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Sexta-feira
8 Janeiro 2010
www.ipsilon.pt

Um clique
A cultura nos anos 00
na década
Espaço

Flash
Em época Público as minhas referências do “shoegazing” dos
de balanço, vão para dois projectos anos 80, o que, por si só,
não resisti a estreantes: os semi- poderá levar a pensar
escrevinhar obscuros Girls (de que se trata de mais
também as minhas Christopher Owen) e os uns teenagers pseudo-
escolhas. Dos consensuais XX. Ambos deprimidos. Desenganem-
consagrados, haveria criaram obras notáveis, se. Não cabendo em
muito por onde escolher ainda que, bastante nenhuma das categorias
mas limitar-me-ei a distantes musicalmente. anteriores, seria pecado
referir duas hipóteses: Se o primeiro prima pela capital deixar de referir o
os escoceses Camera diferença e intensidade segundo trabalho de Elvis
Obscura e o veterano (elejo o tema “Hellhole Perkins (“Elvis Perkins in
norte-americano Bill Retrace” como épico do Dearland”).
Callahan. No entanto, ano), os segundos movem- António Freitas, radialista,
curiosamente, este ano se num terreno devedor 38 anos

David Maranha
em aventuras
além-fronteiras
no início de 2010
A editora Roaratorio prepara-se
para lançar, no final de Fevereiro,
um novo álbum do português David
Maranha. “Antarctica”, o sucessor
de “Marches of the New World”
(décimo lugar na lista de música
pop do Ípsilon, em 2007), terá o
selo da casa editorial norte-
americana, que já lançou trabalhos
de gente como Chris Corsano, Ben
Chasny (Six Organs of Admittance),
Joe McPhee e Vibracathedral
Orchestra.
Ao Ípsilon, Maranha adiantou que o
som não será muito distante do de
“Marches of the New World”. Ou
Sumário seja, dizemos nós, música contínua,
de desenvolvimento lento, mas
Música 8 vigoroso, algures entre o
Eu sou a minha cena musical minimalismo de Tony Conrad e o
O dia em que Cormac McCarthy lado mais exploratório dos Velvet
Underground. A formação será
Cinema 12
composta pelo próprio Maranha
Cinema anos zero
viu “A Estrada” (órgão e violino), Riccardo Dilon
Wanke (guitarra eléctrica), João
Exposições 16 Foi um momento de agonia Hillcoat, tentando controlar filho que tentam sobreviver Milagre e Stefano Pilia (baixo, no
Os anos da sincronia para o realizador John o nervosismo, perguntou: no pós-apocalípse. lado A e B, respectivamente) e
absoluta Hillcoat e para John “Então?”. Mas McCarthy Quando se despediram, Afonso Simões (bateria). O álbum
Penhall, o argumentista disse apenas que precisava Penhall pediu um será lançado em vinil, com uma
peça de cada lado.
Livros 20 que adaptou para cinema o de ir à casa de banho. autógrafo. McCarthy A confirmar que o início de 2010
Os livros estão livro “A Estrada”, de Demorou o que pareceu assinou um exemplar de será preenchido para David
nas nuvens Cormac McCarthy: o uma eternidade. Mas “Meridiano de Sangue”: Maranha (que pertence aos
próprio autor – quando voltou lançou: “É “Do teu amigo Cormac, históricos Osso Exótico) está a
“frequentemente descrito bastante bom”. Hillcoat mal Albuquerque, Novembro participação no projecto Box, em
Teatro/Dança 24
Bruxelas, entre 30 de Janeiro e 2 de
As artes performativas como ‘o maior autor conseguia acreditar. 2002”. Mas era Novembro Fevereiro. Nesses quatro dias,
à porta dos teatros americano vivo’”, explica “Verdade? Não está só a ser de 2008. O argumentista Maranha e outros músicos (estão já
Penhall – vinha assistir à simpático?”. “Ouçam”, virou-se para o realizador confirmadas as presenças de Ben
apresentação do filme. respondeu, “não fiz estes em pânico: “Meu Deus, Frost e Helge Sten, dos Supersilent)
“Sabíamos que só a quilómetros todos só para John, quanto é que nós vão estar em estúdio, sem
quaisquer planos prévios. O
aprovação de McCarthy nos vos dizer uma mentira”. A bebemos? Ele tem que resultado será editado pela Rune
permitiria lançar o filme adaptação é “muito guiar de volta para Santa Fé Grammofon, importante editora
que realmente queríamos poderosa”, continuou à noite – se acabar numa norueguesa de música
fazer. Sem ele ficávamos à McCarthy. Gostou muito da vala seremos os experimental. Pedro Rios
mercê de investidores cada voz “off” (opção que tinha responsáveis. Teremos
vez mais nervosos e o nosso sido polémica) – o que fez morto o maior escritor
futuro em Hollywood Penhall ter vontade de “o americano vivo.”
estava em risco”, escreve levantar no ar e dar-lhe um Mas no dia seguinte, às oito
Penhall num texto no diário abraço”. Acabaram a comer da manhã, estavam a
“The Guardian” no qual – e a beber – juntos. Falaram receber por fax as páginas
recorda esse momento em de John, o filho de 11 anos de das notas que McCarthy
Ficha Técnica que o escritor chegou a McCarthy (que tem 76 anos), tomara durante a
numa sala de projecção e a inspiração para a projecção. Havia um
Director Bárbara Reis deserta em Albuquerque, personagem da criança de diálogo “importante” que
Editor Vasco Câmara, Inês Nadais vindo de Santa Fé no seu “A Estrada”
A Estrada não estava no filme e,
(adjunta)
Conselho editorial Isabel velho Cadillac prateado. – história segundo o escritor, devia
Coutinho, Óscar Faria, Cristina Assim que a projecção teve sobre a estar: quando o filho diz ao
Fernandes, Vítor Belanciano início, McCarthy “começou ligação pai: “O que farias se eu
Design Mark Porter, Simon a tomar notas no seu entre um morresse?”, e o pai
Esterson, Kuchar Swara bloco”. No final “tinha pai e um responde: “Quereria
Directora de arte Sónia Matos
Designers Ana Carvalho, Carla páginas cheias das malditas morrer também”.
Noronha, Mariana Soares notas”. “A Estrada” está nas salas
Editor de fotografia Miguel A agonia prolongou-se. portuguesas [ver crítica
Madeira Quando o filme terminou, neste suplemento]. A.P.C.
E-mail: ipsilon@publico.pt John Hillcoat

2 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


Darth Vader

Darth Vader quer e serão precisamente as suas


canções aquilo que ouviremos. Ou
ser seu amigo no
Facebook!
seja, uma apresentação em
primeiríssima mão: o público a
As 12 mil mulheres de Warren Beatty
ouvir a novíssima música que Panda Qualquer uma das mulheres que
Como seria se houvesse um Bear tem para mostrar, Panda Bear esteve nos braços de Warren Beatty
Facebook interplanetário e as a averiguar como resulta perante o até pode, no momento, ter sentido
personagens da “Guerra das público aquilo que criou num ser a única. Agora ficará a saber, ou
Estrelas” de George Lucas tivessem quarto no Bairro Alto. Os bilhetes, pelo menos a desconfiar, que não
contas? É a improvável premissa do ao preço de 15 €, são postos à venda foi “uma em mil” mas sim “uma
que o humorista Brian Murphy, do quarta-feira, dia 13, nas lojas Flur e em 12.775”. E se mais dias houvesse
site College Humor, fez num post Louie Louie e no Lux. entre o momento em que o
que anda a dar a volta à internet intérprete de “Bonnie and Clyde”
que propõe “cinco status updates perdeu a virgindade, com 19 anos,
da Guerra das Estrelas no The XX na Aula e aquele em que conheceu Annette
Facebook” - desde os pilotos da
Aliança Rebelde a combinarem
Magna em Maio Bening, em 1991, com quem se
casou já com 54 anos, mais
saídas para bjecas ali ao planeta do mulheres haveria na vida, e na
lado a Darth Vader a descobrir que cama, de Warren Beatty.
os seus generais gozam com ele É o que sugere o escritor Peter
quando ele não está a ler, passando Biskind na biografia “Star: How
por piropos românticos de Han Solo Warren Beatty Seduced America”.
à princesa Leia, pelos resmungos de Para chegar a esse número, o autor
Chewbacca e pelas inconveniências de “Easy Riders Raging Bulls: How
do robot tradutor C3PO, vale tudo. the Sex-Drugs-And Rock ‘N Roll
Com direito a um grande momento Generation Saved Hollywood” – a
de humor quando um dos crónica da ascensão dos “movie
stormtroopers do Exército Imperial brats” a Hollywood, nos anos 70, a
fica transtornado por ter morto um partir das idiossincrasias das
Ewok. Está tudo em http://www. Chamam-se XX e a estreia foi um “personagens”, figuras como Al
collegehumor.com/article:1794889 . dos discos mais celebrados de Ashby, Spielberg, Michael Cimino
E agora desculpem mas vamos ali 2009, transformando dois miúdos e ou William Friedkin – usou nesta
desamigar o Darth Vader. duas miúdas de Londres, 20 anos biografia a “simples aritmética”. E
de idade, em celebridades pop (à partiu do princípio que Beatty
escala indie, naturalmente). teve, em média, uma mulher por
Panda Bear Sabemos agora que vamos vê-los no dia. Se for verdade, “é
apresenta novo tempo certo. Dia 25 de Maio actuam
na Aula Magna, em Lisboa. A
impressionante”, escreve o jornal
“The Guardian”, que lembra que,
contar as estrelas no céu”, escreve
o “New York Post”. Algumas delas,
Beatty: “Lembro-me de olhar para
a cara dele e me questionar: Como
álbum no Lux música dos XX, onde o segundo o libretista de Mozart, estrelas de Hollywood, dão estou eu aqui?”
minimalismo dos ritmos e texturas Lorenzo da Ponte, Dom Juan testemunhos pessoais, citados por Houve ainda Isabelle Adjani, que
electrónicas se e ligam a vozes “apenas” dormiu cocom este jornal. Joan Collins: “Não sei se terá sugerido um “ménage-à-trois”
desencantadas, s, existe num espaço 2065. posso durar muito mais tempo. Ele com Fran Drescher, que recusou
entra tudo o que a pop
onde se concentra “Quantas nunca pára – deve ser de todas depois de já antes ter dormido com
criou de etéreo o e nocturno nos mulheres aquelas vitaminas que ele toma... o actor. E, entre todas as outras,
últimos vinte anos: o pós-punk e o estiveram lá? Daqui a uns anos, estarei gasta.” houve também Julie Christie e
shoegaze, os Young Marble Giants e Mais fácil será Ou Jane Fonda: “Oh meu Deus. Janice Dickinson.
dytron e uns Pixies
os Cure, os Ladytron Beijámo-nos até nos arrancarmos Verdadeiro ou não, este lado da
sem distorção.. p at ca e te a cabeça u
praticamente um ao vida de Warren Beatty circulou nos
tiva neles, porém,
O que mais cativa outro.” últimos dias por sites de notícias do
erências cruzarem-se
será essas referências Também houve Madonn
Madonna, por mundo, da Austrália à Malásia. E
de uma forma que só neles parece altura das filmagens de “Dick não apenas por causa da polémica
realmente fazer er sentido. Tracy”, ou a Louise BrBryant de de esta ser ou não uma biografia
Representantes es perfeitos “Reds”, Diane Keaton
Keaton, que autorizada – alguns jornais
de uma geração ão onde confessa ter ficado referiram-na como tal, Beatty diz
são inexistenteses as surpreendida, poporque que não o é, enquanto o editor
teiras
habituais fronteiras Jane Fonda achava não fazer d de todo Simon & Schuster omite essa
de estilo, os XXX “ tipo” de Warre
“o Warren informação – mas mais pelo
tanto servem o “extraordinár
“extraordinário” ou o
urbano “surpreenden
“surpreendente” do número”,
Tendo-o por perto, colhemos este depressivo como qualific
qualificam alguns jornais.
tipo de benefícios. Noah Lennox, quarentão que e Warren Beatt
Beatty desmente tal
que conhecemos como Panda Bear cresceu com os s advogado Bertram
número e o seu
nos Animal Collective e na carreira Joy Division Fields acusa BBiskind de “muitas
a solo, que nasceu em Baltimore, quanto o falsas afirmaç
afirmações” e de citar o actor
mas vive em Lisboa, actua dia 12 de adolescente que ue Diane Keaton de 72 anos “a dizer coisas que
Fevereiro no Lux. Quando editou o descobre numa ma pista de nunca disse”
di ”.
disse”.
celebrado “Person Pitch”, álbum dança que, a partir
maior, pessoalíssima visão do daquele momento,ento,
universo que ajudou a desbravar “Crystalised” será a sua
com os autores de “Feels”, ida.
canção preferida. Joan Collins
apresentou-o num B Leza esgotado mente, a
Daí, provavelmente,
onde se viveu ambiente de presença em variadíssimas
acontecimento. Mas o Panda não ores álbuns de
listas de melhores
pára e, no Lux, não se ouvirão as cupado o quinto
2009, tendo ocupado Madonna
canções de olhos e coração nos céus orada pelo Ípsilon.
lugar na elaborada
de “Person Pitch”. Panda Bear Os bilhetes parara o concerto, à
começará a gravar o seu próximo venda nos locaisais habituais,
álbum a solo nas próximas semanas custam 25 euros.os.

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 3


A década em que
ser famosos pa

O pior dos tempos ou o melhor dos tempos. A cultura da Internet em par t


se passou ao longo de dez anos no campo da criação artística - e, claro, do c
Capa

Perdidos. Na imensidão do espaço vas, se alteraram profundamente. estrutura narrativa reproduz estraté- perplexo, num primeiro momento. O
digital. No excesso de informação. Na Foram dez anos esquizofrénicos em gias de propagação viral no imaginá- mesmo apetece dizer em relação ao
proliferação de suportes, de manei- que as actividades culturais se con- rio colectivo, alegando teorias e inter- que se passou na década que finda.
ras de ouvir, ver, ler. Em todo o lado, frontaram com uma espécie de esva- pretações paranóicas, assentes na Quem continuou a usar velhas grelhas
a toda a hora, procurando, com an- ziamento, mas em simultâneo foram procura de um sentido para um pu- de leitura para pensar o que se passou
siedade, a qualidade na quantida- vistas como veículo de desenvolvi- nhado de personagens que se encon- na música, no cinema ou nas artes,
de. mento económico, servindo para ima- tram algures, sem noção de espaço e saiu dessa análise confundido, suge-
Foi assim que vivemos a primeira ginar soluções para o crescimento de tempo, lembrando o dispositivo rindo que nada de expressivo acon-
década do século XXI. Foram dez sustentável. cenográfico criado por Lars Von Trier teceu, não porque nada tivesse suce-
anos em que as condições de produ- “Perdidos” é também nome de uma no filme “Dogville”. dido realmente, mas porque o que se
ção, existência, partilha e distribuição das séries de televisão mais iconográ- Quem tentasse ver “Perdidos” re- passou se manifestou de maneira di-
da música, do cinema, da literatura ficas da década. Uma espécie de mi- correndo aos modelos habituais para versa, a um nível micro, de forma rá-
ou das artes, plásticas e performati- tologia unificadora destes anos. A descodificar as séries de TV, ficaria pida, disseminada, sem que muitas

4 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


e todos puderam
ara 15 pessoas

r ticular, e os desenvolvimentos tecnológicos em geral, marcaram o que


o consumo. Nunca se passou tanto em tão pouco tempo. Vítor Belanciano
vezes chegasse a formar um todo co- dos tempos. Nunca aconteceu tanto das na década já eram perceptíveis Mas na maior parte dos casos essas
erente. Não espanta que muitos te- em tão pouco tempo. no final do século passado – era visí- “obras” ficavam na gaveta. Graças ao
nham proclamado que vivemos um vel, por exemplo, a contínua desma- fácil acesso aos meios de produção,
período de cultura derivativa, esgo- Somos todos artistas terialização dos suportes musicais ou esta foi a era em que todos procla-
tada, devorando-se a si própria, em No centro de todas as discussões e de o previsível impacto das câmaras di- maram “eu-também-posso-ser-artis-
ciclos curtos. todas as mudanças, a tecnologia, com gitais no cinema –, mas a Internet ace- ta”. A maior parte continuará incóg-
Quem tentou perceber procedi- destaque para a Internet. No início lerou todos os processos. nita, nunca alcançando a consistên-
mentos em aberto, não receando a era aquela coisa estranha a que cha- Antes, já todos tínhamos escrito cia de um percurso, mas outros,
desarrumação e as contradições que mávamos ciberespaço. Depois tornou- um poema ou um conto, criado uma como os Arctic Monkeys ou Lily Al-
se apresentavam à sua frente, com- se no nosso ambiente quotidiano, na canção numa roda de amigos, tirado len, acederam ao panteão dos famo-
preendeu que as rupturas continuam nossa casa, o habitat onde hoje pas- uma fotografia que até nos disseram sos graças a plataformas como o MyS-
a existir mas manifestam-se de forma samos o tempo. ser muito “artístic” ou feito um pe- pace, o YouTube, os blogues ou as
distinta. Para eles, foram os melhores Muitas das transformações opera- queno filme, documentário ou vídeo. redes sociais.

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 5


nasce-
na Vivemos num mundo de 24 horas mentos e mudanças – e não apenas
ram no- de filmes, discos ou livros, passíveis revivalismos ou recalcamentos do
vos íco- de serem experienciados onde e passado, como não parámos de ouvir
nes. Mais
M quando nos apetece – às vezes, mes- ao longo da década – nos campos ar-
human
humanos. mo quando não queremos. Essa imer- tísticos, mas são agora percepciona-
Mais prpróxi- são contínua tanto pode estimular das de outra forma. No limite, de
mos de nós. Ver- como banalizar a experiência. maneira mais subtil.
dadeiros criad
criadores Talvez por isso, como reacção ao O mundo, e com ele o mundo da
e não figuras dese
desenha- consumo indiferenciado e individu- cultura, está mais desordenado, mas
das a régua e esqua
esquadro. al, no computador ou no iPod, os também mais estimulante, do que há
Não se obrigando a comunicar
comun espectáculos ao vivo tiveram uma dez anos. É natural que aqueles que
para o planeta
planeta, mas comunica
comunicando época dourada. A experiência social não sabem guiar-se na desordem se
Que o consumidor tenha passa- de facto para imensas minorias. de um concerto é irrepetível, bem sintam desnorteados e acabem por
do a ser também criador não é uma Foi assim que, na música, se impu- como de uma peça, de uma coreo- regressar ao que sempre conheceram
novidade. A diferença é que, hoje, seram nomes como M.I.A, LCD Soun- grafia ou de uma obra como “Ava- ou aos valores perenes – talvez por
essa produção espontânea pode con- dsystem, Animal Collective, Arcade tar”, que explora uma tecnologia isso, esta foi também a década em que
vergir directamente para o espaço Fire ou, de Portugal para o mundo, (3-D) que reafirma o prazer de ver a memória mais foi celebrada, seja ela
virtual. Ao passo que até aqui um ar- os Buraka Som Sistema, todos bene- filmes em comunidade. personificada pelos Beatles, por An-
tista, para o ser, tinha que ser criati- ficiando do novo contexto digital. Em todas as áreas criativas se as- tónio Variações (Os Humanos) ou por
vo mas também de garantir o acesso sistiu ao irromper de novos centros. Andy Warhol.
aos meios de produção, distribuição Do macro para o micro Nova Iorque, Londres, Paris ou Ber- Como acontece quase sempre em
e legitimação. Os anos 00 foram protagonistas de lim continuaram a servir de farol circunstâncias de mudança profun-
Não vale a pena romantizar. Esse inúmeros micro-fenómenos (revita- para perceber o que de mais impor- da, parte do público, dos criadores
processo mantém-se. Mas é mais fá- liza- ção do rock com Strokes, entro- tante se passou na música, no cinema e dos gigantes das indústrias cultu-
cil contorná-lo. Nunca a fantasia do namento do hip-hop com Jay-Z, res- ou nas artes. Mas da China ao Brasil, rais, tem nostalgia dos dias em que
“faça-você-mesmo” pareceu tão real, tabelecimento da folk com Devendra da Índia a África, depende-se cada parecia existir uma espécie de uni-
com plataformas da Internet a subs- Banhart, cruzamentos dança-rock vez menos desses centros de legiti- dade cultural, produtora de um sen-
tituírem-se a editoras de discos e li- com Franz Ferdinand, afirmação da mação. tido, em que todos se reflectiam um
vros, estúdios de cinema, galerias de geração pós-hip-hop com M.I.A., mi- Mais uma vez, o contexto é o de pouco. Mas esses dias, é quase certo,
arte, estações de rádio e TV, jor- nimalismos electrónicos com Villa- um mundo que se confronta com a não vão regressar.
nais. lobos, emergência do dubstep com circulação infinita de informação, Mas também não vale a pena mis-
A maior parte do que conflui para Burial), sucedendo-se de forma ve- onde há partilha e recriação genera- tificar o papel da Internet, e das tec-
a internet é lixo. Carradas de lixo. Há loz, dispersa e ampla, impedindo a lizada do conhecimento. nologias em geral. Por um lado por-
uma ínfima parte que não o é. E isso focagem. Em muitos casos, do cinema orien- que a Internet ainda é terreno de
é imenso. A multiplicidade de esco- Na música, foi um período de con- tal à música desqualificada de cidades ambivalências, celebrada como aber- Nunca a
lhas promete mais diversidade e ino- tínua experimentação, com editoras, como Luanda, Cidade do Cabo ou Rio tura para novas possibilidades, mas fantasia do
vação. Mas as audiências também são músicos (os Radiohead puseram um de Janeiro (kuduro, kwaito, baile também temida por constituir um “faça-você-
mais segmentadas e estilhaçadas. álbum à venda tabelado pelo público) funk), passando pelos impulsos esté- sinal do fim da criatividade como a mesmo”
Daqui resulta uma cultura de inúme- e consumidores tentando adaptar-se ticos de artistas como o indiano Su- conhecíamos. Nos próximos anos, pareceu tão
ros pequenos cultos, que não se in- à convulsão. Seguiram-se o cinema, bodh Gupta, foi daí que saiu uma no- muito provavelmente, iremos assistir real, com
tersecta entre si, dispersa por infin- os livros, a TV, a rádio e os jornais. va energia, forma de resolver o im- à sua domesticação. plataformas
dáveis pequenos nichos. No cinema, os “blockbusters” não passe das práticas artísticas Por outro, porque independente- da Internet a
A célebre máxima de Andy Warhol desapareceram e heróis de outras dé- ocidentalizadas, demasiado conscien- mente das tecnologias, o que interes- substituírem-
nos anos 60 – “No futuro todos serão cadas até foram recuperados (Indiana tes da História, onde tudo já parece sa é a maneira como as artes e a cul- se a editoras
famosos por 15 minutos” – não perdeu Jones, Rambo). Para alguns, a morte ter sido tentado. tura asseguram alguma forma de de discos
sentido, mas poderia ser actualizada. de Antonioni e Ingmar Bergman sim- A modernidade produz-se agora ao compromisso com a vida, reflectindo, e livros,
Nesta década, não só foi possível ser bolizou o fim de uma forma de estar ritmo de uma negociação planetária ampliando e até antecipando o que estúdios
famoso por 15 minutos, como foi pos- no cinema, mas a verdade é que a feita de inúmeros centros. E também acontece à nossa volta, num período de cinema,
sível sê-lo apenas para 15 pessoas. A ideia de autoria, em realizadores tão de múltiplas temporalidades. Até ago- histórico de grande experimentação galerias de
nova (des)ordem digital não significou diferentes como Lynch, Gus Van Sant ra o acesso ao passado era parcial, politica, económica e social. Agora arte, estações
forçosamente que os dias em que as ou Pedro Costa, continuou viva. não cumulativo. Com a Internet, tal- que chegámos aos anos 10, os anos de rádio e TV,
grandes editoras, os estúdios de cine- Como na música, no cinema falou- vez pela primeira vez na História, te- zero estão só a começar. jornais
ma ou o circuito das artes geravam se menos de autores e mais de forma- mos a sensação de poder aceder a
estrelas duráveis, de dimensão plane- tos, contaminações e revoluções tec- todas as obras, de diferentes épocas,
tária, desapareceram. A força da cul- nológicas. O cinema documental (de num ápice. Não admira que subsista
tura popular pôde ser avaliada pelo “Fahrenheit 9 uma impressão em que passado, pre-
impacto da morte de Michael Jackson, 11“, de Michael Moore, a “Grizzly sente e futuro se sucedem, não ape-
ou pelo sucesso de Madonna, U2, Man”, de Werner Herzog) conheceu nas um atrás do outro, mas todos ao
Eminem, Angelina Jolie, Brad Pitt ou um impacto inaudito; as séries de TV mesmo tempo, conectando-se entre
Jeff Koons, ou de nomes alegóricos (“Os Sopranos”, “Sete Palmos de Ter- si, permeáveis.
destes anos, como Beyoncé, Justin ra”, “Perdidos”) foram incensadas; Em vez de uma História com per-
Timberlake, Kanye West, Amy Wi- o cinema contaminou a arte e vice- curso preciso e contínuo, passámos
nehouse, Scarlett Johannson, Clint versa – o artista Douglas Gordon re- a ter regressos, anacronismos, des-
Eastwood ou Damien Hirst. Mas as alizou “Zidane” e Steve McQueen fez continuidades, recuperações e con-
cifras macroeconómicas deram lugar “Hunger”, enquanto Julian Schnabel vivências. Sempre foi assim. Mas
a um novo pragmatismo – vender me- mostrava que é melhor realizador do essa consciência é agora nítida. Ou
nos de mais produtos. Foi assim que que pintor. seja, continuam a existir desenvolvi-

6 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


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Eu sou a minha
Os anos 2000 serão mais recordados pela tecnologia que pela música. Não que a música seja n
mais marcantes. Não por acaso, só nos encontramos todos em volta dos Beatles o

Siintonizar o rádio às escondidas, ma-


Sintonizar tilhado sem o saberem, noite após Claro que entre mato
m
maato -, não seria descabido
drugada
d rugada dentro, era abrir uma porta noite. os anos 50 de Dylan que
q ue alguém anunciasse com
para
p ara um outro mundo, longe da pe- Se a descrição parece arcaica, é por- e os 80 do “Som da pompa e circunstância o “fim da
pompa
q uena cidade em nenhures que a ja-
quena que o é. Extrapolámo-la das recorda- Frente”, assistiu-se ao história” do fenómeno pop, tal como
nela
n ela revelava. Algo longínquo, mis- ções de Bob Dylan de como descobriu nascimento da era do sin- pop
p
poo juve-
op entendido por Fukuyama. Instalados
terioso,
e
erioso, soprado no éter desde mil e a folk na rural Duluth, a cidade do gle e, depois, do LP. Claro nil,
nil, tal como no final da primeira década do sécu-
m
muitos quilómetros de distância.
distância Ele Minnesota onde nasceu.
nasceu Evoca ima-
ima que apareceram depois as cas-cas estabelecida
e stabelecida com lo XXI,
XXI não demoramos a encontrar
que
ue ouvia o rádio não estava sozinho
sozinho. gens a preto e branco,
branco irreais por pa- setes e,
e com elas,
elas gravando,
gravando desgra- o menear de ancas de Elvis expressão adequada a tal raciocínio:
Mas quem seriam os outros: comu- recerem hoje tão improváveis – houve vando e regravando, a música passou Presley no Ed Sullivan Show, em 1956, balelas. No que à música diz respeito,
nidade agrupada em volta da rádio mesmo um tempo em que a rádio era a circular de forma livre e personali- manteve, mais hippie, menos rocka- esta foi a década em que tudo reco-
madrugada dentro? Nunca o saberia. a única porta aberta para o mundo? zada. Depois, nasceu o CD e, anos 90 billy, mais punk, menos metaleiro, meçou, para nada ser como dantes.
Na melhor das hipóteses, iria desco- Contudo, não precisamos de recu- dentro, o CD gravável – em termos de os mesmos gestos, as mesmas normas
bri-los anos depois, quando uma con- ar tanto. Tão perto quanto os anos impacto, um pequeno e pouco signi- de idolatria, os mesmos processos de A imparável democratização
versa conduzisse a uma canção, essa 80, ainda era ela que servia de farol ficativo upgrade da cassete. Porém, mitificação. E não é por acaso que passámos os
canção trouxesse a recordação do agregador e formador de comunida- estes saltos tecnológicos não altera- Em 1995, com o CD estabelecido, parágrafos anteriores a falar da tec-
quarto e da caixa de madeira e cir- des de melómanos - basta recordar, ram radicalmente a forma como ou- com a indústria a lucrar como nunca nologia a ela associada. Nos anos
cuitos eléctricos produzindo som e, cá dentro, o trabalho ímpar de Antó- víamos música. Não alteraram radi- antes – às novas edições juntavam-se 2000, Google, MP3, iPod ou MySpace:
com ela, a revelação de que, há mui- nio Sérgio, o mais influente radialista calmente a forma como nos relacio- as reedições, de custo próximo do foram eles que mudaram tudo. Foi a
to, aquele momento havia sido par- português. návamos com os músicos: a cultura zero, de álbuns prévios ao novo for- agressiva e imparável democratização

8 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


a cena musical
a negligenciável. Será até das décadas mais ricas da pop. Mas paradoxalmente, longe de ser das
s ou Michael Jackson, ícones de um passado que já não existe. Mário Lopes

h Ninguém quer líderes ou pregadores. Ainda assim, f Os Animal Collective, tendo em conta as marcas da

continuamos fascinados com figuras dessa dimensão sua música, são o grupo mais influente deste tempo. Mas
icónica. Durante os anos 2000, foram os Rolling Stones, seria igualmente válido afirmar que as bandas mais
não os Coldplay, a banda que mais lucrou em digressão. influentes da década não nasceram nela: não são os
Os Beatles, com a edição da sua discografia Cure e os Joy Division aquilo que ouvimos nesse
remasterizada, escalaram os topes mundiais. Michael saturante revival pós-punk/80s que nos acompanha
Jackson foi chorado e reavaliado e reconquistou o trono desde 2001?
de Rei da Pop

e Numa década que teve como último álbum consensual,


enquanto marca geracional, “Funeral”, dos Arcade
Fire, ninguém se destaca, ninguém pode ser
entronizado como seu máximo representante

g A exclusividade, tão querida da ética indie, passou

dos álbuns obscuros, propriedade de uns poucos resistentes à dominação do “mainstream”, para aquele “I had
everything before everyone else” que os LCD Soundsystem cantaram em “Losing My Edge”, a canção que melhor
expressou a decisiva ruptura com o passado vivida nos anos 2000

da experiência musical, da audição de um extremo da década para o ou- em casa e disponibilizá-lo a partir de naram a música omnipresente no já não existe, passou dos álbuns obs-
de música à criação de música, que tro, perguntar-se-ia que raio se tinha casa), com as mil possibilidades cria- quotidiano, mas não a tornaram mais curos, propriedade de uns poucos
nos trouxe até aqui: a um ponto em passado entretanto. Nos anos 2000, tivas geradas pela facilidade de aces- importante: “O tempo voa quando resistentes à tenebrosa dominação do
que já não nos reconhecemos naqui- porém, o choque não seria tremendo. so a toda a história que a antecedeu estou a ouvir música. É assim: ‘hmm, “mainstream”, para aquele “I had
lo que éramos quando, na passagem Praticamente nada de 2009 seria ir- (“o câmbio actual do conhecimento o que é que estava a ouvir há dois se- everything before everyone else” que
de ano de 1999 para 2000, festejámos reconhecível em 2000 – esta foi a dé- de álbuns obscuros está abruptamen- gundos?’ Mas como que nos habitua- os LCD Soundsystem cantaram em
a inexistência do apocalíptico “bug” cada em que toda a história pop se te tão desvalorizado quanto o dólar mos a isso”, descrevia um nova-ior- “Losing My Edge”, a canção que me-
do milénio. reencontrou, se misturou e remistu- zimbabueano”, lia-se na última edição quino de 18 anos em artigo publicado lhor expressou a decisiva ruptura com
Recentemente Alexei Petridis, crí- rou nas mesmas ou em novas combi- da Word), esta será uma das décadas no site da NPR. E, finalmente, porque o passado vivida nos anos 2000.
tico do “Guardian”, propôs um exer- nações, em que todos os tempos co- mais ricas da pop – mas paradoxal- a net e as suas redes sociais, a intensa Numa década iniciada com a acla-
cício. Olhando para a música que se existiram num imenso caleidoscópio mente, longe de ser das mais marcan- actividade divulgadora dos blogues e mação geral a “Is This It?” dos Strokes
ouvia no início de uma década, e aqui- de sons. tes. Porquê? Porque o cenário está a capacidade de agregar gente em seu e que teve como último álbum con-
lo em que se transformara no final, Em retrospectiva, esta década será sobrepovoado e o consenso é inexis- redor, geram pequenas comunidades sensual, enquanto marca geracional,
teríamos uma panorâmica da sua di- mais recordada pelas transformações tente (nunca se anunciaram tantos de consensos, tornando profético al- “Funeral”, dos Arcade Fire; numa dé-
nâmica transformadora. Nos anos tecnológicas que pela música ela mes- “álbuns do ano” ou “melhores discos go que Momus escreveu no distante cada em que se assistiu à ascensão de
1960, alega Petridis, passou-se do “ski- ma. Não porque a música seja negli- da década” como hoje, nunca se des- ano de 1991: “no futuro, todos serão M.I.A. como alguém que transportou
ffle” para Jimi Hendrix. Nos 1970, de genciável. Pelo contrário, com a de- confiou tanto dos “álbuns do ano” ou famosos para 15 pessoas”. para o centro da pop expressões mu-
Jethro Tull para Gary Numan – e qual- mocratização dos meios de produção “melhores discos da década” anun- A noção de exclusividade, tão que- sicais até então marginais e em que
quer um que se visse teletransportado (qualquer um pode gravar um disco ciados). Porque o iPod e os MP3 tor- rida da ética indie num passado que Timbaland e os Neptunes transfor-

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 9


maram, perante todos, produções se-ia argumentar, por exemplo, que igualmente válido afirmar que as ban- Ninguém quer líderes ou pregadores: com a edição da sua discografia re-
arrojadíssimas em matéria “mainstre- os Animal Collective, tendo em conta das mais influentes da década não John Lennons seria
ria hoje em paterna- masterizada, escalaram
esc os topes
am”; neste década em que as grelhas as marcas da sua música que reconhe- nasceram nela: não são os Cure e os lista com a maniaa do acti- mundiais e voltaram a ser ouvidos em
de gosto se pulverizaram numa amál- cemos hoje em tantas bandas, são o Joy Division aquilo que ouvimos nes- vismo, Joe Strummer,
mmer, massa nas rádios e nos iPods. E Mi-
gama sem hierarquia (os Velvet Un- grupo mais influente deste tempo. se saturante revival pós-punk/80s muito genericamente,
mente, chael Jackson, com a sua morte pre-
dergroundnd podem ser tão relevantes Mas seria que, dos She Wants ReRevenge aos Edi- um chato. Ainda a as- coce, foi chorado e reavaliado e re-
quanto bandas sonoras televisivas tors, nos acompanha desde 2001? sim, continuamoss fas- conquistou o tron
trono de Rei da Pop.
dos anos 1980), nesta década a Ao contrário do que
qu muitos espe- cinados com figuras
uras Todos eles nos fascinam por re-
que, de Amy Winehouse a ravam, a net não trouxe verda- dessa dimensão icó- presentarem
p
pr esentarem um passado e uma
Jay-Z, não
o faltaram per- deira democra
democratização comu- nica. possibilidade pop que desa-
possibilida
sonagens,s, ninguém nitária, antes
ante uma demo- Durante os pareceu e que só reco-
parece
se destaca,
aca, nin- cracia inindividualista. anos 2000, fo- nhecemos por contin-
nhe
guém podeode ser Cada um define o seu ram os Rolling gência etária. Esta-
g
zado
entronizado percurso
p
pe rcur na rede, re- Stones, não os mos num novo
m
como seu colhendo informa-
colh Coldplay, a ban- mundo e, para o
máximo re- ção, saltando de
ção da que mais lu- bem e para o mal,
presentan-
n- meta ligação em
me crou em digres- nada será como
n
te. Poder-
r- meta ligação.
m são. Os Beatles,, dantes.
d

