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4ª VIA:

AS COMUNIDADES
ORGANIZADAS
NO PODER

Marcus Castanhola

1
Superando a Propriedade
Privada dos Meios de
Produção e construindo a
Nova Democracia.

Reconstrução da dialética socialista revolucionária na dinâmica de sua estrutura:


Científica, Democrática e Econômica.

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ÍNDICE

1a Parte
Considerações

O Período Feudal e a Transição ao Capitalismo -10


A História do Imperialismo Econômico -15
O Conceito de Estado Nação – 20
A Comunocracia Constitucional - 22
A Ética e a Moralidade - 24

2a Parte
A reconstrução teórica

Teoria da Descentralização histórica do Poder Político - 28


O Conceito de Democracia na Filosofia Política – 29
A Questão do Paradigma Científico – 30
A Transcendência do Paradigma Kuhnniano – 34
O Paradigma Científico e o Socialismo - 35
Reavaliação do Sujeito Revolucionário no Materialismo Histórico Marxista – 41
A Base Teórica da Democracia Científica - 44
A Base Histórico-Científica da Economia Socialista – 61
Teoria dos Sistemas de Revolução Paralela – 63
Teoria da Concorrência nos Sistemas Revolucionários - 64

3a Parte
A práxis

A Representatividade na Comunocracia Constitucional - 70


O Estado Comunocrático - 72
A Primeira Revolução - 78
A Segunda Revolução / A Economia Comunocrática - 81

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Prefácio - 1
O novo e o velho

É fácil escrever ou falar algo de novo sobre o novo: o ineditismo da matéria, por si só, abre caminho para
as palavras mais adequadas, ao verbo mais lúcido na construção da frase correta. O que se nos afigura difícil,
sob todos os aspectos, é a elaboração de matéria nova com base em matéria antiga como, por exemplo, dizer-se
hoje alguma novidade a respeito do cristianismo.
O escritor Marcus Castanhola realizou algo similar: o velho Socialismo, multifacetado e polivalente,
recebe, nesta obra, um enfoque doutrinário e histórico de considerável peso. Aqui se fala da soberania popular e
suas limitações; dos poderes do Estado e da Sociedade; das Instituições econômicas, culturais e religiosas; das
organizações profissionais, artísticas e desportivas. Tudo, na evolução humana, se assenta sobre dois pontos de
forças conflitantes entre si: o interesse individual e o interesse coletivo. O antagonismo é apenas aparente: os
verbos se conjugam simultaneamente nas primeiras pessoas do singular e do plural (“Eu penso”, “nós
pensamos”; “Eu quero”, “Nós queremos”; “Eu faço”, “nós fazemos”, etc, etc). Assim deve ser, para
preservação do equilíbrio capaz de sustentar a Justiça. O grande poeta do Romantismo em Portugal, e expressão
maior do verso alexandrino nos séculos XIX/XX (1850-1923), Guerra Junqueiro, já assim consagrava a Justiça
nestas rimas imortais:
“Eu sou a Justiça, a grande Musa austera
O ‘quid’ que equilibra, e que harmoniza e gera
Os princípios e as leis das almas e dos sóis,
Eu sou a Virgem-Mãe, a Virgem triunfante,
E Hércules e Cristo e Prometeu e Dante
(1)

Beberam no meu peito o sangue dos heróis!”


Todas as formas de Socialismo e Democracia convergem para esse centro de harmonia, e, quaisquer que
sejam os seus nomes, o objetivo real é o mesmo: promover a prosperidade crescente entre os seres humanos em
paz e segurança.
Os fatos históricos e os conteúdos ideológicos aí se impõem com seu permanente testemunho.
A demonstração desta verdade, feita de maneira indiscutível, representa uma valiosíssima contribuição do
autor para o enriquecimento da Ciência Política, no Brasil.

Rio de Janeiro, abril de 2000

(2)

Prof. Clay Hardman de Araújo


(1) Guerra Junqueiro, “A Morte de D. João” - Introdução.
(2) Ex-Professor Titular da cadeira de Filosofia do Direito da Universidade Gama Filho; ocupava a Cadeira de
Platão na Academia Brasileira de Ciências Sociais (In Memoriam / 1924 – 2002).

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Prefácio - 2
“Panos para mangas”

