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Renato Rodrigues Borges

NIETZSCHE:
UMA CRÍTICA AOS VALORES SOCIAIS
CRISTIANIZADOS EM GENEALOGIA DA MORAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Pós-Graduação em (Metodologia do
Ensino de Filosofia e Sociologia) – Eadcon - como
requisito parcial para obtenção do Grau de
Especialista.

Orientador: Prof. MsC. Gilmar Dias

Goiânia - GO
Outubro de 2009
2

TERMO DE APROVAÇÃO

Renato Rodrigues Borges

NIETZSCHE:
UMA CRÍTICA AOS VALORES SOCIAIS
CRISTIANIZADOS EM GENEALOGIA DA MORAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Pós-Graduação em (Metodologia do
Ensino de Filosofia e Sociologia) – Eadcon.
Aprovado pela banca examinadora:

Goiânia -GO,___/___/2009

____________________________________________
Profº.
(Coordenador do Curso)

____________________________________________
Profº. MsC. Gilmar Dias
(Orientador)

____________________________________________
Profº.
(membro da banca)

____________________________________________
Profº.
(membro da banca)

Goiânia - GO
Outubro de 2009
3

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha esposa


Cristiane Guidi e ao meu filho Gustavo Guidi
por se fazerem importantes em minha vida,
mostrando-se belos em essência, pois, tais
pessoas me incentivam a buscar mais
conhecimento em minha vida acadêmica.
4

AGRADECIMENTOS

Primeiramente quero agradecer a Deus,


pela oportunidade de conhecer mais, de viver este momento tão especial e pela
graça sobre minha vida derramada.

De maneira muito especial,


agradeço a minha esposa Cristiane Guidi pela força e apoio, ao amigo Dr. José
Amorim de Oliveira Junior pelas muitas vezes que me ajudou fornecendo-me vasto
material de pesquisa sobre o tema deste trabalho, e

Ao meu orientador,
Profº. MsC. Gilmar Dias pela disposição e incentivo.

Finalmente,
agradeço a Eadcon por oferecer este curso e por tornar este momento de
aprendizagem possível.
5

EPÍGRAFE

"Nós, homens do conhecimento, não nos


conhecemos; de nós mesmo somos
desconhecidos."

Friedrich Nietzsche
6

RESUMO

Este trabalho busca compreender melhor as origens da moral, pois, segundo


Nietzsche ser humano é tornar-se moral, por esta razão faz-se necessário estudar
os primórdios da civilização e os processos que dão origem a afirmação dos valores
sociais sob a influência religiosa. Como tais valores influenciam a educação e o
modo de vida nas relações humanas. Com a finalidade de analisar as formas de
valores apontadas por Nietzsche, em uma abordagem crítica da moral e religião. A
gênese dos conceitos axiomáticos sociais está nas tradições arraigadas na moral
cristã, a qual se faz presente em nosso contexto cultural contemporâneo, ditando
regras de conduta morais e éticas, definindo conceitos de certo e errado, bem e mal,
junto e injusto. Nietzsche percebe que os valores vividos na sociedade moderna
estavam intimamente relacionados à moral tradicional cristã, que por sua vez, levava
a deterioração dos valores que o homem deveria buscar em sua auto-superação
(Übermensch).

Palavras-Chave: Valores Sociais; Cristianismo; Übermensch; Crítica à Religião;


Nietzsche.
7

ABSTRACT

This work searches to better understand the origins of morality, according to


Nietzsche be human means become moral, for this reason it is necessary to study
the origins of civilization and the processes that lead to affirmation of social values
under the religion influence. How these values influenced the educations and
humans relationship. With the purpose of analyzing the values forms pointed by
Nietzsche, in a critique of morality and religion. The genesis of the axiomatically
social concepts is upon the Christian morality, which is present in our contemporary
cultural context, dictating rules of moral and ethical conduct, defined concepts of right
and wrong, good and evil, fair and unjust. Nietzsche realizes that the values
experienced in modern society were closely related to traditional Christian morality,
which in turn led to deterioration of values that man should seek to overcome their
self (Übermensch).

Key-Words: Social Values; Christianity; Übermensch; Critical Religion; Nietzsche.


8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................
09

1 MAPEANDO OS CAMINHOS DO ESTUDO..................................................... 10


1.1 TEMA................................................................................................................ 10
1.2 PROBLEMA DE PESQUISA............................................................................. 10
1.3 OBJETIVO DA PESQUISA.............................................................................. 10
1.4 JUSTIFICATIVA ............................................................................................... 10
2 REVISÃO DA BIBLIOGRAFIA........................................................................... 12
3 GÊNESE DA MORAL......................................................................................... 17
3.1 O NASCIMENTO DO ―BOM‖ E ―NOBRE‖....................................................... 17
3.2 O NASCIMENTO DO ―MAL‖............................................................................. 20
4 O CRISTIANISMO E A AFIRMAÇÃO DO
22
VALORES.........................................
4.1 JESUS CRISTO ............................................................................................... 29
5 A MORTE DE DEUS E A AUTO-SUPERAÇÃO................................................. 33
6 O SENTIDO DE “ÜBERMENSCH” E A EDUCAÇÃO ...................................... 40
7 DESCRIÇÃO DO LOCAL DA PESQUISA.......................................................... 47
8 COLETA DE DADOS.......................................................................................... 49
8.1 APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS .................... 49
9 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS............................................................... 50
9.1 RELAÇÃO ALUNO E ESCOLA ..................................................................... 50
9.2 RELAÇÃO PROFESSOR, ALUNO E ESCOLA .............................................. 55
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................
62

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 64

APÊNDICES.......................................................................................................... 66
9

INTRODUÇÃO

Esta obra tem o intuito de investigar a partir da obra Genealogia da Moral


(1998) a gênese da moral social moderna. Compreender como a filosofia
nietzschiana percebe a decadência dos valores quando estes estão arraigados na
moral do cristianismo, pois, Nietzsche entende que a moral cristã vê no homem um
ser cheio de pecados, débil, dependente. Com o triunfo destes valores o homem
tornou-se dócil, domesticado, passivo e vulnerável.
Essa investigação se deu por meio de pesquisas bibliográficas e pesquisa
de campo de forma descritiva e reflexiva sobre a obra Genealogia da moral,
apoiadas por outras bibliografias nietzschianas em sua abordagem acerca dos
valores que se firmaram enquanto pilares da moral que passam a influenciar
também a educação contemporânea. O objetivo principal foi demonstrar como se
deu o nascimento da moral e apontar o processo pelo qual estes valores vieram a se
tornar ―verdades absolutas‖ que influenciam as formas de viver a vida, bem como o
julgamento e a capacidade criativa do ser humano.
Faz-se imprescindível entender as relações dos conceitos nietzschianos
mais especificamente a de ―Übermensch‖ que irá tratar de apresentar uma nova
ótica pela qual o homem deve valorizar a vida e sua vontade criativa. O tema
educação também é abordado dentro da perspectiva nietzschiana, haja visto que a
educação exerce papel formativo na construção social.
O estudo dos conceitos como vingança, má consciência, ascetismo
tornam-se bases para o surgimento dos axiomas sociais que formam um ser
humano moralmente decadente.
Nesta análise crítica é abordado como o filósofo Frederick Nietzsche
nega-se em aceitar ―valores divinamente inspirados‖, visto que na filosofia
nietzschiana, o mundo real é ponto inicial e final para a análise dos valores que não
estão presos às formas e ideais místicos ou divinos.
Aqui serão abordados os principais pontos sobre o nascimento da moral,
educação e influências do cristianismo na concepção dos valores dentro da
abordagem nietzschiana. Estes pontos são base para a compreensão e crítica dos
axiomas em nossa sociedade contemporânea.
10

Não somos nós mesmos, somos moralmente aquilo que fizeram de nós. O
filósofo Nietzsche em sua obra Genealogia da Moral (1998) aponta as origens da
moral que têm sua âncora nos valores cristãos; para o filósofo, não trata-se de
qualquer motivação transcendental, Deus que trouxe alguma mensagem. Nietzsche
busca etimologia dos conceitos de bom e mau, do que é nobre ou desonroso para
apontar como se dá a concepção de moral na sociedade. Nietzsche afirma:

(...) no sentido social, é o conceito básico a partir do qual necessariamente


se desenvolveu "bom", o sentido de "espiritualmente nobre", "aristocrático",
de "espiritualmente bem-nascido", "espiritualmente privilegiado": um
desenvolvimento que sempre corre paralelo àquele outro que faz "plebeu",
"comum", "baixo" transmutar-se finalmente em "ruim". (Nietzsche, 1998,
p.21)

Faz-se necessário entender as condições que o homem inventou para si,


o juízo de bom e mal, sendo bom o que é útil e mal o que é prejudicial, nocivo. Tais
conceitos estão ligados à ideia de nobres e plebeus. Inicialmente os nobres são
aqueles indivíduos com poder social e político para viver suas vidas de modo a criar
valores que tornam a classe dos plebeus mais vulneráveis e dóceis, isto porque os
nobres se sentem homens de categoria superior à dos plebeus, homens comuns de
categoria não aristocrática. Nietzsche declara:

Para mim é claro, antes de tudo, que essa teoria busca e estabelece a fonte
do conceito "bom" no lugar errado: o juízo "bom" não provém daqueles aos
quais se fez o "bem"! Foram os "bons" mesmos, isto é, os nobres,
poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e
estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem,
em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo, e vulgar e plebeu.
Desse pathos da distância é que eles tomaram para si o direito de criar
valores, cunhar nomes para os valores. (Nietzsche, 1998, p.19)

No convívio social, cada pessoa deve buscar autonomia do ser que


significa liberdade de todas as restrições externas traduzindo-se em comportamento.
O sistema educacional brasileiro está comprometido com a ideologia
política e moral que o Estado quer reproduzir enquanto verdade na vida dos
11

educandos, é nesse contexto que o ―Übermensch‖ faz-se necessário, assim ―deve-


se abominar o ensino que não vivifica e o saber que esmorece a atividade. O
homem deve aprender a viver..‖ (DIAS, 1990, p.60)

Cada ser humano individual viveria uma vida sem os limites artificiais de
obrigação moral. Nenhuma outra sanção na conduta seria necessária além de o
castigo natural envolvido na vitória de uma pessoa superior acima de um inimigo
derrotado.
12

2 REVISÃO DA BIBLIOGRAFIA

Segundo Friedrich Wilhelm Nietzsche (1998) os homens geram valores no


âmago do ressentimento, pois, ―a rebelião escrava da moral começa quando o
próprio ressentimento se torna criador e gera valores‖ (p.28)
O modo de ser, que é predominante na moralidade de escravo (uma
moralidade da vontade fraca) é uma atitude de não ―reação‖ na verdade. É o "não"
em si mesmo, para todo o exterior, entretanto isto não rebela contra si, mas é
exteriorizado. Então o "sim" passa a ser uma característica, uma vontade da
"moralidade dominante" (forte, querida, afirmativa).
Em A Genealogia da Moral, Nietzsche ressalta a função do ressentimento na
moral do escravo (dos fracos):

A rebelião escrava na moral começa quando o ressentimento se torna


criador de valores: o ressentimento de seres tais, aos quais está vedada a
reação propriamente dita, o ato, e que somente por uma vingança
imaginária ficam quites. Enquanto toda moral nobre brota de um triunfante
dizer-sim a si própria, a moral dos escravos diz Não logo de início, a um
‗fora‘, a um ‗outro‘, a um ‗não-mesmo‘: e esse é seu ato criador. Essa
inversão do olhar que põe valores – pertence, justamente, ao
ressentimento: a moral de escravos precisa sempre, para surgir, de um
mundo oposto e exterior, precisa, dito fisiologicamente, de estímulos para
em geral agir – sua ação é, desde o fundamento, por reação. (NIETZSCHE,
1998, p.29)

A ação criadora de valores na moral escrava parte do ressentimento, do


desejo de vingança que tem pela classe nobre, nesse processo de desvalorização
da moral nobre, do qual nasce a moral cristã. Essa passagem de valores chamada
de ―transmutação de valores‖, segundo Nietzsche, está em oposição aos valores do
escravo, a qual foi vitoriosa na revolução dos valores. Em Genealogia da Moral,
Nietzsche afirma: ―Os senhores foram abolidos; a moral do homem comum venceu.‖
(1998, p.28)
13

O filósofo Friedrich Nietzsche crê que ―A moral e a religião pertencem


completamente à fisiologia do erro‖ (2008, p.56), pois, tanto a moral quanto a
religião valorizam o quê há de menos útil e mais baixo no espírito humano
“sklavenmoral‖, a moral dos homens passivos, inferiores e débeis.
O filósofo Amorim argumenta acerca da criação dos valores demonstrando
que a cristianização dos axiomas provocada pela religião e moral é prejudicial ao
desenvolvimento da autonomia na criação dos valores:

Com a cristianização dos valores, provocada pela religião e pela moral, o


homem passa, de criador de seus próprios valores, a recebedor de valores
criados por outrem, de autônomo a heterônimo, contrariando o preceito
nietzschiano. (OLIVEIRA JUNIOR, 2004. p.170)

―Na perspectiva nietzschiana, nunca houve um questionamento quanto ao


valor dos valores morais.‖ (AZEREDO, 2000. p.26). Nietzsche afirma que o homem
toma para si ―o valor desses "valores" como dado, como efetivo, como além de
qualquer questionamento‖ (NIETZSCHE, 1998, p.12).
Faz-se necessário tomar os valores como interpretações de nossa vontade,
pois, ―os valores são, antes, criações humanas. E pode-se dizer com Nietzsche, que
foi mesmo o homem que deu sentido às coisas‖ (BARROS, 2002, p. 36). É de suma
importância que o homem saiba como superar as adversidades, as dificuldades.
Barros argumenta: ―Eis, pois, o que poderia caracterizar com propriedade o
décadent: a incapacidade de fazer frente às atribulações por conta própria‖ (2002, p.
94). Para Nietzsche, esta incapacidade e passividade no tocante a superação da
moral imposta pelos ideais cristãos, venceu. O filósofo alemão ainda argumenta
sobre a valoração da moral cristã:

e a impotência que não acerta contas é mudada em 'bondade'; a


baixeza medrosa, em 'humildade'; a submissão àqueles que se odeia
em 'obediência' (há alguém que dizem impor esta submissão -
chamam-no Deus). O que há de inofensivo no fraco, a própria
covardia na qual é pródigo, seu aguardar-na-porta, seu inevitável ter-
de-esperar, recebe aqui o bom nome de 'paciência', chama-se
também a virtude; o não-poder-vingar-se chama-se não-querer-
vingar-se, talvez mesmo perdão. (NIETZSCHE, 1998, p.38).
14

Nesse sentido é imprescindível a busca do homem pela superação dos


valores outrora impostos, ―a morte de Deus é o ponto de partida para o ensinamento
da superação e do super-homem‖. (OLIVEIRA JUNIOR, 2004. p.155)
―A filosofia de Nietzsche procede a uma desmistificação de uma religião,
de uma moral e de uma filosofia universais‖ (AZEREDO, 2000. p.11). Na obra
Genealogia da Moral (1998) é posta à prova a origem da moral, bem como seu
propósito ideológico em que a interpretação dos cristãos sobre a verdade, a
universalidade, a essência, o ser e Deus são

interpretações introduzidas pelo homem no mundo, convenções que


referendam um modo de ser que viabiliza uma dada existência. Há de se
resgatar os símbolos, tomando-os como interpretações essenciais, e
excluindo assim a validade incondicional de uma construção que impõe ao
ser, ao conhecer e ao agir um fundamento absoluto. (AZEREDO, 2000.
p.10)

Reforçando ainda essa posição da necessidade de superar os valores


deste ―agir‖ sob um ―fundamento absoluto‖ e

(...) compreender o que Nietzsche combate no cristianismo é preciso, em


última análise, ascender à compreensão da crítica aos valores morais por
ele elaboradas. Decerto, no bojo dessa crítica encontra-se a própria
concepção nietzschiana de valor, espinha dorsal do conhecimento
genealógico ―(BARROS, 2002, p. 35).

