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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

A WEB 2.0 E AS NOVAS RELAÇÕES DE PODER ENTRE CONSUMIDOR, MARCA


E COMUNICAÇÃO

Pedro Gama Drable Santos


2

Rio de Janeiro/ RJ
2009

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

A WEB 2.0 E AS NOVAS RELAÇÕES DE PODER ENTRE CONSUMIDOR, MARCA


E COMUNICAÇÃO

Pedro Gama Drable Santos

Monografia de graduação apresentada à Escola de


Comunicação da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do
título de Bacharel em Comunicação Social,
Habilitação em Publicidade e Propaganda.

Orientadora: Profª. Ms. Fernanda de Oliveira Gomes


3

Rio de Janeiro/ RJ
2009

A WEB 2.0 E AS NOVAS RELAÇÕES DE PODER ENTRE CONSUMIDOR, MARCA


E COMUNICAÇÃO

Pedro Gama Drable Santos

Trabalho apresentado à Coordenação de Projetos Experimentais da Escola de Comunicação


da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Comunicação Social, Habilitação em Publicidade e Propaganda.

Aprovado por

_______________________________________________
Prof. Ms. Fernanda de Oliveira Gomes – orientadora

_______________________________________________
Prof. Ms. Mônica Machado Cardoso

_______________________________________________
Prof. Ms. Leonardo Gomes Pereira

Aprovada em:

Grau:
4

Rio de Janeiro/ RJ
2009

SANTOS, Pedro Gama Drable.

A Internet e as novas relações de poder entre consumidor, marca e comunicação/ Pedro


Gama Drable Santos – Rio de Janeiro; UFRJ/ECO, 2009.

59 f.

Monografia (graduação em Comunicação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,


Escola de Comunicação, 2009.

Orientação: Fernanda de Oliveira Gomes

1. Internet. 2. Web 2.0. 3. Poder. I. GOMES, Fernanda de Oliveira (orienta-


dora) II. ECO/UFRJ III. Publicidade e Propaganda IV. A Internet e as novas
relações de poder entre consumidor, marca e comunicação
5

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, que jamais


limitaram minha curiosidade, por mais cansativa
que ela pudesse ser, e que me ensinaram que não
6

há nada mais saudável para o pensamento do que


uma boa discussão.

AGRADECIMENTO

Agradeço à minha família, pelo incentivo constante e por sempre desejar o meu sucesso. À
minha namorada Laís pelo apoio direto em tantos momentos complicados na faculdade e no
trabalho, sempre me dando soluções, alternativas e sendo compreensiva com todas as
conseqüências de se trabalhar no mercado publicitário. Aos meus amigos do colégio e da
faculdade, sem o qual eu não seria quem sou hoje. À minha orientadora, Fernanda Gomes,
que se dispôs a entrar em um estudo ligeiramente diferente do que se vê na maioria das
monografias, sem limitar meus anseios, e adicionando outros olhares ao assunto discutido. À
professora Mônica Machado, que é um exemplo a ser seguido por qualquer aluno da Escola
de Comunicação da UFRJ, e, pessoalmente, incutiu em mim a vontade de futuramente exercer
o magistério. E agradeço, por fim, a Escola de Comunicação da UFRJ, a faculdade que me
formou como publicitário e para qual pretendo voltar um dia como professor.
7

We are not seats or eyeballs or end users or consumers.


We are human beings – and our reach exceeds your grasp.
DEAL WITH IT.

The Cluetrain Manifesto


8

SANTOS, Pedro Gama Drable. A Web 2.0 e as novas relações de poder entre consumidor,
marca e comunicação. Orientadora: Fernanda de Oliveira Gomes. Rio de Janeiro, 2009.
Monografia (Graduação Em Publicidade e Propaganda) – Escola de Comunicação, UFRJ. 59f.

RESUMO

A Web 2.0 mudou a forma como pessoas se relacionam nos mais diversos aspectos.
Autores renomados, como Pierre Levy, Henry Jenkins e Shirley Turkle, já estudaram e
comentaram as tendências advindas do surgimento da internet e da estabilização deste
novo cenário, em escala sociológica, antropológica e política. O objetivo deste trabalho é
trazer estes e outros conceitos para a realidade do marketing e identificar como as
mudanças afetaram as relações entre marca, consumidor e comunicação. São utilizados
diferentes autores e teorias de diversas áreas para sugerir um modelo que auxilie na
compreensão de profissionais da área de comunicação e marketing sobre as novas
prerrogativas e a dinâmica social das relações de consumo mediadas pela internet. Ao
final, o trabalho retoma alguns cases essenciais para por em prova o modelo sugerido,
aproximando características de exemplos bem e mal sucedidos de ações de publicidade
que se pautaram nas relações sociais da Web 2.0.
9

SANTOS, Pedro Gama Drable. Web 2.0 and the new power relationships between
consumers, brands and communication. Advisor: Fernanda de Oliveira Gomes. Rio de
Janeiro, 2009. Monograph (Advetising and Propaganda) – Escola de Comunicação,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. 59 p.

ABSTRACT

The Web 2.0 changed the way people relate with each other in many different aspects.
Renowned authors, such as Pierre Levy, Henry Jenkins and Shirley Turkle, studied and
commented the trends born from the development of the internet and the stabilization of
this new scenario, on a sociological, anthropological and political scale. The objective of
this work is to bring these and other concepts to the reality of marketing and identify
how the changes affected the relationship between brands, consumers and
communication. The study uses different authors and theories from various areas to
suggest a model that may assist in the understanding of professionals in communication
and marketing about the new prerogatives and social dynamics of consumer
relationships mediated by the internet. The last chapters incorporate essential cases,
used to put the suggested theory to test, and identify the unique characteristics that
define the success or failure of some examples of advertising efforts based on the social
relationships of the Web 2.0.
10

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................11

2. AS NOVAS RELAÇÕES DE PODER NA WEB 2.0.......................................................16


2.1 OS MERCADOS SÃO CONVERSAÇÕES......................................................................17
2.2 E O QUE EU PERCO COM ISSO?..................................................................................20
2.3 TENTANDO ENCONTRAR UM MODELO...................................................................21
2.3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O MODELO DAS SOCIEDADES DISCIPLINARES....21
2.3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O MODELO DAS SOCIEDADES DE CONTROLE...23
2.4 TENTANDO CRIAR UM NOVO MODELO...................................................................26
2.5 O SURGIMENTO DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA DO CONSUMO.................28

3. A APLICAÇÃO DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA DO CONSUMO..................31


3.1 SOBRE AS COMUNIDADES VIRTUAIS....................................................................32
3.1.1 CLIENTES EVANGELISTAS....................................................................................32
3.1.2 TIRO PELA CULATRA.............................................................................................34
3.2 SOBRE A APROPRIAÇÃO DE MEIOS E DISPOSITIVOS DE COMUNICAÇÃO......36
3.3 SOBRE A EFICIÊNCIA ARGUMENTATIVA.................................................................37
3.3.1 AS MENSAGENS COMPLEMENTARES E ANTAGÔNICAS.....................................37
3.3.2 AS MENSAGENS RIVAIS.........................................................................................40
3.4 SOBRE A LIBERDADE INCONDICIONAL...................................................................42
3.4.1 PRÓS E CONTRAS DA VULNERABILIDADE........................................................43
3.4.2 PRÓS E CONTRAS DA PERDA DE CONTROLE...................................................44
3.5 COMENTÁRIO GERAL SOBRE A DEMOCRACIA DELIBERATIVA DO CONSUMO.. 46

4. AÇÕES EXEMPLARES NA DEMOCRACIA DELIBERATIVA DO CONSUMO ..47


4.1 O SUCESSO DO CASE NIKE+...........................................................................................47
4.2 O FRACASSO DO CASE SAI PRA LÁ...........................................................................49
4.3 A POSTURA IDEAL DE DOIS RIVAIS ETERNOS.......................................................53

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................56
11

REFERÊNCIAS......................................................................................................................58

1 INTRODUÇÃO

A internet mudou a forma como a humanidade se relaciona. Essa informação não é


nova e já foi dita exaustivamente por nomes da antropologia, sociologia, psicologia e
basicamente de qualquer corrente de pensamento que transpasse a sociedade contemporânea.
E isso também envolve, é claro, o marketing e as relações de consumo.
Este estudo pretende identificar algumas dessas mudanças, mais especificamente, as
que estão no núcleo da relação entre o consumidor, a marca e suas formas de comunicação.
Será traçado um mapa de riscos e oportunidades deste novo cenário, com citações de
estudiosos sobre a internet e o marketing, e exemplos reais de empresas que obtiveram
grandes sucessos ou fracassos nas suas relações mediadas pela internet.
Essa discussão é extremamente importante, tanto para o estudo acadêmico da
comunicação quanto para o mercado publicitário. O aumento das verbas publicitárias
destinadas à internet é uma realidade mundial, e é só uma questão de tempo para que o
mercado brasileiro siga a tendência. De acordo com um levantamento 1 feito pela
PricewaterhouseCoopers e pelo Internet Advertising Bureau, no primeiro semestre de 2009 no
Reino Unido os investimentos publicitários em internet já superaram os da TV aberta,
concentrando 23,5% da verba contra 21,9% destinados à televisão, dando a internet a
liderança em investimento publicitário no país. No Brasil, a publicidade para internet conta
com pouco mais de 4,5% da verba publicitária total e o crescimento tem sido maior a cada
ano.
Porém, é notável a falta de conhecimento e até mesmo o medo de diversos
profissionais dos setores de marketing e publicidade quando se fala sobre internet. No mundo
atual, parece impensável uma empresa simplesmente ignorar ou se recusar a ter alguma
presença na rede, e, no entanto, não é isso que se encontra no mercado.
O parágrafo anterior pode soar estranho, já que com as ferramentas digitais atuais
qualquer pessoa ou empresa pode ter um site com pouco ou nenhum investimento. Mas uma
página unilateral e sem interatividade não determina presença de marca eficiente na internet.
Com a rede saturada de sites institucionais e banners pouco eficazes, são escassas as empresas

1 Disponível em <http://idgnow.uol.com.br/internet/2009/09/30/internet-ultrapassa-tv-em-faturamento-publicita
rio-no-reino-unido>, acesso em 18/10/2009.
12

que buscam formas inovadoras e interessantes de promover diálogos com o usuário. E em um


ambiente onde impera o espírito da Web 2.0, não iniciar ou fomentar uma conversa é o
mesmo que não se colocar.
Para a continuação do trabalho, é necessário estabelecer uma ideia comum acerca do
termo Web 2.02. Tendo em vista esse objetivo, será feito um pequeno histórico sobre o
surgimento e desenvolvimento da internet.
A internet nasceu da junção de diversos esforços para a criação de uma rede de
transmissão de dados por computadores. A mais famosa delas, e considerada a base da
internet, foi a Arpanet. Esta rede foi inaugurada em 1969, durante a Guerra Fria, com o intuito
de descentralizar a informação dos computadores do governo americano, para evitar sua perda
no caso de um bombardeio inimigo. Aliada a outras iniciativas similares de países como
Inglaterra e França, a rede cresceu e se desenvolveu 3. A utilização da internet por usuários
comuns só foi possível com o avanço da tecnologia dos microcomputadores e das redes de
transmissão, que permitiu a criação e popularização de máquinas capazes de processar a troca
de dados em uma velocidade que viabilizasse o uso para fins comerciais e pessoais.
No início dos anos 90, a internet já era uma realidade. Empresas e pessoas podiam
fazer sites, ainda que precisassem de algum conhecimento em linguagens de programação,
como HTML. Nesta época, muitas iniciativas dentro da internet ganharam conhecimento e
notoriedade simplesmente pelo fato de que era difícil distinguir o que seria rentável ou não no
futuro. E em meados do ano 2000, ocorreu o que se convencionou chamar de “estouro da
bolha da internet”, onde inúmeras empresas que receberam grandes investimentos por suas
iniciativas na rede perderam seus investidores, graças à falta de retorno dos projetos.
Múltiplas falências e o desaparecimento de grandes promessas da internet sedimentaram o
chão que serviu de apoio para o levante de algumas empresas sólidas, que sobreviveram à
bolha e criaram sistemas e modelos bem sucedidos no meio digital.
A Web 2.0 é uma forma de denominar essa “segunda geração” de sites, relações e
serviços baseados na internet. O termo foi cunhado por Tim O’Reilly, fundador da O’Reilly
Media, uma organização especializada na criação, publicação e fomento de novas ideias e
teorias acerca de tecnologia e negócios.

2 Para mais esclarecimentos sobre a Web 2.0 e seus usuários, é interessante assistir os vídeos Rafinha 2.0,
disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=UI2m5knVrvg>, acesso em 12/11/2009, e Web 2.0: The
Machine is Us/ing Us, disponível no endereço <http://www.youtube.com/watch?v=xgLvhUH4zck>, acesso em
10/11/2009.
3 A história completa do desenvolvimento da internet pode ser vista no documentário History of the Internet, de
Melih Bilgil, disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=9hIQjrMHTv4>, acesso em 05/10/2009.
13

A replicação das características da Web 2.0 na internet também foi influenciada por
aspectos tecnológicos, mas para este estudo, seu principal reflexo é social: está na forma de
interação praticada pelo usuário. De acordo com o próprio Tim O’Reilly (2005), “O princípio
central por trás do sucesso de gigantes nascidos na era Web 1.0 e que sobreviveram para
liderar a era Web 2.0 é, aparentemente, o fato de que eles abraçaram o poder da internet de
dar uso à inteligência coletiva4”.
Isso pode ser claramente visto no sistema de gerenciamento de banco de dados do
Google, o arauto da Web 2.0. Definir a importância de cada site na lista de busca pelo número
de acessos de usuários comuns é uma forma perfeita de aproveitar a capacidade analítica do
cérebro humano. É usar uma máquina mais avançada do que qualquer circuito concebido pela
humanidade. O usuário em primeiro plano define a Web 2.0. Este modelo propiciou o
surgimento de sites como Orkut, Facebook, Wikipedia, Youtube, o alastramento de
ferramentas como blogs, fotologs, microblogs e tantos outros exemplos de sites baseados na
comunicação e no relacionamento entre usuários.
É natural pensar nessa mudança como uma extensão simples das possibilidades
tecnológicas da internet, mas na verdade não houve passagem cronológica da Web 1.0 para
2.0. Os dois modelos coexistem ainda hoje, e, em alguns casos, não há necessidade de
ferramentas de Web 2.0 para que um site cumpra sua função. No entanto, é importante
lembrar que este é um estudo sobre publicidade e, em última instância, sobre a criação de uma
relação com o consumidor. Enquanto o usuário é o centro da Web 2.0, o consumidor é o
centro das relações de consumo. Usuário e consumidor são, é claro, a mesma pessoa.
Uma visão mais apurada pode gerar questões que não abarcam puramente o avanço da
rede e os modelos de comunicação inerentes da Web 2.0. Que necessidade está por trás da
geração de um perfil, uma identidade digital em sites de relacionamento como Orkut e
Facebook? Por que comentar em blogs e postar vídeo-respostas no Youtube, um site baseado
na troca de arquivos audiovisuais, é interessante para o usuário? Que tipo de sentimento torna
o Twitter, o site de microblogging que se tornou a febre digital de 2009, uma ferramenta tão
magnética?
Infelizmente, essas são perguntas a serem respondidas em outra ocasião. O foco desse
trabalho não será a causa que motiva a interação na Web 2.0, mas fundamentalmente, suas
conseqüências, e especificamente, como essa interação pode ser danosa ou proveitosa para
marcas e empresas.

