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DESAFIOS E CONQUISTAS DE UMA PRÁTICA EDUCACIONAL PAUTADA PELA ÉTICA DA

CULTURA DA PAZ

Elizabete Sanches ROCHA1


Isabella Christina LEMOS2
Fabrício Borges CARRIJO3
Angélica de Araújo OLIVEIRA4
Ângela Tateishi DESTRO5
Karen dos Santos HONÓRIO6
Fernando Luis ALE CEZAR7

Resumo: Este artigo demonstra os resultados da realização do projeto “Educação para todos e
Cultura da Paz: a Agenda Internacional na escola pública”, desenvolvido durante o
ano de 2005 pelo Núcleo de Ensino da UNESP de Franca. Trata-se de um projeto que
está em consonância com a preocupação da UNESCO com a disseminação de uma
ética educacional voltada para a cultura da paz em oposição à cultura da violência em
vários e diferentes níveis. Entendendo ser a Educação – sobretudo em sua forma
institucional através da escola pública – um dos aparelhos mais eficazes para a
construção de uma ética para a paz, o projeto teve como um de seus pilares o debate
crítico dos principais temas internacionais como mote para se deflagrarem situações
em sala de aula em que fosse possível desenvolver a cultura da paz, por meio das
experiências do local ou individual ao global ou coletivo.

Palavras-chave: violência; paz; educação; relações internacionais; diálogo.

INTRODUÇÃO

construção de uma cultura da paz não é trabalho para uma só geração. É


para os nossos netos ou bisnetos viverem melhor. E vale a pena. Afinal, um
pouco de nós estará lá com eles.
Ubiratan D’Ambrósio)

Para muitos teóricos, a violência, por ser uma das características do mundo animal,
pela própria necessidade de sobrevivência da espécie, é elemento sem o qual a própria existência
humana seria inviável. Ao lado disso, a idéia de progresso aliada à concepção de mundo civilizado
em oposição a mundo bárbaro permeia a formação cultural de origens ocidentais. Porém, teóricos
respeitados como Boaventura de Sousa Santos (1989 e 2003), entre tantos outros, questionam
sobremaneira a noção de progresso que alavanca simultaneamente as conquistas tecnocientíficas
e confirma as disparidades e lacunas sociais. Em outras palavras, o homem demonstrou –
sobretudo no século XX – que o sonho de evoluir ou progredir sempre à frente, linearmente como

1
Coordenadora do Projeto e Professora Assistente Doutor do Departamento de Educação, Ciências Sociais e Política Internacional da
FHDSS/UNESP – Franca/SP. Responsável pelas disciplinas Cultura e Linguagem e Antropologia Cultural do curso de Relações
Internacionais.
2
Discente do 4º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e colaboradora do Projeto.
3
Discente do 3º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e bolsista do Projeto.
4
Discente do 4º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e colaboradora do Projeto.
5
Discente do 2º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e colaboradora do Projeto.
6
Discente do 2º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e colaboradora do Projeto.
7
Discente do 3º ano do Curso de Relações Internacionais da FHDSS da UNESP/Franca e colaborador do Projeto.

501
uma flecha, não era tão simples ou tão inquestionável assim. O mundo assistiu a duas grandes
guerras e pôde testar seus avanços tecnológicos à custa de grandes perdas humanas. Não que “o
sonho tenha acabado”, mas certamente a plena convicção de que estaríamos caminhando
invariavelmente rumo ao progresso e que este seria necessariamente sinônimo de felicidade para
todos enfrenta, contemporaneamente, novas reflexões acerca do agir humano no planeta.
Conforme Santos:

No que respeita às aplicações da ciência, ressalta desde logo a ligação da ciência à


máquina de guerra. As bombas de Hiroshima e Nagasaki foram o salto qualitativo, mas
as condições em que se deram (e sobretudo como estas foram reconstruídas
ideologicamente) tornou ainda verossímil a idéia de uma ligação fortuita (...) Com o
desenrolar desse processo foi-se reconhecendo, um pouco por toda parte, que Hiroshima
e Nagasaki não foram acidentes, foram antes as primeiras afirmações dramáticas de um
processo suscetível de produzir outros “acidentes”, cada vez menos acidentais e cada
vez mais destrutivos. (SANTOS, 1989, p. 130).

