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Rio de Janeiro/ RJ
2009
Rio de Janeiro/ RJ
2009
Aprovado por
_______________________________________________
Prof. Ms. Fernanda de Oliveira Gomes – orientadora
_______________________________________________
Prof. Ms. Mônica Machado Cardoso
_______________________________________________
Prof. Ms. Leonardo Gomes Pereira
Aprovada em:
Grau:
4
Rio de Janeiro/ RJ
2009
59 f.
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTO
Agradeço à minha família, pelo incentivo constante e por sempre desejar o meu sucesso. À
minha namorada Laís pelo apoio direto em tantos momentos complicados na faculdade e no
trabalho, sempre me dando soluções, alternativas e sendo compreensiva com todas as
conseqüências de se trabalhar no mercado publicitário. Aos meus amigos do colégio e da
faculdade, sem o qual eu não seria quem sou hoje. À minha orientadora, Fernanda Gomes,
que se dispôs a entrar em um estudo ligeiramente diferente do que se vê na maioria das
monografias, sem limitar meus anseios, e adicionando outros olhares ao assunto discutido. À
professora Mônica Machado, que é um exemplo a ser seguido por qualquer aluno da Escola
de Comunicação da UFRJ, e, pessoalmente, incutiu em mim a vontade de futuramente exercer
o magistério. E agradeço, por fim, a Escola de Comunicação da UFRJ, a faculdade que me
formou como publicitário e para qual pretendo voltar um dia como professor.
7
SANTOS, Pedro Gama Drable. A Web 2.0 e as novas relações de poder entre consumidor,
marca e comunicação. Orientadora: Fernanda de Oliveira Gomes. Rio de Janeiro, 2009.
Monografia (Graduação Em Publicidade e Propaganda) – Escola de Comunicação, UFRJ. 59f.
RESUMO
A Web 2.0 mudou a forma como pessoas se relacionam nos mais diversos aspectos.
Autores renomados, como Pierre Levy, Henry Jenkins e Shirley Turkle, já estudaram e
comentaram as tendências advindas do surgimento da internet e da estabilização deste
novo cenário, em escala sociológica, antropológica e política. O objetivo deste trabalho é
trazer estes e outros conceitos para a realidade do marketing e identificar como as
mudanças afetaram as relações entre marca, consumidor e comunicação. São utilizados
diferentes autores e teorias de diversas áreas para sugerir um modelo que auxilie na
compreensão de profissionais da área de comunicação e marketing sobre as novas
prerrogativas e a dinâmica social das relações de consumo mediadas pela internet. Ao
final, o trabalho retoma alguns cases essenciais para por em prova o modelo sugerido,
aproximando características de exemplos bem e mal sucedidos de ações de publicidade
que se pautaram nas relações sociais da Web 2.0.
9
SANTOS, Pedro Gama Drable. Web 2.0 and the new power relationships between
consumers, brands and communication. Advisor: Fernanda de Oliveira Gomes. Rio de
Janeiro, 2009. Monograph (Advetising and Propaganda) – Escola de Comunicação,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. 59 p.
ABSTRACT
The Web 2.0 changed the way people relate with each other in many different aspects.
Renowned authors, such as Pierre Levy, Henry Jenkins and Shirley Turkle, studied and
commented the trends born from the development of the internet and the stabilization of
this new scenario, on a sociological, anthropological and political scale. The objective of
this work is to bring these and other concepts to the reality of marketing and identify
how the changes affected the relationship between brands, consumers and
communication. The study uses different authors and theories from various areas to
suggest a model that may assist in the understanding of professionals in communication
and marketing about the new prerogatives and social dynamics of consumer
relationships mediated by the internet. The last chapters incorporate essential cases,
used to put the suggested theory to test, and identify the unique characteristics that
define the success or failure of some examples of advertising efforts based on the social
relationships of the Web 2.0.
10
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................................11
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................56
11
REFERÊNCIAS......................................................................................................................58
1 INTRODUÇÃO
1 Disponível em <http://idgnow.uol.com.br/internet/2009/09/30/internet-ultrapassa-tv-em-faturamento-publicita
rio-no-reino-unido>, acesso em 18/10/2009.
12
2 Para mais esclarecimentos sobre a Web 2.0 e seus usuários, é interessante assistir os vídeos Rafinha 2.0,
disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=UI2m5knVrvg>, acesso em 12/11/2009, e Web 2.0: The
Machine is Us/ing Us, disponível no endereço <http://www.youtube.com/watch?v=xgLvhUH4zck>, acesso em
10/11/2009.
3 A história completa do desenvolvimento da internet pode ser vista no documentário History of the Internet, de
Melih Bilgil, disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=9hIQjrMHTv4>, acesso em 05/10/2009.
13
A replicação das características da Web 2.0 na internet também foi influenciada por
aspectos tecnológicos, mas para este estudo, seu principal reflexo é social: está na forma de
interação praticada pelo usuário. De acordo com o próprio Tim O’Reilly (2005), “O princípio
central por trás do sucesso de gigantes nascidos na era Web 1.0 e que sobreviveram para
liderar a era Web 2.0 é, aparentemente, o fato de que eles abraçaram o poder da internet de
dar uso à inteligência coletiva4”.
Isso pode ser claramente visto no sistema de gerenciamento de banco de dados do
Google, o arauto da Web 2.0. Definir a importância de cada site na lista de busca pelo número
de acessos de usuários comuns é uma forma perfeita de aproveitar a capacidade analítica do
cérebro humano. É usar uma máquina mais avançada do que qualquer circuito concebido pela
humanidade. O usuário em primeiro plano define a Web 2.0. Este modelo propiciou o
surgimento de sites como Orkut, Facebook, Wikipedia, Youtube, o alastramento de
ferramentas como blogs, fotologs, microblogs e tantos outros exemplos de sites baseados na
comunicação e no relacionamento entre usuários.
É natural pensar nessa mudança como uma extensão simples das possibilidades
tecnológicas da internet, mas na verdade não houve passagem cronológica da Web 1.0 para
2.0. Os dois modelos coexistem ainda hoje, e, em alguns casos, não há necessidade de
ferramentas de Web 2.0 para que um site cumpra sua função. No entanto, é importante
lembrar que este é um estudo sobre publicidade e, em última instância, sobre a criação de uma
relação com o consumidor. Enquanto o usuário é o centro da Web 2.0, o consumidor é o
centro das relações de consumo. Usuário e consumidor são, é claro, a mesma pessoa.
