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CULTURA DA PAZ
Resumo: Este artigo demonstra os resultados da realização do projeto “Educação para todos e
Cultura da Paz: a Agenda Internacional na escola pública”, desenvolvido durante o
ano de 2005 pelo Núcleo de Ensino da UNESP de Franca. Trata-se de um projeto que
está em consonância com a preocupação da UNESCO com a disseminação de uma
ética educacional voltada para a cultura da paz em oposição à cultura da violência em
vários e diferentes níveis. Entendendo ser a Educação – sobretudo em sua forma
institucional através da escola pública – um dos aparelhos mais eficazes para a
construção de uma ética para a paz, o projeto teve como um de seus pilares o debate
crítico dos principais temas internacionais como mote para se deflagrarem situações
em sala de aula em que fosse possível desenvolver a cultura da paz, por meio das
experiências do local ou individual ao global ou coletivo.
INTRODUÇÃO
Para muitos teóricos, a violência, por ser uma das características do mundo animal,
pela própria necessidade de sobrevivência da espécie, é elemento sem o qual a própria existência
humana seria inviável. Ao lado disso, a idéia de progresso aliada à concepção de mundo civilizado
em oposição a mundo bárbaro permeia a formação cultural de origens ocidentais. Porém, teóricos
respeitados como Boaventura de Sousa Santos (1989 e 2003), entre tantos outros, questionam
sobremaneira a noção de progresso que alavanca simultaneamente as conquistas tecnocientíficas
e confirma as disparidades e lacunas sociais. Em outras palavras, o homem demonstrou –
sobretudo no século XX – que o sonho de evoluir ou progredir sempre à frente, linearmente como
1
Coordenadora do Projeto e Professora Assistente Doutor do Departamento de Educação, Ciências Sociais e Política Internacional da
FHDSS/UNESP – Franca/SP. Responsável pelas disciplinas Cultura e Linguagem e Antropologia Cultural do curso de Relações
Internacionais.
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Discente do 4º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e colaboradora do Projeto.
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Discente do 3º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e bolsista do Projeto.
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Discente do 4º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e colaboradora do Projeto.
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Discente do 2º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e colaboradora do Projeto.
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Discente do 2º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e colaboradora do Projeto.
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Discente do 3º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e colaborador do Projeto.
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uma flecha, não era tão simples ou tão inquestionável assim. O mundo assistiu a duas grandes
guerras e pôde testar seus avanços tecnológicos à custa de grandes perdas humanas. Não que “o
sonho tenha acabado”, mas certamente a plena convicção de que estaríamos caminhando
invariavelmente rumo ao progresso e que este seria necessariamente sinônimo de felicidade para
todos enfrenta, contemporaneamente, novas reflexões acerca do agir humano no planeta.
Conforme Santos:
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caminho rumo à Cultura da Paz. Este é o maior desafio de educadores, pais, e de todos os que se
dedicam direta ou indiretamente à construção de um mundo mais digno para abrigar a todos, mas
principalmente às gerações que ainda estão por vir.
Em 2005, o projeto “Educação para Todos e Cultura da Paz” pôde contar com
apenas um discente/bolsista da UNESP, do curso de Relações Internacionais, mas, mesmo assim,
o trabalho foi plenamente desenvolvido por conta da participação efetiva de mais cinco alunos,
todos do curso acima referido. A coordenação do projeto sempre se deu de modo a sustentar –
dentro do próprio grupo – a ética da paz, a fim de dirimir os conflitos – quando eles surgiam –
evidenciando a necessidade de se viver a paz como condição imprescindível a fim de se atuar por
ela. Para alguns, aliás, este objetivo só é contemplado a partir do diferencial oferecido pela
experiência individual em intersecção constante com a coletiva: Be The Change, portanto, constitui
o mote para esta atuação. Importa salientar, porém, que educadores e educandos que trabalham
sob essa égide não devem ser “contumazes engolidores de sapo”, como equivocadamente
pensam alguns mais desavisados acerca do tema. Ao contrário, para se atuar nesse sentido é
preciso assumir uma postura pró-ativa, e não simplesmente reativa ou passiva. É preciso guardar
muito cuidado com o modismo acerca deste tema. Não basta vestir a camiseta com os dizeres
“sou da paz” ou fazer passeatas, embora isso, muitas vezes, seja parte importante do processo.
