma das famílias, derrubando os coqueiros em volta e no
local. A casa foi destruída na primeira chance. Uma cerca colocada por Cláudio
Magalhães ao redor das terras da comunidade também foi derrubada.
Até há pouco, tinha-se a noção de que Nelson Moraes, do Txai Resort, era mais
neutro que esses outros proprietários, já que ele tinha construído a estrada
alternativa à servidão de passagem por dentro de sua fazenda. Porém, essa
percepção está mudando, como será descrito a seguir.
Para acesso à comunidade de Itacarezinho, uma estrada de terra usada pela
comunidade para chegar à estrada principal passava pela Fazenda Boa Sorte (Txai
Resort). Segundo informações, essa estrada foi construída com dinheiro do Instituto
do Cacau, para escoamento da produção. O proprietário Nelson Moraes decidiu
fechá-la e trocá-la por uma estrada nova que abriu em uma faixa de terra
especialmente adquirida para esse propósito. Dessa forma, ele trocou a servidão de
passagem por essa faixa com a nova estrada. No início, a nova estrada tinha livre
acesso a todos. Mas, com o tempo, uma porteira foi construída e, depois, um
cadeado foi colocado. O acesso passou a ser controlado por um vigia, ou por
quem tivesse posse da chave do cadeado. Não ficou bem claro quem colocou o
cadeado na porteira (se foi Cláudio Magalhães ou Nelson Moraes), mas todos os
proprietários documentados tinham uma cópia da chave, a não ser uma das
famílias tradicionais, que apesar de ter uma escritura de declaração de posse, não
tem uma cópia da chave. A maioria das pessoas com quem conversamos pensa
que foi Cláudio Magalhães quem colocou o cadeado, mas uma pessoa, pelo
menos, pensa que é Nelson Moraes, da Fazenda Boa Sorte, quem controla a
passagem. Uma possível mudança na atitude de Nelson Moraes foi observada pela
comunidade depois que ele adquiriu um terreno na área onde a comunidade está
localizada, quase vizinho à Fazenda Boa Sorte. Recentemente, soube-se que Nelson
comprou também o terreno de Coronel, que tem uma moradora tradicional em seu
87

interior, e que também planeja comprar as terras de Cláudio Magalhães com os


posseiros no seu interior. Parece que seus interesses se tornaram mais próximos dos
dos outros proprietários. Se antes o Sr. Moraes condenou a violência contra a
comunidade, hoje ele está colocando dificuldades para que a comunidade tenha
acesso às chaves. Os proprietários negam às famílias cópias das chaves para
garantir sua passagem livre e sem constrangimento. Isso também representa
constrangimento na hora de receber parentes e amigos de fora, que podem vir de
carro. A passagem a pé, por enquanto, não sofre restrições. Recentemente, soube-
se que a chave agora é controlada exclusivamente por Nelson Moraes. As reações
da comunidade, como a quebra de cadeados, tem resultado em intimidação por
parte de um segurança do Txai Resort, do Sr. Moraes, que também é policial civil. De
qualquer forma, é clara a união entre os "proprietários" para intimidar e dificultar a
vida da comunidade.
Portanto, ao compararmos a situação de Itacarezinho com o procedimento típico
de grileiros, descrito acima, vemos bastante semelhança. Parece um caso típico de
grilagem, com o ilhamento da comunidade tradicional nos limites da propriedade
oficialmente reconhecida.
Na cidade de Itacaré, a questão da abertura do acesso à estrada que leva à praia
de Itacarezinho é muitas vezes definida em termos do conflito entre o direito do
banhista/turista a ir à praia e a preservação da característica primitiva das praias,
mantendo-as com baixa visitação e sem barracas. No caso da comunidade
pesqueira de Itacarezinho, temos que redefinir a questão: trata-se agora do acesso
da comunidade local à estrada asfaltada, através do caminho que veio a substituir
a servidão de passagem utilizada durante décadas.

12.5 - Conflito fundiário em Piracanga


Em Piracanga, o conflito fundiário envolve as ilhas do estuário, onde vivem quatro
famílias de pescadores. É um local belíssimo. Uma das ilhas possui uma invejável vista
para o mar, de frente para uma praia deserta onde as tartarugas desovam
anualmente. As quatro famílias de pescadores estão assentadas na área em
questão há três ou quatro anos, e têm vivido da pesca e mariscagem, e de plantios
de côco estabelecidos nas ilhas há muitos anos pelos moradores anteriores. Alguns
moradores estão replantando o manguezal e o apicum, coletando o lixo que
aparece nas praias, defendendo as tartarugas e recuperando o meio ambiente
local.
Entretanto, no dia 18 de fevereiro de 2001, essa paz foi ameaçada pelos senhores
Vivi (vereador de Itacaré), Luís (dono da balsa que faz a travessia do Rio de Contas
em Itacaré), Joselito (de Ubatã), Francisco ("Chico", sócio de Luís), e Marcos "Figura",
Adroaldo, e mais três desconhecidos, estiveram em Piracanga comunicando aos
moradores que eles adquiriram as terras das ilhas de mangue no Rio Piracanga e
que pretendiam construir no local em breve ("o mais rápido possível", segundo eles).
Disseram ainda que os moradores deveriam sair do local. Essa situação ameaçava
as famílias locais, o meio ambiente (pois a construção destruiria áreas de proteção
permanente formadas por manguezais) e a integridade da área da futura Reserva
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Extrativista Marinha de Itacaré. Essas ilhas são áreas pertencentes à União ("terrenos
de marinha").
Segundo informações dadas por um morador local que acompanhou a
negociação de ilhas entre Dona Lili (antiga "proprietária"), do povoado de Caubi, e
Adroaldo, foram somente duas as ilhas "vendidas". Entretanto, Joselito, de Ubatã,
que esteve presente no local, disse que tinha "comprado" todas as ilhas de
Piracanga de Adroaldo, que teria feito um documento (recibo de compra e venda)
incluindo todas as ilhas (cinco hectares). Trata-se de um documento de compra e
venda, que não especifica quais foram as ilhas adquiridas, e que não tem qualquer
validade em áreas de marinha. Joselito disse também ter "vendido" as ilhas de
Piracanga ao vereador Vivi e a Luís da Balsa.
Essa ameaça resultou na mobilização da comunidade e em uma representação ao
Ministério Público Federal, que ordenou ao Ibama/Ilhéus que investigasse o conflito,
e também as infrações ambientais presentes na área, como o desmatamento de
uma área de mangue pelo Sr. Humberto Hugo. Como resultado, o Sr. Humberto
Hugo foi autuado e multado em R$1.500,00. Os planos de Vivi e Luís, até o momento,
não foram colocados adiante. Apesar de essas ações terem tido bons resultados,
um líder da comunidade passou a sentir-se ameaçado, pois um homem estranho
passou a rondar a comunidade e todos acreditavam ser ele um pistoleiro.
O conflito descrito acima não foi a primeira vez em que a comunidade de
Piracanga se sentiu ameaçada por supostos proprietários. No final de 2000, a
comunidade começou a sofrer pressão por parte dos senhores Hector Eduardo
Bonder (um argentino) e Leila Küntgen, proprietários de um terreno em frente ao
mar, junto ao Rio Piracanga, do lado de Maraú. Os referidos proprietários vinham
ameaçando retirar três famílias que ocupam ilhas do Rio Piracanga. Eles alegavam
possuir título sobre uma área incluindo as ilhas ocupadas por essas três famílias, que,
como foi dito acima, são terrenos de marinha (na verdade sua documentação era
frágil, e consiste em uma série de documentos de transferência possessória). Eles
também alegavam possuir contatos políticos, que deveriam facilitar essa violência
contra a comunidade de Piracanga.
Em conversa de João Batista com Hector Eduardo, este acusou-o de estar sendo
corretor de áreas da União (o que não é verdade6) e disse que o Sr. Augusto dos
Santos deverá sair da ilha que ocupa "nem quem sabe no chumbo". Isso mostra o
grau de intranquilidade que estavam vivendo. Esses moradores, porém, têm sido
defensores da área. João Batista A. Viana, por exemplo, costuma recolher o lixo das
praias e defende as tartarugas marinhas e seus ninhos. O Sr. Augusto dos Santos,
outro posseiro na área, e ameaçado de expulsão, está replantando o mangue junto
ao seu rancho de pesca.

6 Em visita à comunidade para averiguar a situação, vários moradores, como o Eduardo


(conhecido como Dudu, recém-chegado à área, que ocupa uma das ilhas que antes
pertenciam a Dona Lili), Augusto dos Santos, e "Bob" desmentiram a versão de Hector
Eduardo, de que João Batista estaria corretando áreas da união.
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Recentemente, após a ação do Ibama na área, houve uma mudança de atitude


por parte desse grupo de proprietários. O Sr. Chico, que também é sócio de
Eduardo e Leila, tem oferecido apoio à Reserva e à comunidade, com a doação de
uma área para escola, poço e vila de pescadores.

12.6 - Cemitério destruído


O cemitério localizado na Fazenda Patizeiro foi destruído pelo proprietário João
Paiva, deixando a comunidade de Itacarezinho sem ter onde enterrar seus mortos.
O cemitério foi construído pelo Sr. Guilherme da Costa em 1940, e batizado pelo
Padre Edgard em 1941. De acordo com a comunidade de Itacarezinho, a
marcação das sepulturas foi destruída, e os restos mortais dos parentes da
população local estão hoje sob a terra, no mesmo local, mas sem identificação ou
possibilidade de visitas e homenagens.

13. Históricos Participativos


Os históricos participativos elaborados com representantes das comunidades
pesqueiras de Itacaré ilustram e resumem as dinâmicas sociais e ambientais gerais.
Foram feitos dois históricos participativos, um na sede (Itacaré) e outro em
Taboquinhas. A seguir, os resultados são descritos:

13.1 - Itacaré
De acordo com o histórico elaborado pelos membros do Grupo de Trabalho e outros
pescadores e marisqueiras (Figura 16), a quantidade de guinchos atuando na costa
de Itacaré tem aumentado muito desde 1980. A pesca predatória, que inclui os
guinchos, também tem aumentado, embora o uso de bombas, que era feito na
década de 80, tenha desaparecido. O uso de compressor para pesca subaquática,
uma ameaça mais séria ao pescado, na opinião dos participantes, surgiu em 1990.
Uma outra prática considerada predatória é a rede de espera, que espanta os
cardumes e pega os peixes de passagem. O aumento do número de guinchos em
2000 explica a representação do aumento da pesca predatória neste ano.
Em consequência, os peixes têm diminuído em quantidade e tamanho. De 80-85,
havia muito peixe. Em 85, as redes de arrasto começaram a afetar os peixes. Em 90,
os guinchos fizeram seus efeitos serem sentidos, juntamente com a pesca de
compressor.
O camarão teve sua maior queda em 90-95, devido a fatores climáticos, aumento
forte do número de guinchos e o desrespeito ao defeso por parte de alguns
pescadores. As tartarugas têm diminuído ano a ano, apesar de ainda estarem
presentes na praia da Engenhoca, Itacarezinho e Piracanga. As lagostas tiveram sua
maior pesca no período de 90-95, quando eram pescadas com rede e deram boa
renda aos pescadores. Depois, sua abundância foi diminuindo, provavelmente
devido à sobrepesca por pescadores locais e de fora.
90

Guinchos Asperi Pesca Peixe Camarão Tartaruga Lagosta Caranguejo Pitu Estrada Turista Calão Dinheiro
predatória asfalto
80 2 Bomba 20 40 30 Sem 50 5 2 (mais 2 Cacau 80
Guincho exploraç veranistas) Pesca 20
Rede arrasto ão Turismo 3
3 (chan-
chan)
85 4 Bomba 15 38 25 Pesca 40 4 4 2 Cacau 80
Guincho no Pesca 25
R.ede guincho Turismo 4
arrasto
6
90 8 Guincho 10 30 15 50 30 4 10 4 Cacau 65
Arrasto Pesca 80
Compressor Turismo
Rede de 10
espera
10
95 16 96 - Guincho 4 15 8 30 15 3 98 - 20 5 Cacau 10
Fund. Arrasto Inaugur. Pesca 50
98 - Compressor (2 de Turismo
Financ. Rede de ilhéus) 25
espera
18
2000 20 Crescime Guincho 2 3 1 10 5 1 Aumento 50 3 Cacau 1
nto Arrasto de (turismo) Pesca 20
Compressor automó- Turismo
Rede de veis 50
espera
25

O caranguejo tem diminuído em quantidade e tamanho Figura 16: Histórico


participativo de
por causa do corte do mangue, das barragens, e da
Itacaré. Os números
exploração excessiva. Há 15 anos(?), não se coletava
reletem uma noção de
caranguejo para vender. Há uma maioria de mulheres na quantidade relativa.
atividade, que pegam também siri, aratu e um pouco de
lambreta. Todos esses produtos são afetados negativamente pelas barragens
construídas no Rio de Contas, principalmente a lambreta e a ostra que não
sobrevivem à imensa quantidade de água doce liberada com a abertura das
comportas das represas rio acima. Sobre o pitu, o grupo sentia-se com pouca base
para comentar, pois não exploram o produto. Mas pensam que está dimunindo
devido à pesca excessiva, pesca com veneno e fechamento do rio com redes.
Recentemente, duas adições foram a Asperi e a estrada asfaltada. A Asperi foi
fundada em 1996 e recebeu seu primeiro financiamento em 1998. A estrada
também foi inaugurada em 1998, causando um aumento no número de
automóveis, maior facilidade para escoar a produção pesqueira, aumento do
número de turistas (e resultante aumento do preço do camarão na alta estação). O
aumento do preço do produto pescado com o turismo não chega a beneficiar o
pescador, pois a diferença fica muitas vezes com o atravessador. O turismo tem sido
uma das grandes mudanças recentes na cidade. Antes, a maioria das casas de
pessoas de fora eram de veranistas, mas que gastavam menos e contribuíam
menos, por pessoa, para a economia local. Hoje, o turismo é muito forte, o ano todo,
incentivando o aumento da infra-estrutura para receber os visitantes. Uma segunda
mudança foi o perfil do visitante, que antes era de Salvador e hoje vem na maioria
do sul, de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Com o turismo, aumentou o lixo,
a necessidade de saneamento básico, a prostituição de menores, os problemas
com o fechamento de praias, a poluição visual e sonora, poluição do ar (poeira e
escape de veículos em alguns pontos da cidade), violência e crime (incluindo
estupros e drogas) e o conflito cultural entre os visitantes e os nativos, com a
imposição dos valores e comportamentos dos visitantes sobre os dos nativos.
91

O histórico mostra ainda a mudança da economia regional, antes dependente do


cacau, passando por um período onde a pesca foi importante, e chegando hoje a
uma dominância do turismo na geração de renda para Itacaré.

