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Evento se destaca
pelo que rejeitou, não
pelo que aprovou
Da voz dos delegados à ação
Sumário comentado
Comunicação e Saúde
N um primeiro olhar, o pouco debate à autonomia em relação ao seu corpo. • Da voz dos delegados à ação 2
e a articulação entre grupos reli- Os argumentos contrários e favoráveis
giosos, indígenas e sindicais marcaram às fundações estatais estão, respecti- Editorial
a 13ª Conferência. Perderam o aborto, vamente, nas páginas 11 e 35. As falas • Sumário comentado 3
como “questão de saúde pública”, e as do presidente Lula e dos integrantes da
fundações estatais de direito privado, mesa de abertura integram a matéria da
como alternativa de “superar a gestão página 9, assim como a conferência mag- Cartum 3
burocratizada”. Mas é evidente que na do ministro Temporão, que exaltou o
outros recados emergiram da voz e do SUS, mas, principalmente, diagnosticou Cartas 4
voto dos mais de três mil delegados que os seus problemas mais críticos hoje.
movimentaram o Pavilhão de Exposições A vitalidade crítica dos veteranos
Súmula 5
de Brasília, em novembro. Garimpando o sanitaristas e demais convidados nas
conjunto de propostas, sobressaem a op- mesas-redondas, que abordaram os três
ção por mudanças no Sistema Único de eixos temáticos da Conferência, foi um
Saúde que priorizem ações de prevenção sopro de reflexão e convocação à ação
e promoção da saúde, notadamente as política, em contraste com o tom plebis-
intersetoriais, a valorização da gestão citário e avesso a destaques e discussões Toques da Redação 7
do trabalho e de equipes multiprofissio- que tomou conta especialmente da
nais, além da regulação da relação entre Plenária Final. Entre as páginas 16 e 24,
o público e o privado. O relatório final o leitor vai reencontrar sólidos discursos
com a íntegra das propostas deverá estar que analisam as relações do capital, da
no site do Conselho Nacional de Saúde a ideologia, da política, do meio ambiente 13ª Conferência Nacional de Saúde
partir deste janeiro. e da participação popular com a saúde, • Encontro de paradoxos 9
Não foi trivial sintetizar toda a que discutem as fontes de financiamento • Entrevista: Francisco Batista Júnior
riqueza da Conferência. Para facilitar a do sistema, que resgatam o conceito “A 13ª percebeu que o SUS está
privatizado” 14
localização dos temas, aqui vai um pe- da Seguridade Social e defendem ações
queno roteiro, um sumário comentado. intersetoriais para além da assistência • Sob tensão, plenária aprova regimento 15
Caso o leitor queira saber como foram os e da previdência, que contrapõem cres- • Três dias de (boa) reflexão 16
debates, as teses em disputa, as opiniões cimento a desenvolvimento sustentável • Mesa-redonda • Eixo 1: A ideologia
dos delegados e o clima das discussões, e desafiam a população a reivindicar a bem viva 16
deve ir direto para a página 25. Para democracia participativa dos conselhos • Mesa-redonda • Eixo 2: Beabá da
seguridade 19
conferir os argumentos sobre o aborto, e conferências também para a definição
encontra na página 28 um relato de das políticas econômicas que tanto de- • Radis adverte 21
como católicos, evangélicos e indígenas terminam a saúde. • Mesa-redonda • Eixo 3: Que herança
deixaremos? 22
se organizaram para ganhar a votação
e, na página 32, a crítica ao conserva- Rogério Lannes Rocha • Plenárias temáticas: Da bagunça
ao método 25
dorismo e a defesa do direito da mulher Coordenador do Programa RADIS
• Entrevista: Clóvis Boufleur
“A 37 não era um texto inocente” 28
• Plenária final: Os sem-debate 29
• Entrevista: Armando Raggio
Cartum “Fomos fiéis aos textos” 30
Mas • Entrevista: Telia Negrão
eu discuti Mas A 12ª e a 13ª conferências “A conferência adiou o debate,
tudo, você eu votei disputam qual foi A melhor... mas ele voltará” 32
não! tudo, você
não!
Serviço 34
Pós-Tudo
• Um confronto anunciado 35
cartas
Na ouvidoria
Súmula
os pré-candidatos fica claro que de agricultura, pecuária, atividade palavras do presidente francês François
mesmo as propostas mais avançadas madeireira, fogo e secas, se as atuais Mitterand, em 1989: “O Brasil precisa
de planos universais não supõem um tendências forem mantidas, segundo aceitar uma soberania relativa sobre a
sistema público gratuito: todos pre- estudo divulgado (Globo Online, Amazônia.” Ou as do Prêmio Nobel Al
vêem papel crucial de empregadores 6/12) pelo grupo ambiental WWF Gore: “Ao contrário do que os brasileiros
e seguradoras de saúde. O Medicare, em Washington e Bali. O trabalho pensam, a Amazônia não é deles. Ela
plano de saúde dos idosos arduamente reuniu pesquisadores do Woods Hole pertence a todos nós.”
conquistado pelos americanos, é um Research Center (EUA), do Instituto
pool de seguradoras. de Pesquisa Ambiental da Amazônia
(Ipam) e da UFMG. Mais cana, menos emprego
“Os modelos anteriores não le-
Câncer de pele vem da infância vavam em conta o fogo, a exploração
madeireira e o regime de chuvas”, D e 1971 a 2004, 670 mil postos de
trabalho foram eliminados nas áreas
REPATRIEM O APÓSTROFO!
Foto: m.c.
— AIH’s, ACS’s, PSF’s, CIB’s...
O que é isso, companhei-
ro?, interpela nosso Fontes
Fidedignas. Pois é, o reda-
BAHIA: CONTRA OU A FAVOR? — tor das propostas do Eixo
Gestores baianos que circulavam 2 cochilou e deixou passar
pela 13ª Conferência mostravam várias vezes essa praga mal
orgulho ao informar que a confe- copiada do inglês que vem
rência estadual da Bahia aprovara assolando os textos da saúde.
as fundações estatais. O delegado Anote aí, gente boa: na lín-
Francisco de Souza e Silva, do seg- gua portuguesa, o apóstrofo
mento de usuários, designado para indica supressão de letra:
a plenária temática da Sala Canela, Vozes d’África, gota d’água,
fez questão de mostrar a versão NOVA ESTRELA — Nem Temporão nem Sant’Ana. Sigla nem precisa de plural,
impressa do Relatório Final da 7ª Lula! Francisco Batista Jr., presiden- mas vá lá: se fizer questão, use AIHs,
Conferência Estadual de Saúde para te do CNS, foi a grande estrela da DVDs, CDs, ACSs, combinado?
provar que não foi bem assim. conferência. Ovacionado aonde quer
A proposta nº 129 diz: “A 7ª que fosse, não podia aparecer que
Encontro
de paradoxos
final, como ocorreu em 2003 na 12ª Conferência Nacional de
A
13ª Conferência Nacional de Saúde tinha tudo Saúde, resultaram num certo vazio de novas idéias. Tirando
para entrar na história como um novo marco do os grupos pró e contra o aborto e pró e contra as fundações
controle social brasileiro. Em sua última etapa estatais, nada mais parecia interessar aos delegados. Se o re-
reuniu 2.275 delegados estaduais, 352 nacionais, gulamento permitia defesa de destaques e propostas inéditas,
336 convidados e 219 observadores, que circularam de 14 o que possibilitaria alguma discussão sobre um ou outro tema
a 18 de novembro pelo Pavilhão de Feiras e Exposições do específico, a plenária final não quis saber: sempre votava
Parque da Cidade, em Brasília, precedidos por outro re- maciçamente contra o debate.