O cristianismo exerce papel de suma importância na concepção,


valoração e afirmação dos valores morais da ideia de ―bem‖ e ―mal‖ na sociedade.
Nietzsche (1988, p.154) afirma que:

(...) em todos os tempos, e, sobretudo nas épocas cristãs, o maior esforço


para reduzirem o homem a essa semi atividade que é o ―bem‖; também hoje
não faltam seres deformados e enfraquecidos pela igreja, para quem essa
intenção é idêntica à ―humanização‖ em geral, ou a ―vontade de Deus‖, ou
ainda a ―salvação da alma‖. Exigem antes de tudo que o homem não faça o
15

mal, que em nenhuma circunstância prejudique ou tenha a intenção de


prejudicar.

A crítica de Nietzsche ao cristianismo e sua maneira de forjar valores está


fundamentada na história e nos ideais cristãos pregados por dois mil anos, valores
estes que fragilizam e domesticam o homem, tornam-se força repressora com o
intuito de reafirmar a ambição e poder por parte dos sacerdotes e lideres que
exploram o nome de Deus para ganhar poder.

Nietzsche combatia mais a falta de fé. Via os cristãos, em regra geral,


falsos, hipócritas e embusteiros, mas se admirava da fé sincera de um
homem como Pascal, ou São Francisco de Assis. Via no cristianismo
virtudes profundas, mas acusava os maus discípulos de arrastarem-no a
transformar-se numa força de regressão, quando Cristo tivera um ímpeto
revolucionário. Denunciava os maus cristãos, os verdadeiros ―assassinos de
Deus‖, que o exploraram para, em nome dele, dar vazão aos apetites e
ambições (NIETZSCHE, 1988, p. 33)

A filosofia nietzschiana pretende valorizar o homem em toda a sua


potencialidade criadora de poder e força, ―ora, enquanto Deus é uma suposição, não
dirigível pelo homem, o super-homem depende apenas da vontade criadora do
homem.‖ (OLIVEIRA JUNIOR, 2004. p.173).
Para Morais Barros (2002, p. 188):

Diante do atual processo de globalização valorativa e de pasteurização de


hábitos e costumes, a batalha nietzschiana contra a complacência moral e
a uniformidade de juízos teriam, no mínimo e na mais favorável das
hipóteses, uma considerável quantidade de anos pela frente até cantar sua
ode vitoriosa.

Para salientar a importância de o homem buscar se superar (Übermensch)


por meio do conhecimento e potencialidade humana, faz-se necessário uma
investigação das raízes dos valores vividos pela sociedade ocidental
contemporânea, axiomas que domesticam e flexibilizam o ser humano ao ponto de
extirpar as característica mais úteis para o desenvolvimento da sociedade,
16

características estas apresentadas na obra Genealogia da Moral (1998) como a


moral dos ―nobres‖, dos ―senhores‖. Neste processo, a cristianização dos valores
teve papel decisivo para o sucesso dos valores homogeneizados, ―pois a moral do
homem comum venceu [...] essa intoxicação foi bem sucedida‖ (NIETZSCHE, 1998,
p.28).
Nietzsche alude-nos sobre o papel da educação no contexto social, para
ele deve-se valorizar as características do ―Übermensch‖, haja vista que na filosofia
nietzschiana o homem deve buscar o ―tornar-se melhor‖.

Um homem bem nascido adoça os nossos sentidos: ele é composto de uma


fibra ao mesmo tempo dura, tenra e perfumada. Apraz-lhe somente aquilo
que lhe é útil: o seu prazer e o seu desejo cessam quando ele ultrapassa os
limites do útil. Adivinha ele todos os meios para reparar os males, afastando-
se dos acidentes adversos; aquilo que não o aniquila torna-o bem mais forte.
De tudo o que ele vê, ouve, vive, colhe instintivamente a sua suma; é um
princípio de seleção: muitas coisas deixa cair. Está sempre em sua
companhia, ou ocupando-se com os livros, ou com os homens, ou com as
paisagens: como discerne, como aceita, como confia, ele também honra.
Reage a toda espécie de fascinação, lentamente, com aquela lentidão que
lhe ensinaram uma longa prudência e uma soberba volúpia; examina o
enlevo que ascende a ele _ está bem longe de ir-lhe ao encontro. Não
acredita nem na "desventura" nem na "culpa": prevê logo qualquer coisa,
consigo mesmo e com os outros, sabendo, sobretudo olvidar; é
suficientemente forte para que tudo lhe redunde em benefício próprio.
(NIETZSCHE, 1999, p.39)
17

3 GÊNESE DA MORAL

―Alguém quer descer o olhar sobre o segredo de


como se fabricam ideais na terra? Quem tem a
coragem para isso?... Muito bem! Aqui se abre a
vista a essa negra oficina.”
Friedrich Nietzsche

Em A Genealogia da Moral (1998) o filósofo alemão Nietzsche traz suas


reflexões sobre a gênese da moral, esta por sua vez não está vinculada ao
sobrenatural, a uma divindade. Nietzsche busca na história da humanidade
entender como acontece o surgimento e a valoração dos axiomas morais, quer
mergulhar no sentido de cada ideal moral. A análise das origens da moral
nietzschiana demonstra que o ser humano constrói, destrói e modifica valores.
Nesse processo a moral estabelece o modo de ser, pois, ―os valores são, antes,
criação humanas.‖ (MORAIS BARROS, 2002, p. 36).

3.1 O NASCIMENTO DO ―BOM‖ E ―NOBRE‖

O ser humano não conhece os ideais que os mesmos se propõem seguir


enquanto parâmetros, regras absolutas de comportamento, ―Nós, homens do
conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos _ e não
sem motivo. Nunca nós nos procuramos: como poderia acontecer que um dia
encontrássemos‖ (NIETZSCHE, 1998, p.07). A partir da necessidade de buscar
nossa identidade moral, o filósofo vai de encontro às raízes dos conceitos de ―bom‖
e de ―ruim‖. Segundo Nietzsche (1998, p.18):

Foram os "bons" mesmos, isto é, os nobres, poderosos, superiores em


oposição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos
como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo,
de pensamento baixo, e vulgar e plebeu. Desse pathos da distância é que
18

eles tomaram para si o direito de criar valores, cunhar nomes para os


valores.

Por isso, segundo Dutra de Azeredo (2000), os ―bons‖ valores são


forjados nas oficinas da nobreza, visto que a elite considera-se superior às demais
classes sociais. ―O sentimento de superioridade, a distância diante do outro, é o que
lhes permite julgar, avaliar e, portando criar [...] a superioridade do nobre e o
sentimento de distância que faz dele um soberano [...] um criador.‖ (AZEREDO,
2000, p.40). Para sustentar sua argumentação Nietzsche vai buscar na etimologia
os conceitos de ―nobre‖ e ―aristocrático‖, então verifica que existe uma íntima ligação
dos termos designados para conceituar tudo aquilo que é ―bom‖ que por sua vez faz
referência aos valores nobres.

Descobri então que todas elas remetem à mesma transformação conceitual -


que, em toda parte, "nobre", "aristocrático", no sentido social, é o conceito
básico a partir do qual necessariamente se desenvolveu "bom", no sentido de
"espiritualmente nobre", "aristocrático", de "espiritualmente bem-nascido",
"espiritualmente privilegiado": um desenvolvimento que sempre corre paralelo
àquele outro que faz "plebeu", "comum", "baixo" transmutar-se finalmente em
"ruim". O exemplo mais eloqüente deste último é o próprio termo alemão
schlecht [ruim], o qual é idêntico a schlicht [simples] - confira-se schlechtweg,
schlechterdings ambos ["simplesmente"] - e originalmente designava o
homem simples, comum, ainda sem olhar depreciativo, apenas em oposição
ao nobre. (NIETZSCHE, 1998, p.22)

Nesse sentido, Dutra de Azeredo (2000) argumenta que ―Nietzsche utiliza a


genealogia para estudo e o conhecimento da criação e das condições de criação
dos valores‖ (p.40). Percebe-se que a filosofia nietzschiana aponta para valores
nobres ligados à ―aristocracia‖ como sendo a gênese do que é moralmente ―bom‖,
pois para o filósofo alemão o ponto central está nos termos usados em que:

[...] palavras e raízes que designam o "bom", transparece ainda com


freqüência a nuance cardeal pela qual os nobres se sentiam homens de
categoria superior. É verdade que, talvez na maioria dos casos, eles
designam a si mesmos conforme simplesmente a sua superioridade no poder
(como "os poderosos", "os senhores", "os comandantes"), ou segundo o
signo mais visível desta superioridade, por exemplo, "os ricos", "os
possuidores" (este o sentido de arya, e de termos correspondentes em
iraniano e eslavo). Mas também segundo um traço típico do caráter: e é este
caso que aqui nos interessa. Eles se denominam, por exemplo, "os verazes";
19

primeiramente a nobreza grega, cujo porta-voz é o poeta Teógnis de Megara.


A palavra cunhada para este fim, [bom, nobre], significa, segundo sua raiz,
alguém que é, que tem realidade, que é real, verdadeiro; depois, numa
mudança subjetiva, significa o verdadeiro enquanto veraz: nesta fase da
transformação conceitual ela se torna lema e distintivo da nobreza, e
assume inteiramente o sentido de "nobre", para diferenciação perante o
homem comum mentiroso, tal como Teógnis o vê e descreve - até que
finalmente, com o declínio da nobreza, a palavra resta para designar a
aristocracia espiritual, tornando-se como que doce e madura. (NIETZSCHE,
1998, p.22)

Etimologicamente falando o nascimento da moral do ―bom‖ está ligada a


imposição de interpretações por parte das classes nobres e elites, pois, não há um
sentido original eterno, tudo é avaliação e afirmação de valores. Para Dutra de
Azeredo (2000) ―Os termos distintivos do homem nobre designavam tanto a sua
ascendência no poder, quanto seu traço típico de caráter‖ (p. 53), é de suma
importância que se compreenda que a filosofia nietzschiana aponta para os traços
do caráter nobre, pois, estes têm em si ―o modo de ser daqueles que avaliam‖
(AZEREDO, 2000, p.53) valoram a moral.
Para Machado (1985, p.70-72 apud OLIVEIRA JUNIOR, 2004. p. 134)
―também estabelece uma relação de equivalência entre conceitos e aristocrata,
senhor e nobre, cujo ponto em comum e a criação de valor.‖ Está claro que para
Nietzsche (2007) o homem eleva-se, torna-se um tipo melhor de homem à medida
que este forja e conceitua valores:

A espécie aristocrática do homem sente a si mesma como determinadora dos


valores, não sente necessidade de ser aprovada, louvada, julga: ‗aquilo que
prejudica a mim, é nocivo por si mesmo, sente-se como atribuidora de valor
às coisas, criadora de valores’. Valora tudo aquilo que conhece de si mesma,
é a moral da exaltação de si mesma. Predominam, transbordantes, os
sentimentos de prosperidade, de potência, de felicidade, a felicidade da alta
tensão, a consciência de uma riqueza que quer atingir as culminâncias e
doar-se. (p.187)

Nota-se que enquanto a casta nobre valora cada ato ―moralmente bom‖ ela
também valora a si mesma, pois, ―a crença e o orgulho que tem dele mesmo são a
base para o estabelecimento dos valores‖ (AZEREDO, 2000, p.65). No tocante ao
dever para com o próximo, a moral dos nobres ―é sobretudo estranha e
desagradável ao gosto do dia quando afirma com severidade [...] que não se tem
20

deveres senão para com seus iguais‖ (NIETZSCHE, 2007, p.188), sendo que, para
com os demais é permitido o agir conforme o querer do nobre, sem se preocupar
com a concepção de valor dos seus atos.

3.2 O NASCIMENTO DO ―MAL‖

Na visão nietzschiana o escravo é encarado como o pai da ―moral de


rebanho‖ que tem no medo e no ressentimento suas origens e essência. O medo
faz com que o escravo veja seu senhor como uma ameaça, pois, este é mais forte e
capaz, o oposto do que se tem na moral escrava. Nietzsche (1998) afirma que ―A
rebelião escrava na moral começa quando o próprio ressentimento se torna criador e
gera valores: o ressentimento dos seres aos quais é negada a verdadeira reação, a
dos atos, e que apenas por uma vingança imaginária obtêm reparação‖ (p.28). Fica
claro que a ―moral de escravo‖ não tem as características necessárias para fazer do
homem um ser mais nobre e elevado, superior aos demais. Percebe-se também
que quando Nietzsche (1998) argumenta acerca do ressentimento, ele aponta a
vingança como forma de reação interna da moral escrava, daí surge a forma de
avaliar a moral da perspectiva do escravo, sendo esta, uma negação da moral
nobre, portanto tem uma ligação íntima de ressentimento tornando-se a negação do
―sim‖ para a vida, a potencialidade.
Assim, nota-se que:

A moral escrava diz Não a um "fora", um "outro", um "não-eu"- e este Não é


seu ato criador. Esta inversão do olhar que estabelece valores _ este
necessário dirigir-se para fora, em vez de voltar-se para si _ é algo
próprio do ressentimento: a moral escrava sempre requer, para nascer, um
mundo oposto e exterior, para poder agir em absoluto _ sua ação é no
fundo é reação. O contrário sucede no modo de valoração nobre.
(NIETZSCHE, 1998, p.29)

Basicamente na avaliação nietzschiana a ―moral escrava‖ trata-se de


fundamentalmente na negação da ―vontade de potência‖ e no ressentimento que o
escravo tem de seus senhores. Tais elementos, ressentimento e negação, fazem
com que o escravo passe a perceber os valores do nobre como algo ―mal‖, e
21

reinterpretá-los de forma a criar novos valores morais que devem ser disseminados
e pregados como sendo os verdadeiros valores.
Dutra de Azeredo (2000) afirma:

Ora, a absolutização da moral tem como plano de fundo a autodefesa, que


visa justamente a mascarar o medo através da universalização dos seus
preceitos. Deste modo, uma dada interpretação moral é posta como ―a
moral‖, única existente e de validade incondicional. Seus mandamentos, ou,
pelo menos, o valor deles, é intocável e inquestionável. Todavia, é uma moral
que mascara a hostilidade para com a vida. (p.74)

Assim conforme explicitado por Azeredo (2000) a ―moral escrava‖ concorre


para a generalização dos valores que se autoafirma como ―a moral‖ inquestionável a
desempenhar o papel de mascarar o medo, levando o homem a criar aquilo que
Nietzsche chama de ―moral de rebanho‖, dessa forma, a moral escrava percebe que
deve considerar ―mau‖ e ―imoral‖ todo impulso que ameace o todo, o rebanho.