Marcus Castanhola, autodidata antes de chegar à vida universitária, fundador de associações de bairros,
de favelas e de condomínios, com larga militância em Água Santa (RJ), e que também foi representante da
FAMERJ (Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro), é um homem
profundamente preocupado com a sorte e o destino do povo brasileiro. Sua têmpera foi fabricada com o aço de
nosso tempo, nas lutas em defesa da democracia, da justiça social e da cidadania. Castanhola escreveu este
breve e bem fundamentado ensaio onde propõe e defende um modelo de sociedade que tem por fulcro a ação
comunitária, contrapondo-a às forças tradicionais e estandardizadas de poder imposto de cima para baixo.
Neste ensaio, o autor manda às favas tanto as regras de neutralidade, coisa tão ao gosto do mandarinato
acadêmico, quanto a submissão a credos e a cartilhas políticas partidárias. Trata-se de um texto redigido com
clareza onde a razão e a emoção, o conhecimento teórico e o prático, caminham harmoniosamente, lado a lado.
Todas as páginas do ensaio são permeadas pela convicção, adquirida na vivência das associações comunitárias,
de que os homens são capazes de articular interesses e, coletivamente, assumirem a postura de sujeitos
responsáveis por seu próprio devir.
As páginas do polêmico ensaio de Castanhola têm como fio condutor à convicção de que somente a
construção de um pacto social realmente democrático pode ser capaz de criar condições para que a velha e
sempre atual bandeira da igualdade, fraternidade e liberdade, desfraldada pioneiramente pela gloriosa
Revolução Francesa de 1789, possa ser mais do que um sonoro jogo de palavras. Para tal, a argumentação do
autor segue duas direções. A primeira direção, no sentido de demonstrar que os principais modelos
apresentados como democráticos no século XX - quer seja a democracia liberal, o centralismo democrático
(típico do socialismo real) e a chamada terceira via, de inspiração social democrata - não passam ou passaram
de sucessões de mentiras e de malogros, uma vez que as formas de “democracias” citadas sempre mantêm a
massa apartada da arena decisória da vida pública. A segunda direção, no sentido de retomar, em bases
modernas, a democracia em sua proposta filosófica original, ou seja: a da democracia direta, onde,
concretamente, a massa detém o cetro do poder.
Combinando princípios extraídos da filosofia e da teoria política, com conhecimentos históricos e os
adquiridos na prática, Castanhola aposta na capacidade e na criatividade humana. Numa época em que
praticamente pouco ou nada de novo tem sido dito, o sintético trabalho de Castanhola tem o grande mérito de,
corajosamente, acreditar e propor. São idéias, são hipóteses e teses que merecem ser lidas, discutidas e
problematizadas, pois dão panos para mangas.

___________

• Aluizio Alves Filho: Doutor em Sociologia, UNB e Doutor em Ciências Sociais (América Latina),
FLACSO. Professor do Mestrado de Ciência Política da UFRJ/IFCS.

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“O livro 4a VIA de Marcus Castanhola, representa o mais importante objetivo do Movimento
Comunitário Nacional, pois delega às comunidades organizadas o poder de administrar suas
necessidades mais imediatas, bem como, no seu conjunto, ditar as Políticas Municipais, Estaduais e
Nacionais”.
Sr.Pedro José de Castro,
Presidente da Federação das Associações
de Moradores do Estado do Rio de Janeiro – FAMERJ

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“No livro 4a VIA, Marcus Castanhola mostra a forma democrática e participativa da descentralização
do poder, devolvendo o poder ao “verdadeiro dono”, o povo”.

Sr.Antônio Tito,
Presidente da Federação Municipal das Associações
de Favela do Rio de Janeiro – FEMAFARJ/FAF-RIO

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“O benefício que a sociedade do planeta terá com o projeto do seu livro 4a VIA, colocará Marcus
Castanhola no futuro como um dos maiores pensadores do 3o Milênio.”

Sr.José Barboza da Hora,


Escritor e dirigente da ONG: O Caminho da Liberdade

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“Estou certo de que o seu livro 4a VIA, será no futuro um clássico, servindo às gerações vindouras de
pesquisadores sérios, como fonte para teses de mestrado e doutorado. Sua honestidade como escritor
garante um futuro promissor ao seu livro, o qual foi para mim uma excelente fonte de informações”.

Dr.Guilem Rodrigues da Silva,


Juiz de Direito, Escritor e Parlamentar (Estocolmo) Suécia.

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MANIFESTO DA 4ª VIA

Abutres do dinheiro público!


O estelionato histórico desse patrimônio está chegando ao fim.

Politiqueiros de todo país! Seus dias de glória estão contados.

É chegada a hora do povo assumir a vanguarda nas decisões e realizações dos seus interesses diretos.

O capitalismo apoderou-se da técnica e reduziu o Estado a entidade parasitária (...) Sem a tecnicidade, com um direito
que, em vez de servir à sociedade, serve a grupo cada vez mais restrito, o Estado impopulariza-se, paralisa-se e
desmoraliza-se. (...) Durante o século, o capitalismo apossou-se do Estado. Tem-no ao alcance da mão. Forja guerras civis
e derrubadas de governos, nos povos de escassa cultura política; nos outros, usa de fios sutis que fazem milagres. Como
quer que seja, o Estado verga, impotente, diante da força financeira. Os dirigentes têm a ilusão de dirigir, ou percebem a
sua função de fantoches ao mover de dedos do capitalismo.

Francisco Cavalcante Pontes de Miranda -


“A sabedoria da Inteligência”, O.L., p. 195).

Muitas propostas de administração do interesse público foram apresentadas.


