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TRANSDISCIPLINARIDADE E EDUCAÇÃO [1]

Miguel Almir L. de Araújo


Professor da UNEB e da UEFS

01. O PARADIGMA DA DISCIPLINARIDADE


O desenvolvimento do conhecimento no mundo ocidental moderno foi consolidado
pelo paradigma da racionalidade científica e técnica que passou a exercer supremacia nos
territórios de nossa cultura. Na esteira desse paradigma o conhecimento que legitima a
verdade sobre as coisas, sobre os mais diversos fenômenos da realidade se estabelece
mediante a decomposição do objeto em diversas partes para que seja observado e
investigado pelo método analítico, e, desse modo, possa ser melhor conhecido. Os
fenômenos físicos e sociais são fracionados em inúmeras partes para serem analisados e
entendidos por disciplinas específicas. Nesse paradigma da disciplinaridade “conhecer é
separar”, acentua Morin (1997:13).
Como pontua Bohm (1992: 20), “de certa forma, a criação das matérias especiais
de estudo e a divisão do trabalho foram importantes”. A divisão dos objetos em partes traz
contribuições acerca do entendimento das particularidades dos mesmos, favorecendo, em
certa medida, na construção do conhecimento. Porém, quando desconsidera a complexidade
dos objetos em suas relações contextuais, abordando-os de modo insular, e quando reduz o
real apenas às suas partes cindidas, traz a perda da visão das relações e das interrelações
dinâmicas e interativas existentes entre parte e todo.
Com a predominância desses procedimentos fracionantes, e com a falta de
consciência dessa divisão em nossas mentalidades, esse paradigma foi provocando
processos destrutivos, esfiapadores da teia dinâmica da vida, do real. As segregações foram
tomando tamanhas proporções que os indivíduos (não divisíveis) começaram a separar-se e
alienar-se de si mesmos, como também de todo o ecossistema. A extremação dessa
fragmentação mecanicista foi incidindo no desencantamento da vida e do mundo.
A disciplinaridade é disjuntiva, separa o sujeito do objeto quando nega o fluxo das
relações interativas existentes entre ambos nos processos de construção do conhecimento.
Separa os aspectos interiores dos exteriores, o ser humano da Natureza, o corpo da mente.
Superestima a especialização em áreas específicas e isoladas de saberes desconsiderando
seus contextos, suas relações entre os pólos micro e os pólos macro em quaisquer esferas do
real, desde os fenômenos físico-naturais aos sócio-culturais. Perde-se de vista a
compreensão de que o mero conhecimento das partes mão possibilita a percepção da
integração entre estas e o todo, e de que as partes não significam por si mesmas, mas
apenas em sua conexidade com esse todo em que as mesmas estão inseridas.
Na medida em que o conhecimento científico propugna uma objetividade asséptica,
a subjetividade é eliminada, o sujeito é excluído do processo de conhecimento. Nicolescu
(1999:18) realça que “a objetividade instalada como critério supremo de verdade teve uma
conseqüência inevitável: a transformação do sujeito em objeto”.
Esse fracionamento do saber que se traduz na especialização das ciências também
incide na fragmentação das consciências (Angelis, 1998), na interpretação isolada dos
eventos. Assim, a realidade é vista apenas em seus fragmentos seccionados, forjando-se a
“ilusão da separatividade”, como proclama Pierre Weill. Para Bohm (1992:20), esse
“modo de vida é o que vem ocasionando a poluição, a destruição do equilíbrio na
natureza...” na medida em que as visões separatistas desvinculam a ciência da consciência,
a racionalidade da sensibilidade, a materialidade da espiritualidade, o dentro do fora.
Esse modelo disciplinar separatista desvincula o conhecimento da sinuosidade que
perfaz a vida cotidiana, constituindo-se de teorias abstratas, lineares e cinzentas. O
pensamento é separado da carnalidade do vivido. Os conteúdos fracionados e reduzidos a
fórmulas analíticas quantitativas desfiguram o dinamismo qualitativo do ser, das coisas, das
interligações existentes entre parte e todo. A predominância da lógica da técnica, da tecno-
lógica, da segmentação analítico-funcional denegou a lógica do ontológico, da
compreensão expressiva do ser em sua unitas multiplex (unidade na multiplicidade), da
inteireza das coisas, dos seres.