Daí a urgência de se discutirem os temas da agenda internacional que vão ao


encontro de tais inquietações do homem contemporâneo. A questão ambiental, os conflitos de
raízes religiosas e étnicas, as novas conquistas científicas e a necessidade de uma nova
discussão ética sobre os limites do homem ao fazer ciência, a educação como matriz para que as
novas gerações estejam capacitadas, mundo afora, para agir de modo mais consciente em relação
a todos seres vivos que habitam a Terra, o papel da ONU e sua crise em meio aos novos desafios
e o papel do homem comum, esteja ele em quaisquer rincões do mundo, inevitavelmente todos
estes assuntos devem compor a formação de homens e mulheres instigados a provocar uma
mudança do olhar sobre o Outro, um olhar mais pacífico, mais compreensivo, capaz de dialogar
para conhecer e de conhecer para respeitar. A Cultura da Paz, para muitos, é um sonho, mais que
isto: uma utopia. Para outros, porém, ela é um caminho – possível, gradativo, exigente e concreto.
A Cultura da Paz se materializa, por exemplo, na experiência de se romperem os limites da
universidade e ir ao encontro da escola pública, sem pretensão alguma de estar levando O
Conhecimento, A Sabedoria, A Experiência, mas com a convicção de que somente através da
junção dos saberes – todos diferentes e legítimos – será possível se iniciar o diálogo. E não se
pretende criar um ambiente para a Cultura da Paz buscando a anulação dos conflitos. Ao
contrário, os conflitos são condição sine qua non para o estabelecimento de uma prática pela paz.
Afinal, onde há diferenças, os conflitos quase sempre emergem naturalmente. Eles, por assim
dizer, marcam, delimitam o espaço entre o igual e o diferente. A questão é estabelecer novas
relações no bojo de situações conflituosas, de modo a encará-las como parte do processo de
reconhecimento do Outro. Superá-las de modo a não buscar a aniquilação do diferente sugere o

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caminho rumo à Cultura da Paz. Este é o maior desafio de educadores, pais, e de todos os que se
dedicam direta ou indiretamente à construção de um mundo mais digno para abrigar a todos, mas
principalmente às gerações que ainda estão por vir.

Nesse sentido, é que o trabalho do grupo do Núcleo de Ensino de Franca se


estabeleceu na escola estadual David Carneiro Ewbank, durante 2005. Tendo já realizado o
projeto “A gente tem fome de quê: a Nova Agenda Internacional em debate na escola pública”,
durante 2004, tanto os universitários e a docente quanto a escola, os alunos e os professores já
estavam “iniciados” na temática e na execução do trabalho. Justamente por causa dessa primeira
etapa, imprescindível para que se pudesse avançar nos trabalhos, em 2005 foi possível enfatizar
com mais profundidade o tema Cultura da Paz e aproveitar os problemas enfrentados dentro da
própria escola – como a formação de grupos rivais, entre outros – para pautar a discussão em
torno de algo que, ao final e ao cabo, é problema não apenas de estudantes de Relações
Internacionais, Educadores ou Administradores Públicos, mas é responsabilidade de todos: por
isso a Educação também deveria e deve ser para todos, na linha sustentada pela UNESCO e
corroborada pelo grupo durante o trabalho na escola.