As mais audaciosas foram: as democracias republicanas dos estados nacionais, que embora tenha cumprido
seu papel histórico de superação do absolutismo monarquista, ao longo do tempo evoluiu para um frágil
conceito de representatividade, que mais não foi do que a proteção dos interesses do capital exercida
institucionalmente pela estrutura burocrática dos Estados-nação (capitalismo de estado); a proposta
nacionalista, que embora defenda o protecionismo nacional (de mercado interno e das riquezas naturais), é
desprovida de fundamento teórico (nem propriamente socialista nem capitalista), se transformando em uma
colcha de retalhos ideológicos, onde o que prevalece é a idolatria ao personalismo paternalista, expondo muitas
vezes, o espectro das grandes ditaduras registradas na história; o Anarquismo, que mesmo reconhecendo as
mazelas inerentes ao modo capitalista de produção e a perniciosidade das formas históricas de Estado, averso à
qualquer forma de organização, estilhaçou sua capacidade de potencialização de seu conceito de transformação
radical da sociedade, e finalmente, a proposta comunista, que prometia a ditadura de um proletariado que nunca
chegou realmente ao poder.
Quando se fala que o povo terá o poder, precisa significar que ele deve decidir diretamente sobre os seus
interesses mais primários, como: trabalho, alimentação, saneamento básico, educação, saúde, etc..., tudo que
estiver fora desse conceito básico de poder, é ingenuidade intelectual ou demagogia.
Esse povo já está cansado de ser iludido com falsas promessas.
Vivemos em um sistema representativo carente de credibilidade, literalmente falido e agonizante (executivo,
legislativo e judiciário).
No Brasil, 50 milhões de marginalizados sobrevivem abaixo da linha da pobreza.
Historicamente, temos esperado que a ética e a moralidade se sobreponham aos vícios históricos da
personalidade humana.
Sempre esperamos que “fulano ou sicrano”, aparentemente defensores dessa ética e dessa moralidade, sejam
quando eleitos, os messiânicos salvadores da pátria.
Sempre dependemos de eleger uma minoria (presidente, governador ou prefeito), cercado de puxa-sacos
bem pagos (ministros e secretários), achando que eles, só porque prometeram, por misericórdia ou por amor a
Deus, vão amenizar a agonia das vítimas históricas da exclusão social.

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Mas para o povo, até agora, essa famigerada democracia de um Estado capitalista, foi e é, a única opção
concreta que restou.
Sabemos que entre as empresas que assimilam a maior parte da mão-de-obra disponível no país, 70% é
formada por micro e pequenas empresas.
Atualmente, os institutos de pesquisas indicam um valor em torno de R$ 2.000,00 como um salário mínimo
ideal para um casal e três filhos, incluindo é claro, aluguel, alimentação, material didático escolar, passagens,
vestuário, etc.
Portanto, somos obrigados a concluir, que é um sonho esperar que as micro, pequenas e médias empresas,
que empregam 70% da mão de obra disponível no país, hoje ou no futuro, paguem um salário
constitucionalmente correto, sem falir completamente todas essas empresas, gerando como conseqüência, um
desemprego em massa irreversível.
Depois desses quase 300 anos de capitalismo, é uma grande ilusão achar que o Estado capitalista, os
políticos, os sindicatos e o próprio trabalhador, vão um dia, conseguir por bem ou por mal, aumentar o salário
mínimo ao nível da dignidade humana, sem destruir a própria estrutura econômica que hoje os emprega.
A história demonstra, que a atividade reivindicatória e a greve, foi e ainda é muito importante como
contrapeso social, nesse complexo processo de evolutivo do sistema capitalista. E que durante todos esses 300
anos, tem sido a única maneira que as antigas e novas gerações de trabalhadores tiveram, para construir no
salário mínimo de hoje, ridículo espelho de sua histórica miserabilidade.
Até agora, nenhuma proposta diferente de administração pública havia sido abertamente apresentada.
Este manifesto, não se limita apenas à crítica dessa triste realidade.
Este manifesto, vai mais longe, ousa indicar um novo rumo para a administração do interesse do trabalhador.
Este novo rumo, utilizará a via institucional (o voto), não como instrumento demagógico de manipulação
popular, mas que, com o devido suporte teórico, funcionará revolucionariamente como a mais poderosa e
revolucionária arma popular.
Não para prometer que, uma vez no poder, uma legião de mercenários "tudo fará para melhorar a vida de
todos", mas, para transferir definitivamente às comunidades organizadas, o poder da administração direta do
volume financeiro que representa o bolo fiscal e tributário, para que esse imenso bolo financeiro que representa
o dinheiro público (nacional, estadual e municipal), seja administrativamente descentralizado, ao nível das
comunidades de bairro devidamente organizadas.
Transformando o dinheiro público, que será então administrado diretamente pelos Conselhos de Bairro, na
mola mestra para a construção de uma nova força produtiva dignamente remunerada, que em curto prazo, irá
revolucionar o conceito de estado, cidadania e representatividade, mas, a médio e em longo prazo, em função
de poder remunerar dignamente a mão-de-obra produtiva, essa nova força produtiva irá progressivamente
transferir para si esta mão-de-obra, que por séculos, tem sido à base do velho sistema capitalista, mas que
agora, por sua capacidade superior de remuneração dessa mesma força de trabalho, irá superá-lo
qualitativamente.
Este manifesto, entra em confronto direto com os interesses de poder de grande maioria da classe política, e
também com aqueles que ainda tem esperanças de conquistar a mina de ouro que representa um cargo público,
em qualquer instância administrativa, em qualquer país. Entra em confronto direto, porque expropria o
dinheiro público das tetas históricas que a estrutura administrativa do capitalismo de Estado financeiramente
representa (executivo e legislativo e judiciário).
Este capitalismo de estado, muitas vezes se comporta como caixa-dois do próprio sistema capitalista, mas
sempre representou generosa fonte de recursos para um perdulário poder executivo, legislativo e judiciário, com
raríssimas exceções é claro.
Para aqueles que decidirem caminhar conosco, um aviso - não tenham esperança de utilizar o poder em
benefício próprio. De adquirir cargo eletivo para decidir os rumos do dinheiro público. Pois vocês irão lutar