02. A EMERGÊNCIA DE NOVOS PARADIGMAS


A supremacia do paradigma da disciplinaridade na cultura ocidental, mediante os
seus desdobramentos extremados e reducionistas, como vimos, incorreu em posturas
desqualificadoras e destrutivas para a vida humana, para as vidas do planeta Terra. Nesse
contexto foram despontando crises agônicas que provocaram abalos profundos nas
estruturas do paradigma hegemônico.
No bojo da conflitividade suscitada pelas tensões dramáticas dessa crise que ameaça
todo o ecossistema planetário, foi surgindo, quase que a fórcepes, a consciência da
necessidade premente de que ocorram mudanças radicais em relação a esses paradigmas
que, há pouco eram considerados como referências únicas e modelos uniformes de verdade.
Nas últimas décadas emergiram novos modos de percepção e de compreensão da
vida, das relações entre os seres humanos consigo mesmo e com todo o cosmos no
alvorecer de uma “nova consciência”. Essa “nova consciência” sedimenta-se nos
aprendizados tecidos e filtrados nas trajetórias de nossa história, nas descobertas das
últimas décadas e inspira-se nas sabedorias legadas por diversas tradições culturais da
humanidade. Funda-se assim, nos valores da inclusividade, da amorosidade, do respeito às
diversidades, da interdependência, da tolerância, da ética da solidariedade, da busca da
imagem grega do kalokagathos −da relação entrecruzada do bem e do belo.
Nos territórios do saber científico foram aparecendo concepções e posturas críticas
aos cânones predominantes dos estatutos da ciência com suas características positivistas,
separatistas, deterministas e rijas. Uma das mais instigantes descobertas foi a da Física
Quântica que gradativamente exerce influências e traz contribuições significativas em
outras áreas de conhecimento. Aprofunda a relação de interligação e de interdependência
dinâmica entre sujeito e objeto apontando para os princípios da incerteza, do movimento,
do indeterminismo nos processos de construção do conhecimento. Tudo no universo está
em movimento constante de modo interconectado. Como acentuei num outro trabalho “o
universo, para o olhar quântico, se revela de forma dançante em suas ondulações
contínuas” (Araújo, 1999:179).
D. Bohm, um dos grandes expoentes da Física Quântica, entrevistado por R. Weber
(1994:178) afirma: “O todo está presente em cada parte, em cada nível de existência. A
realidade viva, que é total, inteira (unbroken) é indivisa, está está em todas as partes”.

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Bohm (1992) aborda a idéia de ordem implicada onde os fenômenos encontram-se
implicados em suas expressões mais íntimas e a idéia de holomovimento compreendendo
que tudo no universo faz parte de uma totalidade dinâmica e interativa, que se dobra e se
desdobra em seus fluxos de movimento constante.
No cenário das cosmovisões emergentes, a Epistemologia da Complexidade,
protagonizada por Edgar Morin, anuncia que a ciência clássica ortodoxa é simplista e
reducionista quando pretende reduzir todo o real aos moldes dos seus paradigmas
disjuntivos e mecanicistas perdendo de vista a natureza da complexidade da vida, do
universo em seus modos entrelaçados de expressão.
A epistemologia da complexidade, “através de uma visão sistêmica procura
compreender as relações de interdependência entre tudo o que existe, realçando a
presença do indeterminismo, da instabilidade, da não-linearidade, da evolução criativa
que caracteriza a dinâmica social e todo o universo” (Araújo, 1999:180) e concebe os
fenômenos da vida, da cultura, da natureza como complexos, isto é, tecidos juntos, numa
relação de conjuntividade dinâmica e implicativa entre parte e todo.
A ciência deve distinguir, e não separar os fenômenos, as cosias, nem interditar a
relação de coexistência, de implicação mútua entre sujeito e objeto, entre parte e todo. Com
sua cosmovisão, Morin preconiza a religação entre os pólos que tanto separamos mediante
a Ética da solidariedade e da Fraternidade cósmica. Para que a humanidade reencontre seu
destino comum e habite com altruísmo a Terra Pátria é imprescindível, para Morin, o
“desenvolvimento da compaixão do coração, do humanismo do espírito” (1994:23).
O prêmio nobel de Química Ilya Prigogine é um dos pensadores que também tem
trazido referências bastante relevantes na atmosfera dos paradigmas emergentes. Auncia o
surgimento de uma ciência aberta revelando que “assim a ciência se afirma hoje como
ciência humana, ciência feita por homens e para homens (...) mas doravante capaz de
respeitar a natureza que ela faz falar” (1984:25). Para Prigogine “chegou o tempo de
novas alianças, desde sempre firmadas, durante muito tempo ignorada, entre a história
dos homens, de suas sociedades, de seus saberes” (1984:226).
Nesse contexto de insurgência de novos paradigmas, também decola o movimento
ecológico. O mesmo funda-se na compreensão de que tudo o que compõe o oikos, o habitat
físico, social e cultural no espaço planetário está reciprocamente implicado com tudo, de
modo mais implícito ou mais explícito. Assim, toda ação travada na contextura dessa teia
interfere na dinâmica de sua globalidade.
Na vastidão desse horizonte transversal e multirreferencial revela-se ainda o
renascimento das tradições espirituais que foram tão subestimadas pela hegemonia dos
paradigmas da tecnociência, excessivamente materialistas. Tradições espirituais que
traduzem fontes de sabedorias milenares como o Budismo, o Taoísmo, o Hinduísmo, as
sabedorias indígenas e africanas, o Cristianismo primordial, etc. passam a ser melhor
investigadas e compreendidas nos confins do planeta. Seus mananciais de valores ancestrais
e originários vão nos inspirando na busca da amorosidade, da escuta da intuitividade e do
autoconhecimento, da lapidação do espírito de fraternização e de respeito à vida, às vidas;
do cultivo e da fruição da beleza, dos mistérios incomensuráveis do sagrado.
Os sinais desses lampejos apontam para a “Era das relações”, onde possamos
vivenciar a lógica da inclusividade, a unitas multiplex, o “reencantamento do mundo”. É
nos meandros dessas cosmovisões que brota a abordagem Transdisciplinar.