Álbuns da década
a João Bonifácio a 1. cLOUDDEAD DEAD
Ten; 2. Scott Walker The Drift; 3. Sil-
ver Jews Bright Flight; 4. Kimmo mmo
Pohjonen Kalmuk; 5 Edan Beauty y and
OutKast,
T Beat; 6. Radiohead Kid A; 7. The
The
“Speakerboxxx
N
National Boxer; 8. Camané Sempre pre de
The Love Below”
M
Mim; 9. Zé Mário Branco Resistir É Venc-
er; 10. Danny Cohen We’re All Gunna a Die; 11.
El-P Fantastic Damage; 12. Wilco Yanke nke Hotelk
Foxtr
Foxtrot; 13. Galandum Galundaina Modas I Anzo-
14. M.I.A. Kala; 15. Notwist Neon Golden; 16. Bill
nas; 14
Callaha
Callahan Sometimes I Wish We Were An n Eagle; 17. Jan
Jelinek Kosmicher
K Pitch; 18. Murcof Remembranza;
membranza; 19.
D’Angelo Voodoo;
Vo 20. Boards of Canada Geogaddi
gaddi

a Luís Maio a 1. An
Antony and the Johnsons I am a Bird Now; 2.
Vampire Weekend Vampire Weekend; 3. M.I.A. Arular; ar; 4. Buena
Vista presents Cachaito
Cacha Lopez; 5. Sonantes Sonantes; s; 6. Tinari-
wen Radio Trisdas Sessions; 7. The Avalanches Since e I Left You;
8. TV On The Radio Return To Cookie Mountain; 9.. Ali Farka
Toure & Toumani Diabate In The Heart Of The Moon; on; 10. LCD
Soundsystem Sound Of Silver; 11. Devendra Banhart hart Rejoic-
g in the
ing t e Hands;
a 12. Benjamin Biolay. negative; 13. Youssou
N’Dour - E Egypt; 14. Grizzly Bear Veckatimest; 15.
5 Salif Keita
Mouffu; 116. Lila Downs La Cantina; 17. Herbert Bodily Functions;
18. Spac
Spacek Curvatia; 19. Rokia Traouré Tchamatche; 20. Orches-
ttra
tr a Baobab
Baob Specialist In All Styles

a Mário Lopes a 1. LCD Soundsystem Sound Of Silver; 2. The


Stroke
Strokes Is This It?; 3. Animal Collective Feels; 4. White Stripes
B
White Blood Cells; 5. The Shins Oh Inverted World; 6- Fiery Fur-
naces Blueberry Boat; 7. Franz Ferdinand Franz Ferdinand;
8. T
Tinariwen Aman Iman; 9. OutKast Speakerboxxx The
Lo
Love Below; 10. Beachwood Sparks Beachwood Sparks; 11.
B Fachada B Fachada; 12. Cass McCombs; Dropping The
Writ; 13; Joanna Newsom Ys; 14. Norberto Lobo Mudar de
Bina; 15. The Streets Original Pirate Material; 16. Arcade
Fire Funeral; 17. The Go Team! Thunder Lightning Strike!;
18. Devendra Banhart Rejoicing in the Hands; 19. Primal
Scream XTRMNTR; 20. Kanye West Late Registration

a Pedro Rios a 1. Radiohead Kid A; 2. Animal Collective Feels; 3. Panda

Bear Person Pitch;


Pit 4. Outkast Speakerboxxx The Love Below; 5. Arcade
Fire Funeral; 6. Queens of the Stoge Age Songs For The Deaf; 7. Six Or-
Admitt
gans Of Admittance School Of The Flower; 8. At The Drive-In Relation-
ship of Comman
Command; 9. Black Dice Beaches and Canyons; 10. Radiohead
Amnesiac; 11. Fu
Fugazi The Argument; 12. The Streets Original Pirate Mate-
rial; 13. Devend
Devendra Banhart Rejoicing in the Hands; 14. Animal Collec-
tive Merriweath
Merriweather Post Pavillion; 15. M.I.A. Kala; 16. The Strokes Is This
M.I.A., “Arular” It?; 17. Justin Timberlake
T FutureSex/LoveSounds; 18. LCD Soundsys-
tem Sound Of Silver; 19. Burial Untrue; 20. Gang Gang Dance Saint
Dymphna

a Vítor Belanc
Belanciano a 1. The Knife Silent Shout; 2. LCD Soundsystem
LCD Soundsystem;
Soundsy 3. M.I.A. Arular; 4. Burial Untrue; 5. D’ Angelo Voo-
doo; 6. Arcad
Arcade Fire Funeral; 7. Herbert Bodily Functions; 8. TV On LCD Soundsystem,
The Radio R Return To Cookie Mountain; 9. OutKast Speakerboxxx The “Sound Of Silver”
Love Below; 10.1 Dirty Projectors Bitte Orca; 11. Kanye West Late Reg-
istration; 12. Robert Wyatt Cuckooland; 13. Animal Collective Mer-
Po
riweather Postost Pavillion; 14. Spacek Curvatia; 15. Panda Bear
Person Pitch
Pitch;
h; 16. Björk Vespertine; 17. The Strokes
This Is It; 18. Buraka Som Sistema From Buraka To
The World; 119. Vampire Weekend Vampire Week- Weekk-
end; 20. Ricar
Ricardo
rdo Villalobos Alcachofa

Herbert, “Bodily
Functions

D’Angelo,
The Strokes, “Is This It?” Animal Collective, “Feels” e “Merriweather Post Pavillion” “Voodoo”

10 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


ESTÚDIO
Nuno Ramalho & Renato Ferrão
Exposição de 11 de Novembro até 22 de Janeiro de 2010
Horário: de quarta-feira a sábado, das 15h às 20h
Visita guiada com os Artistas e com Bruno Marchand
(autor do texto do catálogo)
11 de Dezembro, sexta-feira, às 18h30

fundação carmona e costa

Edifício Soeiro Pereira Gomes (antigo Edifício da Bolsa Nova de Lisboa)


Rua Soeiro Pereira Gomes, Lte 1- 6.º D
1600-196 Lisboa
(Bairro do Rego / Bairro Santos)
Tel. 217 803 003 / 4
www.fundacaocarmonaecosta.pt

Autocarro: 31
Metro: Sete Rios / Praça de Espanha /
/ Cidade Universitária

SÃO
LUIZ
JAN ~ 1O
16 JAN
SÁBADO 22:00 SALA 2 | € 10
Wolfgang Muthspiel,
Slava Grigoryan,
e Ralph Towner guitarras

From A Dream
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT

A colaboração entre o
pianista João Paulo,
figura fundamental da
música portuguesa, e o
www.casadamusica.com | T 220 120 220

trompetista texano Dennis


González iniciou-se com a
gravação do álbum em duo
Space Grace, que agora
apresentam. Um encontro sem
16 JAN 23 JAN 3O JAN
silva!designers

destinos premeditados que


ENCONTRO O RENDER CORPO resulta em música plena de
DE AMIGOS DOS HERÓIS DELITO NA espiritualidade, com raízes
Com Clara Ferreira 50º Aniversário da SALA DOS no pós-bop mas de dimensão
Alves, António Lobo publicação de O render ESPELHOS universal.
Antunes e Júlio Pomar, dos heróis, com leituras 30º Aniversário da
entre outros. de Cármen Dolores publicação de Corpo
e Ruy de Carvalho, Delito na Sala dos Espelhos, MECENAS CICLO JAZZ MECENAS CASA DA MÚSICA APOIO INSTITUCIONAL MECENAS PRINCIPAL CASA DA MÚSICA

actores que estrearam com leituras de Lia Gama,


esta peça em 1965. Mário Jacques, Rui Mendes
ENTRADA LIVRE e António Montez.
ORGANIZAÇÃO: PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL


RUA ANTÓNIO MARIA CARDOSO, 38; 1200-027 LISBOA SEJA UM DOS PRIMEIROS A APRESENTAR HOJE ESTE JORNAL COMPLETO NA CASA DA MÚSICA E GANHE UM CONVITE
GERAL@TEATROSAOLUIZ.PT / T: 213 257 640
DUPLO PARA ESTE CONCERTO. OFERTA LIMITADA AOS PRIMEIROS 10 LEITORES.
Cinema Exposições Livros Música Teatro/Dança

Cinema anos zero


O cinema chegou a 2009, com “Avatar”, a anunciar uma “nova era”, final perfeito para uma
década obcecada com a mudança. E nós, espectadores: o que é que vimos nos “anos zero”,
o que foi isto? Outra boa pergunta: o que é um espectador de cinema? Que venha a década
nova. “No surrender”, como na canção de Bruce Springsteen. Luís Miguel Oliveira

1. Uma década é uma unidade de capável, para mais numa década em que anuncia o passado e não o con- dor, o que vê filmes mas não paga.
tempo tão arbitrária como outra qual- que nos foi sendo garantido que tudo trário. Faz “downloads”, duplica, copia, vê
quer, um utensílio fornecido pelo – da política, ao jornalismo, ao cine- os filmes mas não paga – é um espec-
calendário para tentar impor uma ma – estava a mudar ou já tinha mu- 2. Houve uma coisa que sempre, ou tador de cinema que deixou de con-
“ordem” ou, como nas narrativas, um dado. desde cedo, tinha sido sólida e ruiu tar, economicamente, como “espec-
“princípio, meio e fim” àquilo que, No princípio da década o 11 de Se- durante os “anos zero”. A boa per- tador de cinema”. Só existe como
na imparável dinâmica das coisas, tembro “mudou” o mundo, e no final gunta do parágrafo anterior: o que é buraco (de milhões) nas contas de
não possui nada disso. Fazer “balan- da década foi a prometer “mudança” um espectador de cinema? Em 2010, Hollywood. O filme de James Came-
ços”, impor um princípio de ordena- que um novo presidente foi eleito nos passar os olhos pelos “anos zero”, e ron, renovando a “experiência da
ção, encontrar uma “narrativa” que EUA. O cinema chegou a 2009, com particularmente pela indústria ame- sala” (para preservar, chamemos-lhe,
se distinga de outras, é um impulso “Avatar”, a anunciar uma “nova era”, ricana durante este período, não po- a “experiência da caixa”) através das
humano antes de ser um impulso cul- um “cinema do futuro”, final perfeito de ignorar isto, tanto mais que alguns 3D, é a solução milagrosa para re-
tural (ou é um impulso cultural por- para uma década obcecada com a dos passos decisivos dessa indústria chamar os tresmalhados e garantir a
que é um impulso humano). Não é mudança. E nós, espectadores (outra (“Avatar”, mais espectacularmente) manutenção da indústria como a co-
mau, não é bom, é o que é. Um tipo boa pergunta posta pela década: o foram uma resposta. Mesmo durante nhecemos ou é um estertor a prenun-
de arbitrariedade para tentar domes- que é um “espectador de cinema”?), a grande crise provocada pela expan- ciar uma transformação ainda inima-
ticar a arbitrariedade “cósmica”. Se o que é que vimos nos “anos zero”, o são da TV, nos anos 50 e 60, as coisas ginável? Pese o optimismo das máqui-
não esquecermos isto, pode-se espe- que foi isto? continuaram relativamente claras: nas de “marketing” (cuja função é
rar do exercício que seja minimamen- Vale a pena ensaiar uns passos por sabia-se o que era um espectador de promover o optimismo) e as certezas
te proveitável. Arbitrário por arbitrá- esse sinuoso caminho, na certeza de cinema e o que era um espectador de dos cretinos das caixas de comentá-
rio, faz tanto sentido falar do decénio que ficaremos longe de o esgotar e, televisão. Qualquer deles pagava, de rios (cuja função é promover o “ma-
1997-2007 como de 2001-2010 (como, outra advertência prévia, que para uma maneira ou de outra, para ver rketing”), “Avatar”, no que toca ao
tecnicamente falando, devia ser). Mas uma visão mais clara e seguramente filmes, para ver televisão, para ver “cinema do futuro”, deixa mais per-
por que não, e viva a força dos núme- mais completa dos “anos zero” do filmes na televisão – desde a primeira guntas do que respostas.
ros redondos, os “poderes do 10” e século XXI o melhor é dar um salto a sessão dos Lumière que o “espectador
o “mistério do zero”, falar de 2000- 2030. O tempo é severo mas é dele de cinema” era aquele que pagava 3. O espectador de cinema dissolveu-
2009? Os segundos “anos 00” da his- que vem a luz e, como sabem todos para ver um filme. Os “anos zero” se como entidade económica estável
tória do cinema: o simbolismo é ines- os que gostam de cinema, é o futuro trouxeram um novo tipo de especta- porque a tecnologia chegou a um pon-

12 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


f“Avatar”, to culminante das possibilidades da mente alguma vez teve a ver. Como, lícula foram de John Carpenter, “Ci- exemplo em que o “moderno” foi pos-
renovando a sua própria vulgarização. Qualquer numa estranha premonição de todo garette Burns”, ainda mais paradoxal to ao serviço de uma reflexão sobre a
“experiência da pessoa com um computador e umas este excesso de imagens dos “anos visto que, episódio de uma série de “tradição”. O filme de Sokurov tam-
sala” através das noções rudimentares de circulação zero” (e num estranho luto?), a “Bran- TV, dele não foram tiradas quaisquer bém põe em evidência a questão da
3D, é a solução pela Internet tem os filmes que quer ca de Neve” de João César Monteiro cópias em película; e claro, o “À Pro- invenção de um “peso” para estas no-
milagrosa para (e de resto nem precisa da Internet). (ah, o escândalo), pareceu querer as- va de Morte” de Tarantino, furioso e vas câmaras digitais: a sua resposta
re-chamar os A tecnologia digital, “maravilha” du- sinalar, logo em 2000. reaccionário manifesto em favor do em “Arca Russa” (mobilidade, flutua-
tresmalhados e rante as últimas décadas, revelou nos arcaísmo e do analógico). ção, suspensão da gravidade) aproxi-
garantir a anos 2000 a sua faceta “monstruosa”. 4. Curiosamente (ou previsivelmente) ma-o de Michael Mann (quem, na
manutenção da A “luz e a magia” deixaram de ser “in- o cinema dos “anos zero” trabalhou 5. A questão película/digital também América “mainstream”, mais apro-
indústria ou é um dustriais”, como na empresa criada a integração do digital, em todos os é um problema económico, pelo que fundou o trabalho sobre o vídeo digi-
estertor a por George Lucas, e passaram a ser seus estados, na sua própria tradição. só surpreende a quem tenha passado tal, em filmes como “Miami Vice” e
prenunciar uma “domésticas”. Não é a mesma coisa? Enrijecido por cem anos de periódi- estes anos com os olhos postos em “Inimigos Públicos”), tanto quanto o
transformação Talvez não, mas não é seguro que não cas ameaças de “morte”, o cinema Hollywood e na “conversão da indús- afasta (a ele e a Mann) da resposta de
ainda se trate apenas de um capítulo da quis mostrar que a morte da película tria” que essa conversão tenha arran- Pedro Costa, que submete a sua câ-
inimaginável? mesma história. Só que antes discutia- (apesar de tudo, também ela mais re- cado, de facto, das margens, estéticas mara a uma gravidade descomunal,
se o digital na origem, na raiz, na es- sistente do que se previa nos anos 90) e geográficas, onde o dinheiro é es- impondo-lhe um “peso” que ela de
sência da imagem que era captada ou pode ser uma “libertação”, assim co- casso e os orçamentos se fazem a uma facto não tem (o que, para além de ter
era interposta na imagem captada: o mo uma cobra se livra da pele velha escala diferente. No Irão, Abbas Kia- origem no facto de Costa ser um cine-
vídeo e a película, o “efeito especial”. e a troca por uma nova. Vimos gran- rostami não estreou, durante os anos asta do plano e do enquadramento,
Os “anos zero” impuseram a discus- des mestres, mestres vindos de outro 2000, nada feito em película, antes configura uma espécie de ética, e de
são do digital no momento da chega- tempo, como Ingmar Bergman e a sua se obstinando, em filmes como “Ten” resistência ao próprio digital). O que
da e da recepção, em termos (e numa “Sarabanda”, atirarem-nos uma últi- e, sobretudo, “Five Dedicated to Ozu” aproxima Mann e Costa, evidente-
escala) em que nunca tinha sido pos- ma espreitadela, dominando o vídeo (o título, neste contexto, já é “todo mente, é a crença na luz como coisa
ta. Do digital como modo de fabrico digital como se a questão dos suportes um programa”), em explorar o vídeo a redescobrir: que ninguém diga que
ao digital como modo de consumo. não passasse de um detalhe, e em úl- digital como meio de ultrapassar a já tinha visto a luz da “Vanda” ou a luz
Do digital como facto tecnológico ao tima análise provando que não passa “vocação narrativa” do cinema (e de “Miami Vice”. Mencionar, ainda,
digital como facto cultural. É um cír- de um detalhe. Logo a abrir, em 2000, conduzi-la, de facto, para um terreno já que se falou de “resistência”, o es-
culo demasiado perfeito para que se Pedro Costa estreou “No Quarto da próximo da “vídeo arte”). pantoso trabalho sobre as possibili-
possa dizer que não se trata da mesma Vanda”, um dos mais influentes filmes Na Rússia, Aleksandr Sokurov ser- dades plásticas do digital, conduzidas
história. Fenómenos como o YouTube da década (despertou vocações, gerou viu-se das possibilidades de “armaze- em direcção ao minimalismo, do es-
encarregaram-se de garantir o fecho inspirações e imitações), apontando namento” das câmaras de vídeo digi- panhol Albert Serra em “O Canto dos
do círculo. Que tem o YouTube a ver um caminho, estético e metodológico tal para concretizar, livre do constran- Pássaros”, o filme mais “2D” desde
com o cinema? Quase nada, ou quase (que o próprio Costa ainda não parou gimento causado pelos 12 minutos das há muito. Em “double bill” com “Ava-
tudo, com menos contradição do que de explorar, vide “Ne Change Rien”), bobinas de 35mm, o sonho de Hitch- tar” mostraria bem como um filme
parece. Há muitos anos que o cinema para o casamento entre o cinema (co- cock em “A Corda”: um plano-sequên- pode ser “chato” sem ser “achatado”,
não estava “só” (para usar a expressão mo tradição) e o digital (como supor- cia de hora e meia pelos corredores e “achatado” sem ser “chato”.
de Godard nas “Histoire(s) du Ciné- te tecnológico). O mesmo Costa que, do Hermitage, sem os truques que
ma”), mas nunca esteve tão acompa- de resto, nos deu (em vídeo digital) Hitchcock teve que empregar. Foi “A 6. Ainda a propósito da questão eco-
nhado como nos anos 2000, tão ar- um dos últimos três grandes filmes Arca Russa”, “tour de force” entre os nómica, importaria referir que o eter-
rastado para dentro duma “cultura sobre a película cinematográfica, “On- mais ousados e “vanguardistas” da no “parente pobre” dos géneros cine-
da imagem”, enorme “bulldozer” de de Jaz o Teu Sorriso”, com os Straub. década, por acaso ou não (na sua re- matográficos, o documentário, sobre-
indiferença, com que ele só marginal- (Os outros grandes filmes sobre a pe- lação com a história russa) mais um viveu aos 2000 em grande parte

E Em 2000 Pedro Costa estreou “No Quarto da Vanda”, f Quem, na América

um dos mais influentes filmes da década (despertou vocações, “mainstream”, mais


gerou inspirações), apontando um caminho para o aprofundou o trabalho
casamento entre o cinema (como tradição) e o digital (como sobre o vídeo digital, em
suporte tecnológico) filmes como “Miami
Vice” e “Inimigos
Públicos”, foi Michael
Mann

h O “À Prova de Morte” de Tarantino, foi um furioso e reaccionário

manifesto em favor do arcaísmo e do analógico

g As propriedades “domésticas” dos aparatos digitais gNo caos de um mundo encharcado de imagens:
propiciaram uma nova voga do registo diarístico, pessoa, “Afterschool”, de Antonio Campos, “Caché” de Michael
de que os exemplos mais conhecidos serão os filmes de Haneke. Mas houve quem continuasse como se nada fosse:
Agnès Varda: “Os Respigadores e a Respigadora”, a abrir Rohmer, James Gray, Wes Anderson, Oliveira, Rivette,
a década, e “As Praias de Agnès”, a fechar Godard, Kaurismaki

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 13


“Disponível para Amar”, “Cartas de Iwo Jima”, Clint Eastwood “Ne Touchez pas la Hache”, Jacques Rivette “O Elogio do Amor”, Jean-Luc Godard
Wong Kar-wai

Filmes de uma década


a Jorge Mourinha a 1. Lost in Translation Sofia Coppola, 2003; 2. Moulin a Mário Jorge Torres (por ordem cronológica) a 1. A Casa da Felicidade
Rouge Baz Luhrmann, 2001; 3. O Novo Mundo Terrence Malick, 2005; Terence Davies (2000); 2. Disponível para Amar Wong Kar-wai (2000); 3.
4. Kill Bill Quentin Tarantino, 2003/2004; 5. Disponível para Amar Mulholland Drive, David Lynch (2001); 4. Moulin Rouge, Baz Luhrman
Wong Kar-Wai, 2000; 6. Fala com Ela Pedro Almodóvar, 2002; 7. WALL-E (2001); 5. A. I. - Inteligência Artificial Steven Spielberg (2001); 6. Gosford
Andrew Stanton, 2008; 8. A Última Hora Spike Lee, 2002; 9. O Despertar Park, Robert Altman (2001); 7. Longe do Paraíso, Todd Haynes (2002);
da Mente Michel Gondry, 2004; 10. O Grande Peixe Tim Burton, 2003; 8. Vai e Vem João César Monteiro (2002); 9. Lost in Translation Sofia
11. Monstros e Cª Pete Docter, 2001; 12. Sarabanda Ingmar Bergman, Coppola (2003); 10. A Má Educação, Pedro Almodóvar (2004); 11. Charlie
2003; 13. O Tempo que Resta François Ozon, 2005; 14. O Estádio de e a Fábrica de Chocolate Tim Burton (2005); 12. Odete João Pedro
Wimbledon Mathieu Amalric, 2001; 15. Milk Gus van Sant, 2008; 16. Rodrigues (2005); 13. O Segredo de Brokeback Mountain, Ang Lee
Miami Vice Michael Mann, 2006; 17. Elogio do Amor Jean-Luc Godard, (2005); 14. Cigarrette Burns John Carpenter (2005)*; 15. Cartas de Iwo
2001; 18. Ocean’s Eleven - Façam as Vossas Apostas Steven Soderbergh, Jima, Clint Eastwood (2006); 16. Os Amores de Astrea e de Celadon Éric
2001; 19. O Tigre e o Dragão Ang Lee, 2000; 20. Cartas de Iwo Jima Clint Rohmer (2006); 17. I Don’t Want to Sleep Alone Tsai ming liang (2006)**;
Eastwood, 2006 18. Ne Touchez pas la Hache Jacques Rivette (2007)**; 19. Milk Gus Van
Sant (2008); 20. Ne Change Rien Pedro Costa (2009)
a Luís Miguel Oliveira (por ordem alfabética dos nomes dos realizadores) a 1.
The Life Aquatic with Steve Zissou Wes Anderson, 2004; 2. Sarabanda a Vasco Câmara (por ordem cronológica) a 1. Plataforma Jia Zhang-ke
Ingmar Bergman, 2003; 3. No Quarto da Vanda Pedro Costa, 2000; 4. (2000); 2. Disponível para Amar Wong Kar-wai (2000); 3. Mulholland
Uma História de Violência David Cronenberg, 2005; 5. Homecoming Drive David Lynch (2001); 4. En Construccion, Jose Luis Guerin (2001) *; 5.
Joe Dante + John Carpenter’s Cigarette Burns, John Carpenter, 2005 R Xmas, Abel Ferrara (2001); 6. Gerry Gus Van Sant (2002); 7. Irreversível
*; 6. Gran Torino Clint Eastwood, 2009; 7. Elogio do Amor, 2001 + Dans Gaspar Noe (2002); 8. Kill Bill I e II Quentin Tarantino (2003); 9. Tie Xi Qu:
Le Noir du Temps (Episódio de Ten Minutes Older, 2002) Jean-Luc West of the Tracks Wang Bing (2003) *; 10. The Brown Bunny Vincent
Godard; 8. Nós Controlamos a Noite, James Gray, 2008; 9. Le Monde Gallo (2003); 11. I Don’t Want to Sleep Alone Tsai Ming-liang (2006) **; 12.
Vivant Eugène Green, 2003*; 10. En Construccion Jose Luis Guerin, 2001 Juventude em Marcha Pedro Costa (2006); 13. Cartas de Iwo Jima Clint
*; 11. Plataforma Jia Zhang-Ke, 2000; 12. Five Dedicated to Ozu Abbas Eastwood (2006); 14. Ne Touchez pas la Hache Jacques Rivette (2007)**;
Kiarostami, 2003*; 13. O Homem Sem Passado Aki Kaurismaki, 2002; 14. 15. A Mulher sem Cabeça Lucrecia Martel (2008); 16. Quatro Noites com
Miami Vice Michael Mann, 2006; 15. Ne Touchez Pas La Hache Jacques Ana, Jerzy Skolimowski (2008); 17. Shirin Abbas Kiarostami (2008)*; 18.
Rivette, 2007**; 16. A Inglesa e o Duque Eric Rohmer, 2001; 17. Arca Afterschool Antonio Campos (2008); 19. Go Get Some Rosemary Ben e
Russa Aleksandr Sokurov, 2002**; 18. Vai e Vem, João César Monteiro; Joshua Safdie (2009) *; 20. Lola Brillante Mendoza (2009)*
19. Une Visite au Louvre Straub/Huillet, 2004*; 20. À Prova de Morte
Quentin Tarantino, 2007 *Inédito comercialmente em Portugal; ** Inédito comercialmente em Portugal, editado em DVD

“I Don’t Want to Sleep Alone” “Sarabanda”, Ingmar Bergman “Mulholland Drive”, David Lynch “Lost in Translation”, Sofia Coppola
Tsai Ming-liang

“Plataforma”, Jia Zhang-ke

graças Esta ame- verdade para a amargura


am
ao digi- aça difusa além das ver-- em coisa
e
tal. Para o bem ou para o que vem da dadess o
dade ofi- bbela de se
mal, ou melhor dizendo, para o sensação de ciais. U Uma ver. Kau-
bem e paraa o mal (não se pode que- o 11 de Se- menção para
p rismaki,
rer ter só uma coisa). As proprie- tembro todos os fil- sozinho e
dades “domésticas”
mésticas” dos apara- ter sido mes que fo- maltrata-
tos digitaiss (novo sentido para a dissecado ram atrás
atr do que
“câmara-stylo”
tylo” de Astruc) pro- “clandes- deste “zeit-
“ze nem um
piciaram até uma nova voga do tinamen- gest” tão ccão vadio,
arístico, pessoal e quo-
registo diarístico, te”, com “anos 2000”.
200 . autor dos
a
tidiano, dee que os exemplos mais imagens de O “Caché”
“Caché de e d
dois filmes
conhecidos os serão os filmes de Ag- telemóveis, Haneke e o seueu ma
mais como-
nès Varda a (“Os Respigadores e a de câma- par perfeito,
perfe , o ven
ventes da dé-
Respigadora”,
ora”, a abrir a década, e ras de se- “Aftersch
“Afterschool” ” de cada (“Um Ho-
“As Praias de Agnès”, a fechar). gurança, e Antonio C Campos.
pos. O mem ssem Passa-
etc. Para uma ge- “Redacted” de Brian
“Redacted do” e ““Luzes no
7. O caos de um mundo encharcado ração inteira (pa- de Palma, sobre
bre a guer- Crepúsculo”). A ma-
Crepúscul
em imagens.ns. O YouTube. O 11 de Se- ra mais do que ra do Iraq
Iraque, e a sua ver- jestade mag
magoada de
tembro (em m rigor, e num sentido que u m a geração), corres- são melhorada,
melho a, mais abstrac- Eastwood. Outros,
Outr muitos
levaria demasiado
masiado tempo a explicar, pon- deu à noção de uma ta e mais paródica
ródica (mas muito outros. Aquilo a q
que dantes
a televisão desse dia devia entrar nu- perda da inocência. Uma câmara menos vista e muito discutida, “são se chamava os “autore
“autores”. Estão
ma lista do mais “relevante” da déca- de telemóvel não pode ser um brin- zombies, senhor”),
hor”), o “Diário dos Mor- quase varridos das salas de
d cinema
da), cujas imagens assombraram o quedo se serve para registar o mais tos”, dessa velha “térmita” do cinema portuguesas. São zombies, senhor, e
resto da década, inclusive no YouTu- traumático assassínio em massa de americano que é George Romero. se. O velho Rohmer, que na “Inglesa encontram-se numa das cinquenta
be, e muito para além da América (o tempos recentes. O vídeo – o vídeo e o Duque” des-diabolizou e domes- salas dedicadas ao Harry Potter.
mais genial contracampo do 11 de Se- caseiro, vulgar de Lineu – como ins- 8. E todos, velhos e novos, solitários ticou o “efeito especial” (digital...),
tembro é o plano final do “Filme Fa- trumento dúbio, invasor e invasivo quase sempre, obstinados por obri- transformando-o em cartão pintado. 9. Que venha a década nova. “No sur-
lado” de Oliveira, e pouco que impor- ao mesmo tempo, como aparelho ca- gação, que inauguraram ou continu- James Gray e Wes Anderson.. Oliveira. render”, como na canção de Bruce
ta que o filme seja o seu mais fraco). paz de construir, por “roubo”, uma aram as suas obras como se nada fos- Rivette. Godard, a transformar a Springsteen.

14 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


sŽrie ’psilon II
Filmes premiados para os amantes da sŽtima arte.

Cannes
îscares 2008 Festival Globo de Ouro Globos de Ouro Film Festival
de Cannes 2007 2008 1958
Melhor 2003 Melhor
Vencedor Melhor Actor Palma de Ouro
Argumento Original Filme Estrangeiro
C‰mara de Ouro ( Jack Nicholson) PrŽmio Especial
Melhor Realiza‹o do Jœri
Academy Awards

15 de Janeiro 22 de Janeiro 29 de Janeiro 5 de Fevereiro 12 de Fevereiro


Juno Control As confiss›es O Escafandro O Meu Tio
de Jason Reitman de Anton Corbijn de Schmidt e a Borboleta de Jacques Tati
de Alexander Payne de Julian Schnabel

Bergen PrŽmio Coup


International îscares 1981 Festival de de Coeur 2007
PrŽmios CŽsar Film Festival Melhor direc‹o de arte, Roterd‹o 2005
1990 Melhor fotografia PrŽmios CŽsar
PrŽmio Melhor Filme Nomeado para Melhor
Melhor Guarda Roupa e Melhor figurino
do juri 2004 Argumento Original

19 de Fevereiro 26 de Fevereiro 5 de Maro 12 de Maro 19 de Maro


Valmont Mysterious Skin Tess O CŽu Gira 2 dias em Paris
de Milos Forman de Gregg Araki de Roman Polanski de Mercedes Alvarez de Julie Delpy
In’cio da Colec‹o: 15/01/2010 á Fim da Colec‹o: 28/05/2010 á Preo total da colec‹o: Û39 á Promo‹o limitada ao stock existente

PrŽmios CŽsar British


Golden Orange îscares 1999 2004 Independent Cannes Film
Awards 2006 Melhor Melhor Filme,
Film Awards Festival, 1991
Melhor Realizador Document‡rio Melhor Realizador,
2002 PrŽmio do Jœri
Melhor Produ‹o
Melhor Argumento

26 de Maro 2 de Abril 9 de Abril 16 de Abril 23 de Abril


Climas Os òltimos Dias A Esquiva 24 Hour Europa
de Nuri Bilge Ceylan de James Moll de Abdellatif Kechiche Party People de Lars Von Trier
de Michael Winterbottom

Festival de
Festival de Veneza Cannes Film Sundance 2003 Cannes Festival
2004 Festival 2002 PrŽmio do Pœblico, Film Festival 2005 de Veneza 2003
PrŽmio UNESCO PrŽmio do Jœri Melhor Argumento, Vencedor da Palma Selec‹o Oficial
Melhor interpreta‹o de Ouro Le‹o de Ouro

30 de Abril 7 de Maio 14 de Maio 21 de Maio 28 de Maio


Terra da Abund‰ncia Interven‹o Divina A esta‹o A Criana As irm‹s de
de Wim Wenders de Elia Suleiman de Thomas McCarthy de Jean Pierre Dardenne Maria Madalena
e Luc Dardenne de Peter Mullan
Cinema Exposições Livros Música Teatro/Dança

RUI GAUDÊNCIO
“Le Temps, Vite”,
a exposição que
o Pompidou inaugurou
na vertigem da entrada
no novo milénio, foi um
prognóstico do estado
da arte nos anos 00

Com a Internet alcançámos uma forma de estar e pensar tão antiga


quanto os Veda hindus: uma realidade sincrónica, viral, não-linear.
A contemporaneidade absoluta é agora. Vanessa Rato

Os anos da sincr
Chamava-se “Le Temps, Vite”, ou se- so. Donde o problema da escolha, da vistos de cima, Telheiras e Brooklyn Modernidade, pós-moderni toriador norte-americano Hal Foster.
ja “O Tempo, Rápido”, e inaugurou filtragem. É preciso aprender a ames- são e não são a mesma coisa. Onde Continuando: “Apesar de haver uma
no Centro Pompidou, em Paris, no trar esta memória para que ela não o jardim babilónico que falta plantar dade, altermodernidade longa história de vanguardas moder-
ano 2000, em plena vertigem da en- nos subjugue.” no Dubai é fabuloso no mesmo mo- Foi há dez anos. Entretanto, ao que nas e de a vanguarda se ter definido
trada no novo milénio. Na entrevista A Internet, pois, esse não-tempo mento em que o atentado de agora tudo indica, a maior parte de nós sempre através da ruptura com o pas-
que deu para o catálogo, Umberto Eco contínuo, espécie de super-consci- em Carachi é um horror a cair-nos habituou-se a fazer da ilusão, do caos sado, na verdade, sempre ficou ligada
usava a expressão: contemporanei- ência extática, onde o Big Bang está em cima com todo o pó, os mortos e de todos os nivelamentos, por baixo ao passado. Já a arte contemporânea,
dade absoluta. “Todas as sociedades, constantemente a criar o universo, e o sangue (e, afinal, onde é que fica ou por cima, uma experiência positi- especialmente porque é uma arte glo-
como todos os indivíduos, vivem so- hoje. Onde as Torres Gémeas e os Carachi?, perguntamos ao tipo que, va, e isso foi suficiente para o nasci- bal, perfila-se como uma vasta pre-
bre a memória. Sem memória não há Budas de Bamyian caem e voltam a ao mesmo tempo, temos na outra mento de um novo universo global, sença que vemos mais como um gran-
duração, não há alma”, dizia. Expli- erguer-se todos os dias. Onde os bai- ponta de um chat Lisboa-Bombaim, de uma nova forma de estar e pensar de campo horizontal.” E depois a
cando: “Todas as épocas tentaram larinos de Pina Bausch hão-de dan- um tipo que não conhecemos mas tão antiga quanto a filosofia holística pergunta recorrente: “Terá a tensão
captar toda a memória possível por çar uma e outra vez “A Sagração da que, em segundos – quando esque- dos Veda hindus: uma forma de estar entre o presente e o passado sido es-
todos os meios possíveis, como se a Primavera” ao som de “Thriller”, de cermos Carachi – , nos vai fazer che- e pensar sincrónica, em vez de dia- ticada ao ponto de ruptura?” E a res-
memória dos anciãos não fosse sufi- Michael Jackson, porque estranha- gar o filme que está a montar e es- crónica, viral, não-linear – um univer- posta: “Acho que sim.”
ciente.” mente resulta, como se sempre ti- treia daqui a um mês em Los Ange- so de contemporaneidade absoluta, “Ao longo dos últimos 20 anos, a
O desenho, a escrita e os livros; o vesse sido assim. Onde Leonardo da les). de facto. Tão absoluta que se tornou arte tornou-se internacional e depois
teatro e a dança; a arquitectura e a Vinci e Picasso são contemporâneos “Convém não esquecer que a con- categoria, em si. global. Hoje há todo o tipo de tradi-
estatuária; a pintura, a fotografia e o de Warhol, Bansky, Jagdish Swami- temporaneidade é, por vezes, uma “Nos primeiros anos do século XXI ções e histórias da arte a considerar.
cinema; os museus e as bibliotecas... nathan, Subodh Gupta e todos os ilusão. Assim, no momento em que a arte flutuou livre de qualquer liga- Não há uma, duas ou três linhas que
“Hoje, o que é que acontece? O arqui- artistas conhecidos e desconhecidos dispomos da contemporaneidade ab- ção à História e à teoria. Tornou-se, possamos traçar ao longo do tempo
vo, tanto quanto a memória que con- de antes, agora e por vir. Onde arte soluta, podemos também ser mario- de certa forma, numa categoria artís- e que funcionem e possam conferir
tém, tornou-se enorme. A Internet é arte, mas também tatuagem e por- netas da ilusão da contemporaneida- tica em si. Um campo independente”, um sentido narrativo ao presente. De
encerra a memória de todo o univer- nografia, ao mesmo nível. Onde, de”, dizia Eco. dizia-nos há semanas o crítico e his- uma forma ou outra [até há algum