corde: 4.413 municípios, os 26 estados e o Distrito Federal Com o lema “Saúde e qualidade de vida: Políticas de
mobilizaram nas etapas prévias 1,3 milhão de participan- Estado e desenvolvimento”, a 13ª foi dividida em três eixos
tes. Mas, por questões de método e organização, a maior temáticos — Desafios para a efetivação do direito humano à
conferência nacional de saúde de todos os tempos acabou saúde no século 21: Estado, sociedade e padrões de desenvol-
revelando paradoxos inéditos: pouco debate e votações vimento; Políticas públicas para a saúde e qualidade de vida: o
dirigidas. Parte dos conselheiros levou essa queixa à reu- SUS na Seguridade Social e o Pacto pela Saúde; e A participação
nião de janeiro do Conselho Nacional de Saúde. na efetivação do direito humano à saúde. Todos os delegados
Desde o início ficou visível a baixa mobilização de gru- votaram todas as propostas do relatório consolidado das etapas
pos de defesa de propostas — a não ser o das igrejas contra estaduais nas plenárias temáticas em 10 salas com nomes de
o aborto e o dos gestores a favor das fundações estatais. ervas — e pouco debateram. Na plenária final, dia 18, foram
As boas intenções dos organizadores, que “engessaram” o votadas, sem discussão, as propostas que não tiveram mais de
regulamento para evitar excesso de propostas na plenária 70% dos votos em pelo menos seis dos 10 grupos.
Radis 65 • jan/2008
[ 10 ]
do PIB, num total de R$ 32 bilhões”, saúde para o período entre 2008 e cedimentos de radio e quimioterapia,
esperava o presidente. Ele adiantou 2011”. Quatro pontos norteiam essas além de programas de excelência inter-
que não brigaria com o Senado, apesar ações, disse. O primeiro refere-se ao nacional como o Programa Nacional de
dos esforços da imprensa em intrigar conceito de qualidade de vida que já Imunizações (PNI), o de combate à aids
senadores e governo. “Parem com foi contextualizado ao longo dos anos. e o de controle do tabagismo. “Tudo isso
essa bobagem, porque o Lula paz e “Um exemplo é a Carta de Ottawa, com gestão participativa pactuada com
amor não vai brigar com o Senado”, que tem como prioridade a paz, a estados e municípios”, salientou.
riu. Para ele, o voto contra ou a favor renda, a habitação, a educação, a ali- Os custos da saúde são influencia-
é parte da democracia brasileira. “Se mentação adequada, o ambiente sau- dos por vários fatores, disse. O primeiro,
votarem contra é um resultado tão dável, a eqüidade e a justiça social”, a mudança no padrão demográfico do
legítimo como o a favor e eu jamais citou, referindo-se ao documento final país: em 1981, havia seis idosos para
vou cobrar resultado de um senador da da 1ª Conferência Internacional sobre cada 12 crianças até 5 anos; em 2004,
República”, continuou. “Até porque o Promoção da Saúde, no Canadá, em seis idosos para cada cinco crianças até
mandato de presidente é de quatro novembro de 1986. “A esse conjunto 5 anos. “Isso significa aumento da popu-
anos, e o de senador é de oito”. de princípios eu acrescentaria que qua- lação de idosos e, conseqüentemente,
O presidente disse que seria pre- lidade de vida é viver numa sociedade aumento de custo para a saúde”, resu-
ciso mapear o quanto da CPMF vai para que permita a plena realização das miu. O segundo, a mudança no perfil da
cada estado e perguntar a cada gover- potencialidades”, acrescentou, lem- morbimortalidade da população: por um
nador se pode prescindir desse dinheiro. brando o saudoso Sergio Arouca. lado, caíram drasticamente as doenças
“Vamos ver quanto o Rio Grande do Sul infecciosas; por outro, aumentaram os
recebeu no ano passado e recebe este POLÍTICA DE ESTADO cânceres, as doenças cardiovasculares
ano da CPMF para a saúde, ou perguntar O segundo ponto, fundamental e a violência. “Hoje, vivemos uma
ao estado de São Paulo se o governador para se criar um movimento em defesa epidemia de violência no trânsito,
Serra pode prescindir desse dinheiro”, da vida: comunicação, informação e contra a mulher, a criança e o idoso”,
provocou o presidente, matreira raposa educação. O terceiro, lembrar que o apontou. O terceiro fator, obesidade
política — dias depois, os mais importan- SUS não é uma receita pronta para ser e doenças decorrentes. “Entre 1975 e
tes governadores tucanos, Aécio Neves aplicada em qualquer lugar e circuns- 2003, houve um aumento de duas vezes
(MG), José Serra (SP) e Yeda Crusius (RS), tância. O quarto e último ponto, re- na obesidade do homem brasileiro e de
faziam lobby com seus senadores pela conhecer que o SUS é uma política de 60% entre as mulheres”, disse.
aprovação — viu-se depois, inutilmente. Estado, de caráter pluripartidário. As conquistas na área das doenças
Lula opinou que se cada governador e O ministro citou as realizações do imunopreveníveis mereceram destaque:
cada prefeito pudessem pôr de lado o SUS: 27 mil equipes do Saúde da Família “Reduzimos essas doenças em mais de
dinheiro da CPMF significa que são capa- para 87 milhões de brasileiros em 92% 90%, várias foram erradicadas e novas
zes de cobrir essa arrecadação, “e não dos municípios; 110 milhões de pessoas vacinas foram incorporadas ao PNI”. O
vamos ter tantos problemas”. atendidas em 95% dos municípios por mesmo, no entanto, não aconteceu com
O auditório ensaiou um protesto, agentes comunitários de saúde; por ano, a mortalidade por doenças crônicas, pro-
quase vaia, quando o presidente disse 2,3 bilhões de procedimentos ambulato- vocada pela insuficiência de tecnologia
que “pobre não paga CPMF”, mas ele riais, 300 milhões de consultas médicas, e pela fragilidade na prevenção e pro-
logo se recuperou ao dizer que os 11,3 milhões de internações, 2 milhões moção da saúde, continuou o ministro.
opositores da prorrogação não estão de partos, 15 mil transplantes, 215 mil A única conquista aqui foi a redução da
brigando com o governo, mas com os cirurgias cardíacas e 9 milhões de pro- mortalidade por câncer de pulmão entre
5.600 municípios brasileiros. “Quem é
que vai dar dinheiro para a prefeitura
os jovens, devido à política antitabagis- assistência e a base produtiva e de R$ 24 bilhões [da CPMF rejeitada] nos
ta. “Mas aumenta entre as mulheres”. inovação em saúde; fragmentação do estados e municípios, estabelecendo
Temporão afirmou que as taxas da território e vazios assistenciais tanto contratos de gestão com objetivos, me-
mortalidade infantil continuarão caindo nas metrópoles quanto nas regiões tas, indicadores, resultados esperados e
nos próximos anos, mas reconheceu menos desenvolvidas; predomínio de recursos que vão ser repassados e criar
as grandes desigualdades regionais de um modelo burocratizado de gestão; um fundo para premiar quem alcançar
acesso ao SUS. Segundo ele, interna- subfinanciamento para atender às ne- desempenho acima do determinado”,
ções hospitalares em alta complexidade cessidades da população; precarização expôs ele. A platéia, cansada, e a esta
em cardiologia, em cirurgia oncológica do trabalho e baixo investimento na altura pela metade, nem percebeu que
e transplantes no SUS estão concen- qualificação de recursos humanos. o ministro defendia sua proposta de
tradas nas regiões Sudeste e Sul. Para Ao todo, sete eixos sustentam a fundações estatais.
o ministro, é necessário ainda cuidar nova proposta para a saúde: Promoção A idéia do Complexo Industrial,
da qualificação das equipes do Saúde à saúde e Ações Intersetoriais; Atenção esclareceu Temporão, é usar-se o poder
da Família e da desprecarização do à saúde: Assistência e Vigilância; Com- de compra do Estado, setor privado
trabalho. “É preciso fazer com que plexo Industrial e de Inovação; Força e público, associado a uma linha de
essas equipes tenham disponibilidade de Trabalho em Saúde; Qualificação da financiamento do BNDES para dar início
tecnológica para atuar mais e ter re- Gestão; Participação e Controle Social; a um programa de redução de importa-
sultados melhores”. e Cooperação Internacional. ções e ampliação da produção nacional.