03. A ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR

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O vocábulo transdisciplinaridade foi enunciado pela primeira vez, segundo B.
Nicolescu, por Jean Piaget em um colóquio de 1970 quando este proclamou: “...enfim, no
estágio das relações interdisciplinares, podemos esperar o aparecimento de um estágio
superior que seria 'transdisciplinar', que não se contentaria em atingir as interações ou
reciprocidades entre pesquisas especializadas, mas situaria essas ligações no interior de
um sistema total sem fraturas estáveis entre as disciplinas” (Apud Weill, 1993:30). A
transdisciplinaridade nutre-se da pesquisa disciplinar, da sua ampliação com a
interdisciplinaridade, e procura ultrapassar a ambas transbordando os seus limites,
transpondo as fraturas do paradigma da disciplinaridade.
A interdisciplinaridade se traduz numa perspectiva de articulação interativa entre as
diversas disciplinas no sentido de enriquecê-las através de relações dialógicas entre os
métodos e conteúdos que as constituem. De certo modo, a interdisciplinaridade “ultrapassa
as disciplinas, mas sua finalidade permanece inscrita na pesquisa disciplinar” (Nicolescu,
1999:46), não superado assim, as fronteiras fragmentadoras do modelo disciplinar.
A transdisciplinaridade se territorializa entre, através e além das disciplinas, das
fronteiras das mesmas, vislumbrando a unidade do conhecimento mediante os traços de sua
diversidade, buscado assim a não separabilidade, as interligações micro e macro que
constituem a inteireza dos fenômenos da cultura, da vida. Aventa um conhecimento aberto
e multirreferencial que compreende os diferentes níveis de percepção e de realidade como
elementos que se entrecruzam, se ampliam e se enriquecem na busca da compreensão do
ser em sua unidiversidade. Como realça Camus (1997:37), a pesquisa transdisciplinar
“interroga sobre o fundamento, atravessa e ultrapassa todas as disciplinas”.
A abordagem transdisciplinar lastreia-se na lógica da inclusividade e da
interdependência onde a Arte, a Ciência, a Filosofia e as Tradições espirituais são
consideradas como fontes diversificadas, porém coexistentes em suas dimensões mais
fundas para a compreensão da cultura, da vida, do cosmos. Nessa trilha, entrelaçam-se a
intuição e a razão, o sentimento e o pensamento, Logos e Eros, o corpo e o espírito,
hemisfério direito e hemisfério esquerdo do cérebro. A cultura e a vida são concebidas
como teias dinâmicas compostas de fios interligados e implicados, que, na complexidade de
sua tessitura, dão vivacidade às mesmas.
Nesse aporte referencial o saber é necessário, mas a sabedoria é imprescindível. O
saber, a ciência e a técnica são instrumentos externos (o ter, a quantidade) que devem estar
a serviço do ser, da qualidade mais visceral e originária da vida, das vidas do planeta terra.
Mais do que ter saber, erudição, precisamos aprender a saber ser. Ser melhores para
conosco mesmos, com e para os outros inspirados na da Ética da solidariedade, da
compaixão –valores que nos são legados pelas diversas sabedorias sedimentadas pelas
múltiplas tradições milenares da humanidade, pela ciência eivada de consciência.
A abordagem transdisciplinar incide na construção de pontes que entrelaçam
dialogicamente as diferentes culturas e modos de conhecimento, afirmando a importância
das suas peculiaridades, mas apontando para os seus nexos de complementaridade. Dessa
forma, os valores humanos são reafirmados no fortalecimento de um novo humanismo, o
ecohumanismo onde ser humano e natureza são compreendidos coexistencialmente.
A transdisciplinaridade é transreligiosa ao compreender que todas as tradições
religiosas, em seus princípios mais fundos, originários e invisíveis se alojam além das
formas e traços materiais visíveis vislumbrando a religação da energia amorosa e da
espiritualidade sutil que une todos os seres na manifestação da fraternidade cósmica. Bohm
(1992) acentua que há um desejo profundo de totalidade e de integração presente nos

