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A garota de
Sanok Roteiro Cinematográfico

Luís Henrique Brandão

1. O MAR. EXT. DIA.

Gaivotas atiram-se n’água. Petit está sentado na


praia, rodeado de crianças que exibem seus
brinquedos ganhos no Natal. Tem um curativo na mão
direita. Ao fundo, atrás de Petit, está a casa onde
mora com os tios que o adotaram depois da morte de
seus pais. Um homem se aproxima da casa. Um
estranho, carregando uma mochila velha nas costas.
Bate na porta. Petit volta-se, observando o
forasteiro. Abrem a porta. A tia aparece.
Cumprimentam-se e entram. Petit continua ali, com as
gaivotas ao fundo, e o grito das crianças, felizes.
Petit esboça um leve sorriso.

2. CASA DE PETIT. INT. DIA.

O tio e o forasteiro conversam na sala, enquanto a


tia prepara o jantar. A porta da cozinha se abre.
Petit entra, sorrateiramente. Encontra o olhar
reprovador da tia, que faz sinal com a cabeça, para
que ele vá para o quarto. Petit obedece.

3. QUARTO DE PETIT. INT. NOITE.

Ele senta-se na cama e puxa o tapete que estava


debaixo dela. Tira os sapatos e limpa os pés,
deixando a areia cair sobre o tapete. Vai até a
porta, abre-a e fica ali, como que escondido,
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observando o forasteiro conversar com seu tio. Ouve


o tio pronunciar o nome do forasteiro: George. Petit
repete o nome com os lábios, sem emitir som.
A tia entra na sala, com uma tigela de sopa. Ele
fecha a porta e corre para a cama. A porta se abre.
É a tia.

TIA - Pro banho. A sopa está na mesa.

4. BANHEIRO. INT. NOITE.

Petit entra no banheiro, tira a roupa e entra na


banheira. Abre o chuveiro, deixando a água cair
sobre suas costas. O tio e George entram e vão para
a pia. O tio lava as mãos.

TIO - (Sem olhar para Petit.) As sopa vai


esfriar. Você não quer que sua tia volte
pra cozinha depois do jantar, quer?

George aproxima-se e abaixa-se perto da banheira.

GEORGE - Eu sou o George. (Petit repete o


nome com os lábios.) E você?
TIO - É o filho da minha irmã. A que
morreu, eu te falei. Está morando com a
gente, por uns tempos.
GEORGE - Você tem um nome, não tem?
PETIT - (Sussurrando.) Petit.
GEORGE - (Fingindo surpresa.) Que nome
bonito! De onde sua mãe tirou?
PETIT - Eu nasci na França.
GEORGE - (Rindo.) Na França? Eu não sabia…
TIO - Bobagens do garoto. Ele não sabe o
que fala. Não quer lavar as mãos?
GEORGE - Que foi que você fez na mão?
TIO - Eu cansei de falar pra ele… Criança
que brinca com fogo faz xixi na cama.
PETIT - Eu nunca fiz xixi na cama.

Silêncio desconsertante.
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GEORGE - (Levanta-se.) A sopa. Não


queremos fazer sua tia ficar na cozinha
depois do jantar, queremos?

George vai para a pia, lavar as mãos. Lança para


Petit um sorriso, antes de ir para a sala.

5. SALA DE JANTAR. INT. NOITE.

Os três adultos tomam sopa. Petit, com a colher na


mão, parece hipnotizado com a presença de George.

TIO - Você tem certeza do que vai fazer,


George?
GEORGE - Tenho.
TIO - Não tem nada que eu possa fazer por
você?
GEORGE - Nada vai me fazer mudar de idéia.
TIA - Do que é que vocês estão falando? O
que é que você está pretendendo fazer, meu
rapaz?
TIO - Por favor. Isso é um assunto
particular do George.

Ela baixa a cabeça. Coloca uma colher de sopa na


boca e olha para Petit, que tem o prato ainda cheio.

TIA - (Severa.) Já matou sua fome? Então


vai pro quarto dormir. Está na hora.

Petit levanta-se e aproxima-se de George. Para


espanto dos tios, sorri para George e diz:

PETIT - Boa noite!


GEORGE - Boa noite, Petit. (Beija-lhe a
cabeça.) Tenha bons sonhos.

Os tios trocam olhares furiosos.

TIA - Agora vai. Vai pra cama. Não amole


mais o amigo do seu tio.

Petit vai pro quarto. George termina de tomar a sopa.

6. SALA. INT. NOITE.


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O tio e George estão sentados no sofá. George mexe


na mochila.

TIO - Você não devia, George. Desculpe, eu


gosto muito de você, meu grande amigo,
quase um irmão. Tenho que dar este
conselho: você não devia. Não tem o
direito de tirar o que Deus lhe deu.
(George permanece em silêncio.) Tem mesmo
certeza de que é isso que quer? (Levanta-
se.) Eu quero mostrar uma coisa, George.
Uma coisa que nunca mostramos para
ninguém, Marieta e eu. Uma coisa muito
pessoal, mas que eu acredito, pode fazer
você mudar de idéia. Não que eu queira
realmente interferir na sua vida… Eu não
tenho direito. Venha, George, quero
mostrar uma coisa.

7. SALA DE JANTAR. INT. NOITE.

Ele tira a toalha da mesa. Vai para o quarto. Volta


com um projetor, que coloca sobre a mesa. Estende
uma tela e coloca um filme no projetor, sobre a
mesa. Apaga as luzes e inicia a projeção.

É um filme sobre a gravidez de Marieta. Cenas que


antecedem o parto: a saída de casa, chegada no
hospital. A ida para o centro cirúrgico. O inicio do
parto. Tensão entre os médicos. Marieta sofre. Mesmo
com a super-8 na mão, Gustavo tenta acalmá-la. O
nascimento. O olhar do médico, preocupado. Ele cobre
a câmera com a mão e afasta-se com a criança.
Preocupação entre a equipe. Marieta desespera-se e
chora. A imagem treme. Gustavo apoia a câmera sobre
uma mesa. Ainda se vê os dois se abraçando. Marieta
chora, desesperadamente.
É um filme curto. Três minutos, no máximo.
Durante esta exibição, Marieta surgiu na porta entre
a sala e a cozinha. Abraçada a uma tigela, vê a
projeção e chora. Volta para a cozinha.
Fim da projeção. Gustavo permanece parado atrás do
projetor. George está visivelmente perturbado.

GEORGE - Por que é que me mostrou este


filme? Deve ter sido muito difícil para
vocês dois.
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Marieta volta para a sala, trazendo nas mãos um


travesseiro e um lençol.

MARIETA - Se quiser dormir, suas coisas


estão sobre o sofá.
GEORGE - Obrigado.

8. SALA. INT.NOITE.

Um lençol foi estendido sobre o sofá. George está


sentado, segurando a mochila. Gustavo está ao lado,
na poltrona. Acende um cigarro. Oferece um a George.

GEORGE - (Recusa.) Obrigado.


GUSTAVO - Eu preciso de um favor seu,
George. É muito importante. É sobre o
menino…
GEORGE - Petit?
GUSTAVO - Você não imagina o quanto nós
sofremos. O menino, Petit, veio morar com
a gente logo depois do parto. Nós
queríamos muito um filho. Minha irmã
morreu, e ele não tinha com quem ficar.
GEORGE - Isso foi muito bom para vocês.
GUSTAVO - Pelo contrário. Nossa vida tem
sido um inferno. Nós nos dávamos bem com
minha irmã. Durante anos ela e Marieta
travaram um batalha para ver quem tinha um
filho primeiro. No começo era engraçado.
Nos divertíamos muito com a brincadeira,
mas o tempo foi passando, minha irmã
engravidou… Marieta descobriu um problema
no útero… Não conseguimos engravidar… O
menino nasceu e perdemos contato. Nos
afastamos por muito tempo. É por isso que
eu preciso de um favor seu. O menino,
Petit, não podemos mais ficar com ele
aqui. Leve ele com você.
GEORGE - Levar? Você sabe para onde eu
estou indo.
GUSTAVO -Faça o que fizer, não importa. Dê
um tiro na cabeça, não sei... Use mais uma
bala.
GEORGE - (Petrificado.) Você quer que
eu...?
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GUSTAVO - Queremos que você leve o garoto


daqui. Não podemos mais viver com ele
aqui. Faça o que fizer, George. Leve ele
com você. Por favor. Por Marieta e por
mim.
GEORGE - Eu não acredito que você está me
pedindo para...
GUSTAVO - Não estou pedindo nada de mais.
Só quero que leve ele daqui. Ele não é
nosso filho. Nunca foi e nunca será. Foi
uma fatalidade que trouxe ele para cá. É
um peso muito grande para nós dois. Não
amamos Petit. Nunca vamos amar, e isso só
fará mal para ele.
GEORGE - Eu não sei o que dizer…
GUSTAVO - Não deve ser difícil. Você já
tomou um decisão. Vai dar um fim à sua
vida, não vai. Pode fazer isso com mais
um.
GEORGE - Você já parou para pensar no
tamanho disso que está me pedindo?
GUSTAVO - Não peço nada de mais… Só quero
que leve ele daqui… Não há nada de tão
dramático nisso.
GEORGE - Eu estou muito confuso. Quero
descansar um pouco.
GUSTAVO - Quando você pretende partir?
GEORGE - Pela manhã.
GUSTAVO - (Levanta-se.) Pense no que eu
pedi. Por favor.

