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Nº 72 • Agosto de 2008

Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos


Rio de Janeiro, RJ • 21040-361
w w w. e n s p . f i o c r u z . b r / r a d i s

SAÚDE
DIREITO DE TODOS
DEVER DO ESTADO
Manchetes
comercialização
Página 7 da Súmula nº 22 (maio-junho/1988) de sangue e deri-
vados. “É melhor
• PRIVATIZAR OU ESTATIZAR A ÁREA DE SAÚDE criarmos a Sangue-
É DILEMA QUE CONSTITUINTE VAI DEBATER brás do que aidé-
Os limites de atuação do em- ticos, sifilíticos e
presariado na área do atendimento chagásicos”, retru-
médico estão em jogo. Nesta semana, cou o líder do PCB,
o Congresso Constituinte deve votar o deputado Roberto
capítulo da Seguridade Social, que inclui Freire (PE). (Jornal
as seções de saúde, previdência do Brasil, 18/5)
e assistência social. Dois projetos
se contrapõem: o da Comissão de • NOVO MODELO
Sistematização e o do Centrão. DE SAÚDE É
(Folha de S.Paulo, 3/5) APROVADO
Ao confirmar
• LOBISTAS DA SAÚDE APELAM PARA ontem em plená-
IMPACTO rio que a saúde é direito de todos e • BENEFÍCIOS SUBIRÃO ATÉ 200%, AVALIA
Quando amanhã o líder do PTB, dever do Estado, a Constituinte, além A PREVIDÊNCIA
deputado Gastone Righi, estiver a de acatar a decisão máxima da 8ª Con- Os benefícios terão aumento de
caminho do plenário para defender a ferência Nacional de Saúde, acertou até 200% com a decisão da Constituin-
livre iniciativa no setor saúde, enfren- o passo rumo à completa modificação te de redefinir a fórmula de cálculo
tará um lobby inédito na Constituinte. do atual sistema em que opera o setor. das aposentadorias e pensões. A esti-
Em vez dos conhecidos lobistas de (Correio Braziliense, 18/5) mativa preliminar é do Ministério da
terno e gravata, ele ouvirá pessoas Previdência. (Globo, 19/5)
conhecidas, como Fernanda Monte- • PAPEL DA INICIATIVA PRIVADA É
negro e Herbert de Souza, o Betinho, PRESERVADO • PARA DIRETOR DA HOECHST, SANGUE
que apresentarão suas mensagens num “Está preservado o relevante FOI “ESTATIZADO”
telão instalado no corredor de acesso papel da livre iniciativa da área de Entidades médicas e a indústria
ao plenário. (Jornal do Brasil, 4/5) saúde. Ela poderá atuar de forma farmacêutica interpretam de forma
complementar, nas ações básicas de diferente o trecho relativo à comercia-
• PLENÁRIO APROVA UNIFICAÇÃO DA SAÚDE saúde, colaborando decisivamente lização do sangue no texto aprovado
Num clima de euforia, o plenário para o bem-estar de nossa gente”. na terça-feira pelo Congresso Cons-
aprovou ontem por acordo de lideran- São palavras do deputado federal tituinte. O diretor do departamento
ças todo o capítulo que trata da saúde, Antônio Carlos de Mendes Thame de marketing da Hoechst do Brasil,
criando o Sistema Único de Saúde na (PFL-SP), que julga certo o Estado médico Eldo Amilcar Franchin, afirma
esfera pública. Ele prioriza as ações assumir não apenas a normatizacão que ela é estatizante. Já para Celso
preventivas, sem prejuízo das assisten- mas também a execução de todas as Guerra, diretor da Associação Paulista
ciais. As instituições privadas participa- atividades produtivas e de prestação de Medicina, vale o espírito da lei,
rão de forma complementar, através de de serviços à população, ressalvan- que seria o de reforçar o sentimento
contrato ou convênio. (Globo, 18/5) do os direitos da iniciativa privada. nacional contra a doação remunerada.
(Correio Braziliense, 18/5) (Folha de S. Paulo, 19/5)
• CONSTITUINTE PROÍBE TODA
COMERCIALIZAÇÃO DO SANGUE • CONSTITUINTE BENEFICIA APOSENTADOS • MINISTRO QUER DISCIPLINAR A
Gritando o slogan “Salve o Sangue A Constituinte definiu ontem a PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE
do Povo Brasileiro”, cerca de 70 médicos seção da Previdência Social, assegu- O ministro da Saúde, Borges da
e sanitaristas comemoraram nas galerias rando aos aposentados e pensionistas Silveira, elogiou ontem o texto da
a decisão da Constituinte de proibir importantes conquistas, como a apo- seção Saúde, aprovado pelo Congresso
definitivamente a comercialização de sentadoria proporcional aos 30 anos Constituinte na última terça-feira, mas
sangue por 313 votos contra 127 e 37 para homens e 25 anos para mulhe- criticou a forma de implantação do
abstenções. (Jornal do Brasil, 18/5) res, o 13° salário igual ao provento Sistema Unificado e Descentralizado de
de dezembro e a garantia de que os Saúde (Suds) nos estados e municípios.
• “SANGUEBRÁS” TEM IRONIA E APLAUSO benefícios nunca serão menores que o Segundo ele, não há um comando único
“Criaram hoje a Sanguebrás”, salário mínimo. Os deficientes físicos e a nível federal porque “ninguém quer
comentou o deputado Bonifácio de An- os idosos que não tiverem meios para perder poder. Precisamos disciplinar
drada (PFL-MG), após a aprovação pela se manter receberão mensalmente um isso e implantar o sistema”, afirmou o
Constituinte da emenda que proíbe a salário mínimo. (Globo, 19/5) ministro. (Folha de S. Paulo, 19/5)
®

editorial
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Nascimento e crítica de um sonho


Comunicação e Saúde
audosismo, descrédito, realismo e para enfrentar a tropa de choque do
S esperança estão presentes nesta edi-
ção, cuja matéria de capa dividimos em
Centrão — uma aliança de latifundi-
ários, reacionários e parlamentares
• Manchetes 2

Editorial
três partes, para contar com pungente de aluguel. Baniram da Constituição
saudade a bela luta de duas décadas até a Reforma Agrária, colocando o Bra- • Nascimento e crítica de um sonho 3
inscrever-se o ideário da Reforma Sanitá- sil centenas de anos atrás de outras
ria na Constituição, analisar criticamente nações, aumentando a injustiça e a Cartum 3
o nivelamento por baixo que tomou violência no campo.
conta do Sistema Único de Saúde real e O jornal Proposta, do RADIS, co- Cartas 4
avaliar os desafios do projeto a concluir briu de perto e influenciou os debates
para que o sonho civilizatório e solidário de então. Registrou, por exemplo,
da saúde para todos se realize. o lobby voluntário de figuras como
A Constituição foi construída no Fernanda Montenegro e Herbert de
contexto de uma sociedade com sede Souza, o Betinho, nos corredores da Súmula 6
de participação ao emergir da ditadura Constituinte, em prol do SUS e de
militar. Avançou nos direitos sociais e “salvar o sangue do povo brasileiro”.
na proteção ambiental, mas manteve Apresentada em 1991, a lei que ratifica Radis adverte 8
inalteradas as bases econômicas da a proibição do comércio do sangue
desigualdade. Saudada por belos dis- só foi aprovada em 2001. Hoje, dá Toques da Redação 9
cursos como o de Ulysses Guimarães, desgosto ver a corrida de atores e des-
foi atacada desde o início — a começar portistas empurrando medicamentos Direito de todos, dever do Estado
pelo então presidente, José Sarney — e em anúncios de TV.
• A saúde em construção 10
prejudicada pela não-regulamentação Para o presidente do Conselho
• Constituinte 1987/1988 — Pungente
de numerosos dispositivos, numa negli- Nacional de Saúde, o controle social saudade 12
gência consciente do parlamento. ainda é um “faz de conta” na maioria
• O capítulo da saúde na Constituição
Com o SUS, instituído pela Cons- dos municípios e estados. Francisco de 1988 25
tituinte, não foi diferente. Festejado Júnior propõe defesa radical desse • O sistema de saúde real — Nivelamento
em sua origem e aperfeiçoado em sua princípio: acionar na Justiça o gestor por baixo 26
descentralização país afora, foi sabota- que não cumpre as leis que garantem • O sistema de saúde ideal — Projeto
do de diversas formas durante 20 anos. a participação popular. a concluir 30
Financiamento indefinido, força de Na avaliação de outra fonte fre-
trabalho precarizada, crescente repasse qüente em nossas páginas há um direi- Serviço Especial 34
de recursos à rede privada e insuficiente to que não está inscrito entre tantos
investimento na rede pública. Nenhum na Constituição. Quando compara o
governo teve vontade ou sucesso em SUS incompleto de hoje à precarieda-
substituir o modelo da doença centrado de da Saúde de antigamente, o super
em hospitais, médicos e medicina cura- crítico mas esperançoso sanitarista Pós-Tudo Especial
tiva. A sociedade desconhece o SUS e não Gilson Carvalho lembra: só não temos • Ulysses 35
sabe que deve exercer seu controle. “o direito de desanimar”.
Na Constituinte, o sonho da
Reforma Sanitária contagiou até de- Rogério Lannes Rocha
putados e senadores conservadores Coordenador do Programa RADIS Capa e lustrações Aristides Dutra (A.D.)

Cartum
A.D.
RADIS 72 • AGO/2008
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cartas

TUBERCULOSE Pelo esforço da coordenação do No nível internacional o Brasil


Programa Nacional de Controle da melhorou sua posição no ranking dos 22
Tuberculose (PNCT), o controle da tu- países de maior carga da tuberculose,
berculose foi incluído nas prioridades saindo de 14º para 16º, retomando sua
de governo em 2003, o que se mate- credibilidade técnica e política. Como
rializou em apoio político e financeiro. conseqüência, obtivemos aprovação de
Com esses recursos, o Ministério da projeto junto ao Fundo Global para Aids,
Saúde, em parceria com estados e Malária e Tuberculose no montante de 27
municípios, expandiu o combate à tu- milhões de dólares, sem contrapartida
berculose, logrando alcance das metas para os cofres nacionais. Este recurso vai
preconizadas no Plano Nacional de acelerar as metas do Brasil rumo aos Ob-
m seu número 69, de maio, Radis Saúde e no Plano Plurianual do governo jetivos do Milênio das Nações Unidas, e
E afirma que os recursos emprega-
dos pelo governo federal no controle
federal para o período.
Posto em prática, o plano nacional
está sendo empregado para o combate à
tuberculose em regiões metropolitanas,
da tuberculose nos últimos anos são de combate à tuberculose obteve con- atendendo populações de comunidades
parcos. Em apoio a esta tese, cita cretos resultados. Foram capacitados 68 carentes, portadores do HIV, população
artigo de minha autoria, publicado mil profissionais de saúde no combate carcerária e população de rua, além de
na edição suplementar de setembro à doença. Houve aumento das taxas de reforçar a participação dos movimentos
de 2007 da Revista de Saúde Pública, cura dos pacientes e redução à metade sociais na luta contra a doença.
da USP (www.fsp.usp.br.rsp). Uma das taxas de abandono do tratamento. Estamos de pleno acordo com Radis
leitura mais atenta do citado artigo Os coeficientes de mortalidade e adoe- quando se posiciona da necessidade
elucida equívoco cometido por Radis. cimento tiveram redução importante. A de garantir mais recursos para a saúde
Na verdade, o montante de recursos sociedade civil foi incluída, a partir da pública brasileira, e em especial para o
empregados no período de 2004-2007 criação, pelo Ministério da Saúde, da combate à tuberculose. Muitos desafios
foi de 120 milhões de reais, e não Parceria Brasileira Contra a Tuberculose. deverão ser vencidos, notadamente a
20 milhões de reais, como citado na Houve ampla mobilização dos técnicos redução da pobreza e das desigualdades
matéria. Houve, portanto, um incre- e dos secretários de Saúde dos estados sociais, manutenção da prioridade polí-
mento considerável na aplicação de e municípios, constituindo uma frente tica pelas autoridades brasileiras com a
recursos no período. nacional de combate à doença. ampliação do investimento e uso eficaz
da verba pública no combate a uma
doença que já deveria ter sido vencida
pelo nosso país. Atenciosamente,
expediente •Joseney Santos, Departamento de
Monitoramento e Avaliação da Gestão
do SUS, Secretaria de Gestão Estra-
tégica e Participativa, Ministério da
Saúde; ex-coordenador do Programa
Nacional de Controle da Tuberculose/
RADIS é uma publicação impressa e on- Reportagem Katia Machado (subeditora), Adriano Ministério da Saúde
line da Fundação Oswaldo Cruz, editada De Lavor, Bruno Dominguez e Roberta Pio
pelo Programa RADIS (Reunião, Análise e (estágio supervisionado)
Nosso prezado missivista tem toda
Difusão de Informação sobre Saúde), Arte Aristides Dutra (subeditor) e Dayane Pereira
da Escola Nacional de Saúde Pública Martins (estágio supervisionado) a razão: foi um lapso crasso de digi-
Sergio Arouca (Ensp). Documentação Jorge Ricardo Pereira, Laïs tação, pelo qual pedimos desculpas,
Tavares e Sandra Suzano Benigno já corrigido nas versões online e em
Periodicidade mensal
Tiragem 64.000 exemplares Secretaria e Administração Onésimo Gouvêa, Fábio .pdf da revista.
Assinatura grátis Renato Lucas e Cristiane de Matos Abrantes
(sujeita à ampliação do cadastro) Informática Osvaldo José Filho e Tiago Souza
de Oliveira (estágio supervisionado)
Presidente da Fiocruz Paulo Buss ostaria de parabenizá-los pelo tra-
Diretor da Ensp Antônio Ivo de
Carvalho
Endereço
Av. Brasil, 4.036, sala 515 — Manguinhos
G balho e agradecer por nos manter
“antenados” na área da saúde. A matéria
Rio de Janeiro / RJ • CEP 21040-361
Ouvidoria Fiocruz Tel. (21) 3882-9118 • Fax (21) 3882-9119 sobre tuberculose nos possibilitou ver o
Telefax (21) 3885-1762 quanto esta patologia ainda está presen-
E-mail radis@ensp.fiocruz.br
Site www.fiocruz.br/ouvidoria
Site www.ensp.fiocruz.br/radis (a seção Radis na Re- te e estigmatizada em nossa sociedade.
PROGRAMA RADIS de é semanal; Últimas Notícias atualiza matérias • Rodrigo Jácob Moreira de Freitas,
Coordenação Rogério Lannes Rocha da edição impressa; Exclusivo para web contém
informações adicionais às matérias publicadas)
Apodi, RN
Subcoordenação Justa Helena Franco
Edição Marinilda Carvalho Impressão Ediouro Gráfica e Editora SA
omo é bom participar da equipe
USO DA INFORMAÇÃO — O conteúdo da revista Radis
pode ser livremente utilizado e reproduzido em
qualquer meio de comunicação impresso, radiofôni-
responsáveis pelas matérias reproduzidas. Solicitamos
aos veículos que reproduzirem ou citarem conteúdo
de nossas publicações que enviem para o Radis um
C Radis, colocando nossa opinião em
relação aos temas que fazem parte do
co, televisivo e eletrônico, desde que acompanhado exemplar da publicação em que a menção ocorre, as
dos créditos gerais e da assinatura dos jornalistas referências da reprodução ou a URL da Web. nosso contexto. Sobre a infecção pelo
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bacilo de Koch (tuberculose), concordo DENGUE controle social efetivo — a capacitação


plenamente com o ponto de vista da dos conselheiros de saúde. Realizamos
Radis. Meu cunhado infectado pela i a matéria sobre a dengue na Radis de forma autônoma um processo de
bactéria (três anos atrás) não estava
informado do perigo que a doença traz e
L nº 69. Sou médica e trabalho com
saúde indígena no Rio Grande do Sul
capacitação para todos os conselheiros
que foi muito gratificante, não foram
sua relação com a condição de vida. Mas há quatro anos. Estive trabalhando necessários grandes recursos e, confor-
hoje já vemos maior conscientização da como voluntária pelo estado na tenda me observamos nos depoimentos dos
população, dada a importância da divul- de Santa Cruz, no Rio, no período de próprios conselheiros, o trabalho ofe-
gação da informação pela imprensa. 8 a 18 de maio. Deparei-me com uma receu aporte de conhecimentos sobre
• Mario H. Hidalgo Almeida, aluno de situação bastante preocupante. Sou a política de saúde, a organização dos
Enfermagem, Londrina, PR natural do Rio de Janeiro e há oito serviços de saúde no âmbito municipal,
anos faço saúde da família fora do os direitos dos usuários do SUS e a atua-
estado. A dengue foi negligenciada ção dos Conselhos de Saúde, muito mais
lá, família RADIS, a edição 69, consistente que as demais capacitações
O sobre tuberculose, estava impe-
cável. Um texto gostoso de ler, infor-
por todos: governo e população. Real-
mente, trata-se de um problema sério
de saúde pública, e torna-se urgente
já oferecidas. Temos todo o processo
documentado, com relatório, fotos e
mativo e bem diagramado. Continuem que se faça investimento em atenção matéria veiculada em jornal local.
mantendo o nível da publicação. Já primária se não quisermos que mais • Mickelline Chaves de Brito, Canin-
estou há três anos como assinante e pessoas morram sem atenção. dé, CE
sempre indico a revista aos alunos da O Rio herdou a saúde hospita-
monitoria aqui da universidade. locêntrica e todos os seus governos Prezada Mickelline, aguardamos
• Josenilton Matos Dias, estudante de não entenderam ainda que é preciso seu material.
Enfermagem da FTC, Jequié, BA urgentemente que se faça algo. Mé-
dicos não querem trabalhar em áreas VISÃO DE SAÚDE
de risco? Por que não oferecer mais? O
ostaria de parabenizar pela exce- om-dia àqueles que fazem a Radis,
G lente edição nº 69, parabéns mes-
mo pelas reportagens sobre amianto,
profissional de saúde da família sabe o
que é importante fazer! As faculdades
não ensinam Virologia? O profissional de
B que é sem duvida uma revista mag-
nífica que vem ajudando muito todos os
febre amarela e dengue. Sou leitor saúde da família sabe fazer o diagnóstico profissionais de saúde no Brasil. Quero
há muitos anos. Estou me formando em epidemiológico da área em que traba- agradecer de todo o coração o privi-
Enfermagem do Trabalho e faço parte da lha e estuda para que seus problemas légio de receber o primeiro exemplar
equipe de Saúde do Trabalhador de nosso de saúde sejam debelados. Enfim, por em minha casa no mês de junho. Muito
município. Não me canso de parabenizar favor! Vamos fazer valer o SUS que tanto obrigado mesmo, e que vocês continuem
pelas ótimas matérias, aplaudo de pé. queremos! Grande abraço a todos. tendo essa visão de saúde. Vocês não têm
• João Carlos Golombieski, técnico • Daniella de Almeida Fernandes, idéia de quanto são importantes para a
de Vigilância Sanitária, São Mateus Getúlio Vargas, RS realização de programas de saúde pública
do Sul, PR neste país. Um grande abraço e espero
NA PAUTA ansiosamente os próximos exemplares.
SAÚDE MENTAL • Alexandre Bonfim, enfermeiro, Cam-
ostaria de ler acerca da vigilância pina Grande, PR

