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CABO VERDE

EMIGRANTE

Quando eu puser os pés no vapor que me levará


Quando eu deitar os olhos para trás
Em derradeiro gesto de desprendimento, não chorem por mim.

Levarei numa pequena mala


Entre a minha roupa amarrotada de emigrante
Todos os meus poemas
- Todos os meus sonhos!

Levarei as minhas lágrimas comigo


Mas ninguém as verá
Porque as deixarei cair pelo caminho
Dentro do mar.

Levarei já nos olhos a miragem de outras paisagens


Que me esperam,
Já no coração o bater forte
De emoções que eu pressinto.

E se eu voltar
Se voltar para a pobreza da nossa terra,
Tal como fui,
Humilde e sem riquezas,
Também não chorem por mim
Não tenham pena de mim.

Mas se eu trouxer esse ar de felicidade


Que fica a arder na chama de charutos caros
Que cintila em pedrarias de anéis vistosos
Se anuncia em risadas ruidosas
E se garante na abundância das cifras bancárias,

Então chorem por mim


Tenham pena de mim,

Porque a pequena mala do emigrante que fui,


Com os meus poemas – os meus sonhos! –
Ficou esquecida como coisa inútil,
Não sei em que parte do mundo!

Jorge Barbosa (1902-1971)


NAUFRÁGIO

Ai a tristeza do vento
chorando…
ai as nuvens indo à solta
em louca corrida
medrosas, fugindo à mão estendida…
ai a solidão dos montes
despidos, à nossa volta
onde a vida aos poucos se consome
– seios nus ensanguentados
onde as raízes morrem de fome…

E nos rostos ensombrados


rondam saudades: – países
navegam velas: – distâncias
gestos parados
caladas ânsias
gritos sem voz…

Dorme o Nossos Senhor Só


dentro de cada um de nós,
envolvido pelo pó
que o vento remexeu e levantou.

Ai este Atlântico triste


que nos deu a nostalgia
dum mundo que só existe
no sonho que ele povoou…

Manuel Lopes (1907-2005)

GUINÉ-BISSAU

EM QUE LÍNGUA ESCREVER NÓS SOMOS

Em que língua escrever Nós somos


as declarações de amor? aqueles que dia e noite
em que língua cantar fazem com suas mãos
as histórias que ouvi cantar? os alicerces da vida

Em que língua escrever Nós somos


contando os feitos das mulheres lágrimas, suor e sangue
e dos homens do meu chão? que desafiando mortes e séculos…
(…) fundiram esperanças e fé!
falarei em crioulo?
falarei em crioulo! Nós somos irmãos
mas que sinais deixar o florir, a madrugada

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aos netos deste século? e o verde selvagem dos maquis
que em noites sombrias
ou terei que falar trazem a canção da vida
nesta língua lusa
e eu sem arte nem musa Nós somos
Mas assim terei palavras para deixar dança, música e ritmo
aos herdeiros do nosso século que em anos 40
em crioulo gritarei sobreviveram à tempestade da fome
a minha mensagem
que de boca em boca Nós somos irmãos
fará a sua viagem terra, chuva e arado
que alimentam vidas
Deixarei um recado e alicerçam o homem!
num pergaminho
nesta língua lusa Nós somos
que mal entendo o tantã da verdade
no caminho da vida em místicas noites do fanado
os netos e herdeiros nós somos irmãos
saberão quem fomos a certeza e o porvir!

Odete Costa Semedo (1959) Hélder Proença (1956-2009)

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

ROMANCE DE SEU SILVA COSTA LÁ NO «ÁGUA GRANDE»

Seu Silva Costa Lá no «Água Grande» a caminho da roça


chegou na ilha… negritas batem que batem co’a roupa na pedra.
batem e cantam modinhas da terra.
Seu Silva Costa
chegou na ilha: Cantam e riem em riso de mofa
calcinha no fiozinho histórias contadas, arrastadas pelo vento.
dois moeda de ilusão
e vontade de voltar. Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
Seu Silva Costa
chegou na ilha: As crianças brincam e a água canta.
fez comércio di álcool brincam nas águas felizes…
fez comércio di homem velam no capim um negrito pequenino.
fez comércio di terra.
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
Ui! ficam mudos lá na hora do regresso…
seu Silva Costa jazem quedos no regresso para a roça.
virou branco grande:
su calça não é fiozinho Alda do Espírito Santo (1926)
e sus moeda não têm mais ilusão!