Gustavo sai. George permanece imóvel, pensativo.

9. QUARTO DE PETIT INT. NOITE.

Petit está junto à porta, com a mão na maçaneta.


Abre a porta com todo cuidado. Pela fresta, ele vê
George, por uns instantes, imóvel. George olha para
Petit e sorri. Petit, envergonhado, fecha a porta.

10. QUARTO DE PETIT. INT. MADRUGADA.

Petit acorda. Acende o abajur. Levanta-se, vai até a


porta e olha
George, deitado no sofá. Petit fecha a porta e
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volta. Procura uma mochila pelo quarto. Encontra a


mochila e põe nela algumas roupas.

11. SALA. INT. MADRUGADA.

George acorda e senta-se no sofá. Acende o abajur.


Levanta-se e vai até a outra sala. O projetor e o
filme continuam no mesmo lugar. Toca no filme com os
dedos. Volta para a sala, sentando no sofá. Apanha a
chave sobre a mesa. Permanece ali, com as chaves na
mão, pensativo, até que a porta do quarto de Petit
se abre e ele sai, vestido, com a mochila na mão.
Aproxima-se de George.

GEORGE - Onde você vai? Ainda é madrugada.


PETIT - Eu vou com você.
GEORGE - (Sorri.) Comigo? Para onde é que
você acha que eu estou indo?(Petit
permanece calado.) Sua família está aqui,
nesta casa. É aqui que você deve viver.
Junto deles.
PETIT - Eu posso ir com você.
GEORGE - Pode? Eu não acho que seus pais
deixariam.
PETIT - Eu não tenho pai. Nem mãe. E eu
posso ir com você.

Petit senta-se ao lado de George.

GEORGE - Pra onde você acha que eu estou


indo? Você mora num lugar muito bonito.
Tem uma praia bonita aí em frente. Tem o
mar. É um lugar bonito pra se viver.
PETIT - Eu não gosto desse lugar. Eu não
nasci aqui. Você conhece a França?
GEORGE - Eu nunca saí daqui. Nunca estive
em outro país.
PETIT - Eu vim da França...
GEORGE - Você se lembra de lá?
PETIT - Eu era muito pequeno… Quando eu
vim pra cá minha mãe já falava português…
Não sei falar nada em francês. Você sabe?
GEORGE - Não.
PETIT - Só sei que eu vim de lá… Da
França… Você conhece a França?
GEORGE - Só de fotos. Paris é uma cidade
muito bonita.
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PETIT - Onde fica Paris?


GEORGE - Dentro da França. Paris é a
capital francesa.
PETIT - E se a gente fosse pra França?
GEORGE - (Ri.) Não seria uma má idéia, mas
não vai ser fácil. Ia levar muito tempo.
PETIT - Quanto?
GEORGE - Não sei. Muito mesmo.
PETIT - Se temos de ir para algum lugar,
por que não vamos para lá? Você não gostou
da minha idéia?
GEORGE - Gostei muito... Quem sabe? Você
não está com sono?
PETIT - Não muito. Quando você vai embora?
GEORGE - Não sei. Pela manhã, talvez.
PETIT - Posso ficar aqui, com você?
GEORGE - Você quer dormir aqui, na sala?
(Petit faz que sim, com a cabeça.) Não tem
muito espaço aqui.

George se levanta e coloca Petit no sofá, deitado.


Fica na poltrona, sentado. Apaga a luz do abajur.
Fica ali, em silêncio, observando Petit, que cai em
sono profundo. George toca delicadamente no cebelo
dele. Acomoda-se na poltrona, tentando dormir.

12. SALA. INT. MADRUGADA.

George acorda, assustado. Olha Petit no sofá. Acende


o abajur. Espreguiça-se. Olha Petit, demoradamente.
Apanha a chave da sua casa, sobre a mesinha,
segurando-a firmemente.

13. CASA. EXT. MADRUGADA.

Frente da casa. Fim da madrugada. O sol ainda não


apareceu. A brisa do mar arrasta alguma folhas. A
porta da frente se abre. George sai, com sua mochila
nas costas. Petit surge logo atrás, trazendo uma
pequena mochila. Caminham lado a lado, se afastando
lentamente da casa.

14. ESTRADA. EXT. MANHÃ.

George e Petit sobem por uma estrada. Ao fundo, o


mar, silencioso.
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15. ESTRADA. EXT. MANHÃ.

GEORGE - Está cansado? Quer parar um


pouco?
PETIT - Não.

16. ESTRADA. EXT. MANHÃ.

George está só, parado na beira da estrada. Carros


passam em alta velocidade. Petit está afastado,
fazendo xixi. Ele ergue o zíper e volta para a
estrada.

GEORGE - Logo ali na frente tem um posto


com lanchonete. Vamos parar para comer.
PETIT - Você está com fome?
GEORGE - Você não está? Eu estou morto de
fome.

Petit tira da mochila uma barra de chocolate. Divide


a barra em dois pedaços e dá um para George.

PETIT - Você gosta de chocolate?


GEORGE - Muito.

Seguem, comendo o chocolate.

17. LANCHONETE DE BEIRA DE ESTRADA. INT. DIA.

GEORGE - Você não tem curiosidade de saber


para onde estamos indo?
PETIT - Não acredito que seja para a
França.
GEORGE - A França está muito longe daqui.
Você veio de lá mesmo?
PETIT - Vim.
GEORGE - Como é que você sabe? Você se
lembra de alguma coisa?
PETIT - Eu vim pequenininho de lá... Não
me lembro de quase nada.
GEORGE - Nada mesmo?
PETIT - De alguma coisa…
GEORGE - Do que?
PETIT - Um lugar… Acho que a minha casa…
GEORGE - Como era?
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PETIT - Uma casa bonita…


GEORGE - Nossas casas sempre são bonitas,
quando somos pequenos.
PETIT - Como era a sua? Você lembra? Era
bonita também?

George cala-se, pensativo. A garçonete chega.

GARÇONETE - Pois não! Já escolheram?


GEORGE - Eu quero o número sete.

Ela anota.

PETIT - O que é o número sete?


GEORGE - Sanduíche de carne com batata
frita.
PETIT - (Para a garçonete.) É gostoso?
GARÇONETE - Muito gostoso. Eu garanto.
Quer um também? Batata frita com catchup é
demais! Você gosta?
GEORGE - Você já comeu batata frita com
catchup?
PETIT - Acho que não. Lá ele só fazia
sopa. Eu tomava sopa todo dia. Tem sopa
aqui?
GARÇONETE - Tem sim. Minestrone. Mas acho
que você já deve estar enjoado de sopa.
PETIT - Sopa eu não quero. Quero o mesmo
do George.
GARÇONETE - (Anotando e conferindo.)
Sanduíche de carne com batata frita e
muito catchup. E para beber?
PETIT - (Rápido.) Refrigerante.
GEORGE - E uma água com gás. (A garçonete
sai.)

George olha através da janela. Parece distante.

PETIT - Você lembra?


GEORGE - Do quê?
PETIT - Da sua casa, quando você era
pequeno?
GEORGE - Eu morei em muito lugares… Muitas
casas. Mas tem uma em especial que eu me
lembro. Tinha um quintal muito grande, com
uma árvore imensa no meio. Era lá que eu
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brincava com os meus amigos. Em cima


daquela árvore.
PETIT - Que árvore era?
GEORGE - Uma goiabeira. Você já viu uma
goiabeira?
PETIT - Eu acho que não. Mas já comi
goiaba.
GEORGE - Você já subiu numa árvore?
PETIT - Eu não me lembro. Na França, acho
que não tinha árvore… Eu não me lembro de
nenhuma.
GEORGE - Não se lembrar não significa que
não exista. Existem árvores em todo o
mundo. Inclusive na França.
PETIT - Eu não me lembro…
GEORGE - Do que é que você se lembra?
PETIT - Não me lembro de muita coisa… Acho
que só da minha casa…
GEORGE - Era igual a que você morava com o
Gustavo e a Marieta?
PETIT - A casa daqui não era muito boa. Eu
não podia ficar muito nela. Ainda bem que
tinha o mar.
GEORGE - Você gosta do mar?
PETIT - Gosto. Eu passava muito tempo
perto do mar.
GEORGE - Você vai sentir saudades de lá.
Principalmente do mar.
PETIT - Será que lá tem mar?
GEORGE - Lá?
PETIT - (Entre curioso e matreiro.) Na
França?
GEORGE - (Segura na mão de Petit.) Petit,
presta atenção. Não estamos indo para a
França. Não quero mentir para você.
Estamos muito longe de lá, mas eu prometo.
Estamos indo para um lugar tão bonito
quanto o seu país. E muito parecido
também.