Em 2005, o projeto “Educação para Todos e Cultura da Paz” pôde contar com
apenas um discente/bolsista da UNESP, do curso de Relações Internacionais, mas, mesmo assim,
o trabalho foi plenamente desenvolvido por conta da participação efetiva de mais cinco alunos,
todos do curso acima referido. A coordenação do projeto sempre se deu de modo a sustentar –
dentro do próprio grupo – a ética da paz, a fim de dirimir os conflitos – quando eles surgiam –
evidenciando a necessidade de se viver a paz como condição imprescindível a fim de se atuar por
ela. Para alguns, aliás, este objetivo só é contemplado a partir do diferencial oferecido pela
experiência individual em intersecção constante com a coletiva: Be The Change, portanto, constitui
o mote para esta atuação. Importa salientar, porém, que educadores e educandos que trabalham
sob essa égide não devem ser “contumazes engolidores de sapo”, como equivocadamente
pensam alguns mais desavisados acerca do tema. Ao contrário, para se atuar nesse sentido é
preciso assumir uma postura pró-ativa, e não simplesmente reativa ou passiva. É preciso guardar
muito cuidado com o modismo acerca deste tema. Não basta vestir a camiseta com os dizeres
“sou da paz” ou fazer passeatas, embora isso, muitas vezes, seja parte importante do processo.
Um dos grandes desafios atuais para aqueles que pretendem trabalhar com seriedade esse tema
reside na desmistificação em torno desse ideal. A paz não se encontra pronta. Ela é incompleta,
como os homens e mulheres o são. Mas é no horizonte da perfectibilidade possível que se
consegue, paulatinamente, construir um paradigma menos violento e mais pacífico. E isso exige
trabalho árduo e mudanças nos âmbitos individual e social. Para muito além de um discurso
politicamente correto, a Cultura da Paz exige ação constante rumo à sua efetivação.

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DESENVOLVIMENTO
Desconfiei do mais trivial
na aparência do singelo
E examinei, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar.
B. Brecht

Diante da necessidade de uma atuação mais ativa no ambiente escolar que fosse
ao encontro da implementação de uma cultura de paz, o projeto teve como objetivos fazer com
que o aluno do Ensino Médio refletisse criticamente sobre temas que compõem a Agenda
Internacional, os quais se encontram intrinsecamente ligados aos Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio do Governo. Com a aproximação do aluno da escola pública do
ambiente universitário, através de uma prática educacional para a cidadania, com ênfase na
importância do envolvimento de toda a sociedade na tomada de decisões na área político-social,
foi possível para o secundarista conhecer um pouco do ambiente universitário, o qual era, para
muitos, completamente desconhecido. Assim como ocorreu com os alunos da escola pública em
relação à universidade, os discentes e docente da UNESP também se aproximaram do ambiente
escolar, ampliando seu campo de visão e ação. O incentivo à atuação de líderes que se
destacassem tanto entre professores como entre estudantes, objetivando fazer com que as
problematizações feitas em sala de aula fossem multiplicadas, entre outras ações desenvolvidas
com a sala, evidenciaram que o número de pessoas beneficiadas pelo projeto se dá diretamente –
na escola, incluindo alunos, pais e professores – e indiretamente, uma vez que o projeto foi
apresentado em diversos congressos dentro e fora do país.

Cabe aqui salientar que a educação para a paz diferencia-se da educação acerca
da paz, onde o conceito de paz é tido como algo perfeito e acabado, meramente explicativo e
estabelecido. Educar para a paz constitui-se em um processo de construção que depende
diretamente da atuação individual e coletiva guiada por uma consciência participativa no sentido
da criação de referenciais não-violentos e o fortalecimento de conexões; da formação de um
consenso para paz; do fortalecimento de pessoas para serem ativistas de não-violência; da
abolição de preconceitos e estereótipos; da instrumentalização da resolução não-violenta de
conflitos; e da diminuição do potencial de agressão (GUIMARÃES, 2005). Sob a orientação desses
princípios de uma educação para a paz constituiu-se o projeto aqui tratado.