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para não tê-lo. Irão lutar para descentralizar em todos os níveis (nacional, estadual e municipal) a
administração do dinheiro público, transferindo realmente esse poder ás comunidades organizadas, através da
formação dos Conselhos Comunitários de Bairro.
Serão as assembléias dos cidadãos deliberantes, com a estrutura técnica e econômica necessária, para
viabilizar o poder executivo de suas decisões.
Este manifesto, expõe a síntese de uma proposta muito mais ampla.
Durante 30 anos, toda a problemática social, política e econômica foi arduamente estudada e confrontada,
para que ao final, significasse uma concepção nova de administração do interesse público, que não revolucione
apenas este conceito deformado de democracia e cidadania, como também, mas que também inviabilize
qualquer tipo de macro-hegemonia pessoal ou de grupos.
Para quem conhece a capacidade de uma comunidade em gerir seus próprios interesses, o povo não é uma
massa informe de idiotas, incapazes de se auto-administrar, e por isso, condenados a tutela eterna de
organismos representativos e administrativos centralizadores do bolo fiscal e tributário, que com o tempo, se
corromperam, se desgastaram, e hoje, integram a frágil estrutura política, jurídica e econômica dos estados
nacionais.
Todo argumento contra a administração direta do dinheiro público é, por ignorância ou má fé, uma defesa da
prática histórica de desrespeito a dignidade humana, que através dos séculos, excluiu do poder aqueles que
fundamentalmente possuem competência original para exercê-lo.
A frágil democracia representativa (personalismo democrático), já cumpriu seu papel histórico na superação
da estrutura política monarquista (personalismo hereditário), mas que agora, desgastada pela omissão na
realização dos anseios populares, esse conceito personalista de democracia precisa ser qualitativamente
superado.
O ensaio: 4a VIA – AS COMUNIDADES ORGANIZADAS NO PODER (SUPERANDO A PROPRIEDADE
PRIVADA DOS MEIOS DE PRODUÇÃO E CONSTRUINDO A NOVA DEMOCRACIA ), defende um discurso (teoria e prática)
que viabiliza a adesão popular a um projeto concreto de revolução social, mas que, ao mesmo tempo, não
ponha em risco a fragilidade histórica da economia de mercado e das liberdades democráticas fundamentais já
conquistadas.
Através de um conceito pleno de cidadania, institucionalizamos a dignidade humana, em um exercício
superior de democracia, cidadania, economia e Estado.
Esse ensaio se propõe a reconstruir a proposta revolucionária socialista, retomar a sua estrutura científica e
dinâmica, restaurando a credibilidade teórica do socialismo científico, pela reavaliação de sua base política e
econômica.
Para aqueles que costumam julgar sumariamente, adianto que meu trabalho não pretende extinguir o conceito
geográfico e político de nação, que irei demonstrar ser bem diferente do que significa essa estrutura
degenerada que chamam de Estado.
Esse ensaio pretende impedir que essa forma caricata de administração pública continue sendo a opção "mais
próxima" de um conceito sério de democracia e cidadania.
Pois nesse sistema representativo, sempre damos um cheque assinado e em branco a uma minoria distante do
clamor popular, privilegiada por um poder que na verdade não lhe pertence, históricos parasitas do dinheiro
público e privado.

“É provável, pois, que o desenvolvimento de comunidade encontre uma vinculação


para baixo, que ele se prenda, no futuro próximo, às classes trabalhadoras, aos
setores mais pobres da população e a revolução democrática”
Florestan Fernandes.

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1a parte:

O Período Feudal e a Transição


ao Capitalismo

D urante o período feudal na Europa, imperava uma economia estagnada, controlada pela nobreza e

ratificada pela moral paternalista cristã que, mesmo generosamente beneficiada, criticava a obtenção de lucros e
a acumulação de riquezas, institucionalizando a pobreza como sinônimo de virtude.

A moral cristã feudal obrigava os mercadores e comerciantes a venderem seus produtos de modo que não
caracterizasse acumulação de riquezas, o que, em última instância, feria os interesses monopolistas da Igreja e
dos monarcas.

A ética cristã e as Corporações de Ofício, entravam em conflito constante com os interesses dos
comerciantes medievais, no entanto, o mercantilismo por via terrestre (fase inicial do capitalismo) continuou
prosperando, moldando uma burguesia em crescente fortalecimento financeiro e político. No século XV, as
novas técnicas de navegação e pilhagem internacional (mercantilismo naval) produziram conseqüências
enormes para um grande desenvolvimento econômico na Europa, que em sua fase inicial imperialista,
reutilizou o escravismo pré-feudal, então abolido no continente europeu à custa de várias revoltas camponesas
(John Ball e Wat Tyler. 1381). Prática que utilizou com veemência nos novos territórios conquistados.