G ostaria de comentar a matéria


“Ataque à reforma psiquiátrica”,
G em saúde no Estado do Rio, mais
precisamente sobre a implantação do EM DOBRO
da revista nº 67. Acho que o caminho é Vigisus. Na qualidade de sanitarista e
este, principalmente a humanização no lá, bom-dia ao pessoal da Radis! Sou
atendimento dos doentes. Nós estamos
tendo resultados surpreendentes com
ex-aluno da Ensp, aproveito a oportu-
nidade para parabenizar os idealizado-
res da Radis pela grande relevância dos
O assinante da revista há pouco mais
de seis meses e desde março estou rece-
pacientes tratados nesta unidade desde temas abordados em todas as edições, bendo dois exemplares. Pensei que fosse
novembro de 2007, quando inauguramos ressaltando sua importância no avanço engano na primeira vez, mas depois de
(população do município: 49 mil habitan- da Saúde Pública no nosso país. três meses resolvi entrar em contato
tes). Mas o que eu gostaria de colocar é o • Alexandre Santos Ditta, Rio de para que esse exemplar possa oferecer
descaso do Ministério da Saúde. Primeiro Janeiro a outra pessoa o mesmo conhecimento
somos incentivados a implantar o serviço, que me proporciona. Quero parabenizá-
depois nos esquecem. Se não fosse a boa los pelas ótimas matérias.
vontade do prefeito, o Caps já estaria stou cursando Ciências Biológicas e • Rachel de Souza Angelete, Vitória
desmontado, pois o credenciamento até
hoje não saiu. A informação que temos é
E tenho muito interesse em informa-
ções sobre as parasitoses, principal- A Radis agradece pela solidarie-
sempre a mesma: falta de orçamento. Sa- mente sobre a leishmaniose visceral. dade!
bemos também que outros municípios de • Romilda Narciza M. de Queiroz,
Santa Catarina já estão desmontando as Campina Grande, PB
NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA
equipes pela falta de verba. Ficamos in-
dignados com a propaganda do governo, A Radis solicita que a correspondência
pois quem está fora acha que é verdade ou secretária executiva do Conselho dos leitores para publicação (carta,
tudo o que falam, mas quem está bancan-
do é o município. Só não abandonamos
S Municipal de Saúde de Canindé e gos-
taria de saber da possibilidade de incluir
e-mail ou fax) contenha identificação
completa do remetente: nome, en-
o barco ainda por consideração aos tão uma experiência exitosa realizada aqui dereço e telefone. Por questões de
carentes doentes. no município, que pode contribuir em espaço, o texto pode ser resumido.
• Marlene Pschei, Rio Negrinho, SC muito para um dos maiores entraves ao
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Súmula

educadores da Proteção Judiciária da período entre 1996 e 2006. As ações


MENOS DESIGUALDADE, MAIS RICOS Juventude pediram seu fechamento, que mais contribuíram para esta re-
por sua “situação explosiva” (Le Monde, dução: o crescente uso da Terapia de
elo índice de Gini, o parâmetro 23/6). Numa população de 64 milhões Reidratação Oral (TRO), o aumento do
P internacional que mede a desi-
gualdade entre as classes sociais, ficou
de habitantes, a França tinha 760 jovens
presos em 1º/6/07, dos quais 180 nos
aleitamento materno, a suplementação
alimentar, a maior educação da mulher,
menos profundo nos últimos seis anos o EPMs (os demais, em alas das prisões a intensificação dos programas de imu-
abismo entre as rendas dos brasileiros comuns). A filosofia desses centros é nização contra o sarampo e as melho-
mais pobres e os mais ricos: caiu de dar resposta educativa em ambiente rias no saneamento em geral, informou
0,540 em 2002 para 0,509 em 2007. fechado a infratores de 13 a 18 anos: a Agência Nacional de Saúde.
O cálculo é do Instituto de Pesquisa semanalmente, 20 horas de estudo, 20
Econômica Aplicada (Ipea), vinculado de esportes e 20 de atividades sociais,
ao Ministério do Planejamento. com seis educadores e seis supervisores OPAS ELOGIA LEI SECA
O índice de Gini vai de zero a 1: para cada grupo de 10 detentos — cada
quanto maior, mais próximo da desigual- estabelecimento comportaria no má- Opas/OMS cumprimentou o governo
dade extrema. Até 2010, o índice deve
chegar a 0,49, o menor desde 1960,
ximo 60 jovens. Mais de 90 milhões de
euros foram gastos na construção dos
A brasileiro, em carta ao presidente
Lula e ao ministro José Gomes Tem-
afirmou o economista Marcio Pochmann, seis EPMs atualmente em serviço. porão, pela promulgação da chamada
presidente da instituição. Segundo o Os resultados, para os franceses, Lei Seca (11.705/2008), que aumenta
levantamento do Ipea, divulgado em são ruins, especialmente pelo cresci- punições a motoristas que dirigem de-
23/6, os rendimentos dos trabalhado- mento da violência, sobretudo entre pois de consumir bebidas alcoólicas. No
res brasileiros estão quase 7% menos presos de gangues rivais. O suicídio de documento, a diretora da Opas, Mirta
desiguais na comparação entre o quarto um garoto de 16 anos, em fevereiro, Roses Periago, afirma que o “conteúdo
trimestre de 2002 e o primeiro de 2008, foi a gota d’água. “Enviar uma criança de vanguarda” da medida servirá de
o que significa que a recuperação da à prisão é sempre um fracasso”, afir- exemplo a outros países, nos quais a
renda dos mais pobres foi quase cinco mou ao Le Monde Hélène Franco, do questão álcool/direção virou proble-
vezes maior do que a recuperação da Sindicato da Magistratura. Para ela, a ma de saúde pública. Ela informa que
dos mais ricos. Nem por isso cresceu repressão jamais provou ser eficaz. a Opas e a OMS apóiam a medida e,
no período a participação da renda do No Brasil, segundo o Programa futuramente, difundirão os resultados
trabalho no PIB — ficou apenas estável. Nacional de Segurança Pública com Ci- entre os países da região.
“Ainda patinamos sobre esse problema: dadania (Pronasci), estavam presos em O Ministério da Saúde recebeu
a necessidade de uma melhor distribui- 2007 240 mil jovens entre 18 e 29 anos; informações de 14 unidades do Servi-
ção de renda entre trabalho, capital e 68.400 ingressam nas prisões anualmen- ço de Atendimento Móvel de Urgência
governo”, disse Pochmann. te, fora os 4,5 milhões, do total de 50,5 (Samu) que mostram redução média
No mesmo dia foi divulgado na milhões nessa faixa etária, que vivem de 24% nas operações de resgate des-
Alemanha o 12º Relatório Anual sobre no chamado “estado de risco”. de a entrada em vigor (19/6) da Lei
Riqueza Mundial, da consultoria Capge- Seca. A maior queda no atendimento
mini e do banco Merrill Lynch: no Brasil, de acidentes foi registrada pelo Samu
o número de pessoas com fortuna su- BOAS NOTÍCIAS NA SAÚDE de Niterói (RJ), de 47%. Brasília teve
perior a US$ 1 milhão (patrimônio total a segunda maior redução, de 40%, e
menos a casa em que mora) cresceu desnutrição de crianças de até 5 Porto Alegre ficou em terceiro, com
19,1% no ano passado em relação a
2006. Temos agora 143 mil milionários.
A anos caiu em mais de 50% em 10
anos, o que, somado a medidas edu-
35% de redução.

Essa taxa só foi menor que a da Índia cativas de hidratação oral e higiene,
(alta de 22,7%) e da China (+20,3%). contribuiu para a queda de 44% na “NEM PARA BICHO”
Por sinal, o relatório destaca que a mortalidade infantil. As boas notícias
maior parte dos novos milionários vem vieram da Pesquisa Nacional de Demo- relatório final da CPI do Sistema
das economias emergentes. A maior
concentração de fortunas continua
grafia e Saúde da Criança e da Mulher
(PNDS), financiada pelo Ministério da
O Carcerário, da Câmara dos Deputa-
dos, denuncia 14 estados pela precarie-
nos países ricos (Estados Unidos, 3,3 Saúde e divulgada no dia 3/7. Entre os dade das penitenciárias. Os integrantes
milhões de milionários; Europa, 3,1 avanços, estão o aumento do uso de da comissão visitaram 60 presídios em
milhões; Ásia/Pacífico, 2,8 milhões). métodos anticoncepcionais por homens oito meses e encontraram esgoto a céu
e mulheres, a melhoria da qualidade da aberto, ratos em celas, refeições servi-
gestação e do parto — com destaque das em sacos plásticos. “Grande parte
“SITUAÇÃO EXPLOSIVA” NA FRANÇA para o maior acesso de mulheres do deles não serve nem para bicho”, resu-
meio rural ao pré-natal e ao acompa- miu o relator, Domingo Dutra (PT-MA).
m ano depois da abertura do pri- nhamento na gestação —, assistência Os trabalhos da comissão devem resultar
U meiro estabelecimento penitenci-
ário exclusivamente para jovens (EPM)
médico-hospitalar mais eficiente e o
maior acesso de mulheres férteis (15
na criação de um Estatuto Penitenciário,
com regras e punições para agentes,
na França, sindicatos de juízes e advo- a 49 anos) a medicamentos — princi- estado, juízes e promotores. Segundo
gados, a Liga dos Direitos do Homem e palmente pelo SUS. A PNDS avaliou o o Ministério da Justiça, havia 422.590
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presos em 2007 nas 1.100 prisões brasi- todos os institutos especializados, tratado para as obras, e a diferença
leiras. Há carência de 185 mil vagas. entre eles o de infectologia. A unidade era rateada pela quadrilha. O ministro
tinha sete pacientes internados, que das Cidades, Márcio Fortes, atribuiu à
seriam transferidos para o Hospital Caixa a responsabilidade pela fiscali-
BAIXAS DA GUERRA do Fundão, e 356 funcionários, que zação dos contratos firmados.
integrarão outras unidades. Para a No Rio, sete pessoas foram pre-
ebês nascidos em Faluja, no Iraque, diretora do Sindsprev, Silene Souza, é sas por fraudar carteiras do SUS para
B têm apresentado deformidades em
escala nunca vista (Agência IPS, 12/6),
“absurda” essa transferência: o Fun-
dão enfrenta crise notória.
receber remédios de tratamento de
câncer num posto do Iaserj e revendê-
denunciam profissionais de saúde. Embora los ilegalmente. Policiais da Delegacia
sem confirmação de estudos científicos, de Repressão aos Crimes Contra a
o número de mortes de recém-nascidos DE SANGUESSUGA A JOÃO-DE-BARRO Saúde Pública apreenderam kits de
aumentou desde os dois bombardeios ma- remédios, avaliados em R$ 60 mil
ciços sobre a cidade em 2004. As forças cada um, e carimbos de médicos para
de ocupação, lideradas por americanos e receitas falsificadas. O bando agia há
ingleses, admitiram em 2005 que usaram 10 meses, retirava seis kits por mês e
nas bombas fósforo branco, substância causou prejuízo de R$ 3,5 milhões.
proibida pela Convenção de Genebra,
além de 1.200 toneladas de urânio
empobrecido nos mísseis. “A exposição SINDICATOS PRÓ-AMIANTO: NA OIT
materna a toxinas e material radioati-
vo causa abortos freqüentes e graves Folha (23/6) informou que foi en-
malformações congênitas”, disse um
médico. Segundo o Ministério da Saúde,
A caminhada ao Comitê de Liberdade
Sindical da Organização Internacional
o setor está sob “grande pressão”, com do Trabalho (OIT) queixa contra acordo
mortes de médicos, êxodo de pessoal, do Instituto Brasileiro do Crisotila,
infra-estrutura assistencial precária e patrocinado por 11 indústrias de
crise de medicamentos. amianto — fibra comprovadamente
uadrilha formada por deputados, cancerígena —, com sete sindica-

BAIXAS DO DESCASO
Q empresários e servidores fraudava
recursos do Programa de Aceleração do
tos de trabalhadores do setor, para
que propaguem o “uso controlado e
Crescimento (PAC) via Caixa Econômica, responsável do amianto no país”. A
m Belém do Pará, 32 bebês morreram BNDES e emendas parlamentares. A Ope- Associação Brasileira dos Expostos ao
E nos 15 dias entre 22 de junho e 6 de
julho na maternidade da Santa Casa. Fo-
ração João-de-Barro, da Polícia Federal,
desmontou o esquema, que desviou R$
Amianto (Abrea) considera essa prática
anti-sindical e decidiu recorrer à OIT,
ram 60 óbitos em um mês e meio e mais 700 milhões em sete estados e Distrito cuja convenção, assinada pelo Brasil,
de 300 em um ano. Para a Secretaria Es- Federal, envolvendo 60 empresas e 119 veda a interferência de patrões em
tadual de Saúde, as 12 primeiras mortes prefeituras. Os números da operação: entidades de empregados.
foram “uma fatalidade”. Para a direção 38 ordens de prisão, 230 mandados de Grupos defensores da proibição
da Santa Casa, o número de óbitos “está busca e apreensão — para 114 prefeitu- do amianto, advogados e procuradores
de acordo com a taxa aceita pela OMS: ras de Minas Gerais, três do Rio, uma de do Trabalho apóiam a Abrea, que relata
os recém-nascidos eram prematuros Tocantins e uma do Espírito Santo, além no documento “a omissão do Brasil no
e apresentavam má formação”. Mas de dois gabinetes de deputados federais combate às condutas anti-sindicais que
parentes dos bebês denunciaram que as de Minas, Ademir Camilo (PDT) e João vêm sendo sucessiva e reiteradamente
mortes foram provocadas pela demora no Magalhães (PMDB), e duas repartições praticadas pelas empresas ligadas à
atendimento: não havia médico nem para do Ministério das Cidades. exploração e à industrialização do
fazer os partos. O sindicato dos médicos Segundo o projeto Excelências amianto contra a organização livre e
denuncia há um ano a morte de bebês por (www.excelencias.org.br), da Transpa- espontânea de trabalhadores”.
falta de estrutura no hospital. rência Brasil, que investiga a corrup- Essa indústria, cujo representan-
ção no país, Ademir, médico e advoga- te maior é a Eternit, fabrica produtos
do, ex-secretário de Saúde de Teófilo condenados de amianto, como telhas e
ADEUS A UMA UNIDADE DE REFERÊNCIA Otoni pelo PPS, integra a Comissão de caixas d’água (Radis 29, 48, 69). José
Desenvolvimento Urbano e é suplente Roberto Santos, presidente do Sindi-
Instituto Estadual de Infecto- da de Segurança Pública e Combate ao cato dos Trabalhadores na Construção
O logia São Sebastião, no Rio de
Janeiro, antiga referência nacional
Crime Organizado. É réu na Ação Penal
nº 404/2006, do STF, por falsidade
Civil de Osasco e região, informou que,
na cidade, há 750 trabalhadores conta-
para doenças infecciosas, estava em de documento público. Magalhães, minados por amianto. “Fazer um acor-
junho à espera do fim. O Sindicato pecuarista, titular da Comissão de Fi- do para defender o uso controlado do
dos Trabalhadores em Saúde distribuiu nanças e suplente da de Constituição e amianto é imoral e ilegal”, asseverou.
nota (24/6) de protesto porque o se- Justiça, também aparece no STF como “Imoral porque não reflete a vontade
cretário Sérgio Côrtes decidiu fechar indiciado no Inquérito nº 2.427/2006, dos trabalhadores, e sim de meia dúzia
a unidade em 1º de julho, sem aviso por crime contra a lei de licitações. de sindicalistas, e ilegal porque como
a funcionários e pacientes. Segundo a Ambos negam tudo, ambos figuraram pode um acordo trabalhista valer mais
secretaria, o São Sebastião seria de- na lista dos sanguessugas (Radis 46), do que a lei estadual que proíbe o uso
sativado gradativamente por absoluta mas nada foi provado. do amianto?” O STF manteve, no início
falta de condições de funcionamento A polícia apurou que se usava de junho, a lei paulista (nº 12.684),
— está nos planos um centro reunindo material de qualidade inferior ao con- que fora contestada pela indústria.
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[ 8 ]

O amianto é proibido na maioria dos de R$ 60 milhões do Plano Plurianual do. “Se trouxer vantagens econômicas,
países industrializados. (2008-2011), do total de R$ 1 bilhão para ótimo”. O cartão francês, contudo, vem
investimentos nas ações de combate à esbarrando principalmente no temor
violência contra a mulher. geral de uma vigilância excessiva sobre
MAIS RIGOR CONTRA O ÁLCOOL Antes da lei, crimes contra mulheres os usuários. “O DMP não é um recurso de
eram julgados por tribunais especiais de controle de segurados e doentes”, reba-
Prefeitura de São Paulo baixou pequenas causas e tratados como delito teu ela ao Le Monde. “Por exemplo, os
A nova lei em junho: mercados,
bares, restaurantes e até ambulantes
de menor potencial ofensivo, como os de
trânsito. Muitas vítimas, contudo, prefe-
diabéticos, que são dois milhões em nosso
país: eles são monitorados por vários
que venderem álcool a adolescentes rem os maridos recuperados a presos. Por profissionais de diferentes disciplinas,
abaixo de 18 anos receberão multa de isso, a Secretaria Especial de Política para e o dossiê será um elemento de ligação
R$ 4.500. Na reincidência, o valor é Mulheres, da Presidência da República, para todas essas intervenções”.
dobrado; na terceira infração, o alvará decidiu acelerar a criação dos centros, Mas as objeções dos usuários têm
é cassado e o lugar, fechado. Antes, a com 13 ministérios, Poder Judiciário, Mi- sido tão fortes que o governo cedeu — o
punição era apenas multa de R$ 500. nistério Público, estados e municípios. dossiê informatizado será facultativo.
Pesquisa OMS/Unifesp revelou: 90,4% Segundo dados do Disque 180 — A ministra disse que tentará suprimir
dos bares não verificam a idade dos acionado por mulheres de todo o país da lei o artigo que prevê sanções fi-
clientes. “O alcoolismo é o terceiro —, em 2007 foram registrados 204.978 nanceiras, pela seguridade social, aos
maior problema de saúde pública no atendimentos, um aumento de 306% em usuários recalcitrantes. Criado em 2004
Brasil, perdendo apenas para os males relação a 2006. São Paulo foi o estado para lançamento em 2007 e adiado
do coração e tumores”, argumentou o com maior procura pelos serviços da para 2009, a ministra acredita agora
vereador Carlos Bezerra Jr. (PSDB), au- central, seguido pelo Rio. Em termos que o cartão em sua versão completa
tor do projeto. “É imprescindível que a proporcionais, o Distrito Federal liderou não sairá antes de 2012. Uma comissão
maior cidade do país se mobilize para a procura, seguido por São Paulo. Com o especial criada para avaliar a questão,
combater esse mal, a começar pelos auxílio desse serviço e com base na lei, já porém, é pessimista: a aceitação de-
jovens”. Serviço gratuito (0800-510- foram presos mais de 3 mil agressores. mandará pelo menos uma década.
0015) dá informações sobre alcoolismo
e indica organizações de assistência a
dependentes. BIOMAS DESTRUÍDOS MÁQUINA DE CAMISINHA NA ESCOLA

omente nos meses de março, abril e ministro Temporão anunciou (26/6)