A garçonete volta com os pratos.

GARÇONETE - (Brincando.) Qual é o seu?


Este ou este? Deixa eu ver… Para ele
(George.) sanduíche de carne com batata
frita. (Coloca o prato na frente e George.
Pega-o de volta.) Ou será que este é o
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seu? (Coloca este prato na frente de


Petit.) Pronto. Acertei?
PETIT - (Rindo.) Acertou.
GARÇONETE - Bom apetite. Com licença.
(Volta-se para George.) Seu filho é uma
gracinha. (George sorri, constrangido. Ela
se vai.)
GEORGE - Não vai comer?

Petit pega o frasco de catchup e despeja uma grande


quantidade sobre as batatas.

18. CASA DE PETIT. INT. DIA.

A porta se abre. Aparece Marieta, que se encosta no


batente, olhando o mar, desolada. Atravessa a rua,
ficando de frente para o mar. Chora.

MARIETA - (Grita furiosamente.) Petit! Eu


te odeio!

19. POSTO DE GASOLINA. EXT. ANOITECER.

Anoitece. Um ônibus de passageiros estaciona em


frente ao posto. Descem alguns passageiros. George e
Petit colocam-se ao lado do motorista. George dá o
dinheiro ao motorista, que lhe dá os bilhetes de
passagem. Os dois entram. Acomodam-se. Petit na
janela. O ônibus parte. George abre a janela, para
Petit ver melhor a paisagem. Seguem. O vento bate no
rosto iluminado de Petit, feliz, longe dos tios.

20. CASA DE PETIT. EXT. ANOITECER.

Marieta senta-se na calçada e chora, encolhida.

21. ESTRADA. EXT. NOITE.

O ônibus segue. Anoitece.

22. ESTAÇÃO DE METRÔ. INT. NOITE.

A estação quase vazia. O trem entra na estação. A


porta se abre. George e Petit descem. Petit puxa a
mão de George, querendo ver o trem partir. O trem
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parte. Petit fica ali, olhando surpreso, e rindo. Os


dois caminham pela plataforma, em direção à saída.

23. UMA LONGA ESCADA ROLANTE. INT./EXT. NOITE.

Aos pés da escada, George segura na mão de Petit e


sobem. A cidade vai surgindo. Uma imensa antena de
TV, iluminada, surge diante deles. Petit pára,
assustado.

24. GRANDE AVENIDA. EXT. NOITE.

O olhar do garoto, diante da imensa torre iluminada.

25. APARTAMENTO DE GEORGE. INT. NOITE.

George e Petit diante da porta do apartamento.


George apanha a chave no bolso e abre a porta. O
apartamento está na penumbra. George acende a luz.
Os dois entram.
É um apartamento pequeno. Uma sala/quarto, cozinha e
banheiro. Na sala/quarto uma cama ampla, armário,
sofá e poltrona, e quadros nas paredes.

PETIT - É aqui que você mora? Nós vamos


morar aqui, agora?
GEORGE - É aqui que eu morava. E não sei
se vamos ficar aqui… Não por muito tempo.
PETIT - Então, por que viemos para cá?
(Senta-se na cama. George senta-se ao lado
dele.)
GEORGE - Eu tinha outros planos, quando
fui para a casa do seu tio, o Gustavo. Não
sei se quero mudar esses planos, apesar de
você estar comigo…
PETIT - Ele pediu para você me levar de
lá. Pediu que você me levasse para onde
você estava indo. (Tempo.) Para onde você
está indo, mesmo?
GEORGE - Eu não sei… Um lugar
desconhecido, eu acho…
PETIT - Você nunca foi lá?
GEORGE - Não, nunca.
PETIT - É pra lá que estamos indo?
GEORGE - (Pensativo.) Você deve estar
cansado, não está?
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George arruma a cama.

GEORGE - Deve ter alguma coisa na


geladeira… Quer comer?
PETIT - Não estou com fome. Só com sono.
GEORGE - Então dorme.

George afaga a cabeça de Petit, que dorme


rapidamente. Apaga a luz. Abre a cortina e levanta a
janela. O ruído da cidade invade o quarto. Uma leve
brisa levanta a cortina e atinge o rosto de George,
que aproxima o rosto da janela, para olhar as luzes
da cidade.

26. UM BAR. INT. MADRUGADA.

George bebe no balcão. Não há muita gente, nem muito


barulho. Alguns bêbados falam alto, nada de mais.
George bebe devagar, pensativo. No fundo do bar,
Anete, uma jovem de aproximadamente 24 anos, em pé,
observa as pessoas. Seu olhar passeia pelo balcão,
até encontrar George. Parece surpresa em vê-lo. Quer
se aproximar, mas recua, com medo. Chega mais perto,
para confirmar se é ele mesmo. George não a vê.
Levanta e vai embora.

27. APARTAMENTO DE GEORGE. INT. MANHÃ.

George e Petit estão na cama, dormindo. Ouve-se uma


música muito alto, vinda do corredor. Petit acorda
com a música. Olha para George, que dorme
profundamente. Continua na cama, ouvindo a música do
lado de fora.
Levanta-se e caminha na ponta dos pés até a porta.
Encosta o ouvido, tentando escutar. Abre a porta com
muito cuidado. Espia o corredor pela fresta. Não vê
ninguém. Sai no corredor.

28. CORREDOR. INT. MANHÃ

Petit olha para os dois lados. Não vê ninguém. A


alguns metros dali, a porta de um apartamento está
aberta. É dali que vem a música. Ele vai até lá,
parando diante da porta aberta.
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Há um homem deitado num sofá, com pouca roupa. Ao


lado dele, no chão, um cinzeiro com muitas pontas de
cigarro e uma garrafa vazia. Na TV ligada, um clip
estrelado por Roger, o jovem deitado no sofá, no
volume máximo. Roger está imóvel. Petit dá um passo
à frente, curioso com o que vê na TV. Roger percebe
a presença de Petit, que se assusta. Roger levanta-
se, cambaleando.

ROGER - Olá! Não quer entrar? (Pega o


controle remoto de diminui o volume da
TV.) Também mora aqui? (Petit aponta para
o outro apartamento.) Você tem língua?
Sabe falar?
PETIT - Sei.
ROGER - Que horas são?
PETIT - É de manhã.
ROGER - (Bebe o que resta na garrafa.) Eu
acabei de chegar, cara. Tô caindo de sono.
Como foi que você entrou? A porta estava
aberta?
PETIT - Estava aberta.
ROGER - Que merda! Os caras me largaram
aqui, e sumiram…

Na TV, um close do rosto de Roger faz Petit


reconhecê-lo. Petit se aproxima da TV. Olha para
Roger.

ROGER - Pode acreditar. Sou eu mesmo.


PETIT - Você é cantor?
ROGER - Eu faço o que posso… Estou
tentando… Como é o seu nome?
PETIT - Petit.
ROGER - Petit? O meu é Roger. (Estende a
mão para ele, que se aproxima e toca na
mão de Roger.) Prazer.

Petit volta para a frente da TV, curioso. Roger


acende um cigarro. Fuma, olhando Petit diante da TV.

ROGER - Pode levar a fita, se quiser.


Depois você me devolve. É que eu estou
morrendo de sono.

Petit volta para a porta.


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ROGER - Não quer levar a fita? Ou você não


tem vídeo cassete em casa? Pode levar o
meu também.

Petit não responde. Roger levanta-se e apanha


ingressos sobre uma mesa. Leva até Petit.

ROGER - Tome, se quiser me ver cantando ao


vivo… Você é menor, mas eu prometo
facilitar sua entrada…

George aparece na porta. Toca no ombro de Petit.

ROGER - Olha só quem voltou! Que bom te


ver de novo, George… Quem é o garoto? Um
sobrinho? Não vai me dizer que mudou de
ramo novamente?
GEORGE - Não me obrigue a entrar aí,
Roger.
ROGER - Por favor, não! Você já me deixou
com muitos hematomas. Por favor, não
entre.
GEORGE - Vamos, Petit. (Os dois voltam
para o apartamento.)

29. CORREDOR. INT. MANHÃ.

George e Petit estão quase entrando, quando Roger


aparece na porta.

ROGER - George! Eu dei dois convites pro


garoto. Parece que ele gostou de me ver
cantando… Leve ele pra me ver. Eu dou um
jeito…
GEORGE - Obrigado, Roger. Ele é novo
demais para freqüentar aquele lugar.
ROGER - É só um show, George. Não está
rolando nada de mais.
GEORGE - (Sem dar muita atenção.) Sei…
(Entra.)