Um dos grandes desafios atuais para aqueles que pretendem trabalhar com seriedade esse tema
reside na desmistificação em torno desse ideal. A paz não se encontra pronta. Ela é incompleta,
como os homens e mulheres o são. Mas é no horizonte da perfectibilidade possível que se
consegue, paulatinamente, construir um paradigma menos violento e mais pacífico. E isso exige
trabalho árduo e mudanças nos âmbitos individual e social. Para muito além de um discurso
politicamente correto, a Cultura da Paz exige ação constante rumo à sua efetivação.
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DESENVOLVIMENTO
Desconfiei do mais trivial
na aparência do singelo
E examinei, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.
B. Brecht
Diante da necessidade de uma atuação mais ativa no ambiente escolar que fosse
ao encontro da implementação de uma cultura de paz, o projeto teve como objetivos fazer com
que o aluno do Ensino Médio refletisse criticamente sobre temas que compõem a Agenda
Internacional, os quais se encontram intrinsecamente ligados aos Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio do Governo. Com a aproximação do aluno da escola pública do
ambiente universitário, através de uma prática educacional para a cidadania, com ênfase na
importância do envolvimento de toda a sociedade na tomada de decisões na área político-social,
foi possível para o secundarista conhecer um pouco do ambiente universitário, o qual era, para
muitos, completamente desconhecido. Assim como ocorreu com os alunos da escola pública em
relação à universidade, os discentes e docente da UNESP também se aproximaram do ambiente
escolar, ampliando seu campo de visão e ação. O incentivo à atuação de líderes que se
destacassem tanto entre professores como entre estudantes, objetivando fazer com que as
problematizações feitas em sala de aula fossem multiplicadas, entre outras ações desenvolvidas
com a sala, evidenciaram que o número de pessoas beneficiadas pelo projeto se dá diretamente –
na escola, incluindo alunos, pais e professores – e indiretamente, uma vez que o projeto foi
apresentado em diversos congressos dentro e fora do país.
Cabe aqui salientar que a educação para a paz diferencia-se da educação acerca
da paz, onde o conceito de paz é tido como algo perfeito e acabado, meramente explicativo e
estabelecido. Educar para a paz constitui-se em um processo de construção que depende
diretamente da atuação individual e coletiva guiada por uma consciência participativa no sentido
da criação de referenciais não-violentos e o fortalecimento de conexões; da formação de um
consenso para paz; do fortalecimento de pessoas para serem ativistas de não-violência; da
abolição de preconceitos e estereótipos; da instrumentalização da resolução não-violenta de
conflitos; e da diminuição do potencial de agressão (GUIMARÃES, 2005). Sob a orientação desses
princípios de uma educação para a paz constituiu-se o projeto aqui tratado.
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Assim como se deu durante 2004, também em 2005 os discursos veiculados pelos
Meios de Comunicação de Massa puderam ser utilizados como ferramenta para se engendrarem
reflexões críticas acerca dos relatos que eles traziam e da ideologia por eles sustentada. Como
afirma o professor Ubiratan D’Ambrósio:
Acho que os meios de comunicação deveriam ser mais bem utilizados. Hoje é possível
ver os conflitos mundiais na televisão ou no computador. Esse material é riquíssimo, traz
informações, gera emoções. É preciso falar sobre os conflitos, debatê-los e tentar
encontrar possibilidades de resolvê-los. Assim se faz uma educação voltada para o
despertar da consciência. ( D’AMBRÓSIO, 2003)
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A sala de aula com a qual o grupo trabalhou contava com cerca de 45 alunos na
faixa etária dos 15 aos 17 anos. A cada encontro o ambiente físico da sala de aula era disposto em
círculo a fim de se quebrar qualquer sentimento de distanciamento entre os alunos da escola e os
discentes da UNESP, incentivando uma maior participação. Isto ocorreu de maneira gradativa ao
longo do desenvolvimento do projeto. Inicialmente foi percebida uma dificuldade dos adolescentes
em emitir opiniões referentes às discussões levadas à sala de aula, reflexo do já esgotado sistema
de educação vigente onde os mesmos não são estimulados a refletir criticamente sobre o que lhes
é apresentado, caracterizando o modelo da educação bancária exposta por Paulo Freire (1979).
