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Este documento resume um livro sobre teoria queer na Espanha. Apresenta três ideias principais: 1) o livro equilibra reflexões teóricas rigorosas com uma abordagem política informal, priorizando esta última; 2) analisa a tensão entre o acadêmico e o político nos movimentos LGBT; 3) discute a apropriação da teoria queer no contexto espanhol, levando em conta suas especificidades históricas em comparação aos Estados Unidos.
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Teoria queer. Políticas bolleras, maricas, trans, mestizas
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Teoria queer. Políticas bolleras, maricas, trans, mestizas
Este documento resume um livro sobre teoria queer na Espanha. Apresenta três ideias principais: 1) o livro equilibra reflexões teóricas rigorosas com uma abordagem política informal, priorizando esta última; 2) analisa a tensão entre o acadêmico e o político nos movimentos LGBT; 3) discute a apropriação da teoria queer no contexto espanhol, levando em conta suas especificidades históricas em comparação aos Estados Unidos.
Este documento resume um livro sobre teoria queer na Espanha. Apresenta três ideias principais: 1) o livro equilibra reflexões teóricas rigorosas com uma abordagem política informal, priorizando esta última; 2) analisa a tensão entre o acadêmico e o político nos movimentos LGBT; 3) discute a apropriação da teoria queer no contexto espanhol, levando em conta suas especificidades históricas em comparação aos Estados Unidos.
Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina, el Caribe, Espaa y Portugal
Sistema de Informacin Cientfica
Assis Clmaco, Danilo de
Resea de "Teora queer. Polticas bolleras, maricas, trans, mestizas." de CRDOBA, David; SEZ, Javier; VIDARTE, Paco (Eds.). Revista Estudos Feministas, vol. 16, nm. 2, mayo-agosto, 2008, pp. 693-696 Universidade Federal de Santa Catarina Santa Catarina, Brasil Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=38118772026
Revista Estudos Feministas,
ISSN (Verso impressa): 0104-026X ref@cfh.ufsc.br Universidade Federal de Santa Catarina Brasil
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www.redalyc.org Projeto acadmico no lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto
Transterritorializaes do queer no Estado
espanhol. De polticas e teorias inapropriveis Teora queer. Polticas bolleras, maricas, trans, mestizas. CRDOBA, David; SEZ, Javier; VIDARTE, Paco (Eds.). 2. ed. Madrid: Egales, 2005. 257 p.
memria de Paco Vidarte
No h dvidas de que os movimentos LGBT dos pases ocidentalizados vivem um dos momentos mais intensos de sua histria. As lutas a favor de garantias para uma vida digna e contra a homofobia se dispersaram e se consolidaram em diferentes frentes, em forma de movimentos sociais de carter mltiplo, ora espontneos, ora organizados, ocupando diferentes espaos polticos ou reas acadmicas. As lutas contra a pandemia do HIV e a favor do reconhecimento formal da mudana de gnero por parte de pessoas trans, do direito ao matrimnio e adoo de filhas/ os so alguns dos pontos de embates mais visveis, aos quais e contra os quais somam-se debates
internos vitais, que questionam a misoginia, a
transfobia e outras formas de excluso interna aos movimentos LGBT, assim como a adeso vida burguesa por determinados setores gays e lsbicos. O mundo acadmico se imbrica a essas lutas, contribuindo com ferramentas tericas a uma compreenso crtica das dinmicas sociais de opresso, mas tambm a um questionamento dos prprios movimentos. No entanto, como muitas/os das/os ensastas de Teora queer. Polticas bolleras, maricas, trans, mestizas insistem, o espao acadmico tradicional e estruturalmente conservador, e a apropriao e o enrijecimento das prticas polticas e (des)identitrias de minorias marginais pela teoria queer so mais do que uma simples eventualidade. Os doze ensaios e o poema que compem o livro podem ser compreendidos como esforos dentro do Estado espanhol em dar conta da intensidade atual dos movimentos LGBT e contribuir para sua disseminao e seu fortalecimento. No entanto, se o ttulo do livro marca um carter acadmico, o subttulo aponta para deslocamentos e questionamentos que se confirmaro nos ensaios: a poltica aparece em primeiro lugar e os adjetivos escolhidos bolleras (cuja traduo imperfeita