Tudo aquilo que eleva os indivíduos e provoca medo no próximo é qualidade


de mau: a equidade e a modéstia, aquilo inclina os homens a se
classificarem e a se colocarem no mesmo nível dos outros, isto é, as
aspirações medíocres são honradas e saudadas como morais. (NIETZSCHE,
2007, p.113)

Essa perspectiva de perceber a ―vontade de potência‖ como sendo algo


mau, vil, torna o homem mais flexível e passivo, pois, este homem passivo interpreta
o ato de ―ir contra‖ como sendo um ato imoral. Fica explicitado por Nietzsche que o
que deve ser honrado segundo a moral escrava é a ―equidade e a modéstia‖. A
―vontade de potência‖ está ligada a capacidade de questionar, a habilidade de o
homem buscar sua superação e tais habilidades são ―prejudiciais‖. Na obra A Gaia
Ciência publicado no ano de 1882, o filósofo Friedrich Nietzsche aponta que:

De fato, o homem mais prejudicial pode ser o homem mais útil a conservação
da espécie; com efeito, ela sustenta em si ou, por sua influência, nos outros,
instintos sem os quais a humanidade há muito entorpecida ou corrompida. O
ódio, o prazer de ver o outro sofrer, a sede de rapina e de dominação é tudo
22

aquilo que se dá o nome de mal: tudo isso faz parte da espantosa economia
da conservação das espécies. (NIETZSCHE, 2006, p.37)

4 CRISTIANISMO E A AFIRMAÇÃO DOS VALORES

―A religião amesquinhou o conceito ―homem ‖


Friedrich Nietzsche

É importante adotar neste ponto a relevância da interpretação nietzschiana


acerca da lutas dos valores e a influência da ideologia cristã na afirmação dos
valores.
Segundo Dutra de Azeredo (2000):

O desenvolvimento da culpa, na interpretação de Nietzsche, está diretamente


relacionada com o advento do Deus cristão, por este fazer do homem alguém
responsável por uma falta, fazendo da própria noção de responsabilidade
algo culposo. (AZEREDO, 2000. p.132).

Nietzsche (1998) propõe a análise dos valores cristãos, pois estes


reafirmam uma natureza passiva de submissão e tornou a culpa uma eterna
geradora de valores que propiciou a transmutação dos valores:

A fraqueza é mentirosamente mudada em mérito, não há dúvida - é como


você disse" - Prossiga! - "e a impotência que não acerta contas é mudada
em 'bondade'; a baixeza medrosa, em 'humildade'; a submissão àqueles que
se odeia em 'obediência' (há alguém que dizem impor esta submissão-
chamam-no Deus). O que há de inofensivo no fraco, a própria covardia na
qual é pródigo, seu aguardar-na-porta, seu inevitável ter-de-esperar, recebe
aqui o bom nome de 'paciência', chama-se também a virtude; o não-poder-
vingar-se chama-se não-querer-vingar-se, talvez mesmo perdão ('pois eles
não sabem o que fazem - somente nós sabemos o que eles fazem!'). Falam
também do 'amor aos inimigos' - e suam ao falar disso." - Prossiga! - "São
miseráveis, não há dúvida, esses falsificadores e cochichadores dos cantos,
embora se mantenham aquecidos agachando-se apertados - mas eles me
dizem que sua miséria é uma eleição e distinção por parte de Deus.
(NIETZSCHE, 1998, p.38)
23

Aqui se elucida que a batalha para tornar os ―valores de escravo‖ como


sendo algo que mereça méritos e honra. Neste sentido, o cristianismo tem seu papel
de destaque, o de enobrecer as fraquezas. Nietzsche ataca os cristãos afirmando
que são miseráveis, falsificadores e cochichadores, fazem da mentira uma verdade
absoluta, transmutando os valores, anulando a ―vontade de potência‖ que é ―a
vontade de durar, de crescer, de vencer, de estender e intensificar a vida‖
(NIETZSCHE, 1988, p. 63). Em suma, o que Nietzsche quer é que o homem fraco
venha vencer suas fraquezas para se tornar forte, entretanto, o cristianismo nega
essa atitude para valorizar a passividade, os direitos iguais, pois, somos todos
irmãos. Para Nietzsche, a doutrina de direitos iguais e a questão da vontade de
potência estão intimamente relacionadas.

O veneno da doutrina ―direitos iguais para todos‖ – foi o cristianismo que


mais fundamentalmente disseminou; a todo sentimento de veneração e de
distância entre homem e homem, isto é, ao pressuposto de toda elevação, de
todo crescimento de civilização, o cristianismo fez uma guerra de morte, a
partir dos mais secretos escaninhos dos instintos ruins – a partir do
ressentimento das massas ele forjou para si a principal arma que tem contra
nós, contra tudo que é nobre, alegre, magnânimo sobre a terra, contra nossa
felicidade na terra (NIETZSCHE, 1983, p. 353)

Na obra Vontade de Potência, o autor alemão afirma, ―a religião


amesquinhou o conceito ―homem‖ sua extrema conclusão é que tudo quanto é bom,
grande, verdadeiro, permanece sobre humano e só nos é dado pela graça‖
(NIETZSCHE1988, p. 128)
Existe ainda outro pronto na ideologia cristã, alvo da crítica nietzschiana,
a chamada ―bem-aventuranças‖ e ―galardão‖. Para se compreender este ponto
Nietzsche vai buscar na raiz no cristianismo, investiga o judaísmo no qual

Os sacerdotes são, como sabemos, os mais terríveis inimigos - por quê?


Porque são os mais impotentes. Na sua impotência, o ódio toma proporções
monstruosas e sinistras, torna-se a coisa mais espiritual e venenosa. Na
história universal, os grandes odiadores sempre foram sacerdotes, também
os mais ricos de espírito - comparado ao espírito da vingança sacerdotal,
todo espírito restante empalidece. (NIETZSCHE, 1998, p.26)
24

Certo de que o ódio e o ressentimento mascarados de espiritualidade têm


a capacidade de forjar valores, Nietzsche aponta a equação pela qual a casta
sacerdotal religiosa obteve seu sucesso:

Foram os judeus que, com apavorante coerência, ousaram inverter a


equação de valores aristocrática (bom = nobre = poderoso = belo = feliz =
caro aos deuses), e com unhas e dentes (os dentes do ódio mais fundo, o
ódio impotente) se apegaram a esta inversão, a saber, "os miseráveis
somente são os bons, apenas os pobres, impotentes, baixos são bons, os
sofredores, necessitados, feios, doentes são os únicos beatos, os únicos
abençoados, unicamente para eles há bem-aventurança - mas vocês, nobres
e poderosos, vocês serão por toda a eternidade os maus, os cruéis, os
lascivos, os insaciáveis, os ímpios, serão também eternamente os
desventurados, malditos e danados! (NIETZSCHE, 1998, p.26)

O ódio e a sede de vingança é algo intrínseco moral judaico-cristão, e


este por sua vez são criadores e juízes de valor. Na moral sacerdotal, há a
valorização da decadência no sentido de buscar a transmutação dos valores, vistos
que o ódio dos sacerdotes pelo nobre não está centrado apenas nos próprios
sacerdotes, contudo a ―classe baixa‖, a plebe sente este ódio e sede de vingança
pelos senhores nobres. Nota-se que há um esforço por parte da classe sacerdotal
em transmutar os valores morais dos senhores em moral de escravos.
Quem venceu a batalha dos valores, e agora vai reivindicar o seu
―galardão‖? Em Genealogia da Moral (1998) encontra-se a seguinte afirmação:

Mas que quer ainda você com ideais mais nobres! Sujeitemo-nos aos fatos: o
povo venceu - ou 'os escravos', ou 'a plebe', ou 'o rebanho', ou como quiser
chamá-lo se isto aconteceu graças aos judeus, muito bem! jamais um povo
teve missão maior na história universal. 'Os senhores' foram abolidos; a
moral do homem comum venceu. Ao mesmo tempo, essa vitória pode ser
tomada como um envenenamento do sangue (ela misturou entre si as raças)
- não contesto; mas indubitavelmente essa intoxicação foi bem-sucedida. A
'redenção' do gênero humano (do jugo dos 'senhores') está bem
encaminhada; tudo se judaíza, cristianiza, plebeíza visivelmente (que
importam as palavras!) (NIETZSCHE, p.28)
25

Não há dúvidas de que a moral religiosa conquistou meio mundo, e que para
isso utilizou-se da inversão dos valores tornando o que era miserável em algo nobre.
Diante disto a filosofia nietzschiana demonstra quão grande é a força do cristianismo
quando apontou como verdades suas inversões de valores:

[...] não pode haver dúvida: considere-se diante de quem os homens se


inclinam atualmente na própria Roma, como a quintessência dos mais altos
valores - não só em Roma, mas em quase metade do mundo, em toda parte
onde o homem foi ou quer ser domado -,diante de três judeus, como todos
sabem, e de uma judia (Jesus de Nazaré, o pescador Pedro, o tapeceiro
Paulo e a mãe do dito Jesus, de nome Maria).(NIETZSCHE, 1998, p.44)

Para Nietzsche as consequências desta ―intoxicação‖ feita pela cristianização


dos valores foi a decadência.

Hoje nada vemos que queira tornar-se maior, pressentimos que tudo desce,
descende, torna-se mais ralo, mais plácido, prudente, manso, indiferente,
medíocre, chinês, cristão - não há dúvida, o homem se torna cada vez
"melhor‖. (NIETZSCHE, 1998, p.35)

È por este motivo que deve esperar sua recompensa no ―reino de Deus‖.
Este pensamente é veementemente criticado pelo filósofo alemão Friedrich
Nietzsche que ressalta:

Parece-me que Dante se enganou grosseiramente, quando, com apavorante


ingenuidade, colocou sobre a porta do seu inferno a inscrição "também a mim
criou o eterno amor" - em todo caso, seria mais justificado se na entrada do
paraíso cristão e sua "beatitude eterna" estivesse a inscrição "também a mim
criou o eterno ódio" - supondo que uma verdade pudesse ficar sobre a porta
que leva a uma mentira! Pois o que é a beatitude desse paraíso? Talvez já
pudéssemos adivinhar; mas é melhor o testemunho de alguém cuja
autoridade na matéria não se pode subestimar: Tomás de Aquino, o grande
mestre e santo. "Beati in regno coelesti", diz ele, suave como um cordeiro,
"videbunt poenas damnatorum, ut beatitudo illis magis complaceaf' [Os
abençoados no reino dos céus verão as penas dos danados, para que
sua beatitude lhes dê maior satisfação]. (NIETZSCHE, 1998, p.40)
26

A pertinência da critica encontra-se na ideia de ressentimento que os cristão


guardam, tal ressentimento tornar-se-ia em prazer no ―dia do julgamento‖, pois, no
grande dia os cristãos assistiriam a punição, o desespero e a dor dos danados, visto
que estes não se tornaram cristãos, então devem ser castigados, e este castigo traz
o gozo, maior satisfação ao cristão. Ferreira Santos argumenta sobre as
―recompensas‖ do cristianismo:

O cristianismo de início, fora isso. Prometera o mundo, o céu – um lugar de


felicidade perene eterna, onde os justos apreciariam os requintes de torturas
que os demônios usariam para punição dos pecadores: os ricos, os
poderosos, os opressores. (NIETZSCHE, 1988, p. 37)

Para Dutra de Azeredo ―o desenvolvimento da culpa, na interpretação


nietzschiana, está diretamente relacionada ao advento do Deus cristão‖ (AZEREDO,
2000, p.132). O cristianismo atribuiu ao homem uma dívida que o mesmo não pode
pagar, pois, a dívida atinge grande proporção que passa a gerar um sentimento de
dependência de Deus. Azeredo ressalta ainda um aspecto muito importante:

Com o advento do Deus cristão e a moralização das noções de culpa e


dever, a dívida atinge proporções imensas, tornando-se impagável, torna-se
eterna. À medida que Deus oferece em sacrifício para pagar as dívidas do
homem, o resgate torna-se impossível, e a associação da dívida dom a falta
faz do homem alguém pela falta e, portanto, culpado. (AZEREDO, 2000,
p.134).

Crer em um Deus que pode levar a culpa pelos atos humanos é


demasiadamente ridículo na perspectiva nietzschiana que aponto o homem como
criador de Deus:

Para que o sofrimento oculto, não descoberto, não testemunhado, pudesse


ser abolido do mundo e honestamente negado, o homem se viu então
praticamente obrigado a inventar deuses e seres intermediários para todos
os céus e abismos, algo, em suma, que também vagueia no oculto, que
também vê no escuro, e que não dispensa facilmente um espetáculo
interessante de dor. Foi com ajuda de tais invenções que a vida conseguiu
então realizar. (NIETZSCHE, 1998, p.58)
27

Nietzsche (1998, p.58) afirma que o homem busca ―justificar a si mesmo,


justificar o seu mal‖ e que por este motivo cria deuses, para seu bel prazer (de ódio)
e se sentir aliviado.

[...] a humanidade atormentada, encontrou um alívio momentâneo, aquele


golpe de gênio do cristianismo: o próprio Deus se sacrificando pela culpa dos
homens, o próprio Deus pagando a si mesmo, Deus como o único que pode
redimir o homem daquilo que para o próprio homem se tornou irredimível - o
credor se sacrificando por seu devedor, por amor (é de se dar crédito?), por
amor a seu devedor! (NIETZSCHE, 1998, p.80)

O método de redenção do homem não se encontra no próprio homem, mas na


divindade criada, Deus. A filosofia nietzschiana percebe na tendência que o homem
tem de se ver sujo e indigno, afirma estas tendências como sendo uma espécie de
loucura.