Percebeu-se que quanto mais dinâmicos a exposição do tema e os artifícios levados, maior o
interesse dos alunos do CEDE.
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Para a realização do projeto, o grupo estudou e debateu textos de diferentes
autores que abordavam a temática da Cultura da Paz, direta ou indiretamente. Esta pesquisa se
deu através de reuniões entre os discentes e a coordenadora e também através das discussões
com outros discentes do Núcleo de Estudos Lingüísticos e Culturais (NELC), cadastrado no CNPq,
liderado pela docente responsável pelo projeto e que conta com a atuação de estudantes do
Núcleo de Ensino também. O projeto privilegiou, para sua execução com vistas à importância do
aspecto lúdico no processo ensino/aprendizagem, a interpretação de textos poéticos, o incentivo a
espaços de criação com os alunos secundaristas, a valorização de suas potencialidades artísticas.
Enfim, o principal objetivo era estimular uma atmosfera de prazer pelo saber, pela troca de
experiências e pela escola. Ou seja: parte-se do princípio de que só se pode atuar rumo à paz se
ela é vista como possível e alcançável. A arte – o grupo nunca duvidou disso e depois da atuação
na escola pôde ter certeza empírica – é elemento galvanizador, capaz de transcender os limites
mais cotidianos, sem, no entanto, prescindir destes mesmos fatores da vida comum de cada
homem e mulher em sociedade. Dessa forma, o diálogo com a sala e a interação dos alunos
“rivais” entre si eram facilitados, motivados, estimulados pela perspectiva da criação artística e
pela fruição estética. Na esteira de tais propostas, foi possível, numa perspectiva de
transversalidade de conteúdos programáticos já previstos, tocar nos assuntos debatidos pelos
professores da sala. Um exemplo disso ocorreu com as aulas de Literatura, de Artes e de História.
Ou seja: ao buscar o diálogo através da arte, criou-se a oportunidade de entender, na prática, o
que é fruição estética, o que é literatura, o que é arte, o que é transcendência, o que é o agir
histórico, tornando-se mais claras, simples e evidentes as definições teóricas que os alunos já
conheciam, por tais temas integrarem o conteúdo curricular da escola. O tema da Cultura da Paz,
desse modo, passou a permear todas as práticas, de modo a ser encarado, paulatinamente, não
como tema novo – de universitários ou circunscrito à ONU ou à UNESCO –, mas de interesse de
toda a sociedade. Houve o entendimento gradativo de que a Cultura da Paz deve ser o adubo para
qualquer solo que pretenda fazer florescer ações de emancipação e de libertação humanas.
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Outro desafio vivenciado no projeto foi a dificuldade dos secundaristas para lidar
com situações em que estes eram levados a opinar e a tomar decisões. Encontravam-se ainda
demasiado atrelados às relações verticais de ensino. Ao depararem-se com uma abordagem
educativa através da qual deixavam a situação de meros coadjuvantes e depositários de um
aglomerado de informações, para exercerem um papel relevante e criativo no processo cognitivo,
a primeira reação era de estranhamento, e se podia vislumbrar a pergunta em suas faces
surpresas, quando eles se entreolhavam: “E agora, o que devemos fazer?”