4 Disponível em <http://oreilly.com/pub/a/web2/archive/what-is-web-20.html?page=2>, acesso em 17/10/2009.


14

O objetivo principal é analisar uma série de questões sobre o comportamento das


marcas e dos consumidores na Web 2.0, observando características que aproximam os cases
bem e mal sucedidos neste ambiente. É importante ressaltar também que os padrões da Web
2.0, apesar de concentrados no ambiente da internet, não se limitam a ela.
Quando você põe uma nova mídia em ação numa dada população, toda a
vida sensorial das pessoas muda um pouco, às vezes muda muito. Muda sua
perspectiva, mudam suas atitudes, mudam seus sentimentos em relação aos
estudos, à escola, à política. (MCLUHAN, 2005: p.141).

Aplicado ao caso em questão, o raciocínio de que a entrada de uma nova mídia


influencia a totalidade da vida das pessoas indica uma predisposição do usuário/consumidor a
buscar relações e diálogos em todos os meios de comunicação. Por isso, tudo aquilo que for
comentado no trabalho vale, em maior ou menor grau, para qualquer tipo de esforço
publicitário, mesmo que não esteja diretamente baseado em ferramentas da Web 2.0. É
importante deixar clara a necessidade de uma visão de marketing que se preocupe com os
anseios deste novo público, não importa qual seja a mídia utilizada.
Para mapear o terreno complexo e inconstante das relações mediadas pela Web 2.0,
serão necessários conhecimentos e teorias de diversas áreas da comunicação. Teóricos da
comunicação e filósofos como Foucault e Deleuze serão utilizados para prover uma base
comparativa, demonstrando como algumas teorias acerca das relações de poder e controle se
comportam na esfera da internet. Autores fundamentais no estudo das marcas e do
relacionamento com o consumidor, como Al Ries, Jack Trout e Kevin Roberts, serão
abordados para repensar as formas clássicas e as novas teorias sobre comunicação e
marketing, principalmente as que se concentram nos aspectos da comunicação de marca.
Obviamente, este trabalho não seria completo sem a adição de textos e teorias de autores
voltados às novas mídias, especificamente, às mídias sociais da Web 2.0, como Chris
Anderson, Hugh Hewitt, Howard Rheingold, Pierre Levy e outros.
Além da carga teórica acima mencionada, o estudo contará ainda com cases e artigos
retirados de revista e jornais especializados, como a Revista Pasta e o site IDG Now. A
pesquisa documental se estenderá a sites e blogs do Brasil e do exterior, como também às
redes sociais Orkut, Twitter e outras.
O segundo capítulo deste estudo compreenderá basicamente a discussão teórica acerca
das novas relações de poder no ambiente digital, abordando especificamente as relações de
consumo. Para nortear o estudo, serão usadas as teorias sociais relativas ao poder, presentes
nos textos de Foucault e Deleuze. Posteriormente, será proposto um novo modelo, baseado na
15

democracia deliberativa de Habermas, que possui importantes pontos de conexão com a


experiência vivida pelo usuário da internet. Neste capítulo, será demonstrada a nova relação
de consumo entre marcas e consumidores, de caráter dialógico, que se tornou possível graças
às ferramentas da Web 2.0.
O terceiro capítulo aprofundará a discussão sobre a proposta teórica apresentada, sob
diversos aspectos da Web 2.0. Neste momento do estudo, será feito um apanhado de
características gerais dos processos sociais que se formam na internet, com diversos exemplos
de casos que denotam a diferença deste ambiente, quando comparado aos antigos modelos de
comunicação das mídias de massa.
O quarto capítulo é formado pela descrição de cases fundamentais para o
entendimento e a aceitação das mudanças nas relações sociais mediadas pela internet. Serão
discutidos elementos que provavelmente determinaram o sucesso e o fracasso das ações
publicitárias explicitadas, retomando pontos importantes da argumentação teórica proposta e
testando sua aplicabilidade em estratégias reais de marketing.
16

2 AS NOVAS RELAÇÕES DE PODER NA WEB 2.0

Como foi dito no capítulo anterior, as ferramentas de mídias sociais e as características


gerais da Web 2.0 modificaram a forma como o usuário se comporta em sua relação com as
marcas e os esforços de comunicação de empresas que se inserem na internet.
Antes de iniciar a discussão teórica acerca das novas relações de consumo nesse
ambiente, será proposto um exercício, um pequeno aquecimento que irá sincronizar o
pensamento do leitor com o assunto a ser abordado. Leia novamente a última linha do
parágrafo anterior. Pode uma empresa “se inserir” na internet? A resposta é simples: não.
Antes que se despertem críticas por conta de uma negação tão categórica, segue a continuação
do argumento: toda e qualquer marca que exista em um mercado e que seja remotamente
conhecida de um usuário da internet já está, mesmo que de forma latente, inserida na
internet.
Para materializar esse argumento acerca do usuário e marca na Web 2.0, será criada
uma marca que, teoricamente, não necessite do esforço de marketing de uma grande empresa,
com suas pesquisas, gestores e grandes investimentos em propaganda. Uma iniciativa simples,
que não gere dificuldades à imaginação, sendo facilmente entendida em toda sua “cadeia de
produção”. Algo como uma barraca de cachorros quentes.
Este exercício de pensamento começa com a imaginação de um pequeno
empreendedor que venda cachorros quentes saborosos a um preço razoável. E tenha a
vantagem competitiva de servir seus clientes mesmo de madrugada, já que o próprio dono faz
o produto da varanda de casa. Somando-se a isso um ponto movimentado e não muito
perigoso, e pouquíssimos casos de problemas sanitários, é configurada uma boa barraca de
cachorros quentes, que resolve o problema de se encontrar um lanche decente a qualquer hora
da noite.
Assume-se hipoteticamente que o empreendedor tenha uma venda de cerca de
duzentos cachorros quentes/dia. Ou seja, são atendidos em torno de duzentos consumidores
diários, entre passantes e habitues, alguns certamente com acesso à internet. Se apenas um
desses consumidores tiver uma experiência singular, para o bem ou para o mal, com o
cachorro quente desta barraca hipotética, e se essa experiência motivar um comentário na sua
17

rede social, o serviço está feito. A barraca de cachorros quentes acaba de ser forçadamente
inserida na web.
O leitor há de desculpar uma pequena inverdade contada nos parágrafos anteriores. A
história da barraca de cachorros quentes é real, e o empreendedor é conhecido como
“Gaúcho”, dono de um dos mais famosos estabelecimentos informais de alimentos do bairro
do Méier, o “Cachorro Quente do Gaúcho”. Esta simples barraca de cachorros quentes conta
com uma comunidade5 no Orkut de quase trezentos e trinta consumidores do seu produto,
comentando modificações, fazendo elogios, reclamações e dando todo o tipo de informações
que empresas grandes pagam fortunas para obter. E tudo isso com pouca ou nenhuma
influência do Gaúcho no processo.
O cenário atual pode ser bom ou ruim para o Gaúcho. Bom porque, mesmo sem a sua
presença, seus clientes estão fazendo comentários elogiosos sobre o produto. O boca-a-boca,
ou tela-a-tela, está propagando o que antes seria um ponto curioso, porém pouco conhecido do
cenário gastronômico do Rio, transformando-o em algo que toma proporções maiores do que
um simples cachorro quente. O Gaúcho não tem só consumidores. Ele tem fãs, seguidores,
prontos para difundir e defender sua marca sem nenhum pedido. Basta notar o comentário de
uma família que sai de Campo Grande, zona oeste do Rio, para saborear suas iguarias. Ruim
porque, no menor deslize, o Gaúcho será traído pela velocidade da web e terá seu reino feito
em pedaços por uma opinião pública que ele nem considerava influenciar no seu negócio.
Como exemplo, pode-se imaginar um caso sério de infecção por salmonela originado pela
maionese do estabelecimento. O tipo de coisa que não daria mais do que meia nota em um
jornal de bairro, mas certamente tomaria um fôlego assustador se acertasse em cheio a base de
consumidores do produto.
Na Web 2.0, ambos os casos são perfeitamente plausíveis e mais, possuem
precedentes. Para a sorte do Gaúcho, sua maionese continua topo de linha e ainda não gerou
nenhum problema. Por outro lado, a quantidade de informações e feedbacks que poderiam
melhorar ainda mais o desempenho da loja também são completamente ignoradas pelo
empreendedor. E só existe um jeito de otimizar as relações entre usuários e marca nesse
ambiente: fazendo parte da conversa.

2.1 OS MERCADOS SÃO CONVERSAÇÕES

5 Disponível em <http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=474046>, acesso em 14/10/2009.


18

Uma poderosa conversação global começou. Através da Internet, pessoas


estão descobrindo e inventando novas maneiras de compartilhar rapidamente
conhecimento relevante. Como um resultado direto, mercados estão ficando
mais espertos – e mais espertos que a maioria das empresas. (LEVINE, Rick;
LOCKE, Christopher; MCKEE, Jake; WEINBERGER, David;
NEWMARK, Craig; SEARLS, Doc, 2009)

A Web 2.0 trouxe novos paradigmas para a publicidade. O antigo modelo de


comunicação linear de Shannon e Weaver demonstrava a passagem de informação de um
ponto A, o emissor, a um ponto B, o receptor (MATTELART, 2005). A evolução deste
modelo veio com Norbert Wiener (1984), que introduziu o feedback, ou resposta do receptor
sobre a comunicação. Por mais que sejam considerados os acertos e erros que podem ocorrer
nos meandros destes modelos, ainda há uma característica que, até pouco tempo, confortava
as empresas que anunciavam para seus clientes: a clareza sobre quem é o emissor e quem é o
receptor da mensagem. Claro, a ideia de uma platéia passiva e narcotizada há muito caiu por
terra. Hoje já se convencionou acreditar que o target da comunicação está sujeito a
entendimentos próprios de qualquer mensagem e que o conteúdo da comunicação gera
impactos diferentes em cada indivíduo. Ainda assim, até então as empresas gozavam de ampla
comodidade enquanto se consideravam a parte ativa do relacionamento, que enviava
estímulos e só era impactada pelo retorno em casos extremos, como erros graves na
comunicação, ou nos ambientes controlados e assépticos das salas de focus group. Essa
realidade acabou.
Na era da Web 2.0, o público alvo atira de volta. E mais, sem ser provocado. Se uma
marca deseja se destacar na internet, precisa estar preparada para ser alvejada por uma série
de retornos, sejam eles bons ou ruins. E precisa saber se portar, como em uma conversa. Dois
casos podem ilustrar perfeitamente este comentário.
Em 2004, a empresa Kryptonite, que possuía a fama de ter alguns dos mais seguros
cadeados de bicicleta do mercado, protagonizou talvez o mais problemático caso de surdez
digital da história. Um usuário comum, não um comprador insatisfeito ou mal atendido, mas
um simples usuário comum, resolveu demonstrar sua técnica para abrir cadeados Kryptonite
no site de vídeos YouTube. E ele só precisava de uma caneta Bic pra isso. A notícia se
espalhou rapidamente pela blogosfera. Diversos sites mostraram o vídeo6 e outros tantos
fizeram suas próprias versões, com tentativas bem sucedidas de abertura de diversos modelos
dos cadeados ditos seguros. Por falta de conhecimento ou preparo, a empresa decidiu
simplesmente ignorar o fato. E esta ação resultou em reclamações, processos, prejuízos

6 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=HAiu3pMI7D0>, acesso em 20/10/2009.


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calculados em milhões de dólares e uma reputação para sempre manchada – diga-se de


passagem, à tinta de caneta. O caso é descrito por Fábio Cipriani, que completa o conto com
um conselho:

Toda empresa deve estar preparada para agir rapidamente, caso algum
comentário ou boato comece a aparecer na rede. Se sua empresa possui um
blog, responda a todos os comentários e escreva muitos posts sobre o
problema para amenizar a situação. Seja honesto. Porém, caso a sua empresa
não possua um blog, faça um antes que os problemas comecem a aparecer; o
blog é uma ótima ferramenta para esclarecer fatos polêmicos em torno da
sua marca. (CIPRIANI, 2008: p. 133)

Como já foi dito neste trabalho, as características da Web 2.0 podem ser danosas ou
proveitosas para empresas. Basta saber manuseá-las. E um caso que demonstra as vantagens
de se prestar a participar de conversas é a brilhante resposta da empresa Eletronic Arts ao
usuário que possui uma conta no Youtube com o nome Levinator 25. O rapaz, um estudante
de cinema de 25 anos, postou um vídeo no site dizendo ter encontrado um novo movimento
no jogo Tiger Woods PGA Tour 08, chamado “Jesus Shot”, ou “Tacada de Jesus”. A
brincadeira era uma crítica a um defeito do jogo, que permitia que o personagem se
movimentasse sobre a água em algumas ocasiões. A Eletronic Arts recebeu a crítica e a
respondeu de forma a criar um benchmark no que concerne o aproveitamento da viralização
de uma falha. Produziu um vídeo7 especialmente para Youtube, em resposta ao Levinator 25,
com o Tiger Woods de verdade andando sobre a água para completar uma tacada. O texto do
vídeo explicava a ideia: “Levinator 25, você parece pensar que o seu video “Jeasus Shot” é
sobre um defeito no jogo. Não é defeito. Ele [o Tiger Woods] é bom assim mesmo.” O vídeo
original teve, até o fechamento deste trabalho, 910 mil visualizações. A resposta da Eletronic
Arts está próxima de completar 4 milhões de visualizações e uma rápida busca na web mostra
a cascata de elogios de diversos sites, blogs e usuários que se encantaram com o caso. O
próprio Levinator 25 reconheceu em entrevista que a empresa saiu melhor na “disputa”, e
trata a situação como se fosse entre dois amigos, implicando um com o outro e se divertindo
no processo. O estudante, que se chama Bryan Levi, disse ao jornal Los Angeles Times8:
“Várias pessoas dizem que eu fui humilhado por eles, mas eu meio que rio disso, eu achei
tudo muito legal”. Este exemplo mostra o grande diferencial que possui uma empresa que se
preocupa em pensar no ambiente da Web 2.0. As retaliações poderiam ter sido truculentas e
7 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=FZ1st1Vw2kY>, acesso em 15/11/2009.
8 Disponível em <http://latimesblogs.latimes.com/webscout/2008/08/levinator25-get.html>, acesso em
15/11/2009.
20

unilaterais, como proibir o rapaz de postar o vídeo alegando violação de direitos, o que só
teria levado à postagem de mais vídeos com o estranho defeito. Em vez disso, a empresa saiu
com sua marca fortalecida, criou uma ótima impressão no público alvo e ganhou propaganda
gratuita para o seu jogo. Ou quase: em mais um movimento que só colaborou para sua bem
sucedida resposta, a Eletronic Arts pagou o usuário Levinator 25 pelos direitos de uso do seu
vídeo e isso, é claro, foi espalhado por toda a internet. Além de bem humorada, moderna e
inteligente, a marca ainda ganhou o benefício de ser vista como justa e de boa índole.