REFORÇO À LEI MARIA DA PENHA S maio, cerca de 100 carretas com toras
cortadas irregularmente na Amazônia
O o início da produção de 400 máqui-
nas de camisinhas a serem instaladas
Lei Maria da Penha (nº 11.340/06), foram apreendidas em Brasília. A cidade nas escolas públicas que participam do
A que qualifica a violência doméstica
e familiar contra mulheres como crime,
está entre as que mais consomem madei-
ra no Brasil, anuncia matéria do Correio
projeto Saúde e Prevenção nas Escolas.
Os alunos do Cefet-SC, que venceram
ganha ações efetivas. O governo criará Braziliense (2/6). O tema preocupa: concurso para escolha do melhor mode-
Centros de Educação e Reabilitação de a venda de madeira ilegal pode gerar lo de máquina, passaram o ano fazendo
Agressores, previstos no Artigo 35 da lei, impactos significativos no desmatamento ajustes no equipamento, e 400 deles
onde os agressores deverão comparecer da Amazônia. Para os ambientalistas, é estarão prontos até dezembro. Cada
tantas vezes quanto um juiz ordenar para importante controlar o desmatamento máquina custará R$ 400, 40% a menos
participar de programas de orientação não apenas na Amazônia. No Distrito do que no mercado internacional. Le-
e reabilitação social. Os centros fazem Federal, desapareceram mais de 70% da vantamento do Ministério da Saúde em
parte do Pacto Nacional de Enfrentamen- cobertura original do Cerrado. O apare- 135 escolas públicas de 33 municípios,
to à Violência contra Mulheres, lançado cimento da hantavirose no DF é um dos com jovens de 13 a 24 anos represen-
em agosto de 2007, com gastos previstos exemplos de problemas de saúde deriva- tando 102 mil alunos, revelou: 47% dos
dos da destruição do bioma: os ratos que estudantes pesquisados já têm vida
transmitem a doença — que tinham como sexual ativa; 89,5% dos entrevistados
RADIS COMEMORA habitat a área de Cerrado — passaram a consideraram essa uma “idéia legal”;
buscar alimento nas cidades, levando à 65% dos pais ouvidos também aprova-
Saúde da Família transmissão do vírus da doença. ram; 9,7% dos alunos disseram não ter
dinheiro para comprar camisinha.
15 ANOS
AQUI COMO LÁ, CARTÃO EMPERRADO
Parabéns aos profissionais MUDANÇAS NA PROPAGANDA DE REMÉDIOS
da ESF, determinados a ão é só no Brasil que o cartão de
cuidar bem dos brasileiros! N saúde informatizado tropeça em
embaraços técnicos e principalmente J á que não foi possível até agora proi-
bir a propaganda de medicamentos
éticos. A França desistiu em junho de na mídia, o remédio é minimizar seus
tornar obrigatório o “dossiê médico pes- efeitos colaterais. Os atores que fazem
soal” (DMP), como eles chamam o Cartão comerciais de comprimidos, xaropes e
SUS de lá. A ministra da Saúde, Roselyne pomadas deverão declamar suas prin-
Bachelot, criticou a idéia original do cipais contra-indicações, conforme
dossiê, concebido no governo anterior prevê nova regulamentação da Anvisa
como ferramenta econômica que evitaria atualmente em discussão. Os técnicos
desperdício de ações. Para ela, o cartão sanitários escolheram 45 princípios
é um instrumento de qualidade do cuida- ativos presentes na fórmula dos medi-
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camentos vendidos sem receita e, para


cada um, foi elaborada mensagem de
alerta sobre efeitos adversos.
“A publicidade para o público em
geral deveria ser inexistente”, resumiu
o presidente da Sociedade Brasileira
de Vigilância de Medicamentos, José colonial; paradoxalmente, Garrincha,
Rubem Bonfim. Para a Associação arruinado desde a infância pela miséria
Brasileira de Medicamentos Isentos e a poliomielite, nascido para a desdita,
de Prescrição, as novas normas “são foi o jogador que mais alegria ofereceu
impraticáveis e ferem a liberdade ESTÃO APRENDENDO... — Notinha em toda a história do futebol; e, para-
de comunicação”, como virou moda no Globo (26/6) informa: a gigante doxalmente, Oscar Niemeyer já cumpriu
argumentar contra qualquer tentativa GlaxoSmithKline revisou o contrato de 100 anos de idade e é o mais novo dos
de freio aos atentados à saúde pública fornecimento dos anti-retrovirais aba- arquitetos e o mais jovem dos brasi-
que praticam a indústria do álcool, do cavir e fosamprevanir com o Ministério leiros”. E mais: “Esta nossa região faz
cigarro, de remédios. da Saúde. Os preços terão desconto de parte de uma América Latina organizada
A publicidade de medicamentos 25% e 19%, respectivamente. para o divórcio de suas partes, para o
é regulamentada por resolução de ódio mútuo e a mútua ignorância. Mas
2000, em fase de atualização há VITÓRIA ARMAMENTISTA — A Corte só existindo juntos seremos capazes de
quatro anos, com discussões entre Suprema dos EUA decidiu, por 5 votos a descobrir o que podemos ser, contra uma
Anvisa, publicitários e indústria far- 4, que ter arma é direito do indivíduo, tradição que nos treinou para o medo, a
macêutica — que investe em propa- conforme a Segunda Emenda da Cons- resignação e a solidão e que a cada dia
ganda R$ 900 milhões por ano. tituição. A decisão manteve sentença nos ensina a não gostarmos de nós mes-
de tribunal federal de recursos, segun- mos, a cuspirmos no espelho, a copiar
do a qual a rígida lei de armamento em vez de criar”. Trecho do discurso
DENGUE MATOU 142 NO RJ do Distrito de Columbia extrapola os Collar de historias do escritor uruguaio
limites constitucionais. Eduardo Galeano ao receber o título de
evantamento da Secretaria estadual primeiro Cidadão Ilustre do Mercosul por
L de Saúde mostrou que a dengue
matou 142 pessoas no Estado do Rio
DISCURSO DO ANO — “Nossa região é
o reino dos paradoxos. Vejamos o caso
sua contribuição “à cultura, à identidade
latino-americana e à integração regio-
até junho — 38% das mortes foram do Brasil. Paradoxalmente, Aleijadinho, nal” — Montevidéu, 3/7/08. Íntegra:
de crianças e jovens de até 15 anos, o homem mais feio do país, criou as www.cartamaior.com.br/templates/
e a faixa etária mais atingida (54%) mais altas formosuras da arte da época materiaMostrar.cfm?materia_id=15090
foi a de 15 a 49 anos. O número de
óbitos pode ser ainda maior: 130
casos estavam sendo investigados em
laboratório. Se confirmados, o número
de mortes chegaria a 272, quase três
vezes maior que o de 2002, quando
morreram 91 pacientes.
Nesta epidemia de 2008, somente
no Rio foram 82 óbitos; 19 morreram
em Duque de Caxias, 10 em Angra dos
Reis, seis em Campos, cinco em São
João de Meriti, quatro em Nova Iguaçu,
três em São Gonçalo, três em Para-
cambi e duas em Belford Roxo. Miguel
Pereira, Italva, Itaguaí, Mangaratiba,
Itaboraí, Magé, Cambuci e Rio Claro
registraram uma morte cada. Do total
de óbitos, 46 pacientes morreram de
febre hemorrágica da dengue, 35 de
síndrome do choque da dengue e 61 de
dengue com complicações.
A capital do estado registrou o
maior número de casos (101.929), se-
guida por Nova Iguaçu (15.164), Angra
dos Reis (11.226), Campos (9.740),
CONHECE O FIOJOVEM? — Sexualidade, nutrição, saúde mental, saúde am-
Duque de Caxias (8.321), Niterói biental e inovações científicas são os cinco grandes temas do Fiojovem, site
(6.420), São João de Meriti (4.082), criado no portal da Fiocruz para o público de 12 a 18 anos. É uma construção
Belford Roxo (3.292), Magé (3.242) e coletiva: alunos da Escola Politécnica de Saúde da fundação ajudaram Icict e
São Gonçalo (2.419). Museu da Vida na escolha dos assuntos e opinaram sobre linguagem, texto,
tratamento visual, navegação. As seções têm títulos como Cientenado, Sexo
SÚMULA é produzida a partir do acompa- e Tal, Ambiente-se. A vocação ganhou página especial para informações e
nhamento crítico do que é divulgado na debates sobre a escolha da carreira. Baixa lá (www.fiocruz.br/fiojovem): para
mídia impressa e eletrônica. o profissional de saúde que lida com a garotada, é um help maneiro!
I
CONSTO
Direito de todos, dever do Estado TU I Ç Ã

20 anos

Aconstrução
saúde
em

T
ra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo”, pronunciou
iros de canhão, repicar de sinos, papel picado. ele a frase lendária.
Povo na praça e em frente à TV acompanhan- Momentos inesquecíveis, relembrados nestas páginas — e
do as imagens do plenário lotado da Câmara também as decepções: após 25 anos de ditadura, o presiden-
dos Deputados. Às 15h40 do dia 5 de outubro te era José Sarney, herdeiro indesejado da derrota popular
de 1988, Ulysses Guimarães, presidente da As- das Diretas Já, em 1984, e da morte de Tancredo Neves, em
sembléia Nacional Constituinte, promulgava a 1985; se o capítulo da Ordem Social reunia conquistas, o da
quinta Constituição da República, a única que não acabou Ordem Econômica acumulava frustrações, a maior delas na
em trauma institucional. “O documento da dignidade, da reforma agrária. A Saúde estava entre as vitórias, aprovada
liberdade, da democracia, da justiça social do Brasil!”, por ampla maioria, como se vê na foto histórica.
exclamou, sob o mar de aplausos que interromperiam Vinte anos e algumas afrontas à Constituição depois,
59 vezes sua fala de 33 minutos. o Movimento Sanitário, mais maduro e preparado, reco-
“Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, nhece os avanços no processo de construção do Sistema
promulgamos o Estatuto do Homem, da Liberdade e Único de Saúde, que conduziu, e identifica as novas lutas
da Democracia, bradamos por imposição de sua hon- necessárias para que sobreviva e prospere.

Participaram: Adriano De Lavor, Aristides Dutra, Bruno Dominguez, Dayane Pereira Martins, Jorge Ricardo Pereira, Katia Machado,
Laïs Tavares, Marinilda Carvalho, Roberta Pio, Sandra Suzano Benigno, Tiago Souza de Oliveira.
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FOTOS: ARQUIVO RADIS


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CO N S T I T U I N T E 19 87/19 8 8

Pungente saudade
o país e esbarrassem, no caminho, de Brasília e assessor legislativo nos 20

O s sanitaristas levaram à Constituin-


te, instalada em 1º de fevereiro de
1987, anos de debates sobre a reforma
com as lutas pela democratização da
saúde, irmã de sangue da luta pela
redemocratização do país. Em pleno
meses de duração da Constituinte, ele-
geu 1976 como marco da organização
do Movimento Sanitário, a partir da
sanitária. Esses debates começaram a regime militar, com censura, prisões criação do Centro Brasileiro de Estudos
esquentar lá por 1963, na 3ª Confe- e tortura, brotavam experiências de de Saúde. O Cebes denunciava iniqüi-
rência Nacional de Saúde, mas foram atenção básica como a de Montes dades sociais e o formato perverso da
interrompidos pelo golpe de 64. A di- Claros, iniciada em 1974. Para muitos, assistência à saúde, enquanto cobrava
tadura não pôde impedir, contudo, que berço do movimento sanitário. a democratização do país e da saúde
teóricos e profissionais questionassem Em seu livro Saúde — Promessas — luta política associada a proposta
a medicina vigente e a organização dos e limites da Constituição (Ed. Fiocruz, técnica, ressaltou Eleutério no texto,
serviços de saúde ou que movi- 2003), o sanitarista Eleutério Rodriguez que atraía esquerda, centro, direita
mentos populares de diferentes Neto, mestre em Medicina Preventiva humanista. Um suprapartidarismo
origens prosperassem por todo (FM/USP), ex-professor da Universidade então e para sempre inédito.

Ulysses promulga a Constituição de 88 com ódio


e nojo à ditadura. Entre outros, contribuíram
para ela, pela ordem, Arouca (Fiocruz), Hésio
(Inamps), Sonia (Abrasco), Eleutério (que
aprendeu o constitucionalês), todos auxiliando
constituintes como Carlos Mosconi, Almir Gabriel,
Euclides Scalco, Eduardo Jorge, Carlos Sant’Anna

FOTO: FERNANDO BIZERRA/AGÊNCIA CÂMARA

ONLINE
IMAGEM: JB
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“O movimento lutava para a cons- do os determinantes sociais da saúde, era a criação de “um Sistema Único
trução de uma sociedade de direitos, e abria horizontes Brasil afora — logo de Saúde”; a quarta, a atribuição ao
não de favores”, define para a Radis a sa- seria apenas ações interiorizadas de Estado da “responsabilidade total
nitarista Lucia Souto, hoje representante saúde (AIS), trabalho de formiguinha pela administração desse sistema”; a
do Ministério da Saúde na Comissão Me- tão familiar à militância da época. quinta, a delegação ao SUS da tarefa
tropolitana Tripartite de Saúde do Rio de de planificar e executar uma política
Janeiro. “Essa ainda é nossa luta, dado DOCUMENTO HISTÓRICO nacional de saúde”, e a sexta, “me-
o clientelismo que temos”. Para ela, “a Ainda em 1979, o 1º Simpósio Na- canismos eficazes de financiamento do
liga” desse movimento, a academia, cional de Política de Saúde, promovido sistema que não sejam baseados em
os movimentos sociais, foi de grande pela Comissão de Saúde da Câmara dos novos gravames fiscais sobre a popu-
envergadura porque era pluralista, com Deputados, gerara documento histórico lação nem em novos impostos especí-
leque amplíssimo de partidos”. do Cebes — “A questão democrática na ficos para a saúde” — o financiamento
Os textos da revista Saúde em De- área da Saúde”, publicado em 1980 na deveria se basear “na maior participação
bate, do Cebes, refletiam convicções, Saúde em Debate. Para Eleutério, uma proporcional da saúde nos orçamentos
anseios e propostas dos sanitaristas, “cartilha”: “Face a esta política de ca- federal, estaduais e municipais”. Eram
fortalecidos ideologicamente em fó- ráter essencialmente antidemocrático, lá previstas a descentralização, “uma au-
runs e seminários, enquanto testavam a grande maioria dos profissionais de têntica participação popular” em “todos
sistemas democráticos de saúde nos saúde encontra-se hoje colocada na trin- os níveis e etapas da política de saúde”,
espaços institucionais disponíveis. cheira de uma batalha inglória, a tentar “com voz e voto em todas as instâncias”
Pequenas reformas surgiam aqui e ali, remediar os males de um planejamento e “uma estratégia específica de controle
como em Campinas, Niterói, Londrina, ineficaz para uma população carente e sobre produção e distribuição de
em escolas de saúde pública e até em subnutrida, com técnicas às vezes tão medicamentos”. Estava pronto o
nível federal, com o advento em 1976 ou mais perigosas do que as doenças desenho do SUS — o ideal.
do Programa de Interiorização das que deseja eliminar”, dizia o texto. A unificação Saúde-Pre-
Ações de Saúde e Saneamento (Piass), Entre as 10 medidas recomen- vidência não saiu, como se
conjunto de princípios que, enfatizan- dadas pelo documento, a terceira reivindicava após o simpósio.
Evaporavam em meio às vaidades da Es-
planada dos Ministérios conselhos com

1 2
9
FOTO: AGÊNCIA F4
FOTO: CID FAIÃO

FOTO: ADIRP

4
3
8
FOTO: PAULO MAC DOWELL
FOTO: ADIRP
FOTO: ADIRP

6 7
5
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o Conasp e planos como o PrevSaúde. cubano, mas a discussão foi amadu- tuinte — isso, oito anos antes de sua
“Era uma proposta dos ministérios da recendo e ficou claro o conceito de instalação. “O SUS foi escrito a cente-
Saúde e da Previdência para criação de suplementar do setor privado”. nas de mãos, e quem disser que escre-
uma rede de serviços básicos”, lembra veu o texto está fazendo apropriação
o antigo militante da saúde coletiva Al- SANITARISTAS NO COMANDO indébita”, ressalta o sanitarista Gilson
berto Pellegrini Filho, hoje secretário- Em 1985, sanitaristas assumiam Carvalho. Propostas consolidadas em
executivo da Comissão Nacional sobre o comando de várias entidades: Sergio 1986 na determinante 8ª Conferência
Determinantes Sociais da Saúde, que Arouca na Fiocruz, Hésio Cordeiro Nacional de Saúde, faltaria apenas
na época assessorava a Comissão de e depois José Gomes Temporão no dominar o constitucionalês: “O Eleu-
Saúde da Câmara como representante Inamps, Nina Pereira Nunes fundava o tério sentou, teve que escrever como
do Cebes. “Era bastante ambiciosa e Instituto de Medicina Social da Uerj, um constituinte, § 1º, caput isso, um
teve apoio da Opas, que participou da relata Lucia. “Era preciso superar a bando de coisas de que a gente não
elaboração desse projeto, mas acabou dicotomia — de um lado, as grandes sabia nem o nome e começamos a ter
não sendo implantado com a dimensão endemias, no Ministério da Saúde; de que lidar, transformar as nossas ban-
que deveria, embora servisse depois outro, a assistência individual, que deiras do movimento sanitário numa
como referência para a atenção pri- estava num componente do Ministério formulação legal”, resumia a cientista
mária e tenha inspirado a Estratégia da Previdência, o Inamps, que prestava política Sonia Fleury, atual presidente
Saúde da Família”. assistência aos brasileiros com carteira do Cebes, em sua fala no seminário
A discussão central era a questão assinada”, demarca. “Todos concor- “Reforma Sanitária: estratégias e po-
pública versus privada, o papel de davam que daquela maneira não dava líticas para a Constituinte”, promovido
cada um. “Nesses seminários, para continuar, que era preciso criar em setembro de 1987 pela Abrasco.
convidávamos representantes um sistema capaz de dar conta dos A Associação Brasileira de Pós-
da medicina de grupo, como a problemas sanitários brasileiros, uni- Graduação em Saúde Coletiva fora
Abramge, e o pessoal do setor versal, direito de todo brasileiro, que criada em 1979 — um mês após a assi-
público”, conta Pellegrini. Ha- trabalhasse com assistência integral, natura da Lei da Anistia e dois meses
via por parte do setor privado promoção, reabilitação...” antes da extinção do bipartidarismo,
receio do que denunciavam como De qualquer modo, o setor já o Arena x MDB imposto pela ditadura
socialização, estatização, modelo tinha seu projeto para levar à Consti- — um período fértil de transformações
FOTO: JOSÉ RENATO

Os grupos de trabalho da Oitava


e as passeatas pela Constituinte:
período fertil

FOTOS: ERIK B. PINTO


RADIS 72 • AGO/2008
[ 15 ]