13.2 - Taboquinhas
Os participantes de Taboquinhas elaboraram o histórico participativo dos recursos
naturais próximos à sua comunidade. Primeiro, o grupo identificou alguns elementos
que interferem na vida da comunidade pesqueira de Taboquinhas: peixe, pitu,
curuca, pesca com bomba, canoa, pesca de mergulho, pesca com tarrafa, rede
de arrasto, vegetação e vassoura de bruxa. Em seguida, escolheram algumas datas,
usando marcos históricos importantes nos últimos 40 anos, além de uma previsão
para o futuro: 1960, 1970, 1985, 1994, 2001 e 2010. A seguir encontra-se um resumo
das relações que os participantes traçaram a partir de cada elemento:
Peixes: a constatação de que a quantidade de pescado diminui ao longo do
tempo foi uma unanimidade no grupo, sendo enumerados diversos fatores que
contribuíram para isso: o aumento do número de pescadores, em grande parte
devido ao declínio do cacau, o desrespeito à época de desova e ao tamanho
adequado das espécies para a pesca. A tendência futura, se nada for feito, é
diminuir ainda mais.
Pitus: a quantidade de pitu também diminuiu bastante em relação ao número de
pescadores, fazendo o preço subir muito. No entanto, o lucro com a venda do pitu
fica concentrado nas mãos de atravessadores, que compram por R$ 12,00 e
revendem em Ilhéus por R$ 18,00, e nas mãos dos donos de restaurante, que
vendem um ou dois pitus pelo preço de um quilo. O pitu vai se criando nas
barragens, até a liberação da água duas vezes por ano. A tendência futura, se
nada for feito, é diminuir ainda mais.
Curucas: a quantidade de curuca também diminuiu, mas ela ainda serve como um
“socorro na hora da precisão”. O quilo de curuca custa R$ 5,00 e é consumida pelas
classes intermediárias (bancários, pescadores, etc.). Os participantes lembraram
épocas em que a curuca “sumiu”, mas não sabem ao certo as razões disso. A
tendência futura, se nada for feito, é diminuir ainda mais.
Barcos: o número de barcos diminuiu ao longo do tempo, pois o nível médio das
águas do Rio de Contas diminuiu e aumentaram os banco de areia, tornando-o de
difícil navegação. Isto ocorreu devido à construção de duas barragens e à retirada
da mata nas margens do rio. Além disso, no passado não havia estrada, então o rio
era o principal meio de transporte de passageiros e produtos. Até 1985, o transporte
era feito de canoa de Ubaitaba até o Banco, do Banco até o Pé da Pancada de
burro e a pé, por uma trilha calçada, chegando finalmente a taboquinhas
Taboquinhas. De Taboquinhas a Itacaré, o transporte era feito de barco. A
tendência futura, se nada for feito, é diminuir ainda mais a trafegabilidade e o
número de barcos.
Pesca com bombas: o uso de bombas para a pesca no rio foi diminuindo com o
tempo e não existe mais hoje em dia. Não se prevê essa prática para o futuro.
92

Canoas: o número de canoas diminuiu muito, pois não há mais, nas redondezas, o
tipo de madeira adequada para sua construção. Só próximo à estrada de Maraú é
possível encontrá-la, mas o Ibama proíbe sua extração. Além disso, canoas feitas de
outros materiais, como alumínio são muito caras para os pescadores de
Taboquinhas. A diminuição da importância do transporte pelo rio também explica a
diminuição no número de canoas. A tendência futura, se nada for feito, é diminuir
ainda mais.
Pesca de mergulho: inicialmente só pescavam peixes grandes através desse
método, o que não acontece mais hoje, devido à luta pela sobrevivência.
Aumentou muito nos último tempos, o que deve continuar.
Pesca com tarrafa: a pesca com tarrafa aumentou muito, sendo que as malhas são
cada vez mais finas para aumentar a quantidade de pescado, o que foi
condenado como uma prática predatória. Essa prática vai, provavelmente,
continuar nos mesmos níveis no futuro, ou aumentar.
Rede de arrasto: essa prática diminuiu muito ultimamente pois, segundo eles, há
maneiras mais fáceis de conseguir o pescado.
Mata: diminuiu devido à retirada de madeira para construção de canoas e
queimadas para plantio e criação de animais. As queimadas foram bastante
criticadas pois impedem o crescimento da madeira nova. A tendência futura, se
nada for feito, é diminuir ainda mais.
Vassoura de bruxa: surgiu mais ou menos em 1990 e acabou com toda a produção
de cacau. Alguns agricultores estão fazendo a enxertia do cacaueiro, mas agora a
vassoura de bruxa está aparecendo também na enxertia, quando não é bem feita
(?). As pessoas mais pobres, que trabalhavam nas roças de cacau perderam seus
postos e tiveram que se tornar pescadores. A tendência futura, com os novos clones
resistentes ou tolerantes à doença, é diminuir o problema.
Pescadores: o aumento populacional em si fez com que aumentasse o número de
pescadores, o que foi acentuado com o declínio da cultura do cacau, tornando a
pesca a única alternativa de sobrevivência para a maioria da população. Além dos
adultos, os jovens e crianças passaram a pescar para complementar a renda
familiar. O número de pescadores vai provavelmente se manter alto no futuro
próximo.

14. Conclusões e Diretrizes para o Plano de


Desenvolvimento da Reserva Extrativista
Marinha de Itacaré
Nesta seção, são apresentadas as conclusões do diagnóstico participativo e da
proposta preliminar de Plano de Desenvolvimento elaborada por representantes das
comunidades pesqueiras de Itacaré em um encontro realizado nosdias 9 e 10 de
abril de 2001. A proposta apresentada a seguir será ainda discutida com as
comunidades, mas já apresenta diretrizes para o desenvolvimento da Reserva que
93

refletem as discussões feitas no diagnóstico participativo para as áreas de


Conservação dos Recursos Naturais, Melhoria da Renda e Organização
Comunitária.

14.1 - Conservação dos recursos naturais


Conservação dos recursos naturais é um dos principais objetivos de uma reserva
extrativista. Em Itacaré, as principais ameaças aos recursos naturais marinhos são a
pesca de arrasto industrial, a pesca com equipamento de compressor, a pesca
excessiva e/ou predatória por pescadores locais e de fora, a destruição dos
manguezais e a degradação da bacia do Rio de Contas, incluindo as matas ciliares
e nas nascentes. Em função desses problemas e dos demais problemas descritos
neste relatório, a criação da Reserva Extrativista Marinha de Itacaré se faz
necessária.

14.1.1 - Objetivos
Recuperar e usar de forma sustentável os recursos naturais da área da futura
Reserva Extrativista Marinha de Itacaré, aumentando a abundância de peixes,
lagostas, camarões e outros recursos, e protegendo a natureza e a base das
atividades econômicas da população extrativista de Itacaré.

14.1.2 - Estratégias
a) Obter do CNPT/Ibama a criação da Reserva Extrativista Marinha de Itacaré;
b) Organizar a comunidade em uma associação para gerir a Reserva, com
representantes de cada comunidade, e grande participação comunitária;
c) Educar e conscientizar extrativistas (pescadores, pescadoras e marisqueiras) e
visitantes a respeito da conservação da natureza, formas não predatórias de
utilizar os recursos e cuidados que devem ser tomados com o lixo e outros
problemas;
d) Buscar alternativas para as práticas predatórias, como novas atividades e fontes
de renda;
e) Cadastrar os pescadores e orientá-los para que recebam o seguro-defeso e
possam, assim, respeitar as épocas em que a pesca de algumas espécies é
proibida;
f) Promover a fiscalização ambiental, através de fiscais colaboradores e em
parceria com o Ibama e outros órgãos, fiscalizando tanto as pessoas
cadastradas na Reserva como as pessoas de fora, para que as Normas da
Reserva (plano de utilização) sejam respeitadas.
g) Definir o tamanho mínimo das espécies e a época correta dos defesos para a
situação específica de Itacaré;
h) Seguro-defeso para os extrativistas de caranguejos, guaiamuns e pitus.
i) Cobrar o tratamento dos esgotos de Itacaré e Taboquinhas;
94

j) Recuperar os manguezais, apicuns e as matas das beiras de rio, riachos e


nascentes.

14.1.3 - Meios necessários


Para implementar as estratégias acima, é preciso recursos para:
a) Comunicação (rádios ou celulares), para facilitar a fiscalização;
b) Placas e materiais educativos, para orientação ao turista, veículos e pessoas de
fora, e para educação da população local;
c) Formação de educadores ambientais, guias turísticos e fiscais colaboradores;
d) Troca de equipamentos predatórios (por ex., redes de malha fina) por
sustentáveis (por ex., redes de malha mais larga);
e) Lanchas e equipamentos (binóculos, rádio, GPS, máquina fotográfica, filmadora)
para a fiscalização no mar e no rio;
f) Veículo 4x4, para deslocamento às comunidades rurais e ações de fiscalização;
g) Assistência jurídica.
Os fiscais colaboradores devem ser eleitos pelas suas comunidades, mas poderão
ser destituídos pela Conselho Deliberativo da Associação ou pela Assembléia Geral.
Devem ser treinados dois ou três fiscais por comunidade, o mais rápido possível.
Além dos fiscais colaboradores, para a área de conservação dos recursos naturais, é
preciso ter a formalização da Associação da Reserva, com a formação do Conselho
Deliberativo e da Comissão de Fiscalização (órgãos previstos nas Normas da Reserva
- o plano de utilização em elaboração pela comunidade), que supervisarão os
trabalhos dos fiscais. Sobretudo, a comunidade precisa estar bastante envolvida e
consciente para que esta área tenha resultados.
Assim, uma ação educativa é fundamental. Os representantes das comunidades
sugerem a elaboração de um jornalzinho ou boletim bimestral, a realização de
trabalhos nas escolas, a produção de vídeos educativos, de placas de orientação e
até mesmo a instalação de uma rádio comunitária. Essa rádio poderia, além de
favorecer as ações educativas, servir de elo de comunicação com os pescadores
no mar (para recados, boletins meteorológicos, etc.).

14.1.4 - Capacitação necessária


Para a implemantação das ações descritas acima, é preciso de capacitação em
diversas áreas:
a) Fiscais colaboradores;
b) Organização comunitária;
c) Educação ambiental.
95

14.1.5 - Apoio provável


Possíveis entidades que poderiam dar apoio à área de Conservação dos Recursos
Naturais são:
a) Ibama (Ilhéus e CNPT);
b) Ministério Público Federal;
c) Ministério Público Estadual;
d) Capitania dos Portos;
e) Universidades (UESC, UEFS, UFBA, etc.);
f) Organizações Não-Governamentais (Jupará, Asperi, Colônia, etc.);
g) Iniciativa privada (patrocínios e doações);
h) Centro de Recursos Ambientais - CRA;
i) Prefeitura Municipal e Câmara dos Vereadores de Itacaré;
j) Delegacia de Polícia;
k) Congresso Nacional (através de deputados e senadores simpáticos
aosextrativistas)

14.1.6 - Pesquisas necessárias


Para a implementação da Reserva Extrativista Marinha de Itacaré com melhor
conservação dos recursos naturais, são necessárias pesquisas em diversas áreas, por
exemplo:
a) Tamanhos mínimos das espécies para captura;
b) Épocas corretas de defeso;
c) Diversidade e ecologia dos corais;
d) Zoneamento da Resex com base técnica.