30. APARTAMENTO. INT. MANHÃ.

Os dois estão à mesa do café. Junto com a comida,


uma maleta de primeiros socorros. George está
fazendo o curativo da queimadura de Petit. Substitui
uma faixa pesada, por uma gaze.
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GEORGE - Dói?
PETIT - Agora não dói mais.
GEORGE - O Gustavo tem razão. Criança que
brinca com fogo, acaba fazendo xixi na
cama.
PETIT - Eu juro. Eu nunca fiz xixi na
cama.
GEORGE - Eu acredito em você. (Termina o
curativo.) E isso nunca mais vai
acontecer. Agora toma o seu café.
PETIT - O que vamos fazer hoje?
GEORGE - Eu estava pensando em levar você
num lugar…
PETIT - Podemos ir no show dele?
GEORGE - Do Roger? Não, Petit. O show
começa muito tarde. E aquele lugar não é
para crianças. Não vão nem deixar você
entrar, mesmo que você vá comigo.
PETIT - Ele disse que dá um jeito…
GEORGE - Mesmo assim… Acho que vai ser
difícil. Temos coisas melhores para fazer.
PETIT - Mas eu nunca vi ninguém cantando.
Eu vi ele na televisão. Na televisão e na
sala, ao mesmo tempo.
GEORGE - Tudo bem, tome seu café. Depois a
gente resolve.

31. UMA GRANDE AVENIDA. EXT. MANHÃ.

George e Petit caminham pela avenida, conversando.


George indica alguma coisa para Petit, de vez em
quando. Ele parece surpreso. Param diante de uma
livraria. Entram.

32. LIVRARIA. INT. MANHÃ.

Os dois estão sentados numa mesa. Surge o vendedor


trazendo vários livros. Todos sobre a França e
Paris. George pega todos e escolhe um, tomando
cuidado para que Petit não saiba o que é.

GEORGE - Este está bom.


VENDEDOR - Este? Tudo bem. (Pega os outros
livros.) Fiquem a vontade. (Sai.)
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PETIT - (Curioso.) O que é?


GEORGE - (Brincando.) Onde foi mesmo que
você nasceu?
PETIT - Na França. Você não acredita?
GEORGE - Claro que eu acredito em você. Do
que é que você se lembra de lá?
PETIT - Da minha casa, eu acho…
GEORGE - Então olha isso. (Escolhe um
página e abre. Mostra para Petit um foto
aérea de Paris.)
PETIT - Que lugar é esse?
GEORGE - Paris, a capital da França.
PETIT - Quem foi que disse que foi aí que
eu nasci?
GEORGE - Você tem razão. Por que é que não
tiro Paris da cabeça? A França é um país
imenso. Você pode muito bem ter nascido em
qualquer outro lugar… Mas onde? (Olha para
os lados.) Precisamos de um atlas da
França. Lyon? Será que você é de Lyon?
Não, você não tem cara de quem nasceu em
Lyon… Dijon? Quem nasce em Dijon tem cara
de mostarda.
PETIT - Eu tenho cara de mostarda?
GEORGE - Não, não tem. Então… (Pensativo.)
Nice! Você nasceu em Nice! Que é que você
acha?
PETIT - Eu tenho cara de quem nasceu em
Nice?
GEORGE - (Coloca a mão no rosto dele.) Me
deixa ver… Nice… Sinceramente? Você tem
cara de quem nasceu em Nice.
PETIT - Como é a cara de quem nasceu em
Nice?
GEORGE - Nunca vi ninguém que tivesse
nascido em Nice. Você é o primeiro… Não
vamos encontrar um livro sobre Nice aqui.
É melhor ficarmos com este aqui. É uma
parte da França.

Atrás de George e Petit há uma grande vitrine. Anete


passa na calçada, distraída. Volta, surpresa.
Encosta-se na vitrine, para observar os dois. Não se
ouve o que eles conversam. Ela permanece ali um
tempo, olhando. Sorri.

33. CLUBE NOTURNO. INT. NOITE.


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Música no volume máximo. Luzes coloridas. Ambiente


esfumaçado. Pessoas andando com dificuldade,
esbarrando umas nas outras. No palco, um conjunto
toca rock pesado. O público, próximo do palco, dança
freneticamente.

34. FUNDOS DO CLUBE. EXT. NOITE.

Uma porta de ferro, com um leão-de-chácara na


frente. Pessoas entram e saem por esta porta. George
se aproxima, com Petit. Mostra os convites para o
leão-de-chácara, que entra. Volta alguns minutos
depois. Fecha esta porta e acompanha os dois até
outra porta, mais adiante. Bate na porta. George e
Petit entram.

35. CLUBE NOTURNO. INT. NOITE.

Uma jovem vem até eles.

JOVEM - Não vamos poder deixar vocês lá na


platéia, por causa do juizado. Eles estão
aí.
GEORGE - Não vamos ficar muito tempo. Só
vamos dar uma olhada no show. Ele quer ver
o Roger.
JOVEM - Você é que é o Petit? O Roger me
falou de você… Mora no mesmo prédio que
ele, não mora?

Os três caminham por corredores esfumaçados até


chegarem ao camarim de Roger. Ela bate na porta.
Ninguém atende. Bate novamente, com mais força. Ela
mesma abre. Roger está lá dentro, com mais algumas
pessoas, que se apressam em esconder alguma coisa.
Roger passa a mão no rosto, limpando o nariz. Finge
estar surpreso.

ROGER - Olha só quem está aqui? Meu amigo…


(Não consegue se lembrar.)
GEORGE - Petit.
ROGER - Petit! Eu sei, George. Foi para
ele que eu dei o convite. Que bom que você
veio. Não querem entrar? Esse pessoal toca
junto comigo, Petit. Pessoal, esse é o
Petit.
20

Parecem distantes, mas ainda têm forças para acenar


a mão para Petit.

ROGER - Então? Vão ficar aí parados?


GEORGE - Não sei se foi uma boa idéia
termos vindo…
ROGER - Não seja estraga prazer, George.
Foi bom Petit ter vindo… Ele vai se
divertir muito com o nosso show.
GEORGE - Não vamos ficar muito tempo. Não
podemos dar muita bandeira.
ROGER - O juizado de menores está aí?
JOVEM - É claro que está. (Alguém se
aproxima dela e sussurra alguma coisa em
seu ouvido.) É a vez de vocês. Está na
hora.
ROGER - Arrume um bom lugar para eles.
JOVEM - Venham comigo.

Os três saem.

36. PALCO. INT. NOITE.

Um conjunto toca os últimos acordes e encerra seu


show. O pública aplaude com entusiasmo. Os músicos
saem do palco. Entra o grupo de Roger, que não é
recebido com tanto entusiasmo. Roger agradece, mesmo
assim.

No fundo da platéia, encostada numa parede, está


Anete, com um copo na mão. Parece desligada. O show
começa. Ela inicia uma dança estranha, fora do ritmo
que está sendo executado. Caminha dançando para
perto do palco.

37. BASTIDORES. INT. NOITE.

George e Petit estão sobre uma plataforma, uns


quatro metros acima do palco. Petit está sentado,
com as pernas para fora, soltas. Olha para Roger,
sorrindo. George está em pé. Não presta muita
atenção ao show. Observa o público. Dali de cima,
avista Anete, caminhando com dificuldade no meio das
pessoas até chegar bem próximo do palco. Ela parece
preocupada, ao ver Roger de perto.
21

38. PALCO. INT. NOITE.

Roger canta com dificuldade. Agarra-se ao pedestal


do microfone para manter-se em pé. Passa a mão no
rosto, tentando limpar o nariz. Olha para os
bastidores, procurando alguém. Os músicos percebem
que Roger não está bem.

39. BASTIDORES. INT. NOITE.

De onde está, George percebe que alguma coisa está


acontecendo. Roger atravessa o palco, com
dificuldade. É amparado por alguém, que lhe entrega
uma toalha. Ele cai no chão. Outras pessoas se
aproximam dele. George sai, com Petit, que não
entende nada.

40. PALCO. INT. NOITE.

Anete continua ali, quase desesperada. A música pára


e os músicos saem do palco. Alvoroço na platéia.

41. CORREDOR. INT. NOITE.

George e Petit atravessam um corredor, passando por


muita gente. Enfermeiros entram, carregando uma
maca. Passam por eles. George olha para trás,
preocupado. Chegam à porta de saída. Há muitos
policiais. George entra com Petit num camarim. A
policia entra e passa pelo camarim. Eles saem.

42. FUNDO DO CLUBE. EXT. NOITE.

George e Petit saem. Em seguida a porta de ferro é


aberta. Forma-se um pequeno tumulto. Os enfermeiros
saem carregando a maca com Roger. George e Petit
param próximo da ambulância. Petit olha Roger, com
uma máscara de oxigênio. Roger não está com uma cor
normal. O nariz sangra. Tem os olhos fundos e
escuros. A ambulância sai.

43. NUMA GRANDE AVENIDA. EXT. NOITE.

George e Petit caminham pela calçada. George segura


na mão de Petit, que parece triste.
22

44. APARTAMENTO. INT. NOITE.

Petit está deitado. George, sentado ao lado dele,


olha pela janela.