na corrompida estrutura política do


regime militar. Ao lado do Cebes, a Manchete
Abrasco tornou-se uma das entidades O bicho que deu s
mais atuantes na luta pela democrati-
zação da saúde — e do país, que tinha
à frente OAB, ABI e SBPC. Os encontros S egunda-feira, 16/5, véspera da votação da saúde. A Plenária da Saúde,
reunida na Primeira Secretaria da Constituinte, aguardava notícias
dos debates na sala de Mário Covas em torno do texto da saúde, quando
anuais da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência eram importante Uldurico Pinto (PMDB-BA) trouxe notícias de que o Centrão radicaliza-
palco para o intercâmbio de idéias e va e as perspectivas de acordo se reduziam. “Gente, tá feia a coisa”,
experiências do Movimento Sanitário. carregou no sotaque. “É cão chupando manga!” (Encarte Especial do
Depois da tão empolgante quanto jornal Proposta, maio-junho de 1988)
fracassada campanha das Diretas Já, a
mobilização popular pela remoção do
“entulho autoritário” exigiu a Assem- de subsídio à Constituinte que mere- dor Fernando Henrique Cardoso (PMDB-
bléia Nacional Constituinte, finalmente ceu reservas da esquerda, segundo SP) agrupava saúde e educação, for-
convocada por Sarney em novembro de Eleutério Rodriguez Neto, devido às mando segmento gigantesco. Emenda
1985, com a Emenda nº 26 à Constituição concessões ao setor privado. Também aprovada em plenário separou as áreas
da ditadura. O setor Saúde promoveu sua a questão do financiamento não ficou e formou-se a Subcomissão de Saúde,
“pré-constituinte”, de 17 a 21 de março detalhada. Essa lacuna traria fortes Seguridade e Meio Ambiente, integran-
de 1986, na 8ª Conferência Nacional de dores de cabeça aos sanitaristas, com te da Comissão da Ordem Social. Dos
Saúde, e houve muita polêmica, segun- reflexos nos dias de hoje. 559 constituintes, mais de 300
do seu Relatório Final: a “estatização A proposta de conteúdo sanitário deles do PMDB, 58 eram da área
imediata” do novo “Sistema Nacional de para a Constituinte foi finalmente da saúde, embora poucos fossem
Saúde” foi rejeitada, mas a participação fechada no 1º Congresso Brasileiro “sanitaristas”. A subcomissão
do setor privado deveria ter caráter de Saúde Coletiva, da Abrasco, em tinha como presidente José Elias
de serviço público “concedido” — a setembro de 1986, com as diretrizes Murad (PTB-MG), farmacêutico
comissão de redação destaca até que nossas conhecidas: direito universal e médico, e como relator o deputado
“a proposição ‘estatização da indústria e igualitário à saúde, criação do SUS. Carlos Mosconi (PMDB-MG), defensor
farmacêutica’, aprovada na Assembléia A saúde, assim, “foi o setor que con- da Reforma Sanitária. Era composta
final, conflita com este posicionamento, seguiu chegar à Assembléia Nacional por 21 constituintes e 21 suplentes,
por não ter sido objeto de uma discussão Constituinte com a proposta mais favoráveis e contrários à Reforma Sani-
mais aprofundada”. discutida, legitimada e completa tária, e a maioria nem tinha escolhido
Outra polêmica foi a separação e que continha o ideário do movi- a comissão como primeira opção, res-
entre Saúde e Previdência: esta deve- mento sanitário”, afirma Eleutério. saltou Eleutério — aprenderam sobre
ria encarregar-se do “seguro social”, Não há sanitarista daquela geração a área ao longo dos trabalhos.
os benefícios; até que se formasse o que não sinta “pungente saudade”, Segundo o autor, três grupos
orçamento próprio da saúde, a Previ- na expressão de Ulysses Guimarães apresentaram propostas: o movimento
dência deveria destinar os recursos (1916-1992) em outro discurso famo- sanitário, pela estatização da saúde
do Inamps ao novo órgão, decidiu a so, daquele Brasil sem apatia. — o único a levar texto pronto pois,
Oitava, que também recomendou a como comentou Sonia Fleury, Eleuté-
criação da Comissão Nacional da Re- RADIOGRAFIA DO BRASIL rio aprendeu o constitucionalês —; a
forma Sanitária (CNRS), que segundo Os embates começaram logo após iniciativa privada, pela privatização
Eleutério acabou institucionalizada, a eleição do presidente da Constituinte, da saúde; e o grupo institucional —
“abraçada” pelos ministérios ligados Ulysses Guimarães, em 2 de fevereiro Ministério da Saúde e da Previdência,
ao setor, o que limitou sua atuação. de 1987. Elaborar um texto original ou defendendo cada um sua preservação.
As intenções da comissão eram as examinar um anteprojeto já pronto? O O grupo pró-Reforma Sanitária tinha
melhores. “Falar em Reforma Sanitária debate tomou mais de 15 dias. Escolhi- lobby organizado: o Núcleo de Estudos
não é só falar em Reforma Administrati- da a primeira opção, foram criadas oito em Saúde Pública, do qual fazia parte
va, não é só falar em um momento, em comissões, 24 subcomissões, cada uma o próprio Eleutério, e o Centro de
um tempo determinado, mas sim falar reunindo 63 titulares e 63 suplentes. Estudos e Acompanhamento da Cons-
de um processo que viabilize, no prazo No dia 19, finalmente, foi aprovado tituinte, ambos da UnB. Participavam
mais curto possível, a superação do o Regimento da Assembléia, que per- também a Abrasco, o Cebes e outras
quadro sanitário de nosso país, processo mitia a análise de sugestões externas, entidades. No lobby da privatização,
que começa pelo reconhecido direito do a organização de audiências públicas os próprios empresários do setor.
cidadão à saúde e o dever do Estado em “para ouvir a sociedade” (Art. 14) e a “Participávamos de reuniões o
prover os meios para isso, o que implica apreciação de “emendas populares com dia inteiro, até nos fins de semana”,
a construção de um novo modelo insti- 30 mil assinaturas” (Art. 24). Até 6 de conta o hoje deputado estadual pelo
tucional de serviços, descentralizado, maio, 12 mil sugestões de constituintes PSDB Carlos Mosconi, que estava em
hierarquizado e sob comando único, e entidades externas foram recebidas seu segundo mandato federal quando
sustentado por novos mecanismos de para apreciação, e até o dia 25 as assumiu a relatoria da subcomissão.
financiamento”, escreveu na apre- subcomissões temáticas promoveram “Muita gente da saúde foi para Brasília
sentação dos primeiros documentos mais de 200 audiências públicas, “uma e as reuniões eram cada dia na casa de
da comissão seu secretário técnico, verdadeira radiografia do Brasil”, se- um”. Na visão dele, a saúde já tinha
o sociólogo Arlindo Fábio Gómez de gundo texto da Câmara. liderança, como Sergio Arouca e Hésio
Sousa, da Fiocruz. Alvo porém de A primeira luta do setor saúde se Cordeiro, o movimento sanitário esta-
intensas pressões que a forçaram a deu pelo formato da própria comissão: va bem-organizado, recém-saído da Oi-
recuos, a CNRS chegou a uma proposta o projeto de Regimento do então sena- tava, então não havia quem defendesse
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outra proposta. “Quem se opunha era “gerencista”, retirando o caráter “Todos achavam que era um suicídio”,
o setor privado, que achava a proposta transformador da reforma. A manobra narrou ele, pouco antes de morrer, em
estatizante, socializante, e fazia muita foi denunciada em célebre boletim agosto de 2003. “Eu estava propondo a
pressão”, relata ele à Radis em sua da Abrasco, que provocou grande po- extinção de uma instituição com mais
sala da Assembléia, em Belo Horizonte. lêmica e dividiu o movimento, mas a de 100 mil funcionários e que mobi-
“Mas tínhamos o apoio de entidades maioria reconhecia que as propostas lizaria tanto trabalhadores quanto
muito ativas e fomos ganhando posições da Previdência contradiziam as reco- aposentados”. Após muita pressão, a
até amadurecer o texto para votá-lo”. mendações da Oitava. surpresa, segundo o próprio Arouca:
Na votação, o grupo contrário já se na hora da decisão final, as lideranças
articulava melhor, mas os sanitaristas NO APAGAR DAS LUZES do Movimento dos Trabalhadores do
conseguiram “dobrá-lo politicamente”. “Foi pesado o trabalho para Inamps eram favoráveis à extinção,
A primeira versão do texto foi definido- passar o Inamps à estrutura da Saúde, em nome de um novo projeto que
ra: “Já estava lá o conceito do SUS, de e isso não constou da Constituição”, municipalizou os serviços públicos de
direito de todos e dever do Estado, os observa Mosconi. “O Sarney mudou saúde. A descentralização já havia se
princípios de universalidade, gratuida- ao apagar das luzes, no finzinho do processado em todo o país, à exceção
de, e isso não se tirou mais”. mandato, porque senão haveria reação do Rio de Janeiro e da Bahia.
Para Mosconi, não foi tão difícil muito forte”, acrescenta Mosconi. “Foi Na Subcomissão de Saúde da
conseguir os votos porque a saúde era uma grande vitória, e quanto mais Constituinte, sem acordo apenas quan-
um “monstro esquartejado” exigindo tempo passar, mais vamos perceber to ao financiamento, o relatório de
unificação. Grande parte de ações e que a data a ser comemorada é a de Mosconi continha os pontos defendidos
recursos não estava sob con- extinção do Inamps”. Ele conta que no pelo movimento, inclusive, no art. 1º,
trole do Ministério da Saúde, governo Itamar Franco foi convidado o lema “Saúde é um dever do Estado e
mas da Previdência, que tinha para presidir o Inamps. “Recusei por- um direito de todos”, que vinha da Oi-
três vezes mais verbas, para que considerava o Inamps anti-SUS e tava — é interessante acompanhar, nos
saúde curativa; as secretarias só poderia ser presidente se fosse para anexos do livro de Eleutério, as várias
eram desarticuladas, com extingui-lo, então o Itamar pediu que formulações para a frase em cada ver-
serviços sem expressão. “Não havia eu o convencesse e ele acabou mesmo são do texto. O relatório, aprovado por
uma cabeça pensante, o ministério convencido”. O Inamps era uma polí- ampla maioria, foi dos mais progres-
tinha alguns bons projetos, mas tica antagônica ao SUS, no entender sistas em comparação, por exemplo,
sem dinheiro; só tinham acesso aos do deputado: visão hospitalocêntrica ao da Subcomissão de Política Agrícola
serviços os previdenciários em seus superada, muito corrompido, custo e Fundiária e da Reforma Agrária, na
institutos, e nos postos de saúde, alto, muito poderoso, o que o SUS não Ordem Econômica, que trabalhou em
somente quem tinha carteira de tra- era. “Na minha opinião, o SUS pra valer clima de grande tumulto. “Na reforma
balho fazia jus ao atendimento”. começou após a extinção do Inamps”. agrária, como na questão mineral e
Eleutério menciona a forte pres- Sergio Arouca, já então deputado na área econômica em geral, tivemos
são do ministro da Previdência, Rapha- federal pelo PCB, foi relator da Lei nº retrocessos significativos com relação
el de Almeida Magalhães, que cooptava 8.689, de 27 de julho de 1993, que às expectativas do povo brasileiro”,
governadores e constituintes para sua extinguiu o Instituto Nacional de As- lamentou na época o constituinte
idéia de descentralização meramente sistência Médica e Previdência Social. Octávio Elísio (PMDB-MG).

Jornal da Constituinte (Congresso)


e Proposta (RADIS): acompanhando
os trabalhos em Brasília
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Aldo Arantes (PCdoB-GO) lamenta


até hoje, conforme sua entrevista à Manchete
Radis: “A questão central do tema era a “Não agüento mais!!!” s
função social da propriedade, e se que-
remos hoje avançar com a democracia é
preciso articulação em torno da reforma H ésio Cordeiro conversa com Paulo Alberto (PMDB-RJ) na ante-sala do
líder Mário Covas, onde se negociava o acordo Centrão-progressistas.
Sai da sala irritado o deputado Carlos Mosconi (sem partido-MG): “Não
agrária, como também da tributária, da
urbana e da comunicação”, avalia. “Com agüento mais. Esse José Lins é demais, demais!” Depois, foi a vez de
o neoliberalismo, retrocedemos seja no Almir Gabriel (PMDB-PA) sair reclamando: “Não agüento mais. O Zé Lins
setor econômico seja no setor social”. não quer negociar nada. Haja paciência!” Sandra Cavalcanti (PFL-RJ),
Outra derrota foi em torno do conceito também irritada, deixa a sala: “Não agüento mais!” Paulo Alberto [o Ar-
de empresa nacional e estrangeira. “O thur da Távola (1936-2008)] puxa papo: “O Zé Lins, Sandra?” A resposta:
ex-ministro da Indústria e Comércio, Se- “Que nada! Não agüento é negociar o texto da saúde com oito médicos
vero Gomes, defendia a necessidade de e todos fumando desbragadamente!” (Proposta, mai-jun/88)
se distinguir a nacional da estrangeira,
usando com exemplo a lei americana,
que concedia privilégios às empresas viria a integrar o chamado Centrão] de Segurança Nacional era aplicada
nacionais”, rememora Arantes. “Mas e marcado por muito lobismo”, conta contra sindicalistas, a violência no
acabamos derrotados, terminamos num Sonia. “Algumas de nossas propostas campo aumentava, com a UDR agindo
conceito híbrido de empresa nacional: sequer seguiam para debate: uma me- abertamente. Em 10 de junho de 1987,
bastava à estrangeira estar no Brasil dida de controle da propaganda de me- o deputado paraense Paulo Fon-
para ser considerada nacional”. dicamentos não passou nem à discussão telles, advogado de posseiros no
“Tínhamos, em média, 10 mil pes- devido à pressão das multinacionais”, sul do Pará, foi assassinado à luz
soas circulando por dia no Congresso, cita ela um exemplo, que permanece do dia na periferia de Belém.
discutindo questão indígena, da mulher, problemático nos dias de hoje. “O Suspeitos do crime, um mês
petróleo, voto aos 16 anos, tudo ao maior fracasso técnico e político nessa depois os integrantes da famige-
mesmo tempo”, conta à Radis Edmilson questão de Constituinte é a área de rada União Democrática Ruralista, que
Valentim, hoje e na época deputado financiamento”, observa Sonia Fleury. tanto contribuíra para o retrocesso da
federal do PCdoB (RJ). Cada tema tinha “Nós não tínhamos unidade nessa ques- questão agrária na Ordem Econômica
três, quatro, cinco sessões, com proces- tão”. Mas já então ela percebia que, até mesmo em relação ao Estatuto da
so de negociação até chegar à Comissão apesar da origem “golpista”, a proposta Terra da ditadura, promoviam marcha
de Sistematização. Ele participou mais da seguridade social seria um avanço sobre o Congresso. A razão: pairava no
ativamente das discussões sobre a re- “no sentido de uma concepção mais ar a esperança de uma reviravolta nas
forma agrária, “em que literalmente abrangente de política social”. votações. Afinal, a Emenda Popular
se chegou à agressão”. E brinca: “Foi a da Reforma Agrária reunira mais de
primeira vez que fui primeira página de CRISE DE PRAZOS 3 milhões de assinaturas.
um jornal, o Estadão”. Na votação desse Apesar da resistência dos sanita- Em 2 de junho de 1988, a Consti-
capítulo, os ruralistas eram a grande ristas, o relator ouvia os porta-vozes tuinte aprovou mandato de cinco anos
maioria e passavam um “rolo compres- da Previdência. Houve então uma para Sarney, em clima de escândalo e
sor”, não se conseguia tirar uma posição correria para apresentação de novas denúncia: o PMDB de Ulysses trocara
mediana. “A galeria parecia o Maraca- emendas — temia-se pelo comando voto por cargos. No dia 24, em pleno
nã, metade era trabalhador e metade, único e autônomo do SUS —, mas todas processo de votação do primeiro turno,
fazendeiro, um clima de provocação acabaram retiradas. Os conservadores o chamado “bloco independente” do
que começou a esquentar e de repente obstruíam as votações, buscando pro- partido abandonou a legenda e fundou
começou a confusão: eu e outros depu- vocar atraso regimental e “viradas de o PSDB — como a história às vezes
tados acabamos brigando”. mesa”. A crise de prazos foi tamanha se repete como farsa, a emenda da
Já na Comissão da Ordem Social, que a ampla comissão de educação reeleição de Fernando Henrique, em
etapa seguinte dos trabalhos, a grande nem concluiu seus trabalhos, fican- 1997, foi cercada das mesmas sus-
surpresa: o relator, senador Almir Ga- do o texto a cargo da Comissão de peitas. Em 12 de agosto, dia de ato
briel (PMDB-PA), ligado ao movimento Sistematização, para desespero dos público em Brasília para a entrega das
sanitário, integrou a Saúde à Seguridade professores acampados no Salão Azul emendas populares, o apoio aos cinco
Social. “Levamos um susto”, admitia So- do Congresso. Na da Saúde, conseguiu- anos e à política econômica de Sarney
nia Fleury já no seminário de setembro se incluir no último instante, como desgastava o Senhor Diretas. Na ma-
de 87 — ela inclusive assessorava o rela- disposição transitória, que ao setor nifestação na Câmara organizada pela
tor na comissão, como representante da seriam destinados 30% do orçamento esquerda (PT, PCdoB e CUT), mais de
Abrasco. Almir Gabriel argumentava que da Seguridade Social. duas mil pessoas gritavam: “Um, dois,
sua decisão traria facilidades de finan- Era um período tenso dentro e três, puxa-saco do Sarney! Traidor!”
ciamento, já que o orçamento seria rei- fora do Congresso. A vida dos brasilei- “Foi a manifestação mais hostil rece-
vindicado para toda a Seguridade Social ros não andava fácil. A Nova República bida por Ulysses ao longo dos seus 40
e a Saúde discutiria sua parte ano a ano. estava desacreditada. Na economia, o anos de vida pública”, conta a cientista
“Uma posição arriscada”, identificava o desemprego crescia, os planos econô- política e historiadora Dulce Pandolfi
sanitarista Eduardo Jorge, então no PT micos de Sarney — Cruzado, Bresser, em detalhada biografia do presidente
paulista, no mesmo seminário. Verão — fracassavam um após outro. da Constituinte para o CPDOC/FGV.
“Eram momentos de tensão e A inflação acumulada de 1987 foi de O processo constituinte ficou mais
enfrentamento, principalmente com 415,83%, a de 88, 1.037,56%. A situação contraditório do que nunca na etapa da
o lado liberal defendido por Roberto política era contraditória. Construía-se Comissão de Sistematização. Era a fase
Jefferson [deputado conservador que a democracia, mas a autoritária Lei de recebimento das emendas populares:
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das 122 apresentadas, assinadas por Ânimo confirmado por Mosconi coordenadora da Plenária Nacional de
12,2 milhões de eleitores brasileiros, 83 na entrevista à Radis. “A derrota que Entidades de Saúde, instância criada
atendiam às exigências do Regimento. tivemos foi no financiamento”, con- pelos sanitaristas para angariar assi-
Mas o relator-geral, Bernardo Cabral ta. “Eram várias propostas relativas naturas à emenda popular que acabou
(PMDB-AM), fugia às pressões trancando- ao tema, mas não havia clima para virando protagonista nos trabalhos
se com assessores no prédio do Banco do aprová-las porque os economistas não finais da Constituinte.
Brasil em Brasília — um bunker, como permitiam: o Serra [José Serra, futuro Também ficaram de fora a ques-
chamou a imprensa. Seu primeiro rela- ministro da Saúde, hoje governador tão da saúde ocupacional, por empe-
tório recebeu o apelido de Frankenstein, de São Paulo], por exemplo, se opôs nho de forte lobby corporativista e ins-
tamanho o monstrengo: a saúde ficou à vinculação”. Mosconi compara a saú- titucional — “o Ministério do Trabalho
reduzida a curto item da Seguridade de à educação, que afinal conseguiu não queria que entrasse de maneira
Social. “Chegaram à Comissão de Sis- vincular verbas (18% da União, 25% de nenhuma e pressionava pela retirada”,
tematização mais de 2.800 artigos”, estados e municípios): “O Cristovam relata Sonia Fleury na entrevista à
contou ele em 2005 numa palestra na Buarque uma vez me disse que a saúde Radis — e a do monopólio estatal para
Fecomércio-SP. “E emendas deste tipo: avançou porque conseguiu definir uma a compra de matérias-primas, equi-
‘Todas as viaturas federais serão pinta- política, mesmo sem dinheiro, en- pamentos e medicamentos, rejeitada
das de uma só cor; lei complementar quanto a educação tem dinheiro, mas em troca da aprovação da “saúde do
decidirá qual a cor’. Outra: ‘Homens não conseguiu definir uma política”. trabalhador” como atribuição do SUS
e mulheres são iguais em direitos etc., O grupo da saúde queria estabelecer após muita negociação.
exceto nos dias da menstruação’”. Ca- fontes de financiamento, os papéis das Mas antes, em 12 de agosto
bral chorou: “Não queiram saber esferas e não conseguiu, lembra. “Foi de 87, a entrega das emendas po-
o sofrimento para chegar a 245 uma falha e atrasou demais a criação pulares deu-se em clima de festa,
artigos”. Eduardo Jorge sinteti- do SUS, que só não morreu porque com ato público, discurso inflamado
zou: “O maior número de cortes extinguimos o Inamps”. de Ulysses apesar das vaias e gale-
coube à área social”. rias lotadas de representantes dos
Os substitutivos de Cabral AS RESSALVAS movimentos sociais — que alguns
se sucediam: Cabral I, Cabral II — Pressionada pelos progressistas, constituintes, inacreditavelmente,
“entre o I e o II houve sete Cabrais”, a Comissão de Sistematização, por vaiaram. A emenda da saúde estava
informava o deputado Euclides Scalco fim, acabou abrindo seção específica entre as que chegaram em 13 de
(PMDB-PR) no seminário da Abrasco —, no Capítulo da Seguridade Social para agosto, o prazo final. No dia 14,
cada um com redação diferente. De a Saúde. Não sem ressalvas. “Lembro Eduardo Jorge discursou da tribuna:
fora vinham novos projetos de substi- que Eduardo Jorge saiu dizendo: ‘Não “Registro minha satisfação por estar
tutivo, e de alguns deles a saúde era passou nem participação popular entre as várias emendas populares
simplesmente eliminada. Internamen- nem social, mas sim participação da que entreguei ontem à Assembléia
te, o estado de ânimo dos constituintes comunidade’”, conta Jacinta Senna, Nacional Constituinte a referente à
era contrário à fixação de percentuais enfermeira-sanitarista hoje na Secre- Reforma Sanitária”, anunciou. Edu-
para determinado setor porque isso taria de Gestão Estratégica e Partici- ardo foi destemido ao descrevê-la:
comprometeria o orçamento. pativa do Ministério da Saúde, então “O eixo da proposta é a estatização