504
Assim como se deu durante 2004, também em 2005 os discursos veiculados pelos
Meios de Comunicação de Massa puderam ser utilizados como ferramenta para se engendrarem
reflexões críticas acerca dos relatos que eles traziam e da ideologia por eles sustentada. Como
afirma o professor Ubiratan D’Ambrósio:

Acho que os meios de comunicação deveriam ser mais bem utilizados. Hoje é possível
ver os conflitos mundiais na televisão ou no computador. Esse material é riquíssimo, traz
informações, gera emoções. É preciso falar sobre os conflitos, debatê-los e tentar
encontrar possibilidades de resolvê-los. Assim se faz uma educação voltada para o
despertar da consciência. ( D’AMBRÓSIO, 2003)

Temas como Globalização, Direitos Humanos, Desenvolvimento Sustentável, Ética,


Estética, Cidadania, entre outros, são freqüentemente tratados pelos meios de comunicação de
massa, prescindindo, entretanto, de uma análise mais aprofundada de seus possíveis significados
e do impacto que provocam no cotidiano das pessoas. A reflexão crítica dos discentes
pertencentes ao curso de Relações Internacionais contribuiu para a busca de compreensão mais
aguda acerca da ordem mundial contemporânea e das necessidades de mudanças mais
prementes nos âmbitos econômico, político, social e cultural. Neste sentido, o projeto foi dividido
em quatro módulos nos quais estavam contidos sub-temas que foram trabalhados com os alunos,
a saber: Organização das Nações Unidas - ONU (Direitos Humanos, Sistema Internacional,
Guerras, Relações de Poder e Discurso, Paradigma do Desenvolvimento Humano); Organizações
Não-Governamentais - ONGs (Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Reforma Agrária, Agenda 21,
Armas Nucleares, Desenvolvimento Sustentável, Ética, Questões Humanitárias); UNESCO
(Educação para Todos, Pluralidade Discursiva e Cultural, Cultura de Paz, Identidade e Alteridade,
Educação para os Direitos Humanos); e, Organização Mundial do Comércio - OMC
(Desigualdades Sociais, Comércio, Globalização, Direito Internacional, Cooperação Internacional).
Cada assunto foi trabalhado bimestralmente, com uma proposta de participação dos professores
da escola, que podiam contribuir cada qual com os conhecimentos específicos de sua disciplina.

A atuação de seis discentes do curso de Relações Internacionais da Universidade


Estadual Paulista (UNESP), campus de Franca, em conjunto com a coordenadora do projeto e a
participação de uma colaboradora da escola, deu-se em uma sala do segundo ano do Ensino
Médio (2ºC), da Escola Estadual “David Carneiro Ewbank” (CEDE) localizada no bairro Estação,
na cidade de Franca-SP. Foram levados, em encontros semanais de duas horas cada, os debates
internacionais que chegam ao conhecimento de todos através da mídia (jornais, revistas, internet e
mídia televisiva) para que pudessem ser problematizados, partindo-se de algo concreto do
cotidiano e provocando uma reflexão mais profunda sobre os temas.

505
A sala de aula com a qual o grupo trabalhou contava com cerca de 45 alunos na
faixa etária dos 15 aos 17 anos. A cada encontro o ambiente físico da sala de aula era disposto em
círculo a fim de se quebrar qualquer sentimento de distanciamento entre os alunos da escola e os
discentes da UNESP, incentivando uma maior participação. Isto ocorreu de maneira gradativa ao
longo do desenvolvimento do projeto. Inicialmente foi percebida uma dificuldade dos adolescentes
em emitir opiniões referentes às discussões levadas à sala de aula, reflexo do já esgotado sistema
de educação vigente onde os mesmos não são estimulados a refletir criticamente sobre o que lhes
é apresentado, caracterizando o modelo da educação bancária exposta por Paulo Freire (1979).
Percebeu-se que quanto mais dinâmicos a exposição do tema e os artifícios levados, maior o
interesse dos alunos do CEDE.

Foram utilizadas, a fim de enriquecer o debate, diversas manifestações artísticas


(música, poemas, artigos de jornais e revistas) com suas diferentes percepções do tema tratado.
Ao final de cada encontro, foi pedido aos alunos que produzissem um texto de qualquer natureza –
poema, pintura, dissertação, gravura, enfim, algo que expressasse seu sentimento a respeito das
reflexões realizadas.