Há uma espécie de loucura da vontade, nessa crueldade psíquica, que é


simplesmente sem igual: a vontade do homem de sentir-se culpado e
desprezível, até ser impossível a expiação, sua vontade de crer-se castigado,
sem que o castigo possa jamais equivaler à culpa, sua vontade de infectar e
envenenar todo o fundo das coisas com o problema do castigo e da culpa,
para de uma vez por todas cortar para si a saída desse labirinto de "idéias
fixas", sua vontade de erigir um ideal - o do "santo Deus" - e em vista
dele ter a certeza tangível de sua total indignidade. Oh, esta insana e
triste besta que é o homem! (NIETZSCHE, 1998, p.81)

A relação castigo e culpa é vista na filosofia nietzschiana como sendo algo


gerada pelo próprio homem, aqui a culpa não é uma sentença dada por Deus.
O termo ―vontade de sentir culpado‖ deixa claro que a culpa é um produto do
desejo humano, reforça ainda que este desejo se transforme em castigo, em juízo,
formas de punição. Nietzsche afirma em A Gaia Ciência (2006), que a contribuição
do cristianismo para reforçar a tendência humana foi de suma importância, ―A
decisão cristã de achar o mundo feio e mau tornou o mundo feio e mau.‖(p.132).
Esta ideia fixa de perceber o mundo mau e pecaminoso, de torná-lo um ―vale de
28

lágrimas‖ é também criticada por Ferreira Santos (1988) que escreve o prefácio da
obra Vontade de Potência, editada no Brasil pela Ediouro:

[...] a infâmia lançada sobre o mundo, acusando-o de ―vale de lágrimas‖. O


mundo é o vale de lágrimas para os ressentidos e para os acovardados.
Queria com sua crítica forçar os crentes amassem mais o mundo. Era uma
infâmia atacá-lo por culpa de nossas culpas. Era uma infâmia a Deus
imaginar que ele nos desterrara na terra. Somos nos filhos da terra e
devemos amá-la. (NIETZSCHE, 1888, p. 37)

É notório que o termo ―desterrara na terra‖ está vinculado a nossa


natureza terrena, fomos feitos da terra, não cabe a nós atacá-la ou atribuir a ela
qualquer culpa. É mister aqui compreender que a atitude que deve ser adotada por
parte dos homens não é a de desvalorização da vida e do mundo, mas sim a de
auto-superação, o de lutar por uma terra mais forte, sem lançar sobre os fortes o
julgamento de ódio e culpa.
Morais Barros em sua obra A Maldição Transvalorada (2002), afirma:
―Nietzsche irá tomar o conteúdo normativo da moralidade cristã como pedra angular
do programa civilizatório‖ (p.71). Certamente a cristianização dos valores teve
importância decisiva nas afirmações dos valores ocidentais:

Ora, em virtude dessa atuação terminantemente corrosiva, o cristianismo que


deu forma e substancia a civilização ocidental será, ao fim e ao cabo,
descrito como o sistema global de valorização a partir do qual se efetuou ―a
maior de todas as corrupções imagináveis (AC§62)‖. (BARROS, 2002, p. 95)

Em Vontade de Potência (1988), Nietzsche não nega que a religião tenha a


habilidade de levar a felicidade para alguns grupos, ao invés disto o autor alemão
afirma:

O cristianismo é ainda possível em cada instante [...] Não está ligado a


nenhum dos dogmas impudentes que se adotaram com seu nome: não tem
necessidade nem da doutrina nem de um Deus pessoal, nem do pecado nem
da imortalidade, nem da redenção, nem da fé: pode absolutamente dispensar
a metafísica, e ainda mais o ascetismo e também uma ―ciência natural‖ cristã
29

[...] Cristianismo é uma ―práxis” e não uma doutrina. Diz-nos com devemos
proceder e não o que devemos crer. (NIETZSCHE, p.136)

O cristianismo para Nietzsche deve se basear na ação, fincar seus pés na


terra, entretanto, a religião cristão prefere lançar no ―além‖ suas esperanças, forjar
uma doutrinas que domestiquem o homem, prometendo a este os céus para àqueles
que se tornam cristãos. ―A santa mentira inventou um Deus que pune e recompensa,
que reconhece exatamente o código dos sacerdotes‖ (NIETZSCHE,1988, p.134)
Em linhas gerais o filósofo alemão esclarece que o cristianismo tem maior
mérito em formar a moral de culpa no homem, pois, é o cristianismo que aponta ao
homem como um eterno devedor da dívida ―pecado‖, da qual o próprio Deus cristão
se encarrega de se tornar credor. Para Nietzsche:

[...] o expediente paradoxal e horrível no qual a humanidade atormentada


encontrou um alívio momentâneo, aquele golpe de gênio do cristianismo: o
próprio Deus se sacrificando pela culpa dos homens, o próprio Deus pagando
a si mesmo, Deus como o único que pode redimir o homem daquilo que para
o próprio homem se tornou irredimível - o credor se sacrificando por seu
devedor, por amor (é de se dar crédito?), por amor a seu devedor!
(NIETZSCHE, 1998, p.168)

4.1 JESUS CRISTO


―O último cristão morreu na cruz‖
Friedrich Nietzsche

Na filosofia de Nietzsche Jesus de Nazaré é encarado com um judeu


atípico que na análise de Ferreira Santos ―Cristo também foi um transmutador de
idéias e de princípios. Sua reforma representava para a Judéia, um movimento
revolucionário de grande envergadura‖ (1988, p. 40). Cristo quebrou princípios
judaicos tais como, comer sem lavar as mãos, falar com prostitutas, realizar obras
aos sábados e se identificar como o messias, aquele que pode perdoar pecados.
Acerca do perdão dos pecados, Nietzsche acredita ser um erro de Jesus:
30

O fundador do cristianismo pensava que nada fazia sofrer mais os homens


que seus pecados: - era um erro, o erro daquele que se sente sem pecados,
que não tem experiência disso! Assim sua alma se encheu com essa
maravilhosa piedade por um mal de que seu próprio povo, o inventor de
pecado, sofria raramente como de uma grande mal!(NIETZSCHE, 2006,
p.135)

Há ainda o aspecto religioso da época sobre o qual Jesus lança suas


bases de valores dos quais a religião judaica passou a encarar como uma afronta a
Deus. Nietzsche explicita que o judaísmo viu em Jesus uma forma de executar sua
vingança:

Esse Jesus de Nazaré, evangelho vivo do amor, esse "redentor" portador da


vitória e da bem-aventurança aos pobres, aos doentes e aos pecadores - não
era ele a sedução em sua forma mais inquietante e irresistível, a sedução e a
via sinuosa para justamente aqueles valores judeus e inovações judaicas do
ideal? Não teria Israel alcançado, por via desse "redentor", desse aparente
antagonista e desintegrador de Israel, a derradeira meta de sua sublime
ânsia de vingança? Não seria próprio da ciência oculta de uma realmente
grande política da vingança, de uma vingança longividente, subterrânea, de
passos lentos e premeditados, o fato de que Israel mesmo tivesse de negar
e pregar na cruz o autêntico instrumento de sua vingança, ante o mundo
inteiro, como um inimigo mortal, para que o "mundo inteiro", ou seja, todos os
adversários de Israel, pudesse despreocupadamente morder tal isca? E
porventura seria possível, usando-se todo o refinamento do espírito,
conceber uma isca mais perigosa? Algo que em força atrativa, inebriante,
estonteante, corruptora, igualasse aquele símbolo da "cruz sagrada", aquele
aterrador paradoxo de um "Deus na cruz", aquele mistério de uma
inimaginável, última, extrema crueldade e auto-crucificação de Deus para
salvação do homem? (NIETZSCHE, 1998, p.27)

Cristo passou a pregar valores que em seu âmago combatia a ideologia


judaica e o farisaísmo, ―sua doutrina combatia a decadência Judaica‖ (1988, p. 41)
afirma Ferreira Santos que prossegue com sua explicitação:

Todos os transmutadores da humanidade alcançam a voz contra a


decadência. E a decadência é sempre a morte. Cristo via a morte no seu
regime imperante em sua pátria. Cristo nunca se enganou quanto ao sentido
revolucionário de sua obra, tanto assim que avisou por diversas vezes aos
seus sectários que seriam perseguidos, apedrejados, espancados e mortos
pelos dominadores de sua situação política e religiosa de sua pátria. (1988,
p. 41)
31

Na filosofia nietzschiana não há intenção de tornar Jesus um herói,


entretanto, o filósofo quer ressaltar seu olhar diferenciado quando se trata de Jesus,
pois, Cristo não se ―encaixava‖ nos padrões morais da época, questionava a moral
da lei judaica e suas ações reforçavam seu discurso. Nas palavras de Moraes
Barros em sua obra A Maldição Transvalorada (2002) encontra-se a seguinte
referência sobre Jesus: ―Jesus seria, pois, um indivíduo incompatível, único, e
―original‖.‖( MORAIS BARROS. p.64). Ainda segundo este autor, a prática pacifista
de Cristo teria o levado a morte. Barros esclarece, ―Mais precisamente: sua prática o
matou‖ (MORAIS BARROS, 2002. p. 62).
Há que se apontar para o fato de que a pregação de não-resistência ao
agressor, ―Não resistais ao mal‖(Mt. 5:39). Assim sendo, tem-se na ausência de
reação um ato de rendição à força inimiga.
Para Nietzsche (1888, apud MORAIS BARROS, 2002. p. 62) ―Jesus é o
contrário de gênio: é um idiota. ―Entretanto a referência de ―idiota‖ não está aplicada
no sentido pejorativo-agressivo, mas sim, atestar o caráter ―extra social‖ do tipo em
questão‖ afirma Barros. (2002. p. 62).
Para Luiz Oselame Jesus Cristo é na interpretação nietzschiana, o
resultado da necessidade do povo, uma resposta a sede dos deserdados,
entretanto, Jesus não deixa de ser a expressão da força. Oselame relata:

Segundo Nietzsche resultado de uma interpretação absolutamente arbitrária


da mensagem de seu fundador, Jesus, no caso, é a expressão do
―pessimismo dos fracos, dos vencidos, dos oprimidos, dos que sofrem‖, em
contraposição ―à força de caráter, o espírito e o gosto; a ´mundanidade`‖ (VP.
§ 130). Mas, assim mesmo, não deixa de ser a expressão da força como tal.
(OSELAME, 2006, p.65)

Quando se questiona Nietzsche sobre um cristianismo ao moldes de


Cristo, o filósofo estabelece os seguintes parâmetros: ―o cristianismo ainda é
possível a qualquer momento [...] Quem disse ‗não quero ser soldado‘, ‗não me
preocupo com tribunais‘, ‗não lanço mão dos serviços policiais‘ – esse seria
cristão...‖ (NIETZSCHE, s.n, 1888, apud MORAIS BARROS, 2002. p. 66).
Para Ferreira Santos:
32

São os próprios cristãos que sentem o cristianismo diferente. A crítica de


Nietzsche fere profundamente a falsa fé dos homens de rebanho, dos
humildes que buscam atitudes, dos bons que precisam de testemunhas para
si e sua bondade. Nietzsche pregou um cristianismo mais viril. Grande para
ele foi Cristo quando deixou que vissem junto a si as criancinhas. Cristo foi
grande quando perdoou Maria Madalena [...] quando anatematizou os
fariseus. (NIETZSCHE, 1988, p. 42).

No livro de Matheus encontra-se a seguinte afirmação de Jesus ―Quem


tem ouvidos, ouça‖ (BÍBLIA NT, 1993, p. 14) Esta expressão nos chama a atenção
para a forma de discurso de Cristo que tinha uma retórica enigmática, e é neste
discurso que os cristãos reinterpretaram Jesus, criando uma nova religião. Para
Santos:

Cristo nunca falava diretamente. Usava de metáforas. Dava sempre as


palavras um sentido sutil e matizado. Foi isso precisamente que permitiu
forjassem as acusações que o levaram a morte. E foram as palavras dúbias –
porque a situação da Judéia, na época não permitia que fosse mais claro e
mais direto – que trouxeram a religião cristã tanta diversidade de
interpretações, tantos cismas, tantas heresias. (NIETZSCHE, 1988, p. 41).

Diante de tudo isso Nietzsche vai propor outra interpretação de Jesus que
não é a dos cristãos. Jesus não seria o ―salvador da humanidade‖, estaria Cristo na
visão nietzschiana mais próxima de ser considerado um ―salvador‖ no tocante a
forma de como se deve viver a vida. A práxis de Jesus não se prende à leis ou
regras do judaísmo, não quer ser exaltado por praticar o bem. Em suma, a crítica de
Nietzsche aponta como problema, o cristianismo e não a cristandade.
Em Vontade de Potência (s.d) o filósofo alemão considera os cristãos
covardes, visto que estes não praticam os atos de Jesus de Nazaré.

Os cristãos nunca praticam os atos que Jesus lhes prescreveu, e a


impudente fábula da ―justificação pela fé‖ e da significação superior e única
desta, é apenas a conseqüência da falta de coragem e de vontade da igreja
em executar as ―práticas religiosas‖ exigidas por Jesus. (NIETZSCHE,1988,
p.153)
33

5 A MORTE DE DEUS E A AUTO-SUPERAÇÃO

―Para onde foi Deus? – exclamou – “é o que vou


dizer. Nós o matamos – vocês e eu! Nos todos, nós
somos seus assassinos!”
Friedrich Nietzsche

Para muitos cristãos a ideia de matar Deus é um desafio no mínimo muito


além da capacidade humana; entretanto, quando Nietzsche levanta este tema não
tem a pretensão de lutar contra um espírito ou entidade divina.
No século XIX os movimentos modernistas tais como Iluminismo e
Humanismo afastavam cada vez mais a ideia de Deus do pensamento do homem,
que compreendia as novas ideias modernas, como a superação dos ideais
teocêntrico de outrora, assim o antropocentrismo toma o lugar de Deus, e a Europa
passa a vivenciar a morte de Deus. Foi neste contexto que o filósofo escreve ―Para
onde foi Deus? – exclamou – ―é o que vou dizer. Nós o matamos – vocês e eu! Nós
todos, nós somos seus assassinos!‖(NIETZSCHE, 2006, p.129). Neste trecho
ressalta que somos ―nós‖, homens modernos, que afastamos Deus e afirmamos que
a fé neste Deus não produz respostas plausíveis e sustentais para o novo
pensamento moderno.