FOTO: PAULO MAC DOWELL


O seminário
da Abrasco
que debateu
estratégias para
as votações finais
da Constituinte:
balanço ainda atual
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do sistema de serviços de saúde sob


controle dos trabalhadores”. Manchete
Hoje secretário municipal de A opção do deputado Lula s
Meio Ambiente em São Paulo — “resolvi
fazer promoção da saúde”, brinca —,
Eduardo observa que a estatização V otação da emenda da saúde, 17/5. Depois de ler nota de protesto
do Sindicato dos Médicos do DF, o líder do PDS, Amaral Neto (RJ),
ironizou: “Recomendo que a bancada do PDS vote de acordo com o de-
imediata já fora rejeitada na Oitava.
“Prevaleceu a proposta do PMDB, a putado Lula da Silva, líder da iniciativa privada, porque provou ao país
progressiva”, recorda ele falando à que no momento em que precisou escolheu hospital e médico privados”.
Radis em seu gabinete, no bairro do Lula tinha extraído o apêndice em clínica particular. Lula queria reagir
Paraíso, onde explica que passou a no ato, mas deu sua resposta: “Tive de fazer isso porque os amigos do
gostar da área ambiental na própria deputado Amaral Neto destruíram a rede pública durante os 2O anos em
Constituinte: meio ambiente era parte que ocuparam o poder.” (Proposta, mai-jun/88)
da subcomissão de saúde e, além disso,
dividia o apartamento em Brasília com
o ambientalista petista Vitor Buaiz. A pesquisadora Sarah Escorel sangue e derivados. Constituintes
“Acabou que não saiu nem o que (Ensp/Fiocruz) criou ainda nos anos 80 iam à tribuna cobrar a reinclusão,
eu queria nem o que o PMDB queria: a expressão “fantasma da classe ausen- os sanitaristas, das galerias, pressio-
conseguimos aprovar um sistema uni- te”, que explica no livro A construção navam. O relator cedeu e a Saúde
versal público, mas não estatal”. Em- do SUS — Histórias da Reforma Sani- reconquistou seção específica no
bora a coluna vertebral seja estatal, tária e do Processo Participativo (ver Capítulo da Seguridade Social.
“admite, acolhe e quer o filantrópico e pág. 34), do qual Jacinta Senna é uma Nos debates da Constituin-
o privado”, “química” que ele aprova das autoras: “O movimento sanitário te é que se percebe o quanto é
em nossos dias, tendo mostrado seu sempre falou pelas classes populares antiga a idéia de um SUS para
acerto na gestão de Luiza Erundina na e elas não estavam presentes. Temos pobres. Inocêncio Oliveira (PFL-
Prefeitura paulistana, na qual Eduardo que lembrar a época em que a dita- PE) pregava, em 23 de julho de
Jorge era secretário de Saúde. E o que dura militar restringia a mobilização 87: “Há perfeitamente espaço para
deu errado? “Não previmos que a elite dos movimentos sociais, ainda muito que as duas áreas se desenvolvam e se
mais politizada do país, a classe média frágeis”. Se faltou descer às bases, complementem: o setor público bus-
urbana, fosse golpear um sistema tão criou-se um paradoxo até interessante cando os seus serviços de excelência
bonito pelas costas”, diz. “Golpeiam o na opinião de Mariana: “O controle e o privado se estabelecendo onde o
SUS nos procedimentos de alto custo, social está no âmago da proposta da setor público não pode”. E mais: “Que-
usam subsídios do Imposto de Renda Reforma Sanitária e da Lei 8.080, parte remos que o Estado dê acesso a toda a
para criar plano de saúde”. que acabou vetada por Fernando Collor, população com o melhor de seus servi-
Naquele 14 de agosto de 87 Edu- reaparecendo na 8.142”, lembra ela. ços, mas não devemos impedir que a
ardo informava: “Em menos de dois “Um grande ganho para a saúde, com iniciativa privada continue prestando
meses de trabalho, 60 mil assinaturas milhares de conselhos, as conferências, os seus e que dê opção a cada um de
foram colhidas em todo o Brasil”. Era o que há de mais democrático”. escolher o serviço que pretende para
pouco. A Plenária da Saúde, criada si e para os seus filhos”.
para angariar subscrições país afora, O PESO DA EMENDA Paulo Zarzur (PMDB-SP) bradava
enfrentou dificuldades. Para Eleuté- Para o deputado Roberto Freire da tribuna em 28 de maio de 88: “O
rio, o movimento estava distante das (PPS-PE), o peso da emenda importa que se verifica é que se pretende
bases populares na prática cotidiana. mais que o número de assinaturas. implodir a saúde no país, acabando
“Era falta de rede, de comunicação”, “Mesmo respaldada por um número com os hospitais conveniados com o
analisa para a Radis, em conversa menor do que o de outros setores, a da governo e reduzindo os médicos a sua
por telefone, a pesquisadora Mariana saúde tinha uma representação muito clínica particular”, afirmou. “Nada de
Siqueira de Carvalho Oliveira, hoje ativa e expressiva”, avalia ele, que estatização, nem parcial nem total! Se
na área de segurança pública do virou “expert em saúde” por demanda 90% das estatais são deficitárias, por
Ministério da Justiça, que estudou a de seu partido de então, o PCB, do que criar mais uma? Todo o país diz
participação popular na Constituinte qual era líder. “As sugestões mais im- não à estatização. E é preciso que esta
para sua dissertação de mestrado portantes vieram da 8ª Conferência, e Casa ouça essa unânime repulsa!”
em Direito, defendida em 2005 na mesmo das anteriores, do acúmulo de “Eu e muitos deputados sofremos
UnB. Intitulada “Por uma construção discussões”, sustenta. “A saúde era um ameaças”, lembra Mosconi a etapa
democrática do direito à saúde: a dos setores mais organizados e ativos, posterior à da Sistematização, a do Ple-
Constituição Federal, os instrumentos conseguiu mobilizar a população, que nário, período em que o Centrão queria
de participação social e a experiência apresentou muitas sugestões”. derrubar tudo. “Recebi ligações em que
do Conselho Nacional de Saúde”, o ca- A emenda popular da saúde, com diziam que não ficaria assim...” Para
pítulo “Um resgate do debate” é uma 54.133 subscrições, foi aceita (e tam- ele, foi uma grande proeza política:
das poucas fontes sobre as discussões bém a do setor privado, com 70 mil, “Mostramos que não era estatizante,
dos constituintes em torno da saúde. suspeitas “pela monotonia dos endere- socializante nem comunista: consegui-
“O movimento sanitário era muito ços constantes da lista”, segundo Eleu- mos desmistificar isso”.
fechado na academia e demorou para tério). Diante do recuo de Bernardo De 26 de agosto a 3 de setem-
chegar às ruas, não foi apropriado Cabral, Eduardo Jorge recuperou todo bro, a Constituinte ouviu a defesa das
pela sociedade”. O movimento estu- o conteúdo surrupiado do relatório da emendas populares no Plenário da
dantil, por exemplo, conseguiu 1,2 Saúde, incluindo Saúde Ocupacional, Comissão de Sistematização, feita por
milhão de assinaturas para a emenda que desde o início criava arestas, e representantes da sociedade civil. A da
do ensino público. a proibição da comercialização de saúde coube a Sergio Arouca, escolhido
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pela Plenária em decisão unânime. em sessão permanente. Jacinta conta do Centrão, era forte defensor da saúde
Após cinco adiamentos e cinco meses como se davam os embates: “Eram pública”. Eduardo Jorge, outra referên-
e três dias de atraso, a Comissão de gritos e palavrões”, resume. “Surgiu cia nomeada por Jacinta, também cita
Sistematização encerrou sua votação a expressão relevância pública, mas os que mais colaboraram com a saúde:
final em 18 de novembro: os trabalhos conseguimos conquistar no texto um Mosconi, Gabriel, Bezerra, Sant’Anna —
seriam transferidos ao Plenário. sistema público graças à grande for- “prefiro falar dos que mais ajudaram do
Diante do que considerou mani- ça do movimento social, e o mesmo que dos que mais prejudicaram”.
pulação da Constituinte “por setores aconteceu quando da discussão em O confronto era permanente.
minoritários”, e arvorando-se em torno do conceito de saúde”. Somente Stélio Dias (PFL-ES), da tribuna, citava
porta-voz da “vontade média” dos a expressão “saúde de todos e dever Nélson Proença, presidente da Associa-
brasileiros, como conta Eleutério em do Estado” tomou duas semanas de ção Médica Brasileira: “Ele advertiu que
seu livro, o Centrão conseguiu virar a discussão. “A direita, que era maioria, as conclusões da 8ª Conferência haviam
mesa e mudar o Regimento. Aprovou, tinha visão conservadora, assisten- resultado de um ‘foro político, não um
por 290 votos a 16, o DVS (Destaque cialista, mas vencemos: mudamos a foro técnico’, e alertou para o fato de
de Votação em Separado). Os antes função do Estado”. que aquela conferência ‘teve acentu-
exigidos 280 votos para mudar o que ada predominância das participações
viesse da Sistematização passaram a O DIA-A-DIA DA PLENÁRIA ligadas à CUT-PT e ao Conclat-PCs’. Em
ser necessários para incluir, modificar A sede da Plenária funcionava seu entendimento, a estatização não
ou manter qualquer parte do projeto, no Conselho Federal de Medicina, em haveria de prosperar porque a confe-
ou seja, todo e qualquer dispositivo Brasília — de ativa militância na época, rência agiu com base em ‘concepção
demandava maioria absoluta. tendo à frente Francisco Barbosa Costa maniqueísta em que o Estado repre-
Isso criou os chamados “buracos —, de onde saíam os comunicados sobre senta o bem e a verdade e a iniciativa
negros”. (Muita gente afirma que os dias de votação aos participantes: privada, o mal e a corrupção’”.
alguns artigos estão na Constitui- por telefone ou fax, todos eram in- Entretanto, nem o Centrão era
ção sem terem sido aprovados.) formados diariamente. “O problema é monolítico. O constituinte Alceni Guer-
A solução foi negociar tudo que às vezes uma votação e outra eram ra, que viria a ser ministro de Fernando
previamente. Ocorriam infindáveis transferidas para a semana seguinte e Collor, era “acusado” de ser a esquerda
reuniões entre lideranças, novidade as pessoas tinham que reformular suas do PFL por suas posições avançadas na
que resultou no hoje recorrente Colégio agendas o tempo todo”, conta Jacinta. saúde e nos direitos sociais. “Acabei
de Líderes — então, contestado pelo PT, Também havia reuniões no Auditório não fazendo parte do Centrão, mas do
defensor do debate exaustivo. Nereu Ramos, no anexo 2 da Câmara. Centrinho, que tinha figuras ilustres
O Centrão apresentou projeto “Éramos assessores, representantes dos que depois fundariam o PSDB, como
alternativo para a saúde, um texto que movimentos, das plenárias nos estados, Fernando Henrique, Mário Covas”, conta
atendia basicamente ao setor privado. parlamentares, e nossas referências da ele à Radis em entrevista pelo telefone.
Foram duas semanas de embates no época eram Arouca, Raimundo Bezer- “Defendemos a criação do SUS com o
chamado Plenarinho, a sala da lideran- ra, Abigail Feitosa e Carlos Sant’Anna movimento da esquerda sanitária e,
ça do PMDB, com a Plenária da Saúde [todos já mortos] — este, apesar de ser mais tarde, tive a belíssima oportuni-

FOTO: FERNANDO BIZERRA/AGÊNCIA CÂMARA


A festa ao fim das votações,
em 2 de setembro de 1988
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dade de fazer leis complementares,


como a 8.080 e a 8.142, como ministro”. Manchete
Alceni ainda foi relator da Subcomissão Nem na ditadura s
das Minorias (negros, índios, homosse-
xuais, pessoas com deficiência e mi-
norias religiosas). “Tenho a satisfação V otação da saúde. Galerias divididas entre entidades progressistas e
donos de hospitais privados. Mas os secretários estaduais de Saúde
ficaram sem as senhas de acesso. No dia seguinte, votação do ensino
de dizer que todo o meu relatório foi
incorporado à Constituição, apesar de público e gratuito, reitores e estudantes não entraram. Nem no tempo
todas as críticas da época, de que era da ditadura era tão difícil o acesso às galerias, revelou funcionário com
avançado demais”, lembra. “Quando 25 anos de Congresso. (Proposta, mai-jun/88)
vejo essa polêmica quanto à demar-
cação de terras indígenas, acho graça,
porque está na Constituição”. de emendas isoladas” para melhorar o misturava a proposta da Sistematização
Segundo o ex-ministro, era uma texto do Centrão, sugestão de Jofran com a do deputado conservador Adolfo
articulação intensa por dias, semanas, Frejat, reportava o jornal Proposta, de Oliveira (PL-RJ) — depois, no plenário
meses, sempre discutindo. “Eram do RADIS, que cobriu todo o processo. em festa, por 472 a 9 e 6 abstenções.
pessoas notáveis, como o Eduardo Ficou decidido na Plenária que, caso o Boa parte dos princípios mais caros aos
Jorge, o José Genoíno... Tínhamos Centrão aprovasse seu projeto, seriam sanitaristas, de algum modo, foi preser-
aliados importantíssimos em todos os apresentadas emendas ao texto final. vada. Das quatro emendas recuperadas
partidos: no PMDB, o Mário Covas, o “Não imaginem que será um doce de e levadas a votação em plenário foi
Almir Gabriel e a Rita Camata; no PFL, coco”, alertava Mário Covas. “Vocês aprovada apenas a do sangue, e
eu puxava o cordão dos defensores da terão que se desdobrar em seus esta- por ampla maioria, para surpresa
saúde, e perto de nós estavam pessoas dos, porque as grandes batalhas serão de todos: 313 a 127 (ver box pág.
que tinham passado a vida discutindo travadas no 7º e 8° capítulos, onde os 22). Nas palavras de Eleutério, a
saúde, como o Sergio Arouca”. textos são mais dissonantes”. revista Visão exprimiu na capa
Alceni lembra de um atrito com O Proposta transmitia os alertas. o sentimento que inundava o
Ulysses, sobre o projeto de licença-pa- Para o ex-presidente do lnamps, Hésio movimento sanitário: “Constituinte: o
ternidade, que desencadeou uma “onda Cordeiro, a aprovação do texto do fim da medicina privada”.
de chacotas”: Ulysses avisou que não lhe Centrão significaria “um retrocesso em Enfim, com atraso de 325 dias da
permitiria defender a proposta para não relação aos avanços na descentralização previsão inicial e a 584 dias da insta-
ser mais ridicularizado. Naquela noite, implementados pelo Suds [o pioneiro lação, o estudo de 39 mil emendas e
Alceni, que é pediatra, não dormiu cui- Sistema Unificado e Descentralizado de dois turnos de votação, a Constituinte
dando da filha recém-nascida. “Cheguei Saúde] e no próprio conceito da unifica- encerrou sua tarefa nos primeiros mi-
ao Congresso atrasado, quando a Rita ção”. Roberto Chabo, presidente da Fe- nutos da sexta-feira 22 de setembro,
Camata aprovava a licença-maternidade deração Nacional dos Médicos, lembrou quando o plenário aprovou, em votação
e todos aplaudiam”, recorda. Ulysses que 300 mil profissionais de saúde já global de turno único, a redação final.
fez piada sobre a licença-paternidade estavam envolvidos com o Suds. A emen- Em 5 de outubro de 1988, a promulga-
e todo mundo caiu na gargalhada. “Eu da do Centrão retira o setor privado da ção. Como enumera texto da Câmara
subi à tribuna para criticar a piada e tive subordinação ao setor público, avisou dos Deputados, a Constituição de 1988
um estalo: falei de como é importante o o presidente do Conass, Luis Umberto encerrou ciclo de instabilidade da Re-
pai estar perto da mãe, nas mães que vi Pinheiro. “Ela tende a enfraquecer o pública que soma sete dissoluções do
morrer na sala de parto e eu ainda tinha setor público e vai contra as propostas Congresso, cinco governos provisórios,
que dar a notícia ao pai... Percebi que da Oitava”. A plenária delegou a Hésio duas renúncias de presidentes — a de
a Benedita da Silva estava chorando e Cordeiro o papel de porta-voz. Collor, posterior, nem está computada
logo centenas de deputados choravam, o —, três presidente impedidos de tomar
Ulysses emocionado”. A licença-paterni- CENTRÃO E RETROCESSO posse, cinco depostos, um morto por
dade passou por 387 votos a favor e uns A tarefa era ressuscitar algumas suicídio, três ditaduras, 10 governos
40 contra. “Foi uma emenda aprovada emendas: saúde do trabalhador, de Edu- autoritários, 12 estados de sítio, dois
no discurso e no choro”. ardo Jorge; orçamento para a saúde, de estados de guerra, 21 leis constitucio-
Uma ofensiva sobre a Constituin- Abigail Feitosa; indústria farmacêutica, nais na ditadura Vargas (1937-1945), 17
te, esclarecendo as posições do movi- de Célio de Castro; e sangue, de Carlos atos institucionais na ditadura militar
mento popular da saúde e alertando Sant’Anna. Para o presidente da Fio- (1964-1985), 19 rebeliões militares,
para o retrocesso representado pelo cruz, Sergio Arouca, o fundamental era cassações de mandatos eletivos, pri-
projeto do Centrão, marcou os dias que ter em conta que o projeto do Centrão sões de parlamentares, banimentos,
antecederam a votação. A decisão foi seria um retrocesso ao que existia. “E exílios, intervenções em sindicatos e
tomada em movimentada reunião da isso já não é suficiente para resolver os universidades, censura à imprensa,
Plenária Saúde, em 16/3/88 no Anexo graves problemas da saúde”, disse. “A prisões, tortura, assassinatos políticos
4 do Congresso. Sindicatos, conselhos saída é, em nossa ofensiva política, e de ativistas populares.
e associações profissionais, instituições discutir com todos os governadores e A Folha de S. Paulo anunciava em
científicas, universidades, CUT, confe- secretários de Saúde já beneficiados 11/9/88 os oito “campeões de presen-
deração de moradores, todos mandaram pelo Suds para que influenciem as ça”: “Artur da Távola (PSDB-RJ), Delfim
representante, umas 60 pessoas. Deze- bancadas na Constituinte”. Neto (PDS-SP), Haroldo Lima (PCdoB),
nas de constituintes compareceram. As A pressão deu certo: o projeto do José Genoíno (PT-SP), Konder Reis (PDS-
avaliações iam desde a possibilidade de Centrão acabou rejeitado e em 17 de SC), Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), Plí-
se “costurar um acordo, aprovando o maio de 1988 o texto da saúde foi afinal nio de Arruda Sampaio (PT-SP) e Roberto
texto da Sistematização”, como propôs aprovado. Primeiro, no tal colégio de Freire (PCB-PE)”. A bancada do PCdoB
Eduardo Jorge, até o “aproveitamento líderes, resultado de um acordão que — Aldo Arantes (GO), Edmilson Valentim
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(RJ), Eduardo Bonfim (AL), Haroldo caram em pronunciamento, no dia 22 os avanços principalmente nos direitos
Lima (BA) e Lídice da Mata (BA) — por de setembro, por que estavam votando dos trabalhadores (...)”.
pouco não foi a única a conseguir nota contra o texto global e por que assina- A fala do então deputado Luiz Iná-
10 do Diap, que avaliava o desempenho riam a Carta Constitucional. Paulo Paim cio Lula da Silva (SP): “(...) Importante
dos constituintes, por conta de um 9,5 (RS) discursou: “(...) O PT vota contra o na política é que tenhamos espaço de
para Lídice. O documento da Câmara “A texto global porque não pode votar a fa- liberdade para ser contra ou a favor. E o
construção da democracia”, de Casimiro vor de um texto que é contra a reforma Partido dos Trabalhadores, por entender
Neto, por sinal derruba um mito sempre agrária, não assegura a estabilidade, dá que a democracia é algo importante
brandido pela oposição: o de que o PT 5 anos para o presidente Sarney, como — ela foi conquistada na rua, ela foi
não assinou a Constituição. Diz o texto mantém na íntegra a estrutura militar. conquistada nas lutas travadas pela so-
que nove deputados do partido justifi- O PT assina a Carta porque reconhece ciedade brasileira —, vem aqui dizer que

FOTOS: ABIA
Henfil (com a mãe) e Betinho: nas lutas sob
o lema “Salve o sangue do povo brasileiro”

teve ampla cobertura. Para ela, o as- civil. Uma delas tomou corpo na Abia,

A pesar de o novo texto constitucional


ter aprovado a garantia histórica
de saúde como direito de todos e de-
sunto “deu ibope” porque afetava um
setor forte da “indústria” e se relacio-
nava com os intensos debates que se
fundada em 1987 por um grupo de
ativistas que tinha à frente o sociólogo
Herbert de Souza, o Betinho.
ver do Estado, uma questão discutida travavam em torno da aids. Hemofílico e soropositivo, ele
na Assembléia Nacional Constituinte A crescente epidemia, que fazia personificou, ao lado dos irmãos Chico
mereceu destaque bem maior na co- suas primeiras vítimas no país, atingia Mário e Henfil, a luta pública contra
bertura feita pela imprensa: o controle com especial crueldade os hemofíli- o comércio do sangue. “Betinho foi a
da qualidade do sangue. “O desprezo cos — que dependiam de transfusões pessoa que nos legitimou a politizar a
da imprensa era total”, conta à Radis de sangue regulares. “Era um momen- discussão sobre o sangue, e mais que
a pesquisadora Mariana Siqueira de to dramático”, descreve a cientista isso, foi por causa dele que consegui-
Carvalho Oliveira. Antenada com a social Sílvia Ramos, que naqueles mos estabelecer normas e cumpri-las”,
visão perversa da época, “a imprensa dias era secretária executiva da As- avalia o médico Álvaro Matida, na épo-
via a saúde no contexto privativista, sociação Brasileira Interdisciplinar de ca coordenador do Programa Estadual
não como um direito social, mas ape- Aids (Abia). Ela lembra que foi grande de DST/Aids do Rio de Janeiro.
nas de trabalhadores nos institutos ou o impacto causado pelos primeiros Sílvia resume o cenário com uma
indigentes nas santas casas”. casos confirmados de contaminação palavra: “descalabro”. “Havia um pa-
Mariana teve que recorrer à pelo HIV entre os hemofílicos, causa- drão culturalmente aceitável de em-
fonte primária, os Anais do Senado, dos por sangue contaminado. presários que viviam do comércio do
para completar sua dissertação de A “loteria” que colocava em risco sangue, verdadeiros vampiros e no Rio
mestrado. “Era um ranço da ditadura: hemofílicos, parceiros e parceiras, as- de Janeiro a situação era pior: havia
o direito de todos à saúde, algo novo, sociada ao desconhecimento de causas gente, na Baixada, que doava quase
não dava ibope”. Ao mesmo tempo, a e modos de transmissão da doença, todos os dias em troca de um valor
emenda contra o comércio do sangue logo despertou reações na sociedade que hoje equivaleria a 15 reais”, diz.
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vai votar contra esse texto exatamente do capital continua intacta. Patrão, ção nesta Constituinte. Muito obrigado,
porque entende que, mesmo havendo neste país, vai continuar ganhando companheiros. (Muito bem! Palmas)”.
avanços na Constituinte, a essência do tanto dinheiro quanto ganhava antes, Outro trecho de discurso digno
poder, a essência da propriedade priva- e vai continuar distribuindo tão pouco de lembrança é o de Bernardo Cabral:
da, a essência do poder dos militares quanto distribui hoje. É por isto que o “Insultado, ofendido, injuriado, difa-
continua intacta nesta Constituinte. (...) Partido dos Trabalhadores vota contra o mado, caluniado, não me omiti, não
Ainda não foi desta vez que a sociedade texto e, amanhã, por decisão do nosso desertei, já que, de forma obstinada,
brasileira, a maioria dos marginalizados, diretório — decisão majoritária — o sabia que o objetivo maior era dar a
vai ter uma Constituição em seu be- Partido dos Trabalhadores assinará a minha contribuição para que o país
nefício. (...) Era preciso democratizar Constituição, porque entende que é o possa sair da excepcionalidade insti-
na questão do capital. E a questão cumprimento formal da sua participa- tucional — que o marcou no passado —