Francisco José Tenreiro (1921-1956)

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ANGOLA

RUA DA MAIANGA

Rua da Maianga
que traz o nome de um qualquer missionário
mas para nós somente
a rua da Maianga.

Rua da Maianga às duas da tarde


lembranças das minhas idas para a escola
e depois para o liceu
Rua da Maianga dos meus surdos rancores
que sentiste os meus passos alterados
e os ardores da minha mocidade
e a ânsia dos meus choros desabalados!

Rua da Maianga às seis e meia


apito do comboio estremecendo os muros
Rua antiga da pedra incerta
que feriu meus pezitos de criança
e onde depois o alcatrão veio lembrar
velocidade aos carros
e foi luto na minha infância passada!

(…)

Rua da Maianga a qualquer hora do dia


as mesmas caras nos muros
(As caras da minha infância
Nos muros inapagados!)
as moças nas janelas fingindo costurar
a velha gorda faladeira
e a pequena moeda na mão do menino
e a goiaba chamando dos cestos
à porta das casa!
(Tão parecido comigo esse menino!)

Rua da Maianga a qualquer hora


o liso alcatrão e as suas casas
as eternas moças de muro
Rua da Maianga me lembrando
meu passado inutilmente belo
inutilmente cheio de saudade!

Mário António (1934-1989)

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CANÇÃO DE SALABU O RITMO DO TANTÃ

Nosso filho caçula O ritmo do tantã não tenho no sangue


Mandaram-no p’ra S: Tomé nem na pele
Não tinha documentos nem na pele
Aiué! tenho o ritmo do tantã no coração
Nosso filho chorou no coração
Mamã enlouqueceu no coração
Aiué! o ritmo do tantã não tenho no sangue
Mandaram-no p’ra S. Tomé nem na pele
nem na pele
Nosso filho já partiu tenho o ritmo do tantã sobretudo
Partiu no porão deles mais no que pensa
Aiué mais no que pensa
Mandaram-no p’ra S.Tomé Penso África, sinto África, digo África
Odeio em África
Cortaram-lhe os cabelos Amo em África
Não puderam amarrá-lo Estou em África
Aiué! Eu também sou África
Mandaram-no p’ra S.Tomé tenho o ritmo do tantã sobretudo
no que pensa
Nosso filho está a pensar no que pensa
Na sua terra, na sua casa penso África, sinto África, digo África
Mandaram-no trabalhar E emudeço
Estão a mirá-lo a mirá-lo dentro de ti, para ti África
dentro de ti, para ti África
- Mamã, ele há-de voltar África
Ah! A nossa sorte há-de virar África
Aiué África
Mandaram-no p’ra S.Tomé
António Jacinto (1924-1991)
Nosso filho não voltou
A morte levou-o
Aiué!
Mandaram-no p’ra S. Tomé.

Mário de Andrade (1928-1990)

MOÇAMBIQUE

QUERO SER TAMBOR

Tambor está velho de gritar


ó velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor

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só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

E nem flor nascida no mato do desespero.


Nem rio correndo para o mar do desespero.
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero.
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra.


Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra.
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra!

Eu!
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala.
só tambor velho de sangrar no batuque do meu povo.
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Ó velho Deus dos homens


eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.

Só tambor ecoando a canção da força e da vida


só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!

Oh, velho Deus dos homens


deixa-me ser tambor
só tambor!

José Craveirinha (1922-2003)

SE ME QUISERES CONHECER…

Se me quiseres conhecer,
estuda com olhos de bem ver
esse pedaço de pau preto
que um desconhecido irmão maconde
de mãos inspiradas
talhou e trabalhou
em terras distantes lá do norte.

Ah, essa sou eu:


órbitas vazias no desespero de possuir a vida,
boca rasgada em feridas de angústia,
mãos enormes, espalmadas,

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erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
corpo tatuado de feridas visíveis e invisíveis
pelos chicotes da escravatura…
torturada e magnífica,
altiva e mística,
África da cabeça aos pés
– Ah, essa sou eu!

Se quiseres compreender-me
vem debruçar-te sobre minha alma de África,
nos gemidos dos negros no cais
nos batuques frenéticos dos muchopes
na rebeldia dos machanganas
na estranha melancolia se evolando
duma canção nativa, noite dentro…

E nada mais me perguntes,


se é que me queres conhecer…
que eu não sou mais que um búzio de carne
onde a revolta de África se congelou
seu grito inchado de esperança.