14.1.7 - Pesquisas sugeridas pelos oceanógrafos


Além das pesquisas apontadas acima pelos representantes das comunidades, os
oceanógrafos que participaram do diagnóstico sugerem as seguintes temas para
pesquisas, que ainda precisam ser discutidos com as comunidades:
a) Estimativas dos estoques pesqueiros, com a determinação da composição de
espécies e suas variações de abundância, além de estudos de crescimento das
espécies mais importantes.
b) Estudos para o manejo conjunto dos estoques de camarão e peixes de fundo.
c) Teste para o uso de redes de arrasto de camarão mais seletivas, que tem sido
proposto em outros locais para diminuir o problema do descarte.
d) Estudos para a seleção de locais para o uso de diferentes equipamentos de
pesca.
96

e) Estudos para o manejo multiespecífico: é importante considerar o conjunto das


espécies de peixes e não apenas as de interesse comercial. A obtenção de
dados sobre a fauna acompanhante é necessária para o estabelecimento de
medidas ordenadoras e previsões sobre o impacto da atividade pesqueira. Os
resultados obtidos servirão de base para o estabelecimento de medidas de
conservação das espécies e para estudos de avaliação de estoques.
f) Avaliação da capacidade suporte do sistema, primeiramente através da
quantificação da produção de matéria orgânica, nutrientes, produção primária
e de detritos, principalmente provenientes da produção dos manguezais. Nessa
fase deverão também ser realizados os levantamentos da concentração de
nutrientes e de sedimento em suspensão ao longo do estuário.
g) Influência da água doce (tolerância das espécies), principalmente devido a
abertura da barragem em épocas de chuva abundante, sobre os estoques de
peixes, crustáceos, e especialmente moluscos como ostras. Estudos sobre a
influência dos ciclos de entrada de água doce, principalmente devido a
abertura da barragem em épocas de chuvas abundantes, sobre as
populações de organismos com interesse comercial; Acompanhamento da
dinâmica de sedimentação nas áreas de manguezal e planícies não
vegetadas adjacentes. Investigação sobre as causas da baixa produtividade
de caranguejos e da mortalidade de ostras no Rio de Contas. O potencial para
cultivo depende de pesquisas que monitorem a variação salinidade do rio.
h) Estudos sobre as alterações no manguezal, com o aumento de sedimento
arenoso, fazendo com que os manguezais tenham seu sedimento
gradualmente substituído de lodoso para areno-lodoso. Talvez esta alteração
no sedimento seja refletido também na produção, abundância e diversidade
de organismos dos manguezais.
i) Estudos sobre o tipo de reprodução, se contínua ou descontínua, a época do
ano em que ela ocorre, e os períodos de desova mais intensa das espécies
exploradas comercialmente na região de Taboquinhas, M. carcinus, M.
acanthurus e A. scabra, que vêm sofrendo uma redução excessiva em seus
estoques naturais, para a estipulação do período de defeso para cada
espécie. A. scabra é uma espécie que merece especial atenção, visto que sua
biologia é ainda pouquíssimo conhecida. Devem, também, ser realizados
estudos com a finalidade de avaliar o potencial de cultivo desta espécie.

14.2 - Renda e subsistência


O segundo objetivo principal da Reserva Extrativista é a melhoria da renda da
população extrativista. Os principais problemas de renda e subsistência estão
relacionados com a queda da produtividade pesqueira, e competição com barcos
industriais e de outros municípios. Além disso, comercialização é feita por
atravessadores, o que dificulta que os pescadores e marisqueiras se apropriem de
uma porção maior do valor do pescado. Na zona rural, a produtividade e a renda
obtida na agricultura são baixas. Para aproveitar a nova economia do turismo, falta
capacitação e mecanismos de inclusão para enfrentar a competição com as
pessoas de fora que vêm trabalhar na área. Em função desses problemas e dos
97

demais problemas descritos neste relatório, a comunidade elaborou as seguintes


diretrizes para a área de renda e subsistência:

14.2.1 - Objetivos
a) Melhoria da renda e das condições de vida dos extrativistas de Itacaré, com
especial atenção à renda das mulheres, das populações rurais e dos pescadores
sem embarcação.

14.2.2 - Estratégias
a) Conservação, para aumentar a quantidade de peixes, camarões e mariscos.
b) Turismo para o pequeno: organização comunitária para o favorecimento da
população de baixa renda, e das comunidades pesqueiras, nas iniciativas
ligadas ao desenvolvimento turístico de Itacaré.
c) Alternativas de pescaria para a época do defeso. Na zona rural, construção de
tanques para a criação de peixes e camarões.
d) Na zona rural, material de pescaria, jangadas, energia elétrica e transporte para
a produção.
e) Manejo dos recursos vegetais para que funcionem como alternativa de renda
para homens e mulheres.
f) Preservar a natureza e respeitar as Normas da Reserva.
g) Organização comunitária, com formação de associações, e de uma
cooperativa para a comercialização do pescado, agência de ecoturismo e de
mergulho.
h) Aumentar o número de extrativistas que se beneficiam do seguro-defeso.

14.2.3 - Meios necessários


a) Parcerias e recursos para capacitação.
b) Apoio governamental.
c) Financiamento (preferencialmente a fundo perdido).

14.2.4 - Capacitação necessária


Os seguintes temas de capacitação foram sugeridos pelos participantes:
a) Beneficiamento do pescado e de seus subprodutos: embutidos de peixes, roupas
com pele de peixe, como trabalhar com peixes e outros, e máquinas de catar
camarão.
b) Organização comunitária, cooperativismo e associativismo.
c) Administração de cooperativas, pequenas e micro empresas.
d) Capacitação direcionada às necessidades das mulheres.
e) Agricultura com conservação da natureza.
98

f) Turismo e ecoturismo.

14.2.5 - Apoio provável


a) Da comunidade.
b) De parceiros de fora (ex.: Sebrae).
c) Capitania dos Portos.
d) Ibama.
e) Ministério da Agricultura.
f) Ministério Público.
g) Prefeitura Municipal.
h) Sindicato dos Trabalhadores Rurais (que parece ter experiência com turismo
rural).

14.2.6 - Pesquisas necessárias


Os representantes das comunidades sugeriram os seguintes temas de pesquisa:
a) Estudos necessários para o estabelecimento dos períodos de defeso para
caranguejos, guaiamuns e pitus.
b) Alternativas de renda.
c) Potencial turístico de cada comunidade.
d) Outras maneiras de pescar.
e) Monitoramento socioeconômico e ambiental (acompanhamento do níveis de
renda, condições de subsistência e estado dos recursos naturais com a criação
da Reserva).

14.2.7 - Pesquisas sugeridas pelos oceanógrafos


Além dos temas sugeridos pelos representantes comunitários, os seguintes temas
foram propostos pelos oceanógrafos, com especial atenção à possibilidade de
cultivo de organismos marinhos:
a) Ostras: são necessários, para se avaliar o potencial para cultivo e/ou
recuperação dos bancos naturais ostreícolas, trabalhos relativos a ocorrência,
distribuição, épocas reprodutivas, épocas de captação de sementes (spats)
através da análise de ocorrência de larva plantônica utilizando-se coletores,
mortalidade e crescimento de ostras em diversas localidades. Além disto,
estudos sobre a influência da água doce através de estudos de tolerância e
crescimento são essenciais. Também podem ser realizados estudos piloto de
crescimento a partir de sementes mais adaptadas a baixas salinidades,
provenientes de laboratório. Cultivos em épocas de seca também podem ser
testados; estima-se que em oito meses, haja tempo suficiente para o
crescimento destes moluscos (Gelli, comunicação pessoal).
99

b) Algas: trabalhos relativos a produção de algas com intuito de extração de ágar


ou carrágenos podem ser testados, através da inserção de mudas de espécies
comercialmente importantes como Hypnea spp ou Gracilaria spp em cordas
amarradas suspensas em estacas ou estruturas flutuantes. Mas para que algum
trabalho seja iniciado, tem que se avaliar se o investimento para o cultivo é
justificado (existência de mercado).
c) Peixes e camarões: Apesar da existência de poucas áreas abrigadas
observadas ao longo dos rios da região, a colocação de tanques-rede ou
cercados, poderia se testar a colocação de tais estruturas em sistema intensivo
ou super-intensivo de cultivo.

14.3 - Organização comunitária


Os principais problemas de organização comunitária são a baixa participação das
comunidades em ações coletivas, como associações e na Colônia, a sua frustração
e desconfiança das ações e projetos de melhoria comunitária, a falta de integração
e, às vezes rivalidade, entre os extrativistas das diversas localidades e de práticas de
pesca diferentes (como [esca de arrasto e de linha). Em especial, as mulheres tem
pouca participação nas ações de organização comunitária, sendo pouco presentes
e pouco atuantes, na maioria dos casos, nas reuniões comunitárias. Além disso, as
comunidades rurais tem sido menos atendidas pelas organizações da categoria
pesqueira.
Na área de organização comunitária, os representantes das comunidades
colocaram as seguintes diretrizes:

14.3.1 - Objetivos
a) Estimular o máximo de participação da comunidade, respeitando o ritmo de
cada um, favorecendo a união entre os extrativistas e integrando as
comunidades pesqueiras de Itacaré.
b) Permitir que os pescadores e marisqueiras controlem o poder na Reserva, e
tenham mais influência na sociedade em geral.
c) Fortalecer as mulheres, estimulando sua participação e envolvimento na
organização comunitária.
d) Envolver todos os extrativistas na implementação das Normas da Reserva, para
que sejam obedecidas e aplicadas.
e) Promover a educação ambiental.

14.3.2 - Estratégias
As seguintes estratégias foram sugeridas pelos representantes das comunidades:
a) Estabelecer uma organização através de representantes, que possam levar as
informações da Associação para as comunidades e, no caminho inverso,
possam representá-las junto à Associação. Os representantes serão eleitos por
suas próprias comunidades.
100

b) Ter núcleos da Associação da Reserva nas comunidades, em que os


representantes dos núcleos serão eleitos independentemente pelas suas
comunidades.
c) Ter visitas periódicas da diretoria e do Conselho Deliberativo da Associação da
Reserva às comunidades. O Conselho Deliberativo deverá ser formado por dois
representantes de cada comunidade (no caso de impedimento, a
comunidade poderá delegar a outras pessoas o papel de suplentes). Para a
comunidade de Taboquinhas, haverá dois representantes da área urbana e
dois da rural.
d) Formar "grupos de trabalho" (como o que hoje existe na sede) em
Taboquinhas e em outras comunidades que se interessarem.
e) Implementar o projeto "Terra Nuova", com a geração de pequenos projetos
comunitários, aprofundamento do Plano de Desenvolvimento da Reserva,
fortalecimento das mulheres e amadurecimento das discussões sobre a
Associação.
f) Fazer reuniões gerais, com representantes de todas as comunidades, em cada
comunidade pesqueira.
g) Fortalecer as comunidades internamente, independentemente da Associação
da Reserva.
h) Direcionar benefícios através da Associação.
i) Criar uma cooperativa para comercialização do pescado e promoção de
outras atividades econômicas, como o ecoturismo, por exemplo.

14.3.3 - Meios necessários


a) Recursos para a realização de reuniões e atividades nas comunidades.

14.3.4 - Capacitação necessária


Os seguintes temas de capacitação foram sugeridos:
a) Gerenciamento de projetos.
b) Organização comunitária.
c) Associativismo e cooperativismo.
d) Capacitação jurídica (ambiental, direitos humanos, questões fundiárias, etc.).

14.3.5 - Apoio provável


a) Jupará.
b) CNPT/Ibama e Ibama/Ilhéus.
c) Colônia.
d) Asperi.
e) Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR)
101

f) Ministério Público Federal.


g) Ministério Público Estadual.
h) Sindicato dos Trabahadores Rurais -STR
i) Associação dos Advogados de Trabalhadores Rurais - AATR.
j) Organizações internacionais.

14.3.6 - Pesquisas necessárias


Não foram indentificadas, pelos representantes das comunidades, necessidades de
pesquisa para esta área. Seria recomendável, porém, pesquisas que monitorem o
avanço do processo participativo, como o aumento da participação das
comunidades rurais e das mulheres.
102

Referências Bibliográficas
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Floresta Amazônica. Pará Desenvolvimento (25).
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Benetti, D.D. 1993. Reprodução e larvicultura de peixes marinhos: realidade e
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Zimmermann, S. J. C. 1918b. Contribuição ao estudo das diatomáceas dos Estados
Unidos do Brasil. VIII. Brotéria, Ser. Botânica, 16 (1) : 113-122.
107

Anexo 1: Reservas Extrativistas Terrestres


no Brasil.
Estado Categoria Nome Área (ha)
Acre Resex Federal Alto Juruá 506.186
Resex Federal Chico Mendes 970.570
Resex Federal Nova Esperança 2.576
Assentamento Extrativista Porto Dias 22.145
Assentamento Extrativista Riozinho 35.896
Assentamento Extrativista Cachoeira 24.973
Assentamento Extrativista Sta. Quitéria 44.000
Assentamento Extrativista S. Luiz do Remanso 39.572
Amapá Resex Federal Rio Cajarí 481.650
Assentamento Extrativista Maracá I 75.000
Assentamento Extrativista Maracá II 22.500
Assentamento Extrativista Maracá III 226.000
Amazonas Resex Federal Rio Jutaí 250.000
Resex Federal Médio Juruá 253.226
Resex Federal Carauari 450.000
Assentamento Extrativista Antimari 260.227
Assentamento Extrativista Terruã 139.235
Maranhão Resex Federal Ciriaco 7.050
Resex Federal Mata Grande 10.450
Resex Federal Quilombo do Frexal 9.542
Mato Grosso Resex Estadual Guaribas / Roosevelt 57.600
Pará Resex Federal Tapajós-Arapiuns 640.000
Rondônia Resex Federal Rio Ouro Preto 204.583
Resex Estadual Roxinho 882
Resex Estadual Seringueiras 537
Resex Estadual Garrote 802
Resex Estadual Mogno 2.450
Resex Estadual Piquiá 1.448
Resex Estadual Angelim-Jequitibá 8.923
Resex Estadual Itaúba 1.758
Resex Estadual Ipê 815
Resex Estadual Jatobá 1.135
Resex Estadual Massaranduba 5.566
Resex Estadual Maracatiara 9.503
Resex Estadual Sucupira 3.188
Resex Estadual Castanheira 10.200
Resex Estadual Aquariquara 18.100
Resex Estadual Freijó 600
Resex Estadual Rio Preto Jacundá 115.278
Resex Estadual Rio Jaci-Paraná 191.324
Resex Estadual Cautário 144.371
Resex Estadual Curralinho 1.757
Resex Estadual Pedras Negras 124.124
Resex Estadual Rio Pacaás Novos 342.903
Tocantins Resex Federal Extremo Norte do Tocantins 9.280
TOTAL BRASIL 5.727.925

Fonte: CNPT/IBAMA, PNUD/PLANAFLORO, PNUD/PRODEAGRO, Menezes (1994)