Uma visão mais apurada pode gerar questões que não abarcam puramente o avanço da
rede e os modelos de comunicação inerentes da Web 2.0. Que necessidade está por trás da
geração de um perfil, uma identidade digital em sites de relacionamento como Orkut e
Facebook? Por que comentar em blogs e postar vídeo-respostas no Youtube, um site baseado
na troca de arquivos audiovisuais, é interessante para o usuário? Que tipo de sentimento torna
o Twitter, o site de microblogging que se tornou a febre digital de 2009, uma ferramenta tão
magnética?
Infelizmente, essas são perguntas a serem respondidas em outra ocasião. O foco desse
trabalho não será a causa que motiva a interação na Web 2.0, mas fundamentalmente, suas
conseqüências, e especificamente, como essa interação pode ser danosa ou proveitosa para
marcas e empresas.
rede social, o serviço está feito. A barraca de cachorros quentes acaba de ser forçadamente
inserida na web.
O leitor há de desculpar uma pequena inverdade contada nos parágrafos anteriores. A
história da barraca de cachorros quentes é real, e o empreendedor é conhecido como
“Gaúcho”, dono de um dos mais famosos estabelecimentos informais de alimentos do bairro
do Méier, o “Cachorro Quente do Gaúcho”. Esta simples barraca de cachorros quentes conta
com uma comunidade5 no Orkut de quase trezentos e trinta consumidores do seu produto,
comentando modificações, fazendo elogios, reclamações e dando todo o tipo de informações
que empresas grandes pagam fortunas para obter. E tudo isso com pouca ou nenhuma
influência do Gaúcho no processo.
O cenário atual pode ser bom ou ruim para o Gaúcho. Bom porque, mesmo sem a sua
presença, seus clientes estão fazendo comentários elogiosos sobre o produto. O boca-a-boca,
ou tela-a-tela, está propagando o que antes seria um ponto curioso, porém pouco conhecido do
cenário gastronômico do Rio, transformando-o em algo que toma proporções maiores do que
um simples cachorro quente. O Gaúcho não tem só consumidores. Ele tem fãs, seguidores,
prontos para difundir e defender sua marca sem nenhum pedido. Basta notar o comentário de
uma família que sai de Campo Grande, zona oeste do Rio, para saborear suas iguarias. Ruim
porque, no menor deslize, o Gaúcho será traído pela velocidade da web e terá seu reino feito
em pedaços por uma opinião pública que ele nem considerava influenciar no seu negócio.
Como exemplo, pode-se imaginar um caso sério de infecção por salmonela originado pela
maionese do estabelecimento. O tipo de coisa que não daria mais do que meia nota em um
jornal de bairro, mas certamente tomaria um fôlego assustador se acertasse em cheio a base de
consumidores do produto.
Na Web 2.0, ambos os casos são perfeitamente plausíveis e mais, possuem
precedentes. Para a sorte do Gaúcho, sua maionese continua topo de linha e ainda não gerou
nenhum problema. Por outro lado, a quantidade de informações e feedbacks que poderiam
melhorar ainda mais o desempenho da loja também são completamente ignoradas pelo
empreendedor. E só existe um jeito de otimizar as relações entre usuários e marca nesse
ambiente: fazendo parte da conversa.
Toda empresa deve estar preparada para agir rapidamente, caso algum
comentário ou boato comece a aparecer na rede. Se sua empresa possui um
blog, responda a todos os comentários e escreva muitos posts sobre o
problema para amenizar a situação. Seja honesto. Porém, caso a sua empresa
não possua um blog, faça um antes que os problemas comecem a aparecer; o
blog é uma ótima ferramenta para esclarecer fatos polêmicos em torno da
sua marca. (CIPRIANI, 2008: p. 133)
Como já foi dito neste trabalho, as características da Web 2.0 podem ser danosas ou
proveitosas para empresas. Basta saber manuseá-las. E um caso que demonstra as vantagens
de se prestar a participar de conversas é a brilhante resposta da empresa Eletronic Arts ao
usuário que possui uma conta no Youtube com o nome Levinator 25. O rapaz, um estudante
de cinema de 25 anos, postou um vídeo no site dizendo ter encontrado um novo movimento
no jogo Tiger Woods PGA Tour 08, chamado “Jesus Shot”, ou “Tacada de Jesus”. A
brincadeira era uma crítica a um defeito do jogo, que permitia que o personagem se
movimentasse sobre a água em algumas ocasiões. A Eletronic Arts recebeu a crítica e a
respondeu de forma a criar um benchmark no que concerne o aproveitamento da viralização
de uma falha. Produziu um vídeo7 especialmente para Youtube, em resposta ao Levinator 25,
com o Tiger Woods de verdade andando sobre a água para completar uma tacada. O texto do
vídeo explicava a ideia: “Levinator 25, você parece pensar que o seu video “Jeasus Shot” é
sobre um defeito no jogo. Não é defeito. Ele [o Tiger Woods] é bom assim mesmo.” O vídeo
original teve, até o fechamento deste trabalho, 910 mil visualizações. A resposta da Eletronic
Arts está próxima de completar 4 milhões de visualizações e uma rápida busca na web mostra
a cascata de elogios de diversos sites, blogs e usuários que se encantaram com o caso. O
próprio Levinator 25 reconheceu em entrevista que a empresa saiu melhor na “disputa”, e
trata a situação como se fosse entre dois amigos, implicando um com o outro e se divertindo
no processo. O estudante, que se chama Bryan Levi, disse ao jornal Los Angeles Times8:
“Várias pessoas dizem que eu fui humilhado por eles, mas eu meio que rio disso, eu achei
tudo muito legal”. Este exemplo mostra o grande diferencial que possui uma empresa que se
preocupa em pensar no ambiente da Web 2.0. As retaliações poderiam ter sido truculentas e
7 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=FZ1st1Vw2kY>, acesso em 15/11/2009.
8 Disponível em <http://latimesblogs.latimes.com/webscout/2008/08/levinator25-get.html>, acesso em
15/11/2009.
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unilaterais, como proibir o rapaz de postar o vídeo alegando violação de direitos, o que só
teria levado à postagem de mais vídeos com o estranho defeito. Em vez disso, a empresa saiu
com sua marca fortalecida, criou uma ótima impressão no público alvo e ganhou propaganda
gratuita para o seu jogo. Ou quase: em mais um movimento que só colaborou para sua bem
sucedida resposta, a Eletronic Arts pagou o usuário Levinator 25 pelos direitos de uso do seu
vídeo e isso, é claro, foi espalhado por toda a internet. Além de bem humorada, moderna e
inteligente, a marca ainda ganhou o benefício de ser vista como justa e de boa índole.