A Política Nacional de Humaniza- “Devemos lembrar que hoje 25% do
ção, informou, desde 2003 tem como SEM MEDO DE DISCUTIR mercado farmacêutico, 80% do mercado
base a responsabilização pela resolução: O ministro detalhou cada um. O de vacina e 50% de material hospitalar
não se passa a outro profissional e outras eixo Promoção da Saúde e Ações Inter- são públicos”, informou. Dois critérios
unidades o que pode ser feito em diag- setoriais inclui a articulação de ações orientam essa iniciativa: relevância
nóstico e terapêutica; a construção de no campo das políticas públicas. “Aqui epidemiológica das doenças e o custo de
vínculos, saudável para usuários e profis- vamos trabalhar fortemente a questão cada medicamento para o SUS.
sionais da saúde; a responsabilização na do álcool, da redução de danos por uso O quinto eixo, a Força de Trabalho
articulação de recursos disponíveis para abusivo, propaganda de bebidas, bebida em Saúde, prevê o treinamento dos pro-
o acesso à tecnologia que defende a vida e direção”, enumerou, informando que, fissionais. Afinal, ressaltou o ministro,
e a articulação da rede de continuidade somente no ano passado, metade das 35 “ainda não inventaram uma medicina
de cuidados; e construção e ativação da mil mortes no trânsito envolveu bebida que não necessite de terapeutas”. No
rede de assistência e proteção social alcoólica. Inclui também controle de eixo Controle Social, a idéia é fortalecer
intersetorial e solidária. tabagismo, padrão alimentar, exercício cada vez mais os conselhos de saúde e
A nova proposta da política de físico, planejamento familiar e direito as conferências, qualificar as ouvidorias
saúde do atual governo, disse, “está em sexual. “Sem medo de discutir a interrup- do SUS e promover auditorias em saúde
sintonia com a 13ª CNS”: preconiza saú- ção da gravidez também”, disse, aplau- sob o comando da Secretaria de Gestão
de e desenvolvimento, ou seja, a saúde dido. Temporão aproveitou para pedir à Participativa do Ministério da Saúde. A
como frente de expansão estratégica platéia que aprovasse a proposta de ex- Cooperação Internacional propõe apoio
para a economia e a política social. “A tensão da licença-maternidade de quatro aos países do Mercosul e africanos de
saúde é a única política social que tem para seis meses. “Se lá atrás falei que na língua portuguesa na qualificação de
uma dualidade fundamental: é uma po- saúde é fundamental o estabelecimento seus sistemas de saúde. “Posso já ante-
lítica para a melhoria da qualidade de de vínculos, a família, a mãe, o pai e o cipar que a Fiocruz abrirá um escritório
vida e o desenvolvimento da sociedade bebê, espero que a conferência aprove na África, com sede em Moçambique,
e, ao mesmo tempo, tem dinâmica essa extensão”, defendeu, também sob e passará a apoiar fortemente a estru-
econômica e potencial de inovação e aplausos — e foi aprovada. turação do sistema de saúde naquele
criação de riqueza e emprego qualifi- O eixo Atenção à Saúde refere-se continente”, adiantou.
cado”, afiançou. a tudo o que, comumente, as pessoas Depois de 40 minutos de fala,
Os números que a saúde gera são identificam como problemas de saúde. Temporão explicou por que apresen-
a prova: responde por 8% do PIB, incor- “É o mau atendimento, a fila, o tempo tou somente os eixos que norteiam
porando todos os setores estratégicos de espera etc.”, exemplificou. Tem- a ação do Ministério da Saúde, não
do futuro (microeletrônica, biotecno- porão afirmou que essa é uma questão falando das metas do PAC da Saúde,
logia, química fina, nanotecnologia, a ser resolvida no contexto do Pacto o Programa de Aceleração do Cres-
equipamentos); responde por 10% dos pela Vida e do Pacto de Gestão. Dessa cimento na área: “O presidente Lula
postos formais de trabalho qualificado; forma, prevê ampliação do Serviço de pediu que anunciasse essas metas
é o setor mais importante do gasto Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), apenas em 3 de dezembro, data
nacional com Ciência e Tecnologia expansão e melhoria de qualidade do oficial de lançamento do pacote” —
(25% do total); e emprega 9 milhões Saúde da Família, do Brasil Sorridente, na verdade, lançado no dia 5.
de brasileiros em atividades de maior da Farmácia Popular e da Atenção de Em seguida, antecipou: “Vocês
qualificação. “Ou seja, a saúde deve Média e Alta Complexidade. podem ter certeza de que são
ser vista não apenas como gasto, mas No eixo Qualificação da Gestão, a propostas muito importantes
principalmente como fator de desen- proposta é inovar pela profissionaliza- e bem-estruturadas, que res-
volvimento”, afirmou. ção da gestão e da contratualização. gatam o sentido e o conteúdo
Temporão listou oito problemas “Sem abrir mão dos princípios do SUS”, da Reforma Sanitária e qualificam o
críticos do SUS: reduzida articulação prometeu. Ele defendeu a gestão com SUS”, encerrou, sob aplausos.
da saúde com as demais políticas controle social, planejada e qualifica-
nacionais; elevada iniqüidade de aces- da, e a contratualização por concurso Cobertura: Adriano De Lavor, Bruno
so; desigualdade pessoal e regional; público. “Podemos aproveitar agora que Camarinha Dominguez, Katia Machado
descolamento entre a evolução da vamos avançar a contratualização dos e Marinilda Carvalho
Radis 65 • jan/2008
[ 14 ]
ENTREVISTA
Outra coisa que as pessoas têm que esse convencimento é legítimo e tem avaliação seria outra. A opinião dele está
entender é que o debate deve aconte- mesmo que acontecer, principalmente prejudicada. Em relação à apresentação
cer nas plenárias temáticas. Algumas em temas polêmicos. As propostas caras de propostas, reafirmo que os delegados
ficaram surpresas por não ter havido aos agentes comunitários, por exemplo, pediram mudanças no modelo. Sobre
discussão na plenária final, mas foram raramente são rejeitadas — primeiro as fundações, o CNS tem debatido a
os próprios delegados que, de forma so- porque se articulam para saírem de- gestão do SUS, coisa que o ministério
berana, votaram pela não-necessidade legados e, depois, porque defendem deveria ter feito e não fez. Realizamos
de defesa na maioria das vezes. Em os textos. Isso é natural, se acontecer o primeiro seminário de Modalidades
determinadas propostas, optaram por nos limites da ética. Penso que a con- de Gestão do SUS em agosto, e marca-
três falas favoráveis à aprovação e três ferência mandou um recado para que o mos o segundo para janeiro. Em nome
contrárias, o que mostra que o debate Ministério da Saúde realize um grande da minha confederação [Nacional dos
não foi cerceado. A nossa limitação fo- debate no país a respeito do aborto, Trabalhadores em Seguridade Social],
ram as propostas inéditas. Precisamos pois há pouco esclarecimento. Já falei apresentamos um monte de propos-
repensá-las, pois para uma proposta com Temporão que o ministério tem que tas. Alguns setores dizem que quem
normal chegar à plenária final, tinha que chamar a si essa responsabilidade. é contrário ao projeto não apresenta
ser discutida nos 10 grupos e aprovada proposta, mas a verdade é que quem é
por mais de 70% dos delegados em pelo O ministro criticou a conferência, contrário ao projeto nunca foi convidado
menos seis deles. No caso da inédita, afirmando que “não cumpre seu ob- a debater com quem defende.
bastava ser apresentada numa sala e jetivo legal, de avaliação do sistema
obter 50% de aprovação. público de saúde”, e “não propõe Na mesa do Eixo 3, o procurador Hum-
alternativas claras e possíveis de se- berto Jacques questionou a herança
A proposta de apoio à descriminaliza- rem executadas”. Também disse que da 13ª. Qual será, em sua opinião?