16 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


e A Internet é o não-tempo contínuo onde as

MASSOUD HOSSAINI /AFP


Torres Gémeas e os Budas de Bamyian caem
e voltam a erguer-se todos os dias, onde os
bailarinos de Pina Bausch hão-de dançar
uma e outra vez “A Sagração da Primavera”

TIMOTHY A. CLARY/AFP
ao som do “Thriller”, onde da Vinci e Picasso
são contemporâneos de Warhol, Bansky,
Subodh Gupta e todos os artistas conhecidos e
desconhecidos de antes, agora e por vir

h Ainda que o Brasil e a Índia se tenham

juntado à discussão, a modernidade foi um


conceito ocidental. Hoje o labirinto é muito
mais complexo e as cidades já não chegam: é
preciso um nómada global, um errante
cultural à procura do inverso do
enraizamento absoluto, encenando as suas
raízes em contextos heterogéneos

RAJESH KUMAR SINGH/AP


g Depois mil discussões sobre se seríamos,

JEAN-PIERRE MULLER/AFP
finalmente, pós-modernos, podíamos pôr
esse ponto de interrogação na gaveta,
tornado caduco por um singular evento: a
actual crise económica mundial. Nem
modernos nem pós-modernos. Submersa em
nova crise, a humanidade teria visto nascer
a primeira era cultural do mundo globalizado

f Entretanto, um conceito relegado há 40

anos para os circuitos académicos mais


obscuros voltava ao centro das discussões
estéticas mais actuais (talvez como reacção
a todos os nivelamentos): a obra-prima.
Ultrapassado o espectro do modernismo,
voltámos a poder ligar-nos “à grande tradição
da obra-prima”, dizia-nos há seis anos
o crítico e ensaísta norte-americano
Arthur C. Danto

cronia absoluta
tempo] éramos todos ‘hegelianos’. gunta, uma reflexão sobre a possibi- aplicação brutalmente parcial das lais de Tokyo, de Paris, lançava o de- tiplas temporalidades simultâneas em
Até o pós-modernismo se definia em lidade da passagem de presente a suas demandas universais (liberdade, bate ao dizer que, depois de várias que a vida e a arte surgem como ex-
relação ao modernismo, até as neo- passado de uma era que podemos igualdade, fraternidade) ou pelo sim- vidas a interrogar gigantes – Heideg- periências positivas de desorientação,
vanguardas se definiam em relação defender como sendo ainda a nossa. ples facto de a modernidade e o co- ger, Wittgenstein, Benjamin, Baude- traçando linhas em todas as direcções
às vanguardas históricas. Os artistas Propunha mais: a transformação da lonialismo terem andado, e provavel- laire, Bataille, Lyotard, Foucault, Bau- de tempo e de espaço e, assim, explo-
pensavam no seu trabalho em relação Modernidade num equivalente da mente ainda andarem, de mãos da- drillard, Derrida, Lipovetsky... – e rando todas as dimensões do presen-
aos precedentes. Os novos artistas já Antiguidade clássica, ali onde se arti- das. Ainda assim, a imaginação das depois de mil discussões sobre se se- te. Por outras palavras: uma era em
não trabalham assim. Tudo parece culou o conceito do que o Ocidente pessoas está cheia das visões e for- ríamos, finalmente, pós-modernos, que se age e cria a partir de uma visão
estar a ser empurrado para um arqui- entenderia como arte. mas da modernidade. Resumindo, podíamos pôr esse ponto de interro- de caos articulado.
vo histórico que nem sequer parece A Modernidade como ciclo (re)fun- parece que estamos tanto dentro co- gação na gaveta, tornado caduco por “Ainda que, à época, países como
ser já muito consultado. De certa for- dador que se abriu e fechou no tem- mo fora da modernidade, tão repeli- um singular evento: a actual crise eco- o Brasil e a Índia se tenham juntado
ma, o período pré-guerra parece o po, matéria passível já de revisitação dos pela sua violência mortal como nómica mundial. à discussão, a modernidade foi um
século XIX de hoje e o século XIX pa- arqueológica? Buergel explicou num seduzidos pelas suas mais imodestas Nem modernos nem pós-moder- conceito ocidental. Hoje vivemos
rece a Renascença.” breve texto o que o levou à questão: aspirações ou potenciais: que possa, nos. Submersa em nova crise, no final num labirinto mais complexo e temos
Posto de outra forma: será que a “A modernidade, ou o seu destino, apesar de tudo, haver um horizonte da primeira década do século XXI a que extrair dele significados especí-
modernidade se transformou na nos- exercem uma influência profunda planetário para todos os vivos e os humanidade teria visto nascer a pri- ficos para o século XXI. A moderni-
sa antiguidade? Foi uma das pergun- nos artistas contemporâneos. Parte mortos.” meira era cultural do mundo globali- dade de hoje não é nem pode ser to-
tas lançadas pela mais recente edição da atracção pode derivar de ninguém Foi um salto até, já este ano, nos zado. talizadora nem continental”, disse-
da mítica Documenta de Kassel. Há saber realmente se está viva ou mor- ser proposto o passo seguinte: a aber- Nem uma visão linear da História, nos a dada altura Bourriaud,
dois anos, sob o tema geral “Migração ta. Parece estar em ruínas depois das tura de uma nova era cultural, uma como a do modernismo, nem uma enumerando os “depois” em que te-
da forma”, Roger M. Buergel, director catástrofes totalitaristas do século XX outra modernidade – uma Altermo- imagem desta a avançar em espirais mos estado mergulhados nos últimos
artístico da mais importante mostra (exactamente as mesmas catástrofes dernidade. de eternos retornos, como defendido 35 anos: pós-modernismo, pós-femi-
de arte contemporânea do mundo, que de alguma forma instigou). Pa- Na IV edição da trienal da Tate, Ni- pelo pós-modernismo; agora, uma nismo, pós-colonialismo, pós-político,
propunha, também ele, com esta per- rece totalmente comprometida pela colas Bourriaud, co-fundador do Pa- visão da História constituída por múl- pós-histórico... “Acabamos com a

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 17


sensação de estar em eterna nos- mento. Uma técnica
écnica ligada à via- “E se a cultura do século XXI fosse
talgia do passado, o que redunda nu- gem clássica, sim,
m, mas também inv
inventada a partir daqueles trabalhos
ma preguiça de pensar. Pareceu-me (ou, sobretudo)) a esse outro que se lançam a si mesmos o desafio
qu
produtivo tentar decretar o fim desse tipo de viagemm da era da de apagar as suas origens e falar de
conforto, tentar periodizar de outra hipermobilidade de da In- multiplicidades de enraizamentos su-
mu
forma.” ternet, em que nasce- cessivos ou simultâneos? Este proces-
ces
mos a conceber er for- so de rasura”, diz Bourriaud, “é parte
A civilização-arquipélago mas de entenderder o da condição do errante, uma figura
Já não se trata do “flâneur” oitocen- que é o espaço do central da nossa precária era e que
ce
tista, aquele que se deixa perder na humano para lá aparece insistentemente no coração
ap
observação da vida das cidades. Hoje das formas clás-s- da criação artística contemporâ-
d
as cidades não chegam. É preciso um sicas no Oci-- nea”.
n
nómada global, ou, em rigor, um er- dente, e em m “O pós-modernismo saiu da de-
rante cultural à procura do inverso que o hipertex- pressão da Guerra Fria rumo a uma
do enraizamento absoluto, com as to se generali- preocupação neurótica com as ori-
suas raízes sempre em movimento, zou como pro- gens típicas da era da globalização.
encenando-as em contextos hetero- cesso de estru- É este modelo de pensamento que
géneos, negando-lhes qualquer valor turaç ão de hoje está em crise, esta versão mul-
como origem, traduzindo ideias, pensamento, ticultural da diversidade cultural
transcodificando imagens, transplan- uma janela a que tem que ser questionada, não
tando comportamentos, trocando, abrir directa-- a favor de um ‘universalismo’ de
mais do que impondo. mente para ou- u- princípios nem de um novo esperan-
p
Uma nova “flânerie” como técnica tras, infinitas,s, to modernista, mas no enquadramen-
de geração de criatividade e conheci- todas ligadas. to de um novo movimento moderno

O edifício de Siza Vieira, a programação e o modelo


odelo A programação
programaç de Miguel Wandschneider
de parceria com o Estado fazem de Serralves na Culturgest permitiu ao público descobrir
um exemplo ainda único em Portugal obras como a de Angela de La Cruz

A exposição de Bacon comissariada por Vincente


Todolí trouxe a Portugal um dos mais relevantes
artistas do século XX

A década de Serralves
Serralves, o acontecimento da década Há um antes e um depois da tem lugar a Documenta, exposição que procura definir um corpus
inauguração do Museu de Arte Contem- porânea de Serralves. A ab- para a arte produzida nas últimas décadas. A revisão organizada, em
ertura do edifício projectado por Siza Vieira, a programação desen- 2002, sob o comissariado do nigeriano Okwui Enwezor foi a primeira
hada por Vicente Todolí, João Fernandes e Ulrich Loock, a colecção e com carácter global, acentuando a dimensão política da edição ante-
a parceria entre o Estado e os privados, fazem da instituição um ex- rior, com curadoria da francesa Catherine David. O.F.
emplo ainda único em Portugal. É o acontecimento da década. Óscar
Faria Escultura no espaço público, modo de usar A ideia tem início em
1977. De dez em dez anos, durante cem dias, decorre a iniciativa “Es- Jorge Queiroz,
CCB: a melhor opção? Depois de várias indecisões, divergências e de- cultura. Projectos em Münster”. A última edição, 2007, comissariada Carlos Roque,
missões, a deriva do Centro Cultural de Belém parou. O Estado entre- por Brigitte Franzen, Kasper König e Carina Plath, sublinhou a ne- Bruno
gou o seu Centro de Exposições ao Museu Berardo de Arte Moderna cessidade de um debate alargado sobre questões relacionadas com a Pacheco
e Contemporânea e o CCB ficou “refém” de uma colecção. Hoje ainda escultura no espaço público. O.F. e Leonor
há quem se questione: foi a melhor opção? José Marmeleira Antunes
Uma história da arte realmente contemporânea Há muito que se (da esquerda
Portugueses em trânsito Com as bolsas e as residências, a circulação esperava uma história que tivesse em conta os desenvolvimentos para
dos artistas portugueses no estrangeiro tornou-se um facto. Concor- artísticos do século XX sob um ponto de vista teórico esclarecido. a direita):
O Centro de rem e vão, naturalmente. Uns voltam, outros permanecem em trânsi- Em 2004, quatro dos mais singulares historiadores da arte actuais alguns
Exposições to e há quem vá ficando, depois de fazer do exterior o lugar central da – Hal Foster, Rosalind Krauss, Yve-Alain Bois e Benjamin Buchloh – dos artistas
do CCB ficou sua actividade. Como Leonor Antunes, Bruno Pacheco, Carlos Roque publicaram “Art Since 1900”. Uma obra polémica, ainda à espera de portugueses
“refém” ou Jorge Queiroz. J.M. resposta. O.F. que fizeram
da colecção do estrangeiro
Berardo Culturgest e Project Room, trabalho de prospecção O ciclo Project Cinema vs. arte contemporânea O fenómeno de fluxos e interpenetra- casa e local
Room no CCB (2000-2002),
(200 ürg
comissariado por Jürgen gen ç
ções entre
ções e t e o cinema
c e a e as artes
a o; e
plásticas não é novo; ste pratica-
existe p at ca de trabalho
Bock, e a Culturgest
Culturg com a programação de Miguel uel
el m
me nte desde o nascime
mente mento. Mas,,
nascimento da imagem em movimento.
Wandschneider trouxeram à realidade local call a longo da última dé
ao década, assistimos a uma quase in-
exposições mem
memoráveis, afirmando uma sin- n-- v rsão de papéis, com os cineastas a tomarem
ve
versão m os mu-
outro contextos e um raro trabalho
tonia com outros ho
o s us de assalto e os artistas
se
seus a em cada
plásticos a usarem
de “prospecção”
“prospecção”. O público, esse, pôde conhecerer p
vez mais estratégias próximas do cinema. V.R..
as obras de artis
artistas como Renné Green ou Allan an
Sekula, Angela dde La Cruz ou Atlas Group. J.M.

Porto “do-it-your
“do-it-yourself” Perante a ausência de espa-
spa-
ços no Po
Porto, os artistas mobilizaram-seee
cria
criaram os seus próprios espaços,s,
alt
alternativos aos contextos insti--
tu
tucional e galerístico da cidade,
on
onde durante uma década foi
po
possível fazer, organizar e ex--
pe
perimentar. Eis uma da história a
da arte portuguesa criada pelo lo
so
solidário o-it-
e prático espírito “do-it-
y
yourself”. J.M.

Um corpus para a arte em Kassel


U el De cin-
c em cinco anos, em Kassel, Alemanha,
co

18 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


baseado na heterocronia e na liber- dernismo, em que a arte se tomou
dade de explorar”, diz Bourriaud. sujeito de si mesma, “estamos de
Dá o exemplo de um conceito que novo capacitados a voltar a ligar-nos
criámos a partir da natureza: “O ar- à grande tradição da obra-prima na
quipélago é o exemplo da relação en- procura das visões mais formidá-
tre o uno e o múltiplo. É uma entidade veis”, dizia-nos há seis anos o crítico
abstracta; a sua unidade deriva de e ensaísta norte-americano Arthur
uma decisão [humana] sem a qual C. Danto.
nada seria lido a não ser um espraiar Na mesma altura, em Paris, Jean
de ilhas unidas por nenhum nome Galard deixava-nos com uma per-
comum. A nossa civilização, que leva gunta: “Passámos por uma época de
as marcas da explosão multicultural relativismo tal que houve uma per-
e da proliferação de estratos culturais, turbação no julgamento, uma espé-
parece-se com uma constelação sem cie de pânico. Uns viveram isso mui-
estrutura, à espera da sua transforma- to bem, dizendo que era a liberdade,
ção em arquipélago.” a diversidade das culturas, das obras,
Tudo isto ao mesmo tempo que das orientações. Mas, agora, há um
um conceito relegado há 40 anos contra-golpe, uma demanda por de-
para os circuitos académicos mais terminadas chaves que permitam o
obscuros voltava ao centro das dis- reconhecimento das obras que va-
cussões estéticas mais actuais (talvez lem o olhar. E, no final de contas,
como reacção a todos os nivelamen- perguntamos: não há mesmo uma
tos): a obra-prima. forma de nos pormos de acordo em
Ultrapassado o espectro do mo- relação a certos princípios?”

A obra de Amadeo Souza-Cardoso foi


finalmente exposta no contexto
da arte europeia dos anos 10

Amadeo em contexto Em “Amadeo de Souza-Cardoso – Diálogo de


Vanguardas” (Fundação Calouste Gulbenkian, 2006), a obra do
pintor português foi pela primeira vez exposta em contexto com a
arte europeia dos anos 10 – graças a um trabalho de investigação
extraordinário, que permitiu tirar a medida da qualidade inques-
tionável de Souza-Cardoso. Luísa Soares de Oliveira

Bacon em Serralves Com um trabalho de comissariado assinado


por Vicente Todolí, a grande exposição sobre os espaços claus-
trofóbicos da pintura de Francis Bacon (“Caged Uncaged”, Museu
de Serralves, 2003) trouxe a Portugal a obra de um grande pintor
da segunda metade do século XX. L.S.O.

As imagens em movimento de João Tabarra Na Galeria Zé dos Bois,


em 2006, esteve uma das exposições mais belas e inquietantes da
década, para lá das referências, das citações, da ficção, da política,
do quotidiano. Amorosa e exemplarmente pensada e concebida
com imagens em movimento. “G”, de João Tabarra, foi uma oferta
dolorosa ao espectador. J.M.

O resistente Robert Frank Fotografias, livros e colagens de fotogra-


fias e textos numa exposição do CCB (2001) que mostrou uma uma
obra resistente, livre, sempre aberta ao rejuvenescimento das ima-
gens pela experimentação, a intuição e a poesia: “Hold Still- Keep
Going”, de Robert Frank. J.M.

A instalação-puzzle de Francisco Tropa O modelo da instalação


“L’Orage”, de Francisco Tropa (Centro de Arte Moderna da Gul-
benkian, 2003), veio de “A vida: Modo de Usar”, romance-puzzle de
Georges Perec. Foi um dos momentos mais relevantes da década
q agora termina. Do mesmo artista pode ainda citar-se o projecto
que
“Assembleia de Euclide
Euclides”, em processo desde 2005. O.F.

Dan Brown no m momento certo Em 2001,


numa exposição
exposiçã em Serralves, Dan
Graham demonstrou
demo as razões por
q
qu
que e o rock é uma religião. Por cá,
e ta foi a ex
es
esta exposição da década. Nela
reuniam-se sob o comissariado de
reuniam-se,
M rianne Brouwer e Corinne Dis-
Ma
Marianne
e ens, trab
er
erens, trabalhos realizados entre
200 Uma mostra feita no
1965 e 2000.
momento certo, quando a obra do
a rtista nor
artista norte-americano começou a
ser redes
redescoberta. O.F.

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 19


Cinema Exposições Livros Música Teatro/Dança

Os livros estão na
Começamos a década com Stephen King a lançar e-books por sua conta e risco. E terminamo-la c
os seus clientes descarregaram mais e-books do que compraram livros i
KAI PFAFFENBACH/REUTERS

Lembram-se do ano em que Stephen pio: “If you pay, the story rolls. If you recer? Para onde vai evoluir o livro em nossa posse em versão e-book.
King fez a experiência de vender don’t, the story folds” (Se pagares, a electrónico?” E foi isto que fez com que o merca-
“The Plant”, romance por capítulos, história continua. Se não pagares, a Não temos ainda respostas para to- do acelerasse. Por estes dias o acesso
em formato electrónico, no seu site, história fica encerrada). King explica- das as perguntas. Mas o que parecia imediato é decisivo. Embora nem to-
marimbando-se para a sua editora? va que só continuaria a escrever “The uma maluquice de uns passou a fazer dos os editores concordem: algumas
Foi em 2000. O escritor escrevia na Plant” se 75 por cento das pessoas que parte do nosso quotidiano. das editoras americanas estão a tentar
época no seu website: “Meus amigos, estavam a descarregar os capítulos Se em 2000 alguém dissesse a Ste- lançar as suas novidades primeiro em
temos a chance de nos tornarmos o pagassem. Mas só 46 por cento dos phen King que em 2009 ele iria voltar papel e só meses mais tarde em digi-
pior pesadelo das grandes edito- “downloads” feitos pelos internautas a ser pioneiro ao escrever a novela tal. Arriscam-se a que a pirataria os
ras”. é que foram pagos naquele que ficaria “Ur” para o lançamento do Kindle 2, ultrapasse. Ou que lhes aconteça na
Uns meses antes, em Março de a ser o último capítulo disponibiliza- a segunda versão do aparelho para vida um Paulo Coelho.
2000, a sua editora Simon & Schuster do. Até hoje o romance permanece ler e-books imaginado por Jeff Bezos É que se os editores portugueses
lançara o primeiro e-book para as inacabado. e que revolucionou a maneira de ace- ainda andam a ver se apanham o com-
massas. “Riding the Bullet” era uma der aos livros quando foi lançado no boio da digitalização, no Brasil o autor
novela escrita por King, um e-book Os escritores e a sociabilidade final de 2007, talvez se risse. É como de “O Alquimista” é o primeiro escri-
que começou a ser disponibilizado de Estávamos no início da década mas se, por desígnios insondáveis, tudo tor em língua portuguesa, vivo, a ter
graça em livrarias online, como a nos anos seguintes não se falou de fizesse finalmente sentido. todas as suas obras disponíveis no Kin-
Amazon e a Barnes & Noble, e mais outra coisa nas feiras de Frankfurt, Aconteceu tudo tão depressa que dle. Coelho, que em 2008 colocou
tarde passou a ser vendido a 2,50 dó- Londres ou na Book Expo America. agora bastam 60 segundos e um car- online à socapa vários dos seus livros
lares. Só nas primeiras 24 horas foram Ano após ano, os editores e agentes tão de crédito para termos “o prazer para serem descarregados gratuita-
descarregadas 400 mil cópias. Foi um interrogavam-se: “Os livreiros vão ser de receber imediatamente um livro mente (acredita que isso aumenta a
sucesso. King passou a ser o “príncipe ultrapassados pelos editores que vão que se quer ler, sem ter de dar um venda dos livros em papel), foi o pri-
do ‘e-publishing’”. passar a vender os seus livros nos seus passo”, como escrevia Miguel Esteves meiro a negociar directamente com a
Não resistiu a dar o passo seguinte: ‘sites’ directamente aos consumido- Cardoso na crónica, no PÚBLICO, do Amazon e “receberá 37,5% do preço
colocar no seu “site” “The Plant”, de res? Será que os autores vão seguir a último dia de 2009. final de venda, quase quatro vezes
que se podiam descarregar novos ca- mesma via? Como é que vão funcio- Em qualquer lugar do mundo, on- mais do que um autor costuma rece-
pítulos por semana, e que ele iria con- nar as bibliotecas no futuro? Vamos de funcione a rede 3G ou uma ligação ber quando um livro é vendido numa
tinuar a escrever se os leitores fossem emprestar livros online? As livrarias, à Internet, podemos, no momento em livraria convencional”, escrevia a re-
pagando. Era uma questão de princí- tal como as conhecemos, vão desapa- que um livro vai para as lojas, tê-lo vista “Veja”.

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Livros da década

as nuvens
a Eduardo Pitta a 1. A Torre do Desassossego Lawrence Wright (2006);
2. Hitler Ian Kershaw (2008); 3. Lisboa. História Física e Moral José-
Augusto França (2008); 4. Jóia de Família Agustina Bessa Luís (Trilogia
2001-03); 5. As Benevolentes Jonathan Littell (2006); 6. Amigos até
ao Fim John Le Carré (2003); 7. Carnaval no Fogo Ruy Castro (2003); 8.
A Grande Guerra Pela Civilização Robert Fisk (2005); 9. Pós-Guerra
Tony Judt (2005); 10. Shalimar o Palhaço Salman Rushdie (2005); 11.
Todo-o-Mundo Philip Roth (2006); 12. A Paciente Misteriosa P. D. James
(2008); 13. Estado de Negação Bob Woodward (2006); 14. A Breve e
a com a Amazon a dizer que no dia de Natal Assombrosa Vida de Oscar Wao Junot Díaz (2007); 15. Hooking Up.
Um Mundo Americano Tom Wolfe (2000); 16. Tempos Interessantes
s impressos. Isabel Coutinho Eric Hobsbawm (2002); 17. Onde Está a Sabedoria? Harold Bloom (2004);
18. Shakespeare. A Biografia Peter Ackroyd (2005); 19. Uma Vida
Inacabada John F. Kennedy Robert Dallek (2003); 20. Brando Mas
Pouco Darwin Porter (2006)
e Lembram-se do ano em que Stephen King

EMMANUEL DUNAND/AFP
fez a experiência de vender “The Plant” em a Gustavo Rubim a 1. Fernanda Ernesto Sampaio (2000); 2. Ou o Poema
formato electrónico, no seu “site”, Contínuo: Súmula Herberto Helder (2001); 3. Da Democracia na
marimbando-se para a sua editora? Foi em América Alexis de Tocqueville tradução de Carlos Correia Monteiro
2000. O escritor escrevia na época no seu de Oliveira e Lívia Franco (2001); 4. Antropologia e Império: Fonseca
website: “Meus amigos, temos a chance de Cardoso e a Expedição à Índia em 1895 Ricardo Roque (2001); 5. Nove
nos tornarmos o pior pesadelo das grandes Noites Bernardo Carvalho (2002); 6. Século de Ouro: Antologia Crítica
editoras” da Poesia Portuguesa do Século XX Osvaldo M. Silvestre e Pedro Serra
(2002); 7. Odisseia Homero tradução de Frederico Lourenço (2003); 8.
Vozes da Poesia Europeia (I e II) traduções de David Mourão-Ferreira
revista Colóquio-Letras nº 163-164 (2003); 9. Respiração Assistida
Fernando Assis Pacheco (2003); 10. A Universidade sem Condição
Jacques Derrida tradução de Américo Lindeza Diogo (2003); 11. Poesia
Daniel Faria (2003); 12. Poética Aristóteles nova tradução de Ana Maria
Valente (2004); 13. Peças Escolhidas I Henrik Ibsen traduzidas do
norueguês por Pedro Fernandes Karl Eric Schollhammer e Fátima Saadi
(2006); 14. Antropologia em Portugal: Mestres Percursos Transições
João Leal (2006); 15. Desmedida Luanda – São Paulo – São Francisco
e Volta Ruy Duarte de Carvalho (2006); 16. Uma Grande Razão: os
Poemas Maiores Mário Cesariny de Vasconcelos (2007); 17. A Faca Não
Corta o Fogo - Súmula & Inédita Herberto Helder (2008); 18. Dicionário
de Fernando Pessoa e do Modernismo Português org. Fernando
Cabral Martins (2008); 19. O Homem Livre: Mito Moral e Carácter numa
Sociedade Ameríndia Filipe Verde (2009); 20. Caderno de Memórias
Coloniais Isabela Figueiredo (2009)

a Helena Vasconcelos a 1. O Assassino Cego Margaret Atwood (2000); 2.


Expiação Ian McEwan (2001); 3. Austerlitz W. G. Sebald (2001); 4. Ler
Lolita em Teerão Azir Nafisi (2003); 5. A Breve e Assombrosa Vida de
Oscar Wao Junot Díaz (2007); 6. A Linha da Beleza Alan Hollinghurst
fScott Sigler passou 15 anos a ser rejeitado por editoras até que, em (2004); 7. O Ano do Pensamento Mágico Joan Didion (2005); 8. Elizabeth
2005, teve a ideia de lançar a primeira experiência mundial de um Costello J. M. Coetzee (2003); 9. O Mar John Banville (2005); 10. Nunca Me
Podcast em que o ficheiro áudio era de um livro de ficção. Hoje Deixes Kasuo Ishiguro (2005); 11. A Vista de Castle Rock Alice Munro
nenhuma editora o ignora (2006); 12. A Estrada Cormac McCarthy (2006); 13. Corpo Presente Anne
Enright (2007); 14. Millennium Stieg Larson (2005 2006 2007); 15 Na
Praia de Chesil Ian McEwan (2007); 16. 2666 Robert Bolaño (2004); 17. A
Feiticeira de Florença Salman Rushdie (2008); 18. Os Anagramas de
Varsóvia Richard Zimler (2009); 19. Wolf Hall Hillary Mantel (2009); 20.
The Children’s Book A.S. Byatt (2009).

a Isabel Coutinho (por ordem cronológica) a 1. Dentes Brancos Zadie

Smith (2000); 2. Correcções Jonathan Franzen (2001); 3. A Vida de Pi


f O que é um livro? Um livro impresso em papel, alguma coisa que se pode Yann Martel (2001); 4. Expiação Ian McEwan (2001); 5. Middlesex Jeffrey
ouvir, ou será um livro que se pode ler num aparelho como o Kindle ou o Eugenides (2002); 6. Está Tudo Iluminado Jonathan Safran Foer (2002);
Sony Reader? 7. Pode um Desejo Imenso Frederico Lourenço (2002)-trilogia; 8. The
Whole Story and Other Stories Ali Smith (2003); 9. O Código Da Vinci
Dan Brown (2003); 10. O Estranho Caso do Cão Morto Mark Hadoon
Também Rubem Fonseca e a sua Será que com esta sociabilidade papel. Mas entre ler no telemóvel e (2003); 11. Equador Miguel Sousa Tavares (2003); 12. Jerusalém Gonçalo
editora, a Agir, lançaram “O Semina- toda os escritores terão tempo para não ler nada, o que é que vamos es- M. Tavares (2004); 13. O Ano do Pensamento Mágico Joan Didion
rista” numa versão que pode ser lida fazer aquilo que deviam estar a fazer, colher?”, perguntava Jens Redmer, (2005); 14. Nunca me Deixes Kazuo Ishiguro (2005); 15. Millennium
no Kindle e nem sequer têm o livro à ou seja, escrever? O tempo se encar- do Google Search Books, há três anos, Stieg Larsson (2005 2006 2007); 16. Longe de Manaus Francisco José
venda na Amazon. É vendido através regará de mostrar o melhor cami- em Frankfurt. E tinha razão. Viegas (2005); 17. As Benevolentes Jonathan Littell (2006); 18. A Breve
de um “site” dedicado ao livro man- nho. Por muito que nos custe, o concei- e Assombrosa Vida de Oscar Wao Junot Díaz (2007); 19. O apocalipse
tido pela editora. Ou seja: Fonseca, to de livro mudou. O suporte ou o dos trabalhadores valter hugo mãe (2008); 20. Ofício Cantante - Poesia
do alto dos seus oitenta e tal anos, dá Definitivamente “retro” formato passaram a ser secundários, Completa Herberto Helder (2009)
lições a qualquer aprendiz de marke- Ainda somos crianças nesta realidade o conteúdo é o mais importante. Tal
ting editorial, pois utilizou a sua voz que, a uma velocidade espantosa, es- como explicou, na BEA, Mike Shat- Junot Díaz,
magnífica para promover o livro num tá a acontecer. E se a meio da década zkin, consultor e especialista no futu- “A Breve e Assombrosa
“book trailer”. se acreditava que todos os formatos ro da edição, em breve e acederemos Vida de Oscar Wao”
Estes vídeos, que depois são repli- se iam manter porque
que até agora “nun-
nun aos livros através é de mú
múltiplos
últiplos apare-
apare
cados em blogues e “sites”, foram ca nenhum ‘media’’ matou outro”, na lhos ou ecrãs;
ecrã
rãs;
uma das invenções da década. Agora última Book Expo America (BEA), em e os livros
editores utilizam várias ferramentas Maio de 2009, pairou
rou no ar algo dife- e s t a rrã
ão
na divulgação sem investirem em pu- rente.
blicidade em jornais. E como sabe- Lance Fensterman,an, director da fei-
mos, nos anos 2000 os suplementos te: “O que é um li-
ra, lançou o debate:
literários e os críticos literários en- vro? Um livro impresso
presso em papel,
cartados tornaram-se espécies em alguma coisa que se pode ouvir, ou
extinção. será um livro que e se pode ler num
Outro escritor, o norte-americano aparelho como o Kindle ou o Sony
James Ellroy, também percebeu (por Reader?”. Faltou-lhe
he referir o telemó-
insistência do seu editor, é verdade) vel, o aparelho que em 2000 ninguém
que tinha de estar no Facebook, a re- suspeitaria que ia ter papel impor- Jeffrey Eugenides,
Salman Rushdie,
de social que de forma fácil e gratuita tante no futuro do o livro. “Ler “Middlesex” Cormac McCarthy,
“Shalimar o Palhaço”
permite aos escritores perceberem um livro num telemóvel
móvel não “A Estrada”
melhor quem são os seus leitores. é melhor do que ler em

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 21


armazenados algures no ciberes- impresso”. Isto não se vai iniciar na fantis ou os livros que precisamos de nos blogues e de edições de autor que mos pensar e o que devíamos fazer.
paço (”all in the clouds”, disse). Ler próxima década. Isto já começou. ver antes de os comprarmos (os de venderam através da Internet. Para Hoje a tecnologia permite que tome-
em papel passará a ser “retro”, con- Lembrem-se de dois livros publica- arte, que valem pelas imagens ou gra- depois os editarem da maneira tradi- mos conta das nossas próprias vidas
cluiu. dos nos últimos anos: “The 39 Clues” fismo) vão continuar a ter peso no cional. - quer seja através de blogues, de pod-
E não é que tinha razão? Meses de- (“As 39 pistas”), série escrita por vá- mercado do livro impresso, haverá Eis o caso de Scott Sigler. Passou 15 casting, das redes sociais, do My Spa-
pois, em Outubro, o grupo norte- rios autores publicada pela editora cada vez mais livros só editados em anos a ser rejeitado por editoras até ce ou do Facebook ou do YouTube.
americano Google esteve na Feira de que lançou Harry Potter, e “Level 26 , e-book ou através do Print-on-De- que, em 2005, teve a ideia de lançar As pessoas estão rapidamente a adop-
Frankfurt a anunciar ao mundo que de Anthony E. Zuiker, o criador e pro- mand, impressão a pedido. Com o a primeira experiência mundial de tar uma miríade de tecnologias da
lá para o Verão vamos poder comprar dutor da série “CSI”. desenvolvimento de máquinas como um Podcast em que o ficheiro áudio informação que emergem da Internet
um livro à Google Editions e lê-lo em “Leia o livro, jogue o jogo e ganhe a Espresso Book Machine, da On De- era de um livro de ficção. Podia ser e estão a utilizá-las para se tornarem
qualquer aparelho com ligação à In- prémios” era o “slogan” da campanha mand Books – com capacidade de descarregado para um computador participantes activos na cultura”. E
ternet. Os livros estarão armazenados de “marketing” da série 39 pistas que imprimir um livro de 300 páginas em ou ouvido num leitor de mp3. Conse- isto faz com que se volte ao princípio,
nos servidores da Google (a tal nu- se destina a pré-adolescentes. Cada sete minutos – tudo está a mudar. E o guiu 10 mil assinantes para este livro quando em 2000 Stephen King brin-
vem...) e os leitores terão acesso on- livro é acompanhado por cartas que florescimento de sites como o Lulu. que se podia ouvir por capítulos. No cava dizendo que queria tornar-se no
line às obras a partir de um compu- se podem coleccionar e que são es- com, que existe desde 2006, onde segundo romance atingiu os 30 mil e maior pesadelo das editoras venden-
tador, um ecrã de televisão, um leitor senciais para se saber mais sobre as qualquer pessoa pode concretizar o uma pequena editora apercebeu-se do os seus próprios conteúdos. Tere-
de livros electrónicos, um telemóvel, personagens, para se entrar no web- sonho de publicar seja em que forma- do fenómeno e publicou o livro. Foi mos mais autores a publicar do que
etc... site, participar num jogo e ganhar to for, também marcou a mudança. colocado à venda na Amazon.com e nunca. E todos vamos ser autores,
Mike Shatzin considerou no seu prémios. Há uns anos, numa edição da feira chegou ao segundo lugar do “top” de editores e livreiros.
blogue que vão existir dois mercados “Level 26” é um livro para adultos. de Frankfurt, Jens Redmer, do Google ficção. Depois do sucesso, nenhum No dia de Natal, os clientes da Ama-
de e-books: um mais tradicional, das Ao fim de 20 páginas aparece um có- Search Books, avisava: “Quem usa os agente podia ignorar Scott. Foi con- zon.com descarregaram mais e-books
pessoas que querem ler um livro im- digo que permite ao leitor entrar na e-books hoje é um consumidor passi- tactado por uma editora note-ameri- da loja online do que compraram li-
presso em versão digital num ecrã, e página oficial do romance e ver víde- vo, mas no futuro vai passar a ser ac- cana importante e lançou “Infecção” vros impressos. Pelo que se pode vis-
um outro, o dos que desejam ler o os com actores que reconhecemos tivo na criação de conteúdos. Pensem (Gailivro). lumbrar, e a acreditar nas opiniões
livro mas também aceder a “links”, das séries de TV. A partir daqui nada nos primeiros ‘bloggers’. Isso vai fazer Outro exemplo: Markos Moulitsas. de Mark Coker, fundador da editora
ver
er vídeos, ouvir ficheiros de som ficará como antes. com que os editores questionem o seu Em 2002 criou o blogue Daily Kos. de e-books Smashwords, se calhar
ouu outro género de coisas Se os livros in- papel na indústria editorial”. E os edi-
pape Em 2008 esteve na BEA a apresentar vamos deixar de chamar aos livros
que
ue “realmente mu- tores questionaram. E viraram-se pa- o seu livro: “Antigamente era espera- digitais e-books. Vamos passar a cha-
dem
em a nossa ex- ra o imenso mundo virtual. Andaram do que ficássemos sentados quietos mar-lhes “livros”. Ler em papel será
eriência de
periência nos últimos
ú anos à caça de best-sellers e deixássemos os ‘gatekeepers’ deci- definidamente “retro”, como dizia o
lerr um livro em vversão digital, de novos autores dir o que devíamos ver, o que devía- outro.