O crescente fortalecimento financeiro da burguesia, resultou na transformação das principais metrópoles


da Inglaterra, França, Espanha e Países Baixos (Bélgica e Holanda) em bem sucedidos centros econômicos,
dominados pelos mercadores capitalistas e suas indústrias que, já então, revolucionavam as relações de trabalho
(corporações de ofício), transformando a mão de obra artesanal em operários industriais.

No entanto, a monarquia obrigava essa burguesia a contribuir financeiramente visando o fortalecimento


dos cofres reais. E a Igreja, além das “doações recebidas”, pressionava a emergente burguesia para combater o
desemprego e a mendicância, que haviam adquirido proporções alarmantes na Inglaterra do século XIV.

Esta ingerência do Estado (Nobreza) e da Igreja Católica nos interesses da burguesia, incomodava
bastante esta classe que crescia em poder, em razão de uma franca ascensão econômica e política.

Na proporção em que uma nova realidade econômica se impunha, as velhas tradições de uma agonizante
teocracia, se viram impotentes para refrear esse movimento histórico irreversível. Enquanto a Igreja, com o
poder de absolvição exercida pela confissão compulsória e punida com penitências, dizia que nenhum homem
alcançaria a salvação senão através dela, na Alemanha, o protestantismo de Lutero, rompendo com boa parte da
liturgia católica tradicional e não reconhecendo o purgatório católico, recusa o culto aos santos, aos anjos e a
Virgem. A mesma trindade católica (Pai, Filho e Espírito Santo) ocupa no protestantismo uma posição de
monopólio absoluto. Já em 1542, Lutero afirma que os homens justificam-se não pelas obras, mas pela fé, ou
seja, individualmente e não através da Igreja. Tornavam-se simultaneamente supérfluos: a igreja católica e o
Papado Romano. E na sua relação com Deus, o homem agora sem a intermediação da Igreja, passava a ser
então o juiz sobre seu próprio comportamento, caindo como uma luva para os interesses da nobreza Inglesa
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que, em pouco tempo implantou um Estado Protestante. Na verdade, o próprio Lutero se arvorou como o mais
importante juiz dentre os homens, lamentavelmente inaugurando uma versão protestante da inquisição católica,
que manchou de sangue os primórdios do protestantismo.

Tal individualismo contribui para o desmoronamento da ética paternalista cristã que, precedida por
reformas fundamentais nos dogmas da Igreja Católica, disseminados pelo protestantismo de Lutero, veste como
uma luva a crítica da burguesia sobre a interferência da Igreja e do Estado cristão feudal nos seus lucros,
facilitando o questionamento da credibilidade secular da Igreja de Roma.

Em 1651, Thomas Hobbes publicou “O Leviatã”, que, entre outras coisas dizia: “todas as motivações
humanas, inclusive a compaixão, não passavam de manifestações dissimuladas de egoísmo “(...) e o sentimento
de piedade só existe pela suposição da possibilidade de que calamidade semelhante possa se abater sobre ele
próprio”, o que antes soaria como heresia criminosa e punível com a fogueira, numa Inglaterra protestante,
ratifica a queda do estatismo teocrático e o predomínio do interesse individual sobre o coletivo, início do
rompimento intelectual e prático do estado feudal com o clero romano e com o insurgente capitalismo.

Diante de uma economia feudal fragilizada, e frente ao seu crescente poder econômico e
conseqüentemente político, a irresistível força histórica de um revolucionário capitalismo burguês impulsiona
uma guerra civil deflagrada na Inglaterra entre 1648 e 1660, onde o controle do Estado passou para essa
ascendente burguesia. O rei reinava, mas, não governava, o parlamento burguês chega ao poder. Na Inglaterra,
a instituição do parlamento, por força de uma guerra civil, iniciou-se no século XIII (Parlamento do Conselho
Feudal em 1215) com a Carta Magna das Liberdades, e sua representação ampliou-se posteriormente, também
pela força, no ano de 1265. No século XIV, divide-se em Câmara Alta (dos Lordes) e Câmara Baixa (dos
Comuns).

Na Itália do século XIV, o poder econômico e político do ascendente capitalismo inicia a construção do
seu império, e sob a égide de um conceito oportunista de democracia (Repúblicas democráticas), a burguesia
impulsiona a criação de novas regras legais de proteção aos seus interesses (através dos economistas e dos
advogados desenvolvem-se os fundamentos jurídicos da emergente economia, e os parlamentos
institucionalizam esses fundamentos).

Em 1700, na Inglaterra, dividindo o monopólio italiano, a indústria têxtil alavancou a primeira revolução
industrial. Em muitos outros setores da indústria, esses novos empresários perceberam que: aumentando a
produtividade e reduzindo os custos de produção poderiam aumentar a margem de lucro, o que justificaria a
desqualificação da mão de obra operária e consequentemente a redução dos salários. Período este, caracterizado
por uma enorme expansão das atividades inventivas, onde as inovações técnicas da produção adquiriram
proporções gigantescas. Em 1780, uma média de 477 patentes já havia sido registradas. Temos então, a ciência
e a tecnologia fornecendo à burguesia a instrumentalização estratégica para alavancar sua vertiginosa revolução
econômica.