Noémia de Sousa (1926-2002)

NATURALIDADE

Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
europeias
e europeu me chamam.

Não sei se o que escrevo tem a raiz de algum


pensamento europeu.
É provável… Não. É certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz e deste quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.

Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.


Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando.

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Rui Knopfli (1932-1997)
A viagem da cozinheira lagrimosa

Antunes Correia e Correia, sargento colonial em tempo de guerra. Se o nome era


redundante, o homem estava reduzido a metades. Pisara um chão traiçoeiro e subira pelas
alturas para esses lugares onde se deixa a alma e se trazem eternidades. Correia não deixou, nem
trouxe, incompetente até para morrer. A mina que explodira era pessoal. Mas ele, tão gordo, tão
abastado de volume, necessitava de duas explosões.
– Estou morto por metade. Fui visitado apenas por meia-morte.
Perdera a vista só num olho, um lado da cara todo desfacelado. O olho dele era faz-
conta um peixe morto no aquário do seu rosto. Mas o sargento era tão apático, tão sem
meximento que não sabia se de vidro era todo ele ou apenas o olho. Falava com impulso de
apenas meia-boca. Evitava conversas, tão doloroso que era ouvir-se. Não apertava a mão a
ninguém para não sentir nesse aperto o vazio de si mesmo. Deixou de sair, cismado em visitar
no obscuro da casa a antecâmara do túmulo. O Correio perdera interesses na vida: ser ou não ser
tanto lhe desfazia. As mulheres passavam e ele nada. E ladainhava: estou morto por metade.
Agora, reformado, sozinho, mutilado de guerra e incapacitado de paz, Antunes Correia
e Correia tomava conta de suas lembranças. E se admirava do fôlego da memória. Mesmo sem o
outro hemisfério não havia momento que lhe escapasse nessa caçada ao passado. Das duas
uma: ou a minha vida foi muito enorme ou ela fugiu-me toda para o lado direito da cabeça .
Para as recordações virem à tona ele inclinava o pescoço.
– Assim escorregavam directamente do coração, dizia ele.
Felizminha era a empregada do sargento. Trabalhava para ele desde a sua chegada ao
bairro militar. Nos vapores da cozinha a negra Felizminha arregaçava os olhos. Enxugava a
lágrima, sempre tarde. Já a gota tombara na panela. Era certo e havido: a lágrima se adicionando
nas comidas. Tanto que a cozinheira nem usava tempero nem sal. O sargento provava a comida
e se perguntava porquê tão delicados sabores.
– É comida temperada a tristeza.
Era a invariável resposta de Felizminha. A empregada suspirava: ai, se pudesse ser
outra, uma alguém. Poupava alegrias, poucas que eram.
– Quero guardar contentamento para gastar depois, quando for mais velhinha.
Metida a sombra, fumo, vapores. Nem sua alma ela enxergava nada, embaciada que
estava por dentro. A mão tiritacteava no balcão. (…) A cozinha é onde se fabrica a inteira casa.
Certa noite, o patrão entrou na cozinha, arrastando seu peso. Esbarrou com a penumbra.
– Você não quer mais iluminação na porcaria desta cozinha?
– Não, eu gosto assim.
O sargento olhou para ela. A gorda Felizminha remexe a sopa, relambe a colher, acerta
o sal na lágrima. O destino não lhe encomendou mais: apenas esse encontro de duas meias
vidas. Correia e Correia sabe quanto deve à mulher que o serve. Logo após o acidente, ninguém
entendia as suas pastosas falas. Carecia-se era de serviço de mãe para amparar aquele branco
mal-amanhado, aquele resto de gente. O sargento garatunfava uns sons e ela entendia o que
queria. Aos poucos o português aperfeiçoou a fala, mais apessoado. Agora ele olha para ela
como se estivesse ainda em convalescença. O roçar da capulana dela amansa velhos fantasmas,
a voz dela sossega os medonhos infernos saídos da boca do fogo. Milagre é haver gente em
tempo de cólera e guerra.
– Você está magra, anda a apertar as carnes?
– Magra?
Pudesse ser! A tartaruga: alguém a viu magrinha? Só os olhos lhe engordavam,
barrigando de bondades. A gorda Felizminha gemia tanto ao se baixar que parecia que a terra
estava mais longe que o pé.
– Me esclareça uma coisa, Felizminha: porquê essa choradice todos os dias?
– Eu só choro para dar mais sabor aos meus cozinhados.