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indivíduos e nas culturas humanas de interligação dos componentes de sua inteireza; de
com-preensão, ou seja, de apreensão de seu conjunto.
A abordagem transdisciplinar funda-se no princípio milenar, presente em diversas
tradições culturais, da unitas multiplex, onde se busca uma compreensão do universo em
sua unidiversidade, ou seja, as diferenças que compõem os diversos modos de expressão
dos seres e fenômenos da Natureza, bem como dos seres e fenômenos do espírito humano,
em suas expressões históricas, são partes constitutivas de um todo dinâmico que só tem
sentido pela relação de interatividade simbiótica e qualitativa entre as singularidades de
suas partes. Interatividade que, através de suas dimensões qualitativas e proporções
quantitativas compõem uma unidade múltipla, viva e vibrante. São como os mais diferentes
instrumentos de uma orquestra que, interligados e sintonizados em processos de afinação
dos tons de suas diferenças compõem a beleza de uma sinfonia.
Camus (1997:41) anuncia: “a via transdisciplinar é a busca alquímica (isto é, não
mais especulativa e sim operativa) da auto-interrogação-intensificação-coagulação desse
fabuloso enigma que se chama 'consciência'”. Consciência como saber com, como
expressão conjuntiva de percepção onde se entrelaçam o sentimento e o pensamento, a
intuição e a razão; como uma compreensão alargada e corpomental. Onde o saber está
eivado de sabor, e assim nos conduz à transversalidade da sabedoria.
A transdisciplinaridade “é simplesmente um corpus de pensamento e uma
experiência vivida” (Nicolescu, 1999:121), na busca da phronesis grega, da temperança
proporcionada pela sabedoria. Procura operar uma síntese dialética aberta e fecunda,
cuidadosa e profunda entre a Arte, a Ciência, a Filosofia e as Tradições, instituindo
encontros e cruzamentos mestiços na heterogeneidade das culturas humanas. Instaura
pontes que entrelaçam o corpo e o espírito humanos com o corpo e o espírito do cosmos na
celebração da unitas multiplex.

04. A ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR NA EDUCAÇÃO


Nossas práticas educativas foram moduladas nos lastros do paradigma da
disciplinaridade que, como vimos, configura-se pela departamentalização do saber em
diversas disciplinas ou matérias. Os currículos dos cursos são estruturados, na concretude
das ações educativas, como elencos de disciplinas justapostas e relativamente estranhas
umas das outras levando-as a segmentações que as reduzem a feudos isolados.
Os processos de formação, nas mais diversas áreas e respectivos cursos apresentam
os conteúdos e métodos de modo fragmentado e desvinculado da cotidianidade da vida, do
contexto sócio-cultural, dos valores fundamentais que plasmam as subjetividades. Isto
incide na fragmentação das mentalidades, das consciências e das posturas que perdem
assim a compreensão do ser, da vida e da cultura em suas relações e interrelações íntimas e
dinâmicas, esfacelando a dialeticidade basilar existente entre parte e todo.
Com a predominância das experiências de formação, alicerçadas nos cânones
positivistas do conhecimento científico e na instrumentalidade da técnica, os processos
educativos redundam-se apenas às práticas instrutivas, funcionais e profissionalizantes onde
prevalecem os papéis externos, a relação funcional e mecânica com o real, com a vida. A
dominância da lógica disjuntiva e exclusivista, da tecno-lógica superestima o cálculo, a
racionalidade técnica, o quantitativo -o ter, em detrimento das relações internas e
dinâmicas das qualidades fundamentais das coisas, da vida -do ser. O sujeito humano tende
a ser coisificado.