Em 1776 (Inglaterra), Adam Smith publica “A riqueza das Nações”, consolidando a filosofia
individualista como base fundamental da doutrina econômica do liberalismo clássico, onde a idéia da supressão
de todas as regras, orientações e restrições econômicas de cunho paternalista do Estado, representa o seu maior
encanto. Libelo teórico que fundamenta a “salvadora ascensão do capitalismo rumo ao bem-estar de toda
sociedade”.

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Por outro lado, John Maynard Keynes (1883 /1946 – Inglaterra - pleno emprego, crescimento com
inflação) defendia entre outras coisas, a intervenção do Estado na condução da economia, pensamento que teve
grande influência na discutível recuperação econômica norte-americana que se mantém até hoje, no entanto,
lado a lado com a escola de Chicago (Milton Friedman - livre mercado, estado mínimo e crescimento por
individamento externo).

Após haver superado a interferência do paternalismo da Igreja e da nobreza feudal, o maior desafio do
capitalismo será também suprimir ao máximo as interferências dos governos nos países onde se implantou. Na
proporção em que esse objetivo foi sendo atingido, a exportação dos produtos produzidos pelo capitalismo
industrial, foi simultaneamente acompanhada pela exportação do próprio capital acumulado nos países de
origem, iniciando então uma especulação financeira que hoje não se vincula fisicamente a atividade industrial,
mas apenas ao desempenho lucrativo do capital pelo capital (ações na bolsa, empréstimos internacionais, etc.).
A intervenção estatal na economia representa um paternalismo historicamente combatido pelo liberalismo, mas,
por uma questão de proteção de seu mercado interno (hipocrisia econômica), todo intervencionismo de Estado
na economia (princípio Keyneziano) fora dos limites dos Estados Unidos, “deverá” ser neutralizado
(globalização – ALCA / NAFTA, etc.).

A especulação financeira, devido ao seu gigantismo global, perdeu inclusive o vínculo direto com a força
produtiva, resultado de um expansionismo capitalista, confirmado pelo menos conhecido Karl Kautsky
(contemporâneo e desafeto de Lênin) que, já naquela época, expunha a tese do “ultra-imperialismo”, onde
descrevia a criação dos grandes monopólios nacionais, os quais, através de interesses comuns, se associariam a
outros monopólios internacionais, formando superestruturas econômicas de âmbito mundial.

Atualmente, a fase mais evoluída de acumulação do capital independe da propriedade industrial, e em se


tratando de lucratividade, a tecnologia moderna de comunicação (através da informática) possibilitou um
distanciamento até mesmo dos países em que o capital eventualmente fosse aplicado.

CONSIDERAÇÕES
Como membro da esquerda Hegeliana, Max criticava o conceito de Estado monopolizado por uma
hereditária elite monarquista como forma superior de administração, e mais tarde, teorizando sobre uma
“inevitável autodestruição do capitalismo” (determinismo científico), Marx acrescentou a definição do sujeito
histórico da revolução, evoluindo para um posicionamento definido sobre a necessidade de um processo
revolucionário.

Lênin, Fidel Castro e Mao Zedong, instituíram a figura ativa deste sujeito histórico que, independendo do
determinismo economicista, alia-se a classe camponesa e resolve a questão do indeterminismo temporal,
através de uma ação historicamente definida e traumática de transformação política do Estado.

No entanto, todos os processos revolucionários, tanto burgueses quanto socialistas, encontraram um


limite praxiológico até agora intransponível: o enigmático fundamento Democrático.

Enquanto se aguarda a “revolução inevitável proveniente da fase agonizante do capitalismo burguês”


(princípio marxiano do momento histórico ideal para a revolução Socialista), a questão de uma conceituação
plena de cidadania e democracia, se posicionou de forma imprescindível na história da Filosofia Política, por

12
seu caráter de elemento insubstituível rumo a um projeto de sociedade que se digne sério, no objetivo de dar as
suas populações um conceito superior de cidadania, que historicamente, lhes foi e continua sendo negada.

A consciência da imprescindibilidade do fator democrático como caminho seguro para a consolidação e


aprofundamento político econômico de uma sociedade, confirmou-se em 1935 no VIII Congresso do Partido
Comunista Italiano.

Em 1951, na Alemanha, a Internacional Socialista agrupava 40 partidos no Congresso de Frankfurt, onde


o socialismo utópico alemão também reivindicou e internacionalizou o fundamento democrático como
elemento primordial no projeto do socialismo moderno.

Na verdade, esse posicionamento se coloca um tanto tardio, já que em 1918, Rosa Luxemburgo,
escrevendo sobre a revolução russa já afirmava: “sem democracia não pode haver participação popular (...)
Liberdade somente para os partidários do governo, para os membros de um partido, por numerosos que sejam,
não é liberdade. Liberdade é sempre a liberdade de quem pensa de modo diferente”. É claro que Rosa
Luxemburgo não se referia à democracia burguesa.