A Web 2.0 cobra de marcas e empresas uma pesada contrapartida para se obter a
possibilidade de um relacionamento próximo com o consumidor: vulnerabilidade. Ações na
Web 2.0 geram janelas, pontos fracos onde oportunistas e consumidores insatisfeitos podem
se apoiar para incitar uma reação negativa do mercado. Por outro lado, como já foi dito
anteriormente, estar envolvido nessa rede já não é mais uma escolha para empresas e marcas.
Considerando as opções, é melhor se colocar e estar preparado para um problema do que
sofrer um ataque sem nem mesmo notar o agressor.
Tal qual em uma conversa com alguém que tem o hábito de se aproximar demais para
falar, as grandes empresas costumam se retrair e evitar a aproximação do consumidor de seus
centros de negócios. Qualquer média empresa possui algum sistema de atendimento ao
cliente, como um telefone de SAC, email de contato ou mesmo uma prestativa secretária que
dirá, de forma educada e simpática, que “infelizmente o Sr. Fulano não pode atendê-lo.”.
Estes sistemas sempre são alvos de críticas dos consumidores e, em geral, não prestam o
atendimento desejado. Seria porque todos os sistemas antigos de atendimento ao cliente foram
pensados para não atrapalhar o “andamento dos negócios”, ignorando o fato de que os
negócios são, ou deveriam ser, os clientes? É temerário assumir este argumento como
verdade, mas qualquer um que tenha enviado emails para os endereços de contato de
empresas já teve a péssima experiência de sentir suas mensagens serem encaminhadas
diretamente para a lixeira, sem resposta ou sequer confirmação de recebimento.
Mas na Web 2.0, um consumidor não pode ser ignorado. A voz insatisfeita não se
silencia depois que o telefone é posto no gancho, como no telemarketing. Na rede, um
protesto pode conseguir cativar mais e mais pessoas, até se tornar um verdadeiro problema
para a imagem da empresa. E isso é a base do medo. Analisando a fundo, o que torna as
empresas receosas sobre a Web 2.0 é a perda de controle. Controle sobre sua comunicação,
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seu consumidor, seu produto, sua imagem e até mesmo sobre si. Marcas que sentiam-se
confortáveis com seu olhar distante e “laboratorial” sobre o consumidor não têm mais a opção
de sustentar a redoma de vidro, de observar o mercado sem que sejam observadas.
2.3 TENTANDO ENCONTRAR UM MODELO
Já que é inviável se manter ausente na Web 2.0, talvez algum tipo de previsibilidade
nas relações desse ambiente faça com que o caminho trilhado seja menos escuro e
amedrontador. E uma boa forma de buscar por padrões na relação marca/consumidor dentro
da Web 2.0 é tentar encontrar um modelo, uma formatação social que seja aplicável a esta
relação. Diversos autores teorizaram sobre as relações de poder na sociedade, e certamente há
uma tentativa de convencimento entre marca e consumidor. Fundamentalmente, as marcas
desejam conquistar o mercado, aumentando e sustentando o consumo dos seus produtos. E
para isso, recursos de persuasão e influência como a publicidade, a propaganda, as relações
públicas e o design são usados exaustivamente. Entretanto, as mudanças sociais advindas da
Web 2.0 afetaram não só as formas de administrar o poder como também a própria noção do
que é poder.
dentro, imprimindo a silhueta do cativo na janela interna e fazendo com que todas as celas
possam ser vigiadas ao mesmo tempo, o tempo inteiro.
Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho,
perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo
panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e
reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido;
ou antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só se
conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de
um vigia captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A
visibilidade é uma armadilha. (FOUCAULT, 1997: p.190)
O autor define que a essência das sociedades de controle é uma cifra, uma senha que
determina o acesso à informação, ou sua rejeição. Desta forma, o par individuo/massa se
desfaz. O indivíduo passa a ser “dividual” já que, sendo sua representação no sistema feita por
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uma senha, é o estado desta senha, de aceitação ou negação, que determina suas condições em
relação ao resto. Assim, as massas se tornam amostras, dados. Para contrapor o panóptico das
sociedades disciplinares, Deleuze cita um mecanismo que explicita o funcionamento das
sociedades de controle.
Félix Guattari imaginava uma cidade onde cada um pudesse deixar seu
apartamento, sua rua, seu bairro, graças ao seu cartão eletrônico, que
removeria qualquer barreira; mas, do mesmo modo, o cartão poderia ser
rejeitado tal dia, ou entre tais horas; o que conta não é a barreira, mas o
computador que localiza a posição de cada um, lícita ou ilícita, e opera uma
modulação universal. (DELEUZE, 2000: p. 224)
são rivalizados por virais e vídeos amadores, ocupando a preferência do consumidor com a
mesma eficiência que os profissionais. Os próprios produtos da mídia são cortados, somados e
modificados até que se tornem criações completamente novas com objetivos distintos. As
possibilidades tecnológicas permitem que o usuário produza comunicação de relevância igual
à produzida pelos “senhores do marketing” com seu pretenso objetivo de dominação, dando
força a argumentações que antes seriam suplantadas pela mídia de massa. Em suma, a cidade
de Guatarri não possui mais barreira alguma quando qualquer morador com um pouco de
tempo consegue cartões de acesso coringas.
Como exemplo básico deste novo cenário, pode se citar o caso do anúncio da
montadora Dafra, de motocicletas de baixo custo. Inicialmente, a empresa gastou centenas de
milhares de reais em uma superprodução de comercial que envolvia o ator Wagner Moura
entoando um discurso inflamado sobre liberdade e o mundo de possibilidades aberto pela
compra de uma motocicleta Dafra para centenas de pessoas. A peça terminava com uma
corrida desenfreada e um encontro apaixonado entre a multidão de ouvintes e suas respectivas
motos.
Bastou um grupo de usuários com algum traquejo em edição de filmes para que um
fenômeno surgisse na internet. Uma nova versão do comercial, a simples redublagem do
anúncio original, atingiu milhares e milhares de pessoas, por ser engraçada, crítica e falar
“verdades” sobre a montadora. O texto bem construído e a boa produção fizeram com que a
paródia tivesse sucesso dezenas de vezes maior do que o anúncio original, usando todo o
investimento da montadora em uma mensagem que fala as piores barbaridades sobre o seu
produto. É o usuário se apropriando da linguagem e da tecnologia, e invertendo a
comunicação para satisfazer seus próprios desejos, com uma eficiência de invejar qualquer
profissional da publicidade e propaganda.
