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Texto publicado nos Anais do XIV Congresso da SAB.

Florianópolis SC, 2007.

ARQUEOLOGIA E POVOS INDÍGENAS: A CONSTRUÇÃO DE


UM DIÁLOGO SOBRE PAISAGEM E MANEJO AMBIENTAL.

Vanderlise Machado Barão.

LEPAN /FURG.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar algumas


preocupações quanto a prática arqueológica junto as comunidades
tradicionais, mais precisamente com o povo Guarani do litoral, no
que diz respeito as categorizações que essas comunidades fazem
do seu entorno natural e simbólico. Para isso, a apresentação de
um estudo de impacto ambiental realizado com comunidades
Guarani no litoral de Santa Catarina, em 2006, é ilustrativo, e traz
no seu bojo as formas encontradas para entender o que é
patrimônio e história Guarani para o grupo em questão.

A ocupação do espaço por populações humanas


contemporâneas se sobrepõe a ocupações anteriores e os
vestígios desse passado ficam marcados na paisagem através de
diversos indicadores culturais e ambientais. Pode-se dizer com
certeza que os vestígios deste passado se presentificam e ganham
sentido na medida em que ingressam e alimentam simbolicamente
a vida atual das populações indígenas. A arqueologia da paisagem
busca perceber esses vestígios e sobreposições que se incluem no
espaço físico moldando novas estruturas para velhos lugares
sempre reocupados e resignificados.

É fundamental reconhecer que além dos objetos


componentes da cultura material indígena os Guarani
contemporâneos possuem diversos indicadores ambientais que
revelam aos especialistas (karaí) a existência de antigas
ocupações indígenas e particularmente Guarani, nos diferentes
ecossistemas que integram o Bioma Mata Atlântica. Estes indícios
de aldeias antigas são reconhecidos como referências importantes
para as comunidades que continuam habitando no presente estes
mesmos espaços, consolidando seus vínculos territoriais em uma
dimensão histórica de pertencimento.

Numa prospecção realizada na Serra do Tabuleiro, em


função de um EIA RIMA para a Eletrosul, em 2006, foram
detectados vários indícios de lugares de antigas aldeias que eram
referenciados pelos Guarani, como vales hoje ocupados por
lavouras e plantações de exóticas, mas que ainda mantém altas
densidades de pindó (palmeira jerivá), árvore sagrada para os

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Guarani, cujos adensamentos são por eles mapeados e
reconhecidos como marcas culturais indeléveis de antigos tekoá.

Fizemos uma caminhada guiada pelos Guarani nas


margens do Rio Cambirela, que foi seguida de interpretação e
zoneamento de diferentes espaços do curso do rio por eles, que na
medida em que avançávamos rumo às cabeceiras, referiam
espaços de uso atual e tradicional Guarani: na porção mais baixa
do curso do rio, em suas margens florestadas, local de coletar
taquara; no curso médio, lajeados em que as mulheres lavam
roupa, nas partes mais altas, poços de pescar lambari com anzol
ou coleta de cabaças, alimento sagrado e imprescindível à cura de
crianças e mulheres gestantes.

Horticultores por excelência, os Guarani manejam em


sistema agroflorestal inúmeras espécies da flora nativa,
recompondo, rearranjando as espécies seletivamente de modo a
estabelecer verdadeiros jardins em meio à Mata Atlântica. Embora
sejam imperceptíveis aos olhos estrangeiros, os Guarani
reconhecem com precisão estas “paisagens culturalizadas” por
antigos tekoa, como pudemos reconhecer em nossas atividades
em campo no curso do presente estudo (fig. 01).

Este artigo tem como objetivo observar como a paisagem é


apropriada pelos Guarani do litoral como parte de sua cultura
material, e como esses lugares e espaços se tornam
personificados pelo grupo em questão sendo vitais para a
construção social das comunidades e do grande grupo e seu bem
estar enquanto pessoas.

Seria interessante salientar aqui a diferença entre lugar e


espaço, conforme nos indica Thiesen (2000: 04):

Os lugares são aqueles elementos onde mais


freqüentemente os arqueólogos costumam centrar suas
pesquisas: trata-se de onde as coisas estão, ou dito de
outra forma, daqueles locais cuja materialidade torna-os
unidades arqueologicamente identificáveis pelos seus
vestígios no solo. Pode ser uma casa, uma rua, uma
praça, uma lixeira coletiva. O lugar é algo concreto e
mensurável. Possui limites nítidos e bem determinados e
pode ser definido enquanto objeto (espacial) de práticas
sociais.