Como exemplos de atividades diferenciadas, vale citar as visitas de pessoas que


não estavam ligadas diretamente ao projeto, mas que contribuíram de forma enriquecedora com o
debate de diversas aulas. No módulo ONGs, houve a participação de um membro da ONG Franca
Viva que levou um projeto sobre reciclagem, esclarecendo sua importância e dando exemplos
concretos de sua implementação já realizada em algumas regiões da cidade, destacando, assim, o
papel e a atuação das Organizações Não-Governamentais na sociedade. Também em uma aula
do mesmo módulo, alguns participantes do NATRA (Núcleo Agrário Terra e Raiz), grupo de
extensão da UNESP, que trabalha com o tema da reforma agrária juntamente com alguns
assentamentos do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) localizados na região,
puderam explanar sobre a reforma agrária e os movimentos sociais, quebrando paradigmas
resultantes do acesso à informação – muitas vezes enganosa – veiculada por alguns setores
midiáticos. Para exemplificar os temas Pluralidade Cultural e Identidade e Alteridade, contou-se
com a presença de um intercambiário proveniente da Indonésia, que retratou seus costumes aos
secundaristas, os quais demonstraram-se bastante interessados e curiosos diante de uma cultura
nova e diferente. Em decorrência do grande debate acerca do desarmamento observado na mídia
da época, foi possível tratar desse tema utilizando uma enorme gama de material extraído de
jornais e revistas, com matérias que retratavam seus diferentes pontos de vista. O filme “Tiros em
Columbine”, de Michael Moore, também contribuiu para o enriquecimento do debate.

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Para a realização do projeto, o grupo estudou e debateu textos de diferentes
autores que abordavam a temática da Cultura da Paz, direta ou indiretamente. Esta pesquisa se
deu através de reuniões entre os discentes e a coordenadora e também através das discussões
com outros discentes do Núcleo de Estudos Lingüísticos e Culturais (NELC), cadastrado no CNPq,
liderado pela docente responsável pelo projeto e que conta com a atuação de estudantes do
Núcleo de Ensino também. O projeto privilegiou, para sua execução com vistas à importância do
aspecto lúdico no processo ensino/aprendizagem, a interpretação de textos poéticos, o incentivo a
espaços de criação com os alunos secundaristas, a valorização de suas potencialidades artísticas.
Enfim, o principal objetivo era estimular uma atmosfera de prazer pelo saber, pela troca de
experiências e pela escola. Ou seja: parte-se do princípio de que só se pode atuar rumo à paz se
ela é vista como possível e alcançável. A arte – o grupo nunca duvidou disso e depois da atuação
na escola pôde ter certeza empírica – é elemento galvanizador, capaz de transcender os limites
mais cotidianos, sem, no entanto, prescindir destes mesmos fatores da vida comum de cada
homem e mulher em sociedade. Dessa forma, o diálogo com a sala e a interação dos alunos
“rivais” entre si eram facilitados, motivados, estimulados pela perspectiva da criação artística e
pela fruição estética. Na esteira de tais propostas, foi possível, numa perspectiva de
transversalidade de conteúdos programáticos já previstos, tocar nos assuntos debatidos pelos
professores da sala. Um exemplo disso ocorreu com as aulas de Literatura, de Artes e de História.
Ou seja: ao buscar o diálogo através da arte, criou-se a oportunidade de entender, na prática, o
que é fruição estética, o que é literatura, o que é arte, o que é transcendência, o que é o agir
histórico, tornando-se mais claras, simples e evidentes as definições teóricas que os alunos já
conheciam, por tais temas integrarem o conteúdo curricular da escola. O tema da Cultura da Paz,
desse modo, passou a permear todas as práticas, de modo a ser encarado, paulatinamente, não
como tema novo – de universitários ou circunscrito à ONU ou à UNESCO –, mas de interesse de
toda a sociedade. Houve o entendimento gradativo de que a Cultura da Paz deve ser o adubo para
qualquer solo que pretenda fazer florescer ações de emancipação e de libertação humanas.