2.2 E O QUE EU PERCO COM ISSO?

A Web 2.0 cobra de marcas e empresas uma pesada contrapartida para se obter a
possibilidade de um relacionamento próximo com o consumidor: vulnerabilidade. Ações na
Web 2.0 geram janelas, pontos fracos onde oportunistas e consumidores insatisfeitos podem
se apoiar para incitar uma reação negativa do mercado. Por outro lado, como já foi dito
anteriormente, estar envolvido nessa rede já não é mais uma escolha para empresas e marcas.
Considerando as opções, é melhor se colocar e estar preparado para um problema do que
sofrer um ataque sem nem mesmo notar o agressor.
Tal qual em uma conversa com alguém que tem o hábito de se aproximar demais para
falar, as grandes empresas costumam se retrair e evitar a aproximação do consumidor de seus
centros de negócios. Qualquer média empresa possui algum sistema de atendimento ao
cliente, como um telefone de SAC, email de contato ou mesmo uma prestativa secretária que
dirá, de forma educada e simpática, que “infelizmente o Sr. Fulano não pode atendê-lo.”.
Estes sistemas sempre são alvos de críticas dos consumidores e, em geral, não prestam o
atendimento desejado. Seria porque todos os sistemas antigos de atendimento ao cliente foram
pensados para não atrapalhar o “andamento dos negócios”, ignorando o fato de que os
negócios são, ou deveriam ser, os clientes? É temerário assumir este argumento como
verdade, mas qualquer um que tenha enviado emails para os endereços de contato de
empresas já teve a péssima experiência de sentir suas mensagens serem encaminhadas
diretamente para a lixeira, sem resposta ou sequer confirmação de recebimento.
Mas na Web 2.0, um consumidor não pode ser ignorado. A voz insatisfeita não se
silencia depois que o telefone é posto no gancho, como no telemarketing. Na rede, um
protesto pode conseguir cativar mais e mais pessoas, até se tornar um verdadeiro problema
para a imagem da empresa. E isso é a base do medo. Analisando a fundo, o que torna as
empresas receosas sobre a Web 2.0 é a perda de controle. Controle sobre sua comunicação,
21

seu consumidor, seu produto, sua imagem e até mesmo sobre si. Marcas que sentiam-se
confortáveis com seu olhar distante e “laboratorial” sobre o consumidor não têm mais a opção
de sustentar a redoma de vidro, de observar o mercado sem que sejam observadas.
2.3 TENTANDO ENCONTRAR UM MODELO

Já que é inviável se manter ausente na Web 2.0, talvez algum tipo de previsibilidade
nas relações desse ambiente faça com que o caminho trilhado seja menos escuro e
amedrontador. E uma boa forma de buscar por padrões na relação marca/consumidor dentro
da Web 2.0 é tentar encontrar um modelo, uma formatação social que seja aplicável a esta
relação. Diversos autores teorizaram sobre as relações de poder na sociedade, e certamente há
uma tentativa de convencimento entre marca e consumidor. Fundamentalmente, as marcas
desejam conquistar o mercado, aumentando e sustentando o consumo dos seus produtos. E
para isso, recursos de persuasão e influência como a publicidade, a propaganda, as relações
públicas e o design são usados exaustivamente. Entretanto, as mudanças sociais advindas da
Web 2.0 afetaram não só as formas de administrar o poder como também a própria noção do
que é poder.

2.3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O MODELO DAS SOCIEDADES DISCIPLINARES

Para encontrar um modelo que compreenda as relações de poder instauradas na Web


2.0 na visão das marcas, é necessário retomar as teorias de autores que já discutiram sobre o
poder nas relações sociais. A começar pelas sociedades disciplinares de Michel Foucault
(1997), que possuíam uma expressão física no dispositivo arquitetônico chamado panóptico.
Criado por Jeremy Bentham, este dispositivo é uma estrutura pensada para funcionar como
prisão, mas que, de acordo com Foucault, tem em sua teoria as bases das relações de poder de
diversos ambientes sociais, como fábricas, escolas ou hospitais. Neste tipo de sociedade, o
poder seria exercido com a implantação de uma sensação de vigilância eterna, que inibiria o
vigiado a se portar de qualquer outra forma que não a exigida pelos códigos sociais
estabelecidos.
Para entender a teoria, é preciso estudar a estrutura. O panóptico é formado por uma
torre central, onde se instala o vigia, e uma construção periférica em forma de anel, onde estão
alocadas as celas, ou salas de estudo, ou leitos, dependendo da finalidade do edifício. Cada
cela possui janelas translúcidas voltadas para dentro e para fora do anel e um único preso, sem
contato com os demais. A iluminação ocorre de forma que a luz transpasse a sala de fora pra
22

dentro, imprimindo a silhueta do cativo na janela interna e fazendo com que todas as celas
possam ser vigiadas ao mesmo tempo, o tempo inteiro.

Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho,
perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo
panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e
reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido;
ou antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só se
conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de
um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A
visibilidade é uma armadilha. (FOUCAULT, 1997: p.190)

Desta forma, Foucault formula a teoria das sociedades disciplinares, onde há o


controle de corpos físicos e a manutenção do poder se dá através de uma opressiva vigilância
contínua que, depois de suficiente sustentação, torna-se desnecessária, já que a própria
sensação do vigiado funciona como elemento repressor. Isso é a chamada internalização do
olho do poder.
No entanto isso não é o que se experimenta na internet atualmente. A noção de que a
sensação de ser vigiado implica em um desconforto, ou medo, que gera repressão
comportamental é muito distante do que pode ser observado em sites como YouTube ou redes
sociais como o Orkut. Nestes exemplos, nota-se justamente o contrário. Em ambientes como o
YouTube, um usuário “bem sucedido” é aquele que possui mais visualizações do seu
conteúdo. Em todo site de rede social, a conduta normal do usuário é disponibilizar
informações pessoais para toda a rede. Na internet, pessoas de todos os tipos se relacionam e
trocam informações entre conhecidos ou completos estranhos, respeitando devidas
proporções, mais ainda assim sem temer a vigília. Nas redes sociais, os usuários se conectam
também com personagens fictícios, celebridades e, incrivelmente, marcas e empresas com
quem se identifiquem. Basicamente, na Web 2.0 a vigilância é vista como natural, ou mesmo
desejável, e deixa de se um artefato de imposição de poder. O que se vê é o inverso: o poder e
a influência são exercidos pelo mais vigiado, que, graças à sua posição de destaque diante dos
olhos do público, é capaz de expor sua argumentação e lutar pelo convencimento do vigia.
Portanto, se em algum momento houve a internalização do olho do poder, na Web 2.0 ele
parece ter sido digerido e se encontra fragmentado entre todos os vigiados.
Outra questão que incapacita a teoria das sociedades disciplinares de englobar a Web
2.0 é a noção de comunidade. Foucault fala do processo de individualização obtido através da
separação dos corpos no panóptico, que aumenta a fragilidade do preso, visto que sozinho, o
indivíduo nada poderia fazer contra a dinâmica opressora. Já na Web 2.0, a noção de
23

comunidade existe e é muito acentuada. Graças a ferramentas da rede, diversas organizações


sociais “extra-governamentais” foram criadas, algumas inclusive com poder para sabotar
iniciativas do governo. Um bom exemplo é o usuário da ferramenta de microblogging Twitter
intitulado @LeiSecaRJ. Este perfil na verdade é um coletivo que atua divulgando os próximos
pontos de blitz da Operação Lei Seca nas ruas do Rio de Janeiro, a partir de informações
conseguidas com outros internautas. O @LeiSecaRJ por vezes consegue a proeza de publicar
o endereço de uma blitz antes dela ocorrer, o que sugere o envolvimento de pessoas ligadas às
instituições governamentais. Este é apenas um exemplo de formação de comunidade com
objetivos comuns na Web 2.0. Sua insubordinação a uma ferramenta de imposição da lei só é
possível graças a ferramentas tecnológicas que permitem a organização eficiente do grupo,
usando cada um dos seus indivíduos como “olhos e ouvidos” do todo.

2.3.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O MODELO DAS SOCIEDADES DE CONTROLE

As incongruências do modelo das sociedades disciplinares no ambiente da Web 2.0


não são surpreendentes, tendo em vista o fato de que outros autores já discursavam sobre
novas formas e arrumações do poder antes mesmo da popularização da internet. O filósofo
Gilles Deleuze também abordou o tema no texto Post-scriptum sobre a sociedade de controle,
no qual fala da falência das sociedades disciplinares, que, a partir do fim da Segunda Guerra
Mundial, estariam cedendo espaço à chegada das sociedades de controle. De acordo com
Deleuze, as ferramentas que operam a manutenção do poder são muito mais ardilosas nessa
nova arrumação social. O que antes era conseguido através de um molde, que determinava
certos aspectos sociais em cada ambiente, agora teria se tornado uma modulação, um tipo de
molde auto-deformante, que se modifica para exercer sua influência reguladora de forma
contínua e constante, quase imperceptivelmente. Deleuze cita, inclusive, o marketing como
um grande e terrível protagonista dessa forma de manutenção do poder.

O marketing é agora o instrumento de controle social, e forma a raça


impudente de nossos senhores. O controle é de curto prazo e de rotação
rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de
longa duração, infinita e descontínua. O homem não é mais o homem
confinado, mas o homem endividado. (DELEUZE, 2000: p.224)

O autor define que a essência das sociedades de controle é uma cifra, uma senha que
determina o acesso à informação, ou sua rejeição. Desta forma, o par individuo/massa se
desfaz. O indivíduo passa a ser “dividual” já que, sendo sua representação no sistema feita por
24

uma senha, é o estado desta senha, de aceitação ou negação, que determina suas condições em
relação ao resto. Assim, as massas se tornam amostras, dados. Para contrapor o panóptico das
sociedades disciplinares, Deleuze cita um mecanismo que explicita o funcionamento das
sociedades de controle.

Félix Guattari imaginava uma cidade onde cada um pudesse deixar seu
apartamento, sua rua, seu bairro, graças ao seu cartão eletrônico, que
removeria qualquer barreira; mas, do mesmo modo, o cartão poderia ser
rejeitado tal dia, ou entre tais horas; o que conta não é a barreira, mas o
computador que localiza a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma
modulação universal. (DELEUZE, 2000: p. 224)

O novo modelo de Deleuze tangencia diversas vezes o que se vivencia na experiência


da web. Mas, novamente, ele não se deforma o bastante para que sua modulação englobe a
realidade da Web 2.0. Observando a descrição da Cidade das Sociedades de Controle criada
por Guatarri, percebe-se a noção de que há uma instância controladora acima de tudo, o
“Sistema”, que tem em suas mãos o poder de permitir e bloquear o acesso dos usuários a
informação ou, nesse caso, a espaços físicos.
O que parece ficar de fora neste modelo é o fato de que a internet não possui um dono
ou líder. O “Sistema” não é uma máquina rodeada de usuários finais, mas uma linguagem
dotada de gramática e regras próprias. E a fissura da teoria das sociedades de controle na
tentativa de abarcar a Web 2.0 está no domínio do usuário sobre os dispositivos, as
ferramentas, as linguagens e, finalmente, sobre o sistema como um todo.
Hoje não há informação que esteja presente na web e não corra riscos de ser difundida
para o grande público. O fim anunciado da indústria fonográfica no seu formato atual é uma
forte possibilidade porque já se tornou impossível impedir a troca de arquivos musicais entre
usuários. As poucas horas após o lançamento de um novo software são suficientes para que
este já se encontre disponível gratuitamente na internet, sem travas de uso ou quaisquer
elementos que impeçam o total gozo do consumidor. E para cada microsistema fechado pelas
forças legais, surgem inúmeras réplicas e até novas redes capazes de reconectar os
computadores dos usuários, para a finalidade que os próprios determinarem.
Para evitar a redução desta análise à troca de arquivos e pirataria digital, observa-se
que os dispositivos dominados pelo usuário não foram só os de programação binária. As
ferramentas de comunicação, que antes criavam oligarquias de poder, agora também se
fragmentaram, e todas as técnicas de persuasão e entretenimento foram largamente espalhadas
pelas mãos do que antes se considerava público-alvo. Hoje os grandes blockbusters do cinema
25

são rivalizados por virais e vídeos amadores, ocupando a preferência do consumidor com a
mesma eficiência que os profissionais. Os próprios produtos da mídia são cortados, somados e
modificados até que se tornem criações completamente novas com objetivos distintos. As
possibilidades tecnológicas permitem que o usuário produza comunicação de relevância igual
à produzida pelos “senhores do marketing” com seu pretenso objetivo de dominação, dando
força a argumentações que antes seriam suplantadas pela mídia de massa. Em suma, a cidade
de Guatarri não possui mais barreira alguma quando qualquer morador com um pouco de
tempo consegue cartões de acesso coringas.
Como exemplo básico deste novo cenário, pode se citar o caso do anúncio da
montadora Dafra, de motocicletas de baixo custo. Inicialmente, a empresa gastou centenas de
milhares de reais em uma superprodução de comercial que envolvia o ator Wagner Moura
entoando um discurso inflamado sobre liberdade e o mundo de possibilidades aberto pela
compra de uma motocicleta Dafra para centenas de pessoas. A peça terminava com uma
corrida desenfreada e um encontro apaixonado entre a multidão de ouvintes e suas respectivas
motos.
Bastou um grupo de usuários com algum traquejo em edição de filmes para que um
fenômeno surgisse na internet. Uma nova versão do comercial, a simples redublagem do
anúncio original, atingiu milhares e milhares de pessoas, por ser engraçada, crítica e falar
“verdades” sobre a montadora. O texto bem construído e a boa produção fizeram com que a
paródia tivesse sucesso dezenas de vezes maior do que o anúncio original, usando todo o
investimento da montadora em uma mensagem que fala as piores barbaridades sobre o seu
produto. É o usuário se apropriando da linguagem e da tecnologia, e invertendo a
comunicação para satisfazer seus próprios desejos, com uma eficiência de invejar qualquer
profissional da publicidade e propaganda.
A reação da montadora foi cartesiana. Todos os vídeos que mostrarem seu anúncio e
não forem o original serão retirados da rede por infração de direitos autorais. Mas a
quantidade e a capacidade de mobilização dos usuários superam com folga a capacidade dos
sistemas de identificação e remoção de vídeos. O cenário atual é estável: o vídeo é
constantemente reposto na rede, e pra cada versão retirada, surgem dezenas de opções de
visualização, que seguem divertido e convencendo cada vez mais usuários. É uma batalha
perdida desde o princípio9.