O espaço, vai além do físico e mensurável. Antes de


tudo, ele designa, nas palavras de Roberto da Matta
(1987) “esferas de ação social, províncias étnicas
dotadas de positividade, domínios culturais
institucionalizados”. O espaço inclui um componente
imaginário fundamental e só se define através de
contrastes, oposições e complementaridades e não pelo
uso de uma fita métrica. O espaço tem, pois,
características imateriais que fazem com que a tarefa de
reconhecê-los seja bem mais complexa que no caso dos
lugares.

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Em função disto, podemos dizer que os “lugares” atuais e
antigos dos Guarani se marcam pela presença de determinados
elementos materiais como o Pindó, por exemplo, que para eles
marca os lugares de antigas aldeias que hoje não são mais
ocupadas pelo grupo pois estão em mãos de outros donos, bem
como outras plantas como a erva mate no meio da mata marcando
a presença dos Guarani naquele “espaço” (Fig. 02) e também
assim os vestígios de cerâmica e pedras que eles relacionam às
aldeias dos “avós”, daqueles Guarani muito antigos que viveram
por aquelas paragens, e de outros povos não Guarani, que
“criaram família” por ali, e que talvez hoje possam viver em outro
lugar ou terem desaparecido.

Já o espaço Guarani é algo muito maior que isso e muito


mais complexo de se entender, já que abrange um imaginário
social amplo, com designações referentes aos “lugares”, mas que
se expandem pelo cosmológico indo até onde o pensamento
Guarani alcança. Eles chamam esta imagem do território Guarani e
seus modos de vida sendo exercidos dentro dele de
Mbyarekomeme, que tem um significado aproximado de como um
Guarani Mbyá vive e filosofa seu mundo dentro da sua terra, do
seu espaço. Então temos que pensar que esses lugares e espaços
são além de arqueológicos, por possuírem vestígios de um
passado indígena neles, também são sociológicos e por que não
dizer psicológicos, pois são pensados como lugar de Guarani pelo
grupo em questão. Eles determinam um outro tipo de patrimônio
que foge aos nossos conceitos, mas não deixa de ter um
significado fortemente enraizado na memória e nas vivências
desse povo.

Emilia Pietrafesa de Godoi (1998: 101) chama a atenção


para a forma como as sociedades tradicionais recriam seu passado
e constroem sua história, dizendo que esse passado não está
dentro deles, como uma memória fixa, mas se move dentro de uma
“memória mundo”, onde os indivíduos se situam numa ordem geral,
aprendendo a se pensar a si mesmos nesse passado coletivo, se
ligando ao mundo que o cerca, então:

Entre esse passado como preexistência geral que se


desdobra até o presente, existem “regiões de memória”,
onde estão contidos todos os acontecimentos que
marcaram a vida do grupo... (GODOI, 1998: 101).

Cornéluis Castoriadis (1986: 213) nos trás outra questão


importante a ser pensada sobre o que significa uma sociedade, o
que ela é, e como a vemos, em suas palavras:

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A sociedade não é nem coisa, nem sujeito, nem idéia – e
tampouco coleção ou sistema de sujeitos, de coisas e
idéias. Esta constatação facilmente parece banal para
aqueles que facilmente se esquecem de perguntar como
e porque pode-se então falar de uma sociedade e desta
sociedade. Porque na linguagem estabelecida e na
lógica que ela traz ‘um’ e ‘isto’ só se aplicam ao que
sabemos designar, e nós só sabemos designar coisas,
sujeitos, conceitos e suas coleções ou reuniões,
relações, atributos, estados, etc. Mas a unidade de uma
sociedade, como sua ecceidade – o fato de ser esta
sociedade e não outra qualquer – só podem ser
analisados em relações entre sujeitos mediatizados por
coisas, já que toda relação entre sujeitos é relação social
entre sujeitos sociais, toda relação com coisa é relação
social com objetos sociais, e os sujeitos, coisas e
relações só são aqui o que são e tais como são, porque
são assim instituídos pela sociedade considerada (ou
por uma sociedade em geral).