José Manuel Fernandes a


a neun Geschichten Daniel Kehlmann (2009); 11. Middlesex Jeffrey
1 História de Portugal
1. Eugenides (2002); 12. Cavalos Roubados Per Petterson (2003); 13. O
Coordenação de Rui Ramos Peso dos Números Simon Ings (2006); 14. Os Soldados de Salamina
(2009); 2. O Futuro da Javier Cercas (2001); 15. O Acto de Amor do Povo James Meek (2005);
Liberdade Fareed Zakaria 16. A Vida de Pi Yann Martel (2001); 17. Expiação Ian McEwan (2001);
(2003); 3. Glória: biografia 18. Istambul Orhan Pamuk (2002); 19. O Teu Rosto Amanhã – 1. Febre
de J. C. Vieira de Castro e Lança Javier Marias (2002); 20. Trilogia Millennium Stieg Larsson
Vasco Pulido Valente (2001); (2005 2006 2007)
4 Portugal Hoje: O Medo
4.
d Existir José Gil (2004);
de a Maria da Conceição Caleiro a 1. Migrações do Fogo Manuel Gusmão

5. Impasses - seguido de (2004); 2. Alta noite em alta fraga Joaquim Manuel Magalhães (2001); 3.
coi
coisas vistas e coisas ouvidas A Faca Não Corta o Fogo - Súmula & Inédita Herberto Helder (2008);
Fern
Fernando Gil e Paulo Tunhas 4. O Livro do Meio Maria Velho da Costa e Armando Silva Carvalho
(2004
(2004); 6. Colapso Jared Diamond (2006); 5. Caderno de Memórias Coloniais Isabel de Figueiredo (2009);
(2005); 7. Álvaro Cunhal Uma 6. Jerusalém Gonçalo M. Tavares (2004); 7. Amigo e Amiga - Curso de
Biografia Política vol. II – Duarte o Silêncio de 2004 Maria Gabriela Llansol (2006) 8. O Apocalipse dos
Dirigente Clandestino
C José Pacheco Trabalhadores valter hugo mãe (2008); 9. Campo de Sangue Dulce
Pereira (2001); 8. A Conspiração contra a Maria Cardoso (2002); 10. O homem Lento J. M. Coetzee (2005); 11. O
América Philip Ro Roth (2004); 9. O Ocidentalismo: Homem em Queda Don DeLillo (2007); 12. As Benevolentes Jonathan
Uma Breve História de d Aversão ao Ocidente Ian Littell (2006); 13. A Estrada Cormac McCarthy (2006); 14. 2666 Roberto
Buruma e Avishai Margalit (2004); 10. A Queda de Berlim Bolaño (2004); 15. Terraço em Roma Pascal Quignard (2000); 16. Luiz
Antony Beevor (2002); 11. Suite Francesa Irène Némirovsky (2004); 12. A Pacheco: 1 Homem Dividido Vale Por 2 concepção e org. Luís Gomes
Queda de Roma e o Fim da Civilização Bryan Ward-Perkins (2005); 13. (2009); 17. Literatura defesa do atrito Silvina Rodrigues Lopes (2003); 18.
Pós-Guerra Tony Judt (2005); 14. O Jovem Estaline Simon Sebag (2008); Amor Líquido Zygmunt Bauman (2003); 19. L’Animal Que Donc Je Suis
15. Finest Years: Churchill as Warlord Max Hastings (2009); 16. César: Jacques Derrida (2006) 20. A Audácia da Esperança Barack Obama
A Vida de um Colosso Adrian Golsworthy (2006); 17. O Sentimento de Si (2006)
António Damásio (2001); 18. A Vingança de Gaia: Porque está a Terra a
Retaliar James Lovelock (2006); 19. 1948: A History of the First Arab- aPedro Mexia (por ordem cronológica estrangeiros e portugueses) a 1.
Israeli Ben Morris (2008); 20. O Código Da Vinci Dan Brown (2003) Ravelstein Saul Bellow (2000); 2. A Mancha Humana Philip Roth (2000);
3. Austerlitz WG Sebald (2001); 4. Expiação Ian McEwan (2001); 5. The
a José Riço Direitinho a 1. 2666 Roberto Bolaño (2004); 2. Austerlitz Coast of Utopia Tom Stoppard (2002); 6. Istambul – Memórias de uma
W. G. Sebald (2001); 3. A Estrada Cormac McCarthy (2006); 4. As Cidade Orhan Pamuk (2003); 7. 2666 Roberto Bolaño (2004); 8. A Estrada
Espantosas Aventuras de Kavalier & Clay Michael Chabon (2000); Cormac McCarthy (2006); 9. District and Circle Seamus Heaney (2006);
5. Está Tudo Iluminado Jonathan Safran Foer (2002); 6. Atlas das 10. As Benevolentes Jonathan Littell (2006); 11. Lillias Fraser Hélia
Nuvens David Mitchell (2004); 7. Correcções Jonathan Franzen (2001); Correia (2001); 12. Poesia Daniel Faria (2003); 13. Jerusalém Gonçalo M.
8. As Benevolentes Jonathan Littell (2006); 9. A Heartbreaking Work Tavares (2004); 14. A Ronda da Noite Agustina Bessa-Luís (2006); 15.
of Staggering Genius Dave Eggers (2000); 10. Ruhm. Ein Roman in Ofício Cantante - Poesia Completa Herberto Helder (2009)

Ian McEwan,
Herberto Helder,
“Expiação”
“Ofício Cantante
- Poesia Completa”;
“Ou o Poema Contínuo:
Súmula” e “A Faca Não
Corta o Fogo - Súmula
& Inédita”

Yann Martel,
Jonathan Littell, “A Vida de Pi”
“As Benevolentes”

Irène Némirovsky,
“Suite Francesa”

22 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


"O poder s— desgasta
aqueles que n‹o o tm."
Giulio Andreotti

êVEL
ÒA O N H O R
EL
DO M SE
ORSE
DE SC Ó
C O P POLA
E
mes
NY Ti

Il Divo. Um filme envolvente e provocador sobre a vida e o poder de Giulio Andreotti.


Em ÒIl DivoÓ, o reconhecido realizador Paolo Sorrentino oferece-nos um retrato da vida atribulada, e de certa
forma espectacular, do pol’tico italiano Giulio Andreotti. Uma viagem aos seus tempos de poder, ˆs suas
Edi‹o limitada ao stock existente.

enigm‡ticas liga›es ˆ m‡fia e ˆ forma como sempre conseguiu sair intoc‡vel das suas batalhas pol’ticas e dos
mœltiplos processos judiciais. Uma vis‹o sat’rica mas comprometida, surrealista mas, ao mesmo tempo,
profunda. Um filme sobre poder. A n‹o perder.

Quinta-feira dia 14 de Janeiro, o DVD inŽdito e exclusivo ÒIl DivoÓ por mais Û12,50, com o Pœblico.
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g Ao mesmo “Não há distinções rígidas entre o que nard Shaw, em 1925). O discurso de ra final de 2011, pela Orfeu Negro), os Romeo Castelluci, Rodrigo García,
tempo que se é real e o que não o é, nem entre o Pinter versou, depois, sobre a invasão anos 00 começaram como reacção a Pippo Delbono, Árpád Schilling, Alvis
construíam que é verdadeiro e falso. Uma coisa do Iraque, numa violenta resposta à uma tentativa de integração dos dis- Hermanis, Emma Dante, René Polles-
dezenas de novas não é necessariamente verdadeira ou Administração Bush. Mas as suas pa- cursos “in-yer-face” preconizados ch, entre outros), rompiam com a
salas e o falsa; pode ser, ao mesmo tempo, ver- lavras, em 2005 como 44 anos antes pela geração inglesa do “Young British fronteira utópica do teatro militante
objectivo-lua de dadeira e falsa”. A frase, escrita em e mesmo agora, no fim da década, Drama” (Mark Ravenhill, Sarah Kane, e documental para ir ao encontro do
uma rede 1958 por Harold Pinter, serviu de epí- servem bem de mote para uma aná- entre outros) e da vaga alemã “esper- que, e de quem, ficava às portas dos
nacional de grafe ao discurso que o dramaturgo lise sobre as fronteiras que limitaram, ma e sangue”, associada a nomes co- teatros engalanados.
cineteatros se britânico fez perante a Academia Sue- bem para lá dos palcos, as artes per- mo Marius von Mayerburg ou Dea Na viragem do milénio, as artes de
mostrava cada ca quando, em 2005, recebeu o Pré- formativas. Loher. Era, para uns, a chegada ao palco resolviam expor as feridas acu-
vez mais mio Nobel da Literatura, tornando-se, Abertos pela incisiva análise de poder e, para outros, uma marcação muladas por anos de reorganização
realizável, em 106 anos, o quinto dramaturgo a Hans-Thies Lehmann no ensaio “Te- de território a partir de discursos que social, agora pela mão de uma gera-
desapareciam merecê-lo (depois de Dario Fo, em atro Pós-Dramático”, editado em 1999 revolviam os cânones dramatúrgicos ção com a responsabilidade de per-
projectos 1997, Samuel Beckett, em 1969, Luigi na Alemanha e cinco anos depois em e que, aliando às palavras um dispo- petuar um legado que só era artístico
pensados e Pirandello, em 1934, e George Ber- Inglaterra (em Portugal aponta-se pa- sitivo cénico (Thomas Ostermeier, porque era político. Enquanto edifício
criados por
artistas, como
A Capital, dos
Artistas

As artes perfor
Unidos, fechada
em 2002 por
ordem da
Câmara
Municipal de
Lisboa

à porta dos t
Em dez anos, as artes performativas tiveram, a seu favor e contra elas, o que se passou f
construiu numa década em que, apesar de tudo, o sector se organizou - pelo m

24 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


e disciplina, o teatro tinha perdido o político e o económico. naquele palco morreu-se como na zantes sobre as comunidades, bem (mas sem grande resultado prático)
seu lugar de catalisador dos discursos Quando, em 2002, um grupo de vida real, por ordem de Putin, que como com a sua integração artística, acerca da responsabilidade social pe-
sociais, com as novas tecnologias e a separatistas tchetchenos invadiu o quis, literalmente, que o espectáculo uma consequência directa dos estu- rante estes profissionais. Com os prin-
indiferenciação disciplinar a tomarem teatro Dubrovka, em Moscovo, duran- continuasse. Defendia-se assim, disse, dos pós-coloniais que levaram a um cipais festivais do país anulados, afec-
entretanto conta de uma função an- te a representação de uma peça de a memória dos heróis que o teatro (falso) reconhecimento de territórios tando não apenas o investimento das
tiga: reflectir sobre a sociedade. incidência nacionalista, pode defen- sempre procurou inscrever. anteriormente marginalizados e/ou organizações, mas também as rela-
der-se que o fizeram porque conside- A metáfora, “a pior invenção da colonizados (era também de novas ções entre os festivais e os patrocina-
Mais e menos metáfora raram ser aquela a melhor forma de humanidade”, como escreveu Ortega colónias que Pinter falava no seu dis- dores, a crise teve também efeitos na
Isso mesmo se confirmou na crise de alertar para o perigo da reescrita his- y Gasset, sofreu, nesta década, a mais curso). circulação de artistas internacionais
2005 quando, em França, pelo Festi- tórica que o teatro instrumentalizado violenta das respostas, num área que A apresentação de uma família sikh que vivem do circuito francês.
val d’Avignon adentro irromperam pelo poder procurava impor. O públi- sempre procurou ampliá-la, usá-la a disfuncional punha em causa uma A precaridade dos profissionais foi
protestos do público contra a crítica co, composto na sua maioria pela al- seu favor, torná-la seu cavalo de ba- politicamente correcta opção gover- uma das principais linhas de comba-
que depressa legitimara discursos no ta sociedade russa (Tarantino anyo- talha, muitas vezes de Tróia. namental por um sistema de quotas te de um sector que, apesar de ter
teatro e na dança sem conseguir en- ne?), demorou a reconhecer nas ar- O espectáculo voltou a continuar temáticas e estilísticas com reflexo visto reconhecido o seu contributo
quadrá-los completamente, da crítica mas, granadas e mascaras de gás em Dezembro de 2004, quando par- nos apoios financeiros. Apoios esses para o PIB da União Europeia (2,6%,
contra os artistas por não consegui- outra coisa que não adereços. Os es- te da comunidade indiana sikh resi- que, sendo de monta, como em In- mais do que a indústria química e do
rem ultrapassar o gozo na exploração pectadores aplaudiram o realismo da dente em Birmingham se manifestou glaterra, viriam a ser desviados para plástico, por exemplo – dados de
da violência e da sujidade cénicas, de peça quando as primeiras balas se violentamente contra “Behzti”, a se- a concretização de outros projectos. 2003), ficou à porta da justiça social.
uma crítica contra outra crítica, dis- provaram verdadeiras. Tinham pas- gunda peça de Gurpreet Kaur Bhatti, A 1 de Fevereiro de 2008, o Governo O impacto da greve foi de tal ordem
cutindo ética, valores, princípios, sado mais de 15 minutos desde a in- forçando a autora a um exílio físico e britânico anuncia que os Jogos Olím- que o Festival d’Avignon, criado em
cumplicidades e gostos, dos artistas vasão do palco e aqueles pretensos intelectual em tudo contrário ao es- picos de 2012 teriam um investimen- 1947, foi cancelado; tinha acontecido
contra todos por não aceitarem as figurantes, de metralhadoras em ris- forço de integração que a própria co- to de 1,3 milhões de libras vindos do apenas uma vez, em 1968.
regras do contrato “carta branca” que te, tiveram ainda tempo de gritar por munidade procurava. O caso tem Arts Council, paradigma europeu do
se estabelece entre quem compra o um teatro verdadeiro. A história es- particular relevância quando uma das apoio à criação artística no campo do Construção, destruição
bilhete e quem faz o espectáculo, do crevia-se através de uma dramaturgia linhas que nesta década atravessou teatro e da dança. Em Portugal, o reconhecimento do
público contra os programadores acu- improvisada, e o público, ainda que os palcos, e os seus discursos, foi a da A greve dos intermitentes do espec- sector começou a ser feito apenas a
sados de imporem gostos, dos pro- desconfiado, tomava partido. Mas, ao preocupação com o outro, numa tra- táculo em França, no Verão de 2003, partir de 2001, com o primeiro pro-
gramadores contra o público por se contrário dos heróis bidimensionais, dução criativa dos discursos globali- lançou a Europa na discussão oficial grama de apoio a projectos de ini-

e Harold Pinter, Nobel da


HENRIK MONTGOMERY

RTR RUSSIAN CHANNEL


Literatura em 2005, foi o quinto
dramaturgo em 105 anos a receber o
prémio. O seu discurso perante a
Academia Sueca - “Uma coisa (...)
pode ser, ao mesmo tempo,
verdadeira e falsa” - serve bem de
mote para uma análise sobre as
fronteiras que limitaram as artes
performativas nesta década

ter esquecido de ser exigentes, de to-


dos contra todos em nome de uma
área cujo poder nunca ninguém quis,
e bem, saber onde acabava.
Não será por isso surpreendente
verificar que, numa década em que
a questão da comunidade esteve tão
presente (a abertura a Leste e o novo
mapa geopolítico alargado ao Médio
Oriente e a África, por exemplo, trou-
xeram novas formas de pensar o te- g Quando, em 2002, um grupo de separatistas tchetchenos invadiu o teatro Dubrovka,
atro e, muito em particular, a dança em Moscovo, os espectadores aplaudiram o realismo da peça. Tinham passado mais de
na sua relação simbolista e metafó- 15 minutos e aqueles pretensos figurantes, de metralhadoras em riste, tiveram ainda
rica com o corpo), os que fizeram tempo de gritar por um teatro verdadeiro. Mas naquele palco morreu-se como na vida
regressar as artes performativas a real, por ordem de Putin, que quis, literalmente, que o espectáculo continuasse
essa função eminentemente social,
responsabilizando-a por um papel
menos metafórico e mais interventi-
vo, se tenham tornado exemplos não
apenas do campo estritamente cul-
tural (ou da criação e do seu discur-
so), mas também de campos como o

rmativas
teatros
u fora dos palcos. Destruiu-se tanto ou mais do que se
o menos em Portugal. Tiago Bartolomeu Costa

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 25


e No fim de

MANUEL ROBERTO
2006, o auto-
sequestro de
alguns criadores
no Rivoli, em
protesto contra
a sua anunciada
a concessão a La
Féria, foi o
último acto de
verdadeira
afirmação do
lugar que um
teatro pode ter
na memória
colectiva de uma
cidade

ciativa não governamental nas das circa 1974 iam competir


áreas da dança, do teatro e da músi- com os seus primeiros e se-
ca para períodos de quatro, dois e gundos descendentes direc-
um anos. A medida encontra um ter- tos. É nessa altura que com-
reno em que a dança contemporânea panhias acabadas de surgir
era uma realidade recente (existe ou que tinham, até então, si--
oficialmente em Portugal desde 1989 do apoiadas pontualmente e
com a criação da Bienal Universitária (Teatro Praga, Mónica Calle/ e/
de Coimbra, feita para a selecção dos Casa Conveniente, Clara Ander-
der-
coreógrafos que representariam Por- matt ou Bomba Suicida), come-me-
tugal na Europália, em Bruxelas) e çam a construir um percurso mais
em que, no teatro, companhias cria- sólido a nível financeiro que,, natu-
PAULO PIMENTA

“Otelas”, do lituano Eimuntas Nekrosius, A extinção do Ballet Gulbenkian, um choque ao fim Comédias do Minho, um caso exemplar de trabalho
RUI GAUDÊNCIO

JORGE MIGUEL GONÇALVES/N FACTOS


um dos maiores triunfos internacionais do TNSJ de 40 anos de actividade com a comunidade

A década em dez “flashbacks”


Fim do Ballet Gulbenkian Em Julho de 2005, o anúncio da extinção Um novo perfil de programação A saída de António Pinto Ribeiro e a
do Ballet Gulbenkian deixou mais do que a comunidade artística em entrada de Miguel Lobo Antunes na Culturgest cria um outro para-
Novos choque. Acompanhando um ciclo internacional de morte natural de digma de programação - sobretudo no teatro, com Francisco Frazão
criadores, grandes companhias, não se traduziu nem na melhoria de condições - e marca a chegada de uma geração que inclui nomes como Paulo
novos pro da única companhia de âmbito nacional, a Companhia Nacional de Vasques (Circular) e Marta Furtado (ZDB/Negócio) e que vem juntar-
gramadores Bailado, nem num efectivo programa complementar de apoio à dança. se a outra, anterior (Paulo Ribeiro, Rui Horta, Cristina Grande e Pe-
(da dro Rocha, Nuno Cardoso, Mark Deputter, e até Diogo Infante), que
esquerda Encerramento do Rivoli Encabeçado da primeira à última hora por assume um entendimento plural e complementar das artes perfor-
para a Isabel Alves Costa, o Rivoli funcionou como modelo de um teatro mativas.
direita): Nuno que, sendo municipal na tutela, era nacional na ambição. O prece-
Cardoso, Mark dente aberto por Rui Rio com o encerramento de um serviço público Novos nomes, valores… e prémios Muito porque o mapa e a filo-
Deputter, José em nome da rentabilidade legitimou outras câmaras e marcou a de- sofia dos espaços se modificaram, e também porque o quadro de
Maria Vieira s i s t ê n c i a de um pr
programa plural para uma cidade com a respon- atribuição de apoios públicos se alargou, a década permitiu o surg-
Mendes, sabilidade do Porto.
sabi imento de nomes nos mais diversos domínios, alguns dos quais
Pedro Penim, acabaram premiados: Teatro Praga, Patrícia Portela, Tiago Guedes,
Miguel Lobo Cr
Crise no Teatro Nacional D. Maria II Na década Tânia Carvalho, Cláudia Dias, Circolando, Mala Voadora, Sónia Bap-
Antunes, em que os teatros nacionais passaram a em- uita,
tista, Tiago Rodrigues, José Maria Vieira Mendes, André Mesquita,
Rui Horta presas públicas, para alívio orçamental do
pr Primeiros Sintomas e Miguel Pereira.
Ministério da Cultura, assistiu-se à tumultu-
M
osa substituição, na direcção do D. Maria II, de
os A Capital, presente adiado Ao longo da década, o projecto Artistas
stas
António Lagarto por Carlos Fragateiro. A nova
An omo
Unidos, dirigido por Jorge Silva Melo, foi uma batalha que teve como
d
di recção foi contestada c
direcção com mani- airro
objectivo principal a recuperação do edifício A Capital, no Bairro
festações à porta e o Alto, fechado por ordem da Câmara Municipal de Lisboa em 2002. 002.
manda
mandato de três Desde então, o que aquele edifício entaipado representa é também bém
anos não che- o diálogo de surdos entre os criadores e os decisores politicos os e
gou ao
a fim, com económicos.
a direcção
dire a ser
dispe
dispensada, por Descentralização Falar de descentralização significa, hoje, falarr
despa
despacho, de- em novos centros, com casos exemplares como o Espaço do Tem--
poi
pois de acusa- po (Montemor-o-Novo), o Teatro Viriato (Viseu), o Devir/Capa
da de gestão (Faro), o Festival Materiais Diversos (Minde), e as Comédias do
d
danosa. Minho. Companhias houve ainda que saíram das suas casas,

26 • Ípsilon
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Sexta-feira
ex
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iro 2
2010
010
01
010
10
ralmente, terá consequências a nível tos criados e pensados por artistas. e viram as verbas congeladas por de-

FRANCOIS MORI
artístico. Muitas delas beneficiarão A Capital, o Espaço Ginjal, o CENTA cisão de José Sasportes, um dos sete
da criação de uma outra frente de e o Teatro Camões, entre outros, co- ministros da Cultura que tivemos em
apoio, para os projectos Trans e Plu- meçaram e deixaram de existir no dez anos), e uma providência cautelar
ridisciplinares. O Ministério da Cul- espaço de uma década; criadores da Panmixia, em 2005, que paralisou
tura reconhecia então a existência houve (como Vera Mantero) que co- toda o tecido teatral da região Norte,
de projectos híbridos ou complemen- meçaram a ter mais financiamento por não existirem mecanismos de sal-
tares, para lá das fronteiras clássicas, no exterior, outros ainda (como João vaguarda dos apoios atribuídos aos
acompanhando uma alteração de Fiadeiro) deixaram de dançar para projectos concorrentes.
valores artísticos a nível europeu. se dedicarem à investigação sem que Foi para esta ideia de contamina-
Foi, por isso, e ao longo de dez alguma vez os programas de apoios ção, de acção com consequência, e
anos, um sector em aprendizagem e previssem, convenientemente, essa da necessária avaliação (e validação)
teste, optando o poder central por área. do impacto que isso produz no futu-
políticas de “hardware”, nomeada- Se em França o regime de intermi- ro que Harold Pinter chamou a aten-
mente a errática e ambiciosa rede de tência levou à paralisação do sector ção no discurso de aceitação do No-
cineteatros, iniciada no fim da déca- cultural, em Portugal um projecto-lei bel da Literatura. “Acredito”, conti-
da anterior, e entretanto contrariada sobre a intermitência, ainda que pe- nuava ele, “que estas asserções ainda
pelo processo Rivoli, ou pelos mega- cando por falta de coragem política, fazem sentido e devem ser aplicadas
eventos centralizadores (Faro 2005 foi aprovado a 30 de Novembro de na exploração da realidade através
- Capital Nacional da Cultura fica 2007 pelo Partido Socialista, não me- da arte”. Então como agora, no ba-
marcado por um protesto de diversos recendo mais do que protestos for- lanço de uma década que assistiu ao
coreógrafos contra uma Plataforma mais da parte dos profissionais, com g A greve dos intermitentes do espectáculo em França, no Verão de 2003, desenvolvimento de um sector que
de Dança Internacional sem condi- uma discussão tépida, em tudo con- obrigou à suspensão dos principais festivais do país; as ondas de choque da continua a precisar de entender que
ções logísticas). A ideia de geração trastante com as manifestações por crise afectaram a circulação de artistas internacionais dependentes do a defesa da arte pela arte só existe
que podia tomar o pulso da socieda- causa de atribuição de verbas, recor- circuito francês porque existem, à volta, atrás e ao
de através da criação teve contra si, rentes nos vários concursos de apoio. lado, políticas claras para a sua pro-
pelo menos em Portugal, a efectiva- Ficam para a memória, e para refle- tecção, o que ficar não pode ser ape-
ção de políticas complementares. xão, a discussão entre “o grupo dos nas arquivo. Deve ser o alerta mais
Ao mesmo tempo que se constru- 31 e os outros” (formado pelas estru- vivo para o futuro que se prepara a
íam os teatros, desapareciam projec- turas que em 2001 receberam apoio cada representação.

ho Vigília de protesto contra o afastamento


NUNO FERREIRA SANTOS

de António Lagarto do D. Maria II

com destaque para o Teatro Meridional, que criou “Por Detrás dos
Montes” com o Teatro Municipal de Bragança, e para a residência do
Teatro da Garagem no mesmo interior profundo.

Internacionalização A presença regular de espectáculos interna-


cionais teve nesta década um peso significativo. É hoje comum ver o
nome de instituições nacionais nas listas de co-produções. Caso par-
ticular: o Teatro Nacional S. João que, em 2004, aderiu à União dos Te-
atros da Europa. O esforço levado a cabo por Ricardo Pais e José Luís
Ferreira teve os seus pontos altos nos festivais PoNTI e Portogofone.

Formação Não só o Centro de Estudos de Teatro, da Faculdade de Le-


tras de Lisboa, conseguiu encontrar condições para avançar para
um programa completo de formação que inclui agora mestrados e
doutoramen
doutoramentos em Estudos de Teatro, como a Escola Superior
de Dança e a Escola Superior de Teatro e Cinema passaram a
oferecer licenciaturas
li e mestrados. Formaram-se ainda alu-
nos em EEstudos Artísticos em Coimbra e Évora, alargando
assim o leque
le de possibilidades.

RIP Isabel Alves Costa, Mário Barradas, Raúl Solnado, Dali-


la Rocha,
Ro Paula Castro, Morais e Castro, Augusto Boal,
Pi
Pina Bausch, Merce Cunningham, Harold Pinter,
M
Maurice Béjart, Henrique Viana, Paulo Autran, Al-
e
exandre Babo, Canto e Castro, Isabel de Castro, Ca-
m
macho Costa, Glicínia Quartin, Carlos Porto, Manu-
e
el João Gomes, Mónica Lapa, Jorge Vasques, Paulo
Claro…

*Tiago Bartolomeu Costa a partir de uma selecção de te-


mas feita com Jorge Louraço Figueira, Luísa Roubaud,
Rita Martins e Rui Pina Coelho

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 27


Teatro
Acompanhando o “tour de Alexandre é o primeiro
force” de Eunice Muñoz a entrar sozinho em
em “O Ano do Pensamento cena; seguem-se, até 7
Mágico”, em cena desde de Fevereiro, João Reis
ontem no Teatro Nacional (“A Febre”, de Wallace
S. João, o Teatro Carlos Shawn), Flávia Gusmão
Alberto recebe a partir (“Amor”, de André
de hoje um ciclo de solos Sant’Anna), Ana Bustorff
Ciclo que começa com este (“Concerto à la Carte”, de
“Dois Homens”, de José Franz Xavier Kroetz) e
Maria Vieira Mendes. Ivo Olga Roriz (“Electra”).

Depois da temporada no D. Maria II, “O Ano


do Pensamento Mágico” muda-se para o Porto

anteontem. E mais ainda por


Ler é luta termos visto este mesmo texto
montado no inicio do ano passado
Agenda
de classes por Gonçalo Amorim, depois de 32
anos sem ser encenado em
Teatro 108. Até 17/01. Sáb. e Dom. às 16h. Tel.: 222003595.
5€ a 7,5€.

Portugal. Eu Sou a Minha Própria Mulher


“A Mãe”, de Bertolt Brecht, O director da Companhia de
Estreiam De Doug Wright. Pela Seiva Trupe.
Teatro de Almada sempre quis A Cidade Encenação de João Mota. Com Júlio
é um clássico que sobre a Cardoso.
trabalhar “A Mãe”, mas só agora
crise económica: greves, conseguiu reunir os ingredientes
Porto. Teatro do Campo Alegre. R. das Estrelas s/n.
Até 14/02. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 16h. Tel.:
desemprego, redução para a montagem integral da peça: 226063000.

salarial. Tempos modernos. um espectáculo de três horas, com


Cratera
18 actores e uma orquestra ao vivo,
Cláudia Silva dirigida pelo maestro Fernando
De valter hugo mãe. Pelo Teatro
Bruto. Encenação de Ana Luena.
A Mãe Fontes, a tocar os originais de Com Carlos António, Pedro
De Bertolt Brecht. Pelo Teatro Hanns Eisler. Para Benite, a Mendonça, Sílvia Silva.
Municipal de Almada. Encenação de fidelidade ao texto e às didascálias é Porto. Fundação Escultor José Rodrigues. Rua da
Fábrica Social. Até 23/01. 4ª a Sáb. às 22h00. Tel.:
Joaquim Benite. Com André um traço do teatro ocidental que De Aristófanes. Pelo Teatro da 220109020. 7€.
não se deve perder. O encenador Cornucópia. Encenação de Luis
Albuquerque, Carlos Gonçalves, Miguel Cintra. Com Márcia Breia,
não é uma vedeta nem um criador, Cão Que Morre Não Ladra
Daniel Fialho, Teresa Gafeira, Teresa Rita Durão, Nuno Lopes, Maria Pela Companhia do Chapitô.
Mónica, entre outros. mas antes um “equivalente ao
Rueff, Bruno Nogueira, Gonçalo Encenação de John Mowat. Com
maestro, que apresenta o texto na
Almada. Teatro Municipal de Almada. Av. Professor Waddington. Jorge Cruz, Marta Cerqueira, Tiago
sua atmosfera”. Também foi pelo Lisboa. Teatro Municipal de S. Luiz. R. Antº Maria
Egas Moniz. Até 31/01. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às Viegas.
16h. Tel.: 212739360. 6€ a 13€. desejo de mostrar a peça na sua Cardoso, 38-58. De 14/01 a 14/02. 4ª a Sáb. às 21h. Lisboa. Chapitô. R. Costa do Castelo, 1/7. Até 21/02.
mais perfeita integralidade que Dom. às 16h. Tel.: 213257650. 12€ a 25€. 5ª a Dom. às 22h. Tel.: 218855550. 7,5€ a 10€.
Há um certo simbolismo cronológico Benite foi rigoroso na escolha da Maria Mata-os Hannah e Martin
inerente à encenação, hoje, de “A tradução. Depois de ler a versão de De Miguel Castro Caldas. Pelos De Kate Fodor. Pelo Teatro Aberto.
Mãe”, de Bertolt Brecht. O Yvette Centeno e Teresa Balté sentiu Primeiros Sintomas. Encenação de Encenação de João Lourenço. Com
dramaturgo alemão escreveu-a com que tinha a qualidade literária para Bruno Bravo e Gonçalo Amorim. Ana Padrão, Cátia Ribeiro, Cristóvão
base no romance homónimo do enfim trabalhar “A Mãe”. O teatro Com Anabela Brígida, Bruno Bravo, Campos, Rui Mendes, entre outros.
escritor russo Máximo Gorki (1868- brechtiano é dialéctico e cheio de Bruno Simões, Catarina Lisboa. Teatro Aberto - Sala Vermelha. Pç.

1936) mas, enquanto Gorki situou a contradições, com construções Mascarenhas, entre outros. Espanha. Até 31/12. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h.
Lisboa. Teatro Municipal Maria Matos. Av. Frei Tel.: 213880089. 7,5€ a 15€.
história em 1905, focando a ambivalentes. Por isso, “a tradução Miguel Contreiras, 52. De 12/01 a 20/01. 2ª a Sáb. às
Revolução Russa desse ano, Brecht deve ser muito cuidadosa”. 21h30. Tel.: 218438801. 5€ a 12€. D. Quixote (de Coimbra)
acrescentou cenas novas e estendeu Há quem diga que em Portugal A partir de Miguel Cervantes. Pelo
No Rasto de Miguel Torga Teatrão. Encenação de Isabel
a trama até 1917, criando uma tem havido um regresso subtil aos A partir de Miguel Torga. Pelo Urze Craveiro. Com Inês Mourão, João
alegoria à sociedade alemã, textos de Brecht. É um fenómeno Teatro. Encenação de Pompeu José. Castro Gomes, Luís Carlos Eiras e
massacrada por uma crise europeu, contrapõe Benite. “A Mãe” Com Fábio Timor, Glória de Sousa, Margarida Sousa.
económica. O contexto é de redução mantém “uma grande actualidade, Isabel Feliciano, Rui Félix. Coimbra. Oficina Municipal do Teatro. Rua Pedro
Vila Real. Teatro de Vila Real. Alameda de Grasse. Nunes. Até 16/01. Sáb. e Dom. às 21h30. Tel.:
salarial, greves e luta de classes. Mas mas há muita gente que a considera
De 13/01 a 14/01. 5ª às 10h30 e 15h. 6ª às 22h. Tel.: 239714013. 4€ a 10€.
a peça só foi estreada no inicio da propaganda comunista”. 259320000.
década de 30, período que dividiu as Evidentemente, continua, “traduz o
águas entre a quebra da Bolsa de pensamento marxista e fala do Continuam Dança
Nova Iorque, em 1929, e a comunismo como um ideal”. Mas o
Tragédia
recuperação económica mundial. que está em causa é o processo de
A partir de Eurípides e Jean-Paul Estreiam
Entretanto, vemo-nos em 2010, aprendizagem que resulta da prática
Sartre. Pela Casa Conveniente. Veralipsi
no inicio de uma nova década social. A mãe, viúva e mãe de um Encenação de Ana Ribeiro. Com
economicamente ressacada, muito operário, aprende a ler depois de De Sofia Silva. Com Joana Ratão,
Maria do Carmo, Mónica Calle, Rita Patrícia Cabral.
Três horas, 18 actores, próxima do espaço-tempo de “A distribuir panfletos da greve para Só, Teresa Sobral, Vítor D’Andrade. Lisboa. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar,
uma orquestra ao vivo: é esta Mãe”. Por isso é tão significativo ver ajudar o filho. É na mudança de Lisboa. Teatro da Trindade. Largo da Trindade, 7a. 91. De 14/01 a 16/01. 5ª a Sáb. às 21h30. Tel.:
a escala de “A Mãe”, a nova esta encenação de Joaquim Benite consciência que reside o acto Até 31/01. 4ª a Sáb. às 21h45. Dom. às 17h30. Tel.: 213111400. 5€.
produção da Companhia 213420000. 5€ a 8€.
abrir a programação de 2010 do revolucionário, como diz Vlassova:
de Teatro de Almada Teatro Municipal de Almada, desde “Ler é luta de classes”. O Ano do Pensamento Mágico Continuam
De Joan Didion. Pelo Teatro Nacional
Dona Maria II. Encenação de Diogo Inferno
Infante. Com Eunice Muñoz.
Porto. Teatro Nacional S. João. Praça da Batalha.
Até 31/01. 4ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. Tel.:
223401900. 3,5€ a 15€.