9 A título de curiosidade, para encontrar o vídeo basta procurar no YouTube por “dafra” e “paródia” ou, com o
perdão da expressão, “dafra” e “merda”.
26

Atualmente, a grande maioria destes exemplos pode ser condicionada a atividades


ilícitas. Quebra de direitos autorais, apropriação indevida de propriedade intelectual e várias
outras atitudes consideradas ilegais pela legislação contemporânea são praticadas
constantemente na internet. A primeira vista, isso parece próximo do que se vê no
questionamento feito por Deleuze ao fim do Post-scriptum sobre a sociedade de controle.

Será que já se pode apreender esboços dessas formas por vir, capazes de
combater as alegrias do marketing? Muitos jovens pedem estranhamente
para serem ‘motivados’, e solicitam novos estágios e formação permanente;
cabe a eles descobrir a que estão sendo levados a servir, assim como seus
antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas.
(DELEUZE, 2000: p. 224)

Seriam então os desvios de conduta dos usuários da rede reflexos de um movimento de


resistência? Todas as formas de apropriação de conteúdo e de quebra de barreiras de conexão
poderiam ser ligadas a um esforço de combate ao “Sistema”? Dificilmente. O sucesso
indiscutível de algumas plataformas de venda para download e streaming de arquivos digitais,
como Itunes e Netflixs, sugere na verdade que a própria relação de consumo sofreu alterações.
Estes dados desconstroem a hipótese de um processo revolucionário organizado, onde cada
ativista baixaria musicas no seu computador até que todo o sistema capitalista caísse em
ruínas.
Outro forte indício que demonstra este fenômeno não como um ato de rebeldia, mas
uma mudança essencial das relações de consumo, é o esforço atual para a criação de um tipo
de estatuto legal que tenha valor no novo cenário. Este é o caso do Creative Commons, um
projeto que propõe licenças flexíveis para direito autoral, e permite entre outras coisas a troca,
replicação e, em alguns casos, a modificação do material intelectual, desde que com o devido
crédito. Esta tentativa de sistematização e regularização é apoiada por incontáveis usuários e,
cada vez mais, por empresas. Até o fechamento deste trabalho, a última empresa a se aliar ao
Creative Commons no Brasil foi a editora Cosac Naify, que implantou em seu novo site um
sistema de download de livros com a licença Creative Commons. Outros exemplos 10 são
Google, Fiat, bandas como Nine Inch Nails e até o site da Casa Branca, após a posse do
presidente americano Barak Obama.

2.4 TENTANDO CRIAR UM NOVO MODELO

10 Informações disponíveis em <www.creativecommons.org.br>, acesso em 16/11/2009.


27

Como pode ser visto, a pluralidade de condições e arrumações da Web 2.0 dificulta o
trabalho de encontrar um modelo que abrace todas as relações sociais ocorridas neste âmbito.
Mas talvez seja possível encontrar um pensamento que ilustre com mais clareza a principal
característica abordada por este trabalho: o fim da passividade do público alvo no processo de
comunicação, e sua conquista de poder neste novo ambiente.
Na superação dos sistemas sociais analisados anteriormente, diversas características da
Web 2.0 foram revistas. A capacidade de comportamento comunitário, a eficiência na
argumentação comunicativa, a apropriação de meios e dispositivos de comunicação e a
liberdade incondicional e sem barreiras praticada pelos usuários da web são algumas das
principais tintas que determinarão o quadro a ser pintado sobre as relações entre marca e
consumidor nesse ambiente. Mas é saudável não esperar um retrato que mostre com clareza o
funcionamento e as forças motrizes dessas relações. Apesar do caráter tecnológico muitas
vezes dado a tudo que ocorre no ambiente virtual, o “fenômeno social” Web 2.0 tem como
base as possibilidades e extensões das relações humanas. E a imprevisibilidade é um fator
curiosamente constante em qualquer observação desse tipo.
Retomando as principais características da Web 2.0 abordadas neste estudo, vê-se
neste modelo a vocação para uma arrumação social onde cada sujeito tem possibilidades de se
tornar protagonista de uma discussão. Onde toda decisão, incluindo as de consumo, pode
sofrer influência dos mais diversos atores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, especialistas
ou leigos no assunto.
Essa vocação se encontra em diversos pontos com uma teoria, taxada de utópica por
uma série de autores respeitados, mas que em várias situações se aproxima daquilo que é
vivenciado no ambiente digital: a democracia deliberativa de Jürgen Habermas. Um excerto
do artigo de Felipe Carreira da Silva sobre as teorias de Habermas demonstra a similaridade
entre o modelo político/social proposto pelo autor e as particularidades da Web 2.0.

Desta forma, a teoria da discussão habermasiana pressupõe uma rede de


processos comunicativos, tanto dentro como fora do complexo parlamentar e
dos seus corpos deliberativos, que sustenta a existência de palcos
dialogicamente discursivos em que ocorre a formação da vontade e da
opinião democráticas. (SILVA, 2001: p. 117)

A democracia deliberativa de Habermas foi uma tentativa de postular as condições


pelas quais seria criada a real democracia e, em última instância, uma sociedade igualitária e
justa. Colocando de forma simples, se trata de um modelo de governo que possibilitaria a
participação direta de qualquer membro da comunidade nas tomadas de decisões, feitas em
28

grandes parlamentos onde se sagra vencedor o melhor argumento, e apenas este pode ser
levado em consideração, excluindo da discussão modificadores como poder monetário,
cargos, posições sociais e outros.
Obviamente, este estudo não pretende antever o surgimento de uma sociedade justa a
partir da democracia deliberativa. No modelo proposto por Habermas, as decisões políticas,
que afetam a população como um todo, seriam diretamente resolvidas por estes parlamentos
abertos. Isso não ocorre na sociedade atual, e não há nenhuma evidência de que acontecerá
algo do tipo em um futuro próximo. No entanto, as relações de consumo da Web 2.0 são sim,
influenciadas direta e indiretamente por uma discussão livre e aberta entre diversos atores,
como marcas, concorrentes, consumidores, ativistas sociais e praticamente qualquer pessoa
que se disponha a dar sua opinião, seja da maneira que for. Em outras palavras, mesmo que a
democracia deliberativa não seja um futuro provável em termos de política, vários dos seus
atributos podem ser usados para clarear o funcionamento da natureza dialógica das relações
entre consumidor e marca na internet.
Ainda no texto de Felipe Carreira da Silva (2001), são pautados alguns tópicos
importantes, que determinam as prerrogativas do funcionamento da democracia deliberativa.
O primeiro define a forma assumida pelos processos deliberativos, como sendo sempre
argumentativos, isto é, feitos a partir do intercâmbio regulado de informações e argumentos
entre as partes da discussão. O segundo denota a regra de que nenhum membro da sociedade
pode ser legitimamente excluído da discussão, resguardando assim seu caráter público e
transparente. O terceiro tópico fala que as deliberações nesta arrumação social são, portanto,
livres de qualquer coerção externa, visto que todos os participantes são regidos somente por
leis que defendem a liberdade de discussão, de igual forma. E, finalmente, o quarto tópico
conclui a definição proibindo qualquer tipo de coerção interna que comprometa a igualdade
dos participantes, para que seja mantida a possibilidade de que todos possam introduzir temas,
produzir contribuições próprias e criticar a argumentação de terceiros. Este último tópico
termina ainda explicitando que “A única coerção interna admissível é a força do melhor
argumento.”

2.5 O SURGIMENTO DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA DO CONSUMO

A partir da explicação sobre as características que definem a discussão na democracia


deliberativa, já é possível notar pontos de contato entre a teoria habermasiana e as relações
entre marca e consumidor na web. Tomando como exemplo o caso das motocicletas Dafra
29

citado anteriormente, a empresa agiu de forma a quebrar a premissa de liberdade de


argumentação, vista no último tópico da lista que define a democracia deliberativa e fala da
proibição de qualquer tipo de coerção interna que comprometa a igualdade entre partes de
uma discussão. A resposta do coletivo de usuários foi simplesmente ignorar a proibição,
dando ainda mais visibilidade ao argumento censurado, e tomando como repreensível a
atitude da empresa. Como na democracia deliberativa, neste ambiente é provável que toda e
qualquer tentativa de coerção e censura seja rejeitada e rechaçada pelo público. A mesma
afirmação pode ser vista na análise de Pierre Lévy sobre fóruns de discussão na internet.

Os ataques pessoais ou argumentações pejorativas para qualquer categoria de


pessoas (nacionalidade, sexo, idade, profissão etc.) em geral não são
permitidas. Os que fazem isso de forma repetida são excluídos pelos
administradores de sistema a pedidos dos organizadores das conferências
eletrônicas. Excetuando-se esses casos particulares, a total liberdade de
palavra é encorajada e os internautas são, como um todo, opostos a qualquer
forma de censura. (LÉVY, 1999: p. 128)

Já a apropriação de meios e dispositivos de comunicação reflete outra necessidade da


democracia deliberativa: a elevada capacidade de argumentação dos participantes da
discussão. Não se pretende dizer que todo e qualquer usuário da Web 2.0 é capaz de produzir
conteúdos que possam rivalizar a ampla e especializada produção argumentativa das agências
publicitárias e empresas de entretenimento, mas a liberdade do meio dá margem a essa
possibilidade, que era extremamente reduzida na era dos meios de comunicação de massa. E
com o tempo, é natural que essa capacidade tenda a aumentar.
Finalmente, é imprescindível adentrar no assunto principal deste trabalho: as relações
de poder entre marca, consumidor e comunicação. Nestas relações, o poder comunicativo foi,
por muito tempo, concentrado nas mãos das empresas, que compravam espaços publicitários,
custeavam enormes produções e faziam, por fim, publicidade, sua ferramenta persuasiva mais
direta. O público, sem outra opção que não a passividade, limitava-se a absorver ou não o
conteúdo da mensagem, fazendo com que seus sentimentos em relação à marca, ao produto,
aos serviços e à comunicação afetassem suas decisões de compra e, talvez, as percepções de
alguns indivíduos mais próximos. O espectro de atuação de uma opinião pessoal acerca de
uma marca dificilmente era maior do que esse.
Mas a Web 2.0 criou uma dinâmica comunicacional com alguns aspectos muito
próximos às deliberações encontradas na base da teoria habermasiana. A partir desta
percepção, pode-se extrair um novo conceito para as relações de poder atreladas ao consumo
30

no ambiente da Web 2.0, mais flexível e próxima da realidade do que os antigos sistemas
sociais abordados. Em referência ao trabalho de Habermas, esta teoria será batizada de
democracia deliberativa do consumo.
Dentro do ambiente da internet, as decisões de consumo são alvo de influência direta
e indireta de diversos pólos de argumentação, e nesta conjuntura, a marca é apenas mais um
deles. É claro, ainda cabe ao consumidor a decisão final sobre o que consumir e a quais
marcas ser fiel, mas esta decisão, além de mutável, está sujeita a discussões externas. Antes de
comprar o produto, muitos consumidores agora buscam opiniões de compradores em redes
sociais como Orkut e Twitter. Outros perguntam diretamente sobre o produto que desejam em
ferramentas como o Yahoo!Respostas. E todos estão sujeitos a encontrar argumentos
interessantes aleatoriamente em blogs, sites pessoais, vídeos no YouTube e qualquer outro tipo
de conteúdo gerado pelo usuário. Chris Anderson, editor da revista Wired e autor de diversos
livros que discutem o mercado no ambiente digital, possui a mesma percepção sobre este
cenário.

Para uma geração de clientes acostumados a fazer suas pesquisas de compra


por meio de softwares de busca, a marca de uma empresa não é o que a
empresa diz que é, mas o que o Google diz que é. Os novos formadores de
preferências somos nós. Agora, a propaganda boca a boca é uma conversa
pública, que se desenvolve nos comentários de blogs e nas resenhas de
clientes, comparadas e avaliadas de maneira exaustiva. As formigas têm
megafones. (ANDERSON, 2006: p.97)

Pelo que foi discutido até esse ponto, pode parecer que as marcas estão fadadas a
flutuar à deriva, tendo seus produtos elevados e afundados ao sabor das opiniões vindas deste
novo e massivo contingente formado pelos usuários da Web 2.0. Mas as mesmas
características que fragmentaram o poder de comunicação também abriram novas e
interessantes oportunidades para a publicidade e o marketing.
A democracia deliberativa do consumo não funciona exatamente como a teoria de
Habermas, porque em alguns aspectos, marcas e empresas possuem vantagens na disputa
argumentativa com o usuário comum. É preciso levar em conta que as empresas dispõem de
profissionais treinados e especialistas em técnicas de persuasão nas agências de publicidade,
possibilidades de produção muito superiores aos dos usuários e uma natural visibilidade no
ambiente da web, aumentando as chances de popularização da sua mensagem. Acrescidas a
estes fatores, as ferramentas da Web 2.0 ainda facilitam a obtenção de informações sobre o
público alvo e a aproximação das marcas ao seu cotidiano. A união desses elementos coloca
31

as marcas em posição privilegiada nos processos de comunicação, transformando o que antes


parecia um mar revolto em uma importante e valiosa rota de negócios. Basta saber navegar.