Um dos desafios iniciais com o qual os estudantes de Relações Internacionais se


depararam foi lidar com o receio dos alunos de se expressarem perante a sala de aula. Torna-se
mister ressaltar a diversidade existente naquele microcosmos, no qual havia a presença de
indivíduos oriundos de distintos estratos sociais e ambientes com grande disparidade de capital
cultural. Os discentes eram segregados em grupos, os quais além de não interagirem uns com os
outros, alguns ainda eram “rivais” entre si. Portanto, notava-se que os alunos, ao hesitarem em
proferir suas opiniões em presença de seus companheiros de sala, possuíam grande preocupação
com sua imagem perante os grupos aos quais pertenciam.

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Outro desafio vivenciado no projeto foi a dificuldade dos secundaristas para lidar
com situações em que estes eram levados a opinar e a tomar decisões. Encontravam-se ainda
demasiado atrelados às relações verticais de ensino. Ao depararem-se com uma abordagem
educativa através da qual deixavam a situação de meros coadjuvantes e depositários de um
aglomerado de informações, para exercerem um papel relevante e criativo no processo cognitivo,
a primeira reação era de estranhamento, e se podia vislumbrar a pergunta em suas faces
surpresas, quando eles se entreolhavam: “E agora, o que devemos fazer?”

A relação existente entre o projeto e os professores da escola também constituiu


mais um desafio. As aulas eram ministradas nos horários cedidos pelos professores daquela série,
ou seja, em uma semana se utilizava o horário destinado para uma aula de português e uma de
química, na outra semana se utilizava o horário de uma aula de matemática e biologia etc. No ano
anterior – primeiro ano do projeto – não foram todos que, ao ceder sua aula, permaneceram na
classe. Assim, alguns professores não criaram qualquer vínculo com o projeto, fazendo daquele
instante um momento para ficarem “livres” da sala de aula. Apesar do envolvimento de muitos, o
grupo da UNESP estava se deparando com profissionais cansados e desiludidos com o próprio
ofício. E é preciso reconhecer uma série de motivos para isso, como a pouca valorização atribuída
socialmente ao profissional da Educação. Neste ano foi possível verificar algumas mudanças,
ainda que tímidas. Alguns destes professores, que inicialmente viam com indiferença o projeto,
passaram a permanecer na sala enquanto se proferiam as aulas. Houve ainda quem participasse
ativamente das atividades realizadas, envolvendo-se com a proposta da cultura da paz. Dessa
forma, pôde-se somar os saberes dos professores de diferentes áreas envolvidas no projeto, o
conhecimento levado pela universidade e a experiência vivida e demonstrada pelo estudante do
Ensino Médio. A formação, então, de elementos multiplicadores que disseminassem a visão crítica
e uma conseqüente atuação na sociedade mostrou-se, na prática, como mais um objetivo do
projeto. Trata-se de um dos princípios da Cultura da Paz, o empoderamento, ou seja, ativar nas
pessoas o seu potencial de mudança, poder que elas têm de transformar a realidade. (SÃO
PAULO, 2005)

508
CONCLUSÃO
A mudança de atitude do quadro docente perante o projeto, por menor que pareça,
possui importante significado. Os alunos do 2° ano, partícipes do projeto, destacaram-se pelo
desenvolvimento de seu potencial analítico-reflexivo, fato que chegou a causar espanto em alguns
professores, uma vez que passaram a ter seus métodos questionados pelos mesmos alunos que
outrora eram marcados pela inércia. Dessa forma, o trabalho realizado naquela escola passou a
atrair a curiosidade e o interesse de parte do corpo de professores que antes eram indiferentes ao
grupo.