Acerca da representação, do significado da figura de Deus, o autor de


Genealogia da Moral afirma, ―alguém que dizem impor esta submissão - chamam-no
Deus‖ (NIETZSCHE, 1998, p.81). Nota-se que Deus não é tratado como uma forma
divina, mas um ―alguém‖ que quer impor regras para instaurar a submissão, no
sentido de desenvolver um comportamento de ―rebanho‖ para tornar o homem mais
domesticado. Este ―alguém‖ é o próprio homem, criando e invertendo a ordem de
34

valores morais, tornando nobre tudo aquilo que é vil, louvável, aquilo que é
desprezível. Nietzsche afirma: ―O ar ruim! Esta oficina onde se fabricam ideais -
minha impressão é de que está fedendo de tanta mentira!" (NIETZSCHE, 1998,
p.39). Pretende-se explicitar neste trecho que o homem tem em si a capacidade de
criar ideias, estas por sua vez são atribuídas a Deus, a melhor das criações
humanas. Criar um autor para toda a ―mentira‖ e inversão de valores que o
cristianismo pregou. Em Ecce Homo (1888), o autor afirma, ―Deus é uma resposta
grosseira, uma indelicadeza para conosco, pensadores‖ (NIETZSCHE, p.81). O
filósofo alemão deixa bem claro que para ele apontar Deus como o autor da moral
imutável e eterna é uma questão de ―grosseria‖ e ―indelicadeza‖, haja vista ser o
próprio homem o animal avaliador e pai de toda a moral. Nietzsche pretende
demonstrar que a morte de Deus é importante para que o homem cresça, pois:

O fato de Deus ter se feito homem indica apenas que o homem não deve
buscar no infinito sua felicidade, mas fundar na Terra o seu céu; a ilusão de
um mundo sobre terrestre levou os espíritos humanos a uma atitude
equivocada perante o mundo terrestre: foi fruto de uma infância dos povos...
Em meio a difíceis dúvidas e lutas a humanidade se torna viril: ela reconhece
em si o começo, o meio e o fim da religião. (NIETZSCHE, 1998, p.168)

Fazendo a verificação do contexto europeu no século XIX, percebe-se


que Nietzsche quer ressaltar a morte de Deus como um evento, pois o homem
moderno vê em si mesmo a capacidade de compreender o mundo por meio da
ciência, a razão para ser enaltecida acima de tudo. Eis o evento, a ruptura com o
sagrado e a supervalorização da razão, é nisto que se encontra a morte de Deus.
Nietzsche escreve: ―para onde foi Deus? – exclamou _ É o que vou dizer. Nós o
matamos – vocês e eu! Nós todos, nos somos seus assassinos! Mas como fazemos
isso? [...] Deus continua morto‖ (NIETZSCHE, 2006, p.129).
A incitação nietzschiana acerca da morte de Deus,

[...] revela a falência dos valores supremos do ocidente, pois, todo valor
nasce de uma perspectiva que avalia e não de um valor absoluto. E essa
perspectiva que avalia revela uma vontade, uma qualidade de querer por trás
de cada avaliação. A morte de Deus abre para o questionamento de ―qual o
valor desses valores?‖ Que tipo de homem essa moral quer construir? Até
35

esse acontecimento, toda moral era divina, devia-se aceitar e obedecer,


nunca questionar. A desvalorização desses valores trouxe o niilismo, a falta
de sentido da existência, e o homem mergulha no tudo é vão, onde nenhuma
avaliação é mais possível... Mas também abre espaço para a criação de
novos valores, um oceano de possibilidades nunca antes imaginadas,
somente possíveis agora, depois desse grande acontecimento: A morte de
Deus! (ALMEIDA, G. C. M. Revista Ética & Filosofia Política, v.8, n.1, p.17-
20, jun. 2005.)

O autor de Aurora (1881) no prefácio da mesma obra aponta para


importância da morte da cultura teocêntrica outrora apresentada e vivida pela
sociedade. Tem-se o seguinte relato:

[...] não queremos voltar ao que consideramos como ultrapassado e caduco,


a alguma coisa que não consideramos como digno de fé, qualquer que seja o
nome que lhe for conferido: Deus, virtude, justiça, amor ao próximo; não
queremos estabelecer uma ponte mentirosa para um ideal antigo; temos uma
aversão profunda contra tudo o que em nós quisesse reaproximar e se
intrometer; somos os inimigos de toda espécie de fé e de cristianismo atuais
[...] (NIETZSCHE, 2007, p.19)

A filosofia nietzschiana entende o homem moderno como sendo o homem


que valoriza e preza pela racionalidade, é um ser esclarecido e por este motivo não
pode aceitar ideais absolutos de submissão, nem se curvar em atitudes de
subordinação. Deus neste contexto é a figura que representa ideais absolutos,
axiomas estes vividos outrora por uma sociedade ―ultrapassada e caduca‖. Em
Genealogia da Moral (1998) Nietzsche afirma que a o novo paradigma de
interpretação do mundo por meio da ciência afasta a ideia de Deus e torna a ciência
e a razão os novos deuses da modernidade. Nietzsche entende que o homem
moderno esclarecido deve compreender que a ciência é uma forma ateísta de
entender o mundo. A declaração nietzschiana ―nós, homens do conhecimento de
hoje, nós, ateus e antimetafísicos,‖ (1998, p.140) explicita bem a relação ciência
moderna/ateísmo.
Assim conforme demonstrado no parágrafo anterior Nietzsche acredita
que o homem precisa se desfazer de suas velhas muletas, das próteses que
historicamente foram sendo enxertadas e que agora não são mais necessárias
devido o avanço científico e intelectual, entretanto o homem sente desconfortável e
36

no seu íntimo não quer perder este ponto de apoio, eis então que se tem o seguinte
questionamento: ―(…) A grandeza deste feito não é demasiado grande para nós?
Não teríamos que nos tornar, nós próprios, deuses, para apenas parecer dignos
dela?‖ (NIETZSCHE, 2006, p.129). Matar Deus está intrinsecamente ligado ao
homem se desfazer de suas velhas crenças, da necessidade de se sentir consolado
por Deus, não esperar que a salvação venha do céu, pois, o que nos leva a nos
tornar ―nós próprios deuses” é a consciência de que devemos a nós mesmos a
nossa própria beatitude, iremos construir o reino de Deus na terra por meio da
racionalidade e esclarecimento.
Para Amorim de Oliveira Junior (2004), a morte de Deus é condição
primaria, para a partir daí o homem buscar sua auto-superação e tornar-se mais
capaz. Amorim argumenta: ―a morte de Deus é o ponto de partida para o
ensinamento da superação e do super-homem‖ (OLIVEIRA JUNIOR, 2004. p.155).
O termo ―super-homem‖ aqui é traduzido do original em alemão onde se lê
―Übermensch‖ que está ligado ideia do homem ir além do que é, para além do
demasiadamente humano, buscando ultrapassar os limites da superficialidade
imposta. Este termo pode também ser traduzido como ―para além do homem‖.
Azeredo define o termo ―Übermensch‖:

Ora, seria o estado de superação do homem, superação da culpa que ele


carrega, superação da doença que ele expandiu na terra. Essa doença é
inevitável no homem; contudo, é superável para além dele, o que coloca-o
além da culpa para além da história. (AZEREDO, 2000. p.154).

Ficou claro que na filosofia nietzschiana a morte de Deus é fator


fundamental para o advento ―Übermensch‖, pois, ―enquanto Deus é uma suposição,
não admirável pelo homem, o super-homem depende apenas da vontade criadora
do homem.‖ (OLIVEIRA JUNIOR, 2004. p.173).
Para Nietzsche é preciso compreender este novo paradigma, visto que é
necessária a ―auto-superação‖ enquanto ―essência da vida‖.
37

Ver a natureza como prova da bondade e proteção de um Deus; interpretar a


história para a glória de uma razão divina, como permanente testemunho de
uma ordenação moral do mundo e de intenções morais últimas; explicar as
próprias vivências como durante muito tempo fizeram os homens pios, como
se fosse tudo previdência, tudo aviso, tudo concebido e disposto para a
salvação da alma: isso agora acabou, isso tem a consciência contra si, as
consciências refinadas o vêem como indecoroso, desonesto, como mentira,
feminismo, fraqueza, covardia - devemos a este rigor, se devemos a algo, o
fato de sermos bons europeus e herdeiros da mais longa e corajosa auto-
superação da Europa"... Todas as grandes coisas perecem por obra de si
mesmas, por um ato de auto-supressão: assim quer a lei da vida, a lei da
necessária "auto-superação" que há na essência da vida. (NIETZSCHE,
1998, p.147)

No trecho acima lemos ―isso agora acabou,‖ onde o filósofo autor de


Genealogia da Moral aponta para o fim necessário da busca pelo ponto de apoio no
além, deve-se então tirar a cabeça das nuvens e voltar-se para a terra, pois isto é o
que nos resta após a morte de Deus. Oliveira Junior (2004) reforça este
pensamento:

O homem desde sempre, se auto-supera; porém, essas superações, essas


―vitórias‖ do homem sobre si próprio, enquanto não se conhece a morte de
Deus, orientam-se para o Além, são infidelidades à Terra, desprezo do corpo,
do terrestre, do sensível. Com o idealismo, o homem torna-se um ser
discordante e infeliz. (2004. p.137).

O ―Übermensch‖ de Nietzsche tem a consciência de finitude e não se


prende a necessidade de consolo metafísico, busca viver esta finitude, pois a
existência não tem uma justificativa, se não pela própria sede de viver a vida.
Nietzsche caracteriza o valor da vontade de potência do ―Übermensch‖
como algo primordial para se chegar à ―felicidade‖, esta pela qual é de pura
responsabilidade do homem, pois é este quem deve viver a vida apaixonadamente:

A felicidade (não ousaria dizer a ―potência‖: isso teria sido imoral); - portanto,
há em todo o ato do homem uma intenção, de alcançar por meio de
felicidade. Em segundo lugar se o homem não alcança efetivamente a
felicidade, a que se deve isso? Aos erros que comete no que concerne aos
meios. – Qual é o meio infalível para atingir a felicidade? Resposta: a virtude.
(NIETZSCHE,1988, p.203)
38

Os aspectos de ―Übermensch‖ estão inteiramente relacionados à busca


de um estado superior, ao poder de se superar, é algo que se relaciona
intrinsecamente com o homem, visto que este tem sobre si a capacidade (vontade
de potência) sobre sua vida, passa a entender que não é obra de Deus e encara a
vida como algo resultante do próprio querer. Assim, Oliveira Junior afirma: ―Ora,
creio que, em momento algum da obra nietzschiana, o super-homem é aludido como
um ideal para humanidade, sendo, ao contrário, um tipo de homem e não de
humanidade.‖ (OLIVEIRA JUNIOR, 2004, p.179).
Azeredo (2000) defende que ―Übermensch‖ na filosofia de Nietzsche é a
busca do homem estar sempre em busca de superação de si mesmo, mesmo fora
da esfera religiosa, pois a religião, a filosofia ou a moral não devem servir de limites
para o ―além do homem‖. Na obra ―Nietzsche e a dissolução da moral‖ Azeredo
deixa claro que ―a religião, a moral e a filosofia estabelecem padrões absolutos. Na
religião, Deus; na moral, o bem e o mal; na filosofia, o conhecimento verdadeiro.‖
(AZEREDO, 2000. p.162).
A compreensão de que não deve existir limites para o homem ir além,
―afirmar incondicionalmente a existência, [...] faz com que seja denominado
―demônio‖, pelos fracos.‖ (OLIVEIRA JUNIOR, 2004, p.179). O trecho de Genealogia
da moral (1998) evidencia este pensamento nietzschiano:

Como uma última indicação do outro caminho surgiu Napoleão, o mais único
e mais tardio dos homens, e com ele o problema encarnado do ideal nobre
enquanto tal - considere-se que problema é este: Napoleão, esta síntese de
inumano e sobre-humano.(NIETZSCHE, 1998, p.45)

Em 1927 Martin Heidegger publicou sua obra Ser e Tempo na qual o


autor aponta ―Übermensch‖ como não sendo um exemplar pronto de um tipo de
homem, a definição de Heidegger tem um caráter de multiplicidade:

Nietzsche não tem em mente um exemplar singularizado qualquer do gênero


dos ―homens‖ até aqui, junto ao quais capacidades e intenções singulares do
homem habitualmente conhecido são excepcional e monstruosamente
aumentada e elevada. O nome designa muito mais a figura essencial daquela
39

humanidade que futuramente experimentará e reconhecerá seu próprio ser -


humano enquanto vontade de poder [...] o super homem é jamais um tipo de
homem que pudesse surgir pela primeira vez através da aplicação da filosofia
de Nietzsche. (HEIDEGGER, 2002, p.201 apud OLIVEIRA JUNIOR, 2004. p.
187-188)

Segundo Oliveira Junior (2004), a interpretação do termo ―super homem‖


para Heidegger está vinculada ao indivíduo e não a um grupo. A meta de
―Übermensch‖ é pessoal e não social.

Assim, na interpretação do autor de Ser e tempo, o super – homem não


significa a ―superdimensionalização‖ do homem até hoje vigente: anunciado
como sendo sentido da terra, o sentido do próprio homem, o Übermensch
nietzschiano é uma meta a ser atingida, uma meta que deve ser instituída
pelo próprio indivíduo. (OLIVEIRA JUNIOR, 2004, p.179).

Em linhas gerais, observa-se que o conceito de ―Übermensch‖ não é um


conceito ―acabado‖ no sentido de se ter os caminhos já tratados para que alguém
possa trilhar em busca da auto-superação. O ―ir além do homem‖ não está limitado
à luta contra o niilismo religioso, mas se mostra feroz opositor a qualquer tipo de
ideologia que torne o homem ―animal de rebanho‖. Para Oliveira Junior:

O homem não é um ser social, por natureza, segundo Nietzsche: ele resolve
viver em sociedade apenas a partir da necessidade de usufruir dos
benefícios que a coexistência pode lhes fornecer. Assim, substitui-se a
motivação instintiva e natural, para se viver em sociedade, por outra,
fundamentada no interesse em se adquirir vantagens pessoais por meio da
vida comum. (OLIVEIRA JUNIOR, 2004, p.131).

Percebe-se que a ―necessidade de usufruir dos benefícios que a


coexistência‖ social oferece passa a formar no homem uma moral de rebanho, haja
vista que algo passa a ser apresentado como referência de felicidade no sentido de
se ter conforto, bem-estar, lazer (hedonismo), padrões de consumo. Tais padrões
passam a ser uma referência suprema, ―a verdadeira felicidade‖ e tem a capacidade
de massificar o comportamento social, assim os homens ―buscam refúgio na
40

estabilidade e no caráter absoluto dos conceitos metafísicos [...] não suporta a vida
como luta incessante‖ (OLIVEIRA JUNIOR, 2004, p.116).
O ―Übermensch‖ da filosofia nietzschiana nasce como necessidade à
―morte de Deus‖, morte do niilismo e a superação do estado decadente do homem.
O conceito de ―além do homem‖ é algo individual inerente àquele que deseja alçar
vôos altos, busca superar-se a cada momento, negando tudo aquilo que lhe é
apresentado como verdades supremas.