E por mais curioso que pareça, em seus escritos sobre “A Luta de Classes na França”, o próprio Marx, em
1850, já observava: “Nada podia ser mais alheio ao espírito da comuna do que substituir o sufrágio universal
por uma investidura hierárquica”. Mesmo Lênin, em sua obra “A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky
”, afirma: “o socialismo vitorioso deve necessariamente instaurar uma democracia integral...”, e ainda: “O
socialismo não é o resultado de decretos vindos de cima. O automatismo administrativo e burocrático é
estranho ao seu espírito: o socialismo vivo, criador, é obra das próprias massas populares” (o destaque é
nosso).

No entanto, sabemos que a “Ditadura do Proletariado foi uma utopia teórica e prática. E como
conseqüência se traduziu na ditadura da cúpula do partido comunista, implodindo o socialismo real na Rússia,
Polônia, Tchecoslováquia, etc. Desacreditando inclusive internacionalmente, os fundamentos do pensamento
marxiano sobre um socialismo científico, onde “um capitalismo em sua fase agonizante e terminal,
naturalmente se extinguiria” "determinismo histórico" que foi equivocadamente precipitado pelo socialismo
real. E a implantação abrupta do socialismo em países que viviam ainda dentro do sistema feudal, atropelou as
bases ditas “científicas”do socialismo, atrelando a imagem desse socialismo (materialismo histórico), a idéia de
uma proposta supressora das liberdades e direitos fundamentais, e por essa razão, não merecedora de
acolhimento popular como proposta política que pudesse conciliar satisfatoriamente: o desenvolvimento
individual e coletivo a um conceito paralelo de plenitude efetivamente democrática.

A centralização do poder, à luz das camadas populares mais pobres, também se mostrou ineficaz como
práxis administrativa nas democracias burguesas através da história, independente do sistema político
(presidencialista ou parlamentarista) dominante. Na verdade, diga-se de passagem, que, mesmo nos países não
socialistas, a luta por esse conceito de “democracia”, agora ameaçado pelo discurso capitalista de uma
questionável globalização, é uma ficção burguesa para resguardar os interesses do próprio imperialismo
econômico que, desde a revolução industrial inglesa, luta pela desestatização da economia alheia, rumo a
liberdade ilimitada para a transnacionalização irrestrita dos bens de consumo e de capital. Isto significa que:
democracia para a população é uma questão de dignidade humana, e para o capitalismo predatório é um
objetivo único de domínio econômico. Conciliar as liberdades individuais e coletivas com o desenvolvimento
da economia, é o maior paradoxo e desafio enfrentado pelo socialismo utópico, pela democracia capitalista.

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Esse dilema é insolúvel quando o atual socialismo utópico e as democracias modernas, pretendem através do
sistema do sufrágio universal e de um sistema representativo falido, conciliar os interesses da sociedade, os
interesses do capital, e as distorções provenientes da aplicação dúbia da moralidade e da ética na condução
da administração pública. As propostas “utópicas” criticadas pela social democracia e pelo sistema
capitalista no socialismo real, não estão muito distantes das utopias dessa mesma social democracia burguesa,
pois se mostram incapazes de produzir uma “práxis” que restaure a dignidade humana de uma forma
concreta, de maneira que não se confunda com essa mesma utopia socialista que critica.

Tanto Lênin, quanto Mao Zedong, Fidel Castro, os revisionistas italianos, os reformistas frankfurtianos e
o socialismo utópico atual, equivocaram-se e equivocam-se no mesmo ponto. Pois, embora a economia política,
fundamento revolucionário inquestionável no socialismo científico, seja um elemento imprescindível na
dialética socialista rumo a justiça social, nenhuma conclusão a respeito estará livre da possibilidade de exclusão
de outro fundamento também inquestionável, e elemento igualmente imprescindível em uma proposta séria de
reestruturação social, o fundamento perdido de uma democracia participativa. Historicamente, por qualquer
que seja a justificativa, a preponderância da revolução política em detrimento de uma democracia participativa
na prática do socialismo real, fragilizou os resultados políticos de longo prazo dessa experiência, que se baseia
na aplicação específica do seu conceito revolucionário de economia política, evidenciando que, embora a
economia política seja o elemento fundamental de compreensão da formação das infra e superestruturas sociais,
se torna indiscutível a necessidade de uma inversão na ordem de prioridade dialética, onde para preparar um
terreno propício para a transformação revolucionária do sistema econômico capitalista, o primeiro ponto a ser
abordado passa a ser o questionamento da axiologia democrática, não aplicada no socialismo real e exercida de
forma distorcida nas “democracias” capitalistas. Por outro lado, é importante identificar que: a ausência
histórica de uma efetiva democracia participativa vem sendo o terreno fértil onde as mazelas sociais se
desenvolveram. Tornando-se fundamental, então, estudarmos mais profundamente esse conceito polêmico e
obscuro do conceito de democracia.

O que significa democracia: liberdade de expressão? Sufrágio Universal?