A reação da montadora foi cartesiana. Todos os vídeos que mostrarem seu anúncio e
não forem o original serão retirados da rede por infração de direitos autorais. Mas a
quantidade e a capacidade de mobilização dos usuários superam com folga a capacidade dos
sistemas de identificação e remoção de vídeos. O cenário atual é estável: o vídeo é
constantemente reposto na rede, e pra cada versão retirada, surgem dezenas de opções de
visualização, que seguem divertido e convencendo cada vez mais usuários. É uma batalha
perdida desde o princípio9.
9 A título de curiosidade, para encontrar o vídeo basta procurar no YouTube por “dafra” e “paródia” ou, com o
perdão da expressão, “dafra” e “merda”.
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Será que já se pode apreender esboços dessas formas por vir, capazes de
combater as alegrias do marketing? Muitos jovens pedem estranhamente
para serem ‘motivados’, e solicitam novos estágios e formação permanente;
cabe a eles descobrir a que estão sendo levados a servir, assim como seus
antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas.
(DELEUZE, 2000: p. 224)
Como pode ser visto, a pluralidade de condições e arrumações da Web 2.0 dificulta o
trabalho de encontrar um modelo que abrace todas as relações sociais ocorridas neste âmbito.
Mas talvez seja possível encontrar um pensamento que ilustre com mais clareza a principal
característica abordada por este trabalho: o fim da passividade do público alvo no processo de
comunicação, e sua conquista de poder neste novo ambiente.
Na superação dos sistemas sociais analisados anteriormente, diversas características da
Web 2.0 foram revistas. A capacidade de comportamento comunitário, a eficiência na
argumentação comunicativa, a apropriação de meios e dispositivos de comunicação e a
liberdade incondicional e sem barreiras praticada pelos usuários da web são algumas das
principais tintas que determinarão o quadro a ser pintado sobre as relações entre marca e
consumidor nesse ambiente. Mas é saudável não esperar um retrato que mostre com clareza o
funcionamento e as forças motrizes dessas relações. Apesar do caráter tecnológico muitas
vezes dado a tudo que ocorre no ambiente virtual, o “fenômeno social” Web 2.0 tem como
base as possibilidades e extensões das relações humanas. E a imprevisibilidade é um fator
curiosamente constante em qualquer observação desse tipo.
Retomando as principais características da Web 2.0 abordadas neste estudo, vê-se
neste modelo a vocação para uma arrumação social onde cada sujeito tem possibilidades de se
tornar protagonista de uma discussão. Onde toda decisão, incluindo as de consumo, pode
sofrer influência dos mais diversos atores, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, especialistas
ou leigos no assunto.
Essa vocação se encontra em diversos pontos com uma teoria, taxada de utópica por
uma série de autores respeitados, mas que em várias situações se aproxima daquilo que é
vivenciado no ambiente digital: a democracia deliberativa de Jürgen Habermas. Um excerto
do artigo de Felipe Carreira da Silva sobre as teorias de Habermas demonstra a similaridade
entre o modelo político/social proposto pelo autor e as particularidades da Web 2.0.
grandes parlamentos onde se sagra vencedor o melhor argumento, e apenas este pode ser
levado em consideração, excluindo da discussão modificadores como poder monetário,
cargos, posições sociais e outros.
Obviamente, este estudo não pretende antever o surgimento de uma sociedade justa a
partir da democracia deliberativa. No modelo proposto por Habermas, as decisões políticas,
que afetam a população como um todo, seriam diretamente resolvidas por estes parlamentos
abertos. Isso não ocorre na sociedade atual, e não há nenhuma evidência de que acontecerá
algo do tipo em um futuro próximo. No entanto, as relações de consumo da Web 2.0 são sim,
influenciadas direta e indiretamente por uma discussão livre e aberta entre diversos atores,
como marcas, concorrentes, consumidores, ativistas sociais e praticamente qualquer pessoa
que se disponha a dar sua opinião, seja da maneira que for. Em outras palavras, mesmo que a
democracia deliberativa não seja um futuro provável em termos de política, vários dos seus
atributos podem ser usados para clarear o funcionamento da natureza dialógica das relações
entre consumidor e marca na internet.
Ainda no texto de Felipe Carreira da Silva (2001), são pautados alguns tópicos
importantes, que determinam as prerrogativas do funcionamento da democracia deliberativa.
O primeiro define a forma assumida pelos processos deliberativos, como sendo sempre
argumentativos, isto é, feitos a partir do intercâmbio regulado de informações e argumentos
entre as partes da discussão. O segundo denota a regra de que nenhum membro da sociedade
pode ser legitimamente excluído da discussão, resguardando assim seu caráter público e
transparente. O terceiro tópico fala que as deliberações nesta arrumação social são, portanto,
livres de qualquer coerção externa, visto que todos os participantes são regidos somente por
leis que defendem a liberdade de discussão, de igual forma. E, finalmente, o quarto tópico
conclui a definição proibindo qualquer tipo de coerção interna que comprometa a igualdade
dos participantes, para que seja mantida a possibilidade de que todos possam introduzir temas,
produzir contribuições próprias e criticar a argumentação de terceiros. Este último tópico
termina ainda explicitando que “A única coerção interna admissível é a força do melhor
argumento.”
no ambiente da Web 2.0, mais flexível e próxima da realidade do que os antigos sistemas
sociais abordados. Em referência ao trabalho de Habermas, esta teoria será batizada de
democracia deliberativa do consumo.
Dentro do ambiente da internet, as decisões de consumo são alvo de influência direta
e indireta de diversos pólos de argumentação, e nesta conjuntura, a marca é apenas mais um
deles. É claro, ainda cabe ao consumidor a decisão final sobre o que consumir e a quais
marcas ser fiel, mas esta decisão, além de mutável, está sujeita a discussões externas. Antes de
comprar o produto, muitos consumidores agora buscam opiniões de compradores em redes
sociais como Orkut e Twitter. Outros perguntam diretamente sobre o produto que desejam em
ferramentas como o Yahoo!Respostas. E todos estão sujeitos a encontrar argumentos
interessantes aleatoriamente em blogs, sites pessoais, vídeos no YouTube e qualquer outro tipo
de conteúdo gerado pelo usuário. Chris Anderson, editor da revista Wired e autor de diversos
livros que discutem o mercado no ambiente digital, possui a mesma percepção sobre este
cenário.
Pelo que foi discutido até esse ponto, pode parecer que as marcas estão fadadas a
flutuar à deriva, tendo seus produtos elevados e afundados ao sabor das opiniões vindas deste
novo e massivo contingente formado pelos usuários da Web 2.0. Mas as mesmas
características que fragmentaram o poder de comunicação também abriram novas e
interessantes oportunidades para a publicidade e o marketing.