3 A APLICAÇÃO DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA DO CONSUMO

Numerosas posições de poder e diversos “trabalhos” encontram-se


ameaçados. Mas se souberem reinventar sua função para transformarem-se
em animadores dos processos de inteligência coletiva, os indivíduos e os
grupos que desempenhavam os papéis de intermediários podem passar a ter
um papel na nova civilização,ainda mais importante do que o anterior. Em
contrapartida, caso se enrijeçam sobre as antigas identidades, é quase certo
que ficarão em uma situação difícil. (LÉVY, 1999: p. 231)

O tortuoso caminho para chegar à teoria da democracia deliberativa do consumo foi de


extrema importância para justificar a principal consequência da Web 2.0 abordada neste
trabalho: a inquestionável mudança nas relações de poder entre marca e consumidor dentro
deste novo ambiente. E diversos autores apontaram estas tendências em suas obras. Uma
suspeita muito similar ao que foi apresentado aqui pode ser obtida através das previsões do
filósofo Pierre Lévy sobre o que o autor chama de cibercultura.

A cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um laço social,


que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações
institucionais, nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião em torno
de centros de interesse comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do
saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de
colaboração. (LÉVY, 1999: p. 130)

Cibercultura e Web 2.0 não são exatamente termos sinônimos, mas possuem uma
relação muito estreita entre seus significados. Como se pode notar, mesmo falando em uma
época anterior à criação do conceito de Web 2.0, em meados de 1995, Pierre Lévy já
postulava sobre as noções de liberdade, comunidade e colaboração na rede. E estes elementos
são fundamentais na construção do que foi chamado no início do trabalho de “fenômeno
social” Web 2.0. A partir deste fenômeno, novas estruturas precisam ser pensadas para que os
argumentos publicitários tenham mais eficácia.
De forma a facilitar a compreensão da extensão das mudanças acarretadas pela
dinâmica dialógica da Web 2.0, serão usados os quatro principais conceitos definidos no
capítulo anterior: a capacidade de comportamento comunitário, a apropriação de meios e
dispositivos de comunicação, a eficiência na argumentação comunicativa e a visão libertária
do usuário na web. Obviamente, estas quatro instâncias não são estanques e findadas em si
32

mesmas. Cada um destes elementos será parte de virtualmente qualquer relação mediada no
terreno da Web 2.0, de forma fluida e complementar.

3.1 SOBRE AS COMUNIDADES VIRTUAIS

O ambiente digital abre diversas oportunidades de comunicação para marcas e


consumidores. Talvez a mais palpável delas seja o natural arranjo dos usuários deste meio em
comunidades, em grupos de interesse.

Os amantes da cozinha mexicana, os loucos pelo gato angorá, os fanáticos


por alguma linguagem de programação ou os intérpretes apaixonados de
Heidegger, antes dispersos pelo planeta, muitas vezes isolados ou ao menos
sem contatos regulares entre si, dispõem agora de um lugar familiar de
encontro e troca. Podemos, portanto, sustentar que as assim chamadas
“comunidades virtuais” realizam de fato uma verdadeira atualização (no
sentido da criação de um contato efetivo) de grupos humanos que eram
apenas potenciais antes do surgimento do ciberespaço. (LÉVY, 1999: p. 130)

Esta dinâmica traz vantagens óbvias para a atividade publicitária. Tendo os internautas
reunidos em grupos de interesse, se torna muito mais fácil planejar investimentos publicitários
com exatidão. Um dos problemas das mídias de massa no que diz respeito ao custo do
investimento é a aproximação inexata entre a medição do público alvo de determinado
programa e a configuração real da formação do seu público. Não se pretende aqui levantar
qualquer tipo de dúvida sobre os profissionais ou métodos aplicados nesta medição. Mas a
própria característica massificante de meios como a televisão impossibilita uma medição
exata. Os dados quase sempre serão genéricos, e o investimento aplicado normalmente conta
com uma perda por atingir parte do público que não é target da comunicação.
Na internet, a arrumação por áreas de interesse e a flexibilidade nas formas de investir
geram um cenário completamente diferente. Neste ambiente, os investimentos – que já são
naturalmente mais baratos – podem ser usados com mais precisão para cativar um público
específico, com vontades intimamente ligadas ao produto em questão. Ocorre então uma
racionalização de gastos, visto que, potencialmente, o capital investido na comunicação atinge
o target escolhido com muito mais exatidão.

3.1.1 CLIENTES EVANGELISTAS


33

A formatação da web que agrupa pessoas em eixos de interesse potencializa ainda a


ação de uma figura essencial para as marcas que desejam legitimidade na internet: o
evangelista. Ben McConnell e Jackie Huba (2005) definem este ator como o cliente que deixa
de ser um simples consumidor e passa a funcionar como porta-voz da marca, defendendo-a e
propagando suas qualidades.
Este fenômeno não é novo. Kevin Roberts (2005), atualmente CEO mundial da
agência Saatchi & Saatchi, escreveu um livro comentando diversos aspectos da ascensão de
uma marca ao status de Lovemark, onde sua relação com os clientes deixa de ser comercial e
passa a ser verdadeiramente afetiva. Dentro da sua argumentação, Roberts fala de um tipo
específico de cliente, o “Consumidor Inspirador”. Esta é apenas uma das histórias, de várias
comentadas no capítulo.

Consumidores Inspiradores querem que suas Lovemarks estejam disponíveis


não apenas para eles, mas para todos. Esse é o seu poder. Quando uma avó,
na Turquia, descobriu que seu leite preferido, com tampa vermelha, era
difícil de ser encontrado no supermercado local, entrou em ação.[...]
Reclamou no supermercado, ligou para o representante de vendas de Sütas [a
marca do leite], e continuou ligando até que o leite de tampa vermelha ficou
disponível no mercado de sua localidade.

Foi algo fantástico, mas ela deu um passo ainda mais importante.
Preocupada com as baixas vendas, que levariam o supermercado a parar de
estocar o leite, lançou uma campanha pessoal. Decorou a loja, recrutou um
grupo de voluntárias para distribuir folhetos e espalhar a notícia.

Acredito que existam Consumidores Inspirados como ela no mundo inteiro,


apenas aguardando o chamado. (ROBERTS, 2005: p. 175)

Provavelmente, o nível de comprometimento mostrado pela senhora que protagoniza a


história está acima do comum, mesmo considerando uma relação afetiva com a marca. No
entanto, a facilidade de comunicação da Web 2.0 simplificou a vida dos potenciais
evangelistas. Não é necessário decorar uma loja, investir pessoalmente na marca ou mesmo
levantar do assento: agora, clientes apaixonados pelas suas marcas podem defender seus
interesses com conforto e eficiência na internet. Amplificar a voz dos evangelistas é uma
ótima forma de criar, manter e expandir uma comunidade virtual ao redor da marca, com
iniciativa e capacidade de defesa disponíveis aos objetivos de comunicação da empresa.
A Apple é um ótimo exemplo de marca com consumidores evangelistas. Em março de
2009, a empresa Microsoft lançou uma série de anúncios entitulados Laptop Hunters, com
consumidores reais tentando comprar um computador portátil por menos de mil dólares. O
primeiro dos comerciais era protagonizado por Lauren, uma simpática ruiva que dizia não ser
34

“legal o suficiente para ter um Mac”11, o apelido dado aos computadores Macintosh, da marca
Apple.
Os fãs da Apple reagiram rapidamente: em menos de uma semana, revelaram que
Lauren era uma atriz contratada, moradora de Los Angeles, e não uma gentil e recatada moça
em busca de um computador. Diversos blogs divulgaram as fotos do book de Lauren,
disponibilizadas em um site pessoal, e surgiram incontáveis comentários criticando a
falsidade por trás do anúncio. Um fã dos computadores Mac chegou a oferecer seu MacBook
G4 gratuitamente12, para que Lauren tivesse uma base comparativa justa e definisse qual é o
melhor computador. E esse é apenas um exemplo do que usuários apaixonados pelas marcas
são capazes de fazer.

Figura 1: Consumidores expressando seu amor pela marca.

3.1.2 TIRO PELA CULATRA

No entanto, é sempre importante reafirmar o que vem sendo dito sobre todas as
carateristicas da Web 2.0: os mesmos processos podem funcionar de forma positiva ou
negativa para a marca. Se um cliente insatisfeito é ruim, um “contra-evangelista” pode ser o
pior pesadelo de uma empresa no ambiente digital. Em uma palestra, Howard Rheingold
chegou a citar evidências biológicas para explicar este tipo de reação13.

11 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=EIS6G-HvnkU>, acesso em 18/11/2009.


12 Disponível em <http://i.gizmodo.com/5187031/lauren-we-have-someone-whod-like-to-talk-to-you>, acesso
em 18/11/2009.
13 Palestra no evento TED talk, de fevereiro de 2005, disponível em <http://www.ted.com/talks/howard_rheing
old_on_collaboration.html>, acesso em 20/11/2009.
35

Nossa noção de indivíduo como um ser econômico foi desmontada. O


interesse próprio e racional nem sempre é o fator dominante. Na realidade,
pessoas tomarão ações para punir os “enganadores”, mesmo em um caso no
qual isso gere prejuízo para si. Recentemente, medições neurofisiológicas
mostraram que pessoas que punem “enganadores” em jogos econômicos
mostram atividade no centro de recompensa do cérebro. (TED IDEIAS
WORTH SPREADING, 2005)

É imprescindível ter em mente que as mesmas estruturas comunitárias que podem


jogar a favor das marcas também são altamente suscetíveis a participar de um movimento
contrário a empresas, principalmente aquelas com falhas de conduta. Erros como abuso da
força de trabalho, descaso com questões sociais e ambientais ou outros problemas que
envolvam o produto ou serviço prestado por uma empresa podem ser altamente arriscados em
um ambiente como esse. Ainda mais se estas falhas traírem as crenças da base evangelista da
comunidade ao redor marca.
Pode-se citar, por exemplo, a divulgação de um vídeo, produzido por ativistas sociais
da ONG PETA, onde é filmada a rotina de um criadouro de frangos responsável pelo
fornecimento de carne à cadeia de restaurantes KFC14, uma rede de fast-food especializada em
frango frito. O vídeo é um curta-metragem, protagonizado pela atriz Pamela Anderson, e
mostra diversas cenas claras e chocantes de crueldade com animais. O esforço possui até um
site próprio, denominado KentuckyFriedCruelty.com. Infelizmente, a rede KFC terá para
sempre um time de contra-evangelistas no seu encalço, e, a qualquer deslize, sofrerá outro
golpe como esse. E é impossível prever a extensão do dano que a próxima ação da PETA
causará.
Isso é mais uma prova da nova dinâmica de poder nesse cenário. E a única
consideração plausível a fazer para evitar este tipo de situação é repensar os processos e
formas de negócios, na tentativa de se criar uma empresa que minimize seus impactos
negativos. Ou seja, neste novo ambiente, as fórmulas de negócios que demonstrarem
preocupações reais com o coletivo e não só com os lucros terão mais chances de crescer.
Aquelas empresas que se mantiverem fieis aos seus propósitos, respeitarem os desejos e
anseios de seus clientes e se preocuparem com o impacto gerado pela sua atividade no planeta
como um todo serão as mais aptas a evitarem problemas de relacionamento nas comunidades
virtuais. Como na visão otimista de Pierre Lévy, a Web 2.0 pode sim ser responsável pelo
nascimento de uma consciência nas empresas, mesmo que essa seja forjada a partir do
fracasso gerado por condutas irresponsáveis do passado.

14 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=Oci1DU0nBZE>, acesso em 22/11/2009 (cenas fortes).


36

3.2 SOBRE A APROPRIAÇÃO DE MEIOS E DISPOSITIVOS DE COMUNICAÇÃO

Acrescida a característica da coletividade da Web 2.0, a capacidade de utilização dos


dispositivos de comunicação aumenta ainda mais as possibilidades de armazenamento, troca,
criação e manipulação de conteúdo por parte dos usuários.
Um dos mais importantes pensamentos acerca da ação efetiva de grupos coletivos na
internet é o conceito geral de smart mobs, ou massas inteligentes, introduzido por Howard
Rheingold (2002). De acordo com o autor, a massa inteligente é um grupo de pessoas que,
graças à novas tecnologias de comunicação, é capaz de comportamento inteligente e ações
coordenadas, diferenciando-se da desorganização esperada em qualquer grande grupo social.
Em sua teoria, Rheingold não se limita a falar só do que hoje é chamado de flash mob, que
consiste em uma ação coletiva e rápida de um grupo, geralmente organizado por meios
digitais, para fazer um “acontecimento”, por vezes atrelado a alguma causa social ou
mercadológica. O autor também cita, por exemplo, a dinâmica de avaliação de usuários do
EBay, a mesma experimentada no site brasileiro Mercado Livre, que permite que o internauta
poste comentários e dê sua nota para o andamento da transação comercial, a qualidade do
produto, a facilidade de negociação etc, fazendo com que outros compradores tenham
informações seguras sobre o vendedor antes de efetuar uma compra.
Colocando este conceito em proporções mais genéricas, o resultado se torna algo
muito próximo do que Pierre Lévy define como inteligência coletiva. Não há riscos em dizer
que a eficiente troca de informações entre usuários gera um grupo social dotado de
capacidade articulatória e crítica muito superior ao se que conhecia anteriormente. A noção
desta realidade é fundamental para que empresas comecem a agir de forma a não subestimar a
inteligência coletiva e o poder do usuário na Web 2.0.
Em uma das primeiras citações deste trabalho, Tim O’Reilly define que a
característica mais interessante desta nova dinâmica da internet é dar uso à inteligência
coletiva. Obviamente, o mesmo pode ser feito por marcas e empresas no que concerne à
pesquisa de mercado, mas esta característica pode também ser aproveitada na própria
comunicação. E já há muitas empresas considerando a participação do usuário nestes
processos.
No que tange a capilarização da mensagem publicitária, o termo “viralização” não é
mais novidade. Virais são mensagens inseridas no ambiente digital que se espalham por meios
próprios, sendo passadas de usuário para usuário por conta da sua relevância, singularidade ou
capacidade de entretenimento. Esta mensagem pode variar no seu conteúdo, sendo, por
37

exemplo, um vídeo amador, um texto, um site divertido ou até comercial, nos moldes
clássicos dos trinta segundos. Estes são exemplos clássicos de fenômenos sociais que podem
ser usados por uma marca para alastrar sua mensagem. Diversas campanhas pensadas como
entretenimento ganham cada vez mais espaço no cotidiano da Web 2.0, sem se tornarem
estigmatizadas por serem esforços de marketing. O usuário busca entretenimento e
singularidade, e o espalha pela rede caso goste do que encontrou, sem nenhum pudor de
enviar anúncios, curtas-metragens produzidos por marcas, aplicativos divertidos com
conteúdo publicitário ou qualquer outra mensagem, desde que ela valha a pena.
Mas o poder do internauta vai mais longe. Hoje, a apropriação de métodos de
produção de conteúdo faz com que o próprio usuário possa se tornar protagonista da
mensagem publicitária.