Dois Homens
De José Maria Vieira Mendes. Pelo
Teatro Municipal de Almada.
Encenação de Carlos Pimenta. Com
Ivo Alexandre.
Porto. Teatro Carlos Alberto. Rua das Oliveiras, 43.
De 8/01 a 10/01. 6ª e Sáb. às 21h30. Dom. às 16h.
Tel.: 223401900. 5€ a 15€.
De Olga Roriz. Com Catarina
A Febre Câmara, Adriana Queiróz, Rafaela
De Wallace Shawn. Pelo Teatro Salvador, Bruno Alexandre, Pedro
Oficina. Encenação de Marcos Santiago Cal.
Barbosa. Com João Reis. Faro. Teatro Municipal de Faro. Horta das Figuras
Porto. Teatro Carlos Alberto. Rua das Oliveiras, 43. - EN125. 09/01. Sáb. às 21h30. Tel.: 289888100. 10€
De 14/01 a 17/01. 5ª a Sáb. às 21h30. Dom. às 16h. a 12€
Tel.: 223401900. 5€ a 15€.
Talvez Ela Pudesse Dançar
João Sem Medo Primeiro e Pensar Depois +
A partir de José Gomes Ferreira. Olympia
Encenação de Ricardo Alves. Com De e com Vera Mantero.
Sara Costa, Sara Pereira, Teresa Portimão. Teatro Municipal de Portimão.
Alpendurada. Largo 1.º de Dezembro. 09/01. Sáb. às 21h30.
Porto. Teatro Sá da Bandeira. R. Sá da Bandeira, Tel.: 282402475.

28 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


Discos
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Ricardo Rocha deixa inscrita a sua marca


na história da guitarra

Pop perfeição com aquele que o “Contra”, os Vampire


antecedeu. Menos exuberante e Weekend temperam a euforia
menos festivo, mas imediatamente com contenção, contrapõem
Inteligente reconhecível, é um inteligente passo
em frente.
sintetizadores borbulhantes às
guitarras luxuriantes e, sendo aquilo questão de afirmar que não é nem
passo Recordemos os Strokes, outros
célebres nova-iorquinos desta
que nos levou a celebrá-los,
mostram que também podem ser
poderia ser seguidor de Carlos
Paredes porque Paredes iniciou e

em frente década. Depois do terramoto


provocado por “Is This It?”,
algo mais.. fechou uma linguagem (a sua,
inimitável). Digamos então que
gravaram “Room on fire” e Ricardo Rocha, depois de
Sendo aquilo que nos levou conseguiram prolongar o
encantamento. Conseguiram-no da
Ceci n’est pas “Voluptuária”, e, agora, com este
surpreendente “Luminismo” (à
a celebrá-los, mostram que
também podem ser algo
forma aparentemente mais fácil, ou
seja, criaram o segundo álbum como un fado guitarra, no CD1, sucedem-se peças
para piano, no CD2, com
mais. reflexo detalhado do primeiro. homenagens ao compositor russo
Pagaram por isso: hoje, Obra incomum pela forma Alexander Skrajbin, de um
Mário Lopes naturalmente, o reflexo é memória romantismo etéreo, e perturbantes
esbatida perante o corpo reflectido. como se apresenta: fiel ao composições serialistas, ambas
Vampire Weekend
Contra
Pois bem, os Vampire Weekend destino da guitarra sem jurar interpretadas pela austríaca
XL; distri. Popstock fizeram o mesmo, com uma fidelidade ao seu fatalismo. Ingeborg Baldaszti), deixa também
diferença substancial. Observaram o inscrita a sua marca na história do
Mário Lopes
mmmmn reflexo no espelho e caracterizaram- instrumento.
no, maquilharam-no, moldaram-no Ricardo Rocha O que se ouve em “Luminismo”
Os Vampire até ao ponto em que, não é fado. Sendo-o, só o será no
Luminismo
Weekend chegam reconhecendo-o, não o Mbari Música sentido em que a guitarra, por
então ao segundo confundíssemos com aquilo que era mais que tente, não consegue
álbum, o tal difícil antes da operação. mmmmn escapar-lhe – é destino inscrito no
segundo álbum, se “Horchata”, com as suas código genético. Quanto ao mais,
confiarmos nas marimbas, tem aquela textura No disco, ouve-se- Ricardo Rocha transborda: nas
anciãs regras da pop, e, antes fantasiosa que é felicidade lhe a respiração dinâmicas conturbadas de “Abismo
mesmo de o ouvirmos, já sabemos sublimada em dança e “Holiday”, acompanhando o satânico”, no lirismo torrencial da
que não provocará a mesma euforia com o baixo gingão e as guitarras em trinado da versão de “Dança das sombras”, de
que a estreia homónima. Contra tangente indie às “africanices” guitarra. Claro que Pedro Caldeira Cabral, ou na força
isso, fizessem o que fizessem, nada habituais da banda, é um adorável é uma luta o que cava, profunda, que emerge da
podiam os Vampire Weekend – o pedaço de pop a pedir o Verão que por ali vai, mas só o afirmamos imensa “Porto Santo”, de Carlos
primeiro álbum, com os seus há-de chegar – e ainda há o porque sabemos da relação Paredes.
“Mansard roof” e os seus “Cape Cod contagiante frenesim do single conturbada de Ricardo Rocha com Obra incomum pela forma como
kwassa kwassa”, com aquela forte “Cousins”, com bateria a rufar, o instrumento que o escolheu e do se apresenta, fiel ao destino da
luminosidade pop filtrada de guitarras a silvar e os Devo a qual não pode agora escapar. guitarra sem jurar fidelidade ao seu
audições atentas do Paul Simon espreitar por trás da cortina. Não Porque o que nos chega, quando o fatalismo, sem ambições de
“africano” de “Graceland”, com fosse o contexto, todas elas ouvimos, não é uma luta. É aquele modernização e sem subjugação ao
música contagiante e canções em poderiam ser aquilo que lhes som único a desenvolver-se corpo tradicionalismo, “Luminismo” é
estado de graça foi surpresa conhecíamos antes. Em “Contra”, sem se metamorfosear numa outra música inspirada, a música de um
irrepetível. servem como ponte. Porque nele se coisa. percurso único – e da guitarra em
Ainda assim, há algo clássico na ouvem menos guitarras e mais Ricardo Rocha sempre fez que essa música se exprime.
Os Vampire forma como “Contra”, fiel ao “look” electrónicas, porque aqui há
Weekend, de universitários letrados (como samples de M.I.A. (na melancólica
sendo aquilo sabemos, não é redundância) dos “Diplomat son”) e sintetizadores
que nos levou Vampire Weekend, se alinha na erguidos ao alto como secção de
a celebrá-los, metais eufórica (a magnífica
mostram que “Run”).
também podem Ao ouvir “Contra”,
ser algo mais recordamo-nos
recordam que,
este ano, Rostam
Batmanglij,
Batmang multi-
instrumentista
instrume e
produtor
prod dos
Vampire
Va
Weekend,
W se
apresentou
num delírio
estival
sintético
s
chamado
c
Discovery.
D
Talvez
Tal venha daí
o equilíbrio
e
“electrónico
“el
orgânico”
org do
álbum
álb - vem daí
certamente
ce o
Auto-Tunes
Au na
voz
vo de Ezra
Koenig
Ko na lenta
e encantatória
e
“California
“C
english”.
eng
Certo
C é que em

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 29


Discos
O norueguês Lindstrom também
caiu na tentação da canção;
com a cumplicidade de Christabelle
Manu Dibango: ainda não
a retrospectiva que ele merece

alusões a “Wanna be startin’


O novo ano something” de Michael Jackson e
“Dr beat” de Miami Sound Machine,
começa ou em “Let’s practise”, onde é quase
inevitável pensar em algumas das

quente canções mais conhecidas de Giorgio


Moroder e Donna Summer.
Mas há também digressões mais
bizarras, como “Never say never”,
Um dos mais conhecidos com efeitos sonoros e vocais na
produtores das electrónicas mesma linha de improviso, ou
encontra uma musa “Lovesick”, pop electrónica de
cabaret com libido lá dentro. No BlakRock: os “niggas” rockam
inspiradora e o resultado é
total são dez canções onde a falsa e os “whiteys” groovam
um álbum de canções racionalidade electrónica compacta
‘disco-pop-electrónicas’. a sensibilidade pop provocando uma
Vítor Belanciano torrente de calor em pleno Inverno.
O novo ano começa quente.
Lindstrom & Christabelle
Real Life Is No Cool
Smalltow Supersound
Carreira excepcional
em resumo
mmmmn
Manu Dibango
O norueguês afrobeat que responde pelo nome de
Makossa Man
Lindstrom também Demon, distri. Megamúsica “African boogie”. Mas, à semelhança
caiu na tentação. de compilações prévias, esta
Parece fazer parte mmmnn enferma de problemas de
da ordem natural licenciamento e há longos períodos
das coisas. Depois Guitarras funk e que são omitidos, como é o caso das
de se imporem com temas ritmos makossa – brilhantes parcerias com Eliades
predominantemente instrumentais é essas são as Ochoa e Simon Booth, nos anos 90.
natural que alguns dos músicos- premissas sobre as As notas que acompanham a
produtores mais reconhecidos das quais o sax vai compilação também são lacunares,
chamadas músicas de dança improvisando, reforçando a ideia de que aqui o
queiram experimentar o formato lânguido e sensual, em “Soul propósito foi construir um
canção. Aconteceu nesta década makossa”. É o tema mais célebre de alinhamento dançante em função do
com Herbert (ao lado de Dani Manu Dibango (Camarões, 1933), material disponível. O que não é
Siciliano ou Roisin Murphy) ou com que em 1972 antecipou o disco nada mau, atendendo à prodigiosa
o finlandês Vladislav Delay, com o sound, o afro jazz e a word music. elegância e versatilidade com que
projecto Luomo, para nos ficarmos Mas o fascínio de “Soul makossa” Manu Dibango sempre promoveu a
por dois dos casos mais não reside tanto em ser uma receita festa. Mas também é certo que esta
conseguidos. vencedora, antes uma base não é ainda a retrospectiva definitiva
Para entramos em 2010 acontece susceptível de mil e uma piruetas que ele há muito merece. Luís Maio
agora com Lindstrom, um dos mais musicais – o género que pode dar
importantes produtores da última voltas durante horas sem nunca se
meia dúzia de anos, no campo das repetir. É o que comprova mais Rockando o hip hop
sonoridades dançantes de prosaicamente “Reggae makossa”
inspiração “disco”. A solo, ou ao (1980), que transplanta o tema para BlakRoc
lado do compatriota Prins Thomas, um contexto jamaicano,
BlakRoc
tem conseguindo impor-se com um acrescentando-lhe um hipnótico V2; distri. Nuevos Medios
número razoável de álbuns, máxi- solo de vibrafone. Em retrospectiva,
singles e remisturas. Faltava no seu ou em função de uma compilação mmmnn
currículo uma obra de maior como a presente, a matriz de “Soul
sensibilidade pop. makossa” acaba por se reconhecer Há alguns anos, os
“Real Life Is No Cool” é essa obra, em muitas outras gravações, nossos olhos
um álbum onde a voz macia e efectuadas ao longo de mais de 40 passaram por uma
sensual da companheira de anos de carreira. Graças à incrível crónica em jornal
aventuras, a também norueguesa elasticidade das suas premissas britânico onde se
Isabelle Haarseth Sandoo, mais musicais, o saxofonista camaronês cronista defendia
conhecida por Christabelle, lhe pôde tocar um vasto ramalhete de que os génios do hip hop tinham
impõe novos desafios, superados estilos musicais - desde o dificuldade em compreender o rock.
com distinção. Quem conhece os psicadelismo ao highlife, passando Como argumento definitivo,
elementos da música de Lindstrom pelo gospel e pelo reggae-, recordava-se um qualquer programa
vai reconhecê-los nesta obra – conservando-se actual, criativo e televisivo em que Jay-Z (ou seria Ice
desenvolvimentos rítmicos quase invariavelmente dançante. T ou Timbaland?), percorrendo a
orgânicos provenientes do “disco”, “Makossa Man” resume-lhe a sua discoteca caseira, passava por
traços de funk borbulhante, carreira excepcional em 32 títulos nomes sagrados da soul. Depois,
ocasionais psicadelismos, dinâmica distribuídos por dois CD, o primeiro para demonstrar o seu ecletismo,
evolutiva – mas o todo final, resulta centrado nos finais dos anos 60/ Jay-Z, Ice T ou Timbaland retirou um
diferente, em canções aveludadas e inícios do 70, o segundo abarcando CD da prateleira e exibiu-o à câmara:
ondulantes. um arco temporal mais largo que se “Phil Collins. Este é o meu gajo!”
Enquanto Christabelle canta estende até meados da década de É certo que as voltas insondáveis
palavras com algum erotismo, misto 90. Estão lá os êxitos mais óbvios, do gosto popular definiram que,
de malícia e inocência, a música mas também títulos menos neste preciso momento na história,
subverte referências, algumas delas conhecidos tão ou mais Phil Collins está “in”. Ainda assim, o
expostas à flor da pele. É isso que combustivos, como o ultra funk “Ah argumento do cronista, recorrendo
acontece em “Baby can’t stop”, com freak sans fric” e esse tratado de a uma memória selectiva e

30 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Espaço
Tenho muito Público instrumental “Songs “Torches”, “The Ward
gosto em by the tumbled sea” Colorado demos” e
partilhar as dos norte-americanos “Coyotes”. Na música
minhas escolhas The tumbled sea; “Soil a, a
portuguesa,
pessoais, em termos creatures”, o quinto olha
minha escolha
musicais, do ano de 2009. trabalho de Paddy mente
recai novamente
Nos álbuns internacionais Mann que assina como rto
em Norberto
os meus destaques vão Grand Salvo; e, acima de a feita
Lobo, desta
para: “Sometimes I wish tudo, Brian Borcherdt, um “Pata
com o álbum
we were an eagle”, de músico canadiano com as lenta”.
Bill Callahan, o Sr. Smog; excelentes colecções de g,
João Semog,
“Collected recordings” do canções de 2004 a 2008 40 anos,
escocês Gareth Dickson; o incluídas nos álbuns artista
Amanda Blank: quase sempre divertido, quase sempre dançável

contrição, há ainda “Leaving you


behind”, que corta com o teatro
porno e revela a cantora pop que há
em Amanda Blank, num elegante
dueto com Lykke Li. Luís Maio

Jazz

Alemão
suave
O lirismo, levemente
abstracto, de um jovem
O lirismo de Jurgen Friedrich
pianista europeu.
seus conceitos harmónicos. John belos momentos nas árias mais
Rodrigo Amado Hebert, particularmente, revela aqui meditativas que apostam na
Jurgen Friedrich enorme talento lírico, dimensão “cantabile” das melodias,
desenvolvendo imaginativas mas é menos convincente nas peças
Pollock
Pirouet, dist. Mbari variações em torno das linhas do “di bravura”. Não se trata de uma
piano. Apesar de tocar questão técnica, pois Piau é bastante
mmmmn frequentemente a solo, o pianista precisa na “coloratura”, mas sim
esquecendo, por exemplo, que evidente honestidade estética e alemão revela-se um mestre na arte retórica (no sentido em que a
existe algo como a editora Stones demonstra uma compreensão Jackson Pollock, do trio, sabendo dar o espaço dimensão virtuosística tem de
Throw, poderá ter alguma mútua que nos satisfaz. artista famoso pela necessário para que as notas de sublinhar o conteúdo semântico e
sustentabilidade. Recordemos que Basicamente, os “niggas” rockam sua “action Hebert e Moreno possam respirar. dramático do texto) e de colorido
os NERD se lembraram de gravar e os “whiteys” groovam e o pessoal painting”, pintava Ouça-se a suspensão dos tempos em vocal. Os seus agudos são acutilantes
com os insignificantes Good aprecia acompanhar a empatia que a ouvir jazz. Para “I am missing her”, original de mas carecem de brilho e maior
Charlotte ou que Jay-Z “brincou” ao daí nasce. M.L. além dessa ligação Hebert, ou a introspecção lírica que densidade. Assim, a sua versão da
rock atirando-se de cabeça no lagar directa, poucos são os pontos em transforma “Round midnight”, única ária que abre a gravação
de azeite que é o agrupamento Amanda Blank comum entre este “Pollock” e a obra versão do álbum, numa delicada (“Disserrativi, o porte d’Averno”, da
musical Linkin Park. Portanto, nem do pintor norte-americano, um dos canção repleta de dramatismo e oratória “A Ressurreição”) deixa
I Love You
que seja para apagar tais atrocidades Downtown, distri. Popstock expoentes do expressionismo nostalgia. bastante a desejar, sobretudo se a
da memória, BlakRoc é bem-vindo. abstracto, possuidor de um estilo compararmos com a interpretação
Colaboração dos Black Keys com mmmnn baseado na fisicalidade crua do
Clássica
de Cecília Bartoli no disco “Opera
nomes como Mos Def, RAZ, movimento. Neste registo, todo o Proibita”. Mas nos excertos da “Ode
Raekwon, Q-Tip, um Ol’ Dirty “I Love You” é movimento é ponderado, para o Dia de Santa Cecília” e das
Bastard vindo do além e um Noe sobre as elegantemente executado e Handel entre o céu e a terra oratórias “Theodora”, “Alexander
anunciando-se desde Baltimore, vicissitudes da calmamente reflectido. E é aí que Balus” ou “Il Trionfo del tempo e del
Handel
nada tem de atroz. Estreita a relação maquilhagem e da está a grande beleza de “Pollock”, disingano”, Sandrine Piau mostra
Between heaven and earth
óbvia que existe entre o hip hop e toilette certa para oitavo álbum do pianista e porque razão é uma conceituada
Sandrine Piau (soprano)
blues, com os Keys a criarem as dar nas vistas, compositor alemão Jurgen Friedrich. intérprete de música barroca.
Accademia Bizantina
bases bluesy-fumarentas, blues- sobre quem são as “gatas” que Tendo conquistado inúmeros Destaca-se ainda a participação do
Stefano Montanari (violino e
psicadélicas, de batida mastodôntica abanam melhor as ancas e o traseiro, prémios, entre os quais os Gil Evans excelente tenor Topi Lehtipuu no
direcção)
à Led Zeppelin ou sinistras à filme de sobre quem paga as bebidas mais o Award e Julius Hemphill Naïve OP 30484 dueto “As steals the morn upon the
zombies, e os convidados a falar táxi para casa, mesmo que ela e o Composition Award, Friedrich night” (extraído de “L’Allegro, il
daquilo que interessa: de dores do parceiro da noite saiam separados colaborou com nomes como Kenny mmmnn penseroso e il moderato”). Sob a
coração, do dinheiro que chega ou para não dar muita bandeira. Mas é Wheeler, David Liebman, Maria direcção do violinista Stefano
não chega, de vidas difíceis tornadas sobretudo um disco de paleio de Schneider Jazz Orchestra ou NDR Sob a designação Montanari, a Accademia Bizzantina
mais fáceis porque, afinal, “The engate twentysomething, repleto de Bigband, conquistando reputação “Céu e Terra”, o toca com brio e expressividade
Black Keys got so much soul”. rimas hardcore e de diálogos de como um dos mais brilhantes jovens último CD da peças a solo como a sinfonia “The
Perspectivando 40 anos de telenovela, conjugados com o único pianistas europeus. Neste segundo soprano Sandrine Arrival of the Queen of Sheba” ou o
história, encontramos paralelismos intuito de manter a pista de dança CD para a Pirouet, Friedrich faz-se Piau reúne uma Largo do Concerto Grosso op. 2 nº3
entre este “BlakRoc” e o “Electric ao rubro. Seria vulgar, ou rasteiro, se acompanhar novamente pelo série de árias de (com óptimas intervenções dos
Mud” de 1970, álbum maldito de Amanda não tivesse ao seu serviço contrabaixista John Hebert e pelo oratórias e óperas de Handel, oboés) e fornece uma base
Muddy Waters, onde as canções do produtores do quilate de Diplo, baterista Tony Moreno, secção intercaladas por breves páginas consistente para as peças cantadas.
mítico bluesman foram banhadas Switch e XXXChange (Spank Rock) e rítmica que revela a mais profunda instrumentais. A selecção é Todavia, podia explorar mais a
em acidez psicadélica. Muddy ela própria uma voz versátil que empatia com o pianista, explorando criteriosa, mas o resultado é dimensão teatral deste repertório.
Waters renegou o álbum, os puristas conjuga na perfeição o artifício pop e ampliando da melhor forma os desigual. A cantora oferece-nos Cristina Fernandes
detestaram-no. Sobreviveu e crueza rap. Todas as batidas em
subterraneamente e, vinte anos voga, dos revivalismos disco sound e
depois, alguém como Chuck D, o electro ao tecno e aos ritmos
imenso MC dos imensos Public marciais ao estilo M.I.A., são
Enemy, reabilitou-o orgulhosamente convocados, em receitas elásticas e
enquanto obra-prima. “BlakRoc” aparatosas, que pelo meio vão
está longe de o ser - apesar dos introduzindo uma pilha de
falsetes de Dan Auerbach, o samplers, incluindo recitações de LL
guitarrista dos Black Keys, ser Cool J, Romeo Void e Santigold. É
contraponto perfeito ao imponente quase sempre divertido, quase
Noé de “Hard times”, apesar de sempre dançável e pelo menos um
Raekwon espalhar magia negra par de vezes a miúda de Filadélfia
sobre o rock’n’roll tétrico de “Stay rebenta com a escala, produzindo
off the fuckin’ flowers”, apesar da hinos de discoteca estonteantes com
soul-woman Nicole Wray, longínqua “Something bigger, something
“protegida” de Missy Elliot. Mas, não better” e “Might like you better”.
sendo uma obra-prima, tem uma Para rematar, quase em jeito de

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 31


Concertos O organista João Vaz, figura
central do agrupamento
Capella Patriarchal, que actua
este fim-de-semana nas sés
de Lisboa e Porto
Stefano Bolllani já foi considerado pela “Downbeat”
um dos dez maiores jovens talentos do jazz

fora do vulgar, nunca antes Vicente de Fora e na Sé de “Downbeat” como


Clássica interpretada em Portugal. Trata-se Lisboa desde
esde 2004 um dos dez mais
de “A Floresta Encantada”, de ram-se já numa
converteram-se talentosos jovens músicos
Uma banda Francesco Geminiani, resultante de
uma encomenda ao compositor
tradição. Este ano, o destaque
vai para a estreia moderna de
no jazz, uma distinção
reafirmada pelos críticos
sonora efectuada pelo arquitecto e
cenógrafo Giovanni Niccolò
um conjunto
Fernando
unto de obras de Fr.
o de Almeida (ca. 1620-
do “site” All About Jazz,
que o consideraram um

setecentista Servandoni (1695-1766). A música


devia servir como uma espécie de
1660) — uma Missa a quatro
vozes e quatro Responsórios a
dos mais importantes
músicos de 2007. Com o
banda sonora para a pantomima “La oito vozess — pelo álbum “Stone in the Water”,
Forêt Enchantée”, inspirada na obra- agrupamento
mento Capella lançado no ano passado na editora
A música escrita por prima do poeta italiano Torquato Patriarchal,
hal, dirigido pelo ECM e gravado com este mesmo trio,
Francesco Geminiani para Tasso, “La Gerusalemme Liberata”, organista Vaz.
a João Vaz Bollani aprofundou ainda mais o seu
a pantomima “A Floresta de 1580. Nela se descrevem Paralelamente, será possível escutar estilo bem característico, marcado
combates imaginários entre cristãos peças para órgão solo e para voz e por um profundo lirismo e uma
Encantada” preenche o e muçulmanos durante o cerco de órgão, de Dieterich Buxtehude (1637- suave delicadeza harmónica, ambos
próximo concerto do Divino Jerusalém, no fim da primeira 1707), por João Vaz e pela contralto bem característicos de um
Sospiro, sob a direcção de cruzada. Inês Madeira. O programa do determinado jazz de câmara
O texto centra-se nas tentativas de concerto de Lisboa (amanhã às europeu. Nascido em Milão, Bollani
Chiara Banchini. Cristina Goffredo di Buglione e Rinaldo para 21h30, na Sé) será repetido no foi projectado para o meio
Fernandes retomar o cerco de Jerusalém, depois domingo, às 18h, na Catedral do profissional do jazz através de Enrico
de o mago Ismeno ter encantado a Porto. Rava, que o convidou a integrar uma
Divino Sospiro floresta de onde os guerreiros Natural de Lisboa, Fr. Fernando das suas muitas formações. Desde
Direcção musical de Chiara queriam trazer a madeira para de Almeida era frade professo da então nunca mais parou, tendo
Banchini. Com Tiago Rodrigues construir as suas máquinas de Ordem de Cristo, tendo sido mestre participado em projectos de
(narração). guerra. A temática oferecia a de capela no Convento de Tomar. personalidades tão distintas como
Servandoni a oportunidade para Aluno do grande polifonista Duarte Phil Woods, Lee Konitz, Pat Metheny
Lisboa. Centro Cultural de Belém - Pequeno
Auditório. Praça do Império. Sáb., 9, às 21h. Tel.:
realizar um espectáculo com grandes Lobo, foi autor de várias partituras ou Gato Barbieri. Neste concerto,
213612400. 12,5€ a 15€. efeitos e ilusões cénicas, convocando religiosas, sobretudo para o ciclo de com Jesper Bodilsen no contrabaixo e
“A Floresta Encantada”, de os artifícios da maquinaria teatral cerimónias da Semana Santa. Conta- Morten Lund na bateria, são de
Francesco Geminiani barroca, o trabalho dos actores no se que D. João V ficou tão esperar interpretações de temas de
domínio da pantomima e a música impressionado com a sua música, Caetano Veloso, Tom Jobim ou
O Divino Sospiro tem mantido com de Geminiani. Segundo consta, a quando a ouviu no Convento de Francis Poulenc, presentes no já
regularidade colaborações com apresentação deste projecto em Tomar, que solicitou cópias para a referido “Stone in the Water”, assim
instrumentistas e maestros de Paris em 1754 não teve o sucesso que sua Capela Real. Actualmente, a como improvisos e variações em
renome internacional na área da se esperava, mas Geminiani publicou obra de Fr. Fernando de Almeida é torno de composições originais,
música barroca em programas pouco tempo depois em Londres quase desconhecida, constituindo os numa actuação que será certamente
sempre aliciantes. Entre as parcerias uma versão para concerto da próximos concertos uma rara marcada pela profunda interacção
mais assíduas, conta-se o trabalho partitura, dividida em duas partes e oportunidade para a reavaliar. musical do trio e pela técnica virtuosa
com a violinista italiana Chiara intitulada “The Inchanted Forrest. Criado recentemente por João de Bollani.
Banchini, que actuará mais uma vez An Instrumental Composition Vaz, o grupo Capella Patriarchal tem
com o agrupamento no próximo Expressive of the same Ideas as the como principal objectivo a
sábado, no Centro Cultural de Poem of Tasso of that Title”. Será divulgação da música sacra Pop
Belém. O programa inclui uma obra esta a versão que poderemos ouvir portuguesa escrita entre os séculos
no CCB, acompanhada pela leitura XVI e XIX, apoiada na pesquisa de O outro nome do
LUÍS RAMOS/ARQUIVO

de excertos dos Cantos XIII e XVIII fontes musicais e nas práticas


da “La Gerusalemme Liberata”, de interpretativas históricas. Tem mentor dos Mesa
Tasso, pelo actor Tiago Rodrigues. estreado várias obras inéditas em
Não se trata propriamente de música concertos em Portugal e no Andrew Thorn
programática ou descritiva, mas estrangeiro, nomeadamente em
Coimbra. Salão Brazil. Largo do Poço, 3, 1º. Hoje, às
antes de música que serve de pano Espanha e na Alemanha. C.F.
22h. Tel.: 239824217. 5€.
de fundo à acção, a complementa ou
sublinha ou seu carácter, incluindo a Andrew Thorn é João Pedro Coimbra,
reciclagem de vários “concerti Jazz “inventor” dos Mesa e ex-
grossi”, um género que muito Bandemónio, mas não soa à
contribuiu para a celebridade do
compositor. Sangue novo elegância pop dos Mesa ou ao acid
jazz de Pedro Abrunhosa por altura
de “Viagens”. Precisamente por isso,
Jovem revelação do piano aliás, é que João Pedro Coimbra, que
Ano Novo com agora ouvimos cantar pela primeira
abre a época jazz na
polifonia portuguesa Culturgest, este ano com
vez, e em inglês, escolheu inventar o
heterónimo que se revelou no Verão
Capella Patriarchal sete concertos programados passado com o EP de cinco temas
Direcção musical de João Vaz. “Brutes On The Quiet”, apresentado
por Manuel Jorge Veloso.
Lisboa. Sé Patriarcal. Largo da Sé. Sáb., 9, às 21h30.
Tel.: 218876628.
Rodrigo Amado
Porto. Sé Catedral. Terreiro da Sé. Dom., 10, às 18h.
Tel.: 222059028. Stefano Bollani Trio
Concerto de Ano Novo Com Stefano Bollani (piano), Jesper
Bodilsen (contrabaixo), Morten
Com a particularidade de se Lund (bateria).
centrarem no repertório sacro
Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. Rua Arco do
português das várias épocas da Cego - Edifício da CGD. Dom., 10, às 21h30. Tel.:
história da música, incluindo a 217905155. 18€.
recuperação de obras esquecidas, os
concertos de Ano Novo que o Apenas com 38 anos, o pianista
A violinista italiana Chiara Banchini volta a dirigir o Divino Sospiro Patriarcado de Lisboa e a editora italiano Stefano Bollani foi já
num concerto com um programa invulgar Althus têm realizado na Igreja de São considerado pela prestigiada revista João Pedro Coimbra é Andrew Thorn

32 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


Espaço
Álbum-confirmação: Animal Flaming Lips, “Embryonic”; Público MP3: Grizzly Bear, ar,
Collective, “Merriweather Post Álbum para matar saudades “Veckatimest”;
Pavillion”; Álbum-compilação: Vários, de Burial: Boxcutter, “Arecibo Hidden
“Dark Was The Night”; Álbum- Message”; Álbum-desilusão: Cameras, “Origin:
banda revelação: The XX, “XX”; Beirut, “Realpeople Holland/March Orphan”; Wild Beasts,
Álbum-revelação artista masculino: of the Zapotec”, ex-aequo com “Two Dancers”; Yeah
DM Stith, “Heavy Ghost”; Álbum- Fischerspooner, “Entertainment”; Yeah Yeahs, “It’s Blitz!”;
revelação artista feminino: Fever Álbum mais sobrevalorizado: Dirty Royksopp, “Junior”
Ray, “Fever Ray”; Álbum-esquecido: Projectors, “Bitte Orca”; e... the last, but not the
Patrick Watson, “Wooden Arms”; Canção do ano: Grizzly Bear, “Two least... Yeasayer, “Odd
Álbum-regresso mais aguardado: The Weeks”. Álbuns que teimaram em não Blood”.
deixar o leitor de CD José Couto, Tavira