A democracia deliberativa do consumo não funciona exatamente como a teoria de
Habermas, porque em alguns aspectos, marcas e empresas possuem vantagens na disputa
argumentativa com o usuário comum. É preciso levar em conta que as empresas dispõem de
profissionais treinados e especialistas em técnicas de persuasão nas agências de publicidade,
possibilidades de produção muito superiores aos dos usuários e uma natural visibilidade no
ambiente da web, aumentando as chances de popularização da sua mensagem. Acrescidas a
estes fatores, as ferramentas da Web 2.0 ainda facilitam a obtenção de informações sobre o
público alvo e a aproximação das marcas ao seu cotidiano. A união desses elementos coloca
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Cibercultura e Web 2.0 não são exatamente termos sinônimos, mas possuem uma
relação muito estreita entre seus significados. Como se pode notar, mesmo falando em uma
época anterior à criação do conceito de Web 2.0, em meados de 1995, Pierre Lévy já
postulava sobre as noções de liberdade, comunidade e colaboração na rede. E estes elementos
são fundamentais na construção do que foi chamado no início do trabalho de “fenômeno
social” Web 2.0. A partir deste fenômeno, novas estruturas precisam ser pensadas para que os
argumentos publicitários tenham mais eficácia.
De forma a facilitar a compreensão da extensão das mudanças acarretadas pela
dinâmica dialógica da Web 2.0, serão usados os quatro principais conceitos definidos no
capítulo anterior: a capacidade de comportamento comunitário, a apropriação de meios e
dispositivos de comunicação, a eficiência na argumentação comunicativa e a visão libertária
do usuário na web. Obviamente, estas quatro instâncias não são estanques e findadas em si
32
mesmas. Cada um destes elementos será parte de virtualmente qualquer relação mediada no
terreno da Web 2.0, de forma fluida e complementar.
Esta dinâmica traz vantagens óbvias para a atividade publicitária. Tendo os internautas
reunidos em grupos de interesse, se torna muito mais fácil planejar investimentos publicitários
com exatidão. Um dos problemas das mídias de massa no que diz respeito ao custo do
investimento é a aproximação inexata entre a medição do público alvo de determinado
programa e a configuração real da formação do seu público. Não se pretende aqui levantar
qualquer tipo de dúvida sobre os profissionais ou métodos aplicados nesta medição. Mas a
própria característica massificante de meios como a televisão impossibilita uma medição
exata. Os dados quase sempre serão genéricos, e o investimento aplicado normalmente conta
com uma perda por atingir parte do público que não é target da comunicação.
Na internet, a arrumação por áreas de interesse e a flexibilidade nas formas de investir
geram um cenário completamente diferente. Neste ambiente, os investimentos – que já são
naturalmente mais baratos – podem ser usados com mais precisão para cativar um público
específico, com vontades intimamente ligadas ao produto em questão. Ocorre então uma
racionalização de gastos, visto que, potencialmente, o capital investido na comunicação atinge
o target escolhido com muito mais exatidão.
Foi algo fantástico, mas ela deu um passo ainda mais importante.
Preocupada com as baixas vendas, que levariam o supermercado a parar de
estocar o leite, lançou uma campanha pessoal. Decorou a loja, recrutou um
grupo de voluntárias para distribuir folhetos e espalhar a notícia.
“legal o suficiente para ter um Mac”11, o apelido dado aos computadores Macintosh, da marca
Apple.
Os fãs da Apple reagiram rapidamente: em menos de uma semana, revelaram que
Lauren era uma atriz contratada, moradora de Los Angeles, e não uma gentil e recatada moça
em busca de um computador. Diversos blogs divulgaram as fotos do book de Lauren,
disponibilizadas em um site pessoal, e surgiram incontáveis comentários criticando a
falsidade por trás do anúncio. Um fã dos computadores Mac chegou a oferecer seu MacBook
G4 gratuitamente12, para que Lauren tivesse uma base comparativa justa e definisse qual é o
melhor computador. E esse é apenas um exemplo do que usuários apaixonados pelas marcas
são capazes de fazer.
No entanto, é sempre importante reafirmar o que vem sendo dito sobre todas as
carateristicas da Web 2.0: os mesmos processos podem funcionar de forma positiva ou
negativa para a marca. Se um cliente insatisfeito é ruim, um “contra-evangelista” pode ser o
pior pesadelo de uma empresa no ambiente digital. Em uma palestra, Howard Rheingold
chegou a citar evidências biológicas para explicar este tipo de reação13.
exemplo, um vídeo amador, um texto, um site divertido ou até comercial, nos moldes
clássicos dos trinta segundos. Estes são exemplos clássicos de fenômenos sociais que podem
ser usados por uma marca para alastrar sua mensagem. Diversas campanhas pensadas como
entretenimento ganham cada vez mais espaço no cotidiano da Web 2.0, sem se tornarem
estigmatizadas por serem esforços de marketing. O usuário busca entretenimento e
singularidade, e o espalha pela rede caso goste do que encontrou, sem nenhum pudor de
enviar anúncios, curtas-metragens produzidos por marcas, aplicativos divertidos com
conteúdo publicitário ou qualquer outra mensagem, desde que ela valha a pena.
Mas o poder do internauta vai mais longe. Hoje, a apropriação de métodos de
produção de conteúdo faz com que o próprio usuário possa se tornar protagonista da
mensagem publicitária.
Observando agora o outro lado, é crucial lembrar que marcas e empresas também
precisam estar atentas sobre o que se diz de ruim a seu respeito na web. Hoje, o usuário é
capaz de gerar uma peça de comunicação com poder suficiente para causar verdadeiros danos
à imagem e, consequentemente, aos negócios de uma empresa. Foi o que ocorreu nos casos da
marca de cadeados Kryptonite e a “chave-Bic”, e do comercial parodiado da montadora Dafra
Motos, onde ambas tiveram problemas por não conseguirem lidar com a liberdade
comunicativa do consumidor na Web 2.0. Estes acontecimentos podem ser minimizados ou
até revertidos, como foi visto na ação da EA Sports para responder ao vídeo Jesus Shot. No
entanto, é fundamental ter em mente toda a dinâmica da democracia deliberativa do consumo
para que isso possa ocorrer.