ção do aborto acabou rejeitada, devi- a rejeição ao projeto das fundações O resgate do conceito amplo de
do à mobilização de grupos contrários. é um “equívoco”, fruto de “postura saúde, na perspectiva de superar a
Como o Sr. vê essa mobilização? radical e pouco comprometida com lógica conservadora de tratar a do-
O projeto das fundações foi dis- o social, que mantém a inércia do ença, trabalhar para impedir que ela
cutido em boa parte das conferências sistema”. O que o Sr. pensa disso? apareça. O que requer a atuação de
municipais e estaduais, então as pessoas Toda crítica deve ser respeitada, equipes multiprofissionais, preven-
já chegaram à nacional com posição mas discordamos do conteúdo. A ava- ção, promoção, ações intersetoriais
delineada. O aborto foi menos discutido liação do ministro é equivocada, talvez (envolvendo áreas vitais para a saúde,
e o desfecho teve como elemento nor- porque ele não teve oportunidade de como educação, trabalho, emprego,
teador a capacidade de convencimento participar de nenhuma conferência es- renda, violência, meio ambiente,
por parte de atores contrários ao aborto, tadual, nem da nacional. Se ele tivesse desenvolvimento). Essa é a grande
como igrejas e indígenas. Entendo que tempo de se envolver, com certeza a herança da 13ª. (B.C.D.)
Três dias de
(boa) reflexão
Mesa-redonda • Eixo 1
o subcomandante Marcos — porta-voz negras, contra 5,2% entre as pardas A sociedade brasileira é um
do movimento zapatista, no México — e 3,2% entre as brancas. “Resumindo: “amálgama de várias ancestralida-
para resumir o cenário atual: “Estamos nós morremos de hipertensão, hemor- des, trajetórias individuais e familia-
na 4ª guerra mundial, que é a guerra ragia e aborto”, disse ela, salientando res marcadas por migração, valores,
do capital financeiro”. Este conflito é que entre as lésbicas o atendimento é culturas, expressões, símbolos e
responsável pela “polarização interna- de “quinta qualidade”. Neste grupo, identidades”, descreveu, que ao
cional”, fenômeno que concentra “nas 30% saem dos serviços de saúde com mesmo tempo carrega a transforma-
mãos de 358 supermilionários a renda receitas de contraceptivos, revelou ção das diferenças em desigualdades,
necessária para o sustento de 2 bilhões Clair o paradoxo. “pautadas na perda do valor de
e 600 milhões de pessoas”. “As maiores causas de adoeci- humanidade”. A palestrante afirmou
Esta realidade dificulta a destina- mento e morte são as condições de que essas desigualdades poderiam
ção de recursos para a saúde, já que trabalho, a pobreza, o preconceito, ser evitadas se os pactos firmados
os organismos multinacionais estão a discriminação, a medicalização do pela sociedade fossem respeitados
interessados na manutenção do Esta- corpo, a precariedade da assistência, — mas a afirmação destas desigual-
do mínimo, afirmou, o que significa a criminalização do aborto, a clan- dades traz “restrições de acesso aos
a abertura da economia aos capitais destinidade da prática e os dados bens materiais e simbólicos e aos
internacionais, a privatização e a precários para o planejamento da benefícios das ações do Estado” e o
diminuição de gastos públicos. Clair prevenção à gravidez indesejada”. A aumento das vulnerabilidades indi-
questionou o governo e o superávit situação se agrava graças às políticas viduais e coletivas. Deve-se encarar
primário de 106 bilhões “para pagar subservientes ao capital financeiro, a vulnerabilidade, aconselhou, como
juros e outros custos da dívida”, o afirmou, o que coloca a saúde das uma realidade dinâmica e multifato-
que corresponde a 4,37% do PIB. mulheres na posição de “moeda de rial, responsável por situações que
“Não sabem o custo social e humano troca” em negociações internacio- geram agravos à saúde.
que isso representa para a popula- nais. “É Estado mínimo para o social Por isso, assinalou, é importan-
ção brasileira?”, lançou. e máximo para o capital”, declarou, te defender um conceito de saúde
O controle social em sua opinião sob calorosos aplausos da audiência. mais amplo do que “o contrário de
tem como papel a luta por financia- Para a feminista, entender esta reali- doença”, já que ambas as definições
mento, no sentido de que o dinheiro dade deve estar entre as prioridades — de saúde e doença — são resul-
público seja aplicado em políticas do controle social. tantes de processo histórico, que se
públicas, e não no fortalecimento do apresenta de acordo com a maneira
próprio capital. “A ditadura do capital quem pode ser a favor? como as pessoas se relacionam entre
privatiza”, destacou: 10% da população Ela se deteve na questão do abor- si e com o meio, “pela forma como a
brasileira detêm 2% de toda a riqueza. to. “A favor ou contra — quem pode ser sociedade se organiza e se constrói,
Numa população de 180 milhões, 55 a favor? Digam! Todas as mulheres que se reproduz e se apresenta aos seus
milhões estão na pobreza. querem a legalização são chamadas membros”. Para Fernanda, saúde é
Para as mulheres é mais difícil de aborteiras, assassinas, pró-morte, um conjunto de situações integrais
ainda, disse Clair. Elas representam criminosas”, desabafou. A questão e individuais, que ao mesmo tem-
43% do mercado de trabalho; entre as não é essa, prosseguiu, classificando po decorrem de fatores culturais,
que estão trabalhando — dos 25 aos 49 toda essa discussão como “bate-boca ideológicos, políticos, ambientais e
anos —, 94% também são responsáveis inútil”, já que as mulheres continuam econômicos. Quando há equilíbrio,
pelas tarefas domésticas; em 2006, morrendo e ninguém deixaria de ser disse ela, é possível ver a saúde
31,4% das famílias tinham como chefe virtuosa, caridosa ou humana “porque como direito, como algo que deve
uma mulher. Em relação à saúde, são defende isso ou aquilo”. Para Clair, ser reivindicado, universal e indivi-
tratadas no período gestacional ou de temos que defender o direito à vida sível, “assim como o corpo não pode
amamentação, afirmou. “Reduzem-nos das mulheres e das crianças, mas ser fragmentado”.
a matrizes reprodutoras e usinas de dentro de políticas públicas humanas O direito à saúde, afirmou, só
leite”, resumiu, sob aplausos. e eqüitativas, exortou, sinalizando pode ser conquistado quando os de-
Para Clair, 92% das mortes mater- que a questão principal é definir onde mais são respeitados: só há vida sau-
nas seriam evitáveis, embora nunca terminam os gastos e começam os dável quando não se é discriminado,
apareçam na lista das 10 maiores investimentos. “Dinheiro para pobre quando se pode viver sem violência,
causas de óbito. O problema estaria é gasto, para rico é investimento”, quando há liberdade e autonomia
no fato de, culturalmente, a gravidez protestou, conclamando os delega- sobre o corpo em qualquer fase
ser encarada como “estado fisioló- dos da 13ª a declararem “morte ao da vida, quando a livre orientação
gico especial”, que incluiria a alta capital” sob uma chuva de aplausos sexual, a identidade e a expressão
mortalidade por aborto. Além disso, da platéia de pé. de gênero são respeitadas e, por
salientou a “péssima qualidade” dos Às 14h50, a ex-conselheira nacio- fim, quando se tem acesso às
serviços de pré-natal. “São 2 milhões nal de saúde Fernanda Lopes iniciou sua informações. Também listou
de partos, 500 milhões de consulta, apresentação, sob forte calor, defenden- educação de boa qualidade,
mas a mulherada morre depois de do a “saúde como bem público global segurança alimentar, habita-
fazer o pré-natal”. E sentenciou: e direito fundamental”. Integrante do ção digna, trabalho decente,
“Alguém já ouviu falar em alta para Comitê Técnico da Saúde da População segurança e desenvolvimento
pré-natal? Pois no Brasil tem”. Negra, Fernanda apresentou como — “não como sinônimo de geração
Quando são levadas em conside- desafio “a construção de um ambiente de riquezas ou crescimento econô-
ração as questões étnico-raciais, os favorável para ampliar o pensar e o agir mico” —, aumento das liberdades
problemas aumentam. O risco de uma em torno das questões de saúde e de fundamentais e potencialidades
gravidez terminar em aborto, segundo desenvolvimento” — o que incluiria a individuais, além da ampliação da
Clair, é de 9,4% entre as mulheres ampliação dos direitos humanos. participação social.