PETIT - O que foi que aconteceu com ele,


George?
GEORGE - As vezes os adultos fazem coisas
que não deviam fazer, Petit…
PETIT - O que foi que ele fez?
GEORGE - Algumas coisas fazem mal, mas
mesmo assim, elas gostam dessas coisas…
PETIT - Coisas que fazem mal?
GEORGE - Isso mesmo. Ele deve ter bebido
alguma coisa muito forte.
PETIT - Quando eu fui na casa dele, ele
estava bebendo alguma coisa… Acho que era
cerveja… O Gustavo também bebia cerveja…
Ele chegava em casa bastante contente. Ela
não gostava.
GEORGE - Ele devia fazer isso pra fugir de
alguma coisa.
PETIT - Fugir de quê?
GEORGE - De algum problema… Todos nós
temos problemas.
PETIT - Roger também tinha?
GEORGE - Com certeza.
PETIT - E onde ele está agora, George? Pra
onde o Roger foi?
GEORGE - Eu não sei direito, Petit… Foi
para um lugar muito longe daqui…
PETIT - Um lugar que não é a França…
GEORGE - Não. Muito mais longe. Um lugar
de onde ele não volta mais.
PETIT - Se eu fosse pra França, eu também
não voltava mais. E você?
GEORGE - Também não, Petit. Com certeza eu
também não voltava. (Distante.) Eu queria
ter essa coragem…

Os dois se calam. Petit adormece. George continua


ali, olhando através do vidro da janela.

45. UM BAR. INT. NOITE.


23

George está no balcão do bar, bebendo cerveja. Anete


aproxima-se por trás dele. Senta-se ao seu lado.
George percebe sua presença, mas finge não perceber.

ANETE - Também quero uma cerveja. (O


garçom pega a cerveja. Ela bebe.) Ontem eu
tentei me matar.
GEORGE - (Irônico.) E conseguiu?
ANETE - Não. (Um longo silêncio. Bebem.)
Quem é o garoto, George?
GEORGE - Que garoto?
ANETE - Eu vi, George. Tem um garotinho
com você.
GEORGE - Não viu não. Não tem ninguém
comigo.
ANETE - Tem George… É um garoto… Eu vi
vocês dois juntos… No show do Roger…
GEORGE - Você devia estar alucinada. Não
precisava tentar o suicídio por causa
disso.
ANETE - Não, eu não estava alucinada. Eu
não estou usando mais nada… Eu parei…
Juro. (Faz-se um longo silêncio.) Eu
tentei me matar antes de te ver com ele.
Depois eu desisti.
GEORGE - Desistiu? Por que?
ANETE - Eu me apaixonei por vocês dois.
GEORGE - (Levanta-se.) Esquece, Anete.
(Vai embora, deixando Anete sozinha.)

46. EM FRENTE AO BAR. EXT. NOITE.

George sai. Anete vem logo em seguida e segue


George.

ANETE - (Alguns metros atrás de George.)


Eu vou com vocês, George.
GEORGE - Não vai não.
ANETE - Por favor!
GEORGE - Para onde é que você acha que
estamos indo?
ANETE - Eu não sei, mas quero ir também…
GEORGE - Tente outra coisa, Anete. Mais
eficiente.
ANETE - O que, por exemplo?
24

George empurra Anete brutalmente para o meio da rua.


Ela cai no asfalto, chorando. Uma carro desvia dela.
George segue em frente, sem olhar para trás.

47. APARTAMENTO DE GEORGE. EXT. NOITE.

Dois carros da policia estão parados em frente ao


prédio. George surge ao fundo, vindo na direção dos
carros. Apressa-se, preocupado. Entra no prédio.

48. PRÉDIO. INT. NOITE.

Dois policiais interrogam uma moradora, ao lado da


escada. George sobe a escada. Um deles volta-se para
George.

POLICIAL - (Com rudeza.) Ei! (George


pára.) Mora aqui há muito tempo?
GEORGE - Há bastante tempo.
POLICIAL - Onde esteve a noite toda?
GEORGE - Por aí...

Ele faz um sinal para que o outro policial vá até


George. Ele obedece, indo até George e revistando-o.

POLICIAL - (Enquanto George é revistado)


Conhece um morador chamado Roger?
GEORGE - O apartamento dele fica de frente
para o meu.
POLICIAL - São amigos? Tem algum contato
com esse sujeito?
GEORGE - Conheço de vista. Ele não passa
muito tempo aqui… É um cantor de rock.
POLICIAL - Cantor de rock... Eu sei...
Conheço bem esse tipo de gente. Pelo jeito
deve haver mais gente por aqui que gosta
de rock. E com certeza tem mais gente por
aqui que vai dançar. Qualquer um aqui pode
ser o próximo, inclusive você.
GEORGE - Mais alguma coisa?
POLICIAL - Se for preciso eu sei muito bem
onde te encontrar.
25

GEORGE - Claro. Meu apartamento fica de


frente para o dele.
POLICIAL - (Sem encará-lo.) Eu disse que
sei onde te encontrar. Já te liberei.

George sobe.

49. CORREDOR. INT. NOITE.

George caminha na direção de seu apartamento. Alguns


policiais estão no corredor. Olham para George, que
se aproxima de seu apartamento. A porta está
encostada. O apartamento de Roger está aberto.
Vários policiais estão lá dentro, revirando tudo.
George toca na maçaneta e se assusta ao perceber que
a porta está aberta. Entra.

50. APARTAMENTO. INT. NOITE.

A luz está acesa. George procura Petit. Não


encontra. Volta para a porta, olhando os policiais
no corredor.

51. PRÉDIO. INT. NOITE.

Os policiais estão saindo do prédio. A moradora que


conversava com eles entra e fecha a porta. George
desce a escada, olhando em volta, sem saber para
onde ir. Caminha pelo corredor. Percebe Petit
sentado embaixo da escada, na escuridão. Abraça
Petit, aliviado. Entra em baixo da escada, sentando-
se ao lado dele.

GEORGE - O que foi, Petit? Por que veio


para cá?
PETIT - Eu fiquei com medo.
GEORGE - Medo de quê?
PETIT - Fiquei com medo que eles me
levassem.
GEORGE - Os policiais? Não, eles não iam
levar você. Só estavam dando uma olhada no
apartamento do Roger.
PETIT - Por que?
GEORGE - Também querem sabe o que foi que
aconteceu com ele.
26

Petit encolhe-se, abraçando George.

GEORGE - Não quer subir? Não está com


sono?
PETIT - O Roger vai voltar para casa?
GEORGE - Não, Petit. O Roger não volta
mais para casa. (Levanta-se.)Vem. Já é
muito tarde.

Eles sobem.

52. APARTAMENTO. INT. MANHÃ.

ANETE - Olha só quem acordou, Petit!

George senta-se ao lado de Petit

ANETE - O que vai querer para o seu café,


George?
GEORGE - Por enquanto nada.
ANETE - Quer ver o que eu comprei pra
gente, George? Olha só. Iogurte, frutas,
geléia. Há quanto tempo você não via um
café da manhã tão bom, Petit?
GEORGE - Meu café não é tão ruim assim.
PETIT - Olha só o que ela trouxe, George.
(Mostra uma caixa de cereais.) Eu nunca
tinha comido isso. É bem gostoso. Quer
comer também?
GOERGE - Não, Petit, obrigada. Acho que só
vou querer café.

Anete serve George.

ANETE - Não vai comer nada?


GEORGE - Não, obrigado.
ANETE - Não parece contente por me ver,
George.
GEORGE - Deveria estar? Não tenho motivo
nenhum pra ficar feliz em te ver pela
manhã.
ANETE - Quer que eu coloque mais um pouco
de leite no seu prato, Petit? Ou quer mais
cereal? (Ela despeja uma grande quantidade
de cereais no prato de Petit.) Petit não
está triste por me ver.
GEORGE - Você gostou dela, Petit?
27

PETIT - Ela parece muito legal. Você


também gosta dela, George? Ela me disse
que gostaria de morar aqui com a gente. O
que é que você acha disso?
ANETE - Você gostou da idéia?
PETIT - Gostei. E você, George?
GEORGE - Depois a gente conversa sobre
isso. Só nos dois.

George pega Anete pelo braço e puxa ela para a sala.

GEORGE - O que é que você está querendo


comigo agora, Anete?
ANETE - Dessa vez eu não quero nada de
mais, George. Só quero cuidar de vocês
dois.
GEORGE - Não estou procurando nenhuma
babá. E se estivesse, pode ter certeza de
uma coisa: não seria você a escolhida.
ANETE - Por que é que você fala assim
comigo, George? Por que é que você me
odeia tanto?
GEORGE - Eu não odeio você, Anete. Só não
quero que se meta na minha vida.
ANETE - Tudo o que eu estou querendo é
cuidar de vocês.
GEORGE - Eu já disse. Não quero ninguém
pra cuidar de mim. Nem do garoto. Não
vamos ficar aqui por muito tempo.
ANETE - Por que? Pra onde é que vocês vão?
Não pode me levar com você também?
GEORGE - Não, não posso. Não posso e não
quero.
ANETE - Você não gosta mesmo de mim, não
é, George?
GEORGE - Presta atenção, Anete. Eu não te
odeio. Você só não faz parte dos meus
planos no momento.
ANETE - Alguma vez eu fiz?
GEORGE - Eu não quero falar disso agora.