O que diferenciou os casos de fracasso e sucesso foi a forma como o processo de
argumentação foi abordado. A Kryptonite menosprezou a força do argumento contrário,
acreditando que sua fama de produzir cadeados seguros era intocável. A Dafra tentou usar
forças de coerção para silenciar a outra parte, obrigando que o site YouTube retirasse os
vídeos que criticavam sua marca, o que foi facilmente contornado pelo volume de postagens
do usuário, superior à capacidade de filtragem do site. E a EA Sports, a única a sair
fortalecida do seu evento, soube vencer dentro das regras da deliberação: simplesmente
apresentou o melhor argumento, encantando todos os usuários no processo, inclusive
Levinator25, seu crítico inicial.
Voltando à publicidade, boa parte das barreiras para uma marca ‘trabalhar’
as redes sociais decorrem do temor que o anunciante tem da exposição de
suas fraquezas. A propaganda os acostumou à exposição única e sistemática
de suas virtudes. Por outro lado, nas redes sociais não há como se controlar o
que é dito. As fraquezas aparecem naturalmente. (PASTA ONLINE, 2009)
Outra enorme dificuldade para empresas é a incerteza sobre o que acontecerá com sua
marca e seus esforços comunicativos na Web 2.0. A impressão é de que se está levando um
belo carro novo a um bairro perigoso, expondo-o a depredações, assaltos e sabe-se lá que
outras formas de violência. Aparentemente as marcas não sabem o que esperar do usuário da
web. E é seguro não presumir que os usuários esperem por permissões das marcas para fazer o
que quiserem fazer. Hiutwig não pediu autorização para a Converse antes de customizar seus
All Stars. Levinator25 não pensou se o seu vídeo sobre o Jesus Shot poderia ferir os
sentimentos da EA Sports antes de posta-lo. O Gaúcho contínua alheio ao fato de que seus
cachorros quentes possuem uma comunidade de mais de trezentos consumidores, funcionando
sem que ele saiba ou interfira no processo. Como se pode notar, a perda de controle é natural
e irremediável. Mas pode ser proveitosa.
O controle do qual as empresas sentem falta na Web 2.0 significava a previsibilidade
dos resultados de determinada ação. Um anúncio no horário X da emissora de televisão Z
impactaria N pessoas. Os resultados poderiam variar positiva ou negativamente, mas uma
série de pré-testes minimizavam a possibilidade de grandes surpresas. No entanto, na Web
2.0, ações que fracassam podem não ser somente ignoradas, mas funcionar como plataforma
de propaganda negativa para a empresa. Os usuários podem agir de forma a atacar
diretamente a marca e a sua comunicação. E o inverso também pode acontecer: iniciativas
bem sucedidas demais podem, por exemplo, derrubar o servidor que mantém o site de uma
empresa, por conta do número assustador de acessos. A imprevisibilidade é algo difícil de
aceitar para os profissionais de marketing.
45
Mas é esta mesma falta de controle que gera o enorme potencial criativo do usuário,
que pode produzir insights incríveis sobre produtos, comunicação e processos de marketing
da empresa. Como a democracia deliberativa do consumo sempre será imprevisível, é
importante que as empresas aprendam com cada etapa do processo de argumentação. Um
caminho desconhecido pode ser visto com medo e apreensão, ou como um convite a novas
possibilidades.
Algumas empresas já tomaram iniciativas para deixar que o usuário tome o controle.
Um exemplo é o concurso promovido pela softhouse Insomniac Games no lançamento do
jogo Ratchet & Clank Future: a Clank in Time. A franquia é reconhecida principalmente pelo
enorme arsenal de armas e traquitanas divertidas do personagem principal. E a empresa
confiou na capacidade colaborativa da base de fãs do jogo, lançando o concurso My Blaster
Runs Hot, que pedia que os usuários criassem uma nova e criativa arma para o jogo. De
acordo com Brian Allgeier, diretor criativo da Insomniac Games, os resultados variavam de
canhões que atiravam gatos a armas que transformavam todos os inimigos em sanduíches de
queijo quente20. A vencedora, chamada Spiral of Death, foi uma lâmina giratória retornável,
que atingia os adversários e podia ser controlada em seu curso de volta, como um bumerangue
teleguiado. Além de gerar boca a boca na rede, o concurso deu liberdade criativa para uma
série de usuários e, principalmente, possibilitou o acúmulo de conhecimento sobre que tipo de
interação o público gostaria de experimentar em um novo jogo da série. Certamente, as idéias
perdedoras não irão para o lixo.
O quarto capítulo deste estudo pretende observar com mais profundidade três cases
fundamentais para testar limites, repassar questões sobre conteúdo colaborativo e definir o
que é uma postura condizente com o “fenômeno social” Web 2.0 e a teoria da democracia
deliberativa do consumo.
O Nike+ não criou conteúdo relevante para atrair o usuário da Web 2.0. A empresa
desenvolveu um sistema, uma caixa de ferramentas, para que os usuários trocassem
informações e gerassem o conteúdo, tomando para si o papel central mais sólido nesta
comunicação: o de mediadora da conversa. Esta ação se tornou muito maior do que um viral
ou uma campanha em mídias sociais, inaugurando uma nova plataforma de comunicação da
empresa, com usuários disponibilizando informações diariamente e mantendo a rede repleta
de conteúdo e de vida. Com o Nike +, a empresa criou um relacionamento permanente entre
marca e consumidor, abriu um novo e importante canal de comunicação e fundou uma
comunidade virtual sólida e em contínua expansão. Isso sem contar com o valor inestimável
de toda a informação sobre hábitos de consumo e estilo de vida dos usuários, que estão
constantemente atualizando seus perfis.
Na Web 2.0, as marcas precisam levar em consideração um elemento que ate então
não ocupava a mente de profissionais do marketing e da comunicação: a visibilidade do
fracasso. Quando um anúncio de TV não funciona, dificilmente gera um levante do público
alvo, tamanha a indignação com o erro da marca responsável. O anúncio simplesmente é
ignorado, passa despercebido pelo target. No entanto o usuário da Web 2.0 não se contenta
com essa passividade.
Com a boa intenção de experimentar ações integradas com mídias sociais e
ferramentas da Web 2.0, a Lacta, linha de chocolates da empresa Kraft Foods, resolveu testar
o novo ambiente para divulgar o chocolate Bis, uma das marcas mais conhecidas do segmento
no Brasil.
A ação era na verdade uma promoção. Foi criado um blog fictício de uma designer,
chamada Cláudia Cristina, que teria desenvolvido espontaneamente uma série de roupas para
se esconder enquanto estivesse comendo Bis. O blog, denominado Sai Pra Lá, convidava
24 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=V5f6YoEN01E>, acesso em 27/11/2008.