6. O SENTIDO DE “ÜBERMENSCH” E A EDUCAÇÃO

“Um dia virá em que só se terá um único


pensamento: a educação”
Friedrich Nietzsche

O termo ―Übermensch‖ não se trata de uma filosofia de métodos, visto


que o filósofo não tem a intenção de sistematizar o conceito, por outro lado, a
questão de o homem buscar sua superação, seu ir além daquilo que é, pode ser
aplicado em todas as esferas do desenvolvimento no sentido de aprimorar a
experiência de viver a vida. Para Rosa Maria Dias:

Tomar Nietzsche como exemplo significa [...] "dar à vida o valor de um


instrumento e de um meio de conhecimento", procedendo de modo que os
falsos caminhos, os erros, as ilusões, as paixões, as esperanças possam
conduzir a um único objetivo – a educação de si próprio. (DIAS, 1990.p.115)

Percebe-se na interpretação de Dias (1990) a necessidade de perceber a


educação enquanto forma para aquisição de conhecimentos por meio das
experiências vivenciadas, visto que ―os falsos caminhos, os erros, as ilusões, as
paixões, as esperanças possam conduzir a um único objetivo – a educação de si
mesmo‖ (DIAS, 1990, p.115). Para a autora de Nietzsche Educador (1990):
41

Tomar Nietzsche como exemplo significa educar-se incansavelmente;


adquirir uma capacidade crítica pessoal e uma capacidade de pensar por si;
aprender a ver, habituando o olho no repouso e na paciência; dominar o
"instinto do saber a qualquer preço" (DIAS, p.115).

Larrossa também estabelece a importância da experiência:

A experiência é um passo, uma passagem. Contém o ‗ex‘ do exterior, do


exílio, do estranho, do êxtase. Contém também o ‗per‘ de percurso, do
‗passar através‘, da viagem, de uma viagem na qual o sujeito da experiência
se prova e se ensaia a si mesmo. E não sem risco: no experiri está o periri, o
periculum, o perigo (LARROSA, 2004, p.67).

O ―Übermensch‖ nietzschiano aqui é este ser que busca o conhecimento


por meio das experiências, vai além do que lhe é apresentado (os conteúdos), está
pronto a criticar todo conhecimento que fortalece a ―moral de rebanho‖. O ―instinto
do saber a qualquer preço‖ faz referência à luta contra qualquer sistema educacional
que busque ―escravizar o indivíduo, paralisar sua iniciativa, debilitar sua atividade
intelectual e diminuir seu poder criativo‖ (OLIVEIRA JUNIOR, 2004. p.40).
Todo sistema educacional contemporâneo está comprometido com a
ideologia política e moral que o Estado quer reproduzir enquanto verdade na vida
dos educandos, é neste contexto que o ―Übermensch‖ faz-se necessário, assim
―deve-se abominar o ensino que não vivifica e o saber que esmorece a atividade. O
homem deve aprender a viver...‖ (DIAS, 1990, p.60).
Na filosofia nietzschiana o homem é o ―criador de valores‖, ele é avaliador
e deve conseguir superar qualquer axioma outrora ―sacralizado‖. A grande questão
aqui é; há lugar no sistema educacional para tal indivíduo inquiridor, avaliador e
amante da vida?

Para Nietzsche a educação moderna, onde predomina o ritmo da memória,


da repetição, do culto aos antepassados, não possibilita novas experiências,
novas formas de viver, apenas treina habilidades que possam garantir um
sujeito dócil, disciplinado, que siga e obedeça aos valores em curso. Ou seja,
uma educação que se movimenta no ritmo da imitação repetidora, da cópia,
da suposta universalidade ética, numa dança onde os passos iguais não
42

permitem a criação, o imitar construtivo, que leve a eliminar a inércia e a


reconstruir, a superar-se. (MESSER, 2006)

Somos uma geração condicionada ao passivo, por esta razão é difícil e


lenta uma revolução em nosso pensar e consequentemente em nossa educação. A
grande maioria dos professores(as) incluídos(as) no sistema educacional fazem-se
escravos das teorias e pensamentos que receberam, pois, tomam para si a prática
educacional como algo dogmático com o intuito de transmitir um sistema de ideias e
conceitos. Nietzsche jamais aceitou qualquer tipo de pensamento que pregasse um
certo tipo de modelo a ser seguido, visto que, o modelo anula a capacidade criadora
do homem, inibe a vontade de potência e reafirma a passividade.
O homem deve ir além de si mesmo, alçar vôos altos, experimentar
outros ares, educar para além do bem e do mal ensinados pelas escolas e igrejas,
haja vista que a educação busca homogeneizar conceitos e relações humanas.
Segundo Althusser (1970), o poder ideológico presente na educação, ―a
escola, as Igrejas ‗moldam‘ por métodos próprios de sanções, exclusões, seleção...
etc., não apenas seus funcionários, mas também suas ovelhas.‖ (ALTHUSSER,
1970; 1985 p.70).
Marton (1990) concorda com Althusser (1970) sobre a capacidade do
estado e igreja de formar indivíduos que passam a reproduzir a visão que lhe foi
ensinada. Além disso, Marton aponta também como aparelho de reprodução
ideológica a educação que passa a valorizar aquele que reproduz com maior
exatidão o que lhe é ensinado em um ―processo para tornar o educando semelhante
ao educador‖ (MARTON, 1990, p.113)
Segundo Marton:

O Estado procuraria moldar os que se acham sob sua tutela, incutindo-lhes o


orgulho da pátria, o respeito à bandeira, a educação cívica. O partido político
tentaria formar os que a ele se filiam, infundindo-lhes a disciplina partidária,
os deveres do militante, a educação política, A Igreja buscaria preparar os
que a ela se agregam, impondo-thes a aceitação dos dogmas, os mistérios
da fé, a educação religiosa. Os bons cidadãos, os partidários incondicionais e
os fiéis convictos deveriam limitar-se a cumprir ordens, executar tarefas,
submeter-se a ditames. Os subversivos seriam banidos pelo Estado, os dissi-
dentes, expulsos do partido, os hereges, excomungados pela Igreja. Como
os pais não toleram que os filhos tenham idéias e preceitos diferentes dos
seus, o Estado, o partido político e a Igreja não admitiriam que os cidadãos,
os partidários e os fiéis discordassem de seus preceitos e idéias. A educação
43

— familiar, cívica, política ou religiosa — apareceria como um processo para


tornar o educando semelhante ao educador. Esse seria, aliás, o princípio de
toda organização gregária: impedir as singularidades, suprimir as diferenças.
(MARTON, 1990, p.113)

Para Nietzsche o saber é feito para nós, não somos receptáculos


destinados ao acúmulo de dados.
Dias (1990) defende que:

O saber absorvido sem medida aparente pelo homem deixa de atuar como
motivo transformador, não aflora, permanece escondido e forma o que
Nietzsche chama de sua "interioridade" – um amontoado de coisas
acumuladas desordenadamente. A oposição entre interior e exterior no
homem é, na verdade, o sintoma mais evidente de uma cultura decadente e
da ausência de uma unidade de estilo. (DIAS, 1990, p. 66)

O saber deve contribuir para inquietar o homem, levá-lo a se questionar,


questionar seus valores e ações, entretanto a educação inúmeras vezes valoriza a
repetição, a reprodução quase que inconsciente dos saberes. No artigo de Sylvia
Messer (2006), apresentado II Seminário Nacional de Filosofia e Educação, a autora
ressalta:

Se entendermos os valores como dados, postos, imutáveis, absolutos, a


educação moderna está contribuindo como deve para a educação do
homem, pois, a partir desta concepção o papel fundamental da dança
educativa é formar um ser humano reprodutor, passivo, sujeitado aos valores
morais existentes, devendo ser treinado apenas para repetir e cultuar os
valores dados pela tradição, existentes. O homem só precisa memorizar e
repetir. (MESSER. 2006)

Messer (2006) não trata aqui da educação liberal tradicional no século


XX, ela está a abordar aspectos de nossa educação contemporânea que ainda se
prende ao ideal já construído, que valoriza a reprodução das informações
repassadas aos alunos (as). Ela tece uma crítica no sentido de apontar a negação
da potencialidade do educando, por não perceber a capacidade criativa. Neste
sentido é fundamental
44

[...] que a educação possibilite ao homem desenvolver suas potencialidades


criativas, buscando superar-se em direção a algo superior, no sentido de criar
novos valores, ou promover a metamorfose dos mesmos para ascender a
vida. Conduzam a uma nova forma de dançar, pensar. Para Nietzsche é
necessário um rompimento com os ritmos musicais a que estamos
acostumados a bailar, é preciso nos desvencilhar de nossos pares
(verdades) fixos, para podermos buscar novos caminhos, novos pés que nos
conduzam a uma nova forma de dançar, pensar. (MESSER. 2006)

Assim a educação deve valorizar as características do ―Übermensch‖,


haja vista que na filosofia nietzschiana o homem deve buscar o ―tornar-se melhor‖.

Um homem bem nascido adoça os nossos sentidos: ele é composto de uma


fibra ao mesmo tempo dura, tenra e perfumada. Apraz-lhe somente aquilo
que lhe é útil: o seu prazer e o seu desejo cessam quando ele ultrapassa os
limites do útil. Adivinha ele todos os meios para reparar os males, afastando-
se dos acidentes adversos; aquilo que não o aniquila torna-o bem mais forte.
De tudo o que ele vê, ouve, vive, colhe instintivamente a sua suma; é um
princípio de seleção: muitas coisas deixa cair. Está sempre em sua
companhia, ou ocupando-se com os livros, ou com os homens, ou com as
paisagens: como discerne, como aceita, como confia, ele também honra.
Reage a toda espécie de fascinação, lentamente, com aquela lentidão que
lhe ensinaram uma longa prudência e uma soberba volúpia; examina o
enlevo que ascende a ele _ está bem longe de ir-lhe ao encontro. Não
acredita nem na "desventura" nem na "culpa": prevê logo qualquer coisa,
consigo mesmo e com os outros, sabendo, sobretudo olvidar; é
suficientemente forte para que tudo lhe redunde em benefício próprio.
(NIETZSCHE, 1999, p.39)

O ―Übermensch‖ trata-se de uma ótica nietzschiana de encarar a vida, de


vivê-la. Quando Nietzsche denuncia a visão reprodutivista na educação, ele passa a
afirmar a necessidade da superação, que deve ser um exercício de valorização da
capacidade criativa do homem.

Oh, demolir é fácil, mas edificar! E mesmo demolir parece mais fácil do que
é; somos tão intimamente condicionados pelas impressões de nossa infância,
as influências de nossos pais, nossa educação, que esses preconceitos
profundamente enraizados não podem ser facilmente removidos por
argumentos racionais ou por simples vontade. (NIETZSCHE, 1998, p.164)
45

Percebe-se que o termo ―nossa educação‖ aqui é utilizado para revelar o


caráter formativo, pois, transmite ao indivíduo crenças, ―verdades‖ e ideais.
Para Rosa Maria Dias (1990) ―todo o sistema educacional é concebido
como se o jovem pudesse descobrir sua vida nas técnicas passadas‖ (DIAS, 1990,
p.60). Na obra Aurora (2007), o autor descreve: ―A educação é uma continuação da
procriação e muitas vezes uma espécie de paliativo ulterior desta.‖ (NIETZSCHE,
2007, p.264).
Nota-se que Nietzsche propõe que o indivíduo não seja educado pelo
sistema, escola, igrejas, convívio social, visto que estes são condicionadores de
nossas impressões sobre a verdade, sobre como devemos ser e viver. O ir além
está justamente na luta contra ―algumas idéias devem se tornar indeléveis,
onipresentes, inesquecíveis, "fixas", para que todo o sistema nervoso e intelectual
seja hipnotizado por essas "idéias fixas" (NIETZSCHE, 1998, p.51). Quanto a
afirmação "não deve ser educado‖, é mister a compreensão da filosofia nietzschiana
de que afirma que o indivíduo educado é aquele que aceita as condições morais e
passa a viver segundo verdades outrora impostas. O filósofo afirma: ―a educação é
essencialmente o meio de arruinar a exceção em favor da regra‖ (NIETZSCHE,1988,
p.322).
Para Jacques Derrida:

[...] Quanto ao professor, ele fala a estes estudantes que o escutam. O que
ele pensa ou faz para, além disso, é separado por um grande abismo na
percepção dos estudantes. Freqüentemente o professor lê falando. Em
geral quer ter o maior número possível de ouvintes, em caso de necessidade
se satisfaz com alguns, quase nunca de um só. Uma boca que fala, muitas
orelhas e metade das mãos que escrevem - aí está o aparelho acadêmico
externo – aí está em atividade a máquina cultural da universidade. (1984,
p.110-114 apud PERBONI E GOMES, 2009)

Nietzsche quer elevar o homem ao máximo de suas possibilidades,


mostrar a ele o que deveria ser realmente o sentido de educar e denunciar a atitude
de adestramento dos professores que primam pelo conhecimento inerte.

Nossos educadores não empregaram esses anos ardentes e ávidos de saber


para nos guiar em direção ao conhecimento das coisas, mas que os
utilizaram para a ―educação clássica‖! [...] Quando nos impunham, à força, a
matemática e a física, em lugar de primeiramente nos fazer passar pelo
46

desespero da ignorância e reduzir nossa pequena vida cotidiana, nossas


ocupações, e tudo o que se passa da manhã à noite em casa, no escritório,
no céu e na natureza, com milhares de problemas — problemas torturantes,
humilhantes, irritantes — para mostrar então a nossos desejos que acima de
tudo temos necessidade de um saber matemático e mecânico e nos ensinar
então o primeiro entusiasmo científico que a lógica absoluta desse saber
proporciona! (NIETZSCHE, 2007, p.178).

Os professores devem proporcionar aos alunos a paixão pela vida, o


desenvolvimento e aprimoramento do espírito, o conhecimento teórico deve ser
tomado de maneira crítica. Conforme exposto por Nietzsche:

Instrução própria para desenvolver o espírito! Não teríamos podido apontar


com o dedo os melhores professores de nossos colégios e perguntar rindo:
―Onde está, pois, essa instrução própria para desenvolver o espírito? E se
não existir, como poderiam ensiná-la?‖ (NIETZSCHE, 2007, p.178).

O aluno deve buscar se fortalecer, tornar-se mais hábil por meio da


educação, jamais deve aceitar conteúdos regurgitados sobre si. Dias (1990) alude
de modo a afirmar:

Todavia, essa geração deverá educar-se a si mesma e contra si mesma –


isto é, terá de formar novos hábitos e uma nova natureza, desfazer-se de sua
primeira natureza, abandonar seus primeiros hábitos, de tal modo que diga:
"Que Deus me defenda de mim, da natureza que me foi inculcada". (DIAS,
1990.p. 67).