3.3 SOBRE A EFICIÊNCIA ARGUMENTATIVA

É importante notar que, neste novo ambiente, o usuário não é só veículo da


comunicação, mas emissor da sua própria mensagem. E, retomando o conceito dos
evangelistas e a apropriação de dispositivos de comunicação, este novo gerador de conteúdo
torna-se um potencial emissor de mensagens relacionadas a marcas e empresas. Para o bem ou
para o mal.
Genericamente, há três possibilidades de relacionamento entre a mensagem gerada
pelo usuário e o objetivo de comunicação de uma marca: o complemento, o antagonismo e a
rivalidade. É importante que as empresas estejam atentas a essas três formas de associação, e
saibam aproveitar sua potencialidade, ou no mínimo, aplacar eventuais danos.

3.3.1 AS MENSAGENS COMPLEMENTARES E ANTAGÔNICAS

No ambiente da web, as marcas precisam estar preparadas para aproveitar o potencial


do conteúdo positivo e aplacar os danos do conteúdo negativo postados a seu respeito. Em um
mundo ideal, o conteúdo gerado pelo usuário é complementar aos objetivos da marca em
questão, direta ou indiretamente. E há diversos exemplos de ocasiões em que os internautas
fizeram seus próprios comerciais para as marcas que gostavam, ou foram incitados a
participar da produção de comercias e mensagens publicitárias em geral, com imenso sucesso.
38

Em 2007, houve o caso do refrigerante Aquarius Fresh e a Dança da Mariazinha. Foi


veiculado na televisão o anúncio “Marialândia”15, onde uma cidade de bonecas animadas
sofria com a uma terrível seca, até que o lugar é invadido por uma onda do refrigerante
Aquarius Fresh, e todas as pequenas personagens começam a dançar alegremente, ao som de
uma remixagem da canção Age of Aquarius. Uma dessas personagens, apelidada de
Mariazinha, dançava de um modo engraçado, que começou a ser espontaneamente imitado
pelo público alvo. Notando o potencial de viralização da dança, a agência responsável pela
criação trabalhou de forma a ajudar na formação de um viral. Para isso, foi encenada no
programa Pânico na TV a disputa entre a Dança da Mariazinha a conhecida Dança do Siri16. A
moda pegou e os movimentos da dança se espalharam em diversos vídeos no YouTube,
gerando participação do usuário, reafirmação dos valores de “diversão e prazer” associados à
marca e criando um valioso burburinho na web.
O conteúdo complementar não se limita a vídeos, podendo existir em diversos
formatos, como recomendações positivas em sites de compra, posts em blogs, participações
em comunidades e fóruns de discussão e outras formas ainda mais incomuns. Um exemplo
real pode ser encontrado dentro da UFRJ, na aluna de produção editorial Eloísa Greco,
conhecida como hiutwig. Eloísa possui um talento incomum como ilustradora, e trabalha
customizando tênis e roupas sob encomenda17. Cada uma das peças é única e feita à mão,
sempre mantendo o ar divertido, as cores fortes e os traços “infantis” característicos da sua
obra. E grande parte dos tênis pintados são modelos brancos do conhecido All Star, da marca
Converse.
Mesmo que involuntariamente, o trabalho de hiutwig funciona reafirmando um
conceito de originalidade intrinsecamente ligado aos tênis All Star. E certamente sua
habilidade artística pode ser protagonista de um esforço comunicativo de alguma marca
patrocinadora, fornecendo materiais de pintura. Este tipo de oportunidade de comunicação
está em todo o lugar, e ignorá-lo é um grande erro. As empresas que souberem incluir
usuários e suas contribuições nos esforços de agregação de valor às marcas terão uma
importante vantagem comunicativa na Web 2.0.

15 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=C_mDr0MoZ-s>, acesso em 22/11/2009.


16 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=unKU15rfx7o>, acesso em 22/11/2009.
17 Veja mais do trabalho de hiutwig em <http://www.flickr.com/photos/byhiutwig>, acesso em 22/11/2009.
39

Figura 2: hiutwig e uma de suas criações18.

Observando agora o outro lado, é crucial lembrar que marcas e empresas também
precisam estar atentas sobre o que se diz de ruim a seu respeito na web. Hoje, o usuário é
capaz de gerar uma peça de comunicação com poder suficiente para causar verdadeiros danos
à imagem e, consequentemente, aos negócios de uma empresa. Foi o que ocorreu nos casos da
marca de cadeados Kryptonite e a “chave-Bic”, e do comercial parodiado da montadora Dafra
Motos, onde ambas tiveram problemas por não conseguirem lidar com a liberdade
comunicativa do consumidor na Web 2.0. Estes acontecimentos podem ser minimizados ou
até revertidos, como foi visto na ação da EA Sports para responder ao vídeo Jesus Shot. No
entanto, é fundamental ter em mente toda a dinâmica da democracia deliberativa do consumo
para que isso possa ocorrer.
O que diferenciou os casos de fracasso e sucesso foi a forma como o processo de
argumentação foi abordado. A Kryptonite menosprezou a força do argumento contrário,
acreditando que sua fama de produzir cadeados seguros era intocável. A Dafra tentou usar
forças de coerção para silenciar a outra parte, obrigando que o site YouTube retirasse os
vídeos que criticavam sua marca, o que foi facilmente contornado pelo volume de postagens
do usuário, superior à capacidade de filtragem do site. E a EA Sports, a única a sair
fortalecida do seu evento, soube vencer dentro das regras da deliberação: simplesmente
apresentou o melhor argumento, encantando todos os usuários no processo, inclusive
Levinator25, seu crítico inicial.

18 Foto disponível em <http://www.flickr.com/photos/byhiutwig/3275073158>, acesso em 22/11/2009.


40

Certamente as condições eram favoráveis para o bom resultado da EA Sports. Há de se


convir que um inocente bug em um jogo já é esperado pelo consumidor final, enquanto a
fragilidade exposta de um sistema de segurança como o cadeado Kryptonite é um fator muito
mais grave e delicado a ser tratado. No entanto, quando se torna impossível virar uma situação
a favor da marca, é necessário que se aja para minimizar danos. Se apagar o incêndio não é
mais uma opção, é melhor começar a proteger os pertences ainda intactos. O grande problema
é a velocidade das mensagens neste ambiente: qualquer empresa que possui assuntos
delicados e que trarão problemas se vierem a público está sentada em um barril de pólvora
virtual.
Com esta mesma velocidade, os problemas e oportunidades devem ser adereçados
pelas marcas na web. Graças às constantes mudanças e entrada de novos conteúdos no
ambiente deliberativo da Web 2.0, qualquer discussão tende a se tornar velha com mais
rapidez. Isso implica na necessidade de ações imediatas para que um conteúdo positivo seja
aproveitado pela marca, ou para que um conteúdo negativo não se cristalize e transforme-se
em “notícia velha”. É um esforço infrutífero iniciar uma conversa com a expressão “eu devia
ter dito” se a discussão já foi perdida horas atrás.
Para amenizar riscos, o autor Fabio Cipriani (2008), citado no início deste trabalho,
fala da prática da criação de um blog secreto, para uso específico em momentos de crise: o
lockbox blog. Este termo, cunhado por Steve Rubel, conhecido profissional de relações
públicas, se refere à criação de um blog definindo as posições da empresa em questão sobre
um assunto delicado, que possa gerar reflexos ruins nos negócios. Este blog deve ser deixado
em espera, como precaução para o momento em que algo venha a dar errado, da mesma forma
que um extintor de incêndios. Talvez algumas marcas não tenham a necessidade de um
lockbox blog, mas a preocupação com o que surge a respeito de si na web é um cuidado
básico e essencial.

3.3.2 AS MENSAGENS RIVAIS

Outra grande dificuldade na obtenção de visibilidade para a mensagem de marca na


Web 2.0 é a enorme quantidade de conteúdo disponível para o consumidor. Em um ambiente
argumentativo com tantas possibilidades de assuntos, o que faz o argumento da marca em
questão ser o eleito para figurar nas telas do público alvo ligado à rede? Indo de encontro a
uma série de crenças e iniciativas publicitárias de décadas, a resposta deve ser entendida no
sentido mais geral possível: não há fórmula exata.
41

Esta afirmação pode soar como uma tentativa de fuga da responsabilidade de


desenvolver um formato de mensagem que possa ser replicado e tenha sucesso, facilitando o
trabalho publicitário no ambiente da web. Mas o que foi dito é mais profundo do que parece.
A ineficácia de fórmulas pré-estabelecidas na Web 2.0 não significa que seja impossível
encontrar um molde “seguro”, mas que todo e qualquer molde será eventualmente deixado de
lado, graças ao caráter mutante e volátil deste meio. Se hoje um aplicativo ou software é bem
visto, em pouco tempo ele pode ser superado tecnologicamente, ou mesmo engolido pela
chegada de outro conteúdo mais interessante e atual. E quando isso ocorre com moldes novos,
não é preciso dizer que antigas e gastas fórmulas publicitárias, sem criatividade ou algo que as
torne singulares, não possuem absolutamente nenhuma chance de sucesso real nesse
ambiente. Moldes remetem intrinsecamente às sociedades disciplinares de Foucault. Como já
foi dito, este tipo de ferramenta não possui mais valor quando o ambiente exige e valoriza o
que é novo, relevante ou singular.
Então o que fazer? Talvez a resposta mais correta seja levar em consideração as
características deliberativas da web e experimentar. O publicitário Moacyr Netto, conhecido
como Moa, diretor de criação da agência DM9DDB, revelou o mesmo sentimento sobre as
mídias sociais em entrevista à revista Pasta Online.

Se eu falar que sei exatamente como fazer [publicidade em mídias sociais]


estarei mentindo. Assim como eu acho que qualquer um que afirmar que
sabe também estará. Todo esse universo é recente demais para já
acreditarmos que existam especialistas. Para mim, a graça do jogo está na
ausência de fórmulas. Está no processo de experimentação. (PASTA
ONLINE, 2009)

Como base, algumas características genéricas podem ser assumidas. Assuntos


relevantes para determinado grupo social possuem mais chance de propagação naquele grupo.
Estruturas e mensagens inovadoras na forma ou conteúdo são mais passíveis de aceitação e
reenvio pelos usuários. Mas não há como ter certeza de que uma ação de marketing, mesmo
que bem pensada e estruturada, não vá ser engolida por uma onda mais forte, vinda de algum
lugar no ambiente digital. A atriz Farrah Fawcett foi uma das mulheres mais desejadas do
mundo, teve uma brilhante carreira no cinema, passou por uma situação de saúde muito
severa e teve sua despedida deste mundo ofuscada pelo fato de que, no dia da sua morte,
faleceu ninguém menos do que Michael Jackson. Algumas vezes, as mensagens rivais são
inevitavelmente mais fortes, e não há nada que se possa fazer.
42

Mas e se as mensagens rivais não forem vistas como concorrentes? Existe a


possibilidade de marcas e empresas utilizarem a grande notoriedade de algum conteúdo da
web para seu próprio proveito, desde que com pertinência.
A banda Weezer produziu em 2008 um clipe 19 para a música Pork and Beans
compilando virais muito conhecidos do YouTube, produzidos por usuários comuns que
ganharam fama na internet. O clipe contou com a participação dos protagonistas reais de cada
vídeo, fazendo links instantâneos entre a música de uma banda já bastante conhecida e o
público impactado por cada um desses diferentes virais. O resultado disso é que atualmente
Pork and Beans é o primeiro vídeo a aparecer na busca por “Weezer” no YouTube, com mais
de 20 milhões de exibições em apenas uma das dezenas de postagens do mesmo clipe no site.
Este poder de viralização emprestado pela banda Weezer pode funcionar na
divulgação de produtos e na criação de argumentos de comunicação que valorizem marcas. É
mais um exemplo de potencialidade da associação entre conteúdo gerado pelo usuário e pela
marca.

3.4 SOBRE A LIBERDADE INCONDICIONAL

A última, mas não menos importante característica da democracia deliberativa do


consumo é na verdade a prerrogativa fundamental que justifica a tomada de poder do usuário
na Web 2.0. Neste ambiente, a liberdade é a característica principal da prática social. Nada
está fora do alcance e nenhum argumento pode ser legitimamente silenciado, assim como na
teoria habermasiana.
A total liberdade argumentativa do usuário acarreta em questões já pautadas neste
trabalho, que serão agora examinadas mais a fundo: a vulnerabilidade e a perda de controle
das marcas. Ambos os fatores são, possivelmente, os pontos mais tensos da entrada efetiva de
uma empresa ou marca na Web 2.0. No entanto, estes mesmos fatores são o motivo principal
para que os profissionais de marketing comecem a se preocupar com a web: sem se colocar, a
marca não possui participação na discussão sobre si, perdendo qualquer possibilidade de ação
argumentativa e ficando, portanto, completamente vulnerável às opiniões e ações de terceiros.
Um conselho um pouco mais conservador, mas fundamentalmente com o mesmo conteúdo,
pode ser visto na resposta de Moacyr Netto, o Moa, quando questionado se toda e qualquer
empresa deveria estar presente nas mídias sociais.

19 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=muP9eH2p2PI>, acesso em 25/11/2009.


43

Seguindo o meu discurso de transparência e humanização, vou dar uma


resposta que cada vez mais me agrada ouvir no cenário atual: não sei. Não
sei mesmo. E aconselharia a todos os anunciantes que também não sabem a
experimentar. A aprender. A errar. E a acertar. Pois a outra opção possível,
que é a de ignorar o fenômeno das redes sociais, nada mais é do que a
negação de uma realidade consolidada, o que é uma loucura. (PASTA
ONLINE, 2009)

3.4.1 PRÓS E CONTRAS DA VULNERABILIDADE

Anunciantes costumam ser bem cartesianos no que concerne o conteúdo da sua


publicidade. Um bom anúncio deve exaltar qualidades do produto ou serviço, para despertar o
desejo de consumo do público alvo. Tendo este histórico em vista, é fácil compreender a
extrema dificuldade que as marcas possuem para lidar com sua vulnerabilidade e suas
fraquezas. Mas na democracia deliberativa do consumo, estes pontos fracos aparecerão mais
cedo ou mais tarde, e cabe à marca ter a coragem e o preparo para lidar com estas questões da
melhor maneira possível. Mais uma vez, Moacyr Netto demonstra concordar com esta
suposição na entrevista à revista Pasta Online.