108

Anexo 2: Calendário Geral de Atividades Desenvolvidas


SEG TER QUA QUI SEX SAB DOM
22 Porto de Trás 23 Porto de Trás 24 Porto de Trás 25 Porto de Trás 26 Sistematizar 27 Visita a 28
1o Dia -Diagnóstico Equipe UESC: Equipe UESC: Pela manhã: dados Porto de Trás Piracanga, para
Infra-estrutura desembarques – verificar questões de
Rubens, Lucio, Gecely, Monica,
ASPERI e Colonia terra
19h00 Sylvia, Clara, Lucio, Renato
Ananda, Renato Equipe UESC:
Gecely, Monica
JANEIRO

29 Reunião do 30 Banca do Peixe 31 Banca do Peixe 1 Banca do Peixe 2 Sistematizar Banca 3 Itacarezinho 4 Itacarezinho
Grupo de Trabalho; Trabalho de campo do Peixe Equipe UESC: Sylvia,
da UESC: praias Monica, Gecely,
Pela manhã:
Lucio, Cíntia
Trabalho de campo Rubens, Sylvia, desembarques –
da UESC Periodo da Gecely, Erminda, ASPERI e Colonia
tarde: Rio de Lucio, Luis, Julio, Equipe UESC:
Contas Monica Gecely, Monica
Rubens, Sylvia, Luis,
Monica, Erminda.
Clara, Ananda,
Renato
5 Reunião Grupo de 6 Banca do Peixe 7 Banca do Peixe 8 Sistematização 9 Sistematização 10 Taboquinhas 11 Taboquinhas
Trabalho
Trabalho de campo
FEVEREIRO

da UESC:
praias/manguezal
Rubens, Sylvia,
Gecely, Erminda,
Lucio, Monica,
Ananda, Clara
109

SEG TER QUA QUI SEX SAB DOM

12 Reunião do 13 Forte 14 Forte 15 Forte 16 Forte 17 Campo Seco 18


Grupo de Trabalho
FEVEREIRO

19 Reunião do 20 Sistematização 21 Comunidades 22 Sistematização 23 24 Carnaval 25 Carnaval


Grupo de Trabalho ribeirinhas

26 Carnaval 27 Carnaval 28 Quarta de Cinzas 1 2 3 4

5 Reunião do Grupo 6 Passagem/ 7 Passagem/ 8 Passagem/ 9 10 11 Piracanga


de Trabalho Marimbondo Marimbondo Marimbondo

12 Reunião do 13 Preparação da 14 Preparação da 15 Preparação da 16 Preparação da 17 Reunião geral de 18 Reunião geral de


MARÇO

Grupo de Trabalho reunião geral reunião geral reunião geral reunião geral Diagnóstico Diagnóstico

19 Reunião do 20 21 22 Banca do Peixe 23 Banca do Peixe 24 Piracanga 25 Piracanga


Grupo de Trabalho

26 Reunião do 27 Porto de Trás 28 Porto de Trás 29 Forte 30 Forte 31 Taboquinhas 1 Taboquinhas


Grupo de Trabalho

2 Reunião do Grupo 3 Itacarezinho 4 Campo seco 5 Passagem/ 6 Passagem/ 7 Planejamento 8 Planejamento


de Trabalho Marimbondo Marimbondo Geral – Objetivos e Geral – Normas de
estratégias de Utilização da Resex
desenvolvimento
9 Reunião do Grupo 10 Redação do 11 Redação do 12 Semana Santa 13 Semana Santa 14 Semana Santa 15 Semana Santa
ABRIL

de Trabalho Plano de Plano de


Desenvolvimento e Desenvolvimento e
das Normas de das Normas de
Utilização Utilização
16 Reunião do 17 18 19 Envio do Plano 20 21 22
Grupo de Trabalho ao CNPT/Ibama
110

Anexo 3: Atividades de DRP


Desenvolvidas em Cada Comunidade
Porto de Trás
Dia 22/1/2001
No primeiro dia do diagnóstico, a comunidade se reuniu sob a barraca armada
pela Associação dos Moradores do Porto de Trás – AMPT. Foram explicados os
objetivos do trabalho, mas enfrentamos um grande problema com o barulho na
rua, que desconcentrava os participantes. Para ganhar a atenção, fizemos uma
dinâmica ("senta-levanta"). Depois, outra dinâmica foi realizada (colocar uma
caneta dentro de uma garrafa, segura somente por uma teia de barbantes ligando
todas as pessoas em uma roda). O grupo falhou várias vezes, mas acabou
completando o desafio na sexta vez, o que deu bastante alegria a todos. Depois,
foi pedido aos moradores que desenhassem um mapa do bairro. Primeiro, foram
distribuídas casinhas de papel, onde cada um deveria colocar seu nome. Em
seguida, os facilitadores pediram que cada um desenhasse as pessoas que moram
com elas nas casas. Depois, solicitaram que os participantes localizassem no mapa
o local de suas casas. Após a colocação das casas no mapa, alguns desenharam
a rede de valas com esgoto a céu aberto e outros problemas. Outros, seguiram
ajudando a localizar as casas de outras pessoas que não estavam ali. No final, os
participantes discutiram os problemas e oportunidades do Bairro.

Dia 23/1/2001
Durante a introdução das atividades do dia aos participantes, a dinâmica "para
quem é a carta?" foi realizada para deixar os participantes mais atentos para a
discussão e, ao mesmo tempo, obter informações sobre a composição do grupo.
Após uma breve revisão do dia anterior, dividiu-se os participantes em dois grupos,
um grupo de mulheres e outro de homens, tendo como objetivo comum a
confecção do mapa do Rio das Contas, envolvendo todos os recursos naturais e
artes de pesca. Professores do Núcleo de Oceanografia da UESC acompanharam o
desenvolvimento do trabalho nos dois grupos.

Dia 24/1/2001
Inicialmente, foi apresentado o Grupo de Trabalho pela Criação da Resex Marinha
de Itacaré, e os membros do grupo discorreram sobre a importância e os passos da
Resex, do grupo, do CNPT e do laudo biológico. Em seguida, os professores da UESC
explicaram a importância da interação do conhecimento científico e local,
resultando num trabalho mais completo.
Na sequência, os participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos, com
a finalidade de aprimorar as discussões sobre os recursos naturais no mapeamento
111

realizado no dia anterior. Cada grupo ficou com um dos mapas feitos no dia
anterior, sendo que as mulheres explicaram o mapa elaborado em seu grupo e os
homens explicaram o mapa elaborado no seu. Finalizou-se o trabalho com a
apresentação das discussões dos dois grupos.
Ao final da reunião, foi explicada a importância do amor e do perdão para que o
trabalho e a cooperação em uma comunidade dêem certo. Um facilitador sugeriu
que os participantes rezassem o "Pai Nosso", por ser uma oração forte. Depois da
oração, uma pessoa presente sugeriu que se rezasse também uma "Ave Maria". Em
seguida, foi promovida uma dinâmica, o "círculo embaralhado", em que os
participantes, após formarem uma roda, soltaram as mãos, caminharam entre si,
pararam em qualquer lugar, e deram-se as mãos no lugar onde estavam para as
mesmas pessoas da roda original. Em seguida, tiveram como tarefa voltar à posição
original em roda.

Dia 25/1/2001
Realizou-se uma breve introdução do Grupo de Trabalho sobre o diagnóstico e
dividiu-se ao acaso os participantes para realizar o diagrama institucional (quem-é-
quem?) e a "pirâmide social". Ao final apresentou-se os trabalhos do dia e escolheu-
se os representantes do bairro na reunião geral.

É importante ressaltar que durante todos os dias no Porto de Trás as crianças tiveram
atividades paralelas coordenadas por voluntários do projeto Comunidades e
Florestas da APA de Itacaré (principalmente Diego e Valéria).

Banca do Peixe
Dia 29/01/2001 - Primeira reunião do diagnóstico
Inicialmente, foi feita a abertura dos trabalhos por Leônidas. Depois os objetivos do
trabalho foram apresentados por Ronaldo, o laudo biológico pela profa. Silvia
(UESC), e o Grupo de Trabalho por Catu.
A primeira atividade desenvolvida foi a dinâmica da "teia ecológica". Com um
barbante, os participantes são ligados uns aos outros, sendo que cada um
representa um componente do sistema ecológico e social. Após todos estarem
ligados, o desafio dos participantes foi colocar uma caneta em uma garrafa,
usando apenas os barbantes para segurá-la. Foi discutido que sem equilíbrio no
sistema, não seria possível cumprir a tarefa. Mostrou-se ainda que uma ação em um
elemento da teia causava alterações em todos os outros.
Em seguida, os participantes passaram à confecção de um mapa dos recursos
naturais, partindo de um mapa anteriormente elaborado pelos pescadores da
Banca. Um dos participantes descreveu o mapa ainda incompleto da área que
possivelmente contemplará os limites da reserva. Os participantes então
completaram o mapa e discutiram a situação dos recursos naturais e as
modalidades de pesca. Durante todo o trabalho, houve uma boa discussão sobre
as possíveis normas da Resex.
112

Dia 30/01/2001 – Segunda reunião de diagnóstico


A reunião foi aberta com uma discussão sobre o que é uma reserva extrativista
marinha. Os participantes contribuíram com idéias. Depois, Catu, do Grupo de
Trabalho, explicou o objetivo do Grupo. Em seguida, iniciamos a revisão e correção
do relatório do dia anterior. Com isto, os participantes completaram as informações
e usaram o mapa para discutir as Normas da Resex, um possível zoneamento, e a
inclusão das áreas da Marinha na Resex.

Dia 1/02/2001 - Terceira Reunião do Diagnóstico


O início do trabalho aconteceu com um breve revisão dos trabalhos já efetuados
pela comunidade. Em seguida, os facilitadores explicaram o Diagrama Institucional
("quem-é-quem?") e as instituições importantes para a comunidade da Banca
foram listadas pelos participantes. A discussão sobre as organizações listadas foi
bastante disputada e acirrou-se ainda mais quando os participantes começaram a
falar na Colônia Z-18. A discussão manteve todos interessados e atraiu uma
quantidade grande de pescadores, todos queriam dar sua opinião, sua
contribuição. Devido à importância dessa avaliação na Colônia Z-18, deixou-se a
finalização do Diagrama Institucional para a próxima reunião.

Dia 6/02/2001 – Quarta Reunião do Diagnóstico (Extra)


A reunião começou com a leitura de um abaixo-assinado que continha denúncias
ao Ibama sobre pesca predatória de compressor, desmatamento nas margens do
Rio de Contas e tráfego de veículos na praia de Itacarezinho. Foi perguntado aos
participantes se eles concordavam com o conteúdo do abaixo-assinado e
recolheram-se as assinaturas.
Logo após, o relatório da reunião anterior foi apresentado por um dos facilitadores,
parando para discutir cada ponto. Essa atividade, gerou muita discussão sobre os
dados já gerados e várias reflexões sobre o papel dos pescadores e da Colônia Z-
18. Devido à excelente participação da comunidade e a pedido deles, marcou-se
a segunda reunião extra, descrita abaixo.

Dia 7/02/2001 – Quinta Reunião do Diagnóstico (Extra)


O início da reunião aconteceu com os informes gerais. Esses informes abordavam os
abaixo-assinados e a fiscalização e atuação do Ibama nesses casos. Em seguida, os
participantes discutiram o papel da Colônia e da comunidade de pescadores. Essa
discussão seguiu a seqüência do relatório do terceiro encontro na Banca.
Após o esgotamento da discussão sobre a Colônia, os participantes retomaram o
diagrama institucional com uma breve revisão, finalizando-o. Ao final, os
facilitadores elogiaram a empolgante participação da comunidade, e enfatizaram
os papéis dos colaboradores e patrocinadores.
113

Comunidade do Forte
Dia 13/2/01 – Primeiro dia de reunião
O trabalho iniciou-se com uma breve apresentação dos facilitadores e do grupo de
trabalho. Em seguida, explicou-se o que é a Resex Marinha, para que ela serve; e os
facilitadores procuraram esclarecer as muitas dúvidas que surgiram. Para ajudar a
responder essas dúvidas, Catu utilizou o exemplo de Arraial do Cabo, onde a
prefeitura não dava apoio à Resex, mas a justiça quase sempre tinha uma postura
favorável. Um facilitador explicou também todo o processo de trabalho que
aconteceria na comunidade. Após esse contato inicial, foi realizada a dinâmica da
teia ecológica e desafio da caneta. O desafio da caneta foi cumprido após cinco
tentativas. Na sequência, os participantes fizeram o mapa dos recursos naturais da
área da Resex.

Dia 14/2/01 – Segundo Dia de Reunião


No segundo dia de reunião, os trabalhos foram iniciados com uma nova
apresentação da equipe de facilitadores, para aqueles que não haviam
participado no dia anterior. Foi feita também uma nova explicação do que é
reserva extrativista. Em seguida, foi explicado aos participantes como o trabalho
estava sendo feito nas comunidades. Então, foi iniciada a revisão do mapa dos
recursos naturais elaborado no dia anterior. Essa revisão deu margem a uma
calorosa discussão sobre se os guinchos deveriam continuar pescando na área ou
não. No fim da reunião, todos participaram da dinâmica do círculo embaralhado.

Dia 15/02/01 – Terceiro Dia de Reunião


A reunião foi iniciada com uma revisão do trabalho feito nas duas reuniões
anteriores, feita pelos facilitadores. Eles também fizeram um histórico do grupo de
trabalho, convidando as pessoas para as reuniões semanais do grupo. Em seguida,
cada participante se apresentou, colocando suas expectativas em relação à Resex
Marinha. Grande parte dos depoimentos expressava o apoio dos pescadores à
Resex. Também apareceram dúvidas, que foram oportunamente esclarecidas pelos
facilitadores.
A partir do mapa produzido pelo grupo, foram discutidas possíveis normas para a
resex e áreas de uso especial no seu interior, como o "Berçário". No final, o grupo
concordou com mais um dia de reunião, pois ainda haviam assuntos para serem
discutidos.