Petit entra na sala.

PETIT - Vocês não vão mais tomar café? Eu


não gosto de ficar na cozinha sozinho.

Anete volta para a cozinha.


28

ANETE - Venha também, George! Seu café vai


esfriar. (Ela pega a xícara dele.) Já
esfriou.
PETIT - Você não vem, George?

George volta para a cozinha. Ele e Anete


sentam-se.

ANETE - (Servindo um novo café para ele.)


Seu café estava frio.
GOERGE - Obrigado.
PETIT - É muito legal tomar café da manhã
com vocês. Lá a gente não fazia isso.
ANETE - Lá onde?
GEORGE - Petit morava com os tios.
PETIT - Nunca tomei um café da manhã
assim, com eles dois.
ANETE - (Para George.) E por que é que ele
não está mais com os tios? Eles morreram?

George faz um sinal reprovador. Ela se cala.

ANETE - De onde seus pais tiraram o seu


nome? Nunca vi ninguém que se chamasse
Petit.
GEORGE - Petit é um nome francês, Anete.
Ele nasceu na França.
ANETE - Na França? Não acredito. Eu nunca
tinha conhecido ninguém que tivesse
nascido na França. Em que lugar da França?
GEORGE - Em Nice. Petit nasceu em Nice.
ANETE - Muito prazer. Mas esse nome é
muito engraçado.
GOERGE - Já conheceu alguém que se
chamasse Anete?
PETIT - Não, nunca.
ANETE - Também nunca conheci ninguém que
se chamasse George.

Os três riem.

GEORGE - Pelo jeito, temos nomes bem


estranhos.

53. PIZZARIA. INT. NOITE.


29

George, Anete e Petit estão à mesa. George e Anete


bebem vinho, enquanto Petit bebe refrigerante. Ele
observa atentamente as pessoas em volta.

PETIT - Por que é que as pessoas vêm comer


aqui?
ANETE - Toda família faz isso, Petit. Dá
só uma olhada em volta. Tá vendo quantas
famílias saem de casa pra comer ?
PETIT - E por que é que fazem isso?
ANETE - Porque é divertido. Depois de um
dia de trabalho, é bom pegar a família e
sair pra se divertir… Aqui é divertido,
você não acha?
PETIT - Você gosta daqui, George?
GEORGE - A pizza daqui é boa. Você gostou?
ANETE - (Para Petit.) Podemos vir sempre
aqui, se você quiser… Você pode trazer a
gente aqui mais vezes, George. Você não
quer voltar aqui outras vezes, Petit?
PETIT - Eu gostei daqui.
ANETE - Viu, George. Ele gosta daqui. Não
há nada que nos impeça de voltar toda vez
que quisermos nos divertir.
GEORGE - Sabe qual é o seu problema,
Anete? É que você sempre quer se divertir.
A todo momento. Você não sabe levar a vida
a sério.
ANETE - E por que eu deveria levar a vida
mais a sério, George? Por que eu faria
isso? Não tenho motivo nenhum pra levar a
vida a sério. O que as pessoas ganham
fazendo isso? Você não gosta da nossa
companhia, não é, George? Você deve ter
coisa melhor a fazer do que ficar comendo
pizza com um garotinho simpático e uma
idiota sonhadora, que tudo o que quer é
ter uma chance de conseguir um lar.
GEORGE - Por favor, Anete. O que você vai
querer de sobremesa, Petit?
PETIT- O que é que você vai querer, Anete?
ANETE - Sorvete, eu acho. Um sundae
enorme!
PETIT - Sundae? Também vou quer um. E
você, George, também vai querer um sundae?
ANETE - Eu acho que não, Petit. Um sundae
dever ser muito divertido para o George.
30

Passagem de tempo. Os três terminam de tomar


seus sorvetes.

ANETE - Petit, tem uma coisa que eu


preciso contar. Uma coisa que eu nunca
contei pra ninguém… Nem mesmo pro George.
PETIT - O que é?
ANETE - Eu também não nasci aqui… Como
você, eu também nasci num lugar bem
distante daqui.
PETIT - De verdade? Onde foi que você
nasceu?
ANETE - Eu nasci em Sanok. Acho que Sanok
fica na Polônia… Sabe onde fica Sanok,
George?
GEORGE - Não faço idéia.
ANETE - Isso mesmo. Sanok fica na Polônia.
Portanto, eu sou polonesa.
PETIT - Por que você nunca disse isso?
Você nunca contou pra ninguém?
ANETE - Nunca contei pra ninguém. Acho que
eu tinha vergonha de dizer que eu tinha
nascido num outro país… Depois que eu
conheci você, eu tive coragem de dizer a
verdade. Não é só você que não é daqui. Eu
também não sou. Também sou uma estranha.
PETIT - Por que você é uma estranha? Eu
também sou?
GEORGE - Não, Petit. O que ela quer dizer
com estranha, é forasteiro. Alguém que
veio de muito longe. A França fica muito
longe daqui. Sanok, na Polônia, também
fica bem distante. Mas isso não faz de
você alguém menos querido.
PETIT - Anete também.
GEORGE - (Concordando.) Anete também.

George e Anete tocam na mão de Petit,


carinhosamente.

54. RUA EM FRENTE A PIZZARIA. EXT. NOITE.

ANETE - Pra onde é que a gente vai agora?


GEORGE - É muito tarde, Anete. Nós vamos
pra casa. Petit deve estar com sono.
31

ANETE - Podíamos passar em algum lugar


antes, pra bebermos alguma coisa. É muito
cedo ainda. Você não está com sono, está,
Petit?
GEORGE - Eu também estou com sono.
ANETE - Você é bem fraquinho, George. Onde
está o George dos velhos tempos, das
velhas noitadas?
GEORGE - Anete, por favor. Nós vamos pra
casa.
ANETE - Eu não quero ir pra casa. Quero
beber alguma coisa antes de ir pra casa.
GEORGE - Pode ir sozinha. Não precisa da
gente.
ANETE - Preciso de vocês dois, sim,
senhor. Agora somos uma família. Um pai de
família não pode abandonar a mulher no
meio da rua a essa hora da noite.
GEORGE - E pensar que você ainda não está
bêbada. Não quero que Petit conheça esse
outro lado.
ANETE - É só um drinque, George. Um só.
Que mal vai fazer. Estamos em frente ao
bar.
GEORGE - Petit é uma criança. O que é que
vamos fazer com ele? Deixar esperando na
rua?
ANETE - Conhecemos todo mundo lá dentro.
Não há nada que uma boa conversa não
resolva.
GEORGE - Definitivamente, você não pode
estar falando sério. Você está cada vez
mais louca, Anete. Você deve ser nociva
para o Petit.

Anete pára na calçada, enquanto George e Petit


seguem em frente. Ela chora. Quando percebe que os
dois se distanciaram demais, ela corre atrás deles.

55. APARTAMENTO DE GEORGE. INT. MANHÃ.

George está sentado numa poltrona, lendo um jornal


sossegadamente. Ouve os gritinhos histéricos de
Anete e Petit, e barulho de água. Ele se levanta e
caminha até o banheiro. Pára diante da porta. Fica
ali parado, prestando atenção nos dois brincando.
Eles se assustam quando percebem sua presença.
32

ANETE - Por que você não vem também,


George. Tem água e espuma suficiente pra
nós três.
PETIT - Não quer entrar, George?
GEORGE - Não, obrigado. Estou bem aqui no
seco.
ANETE - Eu e o Petit estávamos falando
sobre você, George.
GEORGE - Sobre mim? O que é que estavam
falando?

Os dois trocam olhares, fazendo segredo.

GEORGE - Não vão me contar?


ANETE - Fala você, Petit.
PETIT - Não, fala você.
ANETE - Nós estávamos pensando… O Petit
nasceu na França. Eu nasci em Sanok.
GEORGE - E daí?
ANETE - Nós não somos daqui. Somos
estrangeiros. Você também não deve ser
daqui. Por que você não confessa pra gente
de uma vez.
PETIT - Onde foi que você nasceu?
GEORGE - (Pensativo.) Vocês dois têm
razão. Eu não sou daqui também.
PETIT - Não? Onde é que você nasceu.
GEORGE - (Faz alguns segundo de suspense.
Finalmente aponta para cima.) Eu vim de lá
de cima. (Anete e Petit olham para cima.)
Eu vim de Marte.
PETIT - De marte?
GEORGE - Verdade! Eu sou um marciano!

Anete e Petit riem.

GEORGE - Vocês não acreditam em mim?


ANETE - Acreditamos. Mas só existe uma
coisa pra espantar um marciano.
GEORGE - É? O que?
PETIT - (Olhando para Anete.) Espuma de
tomar banho.

Os dois pegam espuma e jogam em George, que sai


correndo do banheiro. Os dois riem muito.
33

56. COZINHA DO APARTAMENTO. INT. DIA.

Petit está em cima de uma cadeira encostada no


fogão. Mexe com uma colher numa panela com frango.
Anete chega por trás.