A prática de compra e venda gene- interação com a sociedade, incluin- Também contrário à medida, o
ralizada, “quase um tráfico”, somente do-se aí os meios de comunicação. constituinte Fernando Gomes (PMDB-
foi impactada graças à articulação BA) criticou: “Como pode o governo
conjunta entre diversos setores da so- VITÓRIA NAS GALERIAS assumir a comercialização do sangue
ciedade: “a luta contra o comércio do A Assembléia Nacional Constituinte se falta medicamento e muitas ve-
sangue foi a primeira política pública aprovou em primeiro turno a estatização zes se espera 24 horas, uma semana
de saúde impactada pelo HIV”, define da rede de coleta, pesquisa, tratamento para esse atendimento, quando o
Sílvia. Pela primeira vez, sociedade civil e transfusão de sangue e seus derivados, sangue tem que ser fornecido na
e autoridades governamentais de saúde mas a vitória não foi fácil. No dia da vo- hora?”, questionou. Francisco Dias
definiram uma aliança em condições de tação, as galerias do Congresso Nacional (PMDB-SP) atestava sua confiança:
igualdade, modelo que foi copiado em ficaram lotadas de representantes de “Estarei do lado daqueles que
outras ações de enfrentamento à aids. sindicatos de trabalhadores da área defendem o controle absoluto do
Ela conta que esta parceria não da saúde, de entidades médicas e sangue por parte do governo”.
teria sido efetiva se não tivesse conta- conselhos profissionais, além de se- Em entrevista à edição nº 10 da
do com a participação de dois outros cretários municipais e estaduais de Tema/RADIS, publicada em junho de
importantes atores: o Poder Legislativo Saúde. Foram 313 votos a favor, 127 1988, logo após a aprovação da emenda
e a mídia. A articulação direta com os contrários e 37 abstenções. do sangue, Betinho resumiu a motivação
profissionais de imprensa, avalia, foi da luta: “Acho que a aids criminalizou o
responsável pela grande repercussão em sangue, porque é mortal. Não entendo
torno da adoção de medidas regulatórias
em relação ao sangue. Sem falar no
A aids como o sangue possa ser objeto de tran-
sação comercial, pois foi exatamente
caráter “midiático” da epidemia: “A
aids era sinônimo de manchete de jor-
legitimou essa natureza da transfusão que nos
levou a viver essa desgraça”.
nal mesmo antes de fazer as primeiras A luta dos ativistas seria longa.
vítimas no Brasil”. A morte do cartunista o poder público Apesar da aprovação da emenda na
Henfil, em 4 de janeiro de 1988, em Constituinte, o efetivo controle sobre
plena Constituinte, provocou comoção
no plenário: da tribuna, vários parla-
a fechar bancos o comércio do sangue só ocorreu com
a aprovação do projeto de lei nº 1064,
mentares exigiam o controle do sangue.
Sílvia também destaca como
de sangue de 1991, inicialmente apresentado pelo
deputado Raimundo Bezerra (PMDB-CE).
estratégia decisiva a postura corajosa Sua aprovação, entretanto, viria apenas
de Betinho, ao assumir publicamente Única emenda votada em sepa- em 2001, constituindo a Lei 10.205,
sua condição de soropositivo. “Os he- rado — os constituintes não chegaram conhecida como “Lei Betinho”.
mofílicos poderiam ter se escondido: a acordo em torno do tema nos dias A lei ratifica a proibição do co-
considerados vítimas ‘inocentes’ do em que foi debatido em plenário —, o mércio de sangue e derivados e esta-
HIV, eles também sofriam precon- texto foi aprovado sob gritos de “salve belece a criação do Sistema Nacional
ceito”. Ela lembra que, a partir do o sangue do povo brasileiro”, na mes- de Sangue (Sinasan), voltado para a
momento em que o HIV entrou em ma sessão que aprovou por acordo o fiscalização de atividades e a vigilância
questão, mortes e problemas sanitá- novo texto sobre saúde, seguridade, sanitária de produtos. Também propõe
rios ocasionados pelo sangue conta- previdência e assistência social. a Política Nacional de Sangue, que
minado foram considerados crime, Alguns constituintes criticaram a objetiva garantir a auto-suficiência
e seus responsáveis, “criminosos”. decisão, como o deputado Pedro Canedo do país no setor. É também a Lei Beti-
Matida lembra que a aids deu (PFL-SP), para quem a aprovação tinha nho que determina o uso de material
visibilidade a outras epidemias “silen- se dado “emocionalmente” graças à descartável, a triagem de doadores e
ciosas” relacionadas à falta de controle morte de Henfil, manifestando preocu- testagem do sangue coletado, além
do sangue, como as contaminações por pação quanto à responsabilidade confe- de proibir a remuneração da doação,
citomegalovírus, malária e hepatites. “A rida ao Estado, segundo ele incapaz de que deve ser voluntária. Estabelece,
aids legitimou o poder público a tomar gerenciar a situação: “É exatamente a ainda, que o paciente tem o direito
atitudes drásticas, como fechar bancos esse Estado que esses segmentos da es- de conhecer a procedência do sangue
de sangue”, ressalta. O episódio deixou querda de nosso país querem entregar a a ser recebido por transfusão e institui,
como lição a idéia de que os profissionais coleta, o processamento e a transfusão como diretriz básica, o acesso universal
de saúde precisam estar em constante do sangue e seus derivados”. da população ao sangue. (A.D.L)
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[ 24 ]

antevia o pior naquela época: o qua-


Manchete dro triste de queimadas arrasadoras
O pai da matéria s em nove parques nacionais e centenas
de matas, cerrados e campos de 11

A o defender a emenda do sangue em plenário, o relator da Constituinte,


Bernardo Cabral, argumentou que ela era assinada por três médicos
(Jamil Haddad, Carlos Sant’Anna e Eduardo Jorge) e um advogado (José
estados tem relação direta com a fal-
ta de uma Reforma Agrária, “a maior
derrota da Constituinte”.
Fogaça). Na verdade, eram quatro médicos: faltou Almir Gabriel, o ver- De qualquer maneira, o texto da
dadeiro pai da matéria. (jornal Proposta, mai/jun-88) Constituição privilegia a livre iniciati-
va, o trabalho, a soberania nacional;
prevê a defesa do consumidor, do meio
para o reordenamento constitucional, finir a Assistência Social eu ponho na ambiente, a redução das desigualdades
que o espera no presente”. Constituinte”. Sonia cumpriu a tarefa regionais e sociais; garante assistência
Para Roberto Campos, a Constitui- com base em seus estudos de outros e seguridade sociais, direitos e faculda-
ção de 88 é fruto de “alegre irrespon- países, “mas se não fosse a pressão do des a crianças e adolescentes, idosos,
sabilidade”; para José Sarney, deixou o movimento da assistência social, talvez mulheres, deficientes, índios e negros,
país “ingovernável”. Para Sonia Fleury, o Almir retirasse do texto”. assegurando prerrogativas às minorias,
o balanço é positivo. “Apesar das der- antes não-reconhecidas; protege direi-
rotas, não podemos negar que a Cons- GANHOS E PERDAS tos humanos e sociais e novas liberdades
tituinte foi extremamente importante Em outubro de 88, a análise de constitucionais, como mandado de
para a afirmação da democracia, Sergio Arouca era visionária, mostrou injunção e habeas data. São crimes ina-
um grande pacto nacional em o Proposta: se não fosse assegurado fiançáveis a tortura e as ações armadas
que conseguimos um sistema o financiamento necessário ao novo contra o Estado democrático.
de saúde universal de saúde”, sistema com uma reforma tributária Promulgada com 245 artigos e 70
avalia. “Tivemos sucesso na que garantisse a descentralização disposições transitórias, sua redação
organização e na definição do financeira para estados e municípios, original foi emendada pelo Congres-
SUS, mas não soubemos definir quem dizia, “toda a Reforma Sanitária corre- so Nacional Revisor entre 7/10/93 e
pagaria a conta, um pacto que não ria o risco de vencer nas afirmações de 31/5/94, como previa o art. 3º do Ato
se realizou até hoje”. Outra grande princípio e perder nas possibilidades das Disposições Constitucionais Tran-
derrota, segundo ela, foi a da Seguri- materiais de sua implantação”. E pre- sitórias. Até 2007 foi alterada por seis
dade Social. “A saúde somente aceitou via: “A luta no campo da ordem econô- emendas constitucionais de revisão e
pragmaticamente a Seguridade, não mica deve ser considerada aberta para 53 emendas constitucionais. Mas ainda
a abraçou totalmente”, afirma. Por futuros enfrentamentos”. O mesmo, tem 51 dispositivos não-regulamen-
outro lado, foi uma vitória a entrada antecipou, ocorreria em relação à tados. Aprovada em 2000, mesmo a
da Assistência Social na Constituição: derrota sofrida “na questão social mais Emenda Constitucional nº 29, que trata
“Convencer da importância do tema ampla, a da Reforma Agrária”. do financiamento da saúde, ainda não
não foi fácil”, diz Sonia, a quem Almir O ecologista Carlos Minc, então foi regulamentada. Para os sanitaristas,
Gabriel dizia: “Se você conseguir de- deputado estadual do PV, também já uma tarefa em andamento. (M.C.)

REFERÊNCIAS

TEXTOS VÍDEOS E ÁUDIOS

• Anais da 8ª Conferência Nacional de Saúde • “Aula de cidadania” — Ulysses no Diário


http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/0219VIIIcns.pdf da Constituinte (Câmara dos Deputados)
• Documentos I — Comissão Nacional da Reforma Sanitária (anexo, http://br.youtube.com/watch?v=dj7lmsVXXoQ
Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde) • Jornadas de votação — Diário da
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd05_07.pdf Constituinte
• O processo histórico da elaboração do texto constitucional www2.camara.gov.br/legislacao/
— Dílson Emílio Brusco e Ernani Valter Ribeiro (1993, Câmara dos constituicaocidada/assembleia-nacional-
Deputados) constituinte/programa-diario-da-constituinte
www2.camara.gov.br/legislacao/constituicaocidada/
publicacoes/o-processo-historico-da-elaboracao-do-texto-1 • “Pungente saudade” — Ulysses ao fim das
votações (2/9/88)
• A construção da democracia (parte IV), de Casimiro Neto (Câmara www2.camara.gov.br/legislacao/
dos Deputados, 2003) constituicaocidada/assembleia-nacional-
www.camara.gov.br/internet/infdoc/Publicacoes/html/pdf/construcao4.pdf constituinte/videos/programa718.wmv/playv
• Linha do Tempo da Constituinte • “Ódio e nojo à ditadura” — Ulysses na
www2.camara.gov.br/constituicao20anos/assembleia-nacional-constituinte/
Promulgação (5/10/88)
linha-do-tempo-da-constituinte
www.senado.gov.br/comunica/museu/
• A Constituição (atual, texto original, anteriores) ulisses.htm#senador1
www2.camara.gov.br/constituicao20anos/constituicaofederal (requer Real Player com plug-in)
• Biblioteca Virtual Sergio Arouca — Fiocruz
http://bvsarouca.cict.fiocruz.br/ Mais indicações
Mais iind
ndic
nd icaç
ic aççõe
õess na p ágg. 34
pág.
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[ 25 ]

O capítulo da saúde na Constituição de 1988


TÍTULO VIII — Da Ordem Social
CAPÍTULO II — Da Seguridade Social
SEÇÃO II — Da Saúde
Art. 196. A saúde é direito de todos e dação dos impostos a que se refere o Art. 199. A assistência à saúde é livre
dever do Estado, garantido mediante art. 156 e dos recursos de que tratam à iniciativa privada.
políticas sociais e econômicas que vi- os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 1º — As instituições privadas poderão
sem à redução do risco de doença e de § 3º. (Incluído pela Emenda Constitu- participar de forma complementar
outros agravos e ao acesso universal e cional nº 29, de 2000) do sistema único de saúde, segundo
igualitário às ações e serviços para sua § 3º Lei complementar, que será rea- diretrizes deste, mediante contrato
promoção, proteção e recuperação. valiada pelo menos a cada cinco anos, de direito público ou convênio, tendo
Art. 197. São de relevância pública as estabelecerá: (Incluído pela Emenda preferência as entidades filantrópicas
ações e serviços de saúde, cabendo ao Constitucional nº 29, de 2000) e as sem fins lucrativos.
Poder Público dispor, nos termos da lei, I — os percentuais de que trata o § § 2º — É vedada a destinação de
sobre sua regulamentação, fiscalização 2º; (Incluído pela Emenda Constitucio- recursos públicos para auxílios ou
e controle, devendo sua execução ser nal nº 29, de 2000) subvenções às instituições privadas
feita diretamente ou através de ter- com fins lucrativos.
II — os critérios de rateio dos re-
ceiros e, também, por pessoa física ou § 3º — É vedada a participação
cursos da União vinculados à saúde
jurídica de direito privado. direta ou indireta de empresas
destinados aos Estados, ao Distrito
Art. 198. As ações e serviços públicos Federal e aos Municípios, e dos ou capitais estrangeiros na assis-
de saúde integram uma rede regionali- Estados destinados a seus respecti- tência à saúde no País, salvo nos
zada e hierarquizada e constituem um vos Municípios, objetivando a pro- casos previstos em lei.
sistema único, organizado de acordo gressiva redução das disparidades § 4º — A lei disporá sobre as condições
com as seguintes diretrizes: regionais; (Incluído pela Emenda e os requisitos que facilitem a remo-
I — descentralização, com direção Constitucional nº 29, de 2000) ção de órgãos, tecidos e substâncias
única em cada esfera de governo; III — as normas de fiscalização, ava- humanas para fi ns de transplante,
II — atendimento integral, com liação e controle das despesas com saú- pesquisa e tratamento, bem como a
prioridade para as atividades pre- de nas esferas federal, estadual, distri- coleta, processamento e transfusão
ventivas, sem prejuízo dos serviços tal e municipal; (Incluído pela Emenda de sangue e seus derivados, sendo ve-
assistenciais; Constitucional nº 29, de 2000) dado todo tipo de comercialização.
III — participação da comunidade. IV — as normas de cálculo do Art. 200. Ao sistema único de saúde
montante a ser aplicado pela União. compete, além de outras atribuições,
§ 1º. O sistema único de saúde será nos termos da lei:
(Incluído pela Emenda Constitucio-
financiado, nos termos do art. 195,
nal nº 29, de 2000) I — controlar e fiscalizar procedi-
com recursos do orçamento da segu-
ridade social, da União, dos Estados, § 4º Os gestores locais do sistema mentos, produtos e substâncias de
único de saúde poderão admitir interesse para a saúde e participar da
do Distrito Federal e dos Municípios,
agentes comunitários de saúde e produção de medicamentos, equipa-
além de outras fontes. (Parágrafo úni-
agentes de combate às endemias mentos, imunobiológicos, hemoderi-
co renumerado para § 1º pela Emenda
por meio de processo seletivo pú- vados e outros insumos;
Constitucional nº 29, de 2000)
blico, de acordo com a natureza e II — executar as ações de vigilância
§ 2º A União, os Estados, o Distrito
complexidade de suas atribuições sanitária e epidemiológica, bem como
Federal e os Municípios aplicarão, anu-
e requisitos específicos para sua as de saúde do trabalhador;
almente, em ações e serviços públicos
atuação. (Incluído pela Emenda III — ordenar a formação de recursos
de saúde recursos mínimos derivados Constitucional nº 51, de 2006)
da aplicação de percentuais calculados humanos na área de saúde;
sobre: (Incluído pela Emenda Consti- § 5º Lei federal disporá sobre o regime IV — participar da formulação da
tucional nº 29, de 2000) jurídico e a regulamentação das ativi- política e da execução das ações de
dades de agente comunitário de saúde saneamento básico;
I — no caso da União, na forma de- e agente de combate às endemias. (In-
finida nos termos da lei complementar V — incrementar em sua área de
cluído pela Emenda Constitucional nº
prevista no § 3º; (Incluído pela Emenda atuação o desenvolvimento científi-
51, de 2006) (Vide Medida provisória
Constitucional nº 29, de 2000) co e tecnológico;
nº 297. de 2006) Regulamento
II — no caso dos Estados e do Distrito VI — fiscalizar e inspecionar alimen-
§ 6º Além das hipóteses previstas no
Federal, o produto da arrecadação dos tos, compreendido o controle de seu
§ 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169
impostos a que se refere o art. 155 e teor nutricional, bem como bebidas e
da Constituição Federal, o servidor
dos recursos de que tratam os arts. águas para consumo humano;
que exerça funções equivalentes às
157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, de agente comunitário de saúde ou VII — participar do controle e fiscali-
deduzidas as parcelas que forem trans- de agente de combate às endemias zação da produção, transporte, guarda
feridas aos respectivos Municípios; poderá perder o cargo em caso de e utilização de substâncias e produtos
(Incluído pela Emenda Constitucional descumprimento dos requisitos es- psicoativos, tóxicos e radioativos;
nº 29, de 2000) pecíficos, fixados em lei, para o seu VIII — colaborar na proteção do
III — no caso dos Municípios e do exercício. (Incluído pela Emenda meio ambiente, nele compreendido o
Distrito Federal, o produto da arreca- Constitucional nº 51, de 2006) do trabalho.
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O S I ST EM A DE SAÚ DE RE A L

Nivelamento por baixo


problemas estruturais da saúde pública com base na variação nominal do PIB,

O s princípios e as diretrizes da saú-


de contemplados na Constituição
de 1988 apontam para o resgate da
brasileira que, de uma maneira ou de
outra, estão relacionados a um único
tema: o financiamento.
e não sobre a arrecadação da receita
corrente bruta — a iniciativa valeu
apenas para estados, Distrito Federal
solidariedade e da responsabilidade Na análise de Nelsão, professor e municípios; e, por fim, a pressão
social do Estado, para a prática de uma da Unicamp e presidente do Instituto sobre o Congresso Nacional, desde
“eqüidade nivelada por cima” e com de Direito Sanitário Aplicado, o finan- 2003, para que não regulamentasse a
investimentos capazes de assegurar o ciamento do SUS é marcadamente EC 29 com percentual sobre a arreca-
acesso a todos os níveis de atenção. insuficiente, “a ponto de impedir não dação para a esfera federal. “Houve
Passados 20 anos da promulgação da somente a implementação progressiva também a opção governamental pela
Carta Cidadã, a eqüidade está “nive- e incremental do sistema, como a re- participação do orçamento federal no
lada por baixo” — o sistema é estruturação do modelo em função do financiamento indireto das empresas
subfinanciado, tem suboferta de cumprimento dos princípios constitucio- privadas de planos e seguros de saúde
serviços, o que leva as camadas nais”. Ao longo desses 20 anos o governo por meio da dedução do Imposto de
médias da população a aderirem optou pela desconsideração da indica- Renda, além do co-financiamento de
a planos privados. Esse é o ba- ção constitucional de 30% do Orçamento planos privados dos servidores públi-
lanço que o sanitarista Nelson da Seguridade Social para o SUS e pela cos (incluindo as estatais), do não-
Rodrigues dos Santos, o Nelsão, faz da retirada da participação da contribuição ressarcimento ao SUS pelas empresas
situação atual da saúde. previdenciária à saúde em 1993 — que do atendimento aos seus afiliados e
“Não há recursos adicionais para historicamente era de 25%. pelas isenções tributárias que tota-
atenção básica, para serviços preven- Outras decisões governamentais, lizam mais de 20% do faturamento
tivos e para os menos incluídos e os ex- que Nelsão enumera, foram na contra- das empresas”, acrescenta ele na
cluídos, tampouco para investimentos mão do SUS: desvio de mais da metade conversa com a Radis.
estratégicos na capacidade instalada da CPMF aprovada para a saúde em “Vale lembrar que a atualização
e no pessoal de saúde em todos os 1996; “esperteza” e imposição federal do fi nanciamento federal segundo
níveis”, resume. Nelsão e outros sani- na aprovação da EC 29 em 2000, defi- a variação nominal do PIB não vem
taristas ouvidos pela Radis identificam nindo os percentuais mínimos da União sequer acompanhando o crescimento