Dia 16/02/01 – Quarto Dia de Reunião


A reunião começou com algumas conversas informais sobre as repercussões que as
outras reuniões haviam causado em algumas pessoas. Os participantes falaram que
todos estão começando a acreditar mais na idéia da Reserva e na possibilidade de
sua criação. Também disseram ter ouvido comentários de Geraldo, dono de
guincho, de que se a reserva proibir a ação dos guinchos, ele venderá os seus e
114

comprará 20 barcos B-18. Isso deu margem a uma discussão sobre a necessidade
de incluir, entre as regras da resex, um limite para o número de barcos de cada
proprietário.
Em seguida, os facilitadores propuseram a construção da pirâmide social, que foi
organizada, por escolha dos participantes, primordialmente com base no poder
econômico e depois pelo poder político de cada elemento.
Os facilitadores explicaram a metodologia para a continuação do trabalho,
enfatizando a necessidade de voluntários para serem representantes da
comunidade nas reuniões gerais. Alguns participantes se ofereceram. Os
facilitadores também reforçaram o convite para as reuniões do grupo de trabalho e
deram informações sobre o andamento, no Ibama, das portarias relativas aos
guinchos e à pesca de mergulho. Além disso, consultaram o grupo sobre a
possibilidade de escrever um artigo sobre os trabalhos para a criação da resex para
ser publicado no próximo jornal da APA. Todos concordaram, pois acreditam que é
importante manter a comunidade informada sobre resultados do diagnóstico feito
até o momento.
Os participantes demonstraram ansiedade em relação ao tempo restante até a
criação da reserva, perguntando se ela ocorrerá ainda esse ano. Os facilitadores
responderam que não podem garantir, pois isso depende da organização da
comunidade e também da agilidade de alguns órgãos, como o Ibama.
Para finalizar a reunião, foi feita a dinâmica dos “números em fila”, buscando uma
valorização da comunicação para que os esforços coletivos obtenham resultado.

Itacarezinho
Dia 3/2/01 – Preparativos para a reunião
Os preparativos para a reunião consistiram no adiantamento do almoço que seria
oferecido e em vários contatos com a comunidade local, feitos de casa em casa e
na praia, após o jogo de futebol dos pescadores. Durante os contatos, algumas
informações já foram levantadas.

Dia 4/2/01 – Reunião nos períodos da manhã e da tarde


Logo cedo, foram feitos contatos individuais, casa a casa, com a comunidade. A
importância da questão da terra no local ficou ainda mais evidente, sendo que um
dos moradores se recusou a ir na reunião se ela ocorresse no lugar marcado. Disse
que não queria ir na casa de um dos proprietários que oprimem a comunidade.
Assim, decidiu-se mudar o local da reunião. A comunidade, após a mudança do
local para o encontro e a emergência da questão da terra durante os contatos
iniciais, apresentou-se muito receptiva ao trabalho. Foi observada uma grande
mobilização para arrumar a área onde iria se elaborar o mapa, tarefa na qual
todos encontraram uma maneira de ajudar. Isso raramente acontece.
Houve inicialmente uma separação entre homens e mulheres no período da
manhã. Isto porque as mulheres, ao chegarem, se juntavam à dona da casa e à
facilitadora, que preparavam o almoço. Durante esse tempo, ambos os grupos
115

tiveram uma introdução do que é e para que serve a Reserva Extrativista Marinha.
Ao final desta introdução, os grupos se uniram e iniciaram a confecção do mapa
fisico da área e de seus recursos naturais. Concomitantemente, fez-se um mapa da
localização dos donos e moradores locais.
Por volta das 12h30 foi servido o almoço. A retomada dos trabalhos à tarde
aconteceu com a dinâmica da "teia ecológica", e da "teia e caneta". Uma coisa
peculiar da comunidade foi a facilidade com que o grupo, na dinâmica "teia e
caneta", colocou uma caneta dentro de um coco, acertando logo na primeira
tentativa. Essa facilidade para superar o desafio da teia e caneta indica um espírito
de cooperação e união no local.
Em seguida, os mapas foram finalizados e apresentados. Houve boa discussão sobre
os recursos, o modo de usá-los, quais as normas importantes para a reabilitação e
conservação dos recursos marinhos, e principalmente sobre a posse das terras. O
encerramento dos trabalhos aconteceu com a dinâmica do "círculo embaralhado".

Campo Seco
Dia 17/2/01
No dia 17/2/01, uma equipe de três facilitadores fez a visita ao Campo Seco. Pela
manhã, foram feitas entrevistas individuais com algumas pessoas que apareceram
no local da reunião e foi feita uma observação da trilha do telégrafo. À tarde, foi
realizada a reunião, que se iniciou com a dinâmica da "teia ecológica" . Em
seguida, os participantes elaboraram um mapa da comunidade. Durante a
discussão sobre o mapa, os facilitadores deram informações sobre resexs,
explicaram a forma como estão sendo feitos os trabalhos para criação da reserva e
convidaram as pessoas a participarem do grupo de trabalho. No final, foi feita a
dinâmica do círculo embaralhado.

Taboquinhas e comunidades rurais vizinhas


Dia 10/2/01 – Primeiro dia de Reunião - Tarde
A reunião foi iniciada com a distribuição de folhetos sobre a Resex. Em seguida,
todos os participantes se apresentaram. Nessa apresentação, foram dados
esclarecimentos sobre as reservas extrativistas, sobre o Grupo de Trabalho e sobre o
papel da UESC na implantação da Resex. Alguns participantes demonstraram um
bom nível de informação sobre o assunto, além de preocupações com o meio
ambiente, colocando-se à disposição para todo tipo de ajuda.
Devido à presença de somente cinco participantes, a oportunidade foi
aproveitada para, junto com eles, fazer uma caminhada de reconhecimento do
Rio de Contas e das artes de pesca. A caminhada iniciou-se pela trilha calçada,
que era usada antigamente como caminho para Ubaitaba. Ao passar pela casa
de um dos pescadores presentes, o grupo discutiu as artes de pesca utilizadas:
manzuá, jereré, tarrafa e espingarda de mergulho. Depois da Prainha, a caminhada
seguiu subindo o Rio de Contas pela margem direita, passando pelos seguintes
116

lugares identificados pelos moradores: Pé da Pancada, “os Canal” (onde há uma


fonte de água usada para beber), Buraco do Inferno, Adrenalina e Fumo. Mais
acima, localiza-se o Sequeiro, que não foi visitado. Durante o percurso, foram
identificados os pesqueiros, métodos de pesca, principais problemas ecológicos e
dificuldades enfrentadas pelos pescadores. Ao entardecer, o grupo retornou pela
estrada de rodagem que liga Ubaitaba a Itacaré, passando pela comunidade de
Rua de Palha.

11/02/01 – Segundo dia de reunião – manhã e tarde


No início da reunião, foram feitas algumas considerações sobre a confusão entre os
grupos e as reuniões acontecidas anteriormente, o que foi constatado como uma
questão recorrente na conversa do dia anterior. A principal questão estava
relacionada a um grupo que esteve recolhendo dinheiro para a confecção dos
documentos (Asperi, através de Prof. Raimundo, Zito e Arnóbio) há mais de quatro
anos e não apareceu mais. Os facilitadores esclareceram a diferença entre a ação
daquele grupo e o trabalho pela implantação da reserva extrativista marinha,
enfatizando que não será necessário dinheiro neste momento, mas apenas a
organização dos pescadores. Dodó também foi lembrado, pois esteve “fazendo
perguntas” por lá (questionários solicitados e a serem sistematizados pelo Ibama),
segundo os participantes, prometendo que traria o resultado de volta para a
comunidade em um mês, o que não aconteceu, pois foi um malentendido. Esses
acontecimentos geraram na comunidade sentimentos de desconfiança,
desconforto e medo de serem frustrados mais uma vez.
Os facilitadores enfatizaram ainda que as regras da reserva serão feitas por todos os
pescadores, sendo todos eles responsáveis pela fiscalização das práticas.
Em seguida, realizou-se a dinâmica da “teia ecológica” e o desafio da caneta,
usando como mote uma fábula envolvendo um rei, sapos, mosquitos e conselheiros,
objetivando mostrar que tudo está interligado; que cada ação, aparentemente
isolada, tem repercussões sobre tudo o que está em volta. Após essa atividade, os
participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos para confecção do
mapa dos recursos naturais e do histórico de alguns elementos ligados a pesca. Ao
finalizarem, os grupos apresentaram seu trabalho para todos os participantes.
Depois, foi feito um intervalo para o almoço coletivo, realizado na pousada onde
estavam hospedados os facilitadores, por volta das 12h30.
O retorno das atividades ocorreu às 14h00, com a dinâmica “números em fila”, em
que são distribuídos números para os participantes de forma que ninguém saiba
qual o número dos outros e pede-se que formem uma fila respeitando a seqüência,
mas sem usar palavras para se comunicar.
Depois, iniciou-se a construção do diagrama institucional (“quem é quem”). Devido
ao baixo nível de informação dos participantes, essa atividade foi muito útil para
esclarecer uma série de questões sobre a profissão e os direitos dos pescadores.
O encontro terminou com a realização de duas dinâmicas: “círculo ao avesso” e
“jogue-se e confie”. No “círculo ao avesso”, as pessoas se colocam em roda, depois
viram de costas e se dão as mãos. O desafio, que foi alcançado, é voltar à posição
117

anterior, sem soltar as mãos. O objetivo é pensar estratégias coletivas para


resolução de problemas. No “jogue-se e confie”, os participantes formam um
círculo bem fechado, sendo que um deles fica ao meio de olhos fechados e pés
fixos no centro. Este participante solta-se para os lados, confiando que os outros não
o deixarão cair. Nessa dinâmica, está presente a questão da confiança no grupo
quando se quer realizar alguma coisa de interesse comum. Falando da necessidade
de uma organização consistente e que essa seria apenas a primeira de uma série
de reuniões necessárias, alguns participantes se ofereceram para representar a
comunidade nas próximas ações.
Cabe ainda ressaltar, que os participantes trouxeram amostras para o laudo
biológico e ainda pediram um livro contendo informações sobre crustáceos,
falando da importância de conhecer para poder respeitar os picos de reprodução.

Comunidades ribeirinhas do Rio de Contas


As particularidades enontradas na localização e organização das comunidades
ribeirinhas tornaram o trabalho de diagnóstico participativo mais difícil de ser feito.
Somando-se a isso o fato de que não conseguimos contato com a maioria das
lideranças locais, não foi possível realizar reuniões com os moradores nesta primeira
fase do diagnóstico. No entanto, já foram marcadas duas reuniões a serem
organizadas por líderes comunitários: uma na comunidade João Rodrigues e outra
na comunidade de Povoação.
Ao invés de reuniões foram realizadas entrevistas com os moradores que estavam
disponíveis no momento. Eles pediram que a data seja combinada com
antecedência. Os entrevistadores garantiram isso, além de esclarecer que a
participação das mulheres será possibilitada pela presença de uma pessoa para
fazer um trabalho com as crianças durante a reunião e pela preparação de um
almoço coletivo.
118

Anexo 4: Amostragens realizadas no


estuário do Rio de Contas
Em 12/11/2000 um grupo de pesquisadores vinculados ao NEO (Núcleo de Estudos
Oceanográficos da UESC) realizou um conjunto de estações hidrográficas ao longo
do eixo principal do sistema estuarino do Rio de Contas, visando caracterizar a
estrutura vertical da coluna d’água naquele sistema. Algumas daquelas estações
são discutidas a seguir. A posição e referência espacial das mesmas estão
relacionadas na TABELA I.
Para facilitar a visualização da variabilidade espacial dos perfis das propriedades
hidrográficas, os valores de profundidade amostral foram normalizados com o
parâmetro profundidade adimensional (Z). Desta forma, Z=-1 representa o valor de
fundo em todas as estações enquanto Z=0 representa o valor de superfície,
independente do valor real da profundidade máxima amostrada, que é
apresentada na tabela abaixo.

Tabela I – Referência e posição das estações hidrográficas efetuadas no Estuário do


Rio de Contas em 12/11/2000.
Estação Posição Referência Prof.
Número Latitude Longitude espacial: Máxima
Amostrada
01 -14 16’ 20.1” -38 59’ 14.1” Boca do sistema,
em frente à Praia 5,4 m
da Concha
04 -14 16’ 27.3” -39 00’ 03.5” Próximo à área de
atracação de 2,9 m
embarcações
06 -14 16’ 33.9” -39 01’ 07.0” Região de
estreitamento do 4,2 m
curso fluvial
10 -14 18’ 28.2” -39 05’ 19.1” Região bastante
interior, próximo ao
“estaleiro do breno”

12,1 m
11 Medidas tomadas
-14 16’ 34.8” -39 00’ 52.8” em ambos os lados
de uma frente de
12 3,1 m
maré vazante.