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Nas práticas educativas centradas no paradigma da disciplinaridade cada disciplina é
abordada e desdobrada de modo fragmentado e percorre uma trajetória paralela e isolada
das demais. Na medida em que os currículos são compostos por fluxogramas que
apresentam saberes demarcados por regiões fronteiriças que os dividem e os fragmentam,
professores e alunos tornam-se especialistas nas partes, nos recortes das especialidades
perdendo de vista a compreensão das relações e das inter-relações dinâmicas que perfazem
a teia interativa da complexidade dos fenômenos.
A formação da disciplinaridade privilegia os recursos e procedimentos técnicos, a
fragmentação do saber, os processos de instrução funcional através dos papéis que devem
ser exercidos mecanicamente por cada um no seio da sociedade, atendo-se assim às
dimensões externas e lineares das coisas. Desse modo, os processos instrutivos primam pela
externalidade das superfícies, pelo pragmatismo imediatista, pela quantitatividade do ter
desqualificando os valores primordiais do humano, as qualidades do ser.
Com a interdisciplinaridade ocorre avanços significativos em relação à
disciplinaridade na medida em que articula-se uma relação mais dialógica entre as
disciplinas com a tentativa de superação de algumas fronteiras segregadoras das mesmas.
As áreas de saber procuram estabelecer conexões onde se dão trocas de experiências
através dos recursos teóricos e metodológicos na cotidianidade do fazer educacional.
Porém, a prática interdisciplinar continua estruturada nas esferas da disciplinaridade que
privilegia os saberes da ciência e da técnica em detrimento das outras fontes e níveis de
conhecimento, dos imponderáveis da cultura e da vida –instâncias fundamentais nos
processos educativos que primam pela formação integral do ser humano.
A transdisciplinaridade considera que os grandes pilares de conhecimento e de
sabedoria humana são primaciais nos processos educativos para a formação da globalidade
do ser, ou seja, a Educação deve nutrir-se tanto nos mananciais da Ciência e da Filosofia,
como da Arte e das Tradições espirituais, açambarcando assim o ser humano nas suas
expressões mais heterogêneas, profundas e conjuntivas. Pretende também superar as
posturas mutilantes que separam a ciência da consciência, o corpo da mente, a
materialidade da espiritualidade, o coração da razão.
A transdisciplinaridade ancora-se na idéia de inteligência como intus legere que
supõe uma com-preensão, um discernimento mais alargado e meditativo de nosso ser
senciente e pensante. Procura religar os hemisférios cerebrais que foram cindidos nas
práticas educacionais superestimadoras do fora, da externalidade, dos papéis, da técnica,
dos domínios lógico-formais, das posturas calculistas –da objetividade, do lado esquerdo do
cérebro, e subestimadoras do dentro, da interioridade, das crenças, da sensibilidade, dos
domínios intuitivos e mitopoéticos –da subjetividade, do lado direito do cérebro, dos
meandros mais imponderáveis e curvos do humano. Compreende, portanto, que
objetividade e subjetividade não são pólos isolados e estanques, e sim, interligados e
complementares na tessitura da cultura e da vida.
A educação inspirada na abordagem transdisciplinar procura cuidar com afinco dos
processos de condução, do modo e do jeito de caminhar que se revelam no cultivo da
sabedoria do como traçar os passos de cada caminhada, onde o aprender a aprender torna-se
propósito fundamental. Aprender a sorver o saber temperado pelos sabores, odores e cores
marcantes do vivido na busca do saber ser melhor de cada um para consigo mesmo e para
com os outros.
O cuidado com o modo de condução das práticas educativas pressupõe a “escuta
sensível”, o olhar transversal, a abertura para as diversidades, o tatear com atenção acurada