Voltando à publicidade, boa parte das barreiras para uma marca ‘trabalhar’
as redes sociais decorrem do temor que o anunciante tem da exposição de
suas fraquezas. A propaganda os acostumou à exposição única e sistemática
de suas virtudes. Por outro lado, nas redes sociais não há como se controlar o
que é dito. As fraquezas aparecem naturalmente. (PASTA ONLINE, 2009)

Mas o que se pode ganhar a partir da revelação de fraquezas? Aparentemente, não há


nada de positivo nesta situação. No entanto, a vulnerabilidade gera um elemento fundamental
em qualquer relação: a intimidade. Reconhecer erros, admitir imperfeições e se esforçar para
melhorar suas falhas é uma forma de humanizar a imagem da empresa. Mostrar que, por trás
de um produto, há pessoas trabalhando duro para corresponder aos desejos do consumidor. E
este tipo de proximidade é importante para criar uma relação verdadeira com o cliente.

Intimidade implica em transparência. Transparência implica em admitir


imperfeições. E, em última análise, admitir imperfeições pode ser a melhor
maneira de disseminar virtudes. Cabe a nós entender essas nuances para
humanizar o território da marca a ponto de criar uma cumplicidade saudável
com os consumidores. E, a partir desse pilar inicial, construir uma série de
interações que reforcem e amadureçam essa relação. (PASTA ONLINE,
2009)
44

Na verdade, também não há surpresa na afirmação de que demonstrar vulnerabilidade


cria relações mais próximas com o cliente. Basta lembrar do posicionamento da loja de
aluguel de carros Avis, que assumiu com orgulho seu posto de segundo lugar no mercado
americano. Em seus anúncios, a Avis dizia que seus carros eram mais bem cuidados porque,
sendo segundo lugar, a empresa não podia se dar ao luxo de ter clientes insatisfeitos. A Avis
convidava os consumidores a aproveitarem as filas menores das suas lojas. E isso tudo na
década de 60. É interessante notar como em pleno ano de 2009, na entrada da década 10 do
novo milênio, uma série de empresas ainda demonstra pavor em reconhecer o óbvio: ninguém
é perfeito.

3.4.2 PRÓS E CONTRAS DA PERDA DE CONTROLE

Outra enorme dificuldade para empresas é a incerteza sobre o que acontecerá com sua
marca e seus esforços comunicativos na Web 2.0. A impressão é de que se está levando um
belo carro novo a um bairro perigoso, expondo-o a depredações, assaltos e sabe-se lá que
outras formas de violência. Aparentemente as marcas não sabem o que esperar do usuário da
web. E é seguro não presumir que os usuários esperem por permissões das marcas para fazer o
que quiserem fazer. Hiutwig não pediu autorização para a Converse antes de customizar seus
All Stars. Levinator25 não pensou se o seu vídeo sobre o Jesus Shot poderia ferir os
sentimentos da EA Sports antes de posta-lo. O Gaúcho contínua alheio ao fato de que seus
cachorros quentes possuem uma comunidade de mais de trezentos consumidores, funcionando
sem que ele saiba ou interfira no processo. Como se pode notar, a perda de controle é natural
e irremediável. Mas pode ser proveitosa.
O controle do qual as empresas sentem falta na Web 2.0 significava a previsibilidade
dos resultados de determinada ação. Um anúncio no horário X da emissora de televisão Z
impactaria N pessoas. Os resultados poderiam variar positiva ou negativamente, mas uma
série de pré-testes minimizavam a possibilidade de grandes surpresas. No entanto, na Web
2.0, ações que fracassam podem não ser somente ignoradas, mas funcionar como plataforma
de propaganda negativa para a empresa. Os usuários podem agir de forma a atacar
diretamente a marca e a sua comunicação. E o inverso também pode acontecer: iniciativas
bem sucedidas demais podem, por exemplo, derrubar o servidor que mantém o site de uma
empresa, por conta do número assustador de acessos. A imprevisibilidade é algo difícil de
aceitar para os profissionais de marketing.
45

Mas é esta mesma falta de controle que gera o enorme potencial criativo do usuário,
que pode produzir insights incríveis sobre produtos, comunicação e processos de marketing
da empresa. Como a democracia deliberativa do consumo sempre será imprevisível, é
importante que as empresas aprendam com cada etapa do processo de argumentação. Um
caminho desconhecido pode ser visto com medo e apreensão, ou como um convite a novas
possibilidades.
Algumas empresas já tomaram iniciativas para deixar que o usuário tome o controle.
Um exemplo é o concurso promovido pela softhouse Insomniac Games no lançamento do
jogo Ratchet & Clank Future: a Clank in Time. A franquia é reconhecida principalmente pelo
enorme arsenal de armas e traquitanas divertidas do personagem principal. E a empresa
confiou na capacidade colaborativa da base de fãs do jogo, lançando o concurso My Blaster
Runs Hot, que pedia que os usuários criassem uma nova e criativa arma para o jogo. De
acordo com Brian Allgeier, diretor criativo da Insomniac Games, os resultados variavam de
canhões que atiravam gatos a armas que transformavam todos os inimigos em sanduíches de
queijo quente20. A vencedora, chamada Spiral of Death, foi uma lâmina giratória retornável,
que atingia os adversários e podia ser controlada em seu curso de volta, como um bumerangue
teleguiado. Além de gerar boca a boca na rede, o concurso deu liberdade criativa para uma
série de usuários e, principalmente, possibilitou o acúmulo de conhecimento sobre que tipo de
interação o público gostaria de experimentar em um novo jogo da série. Certamente, as idéias
perdedoras não irão para o lixo.

Figura 3: a Spiral of Death no protótipo e sua versão final no jogo21.

20 Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=b9sebBHxW2Y, acesso em 26/11/2009.


21 Montagem feita pelo autor com imagens disponíveis na internet.
46

3.5 COMENTÁRIO GERAL SOBRE A DEMOCRACIA DELIBERATIVA DO CONSUMO

Como visto durante todo o curso do trabalho, as características apresentadas são


indissociáveis da experiência na Web 2.0, o que torna inviável um combate a este novo
ambiente. A não ser que as marcas comecem a adequar sua postura e sua comunicação para a
nova realidade apresentada, estarão fadadas a sofrer as consequências da democracia
deliberativa do consumo sem aproveitar todas as suas potencialidades. Por isso, é fundamental
agir.
47

4 AÇÕES EXEMPLARES NA DEMOCRACIA DELIBERATIVA DO CONSUMO

O quarto capítulo deste estudo pretende observar com mais profundidade três cases
fundamentais para testar limites, repassar questões sobre conteúdo colaborativo e definir o
que é uma postura condizente com o “fenômeno social” Web 2.0 e a teoria da democracia
deliberativa do consumo.

4.1 O SUCESSO DO CASE NIKE+

Figura 4: Dispositivos do que compõem o sistema Nike+22

Em 2006, a Nike deu um exemplo de como se cria uma comunidade virtual. Em


parceria com a gigante Apple, a empresa criou um novo dispositivo, que pode ser encaixado
na sola de uma linha de tênis específica, somente para corredores. O aparelho se conecta ao
Ipod do corredor por uma tecnologia similar a bluetooth, transmitindo uma série de
informações sobre velocidade, distância percorrida, contagem de passos, queima de calorias e
outras. O Ipod recebeu um software especial para corridas, que lia e armazenava estas
informações, guiando o corredor e informando sobre cada etapa superada do trajeto
estabelecido. Além disso, o Ipod ainda ganhou a função power song, que tocava a música
especialmente escolhida pelo corredor para os momentos que ele precisasse de um estímulo a
mais, com o simples aperto de um botão. Este inovador produto, nascido de uma inusitada
parceria, foi batizado de Nike+, e mudou a forma como milhões de pessoas correm ao redor
do mundo.

22 Figura disponível em <http://media.rei.com/media/960783.jpg>, acesso em 27/11/2009.


48

Dispositivos que registram informações de corrida existem há anos para os


aficcionados no esporte. O que o Nike+ trouxe de diferente foi a criação de uma comunidade
de corredores em todo o planeta. Com este sistema, os usuários podem sincronizar seus Ipods
com perfis na comunidade Nike+, tendo acesso a tabelas e gráficos que mostram seu
desenvolvimento, desafios para todos os tipos de corredores, informações sobre locais de
corrida e troca de conteúdo com outros esportistas espalhados pelo globo. O usuário pode
propor um desafio direto a outro corredor de um continente diferente, ou descobrir quais
outros perfis correm em regiões próximas e no mesmo ritmo, para marcar encontros físicos. A
plataforma conta ainda com ranking dos maiores corredores, criação de times para treino em
conjunto e fóruns de discussão sobre todos os assuntos relacionados a corridas.

Figura 5: Gráficos comparativos de um usuário do Nike+23

O Nike+ não criou conteúdo relevante para atrair o usuário da Web 2.0. A empresa
desenvolveu um sistema, uma caixa de ferramentas, para que os usuários trocassem
informações e gerassem o conteúdo, tomando para si o papel central mais sólido nesta
comunicação: o de mediadora da conversa. Esta ação se tornou muito maior do que um viral
ou uma campanha em mídias sociais, inaugurando uma nova plataforma de comunicação da
empresa, com usuários disponibilizando informações diariamente e mantendo a rede repleta
de conteúdo e de vida. Com o Nike +, a empresa criou um relacionamento permanente entre
marca e consumidor, abriu um novo e importante canal de comunicação e fundou uma
comunidade virtual sólida e em contínua expansão. Isso sem contar com o valor inestimável
de toda a informação sobre hábitos de consumo e estilo de vida dos usuários, que estão
constantemente atualizando seus perfis.

23 Figura disponível em <http://technicalmafia.com/wp-content/uploads/2008/01/ex2.jpg>, acesso em 27/11/2009.


49

O caminho de criar uma comunidade virtual completamente nova exige um


investimento considerável e alguma coragem para lidar com os riscos da Web2.0 que, como já
foi dito, é de fato um ambiente de alta volatilidade. Ainda mais quando se considera a
modificação de uma linha de produção do tamanho da utilizada pela Nike, para adequar uma
série de tênis ao novo sistema. O sucesso do Nike + e de todo o investimento por trás da
iniciativa dependia do êxito da comunidade criada para sustentar o sistema. E, sem dúvida
nenhuma, valeu a pena.
Em 2007 o Nike+ ganhou um Titanium Lion, o prêmio mais valioso do Festival de
Cannes, considerado o maior festival publicitário do planeta. Hoje a comunidade ao redor do
Nike + continua ativa, com uma média de 75 mil corridas adicionadas por dia e quase 300
milhões de quilômetros corridos ao todo. Em 2009, a Nike lançou ainda uma pulseira que
elimina a necessidade do Ipod no processo, dando escolha para o usuário usar ou não o
tocador da Apple.
Obviamente, também já existem vídeos demonstrando formas de correr com o sistema
Nike + usando outra marca de tênis24. Isso não diminui em nada o sucesso da iniciativa da
Nike. Mas é interessante observar como o usuário da Web 2.0 sempre encontra uma brecha
para reafirmar sua liberdade.

4.2 O FRACASSO DO CASE SAI PRA LÁ

Na Web 2.0, as marcas precisam levar em consideração um elemento que ate então
não ocupava a mente de profissionais do marketing e da comunicação: a visibilidade do
fracasso. Quando um anúncio de TV não funciona, dificilmente gera um levante do público
alvo, tamanha a indignação com o erro da marca responsável. O anúncio simplesmente é
ignorado, passa despercebido pelo target. No entanto o usuário da Web 2.0 não se contenta
com essa passividade.
Com a boa intenção de experimentar ações integradas com mídias sociais e
ferramentas da Web 2.0, a Lacta, linha de chocolates da empresa Kraft Foods, resolveu testar
o novo ambiente para divulgar o chocolate Bis, uma das marcas mais conhecidas do segmento
no Brasil.
A ação era na verdade uma promoção. Foi criado um blog fictício de uma designer,
chamada Cláudia Cristina, que teria desenvolvido espontaneamente uma série de roupas para
se esconder enquanto estivesse comendo Bis. O blog, denominado Sai Pra Lá, convidava
24 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=V5f6YoEN01E>, acesso em 27/11/2008.
50

outros usuários para enviar sugestões e dicas para “esconder o Bis”. Para dar visibilidade ao
blog da promoção, a agência responsável conseguiu a cobertura da história de Cláudia
Cristina em uma matéria do programa Pânico na TV25, em formato jornalístico, sem que
ficasse claro que tudo se tratava de merchandising editorial. Em um segundo momento, a
própria Cláudia Cristina foi ao programa26 falar das suas criações e receber a notícia de que “o
pessoal da Bis” se dispôs a dar um ano de chocolate gratuito para quem apresentasse a melhor
idéia para se esconder e comer o chocolate, inspirado-se nas criações da designer.

Figura 6: Blog Sai pra Lá27

Por motivos óbvios, o público-alvo entendeu imediatamente que se tratava de uma


ação para o chocolate Bis. E, como pode ser notado nos comentários dos vídeos da ação no
YouTube, o usuário se sentiu ultrajado com a tentativa de “enganação”. Infelizmente para a
marca, na democracia deliberativa do consumo, as pessoas agem para punir os enganadores.
A reportagem, o blog e a própria Cláudia Cristina foram taxados como fakes, que é o
termo usado por internautas para designar algo que tenta parecer verdadeiro, mas não é.
Diversos blogs, inclusive alguns importantes blogs do meio publicitário, fizeram posts
reprovando a ação, e uma quantidade impressionante de comentários davam a constrangedora

25 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=SQRMn1dSowQ>, acesso em 28/11/2009.


26 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=sq2DFw6gvkw>, acesso em 28/11/2009.
27 Figura disponível em <http://comunicadores.info/wp-content/uploads/2008/09/saiprala_blog_bis.jpg>, acesso
em 28/11/2009.
51

impressão de que pouquíssimas pessoas gostaram da idéia. Em pouco tempo, o blog saiu do ar
e a designer Cláudia Cristina desapareceu sem deixar vestígios, fora um pouco visitado e mal
sucedido canal no YouTube28. Para exemplificar a rejeição, estes são apenas os três primeiros
comentários no post do blog Brainstorm#9 que abordou a ação29:

- Eu tinha visto o site, mas ao ler o post descobri que é da Ogilvy, haha,
lamentável hein… sem contar que o layout do blog é ridículo.