As Estações 01 e 04, realizadas nas proximidades do domínio marinho, mostraram


índices termo-halinos próximos àqueles encontrados em águas oceânicas, com
pouca mistura vertical, exceto nas camadas muito superficiais. A estação 06
119

entretanto, realizada em uma região de confinamento do curso fluvial, apresenta


estratificação típica de um sistema estuarino, que pode ser visualizado tanto no
campo da temperatura quanto, principalmente, na estrutura halina. Junto ao fundo
os valores de salinidade são superiores a 30 e inferiores a 33, evidenciando alguma
mistura vertical enquanto que os valores superficiais são inferiores a 5.
A Estação 10, realizada em uma região bastante interior no sistema, apresenta uma
estrutura halina bastante homogênea, com um gradiente inferior a 0.03 ao longo da
coluna d’água. A estrutura térmica observada, também é bastante homogênea,
com gradiente inferior a 0,15 ao longo da coluna d’água. Esse pequeno gradiente
pode ser interpretado como resultante do aquecimento diferencial da coluna
d’água ao longo do dia.
As Estações 11 e 12 foram realizadas a montante e a jusante de uma frente de maré
vazante. Observa-se na estação 11 uma estrutura menos definida para os campos
térmicos e halinos, possivelmente resultante de processos dinâmicos mais intensos
naquela região da frente. No “lado marinho” da frente (Estação 12) é bastante
intensa a estratificação no campo halino.
Deve-se considerar que os resultados obtidos são preliminares e refletem uma
situação pontual em termos temporais.
120

Anexo 5: Lista de organismos do


zooplâncton encontrados em Abrolhos,
típicos da Corrente do Brasil,
possivelmente comuns na plataforma
continental de Itacaré.
Holoplâncton Labidocera acutifrons(ª)
Copepoda Pontellopsis brevis(*)
Nannocalanus minor(ª) Centropages velificatus(*)
Undinula vulgaris(ª) Acartia danae(ª)
Acrocalanus longicornis(ª) Oithona nana(*)
Paracalanus aculeatus(ª) O. plumifera(*)
P. indicus(*) O. setigera(ª)
P. parvus(ª) Oncaea curta(+)
P. quasimodo (*) O. media(*)
Paracalanus sp A O. venusta(*)
Clausocalanus furcatus(*) Corycaeus amazonicus(+)
C. mastigophorus(ª) C. giesbrechti(*)
C. paululus(ª) C. speciosus(ª)
Ctenocalanus sp A (juv.) Farranula gracilis(ª)
Calocalanus pavo(ª) Copilia miriabilis(ª)
C. contractus(ª) Sapphirina ovatolanceolata
Mecynocera clausi(ª) Poecilostomatoida sp A
Eucalanus pileatus (*) Microsetella sp A
Euchaeta marina(ª) Macrosetella gracilis(ª)
Temora stylifera(*) Euterpina acutifrons(+)
Scolecithrix danae(ª) Clytemnestra rostrata(ª)
Candacia bipinnata(ª) Harpacticoida sp A,B and C
Pleuromamma abdominalis(ª) Monstrilloida sp A
Calanopia americana(*) Outros taxa:
121

Acantharia S. hispida(*)
Foraminifera S. minima(*)
Siphonophora S. serratodentata(*)
Bassia bassensis(ª) Appendicularia
Muggiea kochi(+) Oikopleura dioica(*)
Diphes bojani(*) O. longicauda(*)
Agalma elegans(ª) O. rufescens(*)
Hydromedusae (n. id.) Fritillaria spp(*)
Acoela Thaliacea
Nematoda Thalia democratica(*)
Pteropoda Doliolum nationalis(*)
Creseis acicula(*) Meroplâncton (larvas)
Limacina spp(*) Polychaeta
Decapoda Bivalvia
Lucifer faxoni(*) Gastropoda
Amphipoda Cirripedia
Isopoda (Epicaridea) Decapoda
Ostracoda Bryozoa
Conchoecia spA(*) Echinodermata
Cladocera Fish eggs and larvae
Evadne tergestina(*) (ª) espécies da Corrente do Brasil (AT)
(*) espécies encontradas tanto na AT
Cumacea
como em águas costeiras
Chaetognatha
(+) espécies costeiras
Sagitta enflata(*)
S. friderici(*)
122

Anexo 6: Resultados das amostragens de


plâncton no estuário do Rio de Contas
Um total de 39 taxa fitoplanctônicos foram observados. A estação 1 apresentou
uma comunidade com baixa diversidade de espécies (9 spp), dominada por
espécies com afinidade por água doce (salinidade ~0). Nas estações 2 e 3, foram
observadas tanto espécies de águas salobras como marinhas, e o número de
espécies variou entre 13 e 18. A associação de espécies observada na estação 4 é
característica de ambientes costeiros marinhos tropicais, com diversidade
relativamente mais elevada. A maior parte das espécies identificadas pertence ao
grupo das diatomáceas; somente duas espécies de dinoflagelados foram
observadas. As cianobactérias filamentosas foram dominantes nas amostras de
baixa salinidade. A tabela A apresenta a lista de espécies do fitoplâncton
observadas na amostragem preliminar realizada em janeiro de 2001, no estuário do
Rio de Contas. A presença (x) ou ausência (-) dos taxa nas diferentes estações de
coleta estão indicadas, assim como a localização das estações e a salinidade
observada em cada um dos pontos amostrados.
Tabela A: Listagem de taxa do fitoplâncton e respectivas ocorrências por estação
de amostragem no Rio de Contas. Amostragem realizada em 29 de janeiro de 2001.
Localização das estações 14º16'44" S 14º16'21" S 14º16'19" S 14º16'25" S

39º01'57" W 39º00'50" W 39º00'21" W 38º59'45" W


Salinidade 0 5 13 28
Taxa Estação 1 Estação 2 Estação 3 Estação 4
Actinoptychus cf. Splendens - x - -
Amphrora hyalina - x - -
Asterionellopsis glacialis - x x x
Aulacoseira granulata var. x x - -
Angustissima
Bacillaria paxillifera - - - x
Bleakeleya notata (= Asterionella - - - x
Bleakeleyi var. notata)
Biddulphia rhombus - - - x
Ceratium trichoceros - - - x
Coscinodiscus centralis - x - x
Cosmarium amoenum var. constrictum x x x -
Guinardia flaccida - - x
Guinardia striata (= Rhizosolenia - x x x
Stolterfothii)
Gyrosigma balticum - x - -
Hemiaulus membranaceus - - - x
123

Hidrosera triquetra - - - x
Leptocylindrus danicus - - - x
Lithodesmium undulatum - - - x
Meuniera membranacea (= Stauroneis - - - x
membranacea)
Microcystis aeruginosus x x - -
Nitzschia spp - - x x
Odontella mobiliensis - x - x
Oscillatoria cf agardii x x x -
Oscillatoria sp1 x x x -
Oscillatoria sp2 x x - -
Pleurosigma angulatum - - - x
Pleurosira laevis (= Biddulphia laevis) x x x x
Proboscia alata - - - x
Protoperidinium conicum - - x -
Rhizosolenia setigera - - x x
Rhizosolenia styliformis - x x x
Surirella striatula - x - -
Surirella cf. tenera - - x -
Synedra ulna - - x -
Thalassionema nitzschioides - - - x
Thalassiosira eccentrica - - x x
Triceratium alternans - - - x
Trigonium formosum - - - x
Espécie não identificada 1 x x - -
Espécie não identificada 2 x x - -
Total de taxa identificados 9 18 13 24

A estrutura das associações de espécies do zooplâncton do estuário do Rio de


Contas altera-se de acordo com o gradiente de salinidade (Tabela A), de forma
similar ao observado para o fitoplâncton. Nas estações localizadas na parte superior
do estuário, próximo ou acima do tributário Rio do Engenho (estações 1 e 2),
predomina uma espécie de copépode típica de ambientes oligohalinos, o
calanóide Pseudodiaptomus richardi, acompanhada de cladóceros de água doce
(Ceriodaphnia, Diaphanosoma, entre outros), tecamebas (Arcella, Difflugia) e
alguns organismos meroplanctônicos. A presença de espécies de água doce
mostra que influência fluvial é significativa neste setor do estuário. A jusante, nas
áreas onde a penetração da onda de maré é mais intensa (estações 3 e 4),
ocorrem espécies marinhas e estuarinas com variados graus de adaptação à
salinidade. Foram observadas espécies de plataforma com afinidade à AT (por
exemplo, Oithona plumifera, Oncaea media, Temora stylifera, etc), assim como
espécies encontradas comumente em águas costeiras do Atlântico Sudoeste
tropical, como o copépode Paracalanus quasimodo, a apendiculária Oikopleura
124

dioica e o cladócero Evadne tergestina. A presença do cladócero de água doce,


Daphnia gessneri, associado a formas marinhas (estação 3, novembro), foi uma
observação interessante e sugere que processos de mistura turbulenta devem ter
um papel importante na dispersão dos organismos planctônicos do estuário do Rio
de Contas.
Foi possível detectar uma expressiva variabilidade sazonal entre as coletas de
novembro e janeiro. A amostragem de janeiro foi realizada logo após um período
chuvoso, como se pode depreender dos valores de salinidade registrados,
comparativamente muito mais baixos do que em novembro de 2000 (vide tabela B
a seguir). A riqueza de espécies foi menor em janeiro do que em novembro, pois a
fauna associada aos ambientes de água doce ou oligohalinos é menos
diversificada e sua maior influência no estuário evidentemente provoca uma
redução geral no número de espécies. Essa situação deve se repetir em outros
períodos sazonais, associada a pulsos de precipitação. Deve-se ainda considerar
que o Rio de Contas é represado no município de Jequié, para a geração de
energia elétrica, e o manejo daquele reservatório têm contribuído para alterar as
características ambientais de todo o trecho a jusante da barragem, incluindo o
estuário e a região da foz. Assim, aportes adicionais de água doce, não
necessariamente associados às chuvas, podem ocorrer neste estuário, devido à
abertura de comportas do reservatório situado a montante. Essas variáveis devem
ser consideradas e estudadas em maior detalhe em trabalhos posteriores. A única
estação onde o número de taxa foi similar nos dois meses de amostragem foi a mais
externa, o que se explica pela maior influência da água costeira neste local,
carreando espécies marinhas para o interior do estuário.

Tabela B: Listagem de taxa do zooplâncton e respectivas ocorrências por estação


de amostragem no Rio de Contas. Amostragens realizada em 12 de novembro de
2000 e 29 de janeiro de 2001.
Localização das estações 14º16'44" S 14º16'21" S 14º16'19" S 14º16'25" S

39º01'57" W 39º00'50" W 39º00'21" W 38º59'45" W


Salinidade (novembro de 2000) 0.2 22 35 37
Salinidade (janeiro de 2001) 0 5 13 28
Taxa Estação 1 Estação 2 Estação 3 Estação 4
Copepoda:
Acartia lilljeborgi -/- x/- x/- -/-
Corycaeus sp. -/- -/- x/- -/-
Cyclopoida bêntico sp. 1 -/- x/- x/- -/-
Ergasilidae -/- -/- x/- -/-
Eucalanus pileatus -/- -/- -/- x/-
Euterpina acutifrons -/- -/- -/- x/x
Halicyclops sp. -/- x/- -/- -/x
Harpacticoida bêntico sp. 1 x/- -/- -/- -/-
Harpacticoida bêntico sp. 2 -/- -/- x/x x/x
125

Harpacticoida bêntico sp. 3 -/- -/- x/x -/x


Harpacticoida bêntico sp. 4 -/- -/- -/- -/x
Harpacticoida bêntico sp. 5 x/- x/- -/- -/-
Hemicyclops thalassius -/- -/- -/- x/-
Oithona hebes -/- x/- x/- x/x
Oithona nana -/- -/- x/- -/-
Oithona oswaldocruzi -/- -/- -/- x/x
Oithona plumifera -/- -/- -/- -/x
Oithona simplex -/- -/- -/- x/x
Oncaea media -/- x/- -/- -/-
Oncaea venusta -/- -/- x/- -/-
Paracalanus quasimodo -/- -/- x/x x/x
Parvocalanus crassirostris -/- x/- x/x x/x
Pseudodiaptomus acutus -/- -/- -/- x/-
Pseudodiaptomus richardi x/x x/x x/x x/x
Temora stylifera -/- -/- -/- x/-
Temora turbinata -/- -/- x/- x/-
Cladocera:
Ceriodaphnia sp. x/x -/- -/- -/-
Daphnia gessneri -/- -/- x/- -/-
Diaphanosoma sp. -/- -/x -/- -/-
Evadne tergestina -/- -/- x/- -/-
Macrothricidae x/- -/- -/- -/-
Amphipoda x/- -/- -/- -/-
Cumacea x/- -/- -/- -/-
Ostracoda -/- -/- x/- -/x
Chironomidae x/- x/x -/- -/-
Hydracarina x/- x/- -/- -/x
Nematoda -/- -/- -/x -/-
Foraminifera -/- -/- -/- -/x
Rhizopoda:
Arcella spp. -/x -/- x/- -/x
Difflugia spp. -/- -/- -/- -/x
Hydromedusae -/- -/- x/- x/-
Appendicularia:
Oikopleura dioica -/- -/- x/- x/x
Oikopleura fusiformis -/- -/- x/- x/-
Oikopleura longicauda -/- -/- -/- x/x
Chaetognatha:
Sagitta friderici -/- -/- -/- -/x
Polychaeta (larva trocófora) x/- x/- -/- x/x
Bivalvia (larva véliger) -/x x/- -/- x/x
126

Gastropoda (larva véliger) x/x x/x -/x -/x


Brachyura (larva zoea) x/x x/x -/- x/-
Decapoda, Sergestoidea:
Lucifer faxoni (protozoea) -/- -/- -/x -/-
Cirripedia (larva cypris) -/- -/- -/- -/-
Cirripedia (larva náuplio) -/- -/- x/x x/-
Bryozoa (larva cifonauta) -/- -/- x/x -/-
Echinodermata (larva pluteus) -/- -/- -/- -/-
Ovos de peixes -/- -/- x/- x/-
Larvas de peixes -/- -/x -/- x/-
Total de taxa identificados 12 / 6 14 / 6 23 / 10 23 / 23
127