O maestro polaco Krzystof Penderecki


dirige a Orquestra Gulbenkian

esta noite em Coimbra, no Salão com as redescobertas de coisas que


Os Minta no Maxime, esta quinta-feira
Agenda Brazil. julgávamos perdidas e o
Com ele estão o guitarrista Jorge maravilhamento com o novo que é
“A Miragem das Mil e Uma Noites”, Áustria 2010 - Sinfonia nas Margens Coelho, o baterista Jorge Queijo e o mesmo novo e o corpo mexe porque
sexta 8 de Rimsky-Korsakov. do Reno. Obras de Schumann. baixista Miguel Ramos. Juntos, é novo, entre euforias e
Manuel Barrueco e Orquestra Jorge Moyano Coral de São José e Orquestra do criaram um rock’n’roll de gingar deslumbramentos, dizíamos,
Gulbenkian Braga. Theatro Circo - Sala Principal. Av. Liberdade, Algarve nervoso, onde a tensão do pós-punk descobrimos alguém que a
Direcção musical de Miguel Harth- 697, às 21h30. Tel.: 253203800. 8€. Direcção musical João Tiago Santos. se cobre de um intenso mas sereno atravessou com uma discrição que,
Bedoya. Obras de Chopin e Schumann. Com Sandra Medeiros (soprano), psicadelismo: ou seja, em “Me Jane”, em perspectiva, só o engrandece.
Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -
Grande Auditório. Avenida de Berna, 45A, às 19h. David Maranha + Manuel Mota + Mário Alves (tenor), Luís Rodrigues põem a malta a dançar com riffs Old Jerusalem, Francisco Silva,
Tel.: 217823700. 10€ a 20€. Riccardo Dillon Wanke (barítono). irrequietos e teclado efervescente, cultor da Americana, dono de uma
Ponta Delgada. Teatro Micaelense. Largo de S. João,
Lisboa. Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59 - depois avançam por “Strip machine” voz poética com a rara capacidade de
Alicia Nafé e Orquestra Bairro Alto, às 23h. Tel.: 213430205. 6€. às 17h. Tel.: 296284242. 15€.
Nacional do Porto Concerto de Reis. como rockabillies futuristas, quais se fixar num pedaço de vida
Direcção Musical de Joana Carneiro. Orquestra Clássica de Espinho Wire de poupa bem medida, e particular, ínfimo, e transformá-lo em
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho
de Albuquerque, às 21h. Tel.: 220120220. 16€.
Direcção Musical de Pedro Neves. terça 12 acabam “Brutes On The Quiet” com algo universal, editou esta década
Com Dora Rodrigues (soprano). uma óptima versão de “Overcome”, “April”, “Twice The Humbling Sun”,
Áustria 2010 - Romantismo vienense. Obras de Arouca. Cinema Globo D’Ouro. R. Alfredo Vaz Pinto, Carla Caramujo e João Paulo de Tricky. “The Temple Bell” e, já este ano,
Webern, Wolf, Lieberson e Schumann.. Campo do Mosteiro, às 21h30. Tel.: 256944109. Santos Esta noite, tocam em Coimbra. “Two Birds Blessing”, mote para o
Orquestra Filarmonia das Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian -
Strauss Festival Orchestra e Auditório 2. Avenida de Berna, 45A, às 19h. Tel.: Mais lá para a frente, talvez os concerto que o leva amanhã ao
Beiras Strauss Ballet Ensemble 217823700. 10€. encontremos do outro lado do Centro Cultural Vila Flor, em
Direcção Musical de António Vassalo Porto. Coliseu. R. Passos Manuel, 137, às 21h30. Tel.: Obras de Berg, Schreker, Zemlinski, Atlântico. O EP chamou a atenção de Guimarães.
Lourenço. 223394947. 15€ a 45€.
Strauss, Debussy, Chabrier, Lalo e
Vila do Conde. Teatro Municipal. Av. Dr. João Grande Concerto de Ano Novo. Tom Sarig, manager de Lou Reed ou Ouvindo os seus discos em
Canavarro, às 21h30. Tel.: 252290050. Gounod. Blonde Redhead, e quando chegar o sequência, podemos falar de
Concerto de Ano Novo e Reis. Grupo de Cantares de Portalegre novo álbum, com edição prevista evolução – a música vai-se tornando
Portalegre. Centro de Artes do Espectáculo - Grande Daniel Bernardes Trio
Obras de Freitas Branco, Strauss, Com Daniel Bernardes (piano), para este ano, é provável que viajem menos rarefeita, vai crescendo em
Auditório. Pç. da República, 39, às 17h. Tel.:
Healey e Cardoso. 245307498. Entrada gratuita. António Quintino (contrabaixo), Joel com ele pelos Estados Unidos. s. instrumentos
st u e arranjos, vai-se
Sean Riley & The Slowriders Concerto de Reis. Silva (bateria). Mário Lopes concentrando cada vez mais
con
Porto. Casa da Música - Sala 2. Pç. Mouzinho de
Guimarães. CC Vila Flor - Café-Concerto. Av. D.
Anneleen Lenaerts Albuquerque, às 19h30. Tel.: 220120220. 7,5€.
naquilo que lhe vimos logo a
na
Afonso Henriques, 701, às 23h. Tel.: 253424700. 2,5€.
Vila Real. Agência de Ecologia Urbana. R. do Corgo, início: são as histórias que conta
iní
Maria Anadon às 16h. Tel.: 259308100. Entrada gratuita.
quarta 13 À sombra que
qu conduzem o que canta. Mas,
FAN - Festival de Ano Novo 2010.
Com Victor Zamora (piano), Léo
Espinoza (baixo), Marcelo Araújo B Fachada + Orquestra Invisível
retemperadora ouvindo-os, percebemos algo
mais: que evolução é, neste
Desbundixie
(bateria).
Lisboa. Onda Jazz. Arco de Jesus, 7 - ao Campo das
Com Maria João (voz) e Filipe Melo
Lisboa. Bacalhoeiro. Rua dos Bacalhoeiros, 125 - 2º,
às 22h30. Tel.: 218864891.
de Old Jerusalem
m contexto, palavra feia e
Cebolas, às 22h30. Tel.: 919184867. 7€. (piano). redutora. Old Jerusalem, ele
Leiria. Teatro Miguel Franco (Centro Cultural). Lg. L’Occasione Fa il Ladro + Trouble que
q retirou nome a uma canção
Santana, às 21h30. Tel.: 244860480. Old Jerusalem Francisco
Orquestra Clássica de Espinho in Tahiti de
d Will Oldham, foi caminhando
Direcção Musical de Pedro Neves. Direcção Musical de Moritz Gnann. Guimarães. Centro Cultural Vila Flor -
Silva leva
Vozes da Bulgária: Tríada + Café-Concerto. Avenida D. Afonso “Two Birds a nosso lado, oferecendo-nos
Com Dora Rodrigues (soprano). Hristov Com João Merino, João Oliveira, João
São João da Madeira. Paços da Cultura. R. 11 de Cipriano, Marco Alves dos Santos, Henriques, 701. Sáb., 9, às 23h. Tel.: Blessing” a palavras
p e melodias que se
Bragança. Teatro Municipal. Pç Cavaleiro Ferreira, 253424700. 2,5€.
Outubro, 89, às 21h45. Tel.: 256827783. Entrada
às 15h. Tel.: 273302740. 5€. Raquel Alão, Ana Franco, Luisa Guimarães tornaram
t sombra
gratuita. Estamos em tempo de retemperadora para os nossos
FAN - Festival de Ano Novo 2010. Francesconi.
Concerto de Ano Novo. Obras de Lisboa. Teatro Nacional de São Carlos. Lg. S. Carlos, balanços e, olhando para passos. Palavras e melodias,
Strauss, Gluck, Respighi, Gala de Ópera de Ano Novo 17, às 20h. Tel.: 213253045. 10€ a 15€.
trás, para esta década que acrescente-se, que o tornam
Canteloube, Hindemith e Bartok. Com Sérgio Martins (tenor), Marina Estúdio de Ópera - Programa Jovens
vai terminando, entre o um
u dos nomes inescapáveis da
Pacheco (soprano) e Opera Intérpretes. Obras de Rossini e
Adriana Miki estremecer dos mil música
mú que por cá vimos nascer
Ensemble. Bernstein.
Com Desidério Lázaro (saxofone), Guarda. Teatro Municipal - Grande Auditório. R. cruzamentos, o entusiasmo nos conturbados anos 2000. M.L.
Joel Silva (bateria), Paulo Barros Batalha Reis, 12, às 21h30. Tel.: 271205241. 10€. OrangoTango
(piano), Sérgio Crestana (baixo). Direcção Musical de Daniel Schvetz.
Lisboa. Museu do Oriente - Auditório. Av. Brasília - Tim Tim por Tim Tum Lisboa. CCB - Pequeno Auditório. Pç. do Império, às
Edifício Pedro Álvares Cabral - Doca de Alcântara Fundão. A Moagem, Cidade do Engenho e das Artes - 19h. Tel.: 213612400. 10€.
Norte, às 21h30. Tel.: 213585200. 10€. Auditório. Lg. da Estação, às 22h. Tel.: 275774052. 4€.
B Fachada + Orquestra Invisível
Moazz - Ciclo de Jazz do Fundão. Lisboa. R. dos Bacalhoeiros, 125 - 2º, às 22h30. Tel.:
Pedro Moutinho 218864891.
Oeiras. Auditório Municipal Eunice Muñoz. R.
Mestre de Aviz, às 21h30. Tel.: 214408411. 12€. domingo 10
Concerto de Ano Novo. quinta 14
Coral Vértice
Direcção Musical de Sérgio Fontão. Gábor Boldoczki, Jonathan
sábado 9 Lisboa. Casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves. Av. 5 Luxton e Orquestra Gulbenkian
de Outubro, 6/8, às 16h. Tel.: 213540823. Entrada
Joanna MacGregor Direcção musical de Krzysztof
gratuita.
Lisboa. Culturgest - Grande Auditório. Rua Arco do Penderecki. Com Gábor Boldoczki
Concerto de Reis.
Cego - Edifício da CGD, às 18h. Tel.: 217905155. 10€. (trompete), Jonathan Luxton (trompa).
Strauus Festival Orchestra e Lisboa. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian
Orquestra Gulbenkian - Grande Auditório. Av. de Berna, 45A, às 21h. Tel.:
Strauss Ballet Ensemble
Direcção
cção musica
musical
al de Miguel Sintra. CC Olga Cadaval - Auditó
Auditório Jorge
217823700. 10€ a 20€.
Ha
Harth-Bedoya.
arth-Bedoya
a. Sampaio. Pç. Dr. Francisco Sá CCarneiro, às Obras de Haydn, Penderecki e Dvorák.
Lisboa. Fundaçã
L Fundaçãoão e Museu 18h. Tel.: 219107110. 25€ a 30€.
Calouste Gulbeenkian -
Gulbenkian Minta
Grande Concerto de A
Ano Lisboa. Maxime. Pç. Alegria, 58, às 22h. Tel.:
Grande Auditó
Auditório.
ório.
Avenida de Berna,
B 45A, Novo. 213467090.
às 16h. Tel.:: 217823700.
6€.
Orquestra Nacional do o Young-Choon P
Park
Porto Chaves. Centro Cultural.
Cultura Lg. Estação,
Direcção Musical
Music às 21h30. Tel.: 276333
276333713. Entrada
de Joana gratuita.
FAN - Festival
F de
B Fachada com a Orquestra Ano NNovo 2010.
Invisível no Bacalhoeiro, Os A
Azeitonas
em Lisboa Lisb
Lisboa. Cinema São
A pianista Joanna Jorg - Sala 2. Av.
Jorge
Carneir
Carneiro. Lib
Liberdade, 175, às
Porto. Casa da
MacGregor amanhã 22h30.
22 Tel.:
Sean Riley no Música - Sala Sugg
Suggia. Pç. na Culturgest 21
213103400. 10€.
Café-Concerto Mouzinho de
Albuquerque, às 12 el.:
12h. Tel.:
do Vila Flor, 220120220. 5€.
em Guimarães

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 33


Expos É nos desenhos a carvão e nas litografias que a obra gráfica
de Nikias Skapinakis mais se autonomiza da sua pintura

A indepen- hoje
Ap
Apropriação,
dência marcada por esta
característica: campos coloridos da pintura
ilu
ilusão
do desenho rigorosamente delimitados pelo
desenho, e uma radicação figurativa
desenho
japonesa em rolo,
convoca efectivamente o sentido e ccrítica
constante. Mesmo quando parecem narrativo: percebemos que há um
abstractas, as pinturas de Nikias início e um provável fim, e que o
50 anos de trabalhos sobre possuem sempre essa longínqua desenho se desenvolve sobre este “Pintura Para Uma Nova
papel de Nikias Skapinakis filiação na realidade visível – ou, suporte como um automatismo, um Sociedade” é o momento
estão em Cascais. Luísa como sucede em certas séries, na “doodle”, uma emergência de mais relevante na obra
realidade tal como foi imaginada formas apenas regulada pelo ritmo
Soares de Oliveira pela história. da mão que desenha. Já os desenhos
de um artista que tem
Contudo, paralelamente a este sobre papel kraft instituem quase permanecido indiferente
Desenho a preto e branco e a cores.
Antologia gráfica (1958-2009) trabalho de pintura, e em sistematicamente a proeminência de ao reconhecimento e à
De Nikias Skapinakis. consonância ou não com ele, Nikias uma figura sobre o fundo pardo. consagração institucionais.
sempre praticou o desenho. Esta Esta figura, que apenas se identifica
Cascais. CC de Cascais. Av. R. Humberto II de Itália.
exposição, como outras demasiado como tal não pelas suas José Marmeleira
Até 28/02. 3ª a Dom., das 10h às 18h.
raras que a precederam (uma na características miméticas mas por o
Desenho. galeria 111, ainda na década de 90, e seu traço se fechar e encerrar um The Return of The Real IX - João
outra no Palácio Galveias, além da interior em oposição a um exterior, Fonte Santa
mmmmm retrospectiva em Serralves, em nunca é identificável. E inclusive
Vila Franca de Xira. Museu do Neo-Realismo. R. Alves
2000), dá apenas conta dos seus Nikias, numa série conhecida, presta
Redol, 45. Tel.: 263285626. Até 31/01. 3ª a 6ª das 10h
Nikias Skapinakis, ou Nikias, é um trabalhos sobre papel, apresentando homenagem aos “tags” grafitados às 19h. Sáb. das 15h às 22h. Dom. das 11h às 18h.
pintor que não deveria necessitar de duas selecções distintas que a utilizando este tipo de signos Ilustração.
apresentação. Embora tenha própria montagem ajuda a abstractos como inspiração.
começado a expor em 1948, aos 17 diferenciar: uma, centrada nos Outras obras na exposição mmmnn
anos, foi um dos protagonistas, cartazes e nas serigrafias, onde a cor merecem atenção: as ilustrações
durante a década de 60 (juntamente intervém de forma explícita; e outra, feitas para “Quando os Lobos Vinte anos depois, João Fonte Santa
com Lourdes Castro, René Bertholo nos desenhos a carvão e nas Uivam”, de Aquilino Ribeiro (1958), e (Évora, 1965) realiza finalmente a
e Costa Pinheiro, por exemplo), da litografias, evidenciando uma as peças da série de “desenhos do sua primeira exposição individual
primeira conjunção entre arte autonomia desta disciplina em Aljube”, entre as quais uma no espaço de uma instituição. Foi
portuguesa e arte internacional: ao relação à pintura que o próprio “Pomba” de 63 que recorda a uma delonga solitária, quase
mesmo tempo que, em Londres, artista situa como tendo começado mesma ave desenhada por Picasso; esquecida, mas também a verdade é
Paris ou Nova Iorque, os artistas em 1985. cenas populares dos anos 60, em que este artista sempre se furtou,
desenvolviam a Pop ou a figuração E são estas últimas obras, que se litografia, também integráveis na com maior ou menor
do “Nouveau Réalisme”, Nikias afastam daquilo que conhecemos da produção modernista da época; e responsabilidade, às instâncias
trabalhava contrastes de figuras pintura de Nikias de uma forma finalmente as serigrafias dos anos 70 dominantes da consagração do
planas e esquematicamente marcante, que importa aqui e 80, muito próximas daquilo que a meio. Com uma produção afirmada,
coloridas sobre fundos lisos. Para destacar logo à partida. O artista sua pintura era na altura, e em que a no passado, noutras artes visuais
além da evolução própria da sua elege dois tipos distintos de suporte: própria técnica utilizada favorecia a (banda desenhada e ilustração), um
obra, que desenvolveu numa o rolo de papel higiénico e o papel aplicação de manchas saturadas desenho e pintura figurativos e
entrevista recente publicada no de embrulho. O primeiro, que lhe de cor pura, tal como expressionistas (e
último Ípsilon, a sua pintura é até terá sido sugerido pela descoberta acontecia nas telas. devedores dessas

A anatomia de Alberto Korda na Co


Agenda
EscoladeMulheres
oficinadeteatro Inauguram É Proibido Proibir! Jesper Just
Lisboa. Centro de Arte Moderna
De Archizoom
- José de Azeredo Perdigão. R. Dr.
Debret Associati, Studio 65, Nicolau Bettencourt. Tel.: 217823474.
De Vasco Araújo. Grupo Sturm, Pierre Até 18/01. 3ª a Dom. das 10h às 18h.
Lisboa. Museu da Cidade de Lisboa. Campo Paulin, entre outros. Temps d’Images 09. Vídeo,
Grande, 245. Tel.: 217513200. Até 07/03. 3ª a Dom. Lisboa. MUDE - Museu do Design e da
das 10h às 18h. Inaugura 14/1 às 22h. Moda. R. Augusta 24. T. 218886117. Até 31/1. 3ª a 5ª e
Instalação.
Escultura. Dom. das 10h às 20h. 6ª e sáb. das 10h às 22h.
Moby Dick
Design, Objectos, Outros.
De João Pedro Vale.
Continuam BES Revelação 2009 Lisboa. Galeria Filomena Soares. R. da
Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 16/01. 3ª a
O Inverno do (nosso) De Susana Pedrosa, Ana Braga, Inês Sáb. das 10h às 20h.
Descontentamento Moura. Outros.
Porto. Museu de Serralves. R. Dom João de Castro,
De André Romão. 210. Tel.: 226156500. Até 07/01. 3ª a 6ª das 10h às
Lisboa. Kunsthalle Lissabon. R. Rosa Araújo, 7-9. Crying My Brains Out
17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h.
Tel.: 918156919. Até 14/02. 5ª a Sáb. das 15h às 19h. De António Olaio.
Fotografia, Outros. Lisboa. Galeria Filomena Soares. R. da
Instalação, Outros.
Manutenção, 80. Tel.: 218624122. Até 16/01. 3ª a
Emissores Reunidos - Episódio II: Sáb. das 10h às 20h.
She is a Femme Fatale Senhor Fantasma, Vamos Falar
De Louise Bourgeois, Paula Rego, Pintura.
De Marcelo Cidade, Renato Ferrão.
Cindy Sherman, Helena Almeida, Porto. Radiodifusão Portuguesa (Antiga RDP). R. The Hustler
Nan Goldin, entre outros. Cândido dos Reis, 74. Até 24/01. 3ª e 4ª das 17h às De João Louro.
Lisboa. Museu Colecção Berardo. Praça do Império 20h. 5ª e 6ª das 17h às 01h. Sáb. das 15h às 01h. Dom. Coimbra. Centro de Artes Visuais - CAV. Pátio da
- CCB. Tel.: 213612878. Até 31/01. Sáb. das 10h às das 15h às 20h. Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 28/02. 3ª a Dom.
22h. 2ª a 6ª e Dom. das 10h às 19h. Objectos, Outros. das 14h às 19h.
Pintura, Escultura, Fotografia, Instalação.
Desenho, Vídeo, Outros. Sem Saída, Ensaio Sobre o
Optimismo Pronounciations
David Claerbout De Augusto Alves da Silva. De Katarina Zdjelar.
Lisboa. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa Pinto, 4. Porto. Museu de Serralves. R. Dom João de Castro, Coimbra. Centro de Artes Visuais - CAV. Pátio da
Tel.: 213432148. Até 28/02. 3ª a Dom. das 210. Tel.: 226156500. Até 31/01. 3ª a 6ª das 10h Inquisição, 10. Tel.: 239826178. Até 28/02. 3ª a Dom.
10h às 18h. Festival às 17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 19h. das 14h às 19h.
Temps d’Images 09. Fotografia. Vídeo.
Instalação, Vídeo,
Fotografia. “Senhor Fantasma, Vamos Falar” na antiga RDP

34 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

“Estúdio”, de Nuno
Ramalho e Renato Ferrão,
na Fundação Carmona
e Costa

João Fonte Santa opera sobre as imagens e os imaginários da ficção científica oitocentista

mesmas artes) e uma inclinação para obra de João Fonte Santa, ganha século XIX, Júlio Verne) uma da pintura,
pintu travestida e
o apropriacionismo, João Fonte agora uma outra coerência. fluência conceptual mais revelada aqui sob a
revelad
Santa foi sempre “marginal” ao Movemo-nos e focos de luz apagam assertiva e um uso ágil dos forma dde grandes e
acertar dos relógios; como aliás pormenores das pinturas. Criam signos e significantes fantásticas ilustrações.
fantástic
Alice Geirinhas, Pedro Amaral ou buracos, vazios. escolhidos. E são estes Imagens que do passado
Pedro Pousada (este aparentemente Outros paradoxos, porque aspectos que permitem às simples,
vêm simp
afastado do circuito artístico), todos reconhecíveis, não são tão pinturas libertar sentidos despretensiosas, mas
despreten
artistas com quem vai partilhando surpreendentes, mas “Pintura Para acerca da representação do outro
utro acordadas, como a voz de
acordadas
referências e preocupações. Uma Nova Sociedade” consegue ser (os índios em “Ces indigènes (“Und wer´s nie Noam Cho Chomsky que se
Pese embora o contexto a melhor exposição individual deste rôdèrent prés du Nautilus”, o gekonnt, der stehle weinend sich escuta em “Selling the
institucional de “Pintura Para Uma artista. Há na operação sobre as monstro em “Un de ces longs bras se aus dem bund”,
bund” título retirado do story”, no ecrã escuro do
capitalist story”
Nova Sociedade”, João Fonte Santa imagens e os imaginários evocados glissa par l´ouverture”), da condição verso do libreto do “Hino à Alegria”, vídeo colocado no centro da sala por
não abandonou essa condição, a de (a ficção científica, as utopias do existencial e da história do homem de Beethoven) ou da própria história João Fonte Santa.
um artista periférico. Dito de outro
modo, a sua exposição no Museu do
Neo-Realismo, em Vila Franca de
Xira, no âmbito do ciclo
comissariado por David Santos,
reafirma um trabalho (pictórico) que
torna imagens preexistentes (vinda
dos media ou das outras artes
visuais) em imagens com uma
premência crítica. Como uma arte
pop mais “comprometida” com as
suas próprias fontes, menos
impessoal, mais “politicamente”
debruçada sobre o real.
Oito telas de grandes dimensões
reproduzem um desenho de Jack
Kirby (autor de banda desenhada
clássica dos EUA) e ilustrações de
Alphonse de Neuville e Edouard
Riou para “Vinte Mil Léguas
Submarinas”, de Júlio Verne (1870) e
de Léon Benett para “Dois anos de
Férias”, do mesmo escritor.
Contrastam com o laranja saturado
das paredes e, prateadas pela
técnica do acrílico, brilham a
espaços sob a luz artificial em pleno
ambiente de salão oitocentista.
Evidencia-se mesmo, perante o
espectador, um jogo teatral, ilusório,
com as superfícies das telas –
situação que, se não é inédita na

na Cordoaria Nacional

Obras de Referência
dos Museus da Madeira:
500 Anos De História De Um
Arquipélago
Lisboa. Galeria de Pintura do Rei D. Luís I. Calçada
da Ajuda - Palácio Nacional da Ajuda.
Tel.: 213633917. Até 28/02. Sáb. das 11h às 20h. 2ª a
6ª e Dom. das 11h às 18h.
Pintura, Escultura, Objectos,
Fotografia, Outros.
Ínsulas
De João Margalha.
Porto. Centro Português de Fotografia - Cadeia da
Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:
222076310. Até 16/02. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.
das 15h às 18h.
Fotografia.
Korda - Conhecido
Desconhecido
De Alberto Korda.
Lisboa. Galeria Torreão Nascente da Cordoaria
Nacional. Avenida da Índia - Edifício da Cordoaria
Nacional. Tel.: 213642909. Até 31/01. 3ª a 6ª das
10h às 19h. Sáb. e Dom. das 14h às 19h.
Fotografia.
Estúdio
De Nuno Ramalho, Renato Ferrão.
Lisboa. Fundação Carmona e Costa. Ed de Espanha
- R. Soeiro Pereira Gomes L1 - 6º A/C/D. Tel.:
217803003. Até 22/01. 4ª a Sáb. das 15h às 20h.
Instalação, Desenho,
Outros.

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 35


Livros
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

“o remorso de baltazar contraponto forçado


serapião”, de valter a uma escrita onde
Espaço hugo mãe, é um retrato a poesia, a espaços,
da brutalidade e do arranja tempo para
Público miserabilismo feudal, dançar. 7 pais nossos
que reivindica que em (em 10) para que o
todas as sociedades remorso não seja em
e regimes se esconde vão.
uma idade média Pedro Miguel Silva,
armada de bestas. A 36 anos, Técnico de
violência pareceu-me Comunicação
porém excessiva, às Blogue: http://fusco-
vezes anti-natural, lusco.blogspot.com

Ficção fundação: ali se encontram


ilustradas as pulsões que movem
“Outras Vozes, Outros Lugares”
narra a história de um garoto de 13
pagamos um preço. Estamos,
portanto, condenados a estar
desde sempre os homens, ali se anos, Joel Harrison, que é enviado, divididos. É uma visão terrível que
Não ter encontram as questões eternas.
Claro que pode ler-se uma vida
após a morte da mãe, para junto do
pai, no Sul dos EUA. Durante
torna (mais uma vez: numa opinião
pessoal) “Outras Vozes, Outros
um lugar inteira de Eurípides, Sofócles,
Hesíodo e Homero e ter o progresso
páginas a fio o pai não surge, e Joel
fica entregue ao que se pode sem
Lugares” o grande livro de Capote,
excessos de pena à parte.
“humano” (perdoem o exemplo pejo designar por uma trupe de
Mais que um grande caricatural) de um empreiteiro freaks: a mulher do seu pai, cujas
livro sobre o Sul ou que
alistado nas fileiras do PS com ou
sem D. E a um homem sensato e
rendas dos vestidos escondem uma
histeria latente; Randolph, um
Uma romena
um grande livro sobre o
crescimento, é um grande
prudente não há nada que lhe
garanta que os escritos de
sujeito doente e efeminado que
passa os dias de roupão e cujo em Paris
Heisenberg ou de Norbert Weiner cavalheirismo deve tanto à sua
livro sobre não ter um lugar não são mais fundamentais para a opção sexual quanto à sua boa
João Bonifácio Uma história intrigante
compreensão do mundo educação; a empregada negra que se
contemporâneo que os de Hanna queixa de ter sido abusada pelo ex- sobre identidades no
Outras Vozes, Outros Lugares Arendt. Podemos fazer o nosso marido; e o avô desta, um velho universo singular dos
Truman Capote próprio cânone e preferir Geoffroy assustador e moribundo. Tudo imigrantes vindos de Leste.
Saint-Hilaire, Cabeza de Vaca, ou o naquela casa é ruína: material, já
Sextante
Gilgamesh à saga proustiana, porque que a casa vai caindo numa
José Riço Direitinho
mmmmn o cânone, por mais que queiramos, degradação endémica; existencial, já A Bela Romena
é “um” cânone. Só que um cânone, que aquelas gentes vivem para nada: Dumitru Tsepeneag
Um cânone não é mesmo o nosso, o pessoal, depende o velho à espera que a morte o leve, (trad. por Isabel Fraga)
somente uma lista da sua época e do vínculo aos a neta à espera de fugir dali, a Oceanos
de chaves para valores dessa época, pelo que um histérica à espera de não se sabe o
abrir a porta da cânone pessoal tem sempre uma quê, talvez adoptar Joel, talvez da mmmmn
erudição e assim dívida “ao” cânone da sua época. E o aprovação de Randolph às suas
ter acesso à classe cânone literário ocidental foi sendo manias; e Randolph à espera, claro, Em 2008, o júri da
ilustrada, para lentamente revisto desde o final da II da morte, mas também do retorno 18.ª edição do
conforto dos Guerra. (Não há aspirante a literato de um tal Pepe. Prémio da União
nossos egos. No caso da literatura, o que hoje não comece por Roth ou A escrita, aqui, ainda não é a Latina das
cânone serve, supostamente, de Faulkner em vez de Camus ou lâmina fria de “A Sangue Frio”: é Literaturas
Flaubert.) A ascendência americana esguia como uma serpente, Românicas (que
Redescobrir o extraordinário manifesta-se também nesse processo bruxuleando de imagens. Pode-se, contava entre os
potencial de um escritor que de releitura do cânone. “A Sangue com facilidade, tomar cada um dos seus membros Lídia
nunca foi tão bom quanto Frio”, obra inúmeras vezes laudada ademanes de escrita de Capote Jorge e José Eduardo
poderia ter sido – à conta como obra-prima de Truman como demonstração de génio, mas Agualusa) distinguiu o romeno
da sua extrema necessidade Capote, faz hoje figura de ícone – o diga-se que um pouco de rédea na Dumitru Tsepeneag (n. 1937). Entre
de exibir talento que nos causa dúvidas. Em tempos caneta não o teria prejudicado: os argumentos justificativos da
idos, se permitirem uma nota perde-se demasiado tempo em distinção conta-se a “excelente
pessoal, seria capaz de apostar o descrições surrealistas da natureza qualidade artística dos seus
mindinho em como “Outras Vozes, (ainda que isso sirva para romances, ensaios e memórias, mas
Outros Lugares”, romance de estreia demonstrar a desintegração do também o seu empenho na defesa
do autor de “Breakfast at Tiffany’s”, inadaptado Joel), há demasiados das formas literárias e da liberdade
era a sua carta de alforria ao génio. sonhos estranhos e há demasiada de expressão”, isto para além do
Isto há uns bons 15 anos. Relê-lo escrita que tenta enfiar pelos olhos facto de associar “na sua obra o
agora, com cuidada distância, é do leitor adentro demonstrações de experimentalismo literário à
redescobrir o extraordinário talento. No entanto, é meticulosa a preocupação social e histórica”.
potencial de um escritor que – construção de um universo: mais Na Roménia dos anos 60 e 70,
parece-nos agora – nunca foi tão que um grande livro sobre o Sul ou Dumitru Tsepeneag foi o líder da
bom quanto poderia ter sido, à que um grande livro sobre o única corrente literária – o
conta da sua extrema necessidade crescimento (esse é “Por Favor, Não “Onirismo”, vagamente inspirada no
de exibir talento, seja o da pena, seja Matem a Cotovia”, de Harper Lee, “Surrealismo” – que se opunha ao
o da sua vingança sobre o mundo amiga de Capote), é um grande livro “realismo socialista” do regime de
(que é ao que “A Sangue Frio” soa). sobre não ter um lugar e não ser Ceausescu. Tal destemor valeu-lhe
Certo é que em “Outras Vozes, dono do seu caminho: Joel não é do desentendimentos com a polícia
Outros Lugares”, escrito com Sul, não compreende o Sul e não secreta romena (a temida
precoces 23 anos, diversas marcas compreende os seus próprios “Securitate”), que culminaram em
da escrita de Capote já estão acessos de afecto, ora por uma 1975, estando Tsepeneag em Paris
formadas: a obsessão pelos pequena das redondezas, ora pelo (onde viria a pedir asilo político),
“marginais”, aqueles a quem falta o próprio Randolph; Randolph não com a retirada da nacionalidade
centro de afecto sustentador do ego pertence àqueles maneirismos romena em decisão assinada pelo
(a família); a obsessão pelas figuras cavalheirescos, antes devia próprio ditador.
que carregam tragédia; uma espécie pertencer a um mundo que aceitasse Tsepeneag faz parte do grupo de
de fundo de loucura, surdo, a a sua sexualidade; o pai, enfermo na asilados romenos – com Herta Müller
perpassar o ambiente geral da cama, comunica apenas por uma (a recente distinção do Comité
narrativa; um olhar agudo sobre bola de ténis que lança quando quer Nobel), o poeta Oskar Pastior, entre
detalhes mínimos que permitem, atenção – está igualmente preso a outros – que começaram a escrever
por ampliação do objecto olhado, um lugar que não é o de um ser na língua do país que lhes deu
aferir do grau de desespero que humano, preso a um vegetalismo acolhimento. Se até à queda do
escorre das personagens página que o condena à nulidade. Todos regime do tirano Ceausescu a obra
fora. Se quisermos ser simplistas, há estão doentes, ou virão a estar – e de Tsepeneag procurava descrever a
em Capote uma espécie de fascínio e essa condição é a visão do mundo situação social e política na Roménia
repulsa pelas gentes sem eira nem que enforma o trabalho de Capote: – o desejo das personagens deixarem
beira, não no sentido da pobreza todos estão no sítio errado, o corpo o país e de irem ver o mundo –, no
material, mas da sua própria trai-nos, não conseguimos dominar período que se lhe seguiu (e até
inconsistência tectónica. as pulsões ou se conseguimos hoje) ele tem procurado fazer um

36 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


O livro de Marin É até uma forma de
Gilbert, “A Segunda sabermos ainda melhor
Guerra Mundial”, entender o que não poucas
extraordinariamente vezes o ser humano
bem escrito e com base consegue desfazer...de tão
Espaço em vasta documentação irracional que consegue
é de leitura obrigatória ser...
Público para todos, mesmo para Augusto Küttner de
aqueles que acham já tudo Magalhães, ex–gestor
saber sobre este conflito de recursos humanos,
mundial contemporâneo. 60 anos

retrato da Europa e dos seus Odessa”, como uma feiticeira, vai


imigrantes chegados do Leste,
muitas vezes descritos a partir de
deixando marcas em todos os
homens que com ela se cruzam. Pelo
Infância Matute comprova com este livro
a confissão feita um dia de que
desconfiava que a infância dura
dois pontos de vista, o do antigo
exilado e o do novo emigrante.
meio, há o dono de um café
parisiense, Jean-Jacques, que por ela
sem limites mais que a vida inteira.

A literatura romena – à excepção se apaixona e começa a ter sonhos


do teatro de Ionescu e de umas eróticos. Um antigo cliente do café, o Ana Maria Matute regressa
quantas obras avulsas de ficção de russo Iegor, envolve-se com ela e
Mircea Eliade – não tem despertado começa a ser atormentado pelos
à infância, o território onde
o interesse dos editores portugueses. muitos mistérios que vão surgindo encaixam as metáforas de
Que me lembre, o único autor desde que encontra um pequeno uma vida inteira.
romeno recentemente por cá gravador debaixo da cama. De que
Rui Lagartinho
editado foi Mircea Cartarescu vive ela? Como consegue viver numa
(“Porque Gostamos de Mulheres”, das zonas mais exclusivas da cidade? Paraíso inabitado
2007), autor da genial trilogia São perguntas para as quais Iegor Ana Maria Matute
Orbitor, já traduzida em mais de não consegue obter respostas nas (Tradução de Maria do Carmo
uma dezena de línguas. suas conversas pós-coito, que, mais Abreu)
Mas agora, e graças ao prémio da do que esclarecedoras, vêm apenas Editorial Planeta
União Latina – que reserva parte do adensar o mistério. Terá ela sido
montante para a tradução de obras médica ou enfermeira na Roménia? mmmnn
do distinguido –, podemos ler Porque transporta para o café um
também “A Bela Romena”, o mais livro escrito em alemão se diz não Há quase oito anos
recente romance de Tsepeneag. Nele conhecer a língua? De que parte do que não havia
se narram as muitas histórias de seu passado vem Johannes, o seu notícias de Ana
uma inquietante e bonita mulher amante alemão que a besunta com Maria Matute
que vive em Paris, diz ser romena e mel? Por que tem ela uma águia em (Barcelona, 1925).
chamar-se Ana. A estrutura, algo casa presa numa pequena gaiola e a Não que os seus
fragmentada, do romance permite esconde na despensa sempre que silêncios literários
ao autor ir semeando a narração Iegor a visita? A mulher que alguns sejam uma Adriana estava atenta: “Às vezes, as ainda não cresceu. Este livro cheira a
com factos que vão intrigando o homens quase juram ter avistado no novidade. Quem recordações parecem-se alguns cera dos soalhos recentemente
leitor porque não fazem parte do Bosque de Bolonha é a mesma bela começa a publicar romances aos 17 objectos, aparentemente inúteis, polidos, sentem-se as mãos frias das
que está a ser linearmente contado. romena que se senta a bebericar anos ganha o direito ao ócio ou à pelos quais sentimos um confuso criadas cúmplices dos primeiros
Mas, aos poucos, eles parecem vodca no café de Jean-Jacques? reflexão mais cedo. apego. Sem saber muito bem por segredos da protagonista tocarem-
começar a obedecer a uma certa Porque dizia chamar-se Hannah e “Paraíso Inabitado”, publicado o que razão, não nos decidimos a nos através das páginas. Há uma
ordem interna que tem a ver com o ser judia quando vivia em Berlim? E ano passado em Espanha e agora deitá-los fora e acabam por se mãe, e três irmãos que são o eixo
passado desconhecido de Ana, a há ainda muito mais. traduzido para português pela amontoar no fundo dessa gaveta que central da casa, e depois há uma tia
“mulher misteriosa, vinda das Dumitru Tsepeneag, dono de um editorial Planeta, faz a síntese ente evitamos abrir, como se lá fôssemos excêntrica que conduz um carro
nascentes do Danúbio”. universo muito singular, é um autor os dois capítulos da sua longa encontrar alguma coisa que não apelidado de “cafeteira” e um pai
Com “o seu olhar de um azul tão que merece continuar a ser biografia literária. Num primeiro desejamos, ou inclusive tememos que se mudou com os livros para
escuro como o mar Negro em descoberto. tempo, Matute pertence por direito vagamente” uma cidade onde há mar mas que às
próprio à geração conhecida por A viagem do unicórnio é ponto de vezes regressa para levar a filha,
Se até à queda do regime de “Niños asombrados”, a que se fez partida para esta longa viagem por vestida à Shirley Temple, aos
Ceausescu a obra de Tsepeneag adulta durante os anos da Guerra um território geometricamente cinemas da Gran Via madrilena.
procurava descrever a situação Civil espanhola (1936-1939). São dividido e onde os “gigantes” E há o pátio do prédio onde às
social e política na Roménia, romances filiados num realismo raramente se misturam com quem vezes assomam “‘os pobres’. Uma
no período que se lhe seguiu rural mas já dotados de uma
tem retratado a Europa prolífera imaginação que lhe
e dos seus imigrantes chegados permite desdobrar em sombras e sol
do Leste cada personagem que a sua
memória recria de forma poética.
“Pequeño Teatro”, um dos primeiros
Prémios Planeta (1954), é um
exemplo dessa produção.
Passam algumas décadas e
descobrimos Ana Maria Matute
imersa no imaginário das fadas,
duendes, bosques e respectivos
cavaleiros medievais. O tijolo
“Olvidado Rei Gudú” (Difel 2001) é
corolário desse sonho.
Havia pois alguma expectativa
sobre “Paraíso Inabitado”, escrito
numa altura da vida (84 anos) que
mesmo de forma involuntária é
sempre de arrumações. Podemos
dizer que Matute comprova com este
livro a confissão feita um dia de que
desconfiava que a infância dura mais
que a vida inteira.
Adriana cresce numa família
madrilena burguesa durante a
República Espanhola da década de
30 do século passado. A casa é
grande, estratificada, densa, solene
de lustres, veludos e tapetes. De um
deles escapa-se uma noite um
unicórnio que, passado breves
instante, regressa à sua moldura.