Não obstante, trabalhar com a temática da Cultura da Paz no ambiente escolar


compreendeu constante quebra de paradigmas. Como afirma Guimarães:

não podemos esquecer que há não mais de cinqüenta anos, em muitos lugares, eram
comuns as punições físicas. Depois, que ensinar e aprender sempre estiveram
associados a punir e premiar. Enfim, que na escola sempre se processou a
racionalização das violências, de todo tipo de violência, sejam físicas, psíquicas e
simbólicas. Trata-se, portanto, de começar a compreender a contribuição da escola no
processo de formação e consolidação desta razão bélica, começando a falar da violência
da escola. Sobretudo é preciso perguntar em que medida os discursos e as análises
trabalham, não apenas a violência expressa na educação, mas a violência produzida pela
educação, ultrapassando o discurso descritivo sobre a violência (nos meios de
comunicação, em sala de aula, na juventude etc.) e abrindo espaço para uma crítica e
autocrítica da própria educação como instrumento de violência. (...) Tais colocações
apontam para a importância de considerar atentamente a análise dos mecanismos
através dos quais a escola perpetua instrumentalmente a violência e se coloca a serviço
de uma sociedade violenta.” (GUIMARÃES, 2005)

A busca por transpor a violência, sobretudo em seu caráter simbólico, enraizada nas
práticas educativas, no sistema organizacional da escola, assim como nas relações professor-
aluno e aluno-aluno exigiu paciência para lidar com as frustrações, humildade, comprometimento
com a educação e, acima de tudo, respeito pela dignidade humana.

Como resultado deste empenho, paulatinamente, flores passaram a brotar no


áspero chão de concreto da escola. O entendimento de que nenhum dos envolvidos naquele
processo de ensino/aprendizagem detinha a verdade absoluta, o saber inquestionável, demorou
pouco tempo para ocorrer, como fica evidente no comentário feito pela aluna Kamila Nascente de

509
Paula: “Ninguém tem uma verdade certa, os assuntos têm que ser discutidos pra talvez tirar uma
conclusão.”8 Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos:

Se a verdade é o resultado, provisório e momentâneo, da negociação de sentido que tem


lugar na comunidade científica, a verdade é intersubjetiva e, uma vez que essa
intersubjetividade é discursiva, o discurso retórico é o campo privilegiado da negociação
de sentido. A verdade é, pois, o efeito de convencimento dos vários discursos de verdade
em presença. A verdade de um discurso de verdade não é algo que lhe pertença
inerentemente, acontece-lhe no decurso do discurso em luta com outros discursos num
auditório de participantes competentes e razoáveis. (SANTOS, 1989, p. 96-97).

Os alunos foram perdendo o medo inicial de falar – e de “errar” na resposta ou na


observação – e se construiu um espaço privilegiado de reflexão. Apesar de uma certa resistência
inicial, os estudantes passaram a realizar atividades conjuntas com membros de grupos até então
“inimigos”. Diante da transposição da razão instrumental e promoção do agir comunicativo, fez-se
presente o diálogo, o conhecimento e reconhecimento do Outro. Discentes que há tempos são
companheiros de sala de aula, no entanto nunca haviam se falado, – por motivos diversos, tais
como falta de oportunidade, preconceito ou por pertencerem a “turmas” distintas – passaram a
interagir. Preconceitos foram diluídos. Inúmeros estudantes foram surpreendidos com a identidade
encontrada em relação a outros alunos com os quais acreditavam não haver nada em comum.

A aposta nesta prática pedagógica trouxe um resultado acima do esperado, e os


exemplos são muitos, a começar por uma talentosa e questionadora produção de dezenas de
dissertações, poesias e pinturas após a primeira aula, quando se discutiu a rede global em que se
vive e o papel de cada cidadão dentro da sociedade, utilizando-se, para isso, do poema “Tecendo
a manhã” de João Cabral de Mello Neto. Em seguida, refletiu-se acerca dos métodos pedagógicos
que não levam em consideração a opinião do aluno, assim como a realidade em que este está
inserido, tudo isso mediante uma acurada análise da música “Estudo Errado” de Gabriel, O
Pensador. No que se referia ao estudo do binômio Paz e Guerra, obteve-se uma resposta ainda
melhor sobre a questão de reconhecer o outro como um igual, discussão amparada pelos
desdobramentos interpretativos a partir da música “A Paz” de Gilberto Gil, com a fundamentação
teórica e reflexões do antropólogo Edgar Morin quando avalia que “... o problema da guerra é
também o problema da relação com o outro, o outro concebido individual e coletivamente como o
estrangeiro; ele não só é o estrangeiro, mas o inimigo” (MORIN, 2001, p. 157). Destaca-se o
significativo despertar dos alunos ocorrido na aula sobre Ética e Cidadania quando estes puderam
visualizar realmente seu papel de agentes históricos e transformadores da sociedade, tendo como

8
Trecho extraído da dissertação Aula da Unesp da aluna Kamila Nascente de Paula, em março de 2005.

510
campo de análise a corrupção brasileira e as interpretações acerca da poesia “Analfabeto Político”
de Bertolt Brecht e da música “Pacato Cidadão” do grupo musical Skank.