Anexo 7: Lista de espécies fitobênticas


identificadas em Itacaré
Costões rochosos da Bryothamnium seaforthii DIVISÃO CHLOROPHYTA
Praia da Concha e Praia Centroceras clavulatum Anadyomene stelatta
de São José
Ceraminium brasiliense Caulerpa fastigiata
DIVISÃO CHLOROPHYTA
Coralinna oficinnales Codium taylorii
Anadyomene stelatta
Galaxaura obtusata Halimeda discoidea
Caulerpa cupressoides
Gelidiella acerosa Ulva lactuca
Caulerpa fastigiata
Gracilaria caudata DIVISÃO PHAEOPHYTA
Caulerpa mexicana
Gracilaria cervicornis Dictyopteris delicatula
Chaetomorpha
Gracilaria domingensis Dictyota mertensii
anteninna
Gracilaria lacinulata Padina gymnospora
Cladophora sp.
Gracilaria sp. Lobophora variegata
Cladophora vagabunda
Gracilariopsis tenuifrons Sargassum vulgare var.
Codium intertextum
Haliptilon sublatum vulgare
Codium taylorii
Hypnea musciformis Colpomenia sinuosa
Enteromorpha flexuosa
Jania sp. DIVISÃO RHODOPHYTA
Enteromorpha lingulata
Laurencia papilosa Amphiroa sp.
Halimeda discoidea
Porphyra acanthophora Botryocladia pyriformis
Ulva fasciata
var. acanthophora Bryothamnium seaforthii
Ulva lactuca
Pterocladiella Centroceras clavulatum
DIVISÃO PHAEOPHYTA capillaceae Ceraminium brasiliense
Bachelotia antillarum Manguezais de Piracanga Coralinna oficinnales
Chnoospora minima e próximo ao bairro do
Cryptonemia seminervis
Dictyopteris delicatula Porto de Trás (Rio de
Contas) Galaxaura obtusata
Dictyota cervicornes
DIVISÃO CHLOROPHYTA Gelidiella acerosa
Dictyota mertensii
Chaetomorpha gracilis Gracilaria sp.
Padina boergesenii
Gayralia oxysperma Haliptilon sublatum
Padina gymnospora
Rhyzoclonium riparium Hypnea musciformis
Padina tetrastomatica
Rhyzoclonium sp. Jania sp.
Sargassum cymosum var.
DIVISÃO RHODOPHYTA A identificação destes
nanum
gêneros e espécies foi
Sargassum cymosum var. Bosthychia binderi
realizada utilizando-se
cymosum Bosthychia calliptera chaves de identificação
Sargassum vulgare var. Bosthychia radicans (Joly, 1954; Joly, 1965; Nunes,
vulgare forma moniliforme 1999, Taylor, 1960, King &
Spatoglossum schroederi Bosthychia radicans Puttock, 1989; Fortes, 1992) e
forma radicans revisão taxonômica de
DIVISÃO RHODOPHYTA
acordo com Wynne (1998).
Acanthophora spicifera Caloglossa leprieuri
Amphiroa sp. Recife de Coral (Jardim
dos Corais, Itacaré)
128

Anexo 8: Fotos e lista das espécies de


peixes coletadas em Itacaré
A tabela a seguir apresenta nomes científicos e populares das espécies de peixe
coletadas em Itacaré. As fotos indicadas podem ser encontradas logo após a
tabela.
Nome científico Nome popular foto Família
Achirus sp. Linguado 14 Achiridae
Bagre marinus Bagre Ariidae
Bairdiella ronchus Mirucaia 06 Sciaenidae
Batigobius soporatus Gobiidae
Caranx hippos Coróque 12 Carangidae
Caranx latus Coróque 12 Carangidae
Caranx sp. Xaréu 19 Carangidae
Centropomus parallelus Robalo 09 Centropomidae
Centropomus undecimalis Robalo-cramurim 10 Centropomidae
Cetengraulis edentulus Zóio-de-migué 03 Clupeidae
Chaetodipterus faber Enxada Ephippidae
Chloroscombrus chrysurus Carangidae
Conodon nobilis Haemulidae
Coryphaena hippurus Dourado 22 Coryphaenidae
Ctenosciaena gracilicirrhus Sciaenidae
Cynoscion spp. Pescada 21 Sciaenidae
Epinephelus sp. Mero Serranidae
Eucinostomus argenteus Carapicu 07 Gerreidae
Eucinostomus melanopterus Carapicu 08 Gerreidae
Euthynnus alleteratus Bonito 30 Scombridae
Gymnothorax sp. Moréia Muraenidae
Harengula sp. Sardinha-cascuda Clupeidae
Lagocephalus laevigatus Baiacu Tetraodontidae
Larimus breviceps Boca-torta Sciaenidae
Lile piquitinga 15 Clupeidae
Lutjanus jocu Carapitanga 04 Lutjanidae
Lutjanus spp. Cioba, dentão 25, 26 Lutjanidae
Lutjanus synagris Oriocó 29 Lutjanidae
Lycengraulis grossidens Sardinha-gulosa Clupeidae
Netuma barba Bagre Ariidae
Oligoplites sp. Guaibira, moça-nua 24 Carangidae
Ophioscion punctatissimus Sciaenidae
Opisthonema oglinum Sardinha-massambê 02 Clupeidae
129

Paralonchurus brasiliensis Maria-luisa, boca-de-rato Sciaenidae


Paranthias furcifer (?) Olho-mole 18, 29
Pellona harroweri Clupeidae
Polydactylus virginicus Barbudo 01 Polynemidae
Pomadasys croco Cutupá 05 Haemulidae
Prionotus punctatus Cabrinha Triglidae
Rhyzoprionodon sp. Cação branco Carcharhinidae
Rhomboplites aurorubens Vermelho Lutjanidae
Scomberomorus brasiliensis Cavalinha, sororoca 27 Scombridae
Scomberomorus cavalla Cavala 28 Scombridae
Selar crumenophthalmus Xixarro 18 Carangidae
Selene setapinnis Peixe-galo Carangidae
Selene vomer Peixe-galo-de-penacho 11 Carangidae
Seriola spp. Olho-de-boi 23 Carangidae
Sphoeroides testudineus Baiacu 13 Tetraodontidae
Sphyraena guachancho Bicuda 16 Sphyraenidae
Stellifer spp. Sciaenidae
Thunnus atlanticus Albacora 29 Scombridae
Trachinotus sp. 17 Carangidae
Trichiurus lepturus Espada Trichiuridae
Trinectes sp. Linguado Achiridae

A identificação dos peixes, baseada em fotos (ver a seguir) e nos espécimes


coletados, foi feita pelo Prof. Paulo Roberto Duarte Lopes, da Universidade
Estadual de Feira de Santana (UEFS), que tem ampla experiência nos peixes da
região, e por Gecely R. A. Rocha, oceanógrafa da UESC, que também utilizou
chaves de identificação em campo, para os peixes maiores. A lista e as fotos
das espécies de peixes coletadas e identificadas pela equipe da UESC inclui
tanto espécies marinhas como estuarinas.
130

Fotos das espécies de peixes coletadas e identificadas

(1) Polydactylus virginicus (4) Lutjanus jocu (carapitanga)


(barbudo)

(2) Opisthonema oglinum (sardinha (5) Pomadasys croco cutupá


massambê)

(3) Cetengraulis edentulis (zóio-de- (6) Bairdiella ronchus mirucaia


migué)
131

(7) Eucinostomus argenteus (10) Centropomus undecimalis


(carapicu) (robalo-cremuri)

(8) Eucinostomus melanopterus (11) Selene vomer (peixe-galo-de-


(carapicu) penacho)

(9) Centropomus parallelus (robalo) (12) Caranx sp. (coróque)


132

(13) Sphoeroides testudineus (16) Sphyraena guachancho


(baiacu) (bicuda)

(14) Achirus sp (linguado) (17) Trachinotus sp.

(15) Lile piquitinga (18) Selar crumenophthalmus


(xixarro)
Paranthias furciper (olho-mole)
133

(19) Caranx sp. (xaréu) (22) Coryphaena hippurus


(dourado)

(20) Família Ariidae (bagre) (23) Seriola sp. (olho-de-boi)

(21) Cynoscion sp. (pescada) (24) Oligoplites sp. (guaibira)


134

(25) Lutjanus sp. (dentão) (28) Scomberomorus cavalla


(cavala)

(26) Lutjanus sp. (cioba) (29) Thunnus atlanticus (albacora)


Lutjanus synagris (oriocó)
Paranthias furciper (olho-mole)

(27) Scomberomorus brasiliensis (30) Euthynnus alleteratus (bonito)


(sororoca)
135

Anexo 9: Espécies do Rio de Contas


citadas pela comunidade do Porto de Trás.
causa da água mais doce
Peixes: Mussum (peixe)
proveniente das chuvas)
Arraia (não muito comum Mucutuca (peixe, que se
Mapé (parece sururu), em
no rio) enterra na areia, se pega
Ilhéus conhecem como
na maré baixa e se come)
Bagre muapem (segundo Renato)
Caramuru (peixe)
Baiacu Tamaru (usado de isca)
Peixes exclusivos de água
Barbudo Buzano (animal que come
doce:
madeira)
Bicudo
Traíra
Cobras:
Caçari (tipo de bagre,
Tucunaré
apelidado de marioá) Jibóia
Tilápia
Cangauá (curimã) Sucuiuba
Piranha (acham que esta é
Caranha Serra véia
responsável pelas caudas
Carapeba roída dos robalos) Jararacuçu
Carapicu Equinodermos: Papa pinto
Carapitanga (com pintas) Ouriços (na praia da Aves
Concha)
Caratinga Sabacu
Crustáceos:
Cavalo-marinho Piriquito
Caranguejo-do-mangue
Corroque (vira cabeçudo, Ganso
(pega-se mais na maré
que vira xaréu) "morta" = quadratura) Sanhaço
Dentão (parecido com Siri-do-mangue (azul – Garça
carapitanga, vive pega-se mais na maré
entocado, quando crescido "morta" = quadratura), Pilação
vai para o mar)
Siri-de-ponta pato dágua
Mirucaia
Sirinema (perna + preta, Espanta boiada
Pegador carapaça amarelada, Socó
Peixe elétrico (não utilizado localiza-se mais rio acima)
Mamíferos:
na alimentação) Aratu (ocorre ano todo)
Sagui
Pescada escamuda Guaiamum (apicum)
Boto
Pescada goiva (barracuda) Moluscos:
Guaxinim (come guaiamuns e
Robalo barriga mole Lambreta (tem mais no caranguejos)
Robalo branco (peba) verão)
Guará (come guaiamuns e
("esticadinho") Sururu (fica mais "em cima" caranguejos)
Robalo cambriaçu no manguezal, não vive
muito abaixo da linha Raposa (come guaiamuns e
Robalo côco d'água) caranguejos)
Robalo facaio Ostras (são insuficientes Mico
Moreia de mangue para extração econômica,
diminuindo no inverno, por
Tainha
136

Anexo 10: Lista parcial das espécies de


zoobentos coletadas dentro da área proposta
para a RESEX – Itacaré (nomenclatura e
classificação segundo Brusca & Brusca,
1996)
PORIFERA Farfantapenaeus cf. Pachygrapsus gracilis
Porifera não identificado a notialis (Saussure, 1858)
Porifera não identificado b Farfantapenaeus cf. Pachygrapsus tranversus
subtilis (Gibbes, 1850)
Porifera não identificado c
Farfantepenaeus cf. Sub-família Sesarminae
CNIDARIA
brasiliensis Aratus pisonii (H. Milne.
Renilla reniformis
Litopenaeus schmitti Edwards, 1837)
Muriceopsis sulphurea Burkenroad, 1936 Metasesarma rubripes
(Donovan, 1825)
Família Alpheidae (Rathbun, 1897)
Plexaurella grandiflora
Synalpheus sp. Sesarma rectum Randall,
Verril, 1912
Família Palinuridae 1840
Phyllogorgia dilatata
Panulirus argus (Latreille, Família Portunidae
(Esper, 1806)
1804) Sub-família Portuninae
Palythoa caribeorum
(Duchassaing & Michelotti, Família Diogenidae Arenaeus cribarius
1860) Clibanarius vittatus (Bosc, (Lamarck, 1818)
Zoanthus socialis (Ellis, 1802) Callinectes bocourti A.
1767) Família Geocarcinidae Milne Edwards, 1879
Siderastrea stellata Verril, Cardissoma guanhumi Callinectes danae Smith,
1868 Latreille, 1825 1869
Meandrina braziliensis Família Calappidae Callinectes exasperatus
(Milne-Edwards & Haime, (Gerstaecker, 1856)
Sub-família Matutinae
1849) Família Ocypodidae
Hepatus pudibundus
CRUSTACEA (Herbst, 1785) Sub-família Ocypodinae
Cirripedia Família Xanthidae Ocypode quadrata
Euraphia rhizophorae (Fabricius, 1787)
Panopeus lacustris
(Oliveira, 1940) Desbonne, 1867 Ucides cordatus (Linnaeus,
Chthamalus bisinuatus 1763)
Xanthidae não
Pilsbry, 1916 identificado Uca leptodactyla
Família Penaidae Rathbun, 1898
Família Grapsidae
Sub-família Penaeinae Uca thayeri Rathbun, 1900
Sub-família Grapsinae
Xiphopenaeus kroyeri MOLLUSCA
Goniopsis cruentata
(Chace & Hobbs, 1969) (Latreille, 1803) Gastropoda
137
Família Littorinidae Sub-família Família Tellinidae
Sub-família Littorininae Trachycardiinae Sub-família Macominae
Littorina flava King & Papyridea semisulcata Macoma constricta
Broderip, 1832 (Gray, 1825) (Bruguière, 1792)
Neritina virginea Família Mytillidae Macoma tenta
(Linnaeus, 1758) Brachidontes solisianus Sub-família Tellininae
Vasum cassiforme (Kiener, (Orbigny, 1846)
Tellina radiata Linnaeus,
1841) Mytella charruana 1758
Distorsio clathrata (Orbigny, 1842)
Tellina lineata Turton, 1819
(Lamarck, 1816) Mytella guyanensis
Tellina listeri Röding, 1798
Strombus pugilis Linnaeus, (Lamarck, 1819)
Strigilla carnaria (Linnaeus,
1758 Família Veneridae
1758)
Polystira cf. florencae Sub-família Chioninae
Família Psammobiidae
Bartsch, 1934 Anomalocardia brasiliana
Sanguinolaria cruenta
Família Cassidae (Gmelin, 1791)
(lightfoot, 1786)
Sub-família Phaliinae Chione cancellata
Família Solecurtidae
Phalium granulatum (Born, Linnaeus, 1767
Tagelus divisus (Splenger,
1778) Sub-família Cyclininae
1794)
Bivalvia Cyclinella tenuis (Récluz,
Tagelus plebeius (Lightfoot,
Família Arcidae 1852)
1786)
Sub-família Arcinae Sub-família Pitarinae
Família Ostreidae
Arca imbricata Bruguière, Pitar fulminatus (Menke,
Sub-família Ostreinae
1789 1828)
Ostrea equestris Say, 1834
Barbatia candida Sub-família Meretricinae
Crassostrea rhizophorae
(Helbling, 1779) Tivela mactroides (Born,
(Guilding, 1828)
Sub-família Anadarinae 1778)
Família Teredinidae
Anadara brasiliana Família Lucinidae
Sub-família Teredininae
(Lamarck, 1819) Sub-família Divaricellinae
Cephalopoda
Anadara chemnitzi Divaricella quadrisulcata
(Philippi, 1851) (Orbigny, 1842) Família Loliginidae
Família Noetiidae Sub-família Lucininae Lolliguncula brevis
(Blainville, 1823)
Sub-família Striarcinae Lucina pectinata (Gmelin,
1791) Família Octopodidae
Arcopsis adamsi (Dall,
1886) Família Donacidae Sub-família octopodinae
Família Cardiidae Donax striatus Linnaeus, Octopus vulgaris Cuvier,
1767 1797
Sub-família Mactrinae
Mactrellona alata Iphigenia brasiliana
(Splenger, 1802) (Lamarck, 1818)
138

Tabela com a ocorrência das espécies bênticas por localidade amostrada.