enfatizam certas agressividade e informalidade que o termo queer parece ter perdido ao conformar com a palavra teoria uma expresso de ares to acadmicos. Queer es osos, zorras, lobos, perras, buitres, leonas, vboras. Um zoo no lgico, canta o poema de Sejo Carrascosa no meio do livro, deixando a marca mais explcita da opo pelo poltico e pelo informal prprios a qualquer movimento digno de seu nome. No entanto, se o acadmico e o intelectual tm sua importncia subordinada ao poltico, tal no implica ligeireza ou desdm. Os/as ensastas propem reflexes rigorosas e originais, que abarcam temas e autoras queer da maior importncia. So especialmente minuciosos os artigos de David Crdoba, que inaugura o livro, e o de Pablo Prez Navarro. Crdoba, com o intuito de pensar a questo da identidade nos movimentos LGBT contemporneos, se detm sobre os discursos de Michel Foucault e Freud relativos sexualidade, bem como sobre os de Gayle Rubin e da tradio feminista francesa ligada ao materialismo (na qual se encontram, entre outras, Monique Wittig e Christine Delphy) sobre o sexo, traando o caminho que permitiu a desnaturalizao desses termos e a possibilidade de emergncia da concepo do gnero como performatividade de Judith Butler. Em seu ensaio dedicado a essa autora, Prez Navarro desenha as relaes entre performatividade, abjeo e discurso de dio (hate speech), ressaltando que a importncia da obra de Butler no provm das respostas que ela props s indagaes sobre o gnero, mas sim de sua opo por assumir os limites histricos do prprio pensamento crtico e, conseqentemente, por deixar em aberto as possibilidades futuras de construo de identidades e da paisagem social. Outros dois ensaios procuram interseces tericas arriscadas e mostram-se muito frutferos. Beatriz Preciado, na busca de construir um corpo queer a partir de The Staight Mind, reintroduz o lesbianismo em um continuum homo-heterossexual, sem por isso abdicar do radicalismo de Wittig e, assim, insiste em uma construo do corpo que, sem menosprezar a lgica performativa, a supera, inscrevendo-se em um devir sapato-lobo (bollo-lobo), que far saltar pelos ares os regimes de opresso sobre as mulheres. Por sua vez, Paco Vidarte retoma o receio ao acadmico: Ni lo queer naci en la universidad, ni nunca entrar en sus aulas de
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forma pacficia, para depois matizar sobre a
importncia da filosofia para o pensamento cotidiano de um modo geral e, mais especificamente, sobre a importncia da teoria de Derrida e Deleuze para a construo dos estudos queer, evidenciando assim suas razes europias. No final do ensaio, Vidarte prope pensar uma poltica queer a partir da concepo de multido em Antonio de Negri, a qual apela coletividade sem esfacelar a singularidade de cada pessoa que a compe. Se a tenso entre o terico e o poltico a mais claramente delineada ao longo do livro, h outra cuja importncia tambm capital, sendo especialmente interessante que a pensemos a partir do Brasil ou da Amrica Latina: em que medida o queer ou a teoria queer constituem acontecimentos estadunidenses e em que medida so acontecimentos compartilhados por outros (no)lugares, ou ainda, em que medida so universalizveis ou passveis de (re)apropriao por outros contextos? A palavra