Vale enfatizar o caso de um estudante acerca do qual o grupo foi advertido antes de
dar início às aulas, devido à sua indisciplina, periculosidade e costume de tentar “enfrentar”
professores dentro da sala de aula. No entanto, o referido adolescente – ao longo das aulas – foi
um aluno participativo e respeitoso. Participava das atividades e chegava até a pedir silêncio ao
restante dos alunos para que todos estivessem atentos às palavras. A questão é que o “aluno-
problema” daquela sala, durante a realização do projeto, teve sua “diferença” em relação aos
demais reconhecida e respeitada. Como resultado, foi possível estabelecer uma relação profícua e
evitar confrontos desnecessários.

Portanto, através do projeto “Educação para todos e Cultura da Paz: a Agenda


Internacional na Escola Pública”, percebeu-se uma rica troca de saberes entre a realidade
acadêmica e os discentes secundaristas. Com os alunos da escola pública concretizou-se a
experiência de lidar com o Outro de modo a aprender com as diferenças e com as igualdades.
Empiricamente, foi constatado que é possível construir um ambiente favorável à paz, mas é
preciso, para isso, grande investimento emocional, entrega espiritual, crença no outro e
conhecimento não só das imprescindíveis teorias e reflexões acadêmicas, mas também é
necessário haver auto-conhecimento. Uma das experiências mais instigantes aconteceu quando
foi proposto que todos pensassem em seus próprios atos violentos cotidianos. Dificilmente as
pessoas se reconhecem violentas, porque, no imaginário, violento é o Outro, sempre culpado
pelos conflitos. Constatou-se que a violência não declarada, simbólica, encontrada em gestos,
meias-palavras e na indiferença diante da dor dos outros, é muito presente na sociedade.
Portanto, para falar de paz, antes de mais nada, foi preciso entender melhor o que é violência. Os
alunos da UNESP, indubitavelmente com uma maior bagagem teórica, desenvolveram suas
capacidades argumentativas e questionadoras em relação ao modo como a realidade é relatada
através da mídia e souberam, muitas vezes, identificar e problematizar o ponto de vista ideológico
implícito nas noticias. A partir da constatação de que o global e o local encontram-se interconexos,
passaram a promover práticas pacíficas em suas relações interpessoais, compreendendo, dessa
forma, sua condição de sujeitos históricos agentes de transformação social. Isto demanda a
transposição do comodismo e do individualismo propagados pela ótica do capital, fato que se dá
através de uma revolução subjetiva. Instante em que, ao olhar no espelho, o indivíduo visualiza
sua própria imagem e toma consciência da realidade, até então maculada, ao seu redor. Liberto e
envolto em uma nova ética social, faz das diversas esferas do convívio uma prática da luta por e
pelos direitos do cidadão, para que “o cotidiano se transforme historicamente.”(COVRE, 1993, p.
73)

511
Agradecimentos: Registramos nossos agradecimentos a Eleusa Caramori Borges, professora
titular de cargo efetivo na disciplina Biologia/Ensino Médio, por ter exercido um papel
imprescindível como orientadora e mediadora em várias situações na escola.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COVRE, Maria de Lourdes Manzini de. O que é cidadania? São Paulo: Brasiliense, 1993.
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. A cultura da paz começa na escola. Disponível em
<http://www.revistaescola.abril.uol.com.br> . Acesso em 25 de abr. 2003.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
GUIMARÃES, Marcelo Rezende. A educação em tempos de violência. Disponível em
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