FOTO: ARQUIVO RADIS


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populacional, a infl ação na saúde

FOTO: ARQUIVO PESSOAL


e a incorporação de tecnologias”,
destaca no artigo Política pública
de saúde no Brasil: encruzilhada,
buscas e escolhas de rumos. “Mantém Os 30% da seguridade eram
o financiamento público anual per o mínimo: corresponderiam
capita abaixo do verificado em países hoje a R$ 106, 6 bilhões
como Uruguai, Argentina, Chile e
Costa Rica e cerca de 15 vezes menor NELSON RODRIGUES DOS SANTOS, sanitarista
que a média no Canadá, em países
europeus e na Austrália”, escreve.
Para Nelsão, os 30% da Seguridade
Social para a saúde, que constam do
Ato das Disposições Transitórias da
Constituição de 88, eram o mínimo somente a saúde. Em 2000, impôs-se Jofran, “médico da época em que se
para se iniciar a implementação do como condição para a aprovação da pedia somente uma chapa de tórax”,
SUS com universalidade, igualdade EC 29 o cálculo da correção de investi- enquanto hoje se indica no mínimo
e integralidade. “Corresponderiam mentos na saúde com base na variação uma tomografia. “A saúde não tem
hoje a R$ 106,6 bilhões, e não os R$ nominal do PIB — a menor. preço mas tem custo”, ironiza.
48,5 bilhões aprovados para o orça- Há oito anos à frente da prefei- A reclamação é repetida por
mento federal de 2008”. tura do Rio de Janeiro, que periodica- outros entrevistados da Radis.
Quando ministro da Previdência mente enfrenta crises da saúde, Cesar Alberto Pellegrini concorda em
Social (1992 e 1993), Antônio Britto Maia (DEM-RJ), constituinte pelo PDT, que a CPMF foi uma espécie de
Filho abortou esse dispositivo ale- responsabiliza o Ministério da Fazenda remendo: “O Brasil não tem
gando dificuldades no pagamento de pela indefinição dos recursos da saúde. fonte de financiamento estável,
aposentadorias e pensões. Na época, “Vinculado já está, mas o governo garantida”. Alceni Guerra calcu-
lembra o constituinte e atual depu- federal não deixou avançar”, aponta. la que o orçamento deve ser três ou
tado federal Jofran Frejat (PR-DF), “Tanto que depois veio a DRU” (Des- quatro vezes maior que o atual para
comentava-se: “Estão salvando os ve- vinculação de Recursos da União, que que o SUS venha a se tornar viável.
lhinhos e matando as criancinhas”. desvia receitas da área social). “Há vários ministérios da saúde
Em 1993, como detalha a lista de dentro do Ministério da Saúde, cada
Nelsão, retirou-se a participação da “CHAPA DE TORAX” um vinculado a interesses corpo-
saúde na contribuição previdenciária “Enquanto a saúde não for prio- rativos, clientelistas e fi nanceiros
(de 25%). Três anos depois, foi des- ridade para o governo e não houver com representações na sociedade,
viada mais da metade do arrecadado fonte segura e permanente, vamos governo e parlamento”, opina Nel-
com a CPMF, aprovada para financiar ficar sempre de pires na mão”, opina são. Outro problema, a “extensa,

Nas últimas conferências nacionais de saúde (11ª, em 2000,


12ª, em 2003, e 13ª, em 2008), três etapas no diagnóstico
dos problemas do sistema e a preocupação permanente
com a defesa do SUS

FOTOS: ARISTIDES DUTRA


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profunda e desastrosa” precarização para usuários e trabalhadores nem Para ele, “as diretrizes da in-
das relações de trabalho nos órgãos também se está contra a inovação tegralidade e da eqüidade pouco ou
federais de saúde: suspensão dos para manter o pior. nada avançam, a judicialização do
concursos públicos, aviltamento de O sanitarista afirma que as ne- acesso a procedimentos assistenciais
carreiras e salários e a “onda” de ter- cessidades e os direitos da população de médio e alto custo às camadas
ceirizações aleatórias, que acabou “ainda são secundários na lógica do média-média e média-alta aprofun-
por influir em estados e municípios modelo de gestão vigente”, no qual dam a iniqüidade e a fragmentação
pela Lei de Responsabilidade Fiscal. predominam os interesses da oferta: do sistema, e o modo de produzir ser-
Nelsão cita ainda o “retardamento dos trabalhadores de saúde, dos pres- viços e práticas de saúde permanece
ou o impedimento” da reforma do tadores de serviço, da indústria de centrado nos procedimentos médicos
Estado, que poderia garantir au- medicamentos e do modelo econômico de diagnose e terapia”.
tonomia gerencial a prestadores financeirizado. Outro problema, cita, Nelsão festeja o fato de que os
públicos a fim de melhorar resulta- é a fragmentação setorial — em detri- valores éticos incluídos na Constitui-
dos, desempenho e eficiência. Esse mento de políticas intersetoriais — “e ção tenham contagiado parte impor-
atraso, avalia, abriu brechas para a respectivos corporativismos, cliente- tante dos trabalhadores de saúde e
delegação de responsabilidades do lismos e desperdícios”. Nelsão mencio- dos gestores públicos, principalmente
Estado a entes privados em situações na também a desregulamentação tanto os municipais. Como conseqüência
casuísticas, como fundações privadas da demanda ao SUS pelos afiliados dos houve explosiva inclusão de metade
de apoio, organizações sociais (OSs) planos privados, quanto da produção da população, antes excluída. Mas, nos
e organizações da sociedade civil de de bens de saúde (medicamentos, anos 90, ficou clara uma distorção: a
interesse público (Oscips). equipamentos, imunobiológicos). inclusão pautou-se na universalidade
Nelsão defende que a bus- e na descentralização com ênfase na
ca de soluções não deve estar PORTA FECHADA municipalização, mantendo atrofiadas
circunscrita ao PLP nº 92/2007, Esses problemas se refletem di- e muitas vezes nulas a integralidade,
que trata das fundações esta- retamente nos serviços, opina Nelsão. a igualdade, a regionalização e a par-
tais de direito privado — “vago A atenção básica, que se expande às ticipação dos conselhos de saúde na
e vulnerável a distorções” —, nem maiorias pobres da população, na formulação de estratégias.
à emenda substitutiva do deputado média nacional tem baixa qualidade “Mesmo atrofiados, esses princí-
Pepe Vargas (PT-RS) — “que deve e resolutividade: “Não consegue pios continuam encampados por milha-
abranger mais alternativas”. Para constituir-se na porta de entrada res de atores locais que se esforçam
ele, houve um equívoco no debate, preferencial do sistema, nem reunir permanentemente em efetivá-los,
com posições polares cristalizadas, potência transformadora na estru- mesmo que nos limites de experiências
seja entre os gestores, os conselhei- turação do novo modelo de atenção localizadas, quase sempre frágeis e
ros de saúde, os delegados das confe- preconizado pelos princípios constitu- reversíveis”, observa. Provas desse
rências. Para Nelsão, temos o dever cionais”. Os serviços de média e alta esforço quase anônimo, diz, tornam-
cívico de superar esses equívocos, complexidade, cada vez mais conges- se visíveis nas mostras regionais e
começando pelo crédito de que nem tionados, reprimem oferta e demanda nacionais de experiências exitosas
se está querendo inovações no mo- — “repressão em regra iatrogênica e — “verdadeiras pontas de icebergs
delo de gestão para piorar a situação freqüentemente letal”. reveladoras de incomensurável poten-

Nas crises da saúde no Rio


de Janeiro, a agudização
dos problemas do SUS;
em Santos, o sistema
experimentou os primeiros
avanços já nos anos 90
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cial de futura retomada de rumos na

FOTO: ARQUIVO PESSOAL


construção do SUS”.
Para a cientista política Sonia
Fleury, não haverá universalização da
saúde enquanto não se universalizar A saúde não tem preço,
a proteção social, como seguro de-
semprego, aposentadorias e políticas mas tem custo.
assistenciais. “Um idoso sem aposenta-
doria, um desempregado sem seguro, JOFRAN FREJAT, deputado federal (PR-DF)
uma família abaixo da linha da pobreza
são candidatos naturais a ficarem
doentes, pois a saúde é determinada
socialmente”, frisa. “Não é viável um
sistema universal de saúde para pes-
soas desamparadas em outros aspectos A l b e r t o Pe l l e g r i n i t a m b é m oportuno à radioterapia, 25% dos por-
da proteção social”. Sonia defende o identifica avanços. “No relatório tadores de tuberculose, hansenianos
resgate da bandeira da seguridade, final da Comissão Nacional sobre e de malária sem acesso oportuno e
assegurando direitos sociais universais, Determinantes Sociais da Saúde, sistemático ao sistema, incidências
e a busca de uma institucionalidade mostramos dados impressionantes: anuais de 20 mil casos novos de câncer
que a viabilize — com conferência, em 1985, 45% das mortes de crianças ginecológico e 33 mil casos novos de
conselho, orçamento. eram mal-definidas no Nordeste, aids. “Diz-se que há muita recla-
Os atuais rumos da estruturação porque não havia atenção médica; mação por parte dos usuários,
da saúde, opina Nelsão, apontam para em 2005, esse índice caiu para 9%, e realmente há, mas porque
um sistema público pobre para os 75% o que aponta claramente a melhoria saímos de um atendimento de
pobres da população fora do mercado da cobertura”, exemplifica. De acor- 10 para um de 1.000”, comenta
dos planos privados de saúde e com- do com Nelsão, avanços como esses Jofran Frejat. “A partir da Cons-
plementar para os 25% da população foram possíveis graças à extinção tituição, todos passaram a insistir no
no mercado de planos privados — “que do Inamps, à descentralização, às seu direito à saúde”. Ele lembra que,
acessam serviços, medicamentos e comissões intergestores, aos fundos antes do SUS, quem tinha dinheiro ia
próteses mais caros e sofisticados do de saúde e aos conselhos de saúde. para hospital particular; quem não
SUS, por caminho tanto mais curto “Avançamos muito na descentrali- tinha, acabava no sistema das prefei-
quanto mais alto seu estrato social e zação e na extensão de cobertura turas, nas santas casas ou morria de
o valor do plano privado”. populacional com surpreendente doenças tratáveis e curáveis por falta
Hésio Cordeiro discorda dos capacidade de elevar a produtividade de acesso ao serviço. “O SUS estendeu
que afirmam que o Brasil tem dois e a produção de ações e serviços com a todos essa possibilidade”.
sistemas, um para ricos e outro para tão parcos recursos”, diz ele, para O presidente do Conselho Nacio-
pobres. Diretor de gestão da Agência quem este impacto positivo iniciou- nal de Saúde, o farmacêutico Francisco
Nacional de Saúde Suplementar, ele se nos anos 80 com os convênios Batista Júnior, também aponta como
acha que “o SUS é de todos”, inclu- “inampianos” das Ações Integradas avanço a participação da comunidade
sive dos ricos quando necessitam de de Saúde e dos Sistemas Unificados em ações e serviços de saúde, num
atendimento de alta complexidade. e Descentralizados de Saúde. país culturalmente autoritário. “O
“O negativo foi os setores progres- controle social está solidificado, não
sistas não se dedicarem ao tema da RECORDES INSUSTENTÁVEIS há qualquer possibilidade de extinção,
regulação dos planos e operadoras O problema, aponta, é que apesar de sempre existir quem queira
privadas, talvez por desconhecimento este “produtivismo” ainda não tem mudar a legislação a fim de diminuir
das alternativas da regulação”. rumo estruturado pelos conceitos o poder de conselhos e conferências”,
Mesmo identificando tantos des- de igualdade, integralidade e reso- diz. Segundo Júnior, há uma relação di-
vios, Nelsão acredita que o SUS lutividade — excetuando-se casos de reta entre os lugares em que o sistema
avançou. Em 2007, foram 2,7 bilhões maior densidade tecnológica e custo. progride e os com participação forte,
de procedimentos ambulatoriais, 610 “Permanecem recordes insustentáveis contundente e consistente.
milhões de consultas, 110 milhões de e inaceitáveis de consultas especia- No entanto, prossegue, o con-
pessoas atendidas por agentes comuni- lizadas, exames laboratoriais e de trole social enfrenta um momento de
tários de saúde em 95% dos municípios, imagem e tratamentos, evitáveis ou crise. “A imensa maioria dos conse-
87 milhões de pessoas atendidas por desnecessários, que consomem tempo lhos atua precariamente, devido ao
27 mil equipes de saúde da família, e recursos que agravam a repressão da desgaste na relação com o Executivo,
150 milhões de vacinas aplicadas, 10,8 demanda do atendimento necessário à falta de qualificação dos atores do
milhões de internações. E mais: 3,1 e prioritário”, observa. A sanitarista controle social”. Em viagem a Porto
milhões de cirurgias (215 mil cardíacas Lucia Souto também critica o proces- Alegre, o presidente do CNS ouviu gra-
e 15 mil transplantes), 9,7 milhões de so de trabalho baseado em linha de ves denúncias de conselheiros contra
sessões de hemodiálise, 9 milhões de produção de consultas e internações. as secretarias municipal e estadual
radioquimioterapia, 403 milhões de “Alguns encaram o fato de haver qua- de Saúde, por não prestarem contas,
exames laboratoriais, 13,4 milhões de tro vezes mais amputações de coxa de não levarem em conta as deliberações
exames radiológicos sofisticados, 212 diabéticos como produtividade, em dos conselhos, entre outras razões.
milhões de ações odontológicas, 23 vez de um desastre sanitário”, diz. “Estou falando de uma capital, ima-
milhões de ações de vigilância sa- São 13 milhões de hipertensos e gine o que acontece no interior desse
nitária, e o melhor controle da aids 4,5 milhões de diabéticos, mais de 90 país”, lamenta. “Temos que acabar
entre os países do terceiro mundo. mil portadores de câncer sem acesso com esse faz de conta”. (B.D.)
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O S I ST EM A DE SAÚ DE I DE A L

Projeto a concluir
política de pessoal é outro problema “Estamos numa encruzilhada,

O SUS é um dos maiores projetos


públicos de inclusão social, re-
conhecem sanitaristas como Gastão
a exigir solução. “Foram feitas várias
gambiarras e nunca um projeto de
pessoal sólido”, observa. A solução
como fala o Nelsão”, diz Gastão,
referindo-se ao artigo do sanitarista
citado anteriormente. Há uma grande
Wagner, Nelson Rodrigues dos Santos, é construir uma política de pessoal probabilidade de seguirmos com um
Gilson Carvalho, Luiz Odorico Montei- tripartite e solidária e redes solidá- SUS para pobres e planos privados
ro de Andrade ou Lenir Santos. E são rias regionais com responsabilidade para quem pode pagar”. Em 2007,
todos igualmente unânimes na opinião tripartite. “Precisamos rever a forma cita, pela primeira vez o volume de
de que o sistema não avançou o sufi- como se fez a descentralização e a dinheiro privado investido na saúde
ciente: é um projeto inconcluso. municipalização”, defende. Muitas foi maior que o estatal. “Isso é um
Na análise do professor Gastão ações de saúde, inclusive a de políti- péssimo indício”, reclama Gastão,
Wagner de Sousa Campos, da ca de pessoal, não têm saída apenas para quem a mudança de rumo de-
Unicamp, o SUS enfrenta gran- pelo município”, propõe, citando pende de o país brigar por um sistema
des problemas como financia- os sistemas de saúde de Portugal, público de fato. “A lei está a nosso
mento, modelo organizacional, Espanha e Inglaterra. favor, a prática não: é uma privati-
métodos de gestão. “Subes- Mas é preciso muito mais. “Pre- zação branca, velada”.
timamos a crise dos sistemas cisamos de gestores com um perfil Para Gilson Carvalho, médico-
públicos e das estatais e ficamos no de estadista”. Para ele, todos os sanitarista que se especializou em
maniqueísmo — privatizar ou não ministros da Saúde optaram pela financiamento da saúde ao longo
instituições e sistemas públicos”, conciliação, “subordinaram-se ao dos anos, os recursos disponíveis são
destaca. O problema vai muito além modelo neoliberal, voltado para os insuficientes e continuam associados
desse debate. “A questão é: onde hospitais”. Nenhum governo enfren- às demais ineficiências que levam à
não entra o mercado, como ficam os tou de fato os impasses vividos até perda ou ao mau uso do dinheiro — má
projetos públicos?” A falta de uma hoje desde a criação do SUS. gestão, corrupção etc. — e às ques-
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tões gerais do Brasil. “Sem melhora no

FOTO: ARQUIVO PESSOAL


desenvolvimento do país não há como
ter melhores condições de saúde da
população”, observa. Gilson defende Sem melhora no desenvolvi-
a mudança urgente do modelo de mento do país, não há como
gestão do SUS, que esteve sempre em
crise e, conseqüentemente, “pouca
ter melhores condições
chance e vontade teve de adequar-se de saúde da população.
aos processos de gestão moderna”. Ele
indica as chaves da administração mo- GILSON CARVALHO, sanitarista
derna da saúde: investimento em gen-
te, na força de trabalho; descentrali-
zação da gestão com empoderamento
da equipe; planejamento baseado em
modelo de atenção; protocolização da saúde”. O sanitarista continua na com base em percentual da receita
(que seria a padronização e rotinização defesa do que chama de Lei dos 5 bruta — 15% para municípios e 12%
dos serviços); e informação/infor- Mais: “Mais Brasil, Mais Saúde (SUS), para estados e Distrito Federal, já
mática. “A gestão está despreparada Mais Eficiência (Gestão), Mais Hones- vigentes, e 10% para a União.
para conseguir garantir saúde para tidade, Mais Financiamento”. Em sua opinião, a saída para o
sua clientela tanto no público quanto Para Nelson Rodrigues dos Santos, reflorescimento das forças sociais e
no privado”, salienta. o Nelsão, as saídas para que o SUS políticas capazes de gerar de-
avance nos próximos 20 anos estão nas cisões de governo e de Estado
PERDIDOS NO EMARANHADO disposições do Pacto pela Vida, em realmente voltadas para a
Além de um modelo de gestão Defesa do SUS e de Gestão, “exaus- cidadania está no crescimento
atrasado, os serviços de saúde estão tivamente discutido, formulado e e na qualificação da repolitiza-
perdidos no emaranhado do complexo aprovado por Ministério da Saúde, ção das entidades representa-
médico-hospitalar e medicamentoso, Conass, Conasems, Conselho Nacional tivas dos usuários, dos trabalhadores
dominados e guiados pelo poderio de Saúde e demais conselhos, pelas de saúde, dos prestadores de serviços
econômico do complexo industrial- entidades da Reforma Sanitária, pela e das próprias entidades do movi-
comercial da saúde, afirma. “Público Frente Parlamentar da Saúde e ou- mento da Reforma Sanitária. “Em
e privado, no mundo inteiro, têm que tras desde 2005”, lembra. Inclui-se qualquer das saídas, não há como
rediscutir a abordagem à saúde e aqui a equalização do financiamento deixar de levar em conta a incomen-
adequar a gestão ao atual momento federal ao estadual e municipal, surável base de sustentação do SUS

A.D.
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na ponta do sistema, os milhares de modelos de gestão, ao longo dos úl- saúde do SUS para que o cidadão possa
conselheiros, trabalhadores de saúde, timos 18 anos, conselhos de saúde, de antemão conhecê-los? Qual é o pa-
usuários já mobilizados, gestores des- representações nacionais e entidades drão de integralidade e de assistência
centralizados, pesquisadores sociais e do movimento da Reforma Sanitária farmacêutica? Ele tem direito de obter
outros”, sustenta Nelsão. já perderam anéis para manter de- medicamento, mesmo que prescrito por
Para encontrar as saídas, diz dos e dedos para não perder braços, médico que não é da rede SUS? E mesmo
Nelsão, é preciso responder a algu- onde a eqüidade, a integralidade, a que não esteja na Relação Nacional de
mas questões: como superar o agudo regionalização e a alta resolutividade Medicamentos? Na terceira parte da pu-
subfinanciamento do SUS e o co- da atenção básica (e sua ampliação blicação, intitulada O vácuo normativo
financiamento público (indireto) do à classe média) vão parar? e o desafio de sua regulamentação, os
faturamento das empresas de planos autores indicam os pontos que exigem
privados de saúde? Como impedir a VÁCUOS NO ORDENAMENTO demarcação para que se consolide a
desastrosa precarização da gestão A advogada Lenir Santos, especia- estrutura organizativa e operativa do
pública do trabalho em saúde? Como lista em direito sanitário, e o professor SUS (ver box abaixo).
efetivar o planejamento e a orça- Luiz Odorico, da Universidade Federal Nos anos de implementação do SUS,
mentação ascendentes, com metas do Ceará, dedicam toda a última parte apontam, o Ministério da Saúde editou
e prioridades na oferta de serviços de seu livro SUS: o espaço da gestão “excessiva e exaustiva legislação infrale-
de saúde integrais? Quando haverá inovada e dos consensos interfederati- gal, com intuito de dar conformação ad-
compromisso, diretrizes e condições vos — Aspectos jurídicos, administrati- ministrativa a partir do financiamento da
reais para que a atenção básica deixe vos e financeiros aos “vácuos no orde- saúde”. Toda essa regulação visava impor
de ser focalizada somente nos namento jurídico e administrativo do projetos e programas federais a municí-
pobres, com baixa resolutivi- SUS” que “estão a demandar regulação pios e estados, em lugar de configurar
dade, baixo custo e sem con- urgente, principalmente no tocante à o sistema de saúde para a sociedade.
dições de ser porta de entrada integralidade da assistência”. Essa “hipertrofia da regulamentação”
preferencial aos serviços de E acrescentam nova lista de parece ter tido “efeito paralisante nos
maior densidade tecnológica? perguntas ainda sem resposta: o que estados e municípios”, que passaram
Se nas pressões e negociações por o SUS oferece? Quais os serviços? Onde a ter “papel passivo de cumpridor de
financiamento suficiente e por novos está definida a carteira de serviços de normas infralegais”, afirmam.