50
outros usuários para enviar sugestões e dicas para “esconder o Bis”. Para dar visibilidade ao
blog da promoção, a agência responsável conseguiu a cobertura da história de Cláudia
Cristina em uma matéria do programa Pânico na TV25, em formato jornalístico, sem que
ficasse claro que tudo se tratava de merchandising editorial. Em um segundo momento, a
própria Cláudia Cristina foi ao programa26 falar das suas criações e receber a notícia de que “o
pessoal da Bis” se dispôs a dar um ano de chocolate gratuito para quem apresentasse a melhor
idéia para se esconder e comer o chocolate, inspirado-se nas criações da designer.
impressão de que pouquíssimas pessoas gostaram da idéia. Em pouco tempo, o blog saiu do ar
e a designer Cláudia Cristina desapareceu sem deixar vestígios, fora um pouco visitado e mal
sucedido canal no YouTube28. Para exemplificar a rejeição, estes são apenas os três primeiros
comentários no post do blog Brainstorm#9 que abordou a ação29:
- Eu tinha visto o site, mas ao ler o post descobri que é da Ogilvy, haha,
lamentável hein… sem contar que o layout do blog é ridículo.
- Não devem ter colocado comentários com medo da rejeição. Oras se tem
medo da rejeição, é porque fizeram algo que já sabem que não é bom. Se
fizeram algo que já sabem que não é bom, por que fizeram???
O que deu errado? Pelo que se pode notar, o case Sai Pra Lá sofreu de um grave
problema: a tentativa de aplicação de modelos antigos a ações na Web 2.0. Desde o início, a
ação não parecia preparada para enfrentar a democracia deliberativa do consumo. Um sintoma
claro disso é a ausência da possibilidade de postar comentários no blog Sai Pra Lá. Como o
blog pretendia incitar a participação do público se nem mesmo era possível comentar suas
postagens? O aparente medo da perda de controle foi tão grande que provocou problemas até
no funcionamento da promoção. Alguns usuários que, apesar da comunicação, se interessaram
em ganhar um ano de Bis, comentaram no YouTube e em outros sites que não sabiam como
enviar o conteúdo, que não havia nem mesmo um email de contato no blog.
O merchandising editorial falseado e a tentativa de simular uma realidade inexistente
também foram motivos de diversas críticas dos internautas. O incômodo gerado por estes
fatores tem relações muito estreitas com o estranhamento causado nos casos de
merchandising em novelas, onde o personagem se afasta da sua realidade para falar de um
produto ou serviço. Este antigo modelo de merchandising e product placement, tão
desgastado pelos programas televisivos, se torna ainda mais frágil na Web 2.0.
Neste momento, é importante tomar um pequeno desvio para falar sobre o
“verdadeiro”. Afinal, é curioso pensar em realidade quando o assunto tratado passa por
novelas na televisão. Se os personagens obviamente não são pessoas reais, porque o
merchandising mal executado incomoda o público?
A ação falhou em todos os sentidos. Durante o curso desta pesquisa, nem mesmo foi
possível encontrar informações que confirmassem se alguém ganhou a promoção, o que
sugere a noção de que o case Sai Pra Lá foi interrompido abruptamente. O fracasso foi
evidente. Carlos Merigo, autor do blog Brainstorm#9 e respeitado blogueiro do mercado
publicitário deu um título muito pertinente ao post que escreveu falando do case: “Lacta força
a barra em “ação viral” para chocolate BIS”32.
Será que a experiência manchou irreversivelmente a marca Bis? Provavelmente não. A
volatilidade da Web 2.0 também tem suas benesses: todo o caso foi deixado pra trás, e
aparentemente a empresa não sofreu conseqüências graves pela tentativa mal sucedida. Mas o
tempo, o esforço e o dinheiro gastos na ação foram completamente perdidos. O que se conclui
deste exemplo é que é fundamental experimentar o potencial da Web 2.0 na comunicação,
mas para que haja alguma chance de sucesso, é necessário entender a nova dinâmica das
relações mediadas por este meio, e não se agarrar a conceitos e posturas antigos.
O terceiro e último case a ser abordado neste trabalho foge um pouco à seleção
proposta para o capítulo, por não se tratar especificamente de um esforço publicitário de
determinada empresa no ambiente da Web 2.0. No entanto, este exemplo é essencial para
demonstrar o que de fato é uma empresa inserida na dinâmica da democracia deliberativa de
consumo, e merece destaque tão grande quanto possível.
No dia 30/06/2009, a agência Amnesia Razorfish, braço australiano da Razorfish, uma
das maiores agências digitais do mundo, resolveu testar o poder das mídias sócias. Para isso, a
empresa lançou uma proposta no serviço de microblogging Twitter: aproximar as empresas
Coca-Cola e Pepsi, provavelmente a maior rivalidade do mundo das marcas.
A iniciativa começou no Twitter de Iain McDonald33, sócio fundador da Amnesia
Razorfish, com a seguinte mensagem34: “RT35 para terminar com uma antiga guerra: Queridos
@pepsi e @cocacola, por que não seguirem-se no Twitter e virarem amigos :)”. Rapidamente,
a mensagem começou a ser replicada por diversos usuários e se multiplicou pelo Twitter,
32 Disponível em <http://www.brainstorm9.com.br/2008/09/15/lacta-forca-a-barra-em-acao-viral-para-chocola
te-bis>, acesso em 28/11/2009.
33 No Twitter, Iain McDonald usa o nome @eunmac
34 Disponível em <http://twitter.com/eunmac/status/2411784055>, acesso em 29/11/2009.
35 RT é uma sigla que significa “retweet”. No Twitter, isto é reenviar a mensagem de outro usuário para seus
seguidores.
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ganhando força e presença. Os usuários esperavam ansiosamente pela resposta das empresas,
que, de acordo com o senso comum, nunca teriam uma relação amistosa.
Mas as regras mudaram na Web 2.0. A resposta veio em menos de três horas, com a
seguinte mensagem do Twitter oficial da Coca-Cola36: “Iain, eu acho que essa é uma bela
idéia. Um gracioso (mas competitivo) olá da Coca-Cola, @pepsi.^AB”. E com esta
mensagem, a Coca-Cola abriu um caminho comunicativo improvável com sua rival, passando
a ser seguidora da empresa Pepsi na rede.
Durante o tempo decorrido até que a rival respondesse a iniciativa, a Coca-Cola se
colocou voluntariamente em uma posição submissa à Pepsi, como sua seguidora. Certamente,
esta atitude seria impensável para profissionais de marketing desconectados da dinâmica da
Web 2.0. A empresa líder do segmento ser posta abaixo da sua principal concorrente por
vontade própria vai contra todas as crenças de qualquer mente conservadora.