queer obviamente inglesa e, como nos mostra a tima genealogia do termo empreendida por Alfonso Ceballos, conhecida sua utilizao como antnimo de straight ou respectable desde finais do sculo XVI, sendo a apropriao positiva desse termo por parte de comunidades de homens homossexuais documentada pela primeira vez na dcada de 1910. J o termo teoria queer, como bem sabido, foi cunhado em 1991 por Teresa de Lauretis. No entanto, a palavra queer tem uma origem no indo-europeu twerkw , que em latim derivou em torquere (torcer, retorcer, serpentear inclusive, no Estado espanhol houve uma tentativa, restritamente vingada, de traduzir o termo por torcido), o que implica uma etimologia compartilhada, ainda que de forma remota, entre todos os pases ocidentalizados. Alm disso, como bem o recordam, entre outros, os ensaios de Preciado, Javier Sez, Carmen Romero e Eduardo Nabal, antes da canonizao da expresso teoria queer por Lauretis, a palavra queer j era utilizada em escritos tericos de acadmicas chicanas, negras, lsbicas e de classe trabalhadora, ou seja, por aquelas que, ainda sendo formalmente cidads estadunidenses, careciam de reconhecimento pleno como tal e enraizavam seus desejos, nsias e identidades para alm de suas fronteiras. Dessa forma, o termo queer, cuja aceitao em mbitos acadmicos e militantes ampla devido sua capacidade subversiva de negar uma referncia concreta a qualquer
estadunidense, ou mesmo lngua inglesa. O queer tampouco deixa-se apreender geogrfica e lingisticamente. No que o queer poltico ou terico estadunidense seja um entre outros. O ensaio de Sez, por exemplo, esfora-se por mostrar como a reao dos grupos lsbicos e gays pandemia do HIV nos Estados Unidos, e as crises nos movimentos feministas provocadas pelas crticas j mencionadas das feministas negras e lsbicas, e no movimento gay pelo repdio ao seu aburguesamento, unidos excepcional acolhida da obra foucaultiana por parte destes grupos, conformaram uma mistura que resultou extremamente potente. A influncia sem igual do queer estadunidense, assim como da teoria que se apropriou de seu nome, evidente sob qualquer ponto de vista. No entanto, isso no significa uma simples transposio de um saber estadunidense ao resto do mundo. Pelo contrrio, muitas das condies histricas norte-americanas que permitiram o surgimento do queer so compartilhadas por outros Estados (a luta contra a pandemia do HIV, as cises internas aos movimentos feministas e LGBTTI, etc.), assim como cada pas traz suas prprias especificidades no caso espanhol, entre outras, a recente ditadura franquista, o passado colonial ou a convivncia com o outro interno: as/os ciganas/os. Os ensaios que mais focam a especificidade do queer no Estado espanhol so os de Carmen Romero e Marcelo Soto, respectivamente sobre ps-colonialismo e literatura. Soto, compreendendo que as iniciadoras do queer, Wittig, Adrienne Rich, Gloria Anzalda e Audre Lorde, eram poetisas, defende que apenas a literatura pode romper com a linguagem dominante. Dessa maneira, o queer do Estado espanhol estaria na revista de poesia da dcada de 1980 Non Grata, do LSD, o grupo de lesbiana que cambia al nombrarse, nos poemas de Leopoldo Maria Panero, ignorados pela prpria teoria queer, ou nos livros de Manuel Puig, escritor do alm-mar ex-colonial argentino. J em seu ensaio, Romero repassa o encontro entre teoria queer e ps-colonialismo nos pases de lngua inglesa, colocando a necessidade de se pensar como a recente migrao ao territrio espanhol de latinas/os e africanos/as modifica o pensar LGBT. Lembra o que bvio, mas por regra ignorado: que muitas/os das/os imigrantes so trans, gays, intersex ou lsbicas. Ainda menciona a necessidade de futuramente serem includas reflexes sobre a populao cigana, alteridade
de difcil convivncia interna ao Estado espanhol.