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[ 18 ]
No auditório lotado, Fernanda se as tomadas de decisão começam sustentou, é a ampliação das de-
defendeu a remoção das fontes de pelos municípios, se o processo é par- sigualdades — entre países, entre
privação da liberdade, como a pobreza ticipativo. “É a participação que ga- segmentos sociais —, o consumo de
e a tirania, a carência de oportuni- rante a sustentação social”, afirmou. recursos naturais, degradação e con-
dades econômicas, a negligência e a “Há polêmicas, há diversidade, mas as taminação do meio ambiente, criando
omissão dos serviços governamentais, contradições do movimento social são um quadro de “injustiça ambiental”
a destituição social e a intolerância, sintomas de vitalidade”. em que “o acesso é desigual na distri-
a interferência excessiva dos Esta- buição dos benefícios”, e cujos danos
dos opressivos. A responsabilidade, PIB DA DOENÇA atingem trabalhadores de baixa renda,
segundo ela, é da sociedade civil Última a falar, Raquel Riggoto, populações marginalizadas, grupos
como um todo, incluindo-se família, representante do Fórum Brasileiro sociais discriminados e povos étnicos
comunidade e instituições religiosas, de ONGs e Movimentos Sociais, minoritários. E lançou a questão: “De-
tarefa de agentes mobilizadores e trouxe longa reflexão sobre saúde, senvolvimento para quem?”
articuladores da efetivação dos di- doença e desenvolvimento. Para Raquel citou como exemplo a
reitos humanos. “O controle social ela, há um equívoco de conceito, soja, exportada aos países ricos para
faz a vigilância para que os poderes já que a saúde está muito mais ração. A área de plantação do grão
públicos cumpram os compromissos ligada à doença e à assistência, e no Brasil cresce 300% ao ano, o que
estabelecidos”, destacou Fernanda, o desenvolvimento “é uma crença aumenta a produção, mas não gera
garantindo “tudo para todos, de da sociedade moderna que preci- aumento de empregos. As rodovias
acordo com as diferentes necessi- sa ser revista”. Raquel deu como previstas no PAC, para ela, estariam
dades, partindo de uma construção exemplo a idéia, defendida, entre pautadas pelo escoamento desta pro-
democrática e descentralizada”. outros, pelo ministro Temporão na dução. Com as usinas hidrelétricas, o
conferência, de que o setor saúde mesmo. A Comissão Mundial de Barra-
A PARTICIPAÇÃO AVANÇA seria responsável por 8% do PIB. “O gens sabe que os empreendimentos são
Falou em seguida o secretário- que gerou estes 8% na verdade foi ineficientes para gerar energia, os cus-
geral da Presidência da República, Luiz a doença”, destacou. “Se desen- tos são sempre maiores que o previsto
Dulci, que abordou o papel pioneiro volvimento é isso seria melhor não e os impactos ambientais deslocam 40
dos movimentos sociais nas questões tê-lo”. E questionou se não haveria milhões de pessoas em todo o mundo.
de mobilização e participação popular. outro caminho para a qualidade de Mesmo assim, há mais de 100 usinas
Desculpando-se por ter que se ausen- vida que não fosse o progresso, já previstas pelo PAC. “Vamos alimentar
tar logo após falar, já que viajaria a que sua ideologia associa a presença carros e desnutrir pessoas”, denunciou
Montevidéu, ele centrou suas palavras humana à condição de “produzir e — usando o neologismo “necrocom-
na “questão vital” para a efetivação consumir indiscriminadamente”. bustíveis”, criado por Frei Betto para
de qualquer direito: a participação A palestrante denunciou nosso os biocombustíveis — e lembrando a
popular, que alerta para os objetivos modelo de desenvolvimento, no qual situação dos trabalhadores rurais que
políticos. A construção do SUS só foi agentes econômicos pressionam o vivem do corte da cana. “Sugam a vida
possível graças à articulação conjunta Estado a investir na infra-estrutura das pessoas e depois empurram para a
de diversos setores da sociedade, afir- para que atuem melhor, a financiar Previdência pagar a conta”.
mou. “Quem conhece o antes e o depois empreendimentos e a remover obs- Raquel também comentou o
do SUS pode avaliar as diferenças”. táculos ao lucro, em detrimento da projeto de transposição das águas do
Para Luiz Dulci, as conferências saúde e do meio ambiente. Estas São Francisco — “R$ 6,6 bilhões para
foram fundamentais no processo. empresas, segundo ela, procuram alimentar o agronegócio do camarão
“Adotar a participação social como vantagens como solo barato, recur- e da siderurgia” —, mostrando fotos
forma de governo” em outras polí- sos naturais abundantes, mão-de- de manguezais, antes e depois da
ticas públicas tem sido prioridade obra farta e de baixo custo, políticas devastação causada pela carcinicul-
do governo Lula, assegurou. As de incentivos fiscais, além de “con- tura. “Como se vai viver daqui para
conferências são fundamentais para textos de frágeis políticas ambien- a frente com o constrangimento das
“elaboração, execução, avaliação e tais, trabalhistas e de saúde”. famílias prejudicadas, que têm que
correção de políticas públicas”, dis- Raquel fez histórico do Estado apelar ao Bolsa-Família?”, questio-
se. “Por isso precisam ser realizadas brasileiro nos últimos 30 anos, “su- nou, sob aplausos. “O Brasil está
em todas as áreas”. bordinado ao capital transnacional, funcionando como barriga de aluguel
O secretário aproveitou para que minimiza pessoal e estrutura das para as políticas do capital”, adver-
condenar a tentativa de criminalização políticas sociais e desenvolve políti- tiu, enquanto nos grandes centros
das organizações não-governamentais, cas compensatórias — necessárias, urbanos sobram áreas de risco e lixo
“por razões políticas e ideológicas”, porém insuficientes para superar e falta saneamento básico.
mas se mostrou confiante em as desigualdades”. A conseqüência, Para ela, falta também uma pon-
que tudo se esclarecerá na CPI te entre saúde e desenvolvimento: “A
das ONGs. “Mesmo no caso das desigualdade social e a injustiça am-
rádios comunitárias, as verda- biental decorrem dos padrões urgentes
deiras nada têm a esconder”, de desenvolvimento, e não da falta de
afirmou. Para ele, todo este crescimento”, afirmou, levantando
movimento contrário parte dos que nova onda de aplausos. “De quanto
desejam que “a sociedade civil parti- dinheiro nosso SUS vai precisar para
cipe menos da execução das políticas atender a tanta produção de doença?”.
públicas”. A política não pode ser de- Às 16h, sob o tórrido calor de novem-
finida entre quatro paredes, salientou bro em Brasília, a platéia aplaudiu de
ele, para quem faz “muita diferença” pé a palestrante.