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 37


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Livros
espécie de tribo assentada do
outro lado das muralhas, vagamente
ameaçadora, que era necessária
acalmar de Natal em Natal com
roupas usadas, latas de conservas e
brinquedos com os quais já ninguém O conto mais interessante
se divertia”. deste volume
Também no pátio vive Gavrila, o é o de Dulce Maria Cardoso
filho de uma bailarina ausente. É com
ele que Adriana vai aprender a voar e
a perceber o que é e quais são os
limites desse mesmo amor. É como se
Alice se cruzasse com Peter Pan.
“Paraíso Inabitado” é, pois, um
bosque de cimento onde a recriação
mágica que se pode fazer da infância
não tem limites, mas de onde se
tiram lições: “Podemos passar dias,
mesmo anos, movendo-nos numa
neblina onde quase não tomamos
conhecimento do que se passa à
nossa volta. Algo semelhante penso
agora me aconteceu”.
Um livro que se constrói com uma de Noé chamada 40 – Quarenta, que mulheres dos homens que queria
prosa transparente semelhante ao ia ao fundo porque entre os autores matar. e elas, burras, caíam por ele
cristal com que se armaram os seleccionados não havia, nem de e faziam por ele o que lhes pedisse.
lustres que caem do tecto em forma longe, quarenta escritores Uma velha de coração perdido é
de aranha. Mas depois não sabemos propriamente ditos. Esta nova uma suicida” (pág. 134). Uma
nunca se a mesma aranha, o próprio antologia, “Em Busca da Felicidade”, espécie de maldição sexual, amores
bicho, não se cruzará connosco reduz o número a dez, com desenfreados que levam à perdição
vinte páginas mais tarde. Se o fizer resultados um nadinha mais dos “corações estragados” (o conto
entra e sai fugaz como o unicórnio, apresentáveis. de Maria do Rosário Pedreira é
sem deixar qualquer marca de A “felicidade” é um tema literário muito semelhante, enquanto Maria
sadismo no território que difícil, muito mais difícil do que a Antonieta Preto opta por um quase
atravessou. Ou pelo menos disso não infelicidade. Se a felicidade é, para realismo mágico bastante frouxo).
há recordação. Nem trauma. Apenas citar um poeta italiano, o José Luís Peixoto (1974) antecipa a
constatação de um facto. “inexprimível nada”, então o conto felicidade sexual de um casal, ainda
Apostamos que Ana Maria Matute mais interessante deste volume é o antes de ter acontecido alguma
dificilmente aceitaria que um livro de Dulce Maria Cardoso, pequena coisa, e o conto oscila entre o
seu fosse um dia ilustrado por Paula vinheta de um casal em férias que sentimentalismo e o engenho de um
Rego. talvez lembre Hills Like White texto que é um programa que pode
Aqui, a magia é mesmo branca. Elephants, de Hemingway, em ou não ser cumprido. Quanto a João
registo mais leve. Não se passa Tordo (1975), continua fiel à sua
nada, quase nada, lazer e bom concepção da narrativa como
O inexprimí- tempo, copos de vinho e discussões
amáveis. A felicidade aparece como
jornalismo, com um português em
Londres que investiga um caso de
vel nada sinónimo de beleza, de beleza como
estado de espírito, como plenitude,
violência racista. O conto não tem
nada de errado, mas lê-se e
os sentidos todos lassos mas esquece-se.
Dez autores de língua atentos. E, no entanto, surgem A presença africana vai do trivial
indícios de infelicidade, da vida dos (o primeiro dia de aulas narrado por
portuguesa escrevem contos insectos às crianças com Ondjaki) ao desagradável (um conto
sobre a felicidade. problemas, rumores ou incidentes revanchista de Pepetela sobre os
Pedro Mexia mínimos que turvam a felicidade ou autores angolanos exilados). Pelo
mostram que a felicidade tem um que o outro ponto alto é o conto de
Em Busca da Felicidade - Dez contexto, é um parêntesis sempre Lídia Jorge, uma tocante descoberta
histórias ameaçado. do cristianismo por duas crianças.
Vários autores Um dos motivos de interesse Duas crianças que não acreditam
Dom Quixote deste “Em Busca da Felicidade” é a que o menino deitado nas palhinhas
presença de três vencedores do e o homem pregado numa cruz
mmnnn Prémio Saramago, geralmente sejam a mesma pessoa, que não
apontados como três dos mais aceitam aquela cruel repetição anual
Além de algumas interessantes autores novos. Nesta de nascimento e morte, e que por
panorâmicas colectânea, valter hugo mãe (1971) é isso, na sua ingenuidade, dão
substanciais do de longe o mais forte. Trata-se, sumiço a uma imagem religiosa
conto português, como de costume, de uma história valiosa. Ao contrário do conto de
como as de João de rural e visceral, neste caso sobre Patrícia Reis, que figura
Melo e Vasco Graça um homem que se envolve com directamente Deus como
Moura, saíram nos mulheres casadas até as fazer personagem, uma tentativa sempre
últimos anos uma viúvas, e que depois se condenada a um retumbante
quantas antologias desinteressa: “(…) passava-me pela fracasso, Lídia pega numa hipotética
que geralmente reúnem autores de cabeça que o mal que este queria às memória infantil e, por assim dizer,
determinada editora. A Campo das mulheres casadas seria mais salva o cristianismo de si mesmo, ou
Letras e a Quasi, por exemplo, ou a exactamente um mal que queria aos seja, destaca aquilo que nele é
Cotovia, que publicou um volume de maridos, se era destas que se ia bondade daquilo que é sofrimento.
qualidade. Quanto à Dom Quixote, livrando. não o comentei senão com Claro que se trata de uma ilusão
casa de muitos ficcionistas a minha avó, que o zequelino infantil, mas é uma bela ideia de
portugueses, fez em 2005 uma arca haveria de escolher a dedo as felicidade.

38 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Cinema
“Where The Wild honestidade desarmante mas incisivo sobre os
Things Are” é um filme no que diz respeito à fantasmas que percorrem
Espaço para crianças pouco infância e ao que julgamos a infância. 8 monstros
convencional e bastante poder vir a ser o mundo, em 10.
Público deslocado. Esqueçam reis e senhores de um iguel Silva, 36
Pedro Miguel
a varinha do Harry universo que é perfeito cnico de
anos, Técnico
Potter ou as crónicas até medirmos forças cação
Comunicação
semanais da Narnia, com a realidade. Está Blogue: http:
aqui navegamos por tudo lá: a irreverência, usco
co
o.
/fusco-lusco.
territórios estranhos ao o medo, a descoberta, a t.
blogspot.
cinema infanto-juvenil desilusão, num retrato com
do costume numa descomprometido

“Estrela Cintilante” fala: do poder quase sagrado da palavra (escrita ou falada) para nos abrir portas, câmara que a saúde frágil de Keats
caminhos, janelas que nos mostram quem somos, quem podemos ser, quem queremos ser confina a salas, salões, quartos. A
natureza, em “Estrela Cintilante” é
uma Natureza idealizada, que Keats
regista na sua memória num dos
espaçados planos de exteriores do
filme e depois reconstitui na sua
poesia ornamentada à qual a voz de
Ben Whishaw dá uma vida
extraordinária (à atenção da
distribuidora: é inexplicável e
lamentável que o poema lido por
Whishaw ao longo do genérico final
não esteja legendado).
Retrato assombroso de um
romance moderno antes do seu
tempo, “Estrela Cintilante” é um
poema em cinema. E o primeiro
grande filme de 2010.

O dia do
desespero
O filme que John Hillcoat
tirou do romance de Cormac
Estreiam responsabilidade dela mas sim das
expectativas que o triunfo
do seu tempo, moderna,
determinada. A Fanny de Abbie McCarthy é uma viagem
improvável de “O Piano” (1993) Cornish é uma jovem que pode não sem regresso a um mundo
A defesa colocaram nos ombros de uma
cineasta que segue uma musa muito
ter verdadeiramente experiência de
vida, mas entrevê nas palavras que
pós-apocalíptico onde a
do poeta pessoal e ainda mais peculiar. De tal
modo que os olhares mais
Keats escreve a possibilidade de uma
emoção de tal modo transcendente
humanidade enfrenta o
fim da esperança. Jorge
mercantilistas olharam para que raia o sagrado.
“Retrato de uma Senhora” (1996), E é disso que “Estrela Cintilante”
Mourinha
O novo filme de Jane
“Fumo Sagrado” (1999) e “Atracção fala: do poder quase sagrado da
Campion finta todas as Perigosa” (2003) como “suicídio palavra (escrita ou falada) para nos
A Estrada
The Road
expectativas do filme de comercial” a longo prazo – abrir portas, caminhos, janelas que De John Hillcoat,
época para contar uma esquecendo o modo como cada um nos mostram quem somos, quem com Viggo Mortensen, Kodi Smit-
desses três filmes se inscrevia com podemos ser, quem queremos ser;
arrebatada paixão moderna naturalidade no percurso de uma da palavra poética como ponte
McPhee, Robert Duvall. M/16
despoletada pelo poder da realizadora mais atenta às correntes espiritual entre as pessoas; do amor MMMMn
palavra. Jorge Mourinha subterrâneas das suas personagens como experiência sensorial de uma
do que à recepção comercial de transcendência inexplicável mas Lisboa: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 1: 5ª 2ª
3ª 4ª 16h20, 18h50, 21h50 6ª 16h20, 18h50, 21h50,
Estrela Cintilante filmes que não foram pensados para que, em condições ideias de
00h10 Sábado 13h30, 16h20, 18h50, 21h50, 00h10
Bright Star serem “blockbusters”. temperatura e pressão, consegue ser Domingo 13h30, 16h20, 18h50, 21h50; Castello Lopes

De Jane Campion, Isto tudo para dizer que, como é traduzida em palavras. E, para - Loures Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo
2ª 3ª 4ª 12h55, 15h20, 18h10, 21h40,
com Paul Schneider, Thomas Sangster, habitual em Campion, “Estrela melhor o traduzir para os seus 00h10; CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 5: 5ª 6ª
Abbie Cornish, Kerry Fox. M/12 Cintilante”, primeiro grande (que espectadores, Campion filma tudo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h, 18h30, 21h40, 24h Sábado
dizemos? Grandíssimo, isto no âmbito de um peculiar Domingo 11h30, 13h45, 16h, 18h30, 21h40,
24h; CinemaCity Campo Pequeno Praça de
MMMMn extraordinário) filme que estreia em triângulo amoroso (o terceiro vértice Touros: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h05, 16h30,
2010, vai começar por ser visto é Charles Brown, amigo, anfitrião e 18h55, 21h45, 00h05 Sábado Domingo 11h45,
Lisboa: Castello Lopes - Londres: Sala 1: 5ª como uma daquelas biografias auto-nomeado protector de Keats 14h05, 16h30, 18h55, 21h45, 00h05; Medeia
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h, 21h30 6ª Saldanha Residence: Sala 8: 5ª 6ª Sábado
históricas muito britânicas de com quem Fanny se pega desde o
Sábado 14h, 16h30, 19h, 21h30, 24h; CinemaCity Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h,
Campo Pequeno Praça de Touros: Sala 6: 5ª 6ª irrepreensível reconstituição de primeiro encontro), como se fosse 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 5: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h45, 16h20, 19h, época. Ou não contasse a história um idílio pastoral literalmente de Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h40, 19h05, 21h55,
21h25, 23h50; Medeia Monumental: Sala 4 - Cine
Teatro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h30,
verídica (mas livremente
17h, 19h30, 22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte romanceada por Campion a partir
Inglés: Sala 14: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h05, da pesquisa realizada por Andrew
16h40, 19h15, 21h45, 00h15 Domingo 11h30, 14h05,
16h40, 19h15, 21h45, 00h15; ZON Lusomundo
Motion, biógrafo do poeta) do
Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, romance entre John Keats, um dos
15h40, 18h20, 21h20, 24h; ZON Lusomundo Oeiras grandes poetas românticos do
Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,
princípio do século XIX, e Fanny
série ípsilon II 15h50, 18h40, 21h35, 00h20; ZON Lusomundo
Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
13h40, 16h30, 20h55, 23h45;
Brawne, a sua jovem e arrebatada
vizinha. Romântico é a palavra certa
Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado para descrever o amor de Keats e
Domingo 2ª 14h05, 16h45, 19h25, 22h10, 00h55 3ª Fanny, noivado que a morte
Sexta-feira, 4ª 16h45, 19h25, 22h10, 00h55; Medeia Cidade do
prematura do poeta impediu de
Porto: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
dia 15 de Janeiro, 14h10, 16h40, 19h10, 21h40; ZON Lusomundo consumar, mas se à superfície o
o DVD “Juno”, NorteShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª filme cumpre muitas das figuras
14h30, 18h, 21h10, 00h10;
de Jason Reitman. obrigatórias do género, um simples
Um filme de sucesso pode fazer olhar por baixo do tapete descobre
Todas as sextas, muito mal a um realizador que não mais um daqueles “retratos de
lhe está habituado – no caso da neo- senhora” em que a realizadora é O apocalipse tem sido recorrente no cinema recente, mas o que
por €1,95. 20 zelandesa Jane Campion, o perita – uma mulher imperiosa e Hillcoat faz ultrapassa a fancaria digital de Emmerich ou até a visão
anos

problema não é tanto insegura ao mesmo tempo, à frente da metrópole abandonada do “Ensaio Sobre a Cegueira” de Meirelles

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 39


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

Cinema
00h25 Domingo 11h30, 14h10, 16h40, 19h05, McPhee no papel do pai e do filho Porto: Arrábida 20: Sala 13: 5ª 6ª Sábado
21h55, 00h25; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Domingo 2ª 14h20, 16h35, 18h55, 21h30, 00h10 3ª
que percorrem uma América pós-
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h25, 19h, 4ª 16h35, 18h55, 21h30, 00h10; ZON Lusomundo
21h50, 00h25; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª apocalíptica em busca de uma Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h20, quimera que talvez já não exista. 13h40, 16h20, 19h, 21h50, 00h25;
18h50, 21h40, 00h15; ZON Lusomundo Colombo: 5ª
Mas o verdadeiro triunfo de “A
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h25, 18h,
21h15, 23h50; Castello Lopes - Rio Sul Shopping: Sala Estrada” é no modo como Hillcoat Spike Jonze, até nos telediscos
3: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h20, 18h50, 22h, 00h40 articula todos esses elementos (alguns nada maus), tem um
Sábado Domingo 12h40, 15h20, 18h50, 22h,
numa visão angustiante, aterradora, interesse particular por neuroses e
00h40; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h40, 15h15, 18h, incomodativa, de um mundo morto outros macaquinhos no sótão
21h45, 00h25; e sem esperança, onde a (“Being John Malkovich”,
Porto: Arrábida 20: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo humanidade está reduzida a uma “Adaptation”). Não é, portanto,
2ª 14h05, 16h45, 19h25, 22h10, 00h45 3ª 4ª 16h45, selvajaria animal e impiedosa, a razão para grande surpresa que
19h25, 22h10, 00h45; ZON Lusomundo Dolce Vita
Porto: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, uma sobrevivência primal. Onde um agora apareça com esta fábula
15h50, 18h40, 21h30, 00h10 ; ZON Lusomundo homem e um menino procuram, levemente freudiana, feita de
GaiaShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª quase como D. Quixote investindo tristeza, raiva, uns pozinhos de
13h50, 16h30, 19h10, 21h40, 00h20 ; ZON
Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª Sábado contra os moinhos, manter viva a Édipo e toda aquela “quirkiness”
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 16h20, 19h10, 22h, chama de uma civilização, por mais (falta-nos melhor palavra em
00h40; ZON Lusomundo Parque Nascente: 5ª 6ª
trémula que ela seja, no mais português), aliás já a caminho de se
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 16h10, 18h50,
21h40, 00h25; ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª absoluto negrume. tornar um bocado irritante,
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h15, 19h, 21h45 6ª Hillcoat faz deste mundo perdido característica dos filmes dele, dos
Sábado 13h30, 16h15, 19h, 21h45, 00h30;
em que nos mergulha de Charlie Kaufman, e doutros que
Enquanto víamos “A Estrada”, impiedosamente o palco improvável andam por essa órbita. “O Sítio das
demos por nós a pensar que o filme de uma meditação sobre a herança, Coisas Selvagens” diz que está tudo
de John Hillcoat apenas vai ter uma a transmissão, a esperança. Inverte na mente; e se na mente está tudo o
fracção infinitesimal dos de modo hábil as coordenadas que entristece e enfurece, que se
espectadores que assistiram à habituais do cinema de género e da encontre na mente o remédio. É a
super-produção de Roland ficção apocalíptica para as reduzir a moral da história, aparentemente
Emmerich “2012”. Vai de si: as um mero esqueleto, amputado de fiel à do livro adaptado pelo
pessoas hão-de sempre preferir um heroísmos e fantasias, do qual argumento, espécie de “clássico
apocalipse que “encha o olho”, apenas resta um instinto tribal de moderno” da literatura infantil
cheio de milagres tecnológicos que sobrevivência confrontado com um americana, da autoria de Maurice
salvam o futuro da humanidade à mundo onde todas as referências e Sendak, e publicado nos anos 60
última hora, do que um que nos padrões desapareceram para talvez (um bocadinho de investigação
recorde como a nossa existência na nunca mais regressarem e onde o rapidamente nos deixa mais
Terra é frágil, à mercê dos desespero e a morte são curiosos com o livro do que
elementos e, apesar de toda a perseguidores incansáveis. Talvez interessados no filme de Jonze).
esperança, sem salvação garantida. haja mais de super-herói neste pai Reduzida ao esqueleto, a intriga
O apocalipse tem sido assunto que teima em sobreviver no que em tem a limpidez de qualquer fábula.
recorrente no cinema recente, mas o todas as fitas de super-heróis jamais Um miudo zanga-se com a irmã,
que Hillcoat faz a partir do romance feitas (e não é inteiramente casual com a mãe, com o namorado da
de Cormac McCarthy ultrapassa a que seja Viggo Mortensen, mãe, e no cúmulo da raiva abre-se-
fancaria digital de Emmerich ou até consagrado pelo heróico Aragorn do lhe uma porta mental qualquer que
a perturbante visão da metrópole “Senhor dos Anéis”, a entregar-se- o conduz a um mundo imaginário,
abandonada do “Ensaio Sobre a lhe com esta paixão). O que reside povoado por criaturas vagamente
Cegueira” de Fernando Meirelles. O no fim da estrada que Hillcoat parecidas com bois, cães e outros
mundo destruído, moribundo, desenha não sabemos, tal como não animais, e mais ainda com os
angustiantemente plausível de “A sabemos o que causou o apocalipse Marretas (o que não é de estranhar,
Estrada” é um daqueles “milagres” que destruiu a civilização; o que porque as criaturas foram feitas
que ainda só o cinema consegue sabemos é que a viagem em que ele pela Jim Henson Creature Shop).
criar – um equivalente invertido, nos leva exige um estômago forte Depois dos quipróquós iniciais os
cinzento e “flat”, da demiurgia (espíritos frágeis, abstenham-se) e bois e os cães (que têm vozes
Cameroniana de “Avatar”. nos devolve à realidade famosas: James Gandolfini, Forest
Não é, no entanto, nessa oposição singularmente impressionados.
fácil e gratuita do filme inane de
grande espectáculo ao filme
intimista de prestígio que reside o Marretas no sótão
discreto triunfo de “A Estrada”. Nem
no facto do australiano Hillcoat (que O Sítio das Coisas Selvagens
apenas conhecemos entre nós do Where the Wild Things Are
western dos Antípodas “Escolha De Spike Jonze,
Mortal”, 2005) e do argumentista com Catherine Keener, Max Records,
inglês Joe Penhall terem conseguido Mark Ruffalo. M/12
adaptar o supostamente inadaptável
romance de McCarthy, MMnnn
transcendendo uma pós-produção
complicada que viu a estreia do Lisboa: CinemaCity Alegro Alfragide: Sala 6: 5ª 6ª
2ª 3ª 4ª 13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30, 23h30
filme, rodado em 2008, atrasada de Sábado Domingo 11h35, 13h30, 15h30, 17h30, 19h30,
quase um ano. 21h30, 23h30; Medeia Monumental: Sala 1: 5ª 6ª
Esses factores ajudam, claro, e Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h40, 15h40, 17h40,
19h40, 21h40, 00h15; UCI Cinemas - El Corte
não é pouco – a par de uma Inglés: Sala 13: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30,
impecável produção artística e 16h45, 19h15, 21h30, 23h50 Domingo 11h30, 14h30,
técnica (a fotografia cinzenta, 16h45, 19h15, 21h30, 23h50; ZON Lusomundo
Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
dessaturada de Javier 13h30, 16h10, 19h, 21h50, 00h10; ZON Lusomundo
Aguirresarobe, o design de CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
produção meticuloso de Chris 13h10, 16h10, 18h40, 21h25, 23h50; ZON Lusomundo
Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
Kennedy), a par das interpretações 13h15, 16h, 18h35, 21h15, 23h50; ZON Lusomundo
assombrosas de Viggo Mortensen e Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª
do estreante australiano Kodi Smit- 13h, 15h25, 17h50, 21h50, 00h20; Sorry, Spike, das outras vezes funcionou um

40 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


Jorge Luís M. Mário Vasco
As estrelas do público Mourinha Oliveira J. Torres Câmara

Avatar mmmnn mnnnn mmnnn mmnnn


Cinzas e Sangue mmnnn nnnnn mnnnn nnnnn
Deixa Chover mmmnn mmnnn nnnnn nnnnn
Depois das Aulas mmmmn mmmmn mmmmn mmmmm
Estrela Cintilante mmmmn nnnnn nnnnn mmmnn
A Estrada mmmmn nnnnn nnnnn mnnnn
$9.99 mmmmn nnnnn nnnnn nnnnn
Sherlock Holmes mmnnn nnnnn mmnnn nnnnn
O Sítio das Coisas Selvagens mmmnn mmnnn nnnnn mmnnn
Um Profeta mmmmn mmmmn mmmmn mmmmn

Whitaker, Chris Cooper) tratam o esse projecto está condenado ao mas não supera os “vícios” de uma graças ao atmosférico trabalho tom impiedoso dos “Short Cuts” de
miudo nas palminhas, aclamam-no semi-fracasso (sejamos positivos: ao primeira obra – o querer falar de fotográfico de Gerard De Battista, Altman a partir de Carver e os
como o “Rei” (o “rei” que ele sucesso relativo!), à míngua de um tudo, uma ambição desmedida de toda a guerra de clãs soa a falso. Os momentos mais fantasiosos da
gostava de ser em casa, talento que dê para mais do que ritualizar gestos e relações, sem actores desconhecidos bem se velhinha “Quinta Dimensão” a meio
naturalmente). Finalmente, o diálogos estrambólicos e uma meia- domínio da linguagem, que esforçam por “fazer das tripas termo entre o trivial e o
miudo farta-se de tanto mimo, ou dúzia de, chamemos-lhes assim, corresponde à intensidade anímica coração”, mas aparecem perdidos desconcertante, pacientemente
lembra-se que não há amor como o “ideias de visual”. Sorry, Spike, das do projecto, nem da montagem, numa ficção de que não entendem filmado em “stop-motion” (a
amor de mãe. outras vezes funcionou um confusa e aleatória. bem as implicações, como estátuas técnica de animação usada pela
Causa um certo efeito, durante bocadinho melhor. E as canções de Até existe, por vezes, nesta hirtas e impotentes ou, no caso da Aardman na série “Wallace e
algum tempo. A aposta é confrontar Karen O (dos Yeah Yeah Yeahs), em história de vingança e morte uma protagonista, a israelita, Ronit Gromit”). O melhor elogio que se
uma psique infantil, no que ela tem modo gata a miar (é a “melancolia”, interessante vontade de construir Elkabetz, a adoptar um “overacting” pode fazer ao filme da israelita
de mais definido, com a estranheza a “tristeza”), que encharcam a radicada em Nova Iorque Tatia
desconexa do universo das banda sonora, não ajudam muito. Rosenthal, meditação triste mas
criaturas, que é uma representação Luís Miguel Oliveira Seja responsável. Beba com moderação. esperançosa sobre a solidão e o
enviesada de uma mistura de isolamento pontuada por um
sentimentos (a tristeza, a raiva, o humor escuro de tão seco, é que ao
amor, o despeito) e de uma teia de Cinzentas bodas fim de pouco tempo nos
relações, complicadas e
incompletamente explicadas, que
de sangue esquecemos de que estamos a ver
uma animação para nos deixarmos
por sua vez está no lugar do Cinzas e Sangue embalar pela inteligência do guião e
“mundo dos adultos”. Cendres et sang pela elegância com que Rosenthal
A cena da chegada à ilha (é duma De Fanny Ardant, transforma estes bonecos mal
ilha que se trata) é francamente com Ronit Elkabetz, Abraham acabados em gente de carne e osso.
boa: há ali uma violência vinda do Belaga, Marc Ruchmann. M/12 E, no entanto, é-nos difícil acreditar
nada (as criaturas andam a destruir que este filme pudesse existir em
casas, ou lá o que é), uma Mnnnn imagem real. Na sua recusa
reformulação dos clássicos “ogres” terminante das gavetas, “$9.99” é
ou clássicas “fadas” (todos têm um Lisboa: Medeia King: Sala 1: 5ª Domingo 3ª 4ª uma pequena surpresa que merecia
14h, 16h, 18h, 20h, 22h 6ª Sábado 2ª 14h, 16h, 18h,
pouco das duas coisas), que figura 20h, 22h, 00h30;
outra atenção. J. M.
bem o choque, o “choque mental”.
Porto: Medeia Cine Estúdio do Teatro Campo
A gravidade e a dicção perfeita com
que a bicharada diz os seus diálogos
Alegre: Cine-Estúdio: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª
3ª 4ª 18h30, 22h; Continuam
- absurdos, neuróticos, angustiados
- cria uma sensação de estranheza A passagem de um actor para o Um Profeta
que tanto atrai como repele (certas outro lado das câmaras é uma Un prophète
Para quem leva o riso bem a sério e se aplica na boa disposição,
cenas são um bocado “Beckett com tentação cujos resultados nem De Jacques Audiard,
a Jameson preparou um conjunto de festas verdadeiramente divertidas.
peluches”). Depois começa a sempre correspondem ao carisma com Tahar Rahim, Niels Arestrup,
Entre num caso sério de gosto pela vida. Há poucas oportunidades assim.
cansar, a tornar-se demasiado óbvio evidenciado em filmes de outrem. O Adel Bencherif.
(as rimas, as frases que aludem à caso de Fanny Ardant, com carreira
“vida real” do miudo) como prestigiosa desde os tempos em que
www.jameson.pt MMMMn
alegoria terapêutica, e ao mesmo funcionou como musa das últimas
tempo demasiado aleatório obras de François Truffaut até à Lisboa: Medeia King: Sala 3: 5ª Domingo 3ª 4ª
14h45, 18h15, 21h30 6ª Sábado 2ª 14h45, 18h15,
(caminhada para aqui, caminhada participação bastante criteriosa em 21h30, 00h20; Medeia Saldanha Residence: Sala 5:
para ali, mas progressivamente películas internacionais, não 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h45, 15h40,
mais mole e mais esgotado). constitui excepção: “Cinzas e 18h35, 21h30, 00h20; UCI Cinemas - El Corte
Inglés: Sala 7: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 15h, 18h05,
O miudo é bom (chama-se Max Sangue” parece revestir-se de uma uma dimensão operática, que insuportável. O facto de Ardant ter 21h20, 00h20 Domingo 11h30, 15h, 18h05, 21h20,
Records), as vozes são boas (Cooper certa força trágica, revelando confere relativa força a um optado por um não-tempo e não- 00h20; ZON Lusomundo Amoreiras: 5ª 6ª Sábado
e Gandolfini, sobretudo), mas cicatrizes abertas na memória argumento recheado de boas espaço também ajuda pouco: nem Domingo 2ª 3ª 4ª 20h50, 23h50;
rapidamente se percebe que se colectiva de uma sociedade intenções, embora mal construído e realista, nem mítico, o filme arrasta- Porto: Arrábida 20: Sala 17: 5ª 6ª Sábado
Jonze tem um “projecto ancestral, dá boas indicações com diálogos inacreditáveis: uma se numa lentidão sem sentido, entre Domingo 2ª 14h15, 17h40, 21h15, 00h35 3ª 4ª
17h40, 21h15, 00h35; Medeia Cidade do Porto: Sala
melancólico” não desprovido de quanto à construção de viúva que escapara à terra dos seus olhares vazios e figuras de negro 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h45, 18h15,
originalidade e poder de sedução, personagens, sobretudo no início, antepassados, algures nos Balcãs (o vestidas, a fingir um “Lorca 21h30;
filme foi rodado na Transilvânia, balcânico” (tragédia grega nem
mas parte de um romance de Ismael sonhar) com mais sinais exteriores Moldado no filme de gangsters e no
Kadaré, ambientado na sua Albânia do que nervo. clássico filme de prisão, “Um
natal), na companhia dos três filhos, Preferimos a Fanny Ardant, Profeta” faz implodir todas as regras
regressa dez anos depois para um ardente actriz de outras “aventuras” e códigos, mais interessado numa
casamento de família e vê-se mais afortunadas. Mário Jorge espécie de realismo ontológico que
confrontada com todo o tipo de Torres questiona as próprias formas
animosidades, acabando por fílmicas. O que a câmara de Jacques
sossobrar a um ambiente hostil que $9.99 Audiard faz é percorrer os corpos e
desencadeia a “tragédia” no meio de De Tatia Rosenthal, os espaços, procurando a
um conflito pela terra e pelo direito com Joel Edgerton (Voz), Geoffrey iconografia do mundo moderno e
à “vendetta”. Rush (Voz), Anthony Lapaglia (Voz). desmitificando as razões da
No entanto, com orçamento violência que estala em cada plano.
reduzido, numa produção de Paulo MMMnn Por isso, se permanece atento ao
Branco, a actriz-realizadora debate- mundo mafioso que retrata, não tem
se com inúmeros problemas Lisboa: CinemaCity Classic Alvalade: Sala 4: 5ª 2ª contemplações ao focar um
3ª 4ª 13h45, 15h30, 17h10, 19h, 21h35 6ª 13h45,
resultantes da inexperiência, mas 15h30, 17h10, 19h, 21h35, 23h30 Sábado 11h30,
ambiente claustrofóbico, sem
também do facto de contar com 13h45, 15h30, 17h10, 19h, 21h35, 23h30 Domingo embelezamentos, mas de um modo
elevado número de personagens, 11h30, 13h45, 15h30, 17h10, 19h, 21h35; poético. Desde os tempos de Gabin
cenas de acção com lobos e cavalos, com Carné e os irmãos Prévert que o
tudo a escapar-lhe por entre os 2010 começa com um daqueles cinema francês não evidenciava esta
dedos, sem conseguir soluções OVNIs de que o espectador incauto força, esta pujança maléfica, embora
satisfatórias para evitar uma não se recompõe facilmente: uma vulnerável e comovente, dando ao
sensação de involuntário improviso animação para adultos baseada nos protagonista um misto de
e de desconchavo narrativo. Se a contos surreais do escritor israelita representação crística e de anjo
ou um bocadinho melhor paisagem desolada ainda funciona, Etgar Keret, cruzamento entre o exterminador. M.J.T.

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 41


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente

DVD
intérprete de Doinel ter sido sempre qualidades diferentes, no limite o
esse “ex-libris” de Truffaut em próprio cinema de Truffaut vai
particular e da “nouvelle vague” em mudando. “As aventuras de Antoine
geral, Jean-Pierre Léaud: Truffaut Doinel” também são vinte anos
nunca disse “Doinel, c’est moi”, mas revistos elipticamente, numa
esteve quase a dizer “Doinel, c’est crónica pontual que funciona a
Léaud”, e entre o que é “moi” e o vários níveis – e onde o mais
que é “Léaud”, como se imiscuem e impressionante e o mais comovente
como se cindem, se joga muita da é mesmo o crescimento e
singularidade da série centrada na amadurecimento de Léaud entre a
personagem de Antoine Doinel. adolescência dos “Quatrocentos
Quatro longas-metragens e uma Golpes” e a idade de homem feito
curta (“Antoine e Colette”), por altura do “Amor em Fuga”. A
realizadas num período de vinte maneira como Léaud habita estes
anos (entre 1959 e 1979), retratando filmes ajuda a perceber a que se
diferentes etapas da vida referia Truffaut quando dizia que
(sentimental, sobretudo) da Doinel foi ficando “cada vez mais
personagem de Doinel. A Léaud e cada vez menos Truffaut” –
De François Truffaut adolescência (“Os Quatrocentos a um nível não especialmente
Cinema Edição: Valentim de Carvalho / MK2 Golpes”, 1959); as paixonetas ainda rebuscado, é quase uma “co-
adolescentes (“Antoine et Colette”, autoria” (e isto sem falar da

Vida paralela mmmmm


Extras
1962); a descoberta do amor adulto
(“Beijos Roubados”, 1968”); o
lindíssima Claude Jade, por quem,
num efeito autobiográfico “ao
casamento (“Domicílio Conjugal”, contrário”, Truffaut se teria
Truffaut nunca disse “Doinel, mmmmn 1970); e a ruptura (“Amor em Fuga”, apaixonado, já depois de a ter
1979). Vemo-la hoje como uma série escolhido para ser a paixão do seu
c’est moi”, mas esteve quase Antoine Doinel foi a fechada, mas Truffaut tinha planos “duplo”…).
a dizer “Doinel, c’est Léaud”, mais recorrente para continuar as “aventuras” de Para além dos cinco títulos da
e entre o que é “moi” e o personagem de Doinel enquanto continuasse a série Doinel, apresentados em
François Truffaut. realizar filmes. Só que morreu quatro discos, a edição inclui um
que é “Léaud” se joga muita Não se tratava prematuramente em 1984, cinco bónus, “Os Putos” (“Les Mistons”),
da singularidade da série propriamente de anos depois de “Amor em Fuga”, e a uma curta feita por Truffaut em
centrada na personagem de um “alter ego” ou vida sentimental de Antoine Doinel 1957. Está muito bem assim como
de um “duplo”, ficou interrompida no momento da está, mas fica-se com vontade de
Antoine Doinel. mas ao mesmo “ruptura”, quando tinha, contando mais um bonuszitos, uns elementos
Luís Miguel Oliveira tempo não deixava de o ser. Alguém pela idade de Léaud nessa altura, para contexto, umas surpresas…
em quem se Truffaut se projectava, uns meros 35 anos.
muito ou pouco conforme as Evidentemente, se há elementos
As Aventuras de Antoine Doinel:
Os Quatrocentos Golpes; circunstâncias, mas também “amigo
imaginário”, ou um “filho” de
autobiográficos disseminados por
estes filmes, isso não faz deles mais
Ele e ela
to o e e Coette; Beijos
Antonoie e jos
Roubados; Domicílio existência apenas cinematográfica. “pessoais”
“pess ou “confessionais” do
Conjugal; Amor Em que também conta, e que a maior parte da outra vintena Um filme notável sobre
em fuga muito, o facto de o de filmes
film realizada por Truffaut – o uma relação dilacerada
seu “testamento”,
“t biográfico,
intelectual,
intele poético, está espalhado surge numa boa edição em
por toda
to a sua obra, de resto DVD que contextualiza um
abundante
abun em rimas, jogos de projecto onde tudo podia
espelhos,
espel e “fintas” na relação com a
vida pessoal
p (foi a esse pretexto que
ter corrido mal mas tudo
se deu
de a zanga definitiva entre ele e correu pelo melhor. Jorge
Godard,
Goda nos anos 70). Que essas Mourinha
rimas,
rimas que existem dentro dos
“filmes
“film Doinel”, facilmente se abrem Quem Tem Medo De Virginia
para fora deles provam-no os “flash Woolf?
backs”
backs de “Amor em Fuga”, onde Who’s Afraid of Virginia Woolf?
pelo menos
m uma cena é recuperada de Mike Nichols, com Elizabeth
(e “desviada”)
“de da “Noite Taylor, Richard Burton, George
Americana”.
Amer Segal
Mas nada disto obsta à
Ma Warner Home Video, distribuição Zon
pertinência
pertin de uma edição como Lusomundo
esta, que reúne todos os “filme
Doinel”
Doine e dá consistência efectiva a mmmmn
uma ideia de “série”. Potencia,
além do mais, uma das suas Extras
características principais, um
cara mmmnn
sentimento crescente de
sen
familiaridade que não anda
fa Imagine-se um
longe
lo de recuperar uma lógica jovem realizador a
folhetinesca.
f Com elipses e quem “sai na rifa”
buracos,
b no que é outra dirigir, logo à
característica da série primeira longa, o
acentuada pela visão de casal de estrelas de
conjunto, até porque a cada cinema mais
reencontro os actores estão badalado da época,
mais velhos, Paris está um e receber a
Truffaut e Jean-Pierre Léadu por alturas pouco diferente, a própria imprensa de todo o mundo logo no
de “Amor em Fuga”, que seria o final da série iniciada imagem, no sentido mais primeiro dia de filmagens. Imagine-
com “Os Quatrocentos Golpes” (em cima) material do termo, tem se, em seguida, que esse filme

42 • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • Ípsilon


A fotografia a preto e branco foi imposta por Nichols,
contra a vontade de Warner, para permitir a Taylor, muito
mais jovem que a sua personagem, ser credível no papel

adapta ao cinema uma peça que é conjunto impecavelmente geridas,


tudo menos um produto óbvio para desorientando a espaços o
o “star system” que ainda é o centro espectador com câmaras ao ombro
da produção hollywoodiana, e que e zooms velozes. Mas os truques
o faz sem cedências ao visuais nunca distraem do essencial
convencionalismo ou ao – são as performances
conservadorismo dominantes. uniformemente extraordinárias dos
Isto tudo para explicar que actores que transportam o filme, e
“Quem Tem Medo de Virginia se foram Elizabeth Taylor e Sandy
Woolf?”, êxito de bilheteira Dennis que levaram os Óscares para
aclamado pela crítica, nomeado casa, seria escandaloso não
para treze Oscares da Academia e mencionar as interpretações
vencedor de cinco, é uma espécie igualmente assombrosas de Richard
de milagre: um filme notável onde Burton e George Segal.
tudo podia ter corrido mal (a Este bom duplo DVD (idêntico à
começar pela reunião no écrã do edição americana de 2006
tumultuoso casal Elizabeth Taylor/ coincidente com o 40º aniversário
Richard Burton) mas onde tudo da estreia) contextualiza
correu improvavelmente pelo sagazmente o filme e faz
melhor. O próprio Mike Nichols interessantíssimas revelações
admite isso no comentário audio: históricas. A peça fora comprada
“Quem Tem Medo de Virginia por Jack Warner para Bette Davis e
Woolf?” foi uma “operação de James Mason; Nichols foi
guerrilha” no interior do sistema contratado a pedido expresso de
cada vez mais desagregado dos Taylor (o realizador originalmente
estúdios. Numa espécie de escalado era John Frankenheimer);
“prenúncio” da vaga de jovem a fotografia a preto e branco foi
cinema americano que começaria a imposta por Nichols contra a
desabrochar no ano seguinte com vontade de Warner, essencialmente
“Bonnie e Clyde”, as circunstâncias para permitir a Taylor, muito mais
conspiraram para um resultado jovem que a sua personagem, ser
final que conseguia ser inovador credível no papel.
para o habitual da produção O principal extra é o excelente
Hollywoodiana sem trair a crueza comentário audio de Mike Nichols,
do material de origem nem destoar conduzido por Steven Soderbergh,
nas fachadas das salas populares. fascinante contextualização da
A peça de Edward Albee, estreada produção do filme; acompanha-no
em 1962, encena um “jeu de um outro comentário, mais técnico
massacre” à volta de um casamento e bem menos interessante, do
dilacerado no espaço de uma noite. director de fotografia Haskell
George, professor de história, e a Wexler (igualmente vencedor do
sua mulher Martha, filha do Óscar pelo seu trabalho no filme).
presidente da universidade, Wexler surge também, a par do
recebem um casal recém-chegado crítico Richard Schickel, de Edward
que se torna testemunha e Albee e de Bobbie O’Steen, viúva do
participante dos jogos psicológicos montador Sam O’Steen, em dois
que George e Martha mantêm curtos documentários (30 minutos
permanentemente, onde a verdade no total) que contextualizam a
e a ficção estão constantemente a importância do filme no seu tempo:
trocar de fronteiras e a humilhação quer em termos técnicos (graças à
verbal é a palavra de ordem. utilização da câmara à mão e da
Viagem alucinante e claustrofóbica sobreposição de diálogos na
aos abismos de uma relação onde o montagem de som, técnicas
amor e o ódio se cruzaram até já inéditas em Hollywood), quer em
não se conseguirem distinguir, a termos socioculturais (foi um dos
peça foi bem servida por uma primeiros filmes “adultos”
adaptação cinematográfica que estreados pelos grandes estúdios,
manteve intacta a estrutura, antecipando de poucos meses a
construção e diálogos originais mas, entrada em vigor da classificação
segundo Nichols, “preencheu os etária que ainda hoje existe).
vazios que não se podiam ver em O leque de extras completa-se
palco”. com um curioso documentário
Nichols ainda não era então o televisivo de 1975 sobre Elizabeth
cineasta de “A Primeira Noite”, Taylor, com declarações de colegas
“Iniciação Carnal”, “Anjos na de trabalho como Rock Hudson e
América” ou “Perto Demais” – era Roddy MacDowall e realizadores
apenas um homem do teatro que como Richard Brooks e Vincente
dava com “Virginia Woolf ” os Minnelli, onde a hagiografia
primeiros passos no cinema hollywoodiana abre algumas
parecendo compreender brechas incautas muito
instintivamente o que diferenciava interessantes; fragmentos de uma
ambas as artes. A reprodução entrevista televisiva de Mike Nichols
intacta do ambiente claustrofóbico realizada pouco depois da estreia; o
da peça, com apenas quatro papéis trailer de época e o teste de câmara
principais, é feita através de uma de Sandy Dennis. À excepção, como
alternância entre takes longos e seria de esperar, dos comentários
cortes rápidos, grandes planos audio, todo o material adicional
quase invasivos e composições de está legendado.