ANETE - O que é que você está preparando?


O cheiro está delicioso.
PETIT - É frango. Quer experimentar?

Ela experimenta um pedaço.

ANETE - Delicioso. Para um francês, você


está se saindo muito bem. Já pode ser um
chefe de cozinha. Já está pronto?
PETIT - Eu acho que sim.
ANETE - Então vamos colocar numa vasilha.
Já está tudo pronto.

Sobre a mesa há uma grande cesta de piquenique.

ANETE - Só está faltando o frango. (George


entra.)
GEORGE - O cheiro está delicioso. Vocês
não acham que estamos levando muita coisa
para uma manhã apenas?
ANETE - Estamos levando o suficiente,
George.
PETIT - Está faltando uma coisa.
ANETE - Está? O quê?
PETIT - O sorvete.
ANETE - O sorvete! Como é que a gente foi
esquecer do sorvete? (Ela pega o sorvete
na geladeira.)
GEORGE - Sorvete? Até chegarmos lá, vai
estar derretido.
ANETE - O George tem razão, Petit. Vai
derreter mesmo. O que é que a gente vai
fazer pra resolver esse problema? Já sei
como resolver. (Ela pega três colheres.)
Vamos tomar o sorvete antes de irmos para
o piquenique.

Os três se sentam em volta da mesa e tomam o


sorvete.

57. ARREDORES DE UM AEROPORTO. EXT. DIA.


34

George, Anete e Petit se aproximam do alambrado de


um aeroporto, próximo à pista de pouso. É ali que
resolveram fazer o piquenique.

GEORGE - O que é que vocês acham desse


lugar?
ANETE - Deve ser um pouco barulhento. O
que é que você acha daqui, Petit? (Petit
observa um avião pousando.) Petit! (Ele
olha para ela.) O que é que você achou
desse lugar?
PETIT - Eu gostei. Eu já tinha visto um
avião descendo. Eu não me lembro onde, mas
eu vi…
ANETE - Não foi na França?
PETIT - Eu não sei. Só sei que fazia muito
barulho.
GEORGE - Era mais barulhento que esse?
PETIT - Muito mais barulhento.
GEORGE - (Gritando.) Hein? Eu não ouvi o
que você disse!
PETIT - (Também grita.) Muito mais
barulhento!
ANETE - (Gritando.) O que é que vocês
estão falando?

O barulho finalmente diminui.

GEORGE - Têm certeza de que vamos ficar


aqui mesmo?
ANETE - O que é que você achou daqui,
Petit?
PETIT - Pode ser divertido. Eu gostei.
Daqui dá pra ver todos os aviões subindo e
descendo.
ANETE - Alguma vez você já voou de avião?
PETIT - Não sei… Eu não me lembro direito.
GEORGE - Está querendo testar o garoto,
Anete? Por favor, ele é só uma criança.
Não esperava que você...
ANETE - Me desculpe, George. Só estava
querendo saber...
GEORGE - Tudo bem. Vamos colocar nossas
coisa aqui mesmo. . Petit, você estende a
toalha. Anete pega a cesta e coloca a
comida sobre a toalha.
35

ANETE - E você?
GEORGE - Eu? Eu não sei. O que é que eu
devia fazer? Não tem muita coisa pra se
fazer por aqui.
ANETE - Ele tem razão, Petit. Não tem
muita coisa pra se fazer por aqui, mesmo.
Então vamos fazer uma outra coisa. Você
estende a toalha e coloca nossa comida
sobre ela, enquanto eu e o Petit ficamos
aqui vendo os aviões subindo e descendo. O
que é que você acha da minha idéia, Petit?
PETIT - Uma grande idéia, Anete.
ANETE - Então é melhor a gente correr,
porque vem vindo um avião enorme lá
diante.

Os dois correm para perto do alambrado. Um avião


imenso se aproxima. Petit sobe no alambrado,
enquanto Anete protege ele por trás. Ao fundo,
George prepara o piquenique.

PASSAGEM DE TEMPO

58. AEROPORTO. EXT. DIA

Os três estão sentado sobre a toalha, comendo.

GEORGE - Sua comida não é tão ruim assim,


Anete.
ANETE - Você não conhecia esse meu lado,
não é, George? Eu sei cozinhar muito bem.
Posse me tornar uma grande dona de casa.
GEORGE - Não acredito muito nisso.
ANETE - Você acredita, Petit, que eu posso
ser uma boa dona de casa? (Petit não está
prestando atenção na conversa. Olhas os
aviões fazendo manobras.) Petit! Estamos
falando com você. (Ele olha para ela.)
Onde é que você estava?
PETIT - Me desculpe. Eu estava olhando os
aviões.
ANETE - O que é que você achou da minha
comida? Eu dizia pro George que eu posso
ser uma boa dona de casa.
36

PETIT - Sua comida está bem gostosa,


Anete. Lá ela não fazia coisas tão boas
assim.
ANETE - Por que não?
PETIT - Eu acho que ela não gostava de
cozinhar pra nós dois.
ANETE - Não sente vontade de voltar pra
casa deles?
PETIT - Não. Eu gosto de ficar com vocês
dois.
ANETE - Viu só, George? Ele gosta de ficar
junto da gente.
PETIT - Eu queria mesmo era voltar pro
lugar onde eu nasci.

(Um avião aterrissa.)

ANETE - Pra França? Você tem vontade de


voltar pra França?
PETIT - Tenho vontade de voltar pra minha
casa. Mas não agora. Agora quero ficar
aqui com vocês.
ANETE - Se quisesse voltar pra França você
teria de aprender falar francês primeiro.
Você não fala francês, fala?

Ele não responde.

GEORGE - O que é que temos de sobremesa?


ANETE - Bolo de chocolate.

Petit vai para perto do alambrado. George se levanta


e se aproxima dele. Anete, ao fundo, prepara a
sobremesa.

GEORGE - Quando eu era pequeno tinha muita


vontade de voar de avião.
PETIT - Você já voou?
GEORGE - Não, nunca.
PETIT - Eu queria muito estar dentro de um
desses agora. (Um avião decola.) Queria
estar dentro desse.
GEORGE - Indo pra onde?
PETIT - Queria que você e Anete estivessem
juntos comigo. Estaria indo pra onde vocês
fossem. Pra onde você tem vontade de ir de
avião?
37

GEORGE - Não tenho vontade de ir para


algum lugar especial. Queria apenas estar
voando. Queria estar lá em cima, bem
pertinho daquelas nuvens.
PETIT - Não podemos fazer isso?
GOERGE - Eu acho difícil agora. Não temos
dinheiro pra três passagens.
PETIT - Não precisa ser dentro de um
avião. Eu acho legal estar junto com vocês
aqui embaixo mesmo.
GEORGE - Eu também. É bom estar aqui, não
é?
PETIT - É sim.
ANETE - Não vão experimentar meu bolo de
chocolate? Está delicioso.

Os dois voltam.

PASSAGEM DE TEMPO. ENTARDECER.

59. AEROPORTO. EXT. ENTARDECER.

Os três estão sentados.

ANETE - Alguém contou quantos aviões


passaram por aqui até agora? Já estou
ficando cansada de ver aviões subindo e
descendo. Não querem voltar pra casa?
GEORGE - Você contou quantos aviões nós
vimos, Petit?
PETIT - Não, mas eu acho que foram mais de
cem.
ANETE - Deus do céu! Pra onde é que toda
essa gente está indo? Você sabe se algum
desses aviões foi pra Sanok?
GEORGE - Não sei não. Mas pra Polônia, eu
acho que um deles deve ter ido sim.
PETIT - E pra França?
GEORGE - Pra França, eu tenho certeza,
Petit. Muita gente viaja pra França.

PASSAGEM DE TEMPO.

60. AEROPORTO. EXT. ENTARDECER

George e Anete estão sentados. Petit está deitado,


com a cabeça sobre a perna de Anete.
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ANETE - Viu só, George? Tivemos um bom


dia. Foi bem divertido. Por que não
podemos fazer isso sempre que tivermos
vontade?
GEORGE - Não sei se vou ter vontade de
fazer isso sempre.
ANETE - Por que não, George? Está
arrependido? Eu me diverti muito. E tenho
certeza de que Petit também se divertiu
muito. Não há nada que nos impeça de
fazermos outros piqueniques. (George
parece distante.) Quer voltar pra casa,
George? Petit parece estar cansado.

George não responde. Os três continuam na mesma


posição, em silêncio.

PETIT - (Sonolento.) A Anete não acredita


que eu nasci na França, George. Mas eu
nasci.

61. APARTAMENTO. INT. NOITE.

George está sentado na cama, ao lado de Petit, que


dorme. Anete sai do banheiro enxugando os cabelos.

ANETE - O Petit já dormiu?