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Mesa-redonda • Eixo 2
Beabá da seguridade
tisfeito com o substitutivo aprovado, críticas. Para Sônia, ele se volta mais
que destinaria R$ 24 bilhões da CPMF uma vez para o crescimento, e não
em quatro anos à saúde, e defendeu para o desenvolvimento sustentável.
sua proposta original, que prevê para “Precisamos saber quantas pessoas
a área 10% das receitas correntes da sairão da miséria, quanto de empre-
União, o que representaria R$ 20 bi- go, de educação o PAC vai gerar, e
lhões a mais já em 2008. “Temos que não apenas quantas estradas serão
convencer o Senado a retomar esse construídas”, cobrou. A economista
percentual”, defendeu, lembrando defendeu mudanças na política mone-
que a proposta foi deliberada pela 12ª tária e participação da sociedade civil
Conferência Nacional de Saúde. organizada nos fóruns de discussão da
Inflamado, Gouveia defendeu área econômica. “Precisamos pensar a
um desenvolvimento econômico que política monetária, pois é ela que nos
inclua distribuição de renda — por- estrangula, que faz com que o governo
O governo
que desenvolvimento com susten- contingencie o orçamento”, alertou, encaminhou
tabilidade não se faz sem políticas muito aplaudida. mal a proposta,
públicas, disse. Nesse sentido, pediu Em relação à Seguridade Social, mas não podemos votar
ações intersetoriais e ressaltou a ela destacou, como havia feito Gou-
importância do controle social, em veia, a necessidade de uma conferên-
sem discutir”
especial das conferências nacionais cia nacional para que os setores mais Economista Sônia Fleury
de saúde. Gouveia conclamou os atrasados possam avançar, principal-
delegados a aprovarem proposta de mente a previdência. “Em parte, a
realização da 1ª Conferência Nacio- culpa é nossa”, observou: a saúde, Saúde como saída para os desafios
nal de Seguridade Social. Seus gritos por mais que tenha avançado, não da gestão e da atual conjuntura.
surtiram efeito, pois a sugestão criou um projeto claro para a Seguri- Corajosa, diante de uma platéia
foi imediatamente incluída como dade Social. “Tivemos medo que ela sabidamente contrária às fundações
proposta inédita e aprovada pela tomasse dinheiro da saúde, mas não há estatais, pediu mais debate sobre o
maioria na tarde daquele mesmo saúde sem seguridade”, avisou. Muito assunto. “A conjuntura da saúde nunca
dia. “Esse fórum tem legitimidade, aplaudida, desafiou: “Ou saímos daqui foi tão favorável como hoje em dia
precisa aprovar a 1ª Conferência de com uma proposta de conferência de para um debate”, disse, referindo-se
Seguridade Social para que possamos Seguridade Social ou nada acontecerá, a José Gomes Temporão como um mi-
recompor o Conselho Nacional e o os setores mais avançados precisam nistro comprometido com a Reforma
Fundo Nacional de Seguridade Social”, permitir que os setores mais atrasados, Sanitária. “Temos que reconhecer que
exortou, sob fortes aplausos. como a previdência, caminhem”. Sônia o SUS não é essa maravilha, a lógica é
criticou o fato de a previdência estar corporativista, está centrado no gestor,
PARA EVITAR O TRATOR atrelada à contribuição, uma vez que é injusto, há dificuldade de acesso, há
Diferentemente de Gouveia, a a Constituição brasileira garante o humilhação, não há igualdade de direi-
professora da Fundação Getúlio Var- direito a ela. “Já contribuímos com to”, enumerou ela os muitos problemas
gas Sônia Maria Fleury, presidente do os impostos”, disse. do sistema e da gestão hospitalar. “O
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, A palestrante criticou também governo encaminhou mal a proposta,
defendeu com voz serena o desenvolvi- a fragmentação do setor social e mas não podemos votar sem discutir”,
mento sustentável do país. “No Brasil, a falta de comunicação entre os argumentou. “Se não debatermos, vão
não houve desenvolvimento, mas sim conselhos de Saúde e de Seguridade passar que nem trator sobre nós”, en-
crescimento econômico”, afirmou. De Social e já estava com a voz infla- cerrou Sônia sua fala, aplaudida de pé
1930, quando se produzia somente mada quando citou o Pacto pela por grande parte do auditório.
café, a 1980, o Brasil tornou-se a 8ª
economia do mundo. “Mas não houve
desenvolvimento de tecnologia, que
apropriamos de outros países desen-
volvidos, nem criamos um sistema
democrático inclusivo”. Radis Adverte
Na avaliação de Sônia, o governo
brasileiro, por um lado, promoveu o
crescimento do PIB em 120% no século
passado, mas não avançou socialmen- Apatia faz mal
te. “Podemos dizer que o governo
à saúde: participe!
saiu de um papel de terceirização e
redução do Estado para um Estado
que planeja o crescimento, apenas”,
ressalvou. E esse descompasso con- 26 DE JANEIRO
tinua neste século. “Agora, estão
destruindo a Amazônia para plantar Dia de Ação Global
soja de exportação, e não se faz de-
senvolvimento acabando com o povo do Fórum Social Mundial
e o meio ambiente”.
O Plano de Aceleração do Cres-
www.forumsocialmundial.org.br/
cimento (PAC) foi também alvo de
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Mesa-redonda • Eixo 3
Plenárias temáticas
Da bagunça ao método
somos contra o aborto”, produzida O delegado Pedro de Jesus Silva, as propostas lidas, a maioria aprova-
pela Frente Parlamentar contra a representante dos trabalhadores pelo da, pausa para o jantar. No retorno, a
Legalização do Aborto. Rio de Janeiro, a favor da supressão, votação dos 64 destaques solicitados.
O conservadorismo também foi esbravejou: “O governo não discutiu Cansaço chegando, 38 destaques e as
percebido por Altair Lira, que respon- antes e quer discutir agora? Pau que propostas inéditas do Eixo 1 ficaram
sabilizou a falta de informação pela nasce torto morre torto”. para o dia seguinte, provocando pe-
rejeição de propostas mais “avan- Apesar de problemas como can- queno atraso na votação da plenária
çadas”. Ele citou como exemplo a saço, barulho externo, falta de luz em temática do Eixo 2.
má vontade com a proposição que vários momentos, a sala conseguiu con-
defendia o tratamento da necrose da cluir, noite avançada, a votação das 284
cabeça do fêmur, um dos sintomas da propostas do relatório consolidado e Alecrim
anemia falciforme, apenas porque preparar as propostas inéditas, votadas
o texto mencionava “célula-tronco” sem problemas no dia seguinte.
— os católicos condenam o uso de No último dia, reservado à vota-
células-tronco embrionárias. Depois ção do Eixo 3, o ambiente era de muita
de esclarecer que o tratamento usa organização e nenhuma polêmica,
as células-tronco adultas, conseguiu condizente com o nome da sala: a
a aprovação. “Cada vez mais há leitura das 94 propostas do Eixo 3
necessidade de debate, para que as começou às 14h40, terminou às 16h e
pessoas não votem simplesmente pelas às 20h já tinham sido votados todos os
convicções religiosas”, opinou. destaques. O único momento de algum
atrito foi na proposta nº 25 — “Deter-
Erva-Doce
minar que o quantitativo de delegados
para a Conferência Nacional de Saúde
seja fixo por unidade federada, e não
N a Alecrim, os delegados pareciam
ter combinado votar rapidamen-
te as propostas. Pedidos seguidos de
Foto: Rogério Lannes
ENTREVISTA
Clóvis Boufleur
“A 37 não era
um texto inocente”
Problema de saúde pública é
A.D.
famoso soro caseiro. pessoas começaram a conversar nos cor-
Nesta entrevista à Radis, conce- redores. Grupos de defesa da vida tam-
dida por telefone em 6 de dezembro, bém passaram a mostrar que a proposta
ele conta como foi a articulação para não era genérica, que indiretamente
derrubar a Proposta nº 37 do Eixo estava aprovando o aborto. A partir daí,
1. “A intenção da proposta era dar as pessoas entenderam que o objetivo
margem para que o movimento pró- não era só encaminhar o debate: antes
legalização do aborto tomasse mais achavam que era um texto inocente
corpo e influenciasse a decisão do e depois perceberam que não era. A O Ministério da Saúde afirma que,
Congresso”, contou, referindo-se ao intenção da proposta era dar margem apesar da decisão da conferência, o
exame do projeto de legalização na para que o movimento pró-legalização debate sobre o aborto como proble-
Câmara. O relator, deputado Jorge do aborto tomasse mais corpo e influen- ma de saúde pública continua. Como
Tadeu Mudalen (DEM-SP), que é evan- ciasse a decisão do Congresso. o Sr. vê essa posição?