Pontos que exigem demarcação,


segundo Lenir e Odorico
• Rede interfederativa de serviços: • Integralidade da assistência: sua • Assistência farmacêutica: precisa
a Constituição, tanto quanto a Lei regulamentação depende de padrão ser regulada, para que o SUS não
8.080/90, impõe a regionalização técnico e científico, a ser definido se transforme em imensa farmácia
como forma organizativa do SUS, por União e estados. “A União, em pública e quebre o conceito de inte-
sem, contudo, conceituá-la — os seu papel de editar normas gerais e gralidade da assistência. “Somente
dirigentes de saúde precisam assumir principiológicas do sistema, deverá pacientes em tratamento nos serviços
compromissos públicos de cunho estabelecer critérios e parâmetros públicos de saúde devem ter acesso a
técnico, financeiro e gerencial, que que os estados devem observar na medicamentos, ministrados por médi-
visem corrigir as desigualdades terri- regulamentação do tema”. A pactu- cos da rede pública, de acordo com os
toriais, promover a eqüidade e a in- ação do padrão de integralidade que protocolos farmacológicos públicos”.
tegralidade da atenção, racionalizar será ofertado pelo SUS, de acordo • Transferências intergovernamen-
os gastos e otimizar recursos. com os recursos orçamentários — tais: as transferências de recursos
observada a EC 29 —, deverá ser da União a estados e municípios e
• Direção única: falta conceituação
realizada por consenso no colegiado de estados para municípios precisam
legal. A direção única deve pressupor
interfederativo. ser definidas legalmente.
que os dirigentes da saúde tenham,
em sua circunscrição geográfica, a • Colegiado interfederativo: este • Serviços privados de assistência
condução política do sistema de saú- deverá ser regulado quanto a suas à saúde: as condições para a insta-
de, mesmo quando a titularidade dos atribuições. “Leis, no sentido for- lação de serviços privados deveriam
serviços ali existentes for de proprie- mal, não darão conta de disciplinar observar o planejamento público, o
dade de outra esfera de governo ou de algumas questões do SUS, entre elas mapa sanitário estadual ou regional
execução contratada ou conveniada. a própria divisão de competências, e outras normas de planejamento e
uma vez que as redes de saúde são organização do sistema.
• Acesso regulado: o acesso a
móveis e não fixas”.
ações e serviços de saúde deve ser • Contratos de ação pública: mode-
garantido a todos que respeitem as • Representação institucional dos lo de “administração pública contra-
portas de entrada do sistema, a se- conselhos de secretários: apesar tualista, governo por contrato”. Os
rem definidas pelo condutor do SUS da legitimidade da representação consensos dos colegiados interfede-
estadual. “Não se pode admitir que institucional dos secretários de rativos precisam ser consubstancia-
o SUS se transforme em serviço de saúde, como Conass, Conasems e os dos em contratos que disciplinem e
saúde fragmentado e complementar Cosems, esses entes precisam ser organizem a ação da saúde pública
ao setor privado”. reconhecidos formalmente. em redes regionalizadas.
RADIS 72 • AGO/2008
[ 33 ]

A Lei 8.080/90, no artigo 15,

FOTO: A.D.
incisos V e XVI, estabelece que é
de competência das três esferas de As prisões de gestores que
governo a elaboração de normas téc- vêm acontecendo pelo país
nicas e o estabelecimento de padrões não seriam necessárias se
de qualidade e parâmetros de custos
que caracterizam a assistência à
eles tivessem considerado os
saúde. Mas, “essas regulamentações questionamentos feitos pelos
ainda são tímidas, por isso insufi - conselhos de saúde.
cientes para conformar um sistema
igualitário e eqüitativo”. FRANCISCO BATISTA JÚNIOR, presidente do CNS
Para os autores, é necessário es-
clarecer quais são as portas de entrada
do SUS, os protocolos de conduta, as
responsabilidades dos usuários com temas relevantes na sociedade e na de atenção centrado nos hospitais,
sua própria saúde — como o respeito economia da saúde. no profissional médico e na medicina
às prescrições —, o cartão de saúde, Novos temas exigirão novos re- curativa. Depois, redefinir o modelo de
os protocolos integrados, o padrão gramentos, como descriminalização gestão, com apoio e verbas do Ministé-
de integralidade, o acesso a medica- da eutanásia e do aborto, clona- rio da Saúde para o fortalecimento da
mentos padronizados e a incorporação gem, reprodução assistida, direito atenção primária nos municípios — a
tecnológica. Essa regulação é urgente, a intimidade e confidencialidade, fim de melhorar a rede física,
sustentam Lenir e Odorico, principal- consentimento, direitos e deveres a contratação de pessoal e a
mente porque a cada dia há um arsenal de pacientes, intervenções de risco compra de equipamentos.
de novidades que exigirão novas nor- elevado, distribuição de recursos Ele também pede que as
matizações em ambiente de segurança escassos, esterilização, bancos de carreiras do SUS sejam prioriza-
jurídica coletiva e individual. “Quanto DNA, terapias genéticas e outras das, para dar fim à precarização
antes cuidarmos de temas que já estão questões que demandam estudos na do trabalho, e logo opina que o projeto
batendo à porta, melhor”, alertam. bioética e do biodireito. das fundações estatais acentuará o
Para eles, é preciso evitar a Para a superação dos problemas do problema. “Precisamos de um modelo
falência do sistema, o que deixaria controle social, Francisco Batista Júnior, que reverta o processo de privatiza-
140 milhões de brasileiros que uti- do CNS, passou a defender uma proposta ção da saúde em todos os aspectos:
lizam o SUS desassistidos. Para isso, radical: sugere que os conselhos acio- na média e alta complexidade, pela
o poder público tem que consolidar nem a Justiça para que as leis relativas contratação de empresas; na atenção
as experiências acumuladas e or- à participação sejam integralmente primária, inclusive terceirizando a
ganizar um sistema que responda cumpridas. “As prisões de gestores que gestão com Oscips e OSs”.
“às imensas demandas que estão vêm acontecendo pelo país não seriam Apesar de todas as limitações, o
batendo ou já arrombando a porta”. necessárias se eles tivessem considerado SUS conseguiu avançar nesses 20 anos,
Entre elas, o enfrentamento de situ- os questionamentos feitos pelos con- afirma Gilson Carvalho. “Temos agora
ações como a inovação tecnológica selhos de saúde”, afirma. “Temo que, que expandir e consolidar seus princí-
e farmacológica, o envelhecimento a partir de agora, passem a prender pios em todos os rincões brasileiros”.
da população brasileira, o impacto conselheiros por não terem fiscalizado Ao comparar o passado e o presente,
da violência na saúde pública, a até onde deveriam”. Gilson mantém a esperança: “Só de
judicialização e a politização da Para o farmacêutico, o sistema ter visto a precariedade da saúde 40,
assistência sanitária, os direitos do precisa de uma correção de rumos que 30, 20 anos atrás, não tenho o direito
cidadão na saúde, com definição de traga de volta alguns eixos do projeto de desanimar”, resiste o sanitarista.
padrão de integralidade da assistên- original da reforma sanitária. Primei- “Preciso ter entusiasmo com o que já
cia e acesso regulado, entre outros ro, diz, é preciso superar o modelo se conseguiu”. (K.M.)
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serviço especial

EVENTO da questão do direito à saúde, seus ato- PUBLICAÇÕES


res sociais principais e os obstáculos que
SEMINÁRIO DE TRABALHO DA ESPJV a Reforma Sanitária enfrentou naquele HISTÓRIAS DO SUS
momento. A convocação da Assembléia
romovido pela Escola Politécnica de Nacional Constituinte 1987-1988 partiu do Saúde em Debate,
P Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/
Fiocruz), o seminário de trabalho Estado,
governo Sarney — eleito indiretamente —
por meio da Emenda Constitucional nº 26.
reimpressão da 1ª
edição, revista do
sociedade e formação profissional em “A sociedade civil sabia das limitações do Centro Brasileiro
saúde faz parte das comemorações dos processo constituinte instalado dessa for- de Estudos em Saú-
20 anos do SUS. O evento está organizado ma, no entanto, além do voto consciente de (Cebes), orga-
a partir de cinco eixos temáticos: “Esta- dos constituintes, reivindicou profundas nizado por Sonia
do, políticas sociais e saúde”; “Saúde e mudanças no texto constitucional, não Fleury, Ligia Bahia
sociedade”; “Democracia, participação e permitindo que a Assembléia se tornasse e Paulo Amarante,
gestão em saúde”; “Trabalho e trabalho apenas uma comissão de reforma do comemora os 20 anos do SUS reprodu-
em saúde”; e “Relação trabalho e educa- texto antigo”, afirma a autora na intro- zindo artigos de seu primeiro número,
ção na saúde”. Está também pre- dução do texto. Diante desse cenário, lançado há 32 anos. São textos clássi-
vista a realização de uma plenária a sociedade se mobilizou e os setores cos, “referências das referências” da
final, de onde sairão propostas de sensíveis à saúde se organizaram. Reforma Sanitária, do SUS e da Saúde
princípios e diretrizes para uma • Disponível no endereço eletrônico Coletiva. A publicação está dividida
educação profissional em saúde www.conpedi.org/manaus/arquivos/ em três capítulos: “A construção do
de caráter emancipatório. As Anais/Mariana%20Siqueira%20de%20 campo de conhecimento da saúde
inscrições estão abertas. Carvalho%20Oliveira_Direito%20e%20 coletiva”; “A construção da estraté-
Politica.pdf gia política”; e “Teoria e tática da
Data 9 a 11 de setembro Reforma Sanitária”.
Local EPSJV, Rio de Janeiro, RJ A construção do
Mais informações SUS — Histórias da Saúde — Promessas
Tel. (21) 3865-9753 Reforma Sanitá- e Limites da Cons-
E-mail seminariosus@fiocruz.br ria, organizado por tituição, de Eleuté-
Site www.epsjv.fiocruz.br/sus20anos Vicente de Paula rio Rodriguez Neto,
Faleiros, Jacinta organizado por José
de Fátima Senna da Gomes Temporão e
1ª MOSTRA BRASÍLIA DE VÍDEO Silva, Luiz Carlos Sarah Escorel (Edi-
Fadel de Vascon- tora Fiocruz, 2003),
omo parte das comemorações dos cellos e Rosa Maria Godoy Silveira, faz compreender
C 20 anos do SUS, a Fiocruz/Brasília
promove a 1ª Mostra Brasília de Vídeo
destina-se à recuperação, ao registro
e à análise de informações sobre a
como e por que o direito à saúde e a
organização do Sistema Único de Saú-
em Saúde, com vídeos premiados pela 5ª dinâmica do processo da Reforma de foram inscritos na Constituição de
edição da Mostra VideoSaúde, promovida Sanitária. O livro detalha a trajetória 1988. Militante da Reforma Sanitária
pela VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz do movimento social que desaguou brasileira e assessor de movimentos so-
no 7º Congresso Brasileiro de Epidemio- no movimento sanitário, por sua vez ciais e deputados, Eleutério participou
logia, em setembro, em Porto Alegre. decisivo na construção do arcabouço dos meandros e das entrelinhas dos
Na mostra de Brasília haverá debates jurídico do SUS, da Constituição de debates sobre as diferentes propostas
com produtores dos vídeos vencedores, 88 e das diversas regulamentações em disputa no cenário da Assembléia
jurados da mostra e especialistas. pós-Constituição. O livro foi publi- Nacional Constituinte e, neste livro,
cado em 2006 pela Secretaria de registra todo esse processo.
Data 17 a 21 de novembro Gestão Estratégica e Participativa,
Local Biblioteca Nacional de Brasília, do Ministério da Saúde.
Esplanada dos Ministérios, Brasília • Disponível na biblioteca do ministério ENDEREÇOS
Mais informações em http://portal.saude.gov.br/portal/
Tel. (61) 3340-9826 / 3347-2524 arquivos/pdf/construcao_do_SUS.pdf Editora Fiocruz
E-mail ascombrasilia@fiocruz.br Av. Brasil, 4.036, sala 112
Texto consolidado Manguinhos, Rio de Janeiro
INTERNET até a Emenda Cons- CEP 21040-361
titucional nº 56 de 20 Tel. (21) 3882-9039 e 3882-9006
SAÚDE NA CONSTITUINTE de dezembro de 2007
E-mail editora@fiocruz.br
da Constituição da
Site www.fiocruz.br/editora
No texto Participação, saúde e direito República Federa-
na Assembléia Nacional Constituinte: tiva do Brasil.
um resgate do debate, a autora, Maria- • Disponível no site Cebes
na Siqueira de Carvalho Oliveira, analisa do Senado Federal Site www.cebes.org.br
o processo constituinte de 1987-1988 e em http://legis.senado.gov.br/con1988/ E-mail saudeemdebate@cebes.org.br
busca identificar as etapas de discussão CON1988_20.12.2007/CON1988.pdf
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pós-tudo especial

Ulysses
ois de fevereiro de 1987:
de fábrica. O inimigo mortal do homem é
a miséria. Não há pior discriminação do
do Universo. O Estado, encarnado na
metrópole, resignara-se ante a invasão

D ecoam nesta sala as reivindi-


cações das ruas. A Nação quer
mudar, a Nação deve mudar, a
Nação vai mudar. São as palavras constan-
tes do discurso de posse como presidente
que a miséria. O estado de direito con-
sectário da igualdade não pode conviver
com estado de miséria. Mais miserável
do que os miseráveis é a sociedade que
não acaba com a miséria. (...)
holandesa no Nordeste. A sociedade
restaurou nossa integridade territorial
com a insurreição nativa de Tabocas e
Guararapes, sob a liderança de André
Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e
da Assembléia Nacional Constituinte. A exposição panorâmica da lei João Fernandes Vieira (...).
Hoje, 5 de outubro de 1988, no que fundamental que hoje passa a reger a O Estado capitulou na entrega do
tange à Constituição, a Nação mudou. Nação permite conceituá-la, sinotica- Acre, a sociedade retomou-o
A Constituição mudou na elaboração, mente, com a “Constituição Cidadã” com as foices, os machados e
mudou na definição dos poderes, mudou (...). Não é a Constituição perfeita. Se os punhos de Plácido de Castro
restaurando a federação, mudou quando fosse perfeita, seria irreformável. Ela e seus seringueiros. O Estado
quer mudar o homem em cidadão e só própria, com humildade e realismo, autoritário prendeu e exilou a
é cidadão quem ganha justo e suficiente admite ser emendada até por maioria sociedade; com Teotônio Vile-
salário, lê e escreve, mora, tem hospital mais acessível, dentro de cinco anos. la, pela anistia, liberou e repatriou.
e remédio, lazer quando descansa. Num Não é a Constituição perfeita, mas será A sociedade foi Rubens Paiva, não os
país de 30.401.000 analfabetos, afronto- útil e pioneira e desbravadora. Será facínoras que o mataram.
sos 25% da população, cabe advertir: a luz, ainda que de lamparina, na noite Foi a sociedade, mobilizada nos
cidadania começa com o alfabeto. dos desgraçados. (...) colossais comícios das Diretas-Já, que
Chegamos! Esperamos a Constitui- Recorde-se, alvissareiramente, que pela transição e pela mudança derrotou
ção como o vigia espera a aurora. Bem- o Brasil é o quinto País a implantar o o Estado usurpador. Termino com as
aventurados os que chegam. Não nos instituto moderno da seguridade, com a palavras com que comecei esta fala: a
desencaminhamos na longa marcha, integração de ações relativas à saúde, à Nação quer mudar. A Nação deve mu-
não nos desmoralizamos capitulando previdência e à assistência social, assim dar. A Nação vai mudar. A Constituição
ante pressões aliciadoras e comprome- como a universalidade dos benefícios pretende ser a voz, a letra, a vontade
tedoras, não desertamos, não caímos para os que contribuam ou não, além de política da sociedade rumo à mudança.
no caminho. (...) A Nação nos mandou beneficiar 11 milhões de aposentados, Que a promulgação seja nosso grito:
executar um serviço. Nós o fizemos com espoliados em seus proventos. É con- Mudar para vencer! Muda Brasil!”
amor, aplicação e sem medo. A Consti- sagrador o testemunho da ONU de que
tuição certamente não é perfeita. Ela nenhuma outra Carta no mundo tenha
própria o confessa, ao admitir reforma. dedicado mais espaço ao meio ambiente Discurso pronunciado em 5/10/1988 pelo
deputado Ulysses Guimarães, presidente da
Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, do que vamos promulgar. (...) Assembléia Nacional Constituinte, na ceri-
sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la Político, sou caçador de nuvens. Já mônia de promulgação da Constituição.
nunca. Traidor da Constituição é trai- fui caçado por tempestades. Uma delas,
dor da Pátria. Conhecemos o caminho benfazeja, me colocou no topo desta
maldito: rasgar a Constituição, trancar montanha de sonho e de glória. Tive mais
as portas do Parlamento, garrotear a do que pedi, cheguei mais longe do que
liberdade, mandar os patriotas para a mereci. Que o bem que os constituintes
cadeia, o exílio, o cemitério. me fizeram frutifique em paz, êxito e
A persistência da Constituição é a alegria para cada um deles. Adeus, meus
sobrevivência da democracia. Quando, irmãos. É despedida definitiva, sem o
após tantos anos de lutas e sacrifícios, desejo de reencontro. Nosso desejo é o
promulgamos o Estatuto do Homem, da da Nação: que este plenário não abrigue
Liberdade e da Democracia, bradamos outra Assembléia Nacional Constituinte.
por imposição de sua honra: temos Porque antes da Constituinte, a ditadura
ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amal- já teria trancado as portas desta Casa.
diçoamos a tirania onde quer que ela Autoridades, constituintes, se-
desgrace homens e nações. (...) nhoras e senhores. A sociedade sempre
Como o caramujo, guardará para acaba vencendo, mesmo ante a inércia
sempre o bramido das ondas de sofrimen- ou antagonismo do Estado. O Estado
to, esperança e reivindicações de onde era Tordesilhas. Rebelada, a socieda-
proveio. A Constituição é caracteristica- de empurrou as fronteiras do Brasil,
mente o estatuto do homem. E sua marca criando uma das maiores geografias
A.D.
O Programa Radis participa
da construção e da luta pelo
aperfeiçoamento do SUS
desde sua criação.

Parabéns pelos 20 anos

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