A escola deve valorizar a potencialidade criativa do professor e


compreender o aluno como aquele que vai causar mudanças, propor transformações
e buscar a sua superação, entretanto Nietzsche alerta sobre a maioria que sempre
vai preferir o conforto do ―já concluído‖, das verdades ―inquestionáveis‖. Este
pensamento é tudo aquilo que o ―Übermensch‖ nietzschiano lança-se contra, jamais
aceitar o adestramento em prol de uma formação conteudista e acrítica, que nega
essencialmente a maior capacidade humana, a de destruir e criar novos
conhecimentos.
47

7. DESCRIÇÃO DO LOCAL DA PESQUISA

"Sobre a educação. Paulatinamente esclareceu-se,


para mim, a mais comum deficiência de nosso tipo
de formação e educação: ninguém aprende,
ninguém aspira, ninguém ensina - a suportar a
solidão"
Friedrich Nietzsche

O Colégio Estadual Damiana da Cunha mantido pelo Poder Público


Estadual, administrado pela Secretaria da Educação e jurisdicionado a
Subsecretaria Regional de Educação de Goiânia foi escolhido como o local de
pesquisa, devido os ideais ressaltados no regimento escolar da entidade, que em
seu artigo cinco afirma:

Art. 5. O Colégio Estadual Damiana da Cunha é uma instituição pertencente


ao sistema estadual de ensino e por ele é mantida.
Parágrafo único. O Colégio Estadual Damiana da Cunha é público e
oferecerá ensino gratuito e laico direito da população e dever do poder
público e estará a serviço das necessidades e características do
desenvolvimento e aprendizagem do educando. (GOIÂNIA, 2009)

Nota-se que a escola tem o compromisso de potencialização do


educando por meio de uma educação laica. O seguimento escolar a ser
pesquisado será o da Educação de Jovens e Adultos visto que a escola tem como
objetivo Art. 11 §4. ―Proporcionar ao jovem e ao adulto a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades‖ (GOIÂNIA, 2009).
48

Sobre a função deste setor da escola vale citar o artigo onze do


regimento escola:

Art. 11. São objetivos, com duração de dois anos, da Educação de Jovens e
Adultos:
I. Proporcionar ao trabalhador e comunidade, uma formação básica
necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades, a sua
autorrealização, ao preparo para o exercício pleno da cidadania, preparando-
o para uma maior participação na sociedade competitiva em que está
inserido, bem como para sua inserção e atuação no mercado de trabalho.
II. Propiciar ao jovem e adulto a oportunidade de continuidade de estudos
para aqueles que não tiveram acesso à escola na idade própria.
III. Promover a formação integral do jovem, dando continuidade ao trabalho
desenvolvido no Ensino Fundamental, a partir da sistematização dos
conhecimentos adquiridos;
IV. Fornecer ao jovem e ao adulto um amplo e profundo conhecimento dos
conceitos e informações, necessário ao encaminhamento educacional;
V. Proporcionar ao jovem e ao adulto os requisitos educacionais exigidos
pelas áreas prioritárias de formação dos recursos humanos do país;
VI. Desenvolver seu pensamento crítico e sua autonomia intelectual;
VII. Possibilitar ao jovem e ao adulto uma ampla visão das diferentes
alternativas de trabalho que o mercado oferece;
VIII. Proporcionar ao jovem e ao adulto a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades, como instrumento de
autorrealização e preparação para o trabalho;
IX. Proporcionar ao jovem e ao adulto, condições de reflexão sobre suas
atividades genéricas e curriculares, para melhor situar-se em sua escolha
profissional;
X. Proporcionar ao jovem e ao adulto a compreensão dos fundamentos
científicos e tecnológicos dos processos produtivos, tornando-o capaz de
relacionar a teoria à prática no ensino das diversas disciplinas;
XI. Capacitar o aluno para o exercício ético, crítico e consciente da
cidadania. (GOIÂNIA, 2009).

Assim sendo, a escolha deste local de pesquisa foi feita com bases nas
propostas pedagógicas e pressupostos axiomáticos implícitos no regimento escolar
que norteia as ações pedagógicas da escola, princípios referentes aos pontos
levantados neste trabalho tais como; desenvolvimento das potencialidades do
homem, do pensamento crítico e busca de formação laica do indivíduo (morte de
Deus), a autorrealização em detrimento do niilismo. Heidegger (2002) já afirmava:

Nietzsche não tem em mente um exemplar singularizado qualquer do gênero


dos ―homens‖ até aqui, junto ao quais capacidades e intenções singulares do
homem habitualmente conhecido são excepcional e monstruosamente
aumentada e elevada. O nome designa muito mais a figura essencial daquela
humanidade que futuramente experimentará e reconhecerá seu próprio ser -
49

humano enquanto vontade de poder [...] (HEIDEGGER, 2002, p.201 apud


OLIVEIRA JUNIOR, 2004. p. 187-188)

O Colégio Estadual Damiana da Cunha situa-se na rua C 500, n°89,


Setor Centro-Oeste, cidade de Goiânia, estado de Goiás.

8. COLETA DE DADOS

A pesquisa de campo foi realizada em duas partes distintas,


primeiramente foi formulado questionário com questões referentes à visão do
professor sobre a importância da religião e sua capacidade de formar valores. Esta
foi aplicada aos professores que responderam às questões. Em seguida foi aplicado
um questionário individual a vinte alunos do 4° ano do sistema EJA do ensino médio.

8.1 APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

Referente à aplicação de cada instrumento para a pesquisa, foi escolhido


o Colégio Estadual Damiana da Cunha sob jurisprudência do governo do estado de
Goiás na cidade de Goiânia. É considerada de médio porte.
Os questionários foram aplicados por mim em sala de aula aos vinte
alunos do período noturno das 19 horas às 22 horas. Todos os alunos
responderam ao questionário de cinco questões. Optei por perguntas fechadas em
que o entrevistado tem opção de resposta. Os alunos gastaram em média 10
minutos para responder ao questionário, não houve dúvidas quanto à interpretação e
legibilidade das perguntas. Participaram (vinte) alunos do sexo masculino e
feminino, todos maiores de dezoito anos.
Escolhi ainda cinco professores que lecionam para alunos do sistema
EJA1, mas também são professores em escolas privadas e ministram aulas para
outros níveis da educação além do EJA. Todos os professores que responderam ao

1
Educação de jovens e adultos.
50

questionário são docentes efetivos do estado de Goiás e possuem licenciatura e


pós-graduação em sua área de atuação.
O referido questionário foi composto de cinco perguntas abertas de caráter
subjetivo, com o objetivo de averiguar a concepção de cada docente sobre a
influência da religião cristã na formação ética, moral e acadêmica do aluno. Os
docentes responderam ao questionário em casa e me entregaram num prazo de
dois dias.

9 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

―Se criar é ultrapassar-se, a criatura deve


prevalecer sobre o criador”.
Scarlett Marton

A partir da discussão feita neste trabalho, apresentarei neste momento a


análise dos dados encontrados, com o intuito de compreender a realidade
encontrada.

Inicialmente, para compreendermos alguns aspectos relacionados à


organização do Colégio Estadual Damiana da Cunha e também em relação aos
alunos e professores, é fundamental situarmos os mesmos.

9.1 RELAÇÃO ALUNO E ESCOLA

Nietzsche afirma que o ocidente passou a ser formado por uma moral
cristianizada, ―o cristianismo que deu forma e substância a civilização ocidental‖
(BARROS, 2002, p. 95). A partir desta afirmação buscou-se encontrar no ambiente
escolar da sala de aula dados que justificassem ou não a ideia do ocidente ter
passado por um período de cristianização.
A tabela abaixo mostra que dentre os vinte alunos entrevistados, dezoito
professam a fé em um Deus.
51

TABELA 1 – DISTRIBUIÇÃO DE ALUNOS QUE RESPONDERAM OS


QUESTIONÁRIOS PROFESSANDO A FÉ EM DEUS.

Quant. %
Sim 18 90
Não 2 10

Nietzsche afirma: ―Deus é uma resposta grosseira, uma indelicadeza para


conosco, pensadores‖ (NIETZSCHE, p.81). Barros explicita que para Nietzsche que
a crença em Deus despotencializa o homem, pois, a existência de Deus ensina ao
homem valores absolutos que não devem ser negados ou questionados, desta
forma não requer nem estimula a capacidade criadora que o homem possui.

[...] a verdade, a universalidade, a essência, o ser e Deus são


interpretações introduzidas pelo homem no mundo, convenções que
referendam um modo de ser que viabiliza uma dada existência. Há de se
resgatar os símbolos, tomando-os como interpretações essenciais, e
excluindo assim a validade incondicional de uma construção que impõe ao
ser, ao conhecer e ao agir um fundamento absoluto‖(AZEREDO, 2000.
p.10)

Todos os entrevistados que acreditam em Deus procuraram também


uma religião para seguir, pois, acreditam encontrar na religião uma forma de se
relacionar com Deus, de viver os valores por Deus estabelecidos e assim a
felicidade, mesmo que seja para um mundo vindouro.

O gráfico nº. 1 mostra o número de pessoas que buscam a religião:


52

Como visto anteriormente, o filósofo Morais Barros (2002) acredita que


―Nietzsche irá tomar o conteúdo normativo da moralidade cristã como pedra angular
do programa civilizatório‖ (p.71). Para validar esta afirmativa, foram encontrados os
seguintes dados:
TABELA 2 – TIPO DE RELIGIÃO ADOTADA PELOS ESTUDANTES DO 4° ANO
EJA

Qual religião professa?


Quant. %
Protestante 5 25
Católica 9 45
Espírita 1 5
Outras 4 20
Não tenho religião 1 5

Nota-se que setenta e cinco por cento dos entrevistados têm sua religião
diretamente ligada ao cristianismo, sendo 25% protestantes e 45% cristãos
católicos. Apenas 5% dos entrevistados não seguem qualquer religião. Observa-se
no quadro abaixo o perfil dos alunos.

O gráfico nº. 2 mostra o perfil do aluno quando a religião adotada:


53

No que diz respeito ao modo com que os alunos do 4º ano percebem a


importância da educação e a influência da religião sobre a formação do individuo,
nota-se que existe uma certa conscientização acerca da influência do ensino
religioso na forma de ver e de viver a vida de cada educando pesquisado.

O gráfico nº. 3 mostra a influência do ensino religioso na forma de ver e viver a vida:

Dentre vinte alunos pesquisados fica claro que a metade deles (ver gráfico
n° 3) entendem que o ensino religioso tem influência sobre suas vidas, visto que o
ensino da religião trabalha com valores absolutos de verdade, bom e mal, estes
54

passam a construir a ótica do educando, passando assim a nortear a forma de viver


e avaliar, assim o aluno entende o valor como dado verdadeiro a ser seguido.
Messer adverte:

Se entendermos os valores como dados, postos, imutáveis, absolutos, a


educação moderna está contribuindo como deve para a educação do
homem, pois, a partir desta concepção o papel fundamental da dança
educativa é formar um ser humano reprodutor, passivo, sujeitado aos valores
morais existentes, devendo ser treinado apenas para repetir e cultuar os
valores dados pela tradição, existentes. O homem só precisa memorizar e
repetir. (MESSER. 2006)

Nota-se que Messer (2006) aponta para os valores implícitos nos ideais
religiosos, a valoração de certos axiomas como imutáveis e verdadeiros tendem a
formar sujeitos passivos e não reflexivos contribuindo para a construção da tão
criticada ideologia de rebanho, pois tendem a massificar valores e comportamentos.

[...] o cristianismo que deu forma e substância a civilização ocidental será, ao


fim e ao cabo, descrito como o sistema global de valorização a partir do qual
se efetuou ― na maior de todas as corrupções imagináveis (AC§62)
(BARROS, 2002, p. 95).

No próximo item os alunos foram questionados sobre a validade e


importância dos conhecimentos ensinados pela escola. Ao analisar os dados
obtidos, fica evidente que os alunos que passaram pelo sistema EJA de ensino e
concluem o ensino médio passam a valorizar o conhecimento enquanto algo útil que
os torna mais capazes e criativos.

TABELA 3 – SOBRE A IMPORTÂNCIA E OBJETIVO DO CONHECIMENTO

Quant. %

Bom, desenvolve minha potencialidade 12 60

Bom, destinado ao mercado de trabalho 4 20


55

Ruim, não serve para a vida real 4 20

Para a coordenadora do Grupo de Estudos Nietzsche (GEN), Scarlett


Marton (2006):

Os neo-humanistas têm o projeto de formar homens cultos, capazes de


exercitar de maneira plena e harmoniosa todas as suas potencialidades.
Esperam transformar o caráter do estudante e fazer dele um homem novo.
[...] Por isso o ensino deve ser puro e desvinculado de qualquer objetivo
prático; a cultura deve ser criação desinteressada e desligada de qualquer
intenção utilitária. (MARTON. 2006, p.16)

Um fato preocupante é que quarenta por cento destes alunos ainda


acreditam que o saber não tem relação com a vida real ou serve apenas para um
designo utilitarista, tal como uma vaga no mercado de trabalho. O gráfico abaixo
demonstra claramente a ótica dos alunos que concluem o ensino médio do sistema
EJA. Observe o gráfico.

O gráfico nº. 4 mostra a importância e objetivo do conhecimento, bem como o


impacto do saber na vida do aluno:
56

Para Rosa Maria Dias ―todo o sistema educacional é concebido como se


o jovem pudesse descobrir sua vida nas técnicas passadas‖ (DIAS, 1990, p.60).
Nietzsche denuncia a ideologia de rebanho que a escola e a sociedade prega, a
pedagogia do acúmulo de informação para nada serve se não potencializar o
homem, ele passa a afirmar a necessidade da superação, que deve ser um exercício
de valorização da capacidade criativa do homem.

Oh, demolir é fácil, mas edificar! E mesmo demolir parece mais fácil do que
é; somos tão intimamente condicionados pelas impressões de nossa infância,
as influências de nossos pais, nossa educação, que esses preconceitos
profundamente enraizados não podem ser facilmente removidos por
argumentos racionais ou por simples vontade. (NIETZSCHE, 1998, p.164)

9.2 RELAÇÃO PROFESSOR, ALUNO E ESCOLA

Para testar a compreensão do professor a respeito dos ideais do


―Übermensch‖ nietzschiano foram aplicados questionários em forma de entrevistas,
cinco professores das muitas diferentes áreas do conhecimento (matemática,
português, história, ensino religioso, biologia), estes responderam ao questionário de
forma subjetiva.
Em relação à primeira questão da entrevista na qual foi abordado acerca
da importância da religião cristã na formação do indivíduo, bem como a capacidade
de tornar o homem mais feliz, verificou-se a seguinte visão:
Todos os entrevistados acreditam que a religião cristã tem excelentes
resultados na formação do indivíduo mais sociável e feliz, pois segundo cem por
cento dos entrevistados os valores pregados pelo cristianismo ajuda a criar uma
moral da melhor convivência. Segundo Nietzsche, o segredo do cristianismo é
apontar a moral cristã como algo universalizado e inquestionável, sendo necessária
a crítica da gênese dos valores, ―Nietzsche procede a uma desmistificação de uma
religião, de uma moral e de uma filosofia universais‖ (AZEREDO, 2000. p.11).
Barros ressalta:
57

Nietzsche combate que no cristianismo é preciso, em última análise,


ascender à compreensão da crítica aos valores morais por ele elaboradas.
Decerto, no bojo dessa crítica encontra-se a própria concepção nietzschiana
de valor, espinha dorsal do conhecimento genealógico ―(BARROS, 2002, p.
35).