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as sinuosidades e dobras dos caminhos. Demanda a presença da intuitividade para o
discernimento das sutilezas e entornos das aventuras, onde os desafios das almas
audaciosas que inspiram-se na fineza do coração e na ação corada da coragem, levam às
buscas dos sentidos mais expansivos, altaneiros e preciosos da vida.
Esses processos educativos partem da nossa condição mais animal, de nossas
características mais físicas e elementares, de nossa terralidade corpórea, e nos conduz aos
vôos das nossas águias pela vastidão dos horizontes de nossa ãnima, de nosso espírito mais
vívido e transcendente. Partem de nossa pessoalidade, de nossos traços mais singulares e
nos leva à transpessoalidade onde podemos compartilhar com os outros os paradoxos e
mistérios do viver, do transviver. A transpessoalidade nos conduz à compreensão dos elos
invisíveis da energia vital, à sutileza do espírito amoroso que vibra e irradia os corações e
mentes e que unem os seres humanos entre si e com todos os seres planetários.
Aprender a ser é um processo permanente de lapidação de nossas potencialidades
mais preciosas que só ocorre mediante a tecelagem da teia movente e entrelaçada de nossas
relações com os outros seres humanos. Como afirma Nicolescu (1999:136): “A construção
de uma pessoa passa inevitavelmente por uma dimensão transpessoal”. A conexão aberta e
desnuda com o outro, em quaisquer instâncias de relações intersubjetivas, nos proporciona
a descoberta mais intensa de nós mesmos, de nossos limites e possibilidades. O aprender a
ser, portanto, é tecido na fiação das inter-relações coletivas, onde, através de processos
dialógicos interativos nos reconhecemos e reconhecemos os outros.
Nessa abordagem, a sala de aula vai se convertendo em ambiente iniciático onde
cada encontro pode ser concebido como um “rito de passagem” em que os aprendizados são
celebrados de modo vivificante e renascente; onde os saberes são regados com os sabores
que dão mais sentido e encanto à vida. Esses ritos de iniciação instaurados na sala de aula
são marcados pelas operações mentais, técnicas e reflexivas que incitam o espírito crítico e
perspicaz, mas também são temperados pela presença fecundante das operações que
movem e burilam a sensibilidade, a afetividade, o lúdico, a ternura, o mitopoético que
incitam a auto-estima, a solidariedade, a alegria, o prazer, a amorosidade.
Essa conjunção religante norteada pela lógica da inclusividade aduba a imaginação
criante, viceja nossas utopias; descortina-se no kalokagathos que inspirava a educação
grega: a procura fundante do bem e do belo. Ou seja, desdobra-se na formação do ser, dos
valores humanos mais seminais onde efetividade e afetividade, ciência e consciência,
Logos e Eros, Ética e Estética, corporeidade e espiritualidade se entrecruzam dialética e
coexistencialmente. Nessa perspectiva, as práticas educativas tornam-se experiências vivas
onde frui o elán vital; convertem-se em espaços vívidos de celebração e de reencantação da
vida. Dessa forma, a própria Educação se reencanta.
A educação norteada nos princípios da transdisciplinaridade propugna os
estandartes da paz e da esperança para todos os povos da terra, o que só se torna possível na
sedimentação de um novo humanismo que agregue Ciência, Arte, Filosofia e Tradições.
Um ecohumanismo que respeite a grandeza e a dignidade do ser humano, mas também a
grandeza e os mistérios da Natureza, com a formação de uma consciência ecológica
alargada, crítica e profunda.
A educação, nesse tino, desdobra-se no trânsito implicadamente entrelaçado da
autoformação, da heteroformação e da ecoformação (Sommerman, 1999). Na autoformação
desenvolve-se os processos de autoconhecimento, da busca do “conhece-te a ti mesmo”, na
escuta dos sons e dos silêncios de nossa singularidade mais interna. Na heteroformação
compreende-se os processos de formação como ações traçadas intersubjetivamente

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mediante as heterogeneidades da cultura na dinâmica das relações sociais. Na ecoformação,
vislumbra-se a formação que considera o local e o global, a parte e o todo, a imanência e a
transcendência que são assim compreendidos como aspectos visceralmente interligados e
complementares, onde ser humano e Natureza coexistem de modo dialógico e
interdependente no vigor da fraternidade cósmica, da unitas multiplex.

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[1] Texto publicado na Revista de Educação CEAP. Salvador: ano 8, p. 7 a 19, dez-fev.
2000.

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