Aqui poderíamos pensar que os Guarani formulam seu


próprio conceito de patrimônio e de espaço territorial e de uso
desse espaço e dos lugares que ocupa a partir da sua construção
social e não de outra. Então ao estudarmos estes grupos, mesmo
em nível arqueológico, fica sendo necessário um esforço para
tentarmos entender esses outros modelos conceituais e essas
outras categorias para entender uma lógica que não é a nossa,
mas que precisamos explicar para a nossa sociedade, não para os
Guarani (VIVEIROS DE CASTRO, 2002). E aí entra-se numa outra
questão: ser um estranho naquela sociedade para explicá-la para a
sociedade estranha. Não se pode ser um Guarani para explicar os
Guarani para os ocidentais, porque precisamos traduzir as formas
de entendimentos desse outro para nós mesmos. Então não
fugimos de nossa identidade como pesquisadores, apenas
observamos e nos abrimos a pensar pela lógica de nossos nativos,
nossos pesquisados. E mais uma vez Castoriadis (1986: 195)
contribui para uma análise sobre essas relações e seus
significados sociais dizendo:

O historiador ou o etnólogo deve obrigatoriamente tentar


compreender o universo dos babilônios ou dos bororos,
natural e social, tal como era vivido por eles, tentando
explicá-lo, abster-se de introduzir determinações que
não existem para essa cultura (conscientemente ou não
conscientemente). Mas ele não pode ficar nisso. O
etnólogo que assimilou tão bem a visão do mundo dos
bororos a ponto de só poder vê-los à sua maneira, não é
mais um etnólogo, é um bororo – e os bororos não são
etnólogos. Sua razão de ser não é assimilar-se aos
bororo, mas explicar aos parisienses, aos londrinos, aos
novaiorquinos de 1965 esta outra humanidade que os

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bororo representam. E isso, ele só pode fazê-lo na
linguagem, no sentido mais profundo do termo, no
sistema categorial dos parisienses, londrinos, etc.

Assim, nosso desafio é perceber essas categorias do


outro, entendê-las e traduzi-las, para que a nossa sociedade às
entenda, também.

Um Guarani nasce assim, tem sua educação feita dentro


dos moldes de sua sociedade e suas funções então ele a entende
muito bem, o que não entende são as categorias da nossa
sociedade impostas sobre ele, como é o caso do conceito de
patrimônio e de território. Há muitos problemas nesse diálogo,
principalmente quando o assunto diz respeito a demarcações
territoriais ou direitos sobre exploração e manejo ambiental, pois
entra em choque aí o entendimento que a sociedade nacional
brasileira tem dessas categorias e os “outros”, e entram aí as
funções dos especialistas, dos cientistas sociais, arqueólogos,
etnólogos, etc. para a explicação desses elementos para ambas as
sociedades em questão. A pergunta é: nós conseguimos, enquanto
pesquisadores, entender as lógicas que regem as categorias e
conceitos patrimoniais dos Guarani e de outros grupos indígenas, o
suficiente para poder lançar mão de uma explicação plausível para
a sociedade nacional?

Até que ponto a arqueologia avançou nas suas pesquisas


e análises para entender esse “outro” em suas estruturas sociais e
não apenas dando explicações rasteiras sobre sua técnica
manufatureira dos objetos encontrados nos “sítios arqueológicos”
definidos por nós pesquisadores?

Creio que temos um desafio ainda pela frente, pois não


vejo um diálogo tão aprofundado com estes outros povos que são
nossos contemporâneos, mas ainda assim remanescentes desse
passado indígena que nos determinamos estudar. Esse patrimônio
ao qual defendemos, pertence a quem mesmo? Aos seus
remanescentes? A sociedade brasileira como um todo? Ou apenas
aos arqueólogos, ávidos por desenvolverem seus estudos
científicos?

Sei que trato aqui de questões delicadas, mas ao


pensarmos que somos sim formadores de opinião e que atuamos
diretamente sobre os interesses de determinados grupos sociais,
temos que ter em mente o tipo de ciência a que nos propomos
fazer. Trago aqui como contribuição ao diálogo, a discussão que
Antonio Garcia Allut (2000: 114) faz sobre pesquisa científica e
conhecimentos tradicionais, com respeito aos pescadores
artesanais, que podem ser muito úteis para pensarmos os povos
indígenas também, por se tratarem ambos de comunidades
tradicionais englobadas por políticas públicas e ações do Estado
Nacional sobre suas práticas econômicas, sociais e culturais:

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A ciência e o progresso técnico aparecem como a razão
e a causa do “êxito” de nossa cultura. Uma
conseqüência disto é que o reconhecimento social deste
saber é publicamente admitido e, nesse sentido, goza de
estatuto privilegiado. No entanto, o mesmo não acontece
com outros tipos de conhecimento, como, por exemplo, o
dos pescadores. A imagem social destes aparece
condicionada, em grande parte pela posição que
ocupam na sociedade, à atividade produtiva de que
deriva este saber. Portanto, a credibilidade social do que
o pescador diz esta afetada pelo que o pescador é em
relação a seus interlocutores. Uma posição que muitas
vezes está construída sobre o que fazem, mais do que
como fazem as coisas.