gélico, deu parecer em 21/11 pela Também achamos que o debate
rejeição. “As pessoas antes achavam Como se deu a mobilização para im- deve continuar. A idéia não é ignorar o
que era um texto inocente e depois pedir a aprovação da proposta? problema, mas dialogar para conseguir
perceberam que não era.” Tínhamos um grupo da Pastoral aumentar as ações de prevenção. Por
distribuindo material específico sobre outro lado, a decisão da conferência
Como o Sr. analisa a supressão da o aborto, pelo menos 500 cópias de um aponta uma posição muito clara, que
proposta relativa ao aborto? artigo científico organizado pela Dra. a defesa da vida é indiscutível. Para
Foi uma surpresa para algumas Zilda Arns. Além disso, havia padres nós, a vida é inegociável.
pessoas que estavam lá, mas para nós conversando com os delegados sobre
reflete o amadurecimento dos que o assunto. No primeiro dia da confe- Adson França, do ministério, diz
participaram da conferência. rência, nos reunimos e contamos 60 que são 200 mortes por ano no
Vejo esta decisão como a ca- pessoas da Pastoral. Calculo que, no país e acusa os contrários à descri-
pacidade de se entender que total, nosso grupo era formado por minalização de acharem que esse
um problema de saúde pública cerca de 200 pessoas ligadas à igreja, número é pequeno.
não se resolve com uma ação a movimentos de defesa da vida e a Para nós, esse número é me-
pontual, mas com uma lógica de outras congregações religiosas. nor. Mas independentemente disso,
prevenção, de educação, de qualidade nós defendemos a vida de todos. As
do atendimento à mulher. Este assunto Vocês se articularam com outros mortes poderiam ser evitadas com
não pode ser visto de modo isolado. grupos, então... um bom pré-natal, no qual a mulher
Sim, procuramos o pessoal do receba informações sobre a gestação,
O Sr. considera o aborto uma questão movimento indígena, com quase 100 sobre as possibilidades de uma criança
de saúde pública? pessoas, que pensam como nós. trazer alegria... (B.C.D.)
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Plenária final
Os sem-debate
E m 2005, foram registradas 150 tava os braços pela vitória da igreja, negam que seja um problema de saúde
mortes em decorrência de que distribuía farto material contra a pública porque, para eles, 200 é um
aborto no país, informa Fátima Ma- legalização do aborto. A poucos metros número pequeno”, comentou.
rinho, da Secretaria de Vigilância de distância, o diretor do Departamento No almoço, começaram os primei-
em Saúde. O DataSUS calcula 96. de Ações Programáticas e Estratégicas do ros protestos exigindo debate na ple-
A diferença no número deve-se ao Ministério da Saúde, Adson França, que nária final. No restaurante improvisado
fato de que o DataSUS leva em con- coordena o Pacto Nacional pela Redução no centro do pavilhão, 15 jovens circu-
ta apenas a causa básica das mor- da Mortalidade Materna e Neonatal, criti- laram com adesivos em forma de cruz
tes, enquanto a secretaria analisa cava o resultado e a ausência de debate. sobre a boca, segurando cartazes nos
todo o atestado de óbito. Em 2006, “A essa altura, depois de três dias de dis- quais se liam frases como “Novo debate
houve 232.716 internações por cussão, não haveria mudança significativa só daqui a quatro anos; vai esperar?”,
gravidez terminada em aborto, o de opinião”, alegou Clóvis. “A conferência não é viagem nem folia;
que corresponde a 10% das interna- De acordo com Adson, a decisão sem debate não há democracia” e “O
ções de mulheres (excetuando-se foi muito disputada, por isso, merecia SUS não se faz sem debate”.
partos). Desse número, estima-se contagem dos votos. “Havia um grupo
que 3 mil tenham sido por abor- de pessoas contrárias à medida sentado JORNADA NOITE ADENTRO
tos provocados. Esses dados não estrategicamente nas cadeiras mais O relógio marcava quase 3 da
costumam ser divulgados pelo próximas ao palco”, desconfiou. Mesmo tarde e a movimentação pós-almoço no
risco de punição às pacientes (um com a supressão da proposta, disse, o auditório crescia. Enquanto os borrifa-
deputado do DEM, ex-PFL, já pediu governo segue reafirmando que o aborto dores de água amenizavam o calor e a
a lista de nomes dessas mulheres é um problema de saúde pública, já que pouca umidade de Brasília, a plenária
para levá-las à prisão). mata 200 mulheres por ano no país, a aguardava o início dos trabalhos ao som
maioria com baixo rendimento familiar, de música popular brasileira. “Bobeira
ENTREVISTA
Armando Raggio
ENTREVISTA
Telia Negrão
“A conferência adiou o
debate, mas ele voltará”
Sem dúvida é um avanço o reco-
calcada na fé cristã, igualando a luta fala em milhares, o Datasus informa submeter ao senso comum aquilo que
das mulheres pela sua autonomia no 96 mortes em 2005, os conserva- cabe apenas à mulher opinar e decidir.
exercício da sexualidade e da reprodu- dores afirmam que não é questão Trata-se de um direito. Obviamente
ção a assassinatos. O difícil para esses de saúde pública por se tratar de isso implica vivermos numa sociedade
setores é responder, sem desqualificar “poucas mortes”. Não é importante democrática, que reconhece direitos
as mulheres e os profissionais de saúde aclarar esses números? humanos, reconhece o direito das mu-
que têm postura mais democrática, so- Os números sobre morte materna lheres à autonomia, reconhece os direi-
bre as mortes maternas provocadas por e aborto serão sempre contestados tos sexuais e os direitos reprodutivos.
abortos clandestinos e inseguros, sobre porque é um fenômeno invisibilizado e Sabemos que este é um tema bastante
as gestações impostas pela violência se- naturalizado. Morrer de morte materna difícil de ser debatido, e também que
xual dentro de casa por maridos e com- faz parte da missão sagrada das mulhe- uma consulta à população pode trazer
panheiros agressores. Para eles — que res de dar a vida para proporcionar vida resultados surpreendentes, pois o voto
se dizem defensores da vida, e para nós a outro. E depois não se trabalha com é secreto.
são os pró-morte —, a vida das mulheres estatísticas, senão com estimativas, pois
não tem nenhum valor. Quanto aos ou- há subnotificação. Há, por exemplo, di- Os conservadores afirmam que a
tros setores, sabemos que sua intenção vergência quanto à magnitude do aborto maioria é contrária...
era buscar apoio onde houvesse para no Brasil, cujas estimativas oscilam de 1 Segundo pesquisas realizadas mui-
derrotar uma proposta do governo, e milhão e meio de abortos a 800 mil. Já to recentemente, entre aquilo que os
para tanto passaram por cima de uma as mortes maternas, numa média, ficam católicos fazem e o que eles dizem que
agenda histórica do feminismo. Mas em 55 a cada 100 mil nascidos vivos, ou fazem há uma distância muito grande.