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CONCLUSÃO
A mudança de atitude do quadro docente perante o projeto, por menor que pareça,
possui importante significado. Os alunos do 2° ano, partícipes do projeto, destacaram-se pelo
desenvolvimento de seu potencial analítico-reflexivo, fato que chegou a causar espanto em alguns
professores, uma vez que passaram a ter seus métodos questionados pelos mesmos alunos que
outrora eram marcados pela inércia. Dessa forma, o trabalho realizado naquela escola passou a
atrair a curiosidade e o interesse de parte do corpo de professores que antes eram indiferentes ao
grupo.
não podemos esquecer que há não mais de cinqüenta anos, em muitos lugares, eram
comuns as punições físicas. Depois, que ensinar e aprender sempre estiveram
associados a punir e premiar. Enfim, que na escola sempre se processou a
racionalização das violências, de todo tipo de violência, sejam físicas, psíquicas e
simbólicas. Trata-se, portanto, de começar a compreender a contribuição da escola no
processo de formação e consolidação desta razão bélica, começando a falar da violência
da escola. Sobretudo é preciso perguntar em que medida os discursos e as análises
trabalham, não apenas a violência expressa na educação, mas a violência produzida pela
educação, ultrapassando o discurso descritivo sobre a violência (nos meios de
comunicação, em sala de aula, na juventude etc.) e abrindo espaço para uma crítica e
autocrítica da própria educação como instrumento de violência. (...) Tais colocações
apontam para a importância de considerar atentamente a análise dos mecanismos
através dos quais a escola perpetua instrumentalmente a violência e se coloca a serviço
de uma sociedade violenta.” (GUIMARÃES, 2005)
A busca por transpor a violência, sobretudo em seu caráter simbólico, enraizada nas
práticas educativas, no sistema organizacional da escola, assim como nas relações professor-
aluno e aluno-aluno exigiu paciência para lidar com as frustrações, humildade, comprometimento
com a educação e, acima de tudo, respeito pela dignidade humana.
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Paula: “Ninguém tem uma verdade certa, os assuntos têm que ser discutidos pra talvez tirar uma
conclusão.”8 Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos:
8
Trecho extraído da dissertação Aula da Unesp da aluna Kamila Nascente de Paula, em março de 2005.
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campo de análise a corrupção brasileira e as interpretações acerca da poesia “Analfabeto Político”
de Bertolt Brecht e da música “Pacato Cidadão” do grupo musical Skank.
Vale enfatizar o caso de um estudante acerca do qual o grupo foi advertido antes de
dar início às aulas, devido à sua indisciplina, periculosidade e costume de tentar “enfrentar”
professores dentro da sala de aula. No entanto, o referido adolescente – ao longo das aulas – foi
um aluno participativo e respeitoso. Participava das atividades e chegava até a pedir silêncio ao
restante dos alunos para que todos estivessem atentos às palavras. A questão é que o “aluno-
problema” daquela sala, durante a realização do projeto, teve sua “diferença” em relação aos
demais reconhecida e respeitada. Como resultado, foi possível estabelecer uma relação profícua e
evitar confrontos desnecessários.
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Agradecimentos: Registramos nossos agradecimentos a Eleusa Caramori Borges, professora
titular de cargo efetivo na disciplina Biologia/Ensino Médio, por ter exercido um papel
imprescindível como orientadora e mediadora em várias situações na escola.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COVRE, Maria de Lourdes Manzini de. O que é cidadania? São Paulo: Brasiliense, 1993.
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. A cultura da paz começa na escola. Disponível em
<http://www.revistaescola.abril.uol.com.br> . Acesso em 25 de abr. 2003.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
GUIMARÃES, Marcelo Rezende. A educação em tempos de violência. Disponível em
<http://www.educapaz.org.br> Acesso em 02 de fev. 2005.
______. Por uma Cultura de Paz. Disponível em <http://www.educapaz.org.br>. Acesso em 18 de
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MORIN, Edgar. Ética, Cultura e Educação. São Paulo: Cortez, 2001.
SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal,
1989.
______ (Org.). Reconhecer para libertar. Os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
SÃO PAULO. Secretaria de Educação. De olho na paz. São Paulo: FDE/DPE/PEF, 2005.
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