O nome prprio Espanha, j ter chamado a ateno da/o leitor/a, esquivado por quase todas/os articulistas, em clara escolha por ressaltar o carter construdo e violento de qualquer Estado-nao. Outros trs ensaios de carter genealgico concentram-se principalmente sobre produes queer estadunidenses, ainda que no apenas: o de Eduardo Nabal, sobre o new queer cinema, o de Jos Manuel Martinez sobre sadomasoquisimo, e o de Desir Rodrig e Helenta Torres sobre ciberqueer. Nabal considera que o chamado new queer cinema no se constitui em um movimento cinematogrfico propriamente, mas em una serie de pelculas, festivales, crticos y espectadores que [...] han confludo en un modo similar de redefinir el cine gay y lsbico [...] como fenmeno social y como hecho cinematogrfico. A emergncia dessa serie se d a partir da quebra com o modelo conservador gay, a qual foi possvel a partir de um conjunto de filmes e reflexes sobre o cinema, que passam por cineastas como Jean Genet, Andy Wharol ou Jean Cocteau, o cine underground estadunidense ou a crtica feminista Laura Mulvey. Por sua vez, Rodrig e Torres pensam o cyborqueer como fruto de tenses de gnero, mas tambm raciais e de classe, que encontram na indissociabilidade de organismo e tecnologia uma rea para projetar alteridades inapropriveis. As cyborqueer de autoras de fico como Joanna Russ ou Octavia Butler aparecem, ento, indissociveis de outras formas de repdio lgica identitria, como a mestiza de Anzalda. Fortemente influenciado por Foucault e por grupos estadunidenses de sado-masoquismo, Martnez ressalta a capacidade subversiva dessa prtica, que trabalha e inverte as posies e relaes de poder, dessexualizando o ertico, abrindo espaos para a explorao de prazeres corporais em que a dor (quando presente) no um fim em si mesma, mas uma possibilidade de abertura ao prazer. Nesse sentido, a opinio de alguns grupos feministas que liga essa prtica violncia e misoginia est equivocada, ao ignorar o lema seguro, saudvel e consensual, prprio tica sado-masoquista. O artigo que por ltimo apresento, sugestivamente denominado La fuga de las bestias, tambm interessante para se encaminhar uma concluso. Nele, Fefa Vila Nez pondera a possibilidade de ser-se estranha/o (rara/o) no momento atual de normalizao, cujo marco o miditico matri-
as trans no se vem em nada beneficiadas pelo acontecido e que outras formas de parentesco continuam invisibilizadas. Desse contexto poltico espanhol atual, ela adentra nos textos de Wittig e de Haraway, em suas construes de corpos sexuais ou ciborgues resistentes ao heterrorismo, para retornar a Ricardo Llamas e Elvira Burgos Daz que, dentro do Estado espanhol, iniciaram a resistncia terica ao aburguesamento gay e lsbico. Expe, ento, uma recusa de identidades LGBT que so respeitadas e celebradas como diferenas na medida em que abdicam de seu contexto radical, e conclama para que se construa um movimento queer radical no Estado espanhol, com alianas e aes coletivas que rompam com os contextos sociais, econmicos, tnicos e polticos. O queer , ento, um devir inaproprivel lgica heteronormativa, cabendo teoria LGBT no apreend-lo em sistemas tericos, por mais nmades que estes sejam, mas sim participar de sua fora subversiva. Ao inscrever-se no devir queer, a teoria no perde seu carter sistemtico, mas enfatiza seu potencial criativo e assim insere-se no momento poltico e social atual e em suas perspectivas de transformaes.
impressionante, publicou onze livros nos ltimos
dez anos, alm de artigos e tradues de, entre outras/os, Monique Wittig e Jacques Derrida. Mostrou-se preocupado com tendncias de submisso do poltico ao terico. Como militante, indignava-se com os setores LGBT eufricos com o matrimnio gay, enquanto o Estado espanhol continua to homofbico a ponto de diariamente as pessoas queer apanharem na rua ou de as crianas continuarem sendo aterrorizadas pelo bullying heteronormativo. Acreditava na necessidade de novas formas de luta LGBT, para alm da reivindicao de direitos, solidrias a toda manifestao contra-opressiva. Como filsofo, debruou-se sobre a obra de filsofos franceses contemporneos, especialmente Derrida e sua preocupao com a singularidade e o acontecimento, mostrandose preocupado por tendncias que procuram prescrever uma determinada maneira de ler o filsofo. Importava-lhe a amizade, o prazer, o humor, sem deixar de reivindicar a legitimidade do dio para com os opressores. Alguns de seus escritos se encontram em sua pgina na web (http://www.pacovidarte.org/) e na de seu amigo Javier Sez (http://www.hartza.com/).