Segundo Dutra de Azeredo:

Ora, a absolutização da moral tem como plano de fundo a autodefesa, que


visa justamente a mascarar o medo através da universalização dos seus
preceitos. Deste modo, uma dada interpretação moral é posta como ― a
mora, única existente e de validade incondicional. Seus mandamentos, ou,
pelo menos, o valor deles, é intocável e inquestionável. Todavia, é uma moral
que mascara a hostilidade para com a vida. (AZEREDO, 2000, p.74)

Percebe-se então como foi explicitado no capítulo três acerca da


generalização dos valores que se auto-afirma como ― ―a moral inquestionável‖, esta
passa a desempenhar o papel de mascarar o medo levando o homem a criar aquilo
que Nietzsche chama de ― ―moral de rebanho‖.
Quando os professores foram questionados sobre a relação felicidade e
religião houve também unanimidade. Na realidade, Nietzsche não nega esta
capacidade da religião, o filósofo alemão apenas critica a espera da felicidade por
parte do místico, do além da vida e das potencialidades do homem. A filosofia
Nietzschiana entende que o cristianismo deve ser entendido como atitude e não uma
doutrina ou dogma a ser seguido.

O cristianismo é ainda possível em cada instante [...] Não está ligado a


nenhum dos dogmas impudentes que se adotaram com seu nome: não tem
necessidade nem da doutrina, nem de um Deus pessoal, nem do pecado,
nem da imortalidade, nem da redenção, nem da fé: pode absolutamente
dispensar a metafísica, e ainda mais o ascetismo e também uma ―ciência
natural‖ cristã... Cristianismo é uma ―práxis” e não uma doutrina. Diz-nos
como devemos proceder e não o que devemos crer. (NIETZSCHE, p.136)

Na segunda questão foi posto a prova a percepção dos docentes quanto


ideologia explícita na Lei nº 9.394 da LDB de 1996. Questionou-se assim que tipo de
58

individuo espera-se formar com a implantação do ensino religioso como disciplina


obrigatória nas escolas.

TABELA 4 – SOBRE O TIPO DE INDIVÍDUO QUE SE ESPERA FORMAR COM A


IMPLANTAÇÃO DO ENSINO RELIGIOSO

Que tipo de individuo espera-se formar com a implantação do ensino religioso como disciplina
obrigatória nas escolas?
Quant. %
2
Autônomos (Vontade de potência ) 1 20
3
Passivos ( Moral de Rebanho ) 4 80

Segundo Nietzsche, a vinculação de ensino religioso à educação é


demasiadamente retrógrada, pois, para o filósofo é de suma importância a
aniquilação de qualquer ideal teocêntrico outrora apresentado e vivido pela
sociedade. Assim a Lei nº 9.394 da LDB de 1996 caracteriza-se como um retrocesso
no processo de desenvolvimento social e consequentemente educacional. Ver a
religião como parte da cultura brasileira que não pode ser rompida, quebrada a
marteladas é aceitar o velho e o retrógrado como modelo eterno.

[...] não queremos voltar ao que consideramos como ultrapassado e caduco,


há alguma coisa que não consideramos como digno de fé, qualquer que seja
o nome que lhe for conferido: Deus, virtude, justiça, amor ao próximo; não
queremos estabelecer uma ponte mentirosa para um ideal antigo; temos uma
aversão profunda contra tudo o que em nós quisesse reaproximar e se
intrometer; somos os inimigos de toda espécie de fé e de cristianismo atuais
[...] (NIETZSCHE, 2007, p.19)

O gráfico nº. 5 mostra o tipo de indivíduo que se espera formar com a implantação
do ensino religioso:

2
Valorização da capacidade criativa do homem é a prática do ―além do homem‖ nietzschiano.
3
Tipo de ensinamento que visa desenvolver um comportamento de ―rebanho‖ para tornar o homem
mais domesticado, mais passivo e flexível, ―bem educado‖.
59

No capítulo cinco foram apresentadas quais reações existem entre a


potencialidade do indivíduo e religião com seus valores imutáveis. A filosofia
nietzschiana entende o homem moderno como sendo o homem que valoriza e preza
pela racionalidade, é um ser esclarecido e por este motivo não pode aceitar ideais
absolutos de submissão, nem se curvar em atitudes de subordinação. Deus neste
contexto é a figura que representa ideais absolutos, axiomas estes vividos outrora
por uma sociedade ―ultrapassada e caduca‖.
Vinte por cento dos professores entendem que se é uma determinação
instaurada por lei as aulas de religião, devem partir por um prisma crítico, deve-se
trabalhar a crítica dos valores; a auto-crítica deve ser posta em prática nas aulas.
Nas palavras de Nietzsche ―(…) A grandeza deste feito não é demasiado grande
para nós? Não teríamos que nos tornar, nós próprios, deuses, para apenas parecer
dignos dela?‖ (NIETZSCHE, 2006, p.129)
Na obra ―Nietzsche Educador‖ encontra-se a seguinte citação:

Tomar Nietzsche como exemplo significa educar-se incansavelmente;


adquirir uma capacidade crítica pessoal e uma capacidade de pensar por si;
aprender a ver, habituando o olho no repouso e na paciência; dominar o
"instinto do saber a qualquer preço (DIAS, 1990, p.115)
60

O próximo ponto a ser abordado trata da valorização das potencialidades


do educando no sistema educacional brasileiro. Observe o gráfico abaixo:

O gráfico nº. 5 mostra como os professores percebem a valorização do educando


no sistema educacional brasileiro no tocante a criticidade e valorização da
capacidade criativa:

No capítulo seis explicitou-se sobre a importância do ―Übermensch‖


nietzschiano, pois somente pela superação se chega ao novo, entretanto, todo
sistema educacional contemporâneo está comprometido com a ideologia política e
moral que o Estado quer reproduzir enquanto verdade na vida dos educandos, neste
contexto que o ―Übermensch‖ faz-se necessário, pois, ―deve-se abominar o ensino
que não vivifica e o saber que esmorece a atividade. O homem deve aprender a
viver...‖ (DIAS, 1990, p.60)
Oitenta por cento dos professores reconhecem a deficiência do sistema
educacional no tocante a estimular os alunos a superar-se, a questionar e a
entender que os conhecimentos a eles apresentados jamais devem ser aceitos
como verdades absolutas ou saberes inquestionáveis. A aceitação sem
questionamento faz parte da moral de rebanho e como tal não produz novos
saberes.

Para Nietzsche a educação moderna, onde predomina o ritmo da memória,


da repetição, do culto aos antepassados, não possibilita novas experiências,
novas formas de viver, apenas treina habilidades que possam garantir um
sujeito dócil, disciplinado, que siga e obedeça aos valores em curso. Ou seja,
61

uma educação que se movimenta no ritmo da imitação repetidora, da cópia,


da suposta universalidade ética, numa dança onde os passos iguais não
permitem a criação, o imitar construtivo, que leve a eliminar a inércia e a
reconstruir, a superar-se. (PEREIRA, 2009)

Para Althusser: ―a escola, as Igrejas ―moldam‖ por métodos próprios de


sanções, exclusões, seleção... etc. não apenas seus funcionários, mas também suas
ovelhas.‖ (ALTHUSSER, 1985, p.70).
Jacques Derrida aponta que o papel do professor na educação tem sido o
de ―reprodutor‖ de saberes:

[...] Quanto ao professor, ele fala a estes estudantes que o escutam. O que
ele pensa ou faz para, além disso, é separado por um grande abismo na
percepção dos estudantes. Freqüentemente o professor lê falando. Em
geral quer ter o maior número possível de ouvintes, em caso de necessidade
se satisfaz com alguns, quase nunca de um só. Uma boca que fala, muitas
orelhas e metade das mãos que escrevem - aí esta o aparelho acadêmico
externo – aí está em atividade a máquina cultural da universidade. (1984,
p.110-114 apud PERBONI E GOMES, 2008)

Cabe agora ao ―Übermensch‖, seja ele professor ou aluno superar este


paradigma que sacraliza os saberes como redentores do indivíduo. O saber por si só
não tem poder criativo, cabe ao homem criar e superar. Para Marton (2006): ―é
preciso haver morte para que surja o ―além do homem‖, ele aponta para uma nova
maneira de sentir, pensar e avaliar‖ (MARTON, 2006, p.31).
Dentre todos os professores entrevistados, todos (100%) apontam o
conhecimento como algo extremamente importante e dentre a totalidade dos
entrevistados, cem por cento deles estão de comum acordo que o conhecimento
deve ter relação com a vida, para assim adquirir sentido pratico e real.
Nietzsche não admite o ensino isolado dos saberes, para ele deve-se
fazer com que o aluno sinta paixão pela vida ―para mostrar então a nossos desejos
que acima de tudo temos necessidade de um saber matemático e mecânico e nos
ensinar então o primeiro entusiasmo científico que a lógica absoluta desse saber
proporciona!‖ (NIETZSCHE, 2007, p.178)
A questão final do questionário aos professores levanta duas velhas
indagações, o que é educar? A educação pode tornar o indivíduo melhor?
62

Ficou claro que durante todo o trabalho desenvolvido, a filosofia


nietzschiana fundamenta-se na negação do já posto como verdade, na recusa dos
métodos que visam impor um comportamento de massa para aceitação de
determinados (por outros) valores, pois, estas condutas tendem a formar a criticada
moral de rebanho em detrimento do ―Übermensch‖.
Quanto às respostas obtidas por meio dos questionários, observa-se
uma unanimidade no conceito de educar, o que faz suscitar uma certeza, a de que o
aparelho ideológico do Estado fez um excelente trabalho na formação dos docentes,
pois estes apontaram para o conceito de educar como sendo, ―dar o exemplo para
ser seguido‖, ―transmitir conhecimento‖, ―o que convive bem com todos‖. Não
encontrei em qualquer um dos questionários a ideia de questionamento da realidade
ao educando, o superar velhos paradigmas ou mesmo a paixão pela vida. No
capítulo intitulado ―O sentido de ―Übermensch‖ e a educação‖, procurei demonstrar a
importância dos valores relacionados à capacidade criadora do homem,
relacionando-os à educação. Em nenhum momento foi valorizado o ―seguir
exemplos‖ ou a transmissão de conhecimento, estes por sua vez foram criticados no
capítulo cinco que trata da morte de Deus e a auto-superação. O conhecimento
teórico deve ser tomado de maneira crítica. Conforme exposto por Nietzsche:

Instrução própria para desenvolver o espírito! Não teríamos podido apontar


com o dedo os melhores professores de nossos colégios e perguntar rindo:
Onde está, pois, essa instrução própria para desenvolver o espírito? E se não
existir, como poderiam ensiná-la? (NIETZSCHE, 2007, p.178).

A filósofa Scarlett Marton aponta que a formação crítica e a paixão pela


vida exigida pelo ―Übermensch‖ nietzschiano é um processo longo e muitas vezes
doloroso, que requer bastante disciplina:

Nietzsche adverte: é preciso disciplina para desfazer-se de hábitos,


abandonar comodidades, renunciar a segurança. É preciso estar sempre de
sobreaviso, impedir a defesa de convicções, evitar a adoção de crenças.
Enfim, é longo o processo de libertação para tornar o espírito livre (MARTON,
2006, p.62).
63

CONSIDERAÇÕES FINAIS

"Educação. A educação é um prosseguimento da


geração e, com freqüência, uma espécie de
embelezamento posterior da mesma"

Friedrich Nietzsche

Esta investigação demonstrou como os valores passaram a ser formados


dentro do contexto cristianizado. A moral constrói o ser humano e permeia todas as
64

suas concepções, julgamentos e conceitos. Os valores morais que passaram a


constituir os pilares axiomáticos contemporâneos fundamentam-se na religião cristã
que por sua vez aponta para os seus próprios valores como sendo algo
inquestionável e imutável. Neste cenário surge o ―Übermensch‖ nietzschiano que
proclama a ―morte de Deus‖, o fim do legado do ―imutável e inquestionável‖, morte
dos deuses que sacralizam valores como sendo absolutos.
O além do homem de Nietzsche não tem fronteiras, ele aponta a
necessidade de romper dogmas, paradigmas e limites, propõe a libertação de nós
mesmos, daquilo que nos fez ser o que somos. Foram apresentadas primeiramente
neste trabalho, as conjecturas acerca das propostas nietzschianas para a
valorização da vida e superação do que somos por meio da vontade de potência.
Fundamentou-se também na crítica a ideologia de rebanho que nos é posta como
verdade, enquanto ―moral social‖ que leva o indivíduo à passividade e flexibilidade,
pois esta, conduz-nos a aceitar e a reproduzir tudo aquilo que nos é apresentado
como verdade moral.
As interpretações que foram feitas do ―Übermensch‖ nietzschiano neste
trabalho aponta para a forma de encarar a vida e para a educação que tem na
filosofia de Nietzsche a tarefa de ―desenvolver o espírito‖ de percepção da vida
como a única oportunidade que nos seres humanos temos para criar, visto que o
autor alemão critica àqueles que lançam no ―além‖ essa oportunidade.
Fez-se ainda a análise da influência do cristianismo na concepção dos
valores, percebeu-se assim que a influência exercida pelo cristianismo na sociedade
contemporânea foi tão eficaz que mesmo no caso do Brasil que declara na
constituição o estado laico da educação, passa a votar leis que obrigam as escolas a
ministrarem aulas de ensino religioso. Percebe-se que a filosofia de Nietzsche
encontra seu lugar no século XXI.
Parte do capítulo quatro foi dedicado ao estudo da pessoa de Jesus
Cristo, haja vista que a figura de Jesus é apontada por Nietzsche como
transmutador de valores que combatia a ideologia judaica e o farisaísmo. Jesus é
autêntico em sua busca, pois não se encaixava nos padrões morais da época.
Assim, Nietzsche acusa os cristãos de não viverem um cristianismo autêntico, visto
que os cristãos preferem seguir dogmas e doutrinas à ―práxis‖, ao ser.
No capítulo ―o sentido de ―Übermensch‖ e a educação‖ foram abordados
os conceitos de superação e a relação deste conceito com a educação. Com a
65

pesquisa de campo elucidou-se a necessidade do exercer o ―Übermensch‖


nietzschiano no contexto educacional por parte dos alunos, escolas e docentes.
Notou-se também por meio da pesquisa que a grande maioria dos professores não
valorizam a capacidade criativa do alunado na construção do conhecimento.
Em linhas gerais, a pesquisa apresentada explicita a urgência da
valorização da capacidade criativa do homem, a vida precisa ser vivida no sentido
de desenvolver as potencialidades do indivíduo, a educação precisa fazer parte
deste processo. Nietzsche lança um desafio para seus contemporâneos, o de
transformar e criar novos valores para a vida e consequentemente para a educação.
66

REFERÊNCIAS

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ideológicos de Estado. Trad.: Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de
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Discurso Editorial e Editora UNIJUI, 2000.

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HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. In: OLIVEIRA JUNIOR, Nietzsche -


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LARROSA, Jorge. Nietzsche & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

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67

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