As paisagens, os sítios arqueológicos, os lugares e as


áreas de conservação ambiental são construções sociais,
humanas, portanto, não há lugares determinados naturalmente que
agregam essas funções. Na verdade são recortes produzidos pelos
técnicos e pelas metodologias das ciências envolvidas que criam
essas categorias e as classificam como patrimônio humano. Só
que as pessoas do lugar, a comunidade em si e não apenas a
acadêmica, pouco participa da construção desses elementos,
dessas categorias. Em geral ela observa, de longe, o trabalho do
técnico e aceita, de longe, as definições dadas por este técnico
sobre o espaço em que vive. Raras vezes parte da própria
comunidade elencar os elementos e artefatos – sejam eles objetos
de uso cotidianos ou casas, ruas, praças, etc... – que devem ser
considerados patrimônio e serem preservados. Quem dá as cartas
aqui, geralmente é o pesquisador, aliado muitas vezes ao poder
público, aquele que detém o conhecimento técnico para dizer o que
é e o que não é patrimônio, o que é e o que não é cultura.

Quando o assunto é relacionado ao patrimônio pré –


colonial – ou pré – histórico para muitos – o assunto ainda é mais
delicado, porque as comunidades indígenas quase nunca são
consultadas para determinar o que vai ser elencado como
patrimônio indígena pelos técnicos responsáveis por essa questão.
Há muito pouco tempo, se tem tido alguns indícios de diálogo,
geralmente mediados pelos antropólogos, para tratar desses
assuntos, já que há uma demanda das próprias comunidades
indígenas pela participação deles nessas premissas.

Num trabalho realizado entre os Caxixó em Minas Gerais,


um grupo que se poderia chamar de “emergente”, ou seja, que vem
reivindicando sua identidade étnica perante os órgãos públicos
recentemente, e que em função de reconhecimento territorial
buscou também registrar a história do território como sendo
indígena e como seu patrimônio, sendo que geralmente partia
destes índios as denúncias sobre a destruição dos sítios
arqueológicos pelas comunidades envolventes e pelas obras
públicas. Então, durante os trabalhos sobre a área territorial e da
identidade Caxixó, os técnicos responsáveis pelo GT, foram

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alertados para as ameaças que os vestígios do passado indígena
do lugar sofriam e os índios pediram a presença de um arqueólogo
no local para que interviesse em seu favor na defesa de sua
história. Esse tipo de demanda faz com que pensemos que essas
comunidades estão cada vez mais alertas para a construção de
uma “outra história” a seu respeito e estão buscando nos vestígios
do passado a construção dessa memória e a preservação de sua
história. Nas palavras de Ana Flavia Moreira dos Santos (2003:
17), que trabalhou junto aos Caxixó, ela diz:

Na tentativa de apreender o conjunto de significados


acionado pela etnicidade Caxixó, foram realizadas várias
entrevistas, e levado a cabo o acompanhamento dos
trabalhos de vistoria dos sítios arqueológicos,
fundamental não apenas para o conhecimento das
informações fornecidas pelos guias Caxixós para cada
sítio, mas também para a observação da atitude e do
sentido atribuído às denúncias pelos não - índios nas
ocasiões em que estiveram representados. Privilegiei
nas entrevistas o contato com informantes Caxixós, dada
a centralidade, para a investigação, de sua percepção a
respeito dos vestígios arqueológicos identificados e das
categorias que organizam seu discurso identitário.

No entanto, ainda é incipiente, mesmo com a mediação de


um técnico, que haja a busca pela compreensão de uma história
realmente americana – ou seja, dos nativos da América, mais
precisamente neste caso dos brasileiros - há sim um apelo pelo
belo, aquilo que é elencado pela nossa sociedade como “belo”.
Mas o que é e o que significa beleza para um Guarani, por
exemplo?