isso deverá passar por uma reflexão, seja, mera estimativa, não a partir do Daí porque a própria Igreja Católica foi
com certeza, pois esses delegados têm número de mulheres em idade fértil, mas contra a idéia do plebiscito. Mais inacei-
bases e serão cobrados. pelo número de bebês que nasceram. tável para nós é fazer uma consulta sobre
As mortes por aborto constituem da este tema ao lado do casamento entre
As perspectivas de legalização do aborto primeira (Salvador) à quarta causa (na- homossexuais, minoridade penal, des-
estão mais distantes depois da 13ª, ainda cional) de morte materna. No entanto, criminalização das drogas... a sociedade
por cima com o parecer do Mudalen? as mortes maternas no Brasil são ainda não teria condições sequer de formar
Serão tempos difíceis pela frente? desconhecidas quanto ao seu verdadeiro uma opinião. Esta situação é diferente da
Os tempos nunca foram fáceis para número porque não se computam dados de Portugal, onde, apesar de o resultado
as mulheres e no ano de 2007 também de mulheres que morrem em zona rural, do plebiscito ter sido contrário ao aborto,
não foram, pois a presença do papa floresta, sertão, fronteiras etc., mesmo por abstenção, o país era um dos últimos
reforçou o conservadorismo de muitos fazendo-se a correção, e os registros de da Europa a não adequar sua legislação
setores da sociedade, que se sentiram causa mortis são camuflados. As mulhe- sobre direitos sexuais e reprodutivos, ou
com legitimidade para ameaçar os di- res morrem por aborto (hemorragias, seja, estava mais atrasada em termos
reitos humanos das mulheres. No Estado infecções, falência geral dos órgãos) e de costumes. Foi por isso que o gover-
brasileiro temos áreas extremamente in- registra-se como causa não o aborto, mas no, mesmo sem o apoio do plebiscito,
fluenciadas pelas idéias religiosas, entre a causa final. Sendo assim, os números legalizou o aborto, para elevar Portugal
os quais o Judiciário e o Legislativo em só podem ser maiores, nunca menores à condição de país moderno, civilizado,
todos os níveis. A votação na conferência quando se trata de morte por aborto. que respeita os direitos humanos.
adiou o debate por mais um tempo, mas
ele voltará. De mais a mais, o Brasil Até quando aborto vai ser questão
Esses
é signatário de convenções e tratados de opinião neste país?
internacionais nos quais se compromete Não se trata de opinião, pois
com a descriminalização do aborto. A posso ser favorável ao aborto e nunca
delegados
39ª Sessão da Convenção Cedaw sobre a fazê-lo e ser contra e precisar dele
eliminação das discriminações contra as e realizar a interrupção. O aborto é
mulheres recomendou mais uma vez que o uma questão de saúde pública, de
têm bases
governo tome medidas concretas, isso foi justiça social e de direitos humanos.
reafirmado pela 2ª Conferência Nacional Enquanto os setores conservadores
de Políticas para as Mulheres. continuarem mandando neste país, será
serviço
PUBLICAÇÕES
9º Congresso Endereços
Brasileiro de Gestão em saúde
Medicina de Edufba
Família e SUS: o espaço da Livraria 1: Rua Augusto Viana,
Comunidade gestão inovada Canela, estacionamento da
e dos consensos Reitoria da UFBA, Salvador
Pós-tudo
Um confronto anunciado
farmacêutico e líder lemas não resolvidos, por exemplo,
sindical potiguar Fran- na promoção de falsas expectativas
cisco Batista Junior. nos participantes dos conselhos de
Os vários conse- saúde quanto a um suposto poder
lhos de políticas sociais autônomo de decisão sobre a política
existentes no Brasil de saúde, bem como na constituição
(além da Saúde, Edu- dos conselhos como meros fóruns de
cação, Meio Ambiente, debates focados na ideologia, no cor-
Criança e Adolescente, porativismo e no partidarismo. O que
Previdência Social, Di- eles deveriam ser de fato: organismos
reitos Humanos, Desen- de formulação, apoio e sustentação
volvimento Social e outros) têm como estratégica de políticas de interesse
Flavio Goulart* aspectos comuns a vinculação ao Poder coletivo, necessariamente vinculados
Executivo, com a presidência exercida ao Estado. Assim, resta uma grande
H
á alguns meses, publiquei pelo ministro ou dirigente de confiança distância entre o idealizado e o real,
no Correio Braziliense um deste, o estatuto de política de governo, ou entre o ideológico e o jurídico-
artigo no qual alertava os atributos de instância de consulta, administrativo e essas disjunções
para problemas relativos acompanhamento e formulação de polí- acarretam enormes prejuízos para as
aos conselhos de saúde implantados ticas, com o poder deliberativo atrelado práticas de participação em saúde.
no país pela Lei 8.142/90, ou seja, de a diretrizes previamente estabelecidas Corajoso, mais uma vez, foi o
que estariam abrigando uma espécie em leis e normas. A saúde se configura ministro Temporão, que em outro
de quarto poder, ao arrepio das leis vi- como exceção, não só por ter a presidên- momento enfrentou dogmas religiosos
gentes, bem como sobre o surgimento cia exercida por um ator externo, mas e agora se dispõe a resistir a dogmas
de certas tendências preocupantes, também por sua paridade auto-regulada, corporativos, ao sugerir ao farmacêu-
por exemplo, sua transformação em pela escolha direta de conselheiros a tico Batista Junior que sua vontade de
meros fóruns de debates, sua “parla- partir das bases, e por um forte discurso criar leis seja canalizada através de
mentarização”, a profissionalização de autonomista, que se estende até mesmo um cargo no Legislativo. Afinal, o ver-
seus conselheiros, além de uma inédita à reivindicação de autonomia orçamen- dadeiro e final poder de deliberação é
e radical auto-regulação. tária e administrativa. atributo do Executivo, como afirmam e
A matéria do dia 17 de novembro, Batista Junior declara sua oposi- reafirmam as leis. Isso não impede que
neste mesmo jornal, intitulada “Troca ção ao projeto do Ministério da Saúde outras tarefas, também nobres, possam
de farpas entre Temporão e CNS” veio que cria as Fundações Estatais de e devam ser assumidas pelos conselhos,
demonstrar que as preocupações mani- Direito Privado. Até aí, nada demais, de acordo com o que está referido na
festadas no texto anterior não só eram seria um direito seu, como cidadão. Resolução 333 do próprio CNS: formular,
procedentes, como já se prenuncia O problema é que, no caso, ele está mobilizar, fiscalizar, discutir, opinar,
uma era de confrontos entre o Execu- inserido na máquina governamental, propor, exercer visão estratégica.
tivo e o Conselho Nacional de Saúde. como dirigente de um órgão que se Há novos tempos na saúde e
Falo das duas entidades como perten- situa, de fato e de direito, na esfera a sociedade brasileira deseja mu-
centes a esferas distintas — o que não do Executivo. Também não haveria danças. É preciso ultrapassar os
é verdade — apenas para reforçar o nada demais em sua opinião, se ela movimentos puramente ideológicos,
que a realidade vem demonstrando, não refletisse um viés sindicalista e típicos (e necessários) nos anos de ar-
por exemplo, com a emergência do corporativista, o que, aliás, tem preva- bítrio, em direção à ação política não
atual conflito, que talvez seja apenas lecido nas discussões sobre o referido mais num ambiente de competição
o primeiro de uma longa série. projeto, longe, portanto, do interesse partidária e ideológica e de temor
O CNS tem uma prerrogativa pra- maior da sociedade brasileira, à qual, de conspiração, mas de construção
ticamente exclusiva quando comparado por princípio, um presidente de con- solidária do bem comum.
aos demais conselhos de políticas sociais selho nacional deveria
no Brasil: sua presidência não é exercida estar atento.
por um ator governamental, do estatuto Seriam essas
de um ministro de Estado ou de um prerrogativas e este
funcionário graduado, mas sim por uma ineditismo de práticas
liderança da sociedade civil, no caso o vigentes no CNS van-
tajosos para a área da
saúde? Não necessaria-
* Médico, doutor em Saúde Pública, profes-
sor-titular (aposentado) da Universidade de mente. Se há avanços
Brasília (UnB); texto publicado no site do na participação em
Cebes em 26/11/07 (www.cebes.org.br/) saúde, há também di-