“A crítica é constitutiva da filosofia, isto é, não há filosofia
sem crítica.” Assim há crítica quando há um compromisso ou uma promessa de acção. Critica-se o que se fez porque deveria ou poderia ser feito de outra forma. Vem isto a propósito do profissionalismo do filósofo. Aquele que busca, que pensa e interroga para além da mera aparência ou do demasiado óbvio. A filosofia “ensina” aquilo que torna o homem diferente. Ensina a aceitar o risco como fazendo parte inequívoca do respirar numa sociedade que está pejada de nauseabundos narcisistas, fantasmas de outros tempos ou maquiavélicos derrotistas. Ser filósofo (mesmo espontâneo) significa ser diferente – aquele que é apontado como não fazendo parte da regra banal, mas da excepção libertadora e prometaica. Aquele que transporta a luz da razão e ilumina com a sua acção as vidas mesquinhas e coléricas dos que pensam mal. A diferença acentua, normalmente, a qualidade. Viver em consonância com os princípios fundados na sobriedade intelectual e na reflexão pessoal significa “remar” contra a maré alienada do senso comum que adormece subjugada pela vulgaridade acrítica e pouco imaginativa. Correr o risco de ser não o outro, igual aos outros, mas o diferente dos restantes é mostrar o monstro que há em si, isto é, mostrar a vulnerabilidade ou fragilidade que resulta da exposição continuada aos olhares embrutecidos do microsocial absurdo. Reflectir, questionar, pôr em causa são os pressupostos daqueles que não se deixam manietar pelo cinismo que privilegia a igualdade na mediocridade. Existem especímenes humanos que aparentemente não se encontram vocacionadas para a ruptura ou procura incessante do espanto primordial. Esses seres ditos humanos não conseguem analisar-se, pois encontram-se embrutecidos pelo mirar da ignorância e pelo narcisismo redundante. São egocêntricos, distraídos, e mostram-se surdos para a reflexão, para a consciência criadora que supera os obstáculos da animalidade e altera o percurso da vulgaridade ou da apatia imbecilizante. Observamos, no nosso quotidiano, esses seres humanos pejados de sabedoria ridícula, que tudo apontam aos outros, que descobrem nos outros a sua ignorância mascarada em gargalhadas de hienas risíveis. Eivados de preconceitos e dogmas absurdos apresentam sintomas de histeria colectiva ao arreganharem as fauces descarnadas de sabedoria e de consciência moral. Esses seres humanos que convivem com os sábios passeiam-se pelas frases feitas, exaltam a futilidade. Como víboras arredadas do paraíso celestial – o amor à sabedoria – procuram conspurcar tudo à sua passagem rasteira e rastejante. Pululam pelos cantos silvando hediondas palavras que apenas evidenciam a ausência de valores próprios e de dignidade social. Nos seus discursos desconexos percebe-se a inveja, a raiva profunda e o imobilismo intelectual – porque nada fazem nem querem que alguém produza algo de bom e de útil. Podemos concluir, que estes espécimes não são exemplo para ninguém. Esses outros, que no dizer do filósofo francês Jean-Paul Sartre “são o inferno”, manifestam nos seus cérebros, embotados pela massificação, uma letargia escassamente iluminada que apenas percebe o patamar do período concreto.