No estudo que foi realizado na Serra do Tabuleiro, em


2006, em função da implantação de uma linha de transmissão da
Eletrosul, apareceram, várias vezes nas entrevistas com os
Guarani daquela região, a referência a beleza da mata que seria
prejudicada pelo desmatamento necessário para a abertura da
linha, bem como a implantação das torres, que mudaria a
paisagem vista pelos moradores principalmente do Morro dos
Cavalos e Cambirela. E nós, pesquisadores, nos perguntávamos:
mas eles mesmos cortam árvores para formar as clareiras onde
implantam as casas? E já moram dentro de um núcleo bastante
urbanizado para se incomodarem com a visão de uma torre de
metal a mais? Então, ao longo dos diálogos, fomos percebendo
que essa “beleza” estava muito mais relacionada a questões de
saúde do próprio corpo físico deles, e que a eletricidade causava
um certo distúrbio com relação a saúde dos Guarani, por isso
temiam com a proximidade de mais torres de alta tensão, pois
mesmo não estando tão próximas a casa, estariam próximas o
suficiente para causar danos a saúde física da terra, que está
intrinsicamente ligada a saúde física dos homens Guarani. Aí a

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noção de espaço se dá de forma muito clara, era dentro do
“espaço” Guarani que essa obra se instaurava e com ela todas as
mudanças na paisagem dos lugares que habituavam freqüentar.

É importante considerar que para o conjunto do domínio


Mata Atlântica estes impactos não se dão de forma homogênea,
podendo-se identificar regiões privilegiadas ao refúgio da fauna,
flora e populações indígenas originárias, como se verifica na área
abrangida entre a Serra da Cambirela e o Oceano Atlântico (Fig
03). Dessa forma, os Guarani apontavam para os receios advindos
da experiência com outras obras de engenharia com as quais já
havia tido contato e problemas, num passado recente, e agora
estavam mais uma vez vendo o seu “espaço” ameaçado pela
chegada de outra obra, de um “progresso” que não era para eles,
mas sim para os Juruá – brancos – que segundo suas palavras
“não se contentam com nada, sempre querem mais”. Essa forma
de expor que estão se sentindo oprimidos dentro das áreas
territoriais que ocupam pela necessidade de expansão das redes
urbanas, demonstra a preocupação em preservar esses “lugares”
de história indígena, principalmente Guarani, já que eles chamaram
várias vezes a atenção para o fato de que se assim continuasse a
mata iria desaparecer, e os bichos que nela moram também, assim
como o Guarani.

Com relação ao modelo de ocupação colonial - que


remonta há cinco séculos - este se sobrepôs a alguns milênios de
ocupação anterior das territorialidades indígenas Guarani e
Xokleng. Estas territorialidades permanecem simultâneas ao longo
de todo o período colonial, sendo a presença destes dois povos
indígenas sistematicamente registrada na região do
empreendimento pelas pesquisas antropológicas a partir da
década de 1970 (SANTOS, 1978). Na ocasião da pesquisa
realizada, foram enfocadas exclusivamente as comunidades
Guarani Mbya e Xiripá (ou Nhandeva) contemporâneas.

Na etno-geografia Guarani, a região do litoral atlântico -


yvy rembe - se destaca como espaço privilegiado à constituição
dos tekoa (aldeias) assim como também o são as margens dos
grandes rios da Bacia do Prata. Por sua vez, o Centro do Mundo –
yvy mbyte -, está situado nos interflúvios Paraguai-Paraná-Uruguai,
espaço recoberto pela floresta estacional decidual, reconhecida
pelos especialistas Guarani como Ka’agüy ete – mata verdadeira,
mata original que abriga todas as espécies necessárias à vida
Guarani tradicional (Guarani Reko) (Fig. 04).

Percebemos então que há um conhecimento geográfico


específico desse povo, assim como outros povos também têm seus
próprios conhecimentos e classificações a respeito do mundo que
os cerca. O que não sabemos é como se dão essas classificações,
para isso é necessário um diálogo aberto entre pesquisadores
ocidentais e comunidade em questão, e, além disso, deixarmos um
pouco de lado nossa arrogância acadêmica e ouvirmos com
clareza e apreço sobre esses outros conhecimentos, levando-os
em questão na hora em que colocamos no papel os entendimentos

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feitos para a explicação científica, autenticada pelo especialista,
que a sociedade e suas estruturas esperam de nós.

Fig. 01 – André Benite e Teófilo coletando poá – remédios


– na mata ciliar do rio Cambirela – Palhoça, SC.

Fig. 02 – André e Teófilo, Moradores da Cambirela e do


morro dos Cavalos respectivamernte, nos mostrando a erva mate
que cresce no Morro do Cedro, uma parte do “espaço” Guarani de
Palhoça, SC.

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Fig 03 – Panorama da Serra da Cambirela, com cobertura vegetal
significativa em relação as planícies desmatadas, cultivadas e
urbanizadas. Esta serra abriga importantes refúgios à fauna e flora
bem como espaços de manejo tradicional Guarani.

Fig.04 – Os Guarani representam seu mundo/território de forma


circular, sendo notada nesta representação gráfica a profusão de
aldeias na borda do Atlântico (Ladeira & Matta, 2004:07).

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