E, por isso, é tão importante entender a profundidade das mudanças geradas pelo
surgimento da Web 2.0. A atitude de aproximação da Coca-Cola não fez com que a empresa
se submetesse à Pepsi. Pelo contrário: a Coca-Cola ganhou carisma perante seus
consumidores, demonstrando virtudes e atendendo ao desejo do público. Em última instância,
ao dar o primeiro passo para se aproximar da Pepsi, a Coca-Cola ganhou poder. E a rival
simplesmente não tinha outra escolha a não ser fazer o mesmo.
Às duas da tarde do dia 01/07/09, menos de vinte e quatro horas depois da mensagem
inicial, a Pepsi enviou sua resposta37: “Olaaaa @CocaCola e @eunmac! Podem rivais e
tweeps38 coexistirem? Estamos dispostos a descobrir. :)”. E, a partir de então, Coca-Cola e
Pepsi passaram a ser seguidores no Twitter.
Com esta atitude, as duas empresas saíram ganhando em carisma e reafirmando seus
valores ligados a felicidade e bons sentimentos. Na dupla iniciativa, as rivais acabaram por
fortalecer sua imagem de marca e, em um caso sem precedentes, ajudar a fortalecer a da
concorrente. E caso alguma tivesse se recusado a fazê-lo, certamente sairia como retrógrada e
não ganharia absolutamente nada com isso.
Consumidores comemoraram a aproximação das marcas no serviço de microblogging,
e a iniciativa da Amnésia Razorfish ganhou espaço em centenas de blogs, maravilhados com a
vitória da idéia. Graças a um tweet, que poderia ter vindo de qualquer lugar do mundo, as
duas maiores marcas de refrigerante do planeta estavam conectadas.
Como dito no início do tópico, este último exemplo não se trata de uma ação
publicitária, mas da afirmação de uma postura mais tolerante, flexível e preparada para um
mundo onde o poder não está concentrado na mão das marcas, e sim dos consumidores. Coca-
Cola e Pepsi agiram da melhor maneira possível, e ambas saíram ganhando sem gastar nada.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de uma série de exemplos, estudos teóricos e aplicações práticas das hipóteses
levantadas, se faz necessária a recapitulação dos principais pontos discutidos neste estudo. O
objetivo do trabalho foi analisar a partir de diversos pontos de vista as novas relações de
poder entre consumidor e marca, advindas do surgimento do “fenômeno social” Web 2.0. A
relevância desta questão está na aparente ausência ou baixa freqüência de iniciativas voltadas
para esse ambiente no mercado brasileiro. E os cases vistos muitas vezes pecam por se aterem
a antigos formatos e crenças, que pouco se aplicam a esta nova forma de comunicação.
O conceito da democracia deliberativa do consumo foi criado para quebrar antigos
paradigmas acerca da relação marca/consumidor. Antigas posições de poder já não se aplicam
a essa esfera de comunicação, e se torna fundamental aceitar a nova realidade e encontrar
formas de comunicação efetiva que aproveitem as potencialidades deste ambiente. As novas
possibilidades de comunicação no meio digital exigem uma nova postura de empresas e
agências de publicidade, para que seus esforços publicitários continuem sendo eficazes. Não
se pretende dizer que a Web 2.0 substituirá outras formas de comunicação, meios e veículos
publicitários. No entanto, sua entrada e posterior capilarização no mercado consumidor trará
mudanças significativas para as relações de consumo em todas as suas instâncias.
A realidade da inclusão digital no Brasil ainda é insipiente para que esta mudança seja
sentida em todos os mercados, mas o crescente barateamento dos meios de conexão e avanço
tecnológico de celulares e outros pontos de acesso à internet possivelmente fortalecerão a
tendência apresentada, mais cedo ou mais tarde. A nova realidade das relações de consumo
pós Web 2.0 influenciará todos os aspectos da propaganda, do marketing, do design e do
consumo em geral. Desde já, profissionais de marketing e propaganda devem começar a criar
alternativas comunicativas pensadas a partir desta nova dinâmica, dentro ou fora da rede.
A pluralidade e profundidade de pontos de contato da Web 2.0 com o usuário fazem
com que a mudança alcance a sociedade de diversas formas: isto inclui até mesmo esta
monografia. Certamente, as teorias e as proposições apresentadas são de um caráter muito
mais opinativo do que se encontra na maioria dos estudos de conclusão de curso. Não se pode
esperar outra coisa de um produto gerado por um autor intimamente ligado às novas
prerrogativas sociais da internet. O usuário da Web 2.0 não abdica do direito de dar sua
opinião, dentro ou fora do ciberespaço. As novas regras atingem as relações de consumo,
amorosas, sociais, trabalhistas e todas as facetas da vida deste novo indivíduo conectado. A
monografia não é imune a esse processo.
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REFERÊNCIAS
LOS ANGELES TIMES. Levinator25 gets a paycheck for his Tiger Woods glitch vídeo.
Disponível em: <http://latimesblogs.latimes.com/webscout/2008/08/levinator25-get.html>,
acesso em 15/11/2009.
MCCONNELL, Ben; HUBA, Jackie. Buzz Marketing: criando clientes evangelistas. São
Paulo: M. Books, 2005.
MERIGO, Carlos. Lacta força a barra em “ação viral” para chocolate BIS. Disponível
em: <http://www.brainstorm9.com.br/2008/09/15/lacta-forca-a-barra-em-acao-viral-para-
chocolate-bis>, acesso em 28/11/2009.
REINGHOLD, Howard. Smart Mobs: the next social revolution. Cambrigde: Perseu
Books, 2002.
RIES, Al e TROUT, Jack. Posicionamento: a batalha pela sua mente. São Paulo: Pearson
Makron Books, 2002.
ROBERTS, Kevin. Lovemarks: o futuro além das marcas. São Paulo: M. Books, 2005.
SILVA, Felipe Carreira da. Habermas e a Esfera Pública: reconstruindo a história de uma
idéia. In: Revista Sociologia, problemas e práticas, nº 35, Lisboa: CIES, 2001, p. 117-138.
WESCH, Michael. Vídeo Web 2.0: The Machine is Us/ing Us. Disponível em: <http://www.
youtube.com/watch?v=xgLvhUH4zck>, acesso em 10/11/09.
WIENER, Norbert. Cibernética e sociedade: o uso humano de seres humanos. São Paulo:
Cultrix, 1984.