Porto de Asperi Piracang Costão Recife de Manguezal Praia Plataforma
Trás a São José Coral adjacente

Porifera não identificado a X X


Porifera não identificado b X X X
Porifera não identificado c X X
Renilla reniformis X X X
Muriceopsis sulphurea X
Plexaurella grandiflora X
Phyllogorgia dilatata X
Palythoa cariboerum X
Zoanthus socialis X
Siderastrea stellata X
Meandrina braziliensis X
Chthamalus bisinuatus X X
Euraphia rhizophorae X
Chthamalus bisinuatus X
Xiphopenaeus kroyeri X
Farfantapenaeus cf. X
notialis
F. cf. subtilis X
F. cf. brasiliensis X
Litopenaeus schmitti X
Synalpheus sp. X
Panulirus argus X
Clibanarius vittatus X
Cardisoma guanhumi X
Hepatus pudibundus X
Panopeus lacustris X
Xanthidae não X
identificado
Goniopsis cruentata X
Pachygrapsus gracilis X
Pachygrapsus tranversus X
Aratus pisonii X X
Metasesarma rubripes X
Sesarma rectum X
Arenaeus cribarius X
Callinectes bocourti X X
Callinectes danae X
Callinectes exasperatus X
Ocypode quadrata X
Ucides cordatus X
Uca leptodactyla X
Uca thayeri X
Littorina flava X
Neritina virginea X X
Phalium granulatum X
Vasum cassiforme X* X X
139

Porto de Asperi Piracang Costão Recife de Manguezal Praia Plataforma


Trás a São José Coral adjacente
Distorsio clathrata X* X
Strombus pugilis X* X
Polystira cf. florencae X* X
Arca imbricata X
Barbatia candida X
Anadara brasiliana X
Anadara chemnitzi X
Arcopsis adamsi X
Mactrellona alata X
Papyridea semisulcata X
Brachidontes solisianus X
Mytella charruana X
Mytella guyanensis X
Anomalocardia brasiliana X
Chione cancellata X
Cyclinella tenuis X
Pitar fulminatus X
Tivela mactroides X
Divaricella quadrisulcata X
Lucina pectinata X X
Donax striatus X
Iphigenia brasiliana X
Macoma constricta X
Macoma tenta X
Tellina radiata X
Tellina lineata X
Tellina listeri X
Strigilla carnaria X
Sanguinolaria cruenta X
Tagelus divisus X
Tagelus plebeius X X
Ostrea equestris X
Crassostrea rhizophorae X
Teridinidae não X
identificado
Octopus vulgaris X
Lolliguncula brevis X

* Gastrópodes registrados a partir de valvas ocupadas por caranguejos ermitões


140

Anexo 11: Nomes comuns de espécies da


fauna conhecidas no ecossistema do Rio de
Contas próximo a Taboquinhas.
 Curuca (cor de pele a  Tambaqui  Papa pinto
preto, vive junto às  Cação  Serra véia
pedras, diminuindo de
 Carpa  Coral
quantidade nos
períodos de seca do rio)  Agulha  Cobra cipó
 Pitu (vermelho, vive junto  Sardinha  Mico
às pedras, pedregulhos)  Pacu  Sapo
 Acari  Curumatã  Casorte (sapo)
 Calambau (branco, vive  Paravivi  Gia (sapo)
nas margens, junto à  Cangurupi  Calango
vegetação)
 Dentão  Rato
 Piranha
 Bobó  Teiú
 Sirinema
 Maria velha (peixe)  Cateto (porco do mato)
 Siri de ponta
 Garça  Cotia
 Siri cearense (preto/azul;
o mais valente)  Martim pescador  Sarigue (parece com
 Flamingo gambá)
 Camarão vg
 Maria velha (ave)  Raposa
 Camarão sete barbas
 Canário  Ouriço cacheiro
 Camarão rosa
 Andorinha  Corsa (caça- comem)
 Camarão rosinha
 Manció  Tamanduá
 Camarão pistola
 Taperoá  Preguiça
 Robalo (sobe o rio para
desovar)  Frango d’água  Cóqui (macaco)
 Carapeba  Cangandá  Jupará

 Tainha (sobe em  Socó  Tatu


épocas)  Pato d’água  Barbado (macaco)
 Cambriaçu  Lavadeira  Coelho
 Piau (sai do fundo e vem  Bem-te-vi  Preá
para o seco)  Cobra da água
 Papa capim
 Carapitu  Escorpião
 Sabiá
 Traira  Caranguejeira
 Paca
 Jundiá  Morcego
 Lontra
 Moréia
 Capivara
 Lampréia
 Cágado terrestre
 Beré
 Cágado água
 Piaba
 Sucuruba
 Bicudo
 Jacaré
 Tilápia
 Jibóia
 Tucunaré
 Pico de jaca
 Boca torta
 Jaracussu
 Bagre
141

Anexo 12: Dados biológicos adicionais


sobre crustáceos decápodos da região de
Taboquinhas, Itacaré
Distribuição Geográfica
M. carcinus, segundo Ramos-Porto e Coelho (1990), ocorre nos E.U.A., nos estados da Flórida
e do Texas, Antilhas, México, Guatemala, Nicarágua, Panamá, Colômbia, Venezuela,
Guianas e Brasil, até o Rio Grande do Sul (de acordo com Bond-Buckup e Buckup, 1999).
M. acanthurus distribui-se no leste dos Estados Unidos, Flórida, Texas, México, Antilhas,
Nicarágua, Panamá, Venezuela, Suriname e Brasil, até o Rio Grande do Sul (Ramos-Porto e
Coelho, 1990). Segundo Valenti (1985), a espécie é bastante comum nos rios brasileiros que
se comunicam com o Oceano Atlântico.
A. scabra distribui-se nas Índias Ocidentais, desde Cuba até Trinidad e Tobago, e do México
ao Brasil (até o Rio Grande do Sul), Libéria ao norte de Angola e em ilhas pertencentes ao
continente africano (Atlântico Oriental) (Bond-Buckup e Buckup, 1999).
C. sapidus, de acordo com Melo (1996), distribui-se no Atlântico Ocidental, em toda costa
leste dos E.U.A., até a Flórida, Golfo do México, Antilhas, América Central, Venezuela, Brasil
(da Bahia ao Rio Grande do Sul) e Argentina, enquanto que no Atlântico Oriental, é
encontrado no Mar do Norte, Mediterrâneo, Mar Adriático, Mar Negro e Indo-Pacífico. Sua
biologia é amplamente conhecida e trata-se de uma espécie de larga importância
comercial.

Habitat e Ciclos de Vida


A. scabra habita rios pedregosos e com correnteza (Bond-Buckup e Buckup, 1999),
apresentando morfologia externa adaptada para viver neste tipo de ambiente, visto que seu
terceiro par de patas torácicas é bastante desenvolvido e utilizado para ancoragem junto
ao substrato. Esse animal ocorre nos pontos mais profundos do Rio de Contas e assistiu-se a
captura manual de exemplares a cerca de dois metros de profundidade.
M. acanthurus e M. carcinus habitam águas lóticas, doces e salobras (Bond-Buckup e
Buckup, 1999). Segundo pescadores de Taboquinhas, existe uma preferência da primeira
espécie pelas margens de águas mais calmas dos rios, ocorrendo junto à vegetação,
enquanto que a segunda tem preferência por regiões pedregosas, como A. scabra.
C. sapidus vive em substratos arenosos e lamosos (Coelho e Ramos-Porto, 1994/95), do entre-
marés até 90 metros de profundidade, em baías, estuários e lagoas (Melo, 1996), mas
comumente é encontrado em águas doces a vários quilômetros de distância do mar. Trata-
se, portanto, de uma espécie eurialina, isto é, que tolera uma grande variação de
salinidade.
As fêmeas dos camarões carídeos, caso de Atya e Macrobrachium, carregam seus ovos
presos aos seus apêndices abdominais durante um certo tempo após a postura (período de
incubação) (Bond-Buckup e Buckup, 1999).
O ciclo de vida de A. scabra inclui uma fase larval na região estuarina. As larvas que
eclodem são levadas pela correnteza do rio até o estuário onde completam o
desenvolvimento larval. Posteriormente, os jovens sobem o rio e juntam-se à população de
142

adultos (Sérgio Bueno, comunicação pessoal). A larva é planctotrófica. A quantidade média


de ovos de uma população estudada foi próxima de 4 mil ovos (Galvão e Bueno, 1998).
Entre os camarões do gênero Macrobrachium, alguns apresentam um ciclo de vida
totalmente independente de salinidade (Bond e Buckup, 1982; Bueno e Rodrigues, 1995),
porém M. carcinus e M. acanthurus, entre outras, tem desenvolvimento larval dependente
de água salobra. O sistema de água doce deve ter, portanto, uma conexão com áreas
estuarinas, como é o caso do Rio de Contas. Assim, quando em época reprodutiva, realizam
movimentos migratórios em direção ao estuário, para que haja desova, eclosão e
desenvolvimento larval até a fase jovem (Carvalho et al., 1979; Bond-Buckup e Buckup,
1999). O número de ovos produzido é grande, tanto em M. carcinus como em M. acanthurus.
A primeira espécie pode pôr até 195 mil ovos (Lobão et al., 1985), enquanto que, a segunda
espécie, pode pôr até cerca de 18 mil ovos (Valenti et al., 1989).
C. sapidus pode pôr de um a três milhões de ovos em cada desova, que se dá em águas
estuarinas. Os primeiros estágios larvais são planctônicos e se desenvolvem no oceano e, na
fase de megalopa, os animais penetram nos estuários, onde atingem a fase juvenil.
Exemplares adultos, conforme mencionado acima, podem ser encontrados em águas
doces, como é o caso dos siris do rio de Contas, onde atingem grandes tamanhos, porém,
para a oviposição, a fêmea desce o rio em direção aos estuários. A eclosão das larvas se dá,
preferencialmente, em águas com salinidade superior a 20 ppm (Jeffrey Shields,
comunicação pessoal).

Período Reprodutivo
Devido à grande extensão latitudinal do território brasileiro e a consequente variedade
climática, espécies de ampla distribuição, como é o caso das que aqui estão sendo
abordadas, podem igualmente apresentar variações em sua biologia reprodutiva.
A existência de um período reprodutivo longo, com alguns meses onde a desova é intensa
(picos), é comum nos camarões do gênero Macrobrachium. Em geral, os picos reprodutivos
coincidem com os meses de maior precipitação pluviométrica, que segundo Maier (1978) é
a variável climática mais importante nos trópicos. De fato, alguns estudos, realizados com M.
acanthurus, como os de Carvalho et al. (1979), na Ilha de Itaparica, Bahia, e Valenti et al.
(1986), no Vale do Ribeira, São Paulo, demonstraram que a reprodução se dá ao longo de
todo ano, com picos nos períodos de maior precipitação, entre agosto e novembro e em
dezembro e janeiro, respectivamente
De acordo com os pescadores locais, ocorre desova do pitu (M. carcinus) ao longo de todo
ano, porém ocorrem duas desovas maiores, em novembro e março, período de enchentes
no rio de Contas, o que corrobora com os fatos acima mencionados. Segundo eles, o
número de ovadas cai no mês de fevereiro. No Vale do Ribeira, esta espécie tem período
reprodutivo que vai de outubro a maio, com pico em fevereiro e março, que são os meses
mais chuvosos na região estudada (Valenti et al., 1986).
Existem poucos dados sobre a biologia reprodutiva da curuca. No rio Guaecá, estado de
São Paulo, a espécie reproduz-se ao longo de todo o ano, com dois picos reprodutivos no
verão (Galvão e Bueno, 1998).
Segundo Hartnoll (1985), C. sapidus tem somente um instar maduro, isto é, a muda da
puberdade (quando o animal atinge a maturidade sexual morfológica) é também a muda
terminal (a última da vida da fêmea), tendo um longo período de desova com múltiplas
posturas. Em geral a reprodução se dá ao longo de todo ano, ocorrendo meses onde a
desova é mais intensa.

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