GEORGE - Dormiu. Foi um dia bem cansativo.
ANETE - Podemos conversar sobre o que
aconteceu hoje, George?
GEORGE - Conversar sobre o que aconteceu
hoje? Não aconteceu nada de mais hoje.
Fizemos um piquenique perto da pista de
pouso de um aeroporto. Por que precisamos
conversar sobre isso. Foi um dia comum,
igual a todos os outros.
ANETE - Pra mim não foi um dia comum,
George. E tenho certeza de que para Petit
também não foi.
GEORGE - (Pega um travesseiro e um lençol
e coloca sobre o sofá.) Tem certeza que
não prefere dormir na cama com Petit?
ANETE - Você não acha que já está na hora
de vender este apartamento e comprar um
maior?
GEORGE - Maior que este?
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ANETE - Um com dois quartos. Petit não


pode dormir sempre com você.
GEORGE - Eu já estou pensando nisso. Vou
vender este apartamento.
ANETE - Posso ajudar a procurar um novo?
GEORGE - Não pretendo comprar outro
apartamento. Simplesmente tenho que me
livrar desse aqui. Não vou mais precisar.
Você está viajando, Anete.
ANETE - Eu estou morrendo do sono. E você?
É melhor dormirmos um pouco. Amanhã
podemos voltar a esse assunto.

Ela estende o lençol sobre o sofá. George


deita-se.

GEORGE - Não quero voltar a esse assunto.


Já me decidi a respeito. Boa noite.(Apaga
a luz.)

Anete acende a luz do abajur. Permanece sentada no


sofá, pensativa. Parece triste. Levanta-se e vai
para perto da cama.

ANETE - (Com cuidado.) George! Você já


dormiu? (George resmunga qualquer coisa.)
Posso ficar um pouco aqui com vocês dois,
George? (Ela senta-se aos pés de George e
Petit.) George, eu tive uma idéia e queria
te contar. Queria que Petit também
estivesse acordado pra ele ouvir isso. O
que é que você acha? Podíamos formar uma
família , George... Petit, você e eu...
Uma família de verdade, como nunca
tivemos. Eu nunca tive uma família,
George. Você já? Eu não me lembro de ter
tido uma. Não uma de verdade, com um pai,
uma mãe e um filho… Podia ser mais de um,
mas eu acho que um já está bom... Você
seria um bom pai, George... E eu seria uma
boa mãe... Posso me esforçar para isso...
E Petit nosso filhinho... O que é que você
acha, George? Podíamos fazer assim. Temos
nossa casa, nossos móveis... Nosso
filho... Eu fico em casa, cuidando de
vocês dois... Você trabalha, e cuida de
mim e de Petit... Colocamos Petit numa
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escola... Deve ter uma escola perto daqui.


De manhã eu acordo, preparo nosso café...
Você toma banho... Se prepara para o
trabalho... Levamos Petit para a escola...
O que é que você acha, George? Não é nada
difícil. Muito menos impossível. (Ela toca
na perna de George, que ronca. Tem a voz
trêmula. Uma lágrima escorre em seu
rosto.) O que foi isso que aconteceu
nesses últimos dias, George? Quase
conseguimos formar uma família... Mas não
é de verdade. Não pode ser. Cada um de nós
tem seu próprio destino. Que já está
traçado e devemos ir até ele. Não podemos
fugir, por mais prazeroso que isso seja.
Foi bom sonhar por alguns dias. Foi bom
estar junto de vocês e termos formado uma
família. Do nosso jeito. (Ela encosta-se
na parede e chora, compulsivamente.)

62. RUA. EXT. MANHÃ.

George caminha pela calçada. Traz nas mãos um saco


com pão e um jornal. Caminha calmamente.
Aproximando-se de casa, vê dois carros de polícia e
uma ambulância ao lado do prédio. Não presta muita
atenção. Entra no prédio.

63. APARTAMENTO. INT. MANHÃ.

Ao entrar, percebe que Anete não está no sofá. Petit


está debruçado sobre a janela, olhando
para baixo. Assustado, corre até ele. Segura-o pela
perna. George coloca a cabeça para fora, para saber
o que é que Petit olha. Do alto do prédio, vê o
corpo de Anete estatelado entre a calçada e a rua.
Policiais colocam um lençol sobre o corpo. George
puxa Petit para dentro.

64. ARREDORES DO AEROPORTO. EXT. DIA.

George e Petit estão sentados numa mureta, próximos


à cabeceira da pista. Um imenso avião decola.

PETIT - Eu acho que a Anete está dentro


desse avião.. E ela deve estar indo pro
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lugar onde ela nasceu. Como é mesmo que


chama?
GEORGE - Sanok. Anete nasceu em Sanok, e
Sanok fica na Polônia.
PETIT - Você acha que ela está voltando
pra lá?
GEORGE - Eu queria acreditar que sim,
Petit… Queria acreditar que ela estivesse
voltando pra Sanok… Mas não é isso que
está acontecendo.
PETIT - Pra onde você acha que ela está
indo? Pro mesmo lugar que o Roger?
GEORGE - É bem provável que sim.
PETIT - Por que é que ela fez aquilo,
George?
GEORGE - Eu não sei, Petit. Eu juro que
queria poder dar uma resposta, mas eu não
posso. Eu queria que ela tivesse entendido
que eu não estava preparado pra realizar o
sonho dela. Eu queria muito, mas não
estava preparado.
PETIT - E qual era o sonho dela?
GEORGE - Ter uma família de verdade.
PETIT - Eu nunca tive uma família de
verdade. Você já teve, George?

Outro avião decola.

GEORGE - Eu queria estar dentro desse aí,


e você?
PETIT - Eu também.
GEORGE - E indo para onde?
PETIT - Pra nenhum lugar. Indo pra bem
perto do céu.

65. APARTAMENTO. INT. DIA.

FLASHBACK. CAMERA LENTA.

Anete e Petit na banheira, rindo e se


divertindo muito.

66. ESTRADA. EXT. DIA.

George e Petit caminham por uma longa estrada,


ladeada por imensas plantações. Um avião surge,
vindo na direção dos dois. Petit olha, surpreso. O
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avião passa sobre eles. Petit corre até a cerca,


onde o avião inicia a pulverização sobre a
plantação. George na estrada, observa Petit,
empolgado com o aparecimento do avião, que logo some
no horizonte.

PETIT - (Voltando para a estrada.) Viu só


aquilo, George? Ela vem voltando com a
gente. É ela, não é, George?

George não responde. Continuam caminhando.

67. ESTRADA. EXT. DIA.

George e Petit estão sentados à sombra de uma


imensa árvore. Petit abre a mochila e pega o livro
sobre Paris. Folheia algumas páginas.

PETIT - Foi aqui que eu nasci, George.


(Vira outra página, numa foto da Torre
Eiffel.)

68. GRANDE AVENIDA. EXT. NOITE.

FLASHBACK. A antena de TV, iluminada, surge


diante de Petit.

69. ESTRADA. EXT. DIA.

A mesma árvore. George e Petit não estão mais ali. O


livro foi deixado aberto, sobre uma pedra. O vento
vira as páginas.

70. ESTRADA. EXT. DIA.

George e Petit estão caminhando. Alguns metro à


frente, há alguém sentado na beira da estrada. Os
dois passam pelo estranho. Petit olha para ele.
Reconhece Roger, que olha para trás e sorri para
Petit. Petit também sorri.
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71. ESTRADA. EXT. DIA.

Mais adiante, alguém pega na mão de Petit. Ele olha,


surpreso. É Anete, que sorri para ele. Os dois
caminham, de mãos dadas.

72. ESTRADA. EXT. DIA.

George e Petit param. Vão para a beira da estrada,


diante de um imenso abismo.

73. PAISAGEM. EXT. DIA.

George e Petit parecem minúsculo na estrada,


acima do abismo.

74. ESTRADA. EXT. DIA.

George e Petit estão parados diante do abismo.


Olham para frente por alguns instantes.

PETIT - É um lugar bem bonito.


GEORGE - Tem razão. É bem bonito mesmo.

Silêncio.

PETIT - Sabe de uma coisa? Eu não sei


falar francês. Você sabe?
GEORGE - Não, Petit. Eu também não sei.
PETIT - E como é que vamos fazer quando
chegarmos lá?
GEORGE - Eu acho que não vai ser mais
preciso.
PETIT - Eu nunca ouvi ninguém falando
francês. Você já?
GEORGE - No cinema, eu acho.
PETIT - É bonito de se ouvir?
GEORGE - É bem bonito. Você escolheu um
bom lugar para nascer.
PETIT - Você sabe falar alguma coisa em
francês? Eu gostaria muito de ouvir.
GEORGE - Não, Petit. Eu não sei falar nada
em francês. Não tive muito interesse em
aprender o francês… Pra dizer a verdade,
não tive muito interesse em aprender muita
coisa…
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Eles se calam. O vento sopra em seus rostos. George


se ajoelha diante de Petit. Os dois se olham,
profundamente. George toca nos ombros de Petit.
Beija seu rosto e diz:

GEORGE - Je t’aime, Petit.

George levanta-se e pega na mão de Petit. Os


dois caminham na direção do abismo.

F I M

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