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– Ainda eu tenho razões para tristezas, mas você…
– Eu de onde vim tenho lembrança é de coqueiros, aquele marejar das folhas faz conta
a gente está sempre rente ao mar. É só isso patrão.
A negra gorda falou enquanto rodava a tampa do rapé, ferrugentia. O patrão meteu a
mão no bolso e retirou uma caixa nova. Mas ela recusou aceitar.
– Gosto de coisa velha, dessa que apodrece.
– Mas você, minha velha, sempre triste. Quer aumento no dinheiro?
– Dinheiro, meu patrão, é como lâmina… corta dos dois lados. Quando contamos as
notas se rasga a nossa alma. A gente paga o quê com o dinheiro? A vida nos está cobrando não
o papel mas a nós próprios. A nota quando sai Já a nossa vida foi. O senhor se encosta nas
lembranças. Eu me amparo na tristeza para descansar.
A gorda cozinheira surpreendeu o patrão. Lhe atirou a queimar-lhe a roupa:
– Tenho ideia para o senhor salvar o resto do seu tempo.
– Já só tenho metade da vida, Felizminha.
– A vida não tem metades. É sempre inteira.
Ela desenvolveu-se: o português que convidasse uma senhora, dessas para lhe
acompanhar. O sargento ainda tinha idade combinando bem com o corpo. Até há essas da vida,
baratinhas, mulheres muito descartáveis.
– Mas essas são pretas e eu com pretas…
– Arranje uma branca, também há aí dessas de comprar. Estou-lhe a insistir patrão. O
senhor entrou na vida por caminho de mulher. Chame outra mulher para entrar de novo.
Correia e Correia semi-sorriu, pensageiro.
Um dia o militar saiu e andou a tarde toda fora. Chegou a casa, eufórico, se encaminhou
para a cozinha. E declarou com pomposidade:
– Felizmina: esta noite ponha mais um prato.
A alma de Felizminha se enfeitou. Esmerou na arrumação da sala, colocou uma cadeira
do lado direito do sargento para que ele pudesse apreciar por inteiro a visitante. Na cozinha
apurou a lágrima destinada a condimentar o repasto.
Aconteceu, porém, que não veio ninguém. O lugar na mesa permaneceu vazio. Essa e
todas as outras vezes. Única mudança no cenário: o assento que competia à invindável visita
passava da direita para a esquerda, esse lado em que não havia mundo para o sargento Correia.
Até que, uma noite, o sargento chamou a cozinheira. Pediu-lhe que tomasse o lugar das falhadas
visitadoras. Felizminha hesitou. Depois, vagarosa, deu um jeito para caber na cadeira.
– Decidi me ir embora.
Felizminha não disse nada. Esperou o que restava para ser dito.
– E quero que você venha comigo.
– Eu, patrão? Eu não saio da minha sombra.
– Vens e vês o mundo.
– Mas ir lá fazer o quê, nessa terra…
– Ninguém te vai fazer mal, eu prometo.
Daí em diante, ela se preparou para a viagem. Animada com a ideia de ver outros
lugares? Aterrada com a ideia de habitar terra estranha, lugar de brancos? Nem rosto nem
palavra da cozinheira revelavam a substância de sua alma. O sargento provava a refeição e não
encontrava mudança. Sempre o mesmo sal, sempre a mesma delicadeza de sabor. No dia
acertado, o militar acotovelou a penumbra da cozinha:
– Venha, faça as malas.
Saíram de casa e Felizminha cabisbaixou-se ante o olhar da vizinhança. Então o
sargento, perante o público, deu-lhe a mão. Nem se entrecabiam bem de tão gordinhas, os dedos
escondendo-se como sapinhos envergonhados.
– Vamos, disse ele.
Ela olhou os céus, receosa por, daí a um pouco, subir em avião celestial, atravessar
mundos e oceanos. Entrou na velha carrinha, mas para seu espanto Correia não tomou a
direcção do aeroporto. Seguiu por vielas, curvas e areias. Depois, parou num beco e perguntou:

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– Para que lado fica essa terra dos coqueiros?

MIA COUTO, Contos do nascer da terra (1997)

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