- Não devem ter colocado comentários com medo da rejeição. Oras se tem
medo da rejeição, é porque fizeram algo que já sabem que não é bom. Se
fizeram algo que já sabem que não é bom, por que fizeram???

- Estou indo(re)fazer um orkut só para entrar na comunidade: “eu sinto


vergonha pelos outros”.

O que deu errado? Pelo que se pode notar, o case Sai Pra Lá sofreu de um grave
problema: a tentativa de aplicação de modelos antigos a ações na Web 2.0. Desde o início, a
ação não parecia preparada para enfrentar a democracia deliberativa do consumo. Um sintoma
claro disso é a ausência da possibilidade de postar comentários no blog Sai Pra Lá. Como o
blog pretendia incitar a participação do público se nem mesmo era possível comentar suas
postagens? O aparente medo da perda de controle foi tão grande que provocou problemas até
no funcionamento da promoção. Alguns usuários que, apesar da comunicação, se interessaram
em ganhar um ano de Bis, comentaram no YouTube e em outros sites que não sabiam como
enviar o conteúdo, que não havia nem mesmo um email de contato no blog.
O merchandising editorial falseado e a tentativa de simular uma realidade inexistente
também foram motivos de diversas críticas dos internautas. O incômodo gerado por estes
fatores tem relações muito estreitas com o estranhamento causado nos casos de
merchandising em novelas, onde o personagem se afasta da sua realidade para falar de um
produto ou serviço. Este antigo modelo de merchandising e product placement, tão
desgastado pelos programas televisivos, se torna ainda mais frágil na Web 2.0.
Neste momento, é importante tomar um pequeno desvio para falar sobre o
“verdadeiro”. Afinal, é curioso pensar em realidade quando o assunto tratado passa por
novelas na televisão. Se os personagens obviamente não são pessoas reais, porque o
merchandising mal executado incomoda o público?

28 Disponível em <http://www.youtube.com/user/ClauKristina>, acesso em 28/11/2009.


29 Post completo disponível em <http://www.brainstorm9.com.br/2008/09/15/lacta-forca-a-barra-em-acao-
viral-para-chocolate-bis>, acesso em 28/11//09.
52

A ausência de verdade não é exatamente o problema. A questão está mais relacionada


ao conceito de verossimilhança. As ações de merchandising editorial sem cuidado se tornam
anti-naturais, quebrando a atmosfera de realidade simulada pelo programa. Isso também
aconteceu no case Sai Pra Lá, tanto dentro do programa Pânico quanto na simulação de uma
designer falsa.
É importante observar que o usuário da Web 2.0 não repudia a exacerbação e as
hipérboles naturais do esforço publicitário. Para confirmar isso, basta relembrar o famoso
viral onde o jogador Ronaldinho Gaúcho acertava o travessão de uma trave de futebol quatro
vezes consecutivas, de fora da área, sem deixar a bola tocar o chão30. Este vídeo foi
exaustivamente repassado pelos internautas, mesmo sendo claramente um anúncio da marca
Nike e tendo uma corrente dúvida sobre sua veracidade. Ainda assim, o vídeo era espalhado,
entretendo o consumidor e reafirmando a mensagem de performance extraordinária dos
produtos.
Qual era o argumento relevante do case Sai Pra Lá? O que despertava curiosidade,
interesse e desejo de participação da comunidade? Esta é a diferença entre os dois exemplos.
Fora a possibilidade de ganhar 365 caixas de Bis, não havia nada de singular na história
proposta.
Talvez se possa argumentar que as roupas criadas pela falsa designer eram o suficiente
para gerar curiosidade do público. Isso seria uma possibilidade, se elas não fossem adaptações
do trabalho de Aya Tsukioka31, uma designer japonesa que criou, de fato, um projeto
composto por vestimentas que funcionavam como “camuflagem urbana”. A informação de
que nem mesmo as roupas eram originais só ajudou a quebrar a frágil máscara montada para
conferir credibilidade à história de Cláudia Cristina.

Figura 7: Aya Tsukioka, a designer original das roupas de camuflagem urbana.

30 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=GsPtxwYwvO4>, acesso em 28/11/2009.


31 Disponível em <http://www.toxel.com/inspiration/2008/09/28/camouflage-designs-by-aya-tsukioka>, acesso
em 28/11/2009.
53

A ação falhou em todos os sentidos. Durante o curso desta pesquisa, nem mesmo foi
possível encontrar informações que confirmassem se alguém ganhou a promoção, o que
sugere a noção de que o case Sai Pra Lá foi interrompido abruptamente. O fracasso foi
evidente. Carlos Merigo, autor do blog Brainstorm#9 e respeitado blogueiro do mercado
publicitário deu um título muito pertinente ao post que escreveu falando do case: “Lacta força
a barra em “ação viral” para chocolate BIS”32.
Será que a experiência manchou irreversivelmente a marca Bis? Provavelmente não. A
volatilidade da Web 2.0 também tem suas benesses: todo o caso foi deixado pra trás, e
aparentemente a empresa não sofreu conseqüências graves pela tentativa mal sucedida. Mas o
tempo, o esforço e o dinheiro gastos na ação foram completamente perdidos. O que se conclui
deste exemplo é que é fundamental experimentar o potencial da Web 2.0 na comunicação,
mas para que haja alguma chance de sucesso, é necessário entender a nova dinâmica das
relações mediadas por este meio, e não se agarrar a conceitos e posturas antigos.

4.3 A POSTURA IDEAL DE DOIS RIVAIS ETERNOS

O terceiro e último case a ser abordado neste trabalho foge um pouco à seleção
proposta para o capítulo, por não se tratar especificamente de um esforço publicitário de
determinada empresa no ambiente da Web 2.0. No entanto, este exemplo é essencial para
demonstrar o que de fato é uma empresa inserida na dinâmica da democracia deliberativa de
consumo, e merece destaque tão grande quanto possível.
No dia 30/06/2009, a agência Amnesia Razorfish, braço australiano da Razorfish, uma
das maiores agências digitais do mundo, resolveu testar o poder das mídias sócias. Para isso, a
empresa lançou uma proposta no serviço de microblogging Twitter: aproximar as empresas
Coca-Cola e Pepsi, provavelmente a maior rivalidade do mundo das marcas.
A iniciativa começou no Twitter de Iain McDonald33, sócio fundador da Amnesia
Razorfish, com a seguinte mensagem34: “RT35 para terminar com uma antiga guerra: Queridos
@pepsi e @cocacola, por que não seguirem-se no Twitter e virarem amigos :)”. Rapidamente,
a mensagem começou a ser replicada por diversos usuários e se multiplicou pelo Twitter,

32 Disponível em <http://www.brainstorm9.com.br/2008/09/15/lacta-forca-a-barra-em-acao-viral-para-chocola
te-bis>, acesso em 28/11/2009.
33 No Twitter, Iain McDonald usa o nome @eunmac
34 Disponível em <http://twitter.com/eunmac/status/2411784055>, acesso em 29/11/2009.
35 RT é uma sigla que significa “retweet”. No Twitter, isto é reenviar a mensagem de outro usuário para seus
seguidores.
54

ganhando força e presença. Os usuários esperavam ansiosamente pela resposta das empresas,
que, de acordo com o senso comum, nunca teriam uma relação amistosa.
Mas as regras mudaram na Web 2.0. A resposta veio em menos de três horas, com a
seguinte mensagem do Twitter oficial da Coca-Cola36: “Iain, eu acho que essa é uma bela
idéia. Um gracioso (mas competitivo) olá da Coca-Cola, @pepsi.^AB”. E com esta
mensagem, a Coca-Cola abriu um caminho comunicativo improvável com sua rival, passando
a ser seguidora da empresa Pepsi na rede.
Durante o tempo decorrido até que a rival respondesse a iniciativa, a Coca-Cola se
colocou voluntariamente em uma posição submissa à Pepsi, como sua seguidora. Certamente,
esta atitude seria impensável para profissionais de marketing desconectados da dinâmica da
Web 2.0. A empresa líder do segmento ser posta abaixo da sua principal concorrente por
vontade própria vai contra todas as crenças de qualquer mente conservadora.
E, por isso, é tão importante entender a profundidade das mudanças geradas pelo
surgimento da Web 2.0. A atitude de aproximação da Coca-Cola não fez com que a empresa
se submetesse à Pepsi. Pelo contrário: a Coca-Cola ganhou carisma perante seus
consumidores, demonstrando virtudes e atendendo ao desejo do público. Em última instância,
ao dar o primeiro passo para se aproximar da Pepsi, a Coca-Cola ganhou poder. E a rival
simplesmente não tinha outra escolha a não ser fazer o mesmo.
Às duas da tarde do dia 01/07/09, menos de vinte e quatro horas depois da mensagem
inicial, a Pepsi enviou sua resposta37: “Olaaaa @CocaCola e @eunmac! Podem rivais e
tweeps38 coexistirem? Estamos dispostos a descobrir. :)”. E, a partir de então, Coca-Cola e
Pepsi passaram a ser seguidores no Twitter.
Com esta atitude, as duas empresas saíram ganhando em carisma e reafirmando seus
valores ligados a felicidade e bons sentimentos. Na dupla iniciativa, as rivais acabaram por
fortalecer sua imagem de marca e, em um caso sem precedentes, ajudar a fortalecer a da
concorrente. E caso alguma tivesse se recusado a fazê-lo, certamente sairia como retrógrada e
não ganharia absolutamente nada com isso.
Consumidores comemoraram a aproximação das marcas no serviço de microblogging,
e a iniciativa da Amnésia Razorfish ganhou espaço em centenas de blogs, maravilhados com a
vitória da idéia. Graças a um tweet, que poderia ter vindo de qualquer lugar do mundo, as
duas maiores marcas de refrigerante do planeta estavam conectadas.

36 Disponível em <http://twitter.com/CocaCola/statuses/2413906945>, acesso em 29/11/2009.


37 Disponível em <http://twitter.com/pepsi/statuses/2423584043>, acesso em 29/11/2009.
38 Tweep é uma gíria que significa amigo ou seguidor mútuo no Twitter.
55

Como dito no início do tópico, este último exemplo não se trata de uma ação
publicitária, mas da afirmação de uma postura mais tolerante, flexível e preparada para um
mundo onde o poder não está concentrado na mão das marcas, e sim dos consumidores. Coca-
Cola e Pepsi agiram da melhor maneira possível, e ambas saíram ganhando sem gastar nada.
56

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de uma série de exemplos, estudos teóricos e aplicações práticas das hipóteses
levantadas, se faz necessária a recapitulação dos principais pontos discutidos neste estudo. O
objetivo do trabalho foi analisar a partir de diversos pontos de vista as novas relações de
poder entre consumidor e marca, advindas do surgimento do “fenômeno social” Web 2.0. A
relevância desta questão está na aparente ausência ou baixa freqüência de iniciativas voltadas
para esse ambiente no mercado brasileiro. E os cases vistos muitas vezes pecam por se aterem
a antigos formatos e crenças, que pouco se aplicam a esta nova forma de comunicação.
O conceito da democracia deliberativa do consumo foi criado para quebrar antigos
paradigmas acerca da relação marca/consumidor. Antigas posições de poder já não se aplicam
a essa esfera de comunicação, e se torna fundamental aceitar a nova realidade e encontrar
formas de comunicação efetiva que aproveitem as potencialidades deste ambiente. As novas
possibilidades de comunicação no meio digital exigem uma nova postura de empresas e
agências de publicidade, para que seus esforços publicitários continuem sendo eficazes. Não
se pretende dizer que a Web 2.0 substituirá outras formas de comunicação, meios e veículos
publicitários. No entanto, sua entrada e posterior capilarização no mercado consumidor trará
mudanças significativas para as relações de consumo em todas as suas instâncias.
A realidade da inclusão digital no Brasil ainda é insipiente para que esta mudança seja
sentida em todos os mercados, mas o crescente barateamento dos meios de conexão e avanço
tecnológico de celulares e outros pontos de acesso à internet possivelmente fortalecerão a
tendência apresentada, mais cedo ou mais tarde. A nova realidade das relações de consumo
pós Web 2.0 influenciará todos os aspectos da propaganda, do marketing, do design e do
consumo em geral. Desde já, profissionais de marketing e propaganda devem começar a criar
alternativas comunicativas pensadas a partir desta nova dinâmica, dentro ou fora da rede.
A pluralidade e profundidade de pontos de contato da Web 2.0 com o usuário fazem
com que a mudança alcance a sociedade de diversas formas: isto inclui até mesmo esta
monografia. Certamente, as teorias e as proposições apresentadas são de um caráter muito
mais opinativo do que se encontra na maioria dos estudos de conclusão de curso. Não se pode
esperar outra coisa de um produto gerado por um autor intimamente ligado às novas
prerrogativas sociais da internet. O usuário da Web 2.0 não abdica do direito de dar sua
opinião, dentro ou fora do ciberespaço. As novas regras atingem as relações de consumo,
amorosas, sociais, trabalhistas e todas as facetas da vida deste novo indivíduo conectado. A
monografia não é imune a esse processo.
57

É interessante observar também a quantidade de fluxos comunicacionais abertos pelas


ferramentas da Web 2.0. Antes, a via comunicativa relacionada à publicidade se limitava a
mensagens da marca ao consumidor, e sempre em mão única. Hoje se vê não só esse, mas
também o retorno do consumidor à marca, comunicação entre consumidores e pontos de
contato entre marcas, como visto nos exemplos de aproximação entre Pepsi e Coca-Cola pelo
Twitter e da junção de Nike e Ipod no sistema Nike+. Todos os participantes do processo
comunicativo estão mais próximos, falando e ouvindo, exatamente como em uma deliberação.
Por fim, é fundamental dizer que este trabalho não pretende esgotar o assunto
abordado. A teoria da democracia deliberativa do consumo não é um molde a ser seguido,
mas simplesmente o aceno de uma nova realidade na comunicação, que merece ser estudada,
documentada, testada e aproveitada pelas ferramentas de marketing e comunicação social. A
Web 2.0 é intrinsecamente ligada à liberdade. Seguindo as regras básicas da democracia
deliberativa do consumo, qualquer usuário está convidado a exercer seu princípio de liberdade
argumentativa, complementando, refutando e dando sua contribuição para o crescimento da
discussão aqui apresentada.
58

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