Ípsilon • Sexta-feira 8 Janeiro 2010 • 43


Colecção Série Ípsilon II
20 anos
No ano em que completa 20 anos, é o PÚBLICO quem oferece presentes aos seus lei-
tores. A colecção Série Ípsilon II reúne 20 dos filmes mais aplaudidos pela crítica e
premiados internacionalmente. Uma oportunidade única de ver ou rever pelícu-
las de Lars Von Trier, Roman Polanski, Milos Forman, Jean Pierre e Luc Dardenne
ou Jacques Tati. A melhor selecção de cinema, com o selo de garantia do suplemen-
to Ípsilon. Todas as sextas-feiras, com o PÚBLICO, por apenas mais 1,95 euros

Juno

1.º DVD
Juno
Sexta-feira, 15 de Janeiro
Por apenas + 1,95 euros
na compra do PÚBLICO

Control As Confissões de Schmidt


Série Ípsilon II

À descoberta de novas vidas


e novos mundos
Do universo da ficção à realidade, pela mão de grandes mestres ou de novos talentos da sétima arte, 20
filmes que foram premiados na Europa ou nos Estados Unidos pela sua história, técnica ou personagens
reforma, Warren não sente alívio, Ian Curtis é, em Control (2007),
Ana Filipa Gaspar
Nos bastidores… mas sim angústia. Quem é esta uma personagem baseada na vida
a Quando entramos numa sala mulher de rosto envelhecido real do vocalista dos britânicos Joy
de cinema, experienciamos novas • Juno, de Jason Reitman, foi conhecer as pessoas em que que habita a sua casa? Em que Division. Interpretado por Sam
vidas, novos mundos, novos filmado em apenas 31 dias. as personagens do filme foram momento do seu passado desistiu Riley, Curtis entra numa espiral
tempos. As hipóteses são infinitas – • James Anthony Pearson, que inspiradas. de todos os sonhos e conformou- de desespero à medida que o seu
desde o drama de uma adolescente interpreta o músico Bernard • Roman Polanski dedicou Tess se com um emprego seguro? talento se torna cada vez mais
que engravida nos anos 2000 à Summer em Control, aprendeu à sua mulher Sharon Tate que Está na altura de fazer as malas e visível. A fama e a família escapam
recriação cómica da efervescência a tocar guitarra em apenas dois fora assassinada, em 1969, pela partir à descoberta da América e ao seu controlo, tal como os ataques
musical no Reino Unido na meses para melhor dar vida ao família Manson. de si próprio, não antes de mais de epilepsia que constantemente
década de 1970. Por vezes, somos guitarrista. • O argumento original de algumas surpresas, nem sempre o fulminam em palco. Até que o
conduzidos pelo olhar de grandes • Ao receber o Globo de Ouro O Escafandro e a Borboleta agradáveis. suicídio se apresenta como única
mestres, como Roman Polanski, para Melhor Actor num Filme foi escrito em inglês mas o Quem também parte à procura resposta possível.
Jacques Tati ou Lars von Trier. Dramático pela sua interpretação realizador Julian Schnabel de uma nova vida é o jovem Neil São estas e muitas outras
Noutras ocasiões, é a primeira em As Confissões de Schmidt, conseguiu convencer o estúdio McCormick ( Joseph Gordon- histórias que a colecção Série
tentativa cinematográfica de um Jack Nicholson afirmou: “Estou Pathé a filmar em francês para Levitt), em Mysterious Skin (2004). Ípsilon II reúne agora em 20
realizador que nos surpreende. um pouco surpreendido. Pensava ser mais fiel à vida de Jean- Vítima de abuso sexual aos oito DVD. Dramas e comédias, factos
Em comum, apenas a capacidade que tinha feito uma comédia.” Dominique Bauby. anos, Neil não encontrou na mãe reais ou pura ficção, retratam o
de pôr em movimento realidades • Em 2 Dias em Paris, os pais • O actor Peter Dinklage, o Finbar o apoio de que precisava e, dez quotidiano de pessoas espalhadas
mais ou menos distantes, com de Marion são interpretados de A Estação, é vegetariano. anos depois, é mais um prostituto pelo globo, com as mais diferentes
personagens que nos convidam a pelos próprios pais da actriz e Na realidade, o bife que come masculino em Nova Iorque, nacionalidades, imortalizadas
percorrer os seus dias. realizadora Julie Delpy. durante a película era feito de incapaz de vencer os demónios através da película de realizadores
É o caso, por exemplo, de • Joseph Gordon Levitt, o Neil de tofu. que o atormentam. Apesar de se consagrados, novos talentos e
Warren Schmidt, interpretado Mysterious Skin, viajou durante • Jimmy, o bebé de Sonia e Bruno encontrar a mais de 1400 milhas cineastas de culto. Todos dignos
pelo oscarizado Jack Nicholson em uma semana por várias cidades em A Criança, de Jean-Pierre e de distância, Hutchinson, no de alguns dos mais importantes
As Confissões de Schmidt (2002). do Kansas, acompanhado pelo Luc Dardenne, foi interpretado Kansas, continua demasiado prémios do universo da sétima
Quando finalmente chega o último escritor Scott Heim, para por mais de 40 bebés diferentes. presente na sua memória. arte, na Europa ou nos Estados
dia de trabalho antes da merecida Espírito igualmente torturado, Unidos.

O Céu Gira Europa O Escafandro e a Borboleta O Meu Tio

20 Filmes 1991 – Europa 2003 – A Estação 2004 – O Céu Gira Estrangeiro


Prémio do Júri no Festival de BFATA para Melhor Argumento Prémio para Melhor Globo de Ouro para Melhor
Premiados Cannes – Lars Von Trier Original – Thomas McCarthy Documentário no Buenos Realizador – Julian Schnabel
Grande Prémio Técnico no Festival Prémio do Público no Festival de Aires International Festival of
1958 – O Meu Tio de Cannes – Lars Von Trier Sundance – Thomas McCarthy Independent Cinema – Mercedes 2007 – Juno
Palma de Ouro e Prémio Especial Prémio para Melhor Actriz em Álvarez Óscar para Melhor Argumento
do Júri no Festival de Cannes – 1998 – Os Últimos Dias Filme Dramático no Festival de Prémio Tiger no Festival Original – Diablo Cody
Jacques Tati Óscar para Melhor Documentário – Sundance – Patricia Clarkson Internacional de Cinema de BAFTA para Melhor Argumento
James Moll e Ken Lipper Prémio Waldo Salt para Melhor Roterdão – Mercedes Álvarez Original – Diablo Cody
1979 – Tess Argumento no Festival de Prémio Satellite para Melhor
Óscar para Melhor Fotografia – 2002 – A Intervenção Divina Sundance – Thomas McCarthy 2005 – A Criança Actriz em Musical ou Comédia –
Geoffrey Unsworth e Ghislain Prémio do Júri no Festival de Palma de Ouro no Festival de Ellen Page
Cloquet Cannes – Elia Suleiman 2004 – A Esquiva Cannes – Jean-Pierre e Luc
Óscar para Melhor Guarda-roupa – Prémio FIPRESCI no Festival de César para Melhor Filme – Dardenne 2007 – Control
Anthony Powell Cannes – Elia Suleiman Abdellatif Kechiche e Jacques Prémio Carl Foreman para
Óscar para Melhor Cenografia – Ouaniche 2006 – Climas Actor Mais Promissor
Pierre Guffroy e Jack Stephens 2002 – As Confissões de Schimdt César para Melhor Realizador – Prémio FIPRESCI no nos BAFTA Awards – Matt
César para Melhor Realizador – Globo de Ouro para Melhor Abdellatif Kechiche Festival de Cannes Greenhalgh
Roman Polanski Actor em Filme Dramático – Jack César para Melhor Argumento – Nuri Bilge Ceylan Prémio para Melhor Filme nos
César para Melhor Filme – Roman Nicholson – Abdellatif Kechiche e Ghalia Independent Film Awards
Polanski Globo de Ouro para Melhor Lacroix 2007 – O Escafandro e a Prémio para Melhor Realizador
Globo de Ouro para Melhor Filme Argumento – Alexander Payne e César para Melhor Jovem Actriz – Borboleta nos Independent Film Awards –
Estrangeiro – Roman Polanski Jim Taylor Sara Forestier BAFTA para Melhor Argumento Anton Corbjin
Globo de Ouro para Actriz Adaptado – Ronald Harwood Prémio para Melhor Actor
Revelação do Ano – Nastassja 2002 – 24 Hour Party People 2004 – Terra da Abundância Prémio para Melhor Realizador Secundário – Toby Kebbell
Kinski Prémio para Melhor Produção nos Prémio UNESCO no Festival de no Festival de Cannes – Julian Prémio Jovem Olhar no Festival de
British Independent Film Awards Veneza – Wim Wenders Schnabel Cannes – Anton Corbjin
1989 – Valmont César para Melhor Actor
César para Melhor Guarda-Roupa – 2002 – As Irmãs de Maria 2004 – Mysterious Skin – Mathieu Amalric 2007 – 2 Dias em Paris
Theodor Pistek Magdalena Prémio do Júri no Bergen César para Melhor Montagem – Prémio Coup de Coeur no Mons
César para Melhor Desenho de Leão de Ouro no Festival de International Film Festival – Gregg Juliette Welfling International Festival of Love
Produção – Pierre Guffroy Veneza – Peter Mullan Araki Globo de Ouro para Melhor Filme Films – Julie Delpy
15 de Janeiro Depois de sofrer um acidente vascular Shue) o percebesse. Já Brian ficou amnésico durante quatro
Juno (2007) cerebral, o prestigiado jornalista e editor horas e, ao voltar a si, tinha o nariz em sangue. Dez anos mais
Realização: Jason Reitman da revista Elle desenvolve a síndrome do tarde, os dois reencontram-se.
Argumento: Diablo Cody encarceramento, uma rara patologia que
Elenco: Ellen Page, Michael Cera, Jennifer Garner e Jason lhe deixa o corpo totalmente paralisado, Gregg Araki
Bateman à excepção do olho esquerdo. A partir de O californiano Gregg Araki, 50 anos, ocupa um lugar de
Uma gravidez inesperada é o ponto de então, Bauby tem de aprender a conviver culto no cinema americano independente, distinguindo-se
partida de Juno, comédia dramática que com o seu novo estado. O filme é baseado principalmente entre o chamado New Queer Cinema. Formado
se centra na adolescente Juno MacGuff no livro das memórias ditado pelo pela Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, foi crítico de
(Ellen Page). Aos 16 anos, a pragmática próprio Jean-Dominique Bauby, também músico da publicação L.A. Weekly e estreou-se no grande ecrã
e independente Juno descobre que está intitulado O Escafandro e a Borboleta. em 1987 com Three Bewildered People in the Night.
grávida, consequência de uma única
experiência sexual com o seu amigo Julian Schnabel 5 de Março
Paulie Bleeker (Michael Cera). Ambos Multifacetado e famoso pela sua personalidade boémia, Tess (1979)
concordam que uma relação não é a Julian Schnabel trabalhou como taxista e cozinheiro, Realização: Roman Polanski
melhor opção, quanto mais formarem uma mas foi como pintor que se destacou na cena artística Argumento: Gérard Brach, Roman Polanski e John
família. E, com o apoio de Bleeker, Juno nova-iorquina nos anos 1980. Em 1996, Schnabel apostou Brownjohn
marca um aborto. No entanto, a jovem não consegue avançar também no cinema ao realizar Basquiat e não mais parou. Elenco: Nastassja Kinski, Peter Firth, Leigh Lawson e
com o planeado. Depois de contar aos pais, decide ter a criança e Do seu currículo fazem também parte títulos como Antes John Collin
entregá-la para adopção. Mas a história não fica por aqui... que Anoiteça (2000) ou O Escafandro e a Borboleta (2007). Tess (Nastassja Kinski), uma camponesa
da Inglaterra dos finais do século
Jason Reitman 12 de Fevereiro XIX, procura emprego na mansão dos
O realizador nasceu em Montreal, no Quebec (Canadá), O Meu Tio (1958) D’Urbeville. Seduzida pelo dono da casa,
em 1977 e é conhecido por realizar comédias a partir de Realização: Jacques Tati Tess engravida e foge para a casa dos
assuntos sérios, como os perigos do tabaco, a gravidez Argumento: Jacques Tati pais mas também aí não encontra apoio.
adolescente ou a crise económica. O seu mais recente Elenco: Jacques Tati, Jean-Pierre Zola, Adrienne Escorraçada pela família acaba por dar à
trabalho, Nas Nuvens (2009), lidera a corrida aos Globos de Servantie e Lucien Frégis luz um bebé que não sobrevive ao parto.
Ouro e chega às salas portuguesas a 21 de Janeiro. Meio século após a sua criação, as Mais tarde, a rapariga procura reconstruir
aventuras de Monsieur Hulot (Jacques a sua vida ao lado de Angel (Peter Firth), o
22 de Janeiro Tati) não perderam uma pitada de filho do pastor da igreja local. Na véspera
Control (2007) graça. Em O Meu Tio, Hulot é cunhado do casamento, Tess decide revelar o seu passado ao noivo mas
Realização: Anton Corbijn do gerente de uma fábrica de plásticos conseguirá ele aceitar a verdade?
Argumento: Deborah Curtis e Matt Greenhalgh e, à semelhança do automatismo fabril,
Elenco: Sam Riley, Samantha Morton, Alexandra Maria tudo na casa dos Arpel é automático Roman Polanski
Lara e Joe Anderson e ultramoderno, pouco adequado às Apaixonado pela arte dramática, o polémico Roman
Baseado no livro Touching From a brincadeiras dos mais novos. Por isso, o Polanski realizou, em 1962, a sua primeira longa-metragem,
Distance, de Deborah Curtis, Control é sobrinho de Hulot (Gerard Arpel/Alain Knife in the Water, que seria nomeada para o Óscar de
um filme biográfico sobre Ian Curtis, Bécourt) prefere passar o seu tempo Melhor Filme Estrangeiro. Seis anos depois o realizador de
vocalista da banda inglesa de pós-punk no pequeno e modesto apartamento do tio. Mas, para Charles origem polaca tentaria a sua sorte em Hollywood mas uma
Joy Division, que se suicidou em 1980. A Arpel (Jean-Pierre Zola), a influência de Hulot é nociva e é série de acontecimentos macabros envolvendo a mulher
película retrata a vida do jovem músico necessário convertê-lo aos tempos modernos. levá-lo-iam a abandonar o país.
e acompanha o seu tortuoso percurso na
emblemática banda que liderou. Também Jacques Tati 12 de Março
o seu casamento, as suas relações Realizador e actor francês, Jacques Tati morreu em 1982, O Céu Gira (2004)
extraconjugais e os seus problemas de em Paris, vítima de pneumonia. Os seus filmes são, em Realização: Mercedes Álvarez
epilepsia são explorados no filme que, regra, protagonizados pelo excêntrico Monsieur Hulot, Argumento: Arturo Redin e Mercedes Álvarez
apesar de ter sido filmado em 2007, foi depois convertido para eternamente atormentado pelo mundo moderno. Foi Elenco: Elias Álvarez, Mercedes Álvarez (voz), Pello
preto e branco. classificado como o 46.º maior realizador de todos os Azketa e Hicham Chate
tempos pela revista americana Entertainment Weekly. Um ano numa pequena aldeia no Norte
Anton Corbjin de Espanha é o que nos propõe O Céu
Fotógrafo e realizador, o holandês Anton Corbijn tornou-se 19 de Fevereiro Gira, o documentário de estreia da
conhecido pelos trabalhos que efectuou com bandas como Valmont (1989) realizadora espanhola Mercedes Álvarez.
os U2, os REM, os Nirvana ou os Depeche Mode, para quem Realização: Milos Forman Natural de Aldealseñor, na província
dirigiu os videoclips Personal Jesus e Enjoy the Silence. Argumento: Choderlos de Laclos, Jean-Claude Carrière e de Soria, Mercedes foi a última criança
Em 2007, estreou-se no cinema com Control, um filme Milos Forman a nascer no local, agora limitado a 14
biográfico sobre o vocalista dos Joy Division, Ian Curtis. Elenco: Colin Firth, Annette Bening, Meg Tilly e Fairuza habitantes. À beira do desaparecimento,
Balk a aldeia torna-se numa metáfora para a
29 de Janeiro Na França do século XVIII, a Marquesa perda de visão do pintor Pello Azketa.
As Confissões de Schmidt (2002) de Merteuil (Annette Bening) e o Num registo emocional, a narradora
Realização: Alexander Payne Visconde de Valmont (Colin Firth) são observa o actual estado de Aldealseñor, ao mesmo tempo que
Argumento: Alexander Payne e Jim Taylor um par engenhoso a cujas manobras de recupera memórias da sua infância quando, aos três anos,
Elenco: Jack Nicholson, Kathy Bates, Hope Davis e sedução ninguém consegue escapar. deixou a aldeia na companhia dos pais e dos irmãos.
Dermot Mulroney Ligados pelos seus conluios e segredos,
Baseado no romance de Louis Begley, As Merteuil e Valmont reinam nos salões Mercedes Alvarez
Confissões de Schmidt traz-nos a história e nas antecâmaras de uma aristocracia Oriunda de Aldealseñor, em Soria (Espanha), onde nasceu em
de Warren Schmidt (Jack Nicholson), progressivamente minada por uma série 1966, Mercedes Álvarez deu os primeiros passos no mundo do
um homem prestes a entrar na desejada de segredos obscuros. No entanto, os dois cinema com a curta-metragem El Viento Africano, de 1997. O
reforma. Contudo, a viagem que tinha eternos aliados acabarão por se enfrentar Céu Gira (2004) foi a sua primeira e única longa-metragem até
planeado com a mulher Helen (June e, nesse duelo impiedoso, qualquer sentimento sincero poderá ao momento, conquistando a atenção de vários festivais de
Squibb) para partir à descoberta a constituir uma falha mortal. cinema independente na Europa e na América latina.
América dá lugar a outros eventos, desde
logo a morte de Helen e, pouco depois, Milos Forman 19 de Março
o casamento da filha Jeannie (Hope Milos Forman nasceu na antiga Checoslováquia, em 1932, 2 Dias em Paris (2007)
Davis) com um vendedor de colchões de mas foi nos Estados Unidos que se notabilizou na sétima Realização: Julie Delpy
água, Randall Hertzel (Dermot Mulroney). Estes novos desafios arte. Voando Sobre um Ninho de Cucos (1975), Amadeus Argumento: Julie Delpy
representam, porém, uma oportunidade de autoconhecimento (1984) ou The People vs Larry Flint (1996) são alguns dos Elenco: Adam Goldberg, Julie Delpy, Daniel Brühl
para o angustiado Warren. filmes que lhe deram um lugar na história do cinema e lhe e Marie Pillet
valeram dois Óscares para Melhor Realizador. Como tentativa de reatarem o seu
Alexander Payne relacionamento, Marion (Julie Delpy),
Natural de Omaha, no estado americano do Nebrasca, 26 de Fevereiro uma fotógrafa francesa, e Jack (Adam
Alexander Payne, 48 anos, gosta de filmar nos arredores Mysterious Skin (2004) Goldberg), um decorador norte-
da zona onde cresceu. A sua imagem de marca é o humor Realização: Gregg Araki americano, decidem viajar pela Europa.
negro com que satiriza a sociedade americana, presente Argumento: Gregg Araki A sua primeira paragem é Veneza, mas
em obras como As Confissões de Schmidt (2002) e Sideways Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Brady Corbet e Elisabeth Shue os namorados acabam por adoecer com
(2004). Actualmente, está a trabalhar na pré-produção de A partir do romance de Scott Heim, gastroenterites e, por isso, optam por
The Descendants, previsto para 2011. Mysterious Skin é uma viagem ao viajar até Paris, cidade onde vivem os
passado de dois jovens, Neil McCormick pais de Marion. Os problemas não tardam
5 de Fevereiro (Joseph Gordon-Levitt) e Brian Lackey em aparecer. Intolerantes e autoritários,
O Escafandro e a Borboleta (2007) (Brady Corbet). Ambos cresceram os pais da fotógrafa recusam-se a falar inglês com Jack. Por seu
Realização: Julian Schnabel em Hutchinson, Kansas, e aos oito turno, este último irrita Marion por desejar fotografar todos os
Argumento: Ronald Harwood e Jean-Dominique Bauby anos sofreram experiências que os ângulos da famosa “cidade da luz”.
Elenco: Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Marie- traumatizaram para a vida. Neil foi
Josée Croze e Anne Consigny vítima de abuso sexual por parte do seu Julie Delpy
Aos 43 anos, Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric), mais treinador de beisebol (Bill Sage) e não Actriz, cantora e realizadora, Julie Delpy nasceu em Paris em
conhecido por Jean-Do, vê a sua vida mudar radicalmente. conseguiu que a sua mãe (Elisabeth 1966, no seio de uma família ligada ao mundo do espectáculo.
Como actriz, Delpy destacou-se ao lado de Ethan Hawke em própria editora de música, a Factory em Al-Ram, junto ao posto de controlo de
Antes do Amanhecer (1995) e Antes do Anoitecer (2004), de Records. Os Joy Division, James e os Jerusalém Leste...
Richard Linklater. Em 1995 estreou-se na realização, sendo 2 Happy Mondays e uma série de artistas
Dias em Paris a sua película de maior destaque. que marcaram a criação musical na Elia Suleiman
Grã-Bretanha dos anos 70 rapidamente Palestiniano oriundo de Nazaré (Israel), o
26 de Março assinam contrato com a nova editora de realizador e actor Elia Suleiman, 49 anos,
Climas (2006) Wilson que assim se vê enredado num viu o seu talento reconhecido através de
Realização: Nuri Bilge Ceylan turbilhão de música, sexo e drogas que Intervenção Divina (2002), vencedor do
Argumento: Nuri Bilge Ceylan culmina com o nascimento de um dos prémio do júri em Cannes. O seu estilo
Elenco: Ebru Ceylan, Nuri Bilge Ceylan, Nazan Kirilmis e dance clubs mais famosos do mundo, o cinematográfico é frequentemente
Mehmet Eryilmaz Hacienda. comparado ao de Jacques Tati e de
O drama turco Climas é um relato de Buster Keaton, por conciliar a sobriedade e o burlesco.
uma relação falhada entre Isa (Nuri Bilge Michael Winterbottom
Ceylan), um professor universitário, e a O seu realismo e a sua notável capacidade de conjugar 14 de Maio
mulher Bahar (Ebru Ceylan), directora características do documentário e da ficção são dois dos A Estação (2003)
de arte para a indústria televisiva. Tudo aspectos que melhor identificam o trabalho do realizador Realização: Thomas McCarthy
começa com as férias do casal na região britânico Michael Winterbottom. As questões de política Argumento: Thomas McCarthy
turística de Kas, onde Bahar manifesta o internacional são temas recorrentes na sua obra, em Elenco: Peter Dinklage, Paul Benjamin, Jase Blankfort e
seu descontentamento face à distância particular em filmes como Welcome to Sarajevo (1997), The Paula Garcés
de Isa. Após um jantar com uns amigos Road to Guantanamo (2006) ou A Mighty Heart (2007). Finbar (Peter Dinklage) só queria
e um dia na costa, a ruptura é mais do encontrar um pouco de paz quando
que evidente e Bahar regressa sozinha 23 de Abril decide mudar-se para uma antiga estação
para Istambul. Entretanto, Isa entrega-se nos braços de uma Europa (1991) de comboios de uma pequena cidade
ex-namorada, Serap (Nazan Kirilmis), mas Bahar continua, de Realização: Lars von Trier no campo. No entanto, está longe de
algum modo, presente. Argumento: Lars von Trier e Niels Vørsel adivinhar a mudança que vai acontecer
Elenco: Jean-Marc Barr, Barbara Sukowa, Udo Kier e na sua vida. Aos poucos, Finbar envolve-
Nuri Bilge Ceylan Ernst-Hugo Järegård se na vida dos vizinhos Olivia (Patricia
Dividindo-se entre o cinema e a fotografia, o turco Nuri Bilge No pós-II Guerra Mundial, Europa, Clarkson), uma artista que tenta lidar
Ceylan nasceu em 1959 em Istambul e é casado com Ebru de Lars von Trier, é um testemunho com o fim do seu casamento, e Joe
Ceylan, a co-protagonista de Climas (2006). Ao receber o da impossibilidade de manter a (Bobby Cannavale), um trintão que adora
prémio de melhor realizador em Cannes, em 2008, dedicou-o neutralidade num cenário de cozinhar e conversar. A Estação é um filme sobre três pessoas
ao seu país, “solitário e belo, que amo apaixonadamente”. guerra. Em 1945, Leopold Kessler sem nada em comum, excepto a solidão que partilham.
(Jean-Marc Barr), um americano
2 de Abril com descendência alemã, chega Thomas McCarthy
Os Últimos Dias (1998) a Frankfurt e encontra uma Natural de New Jersey, nos Estados Unidos, onde nasceu
Realização: James Moll Alemanha destruída. O tio (Ernst- em 1966, Thomas McCarthy começou a sua carreira como
Os Últimos Dias são um testemunho Hugo Järegård) arranja-lhe trabalho actor, tendo participado em várias séries televisivas como
pessoal de cinco judeus húngaros que na companhia ferroviária Zentropa e, The Wire ou A Lei e a Ordem, bem como em filmes como
escaparam à morte nos campos de embora Leopold tente ser neutro, rapidamente percebe que, Um Sogro do Pior (2000) ou Boa Noite e Boa Sorte (2005). A
concentração nazi. Os sobreviventes de ambos os lados, há interesses que tentam manipulá-lo. Estação (2003) marcou a estreia de McCarthy na realização.
recordam o difícil período do domínio E é a paixão pela poderosa herdeira do império Hartmann,
das tropas hitlerianas e revisitam as Katharina (Barbara Sukowa), que o vai obrigar a escolher 21 de Maio
casas onde passaram a sua infância. um dos lados. A Criança (2005)
O documentário reúne ainda os Realização: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
depoimentos de um Sonderkommando – Lars von Trier Argumento: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
nome dado aos prisioneiros encarregues Um dos grandes nomes do cinema dinamarquês, Lars von Elenco: Jérémie Renier, Déborah François e Jérémie
dos trabalhos nas câmaras de morte Trier nasceu em 1956 em Copenhaga. As suas fobias são Segard
–, um médico que efectuou experiências em prisioneiros de célebres e, aparentemente até hoje, nunca pôs os pés na À primeira vista, A Criança fala-nos de
Auschwitz e soldados norte-americanos que participaram na América. Mesmo depois de, na sequência do sucesso de um romance. Bruno (Jérémie Renier) e
libertação em Abril de 1945. Europa (1991), Steven Spielberg lhe oferecer um argumento Sonia (Déborah François) são dois jovens
para dirigir um filme nos Estados Unidos. imaturos, apaixonados, que fazem de
James Moll pequenos crimes o seu estilo de vida.
Dada a sua paixão pelo piano, o realizador e produtor 30 de Abril Contudo, o casal tem agora um filho
norte-americano James Moll chegou a pensar trocar a Terra da Abundância (2004) e a situação transtorna as suas vidas.
escola de cinema pela escola de música. O talento para a Realização: Wim Wenders Acabada de sair do hospital, Sonia
sétima arte acabou, porém, por falar mais alto. Nos últimos Argumento: Wim Wenders, Scott Derrickson e Michael procura Bruno no seu apartamento,
anos, Moll tem realizado vários trabalhos de natureza Meredith quando descobre que foi arrendado a
documental, dando especial atenção ao período da Elenco: Michelle Williams, John Diehl e Shaun Toub um outro casal. Depois de o procurar nas
Segunda Guerra Mundial e do Holocausto. Filha de missionários norte-americanos, ruas, encontra-o com o seu gangue e, juntos, passam a noite
Lana (Michelle Williams) foi criada na num abrigo. No dia seguinte, registam a criança como Jimmy.
9 de Abril África do Sul e no Médio Oriente. Uma Mas Bruno decide vender o filho para adopção.
A Esquiva (2003) missão de apoio a pessoas sem-abrigo
Realização: Abdel Kechiche leva-a, porém, de volta ao seu país de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
Argumento: Ghalya Laroix origem. De regresso aos Estados Unidos, Os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, 58 e 55 anos
Elenco: Osman Elkharraz, Sara Forestier, Sabrina a rapariga procura o seu único familiar respectivamente, estrearam-se no universo cinematográfico
Ouazani e Nanou Benhamou ainda vivo: o tio Paul (John Diehl) que em 1978 com o documentário Le Chant du Rossignol. Mas foi
O drama romântico A Esquiva conta-nos a nunca conheceu. Veterano da Guerra do com a ficção La Promesse, de 1996, que se tornaram famosos
história de Krimo (Osman Elkharraz), um Vietname, Paul vive num permanente a nível mundial, recebendo vários prémios internacionais.
jovem de 15 anos que vive nos subúrbios estado de paranóia desde os ataques
de Paris. Apesar de a sua mãe trabalhar terroristas do 11 de Setembro. Tio e sobrinha parecem não ter 28 de Maio
num supermercado e o seu pai estar nada em comum mas a morte de um emigrante paquistanês vai As Irmãs de Maria Madalena (2002)
preso, Krimo continua a alimentar o uni-los numa mesma missão. Realização: Peter Mullan
sonho de um dia partir com os pais num Argumento: Peter Mullan
veleiro até ao fim do mundo. De resto, Wim Wenders Elenco: Anne-Marie Duff, Nora-Jane Noone, Dorothy Duffy
vive um dia-a-dia habitual para um rapaz Wim Wenders queria ser pintor mas foi o cinema que o e Eileen Walsh
da sua idade, na companhia dos amigos. acabou por conquistar. O realizador alemão que nasceu em Numa Irlanda profundamente católica,
Até que, em plena Primavera, se apaixona Düsseldorf, em 1945, é um dos mais prestigiados cineastas Margaret (Anne-Marie Duff), Bernadette
por Lydia (Sara Forestier), uma jovem tão fascinante quanto da actualidade. Paris-Texas (1984), Asas do Desejo (1987), (Nora-Jane Noone), Rose (Dorothy Duffy)
maliciosa... Buena Vista Social Club (1999) e Terra da Abundância e Crispina (Eileen Walsh) são acusadas
(2004) são algumas das suas obras mais conhecidas. de manifestarem um comportamento
Abdel Kechiche devasso e, por isso, internadas num
Actor, realizador e argumentista, Abdel Kechiche, 49 7 de Maio convento das Irmãs de Maria Madalena.
anos, é natural de Tunis, na Tunísia, mas cresceu em Nice, Intervenção Divina (2002) Ali estão à mercê da vilania da Irmã
França. O seu primeiro filme, La Faute à Voltaire, viu a luz Realização: Elia Suleiman Bridget (Geraldine McEwan), a madre
do dia em 2000 e uma das suas principais características é Argumento: Elia Suleiman superiora do convento que, além dos
incluir actores amadores no elenco. Elenco: Elia Suleiman, Manal Khader e George Ibrahim trabalhos forçados na lavandaria da
Drama, comédia, guerra e romance: Intervenção Divina, do instituição, as submete aos mais duros e pesados castigos.
16 de Abril palestiniano israelita Elia Suleiman, combina todos estes
24 Hour Party People (2002) ingredientes para transpor para o grande ecrã o quotidiano Peter Mullan
Realização: Michael Winterbottom palestiniano em Israel, num bairro de Nazaré. Trata-se de várias Desde os 19 anos que o britânico Peter Mullan queria
Argumento: Frank Cottrell Boyce histórias, entrelaçadas por personagens, locais e emoções. realizar filmes. O facto de não conseguir entrar na escola
Elenco: Steve Coogan, John Thomson, Nigel Pivaro e Umas são demasiado absurdas e outras parecem lendas, mas de cinema levou-o, contudo, a apostar na carreira de actor,
Shirley Henderson têm em comum o facto de poucas palavras serem ditas. Há, por tendo participado em filmes como Braveheart (1995) ou
Em 1976, durante um concerto dos Sex Pistols, Tony Wilson exemplo, um homem que sofre um ataque de coração, um filho Trainspotting (1996). Só 1993 cumpriria o sonho antigo da
(Steve Coogan) e um grupo de amigos decidem criar a sua que o visita no hospital e que regularmente visita uma mulher realização, ao dirigir a curta-metragem Close.

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