É o conjunto dos sujeitos individuais e (ou) coletivos, que através desse conceito de “democracia” e de
representações partidárias algum dia chegarão ao poder e serão os salvadores da pátria?

É um processo educacional e moral garantindo que “num tempo indeterminado” a sociedade como um
todo alcance o poder econômico e político?

Não podemos esquecer que a referência histórica representada pela democracia grega exemplifica um
conceito parcial de democracia, pois institucionalizava a escravidão, excluía os não cidadãos e as mulheres,
além de não tratar da distribuição social da renda.

Conhecer as causas da exclusão social, do terrorismo expansionista do Estado inglês e norte-americano


através da história, da cultura de dominação internacional dos Estados Nação em sua política de expansão
econômica, do inevitável cientificismo industrial que penaliza o próprio trabalhador através do desemprego
tecnológico, da exclusão da maioria da população ao acesso às “maravilhas tecnológicas”, conhecer essas
realidades é muito importante, no entanto, acreditar que o poder constituído vai abrir mão desse poder,
permitindo que a dominação econômica nacional e internacional seja obstruída abruptamente de alguma
forma, é oscilar entre a ignorância e a traição ao próprio objetivo socialista como um todo. É comportar-se
como a classe dominante nacional e internacional (Estados Nacionais), que utilizam seu conceito utópico de

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democracia (o povo no poder) como forma de dominação, como demagogia populista e manipuladora da
economia e da cidadania plena.

Todos concordam que a democracia é fundamental, porém construiremos, no decorrer deste trabalho
expositivo, um novo conceito de Democracia, de Estado e de sua “práxis”.

“Globalização não é um conceito sério. Nós, americanos, o inventamos para dissimular nossa
política de entrada nos outros países.”

John Kennetth Galbraith (Folha de SP. 02/11/97).

A História do Imperialismo Econômico

É interessante observar, que quando se critica o viés revolucionário defendido pelo comunismo
internacional, o terrorismo e a revolução também foram e são utilizados pelo imperialismo econômico em seu
processo de expansão e dominação.

A Índia foi um dos primeiros países a sofrer as conseqüências dramáticas da expansão imperialista
européia. Durante 150 anos, até a conquista de Bengala em 1757, a Companhia das Índias Orientais manteve
intensas relações comerciais com a região. A Índia era nessa época, um país economicamente avançado, seus
métodos de produção, bem como a sua organização industrial e comercial, eram comparadas as que
prevaleciam na Europa ocidental.

Na verdade, a Índia já fabricava e exportava musselinis e outros tecidos de luxo de excelente qualidade,
revelando-se desta forma, uma concorrente perigosa para a recente revolução industrial têxtil inglesa.

Após a conquista de Bengala, a Companhia das Índias Orientais impôs sua autoridade sobre grande parte
do território indiano, e as relações comerciais mantidas durante 150 anos converteram-se em relações brutais de
exploração.

Paul A. Baram (1962, pg. 145-149, The Political Economy of Growth, Month Review Press.), descreveu
um quadro que caracteriza essa ânsia impiedosa de riqueza: “Nenhum Maharatta conseguiu saquear uma
região com a mesma eficácia que a Companhia das Índias Orientais e, sobretudo seus funcionários agindo em
proveito próprio (...) Em sua busca cega de enriquecer, tomavam dos camponeses de Bengalis o que estes
podiam dar e o pouco que lhes restava para viver. E os camponeses estupidamente morriam”.

E prossegue: “A administração britânica na Índia empreendeu a destruição sistemática de todas as


fibras e alicerces da economia indiana, para que em seu lugar se instalassem, parasitariamente, os
proprietários de terra e os prestamistas. Sua política comercial resultou na destruição do artesanato indiano e
deu origem às infames favelas das cidades indianas, nas quais se aglomeravam milhões de indigentes famintos
e doentes. Sua política econômica cortou pela raiz os rebentos de um desenvolvimento industrial autóctone,

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favorecendo a proliferação de especuladores, pequenos comerciantes e espertalhões de toda espécie, que
levavam uma vida miserável e improdutiva nas malhas de uma sociedade em decadência”.

Os Ingleses só vieram a ocupar definitivamente o interior do território indiano após o surto ferroviário
que teve início em 1857, onde o governo inglês havia prometido um lucro de 5%, porém, se fracassassem, o
povo indiano pagaria de forma compulsória a diferença através de impostos.

Em 1900, a Grã-Bretanha havia incorporado ao seu império 4.500.000 milhas quadradas; a Alemanha
1.000.000 de milhas quadradas; a França devorava 3.500.000 de milhas quadradas; a Bélgica 900.000; a Rússia
500.000; a Itália 185.000 e os Estados Unidos 125.000 milhas quadradas.

A expansão imperialista ia de vento em popa. Um quarto da população mundial foi subjugado e


submetido ao domínio europeu e norte-americano.

Em 1800, os europeus praticamente não haviam ultrapassado as terras mais próximas do litoral africano.
No princípio do século XX, após um século orgíaco de ocupação de terras e delimitação de impérios,
controlavam cerca de 10 milhões de milhas quadradas, ou seja, aproximadamente 93% desse continente. Uma
rapinagem geográfica de proporções gigantescas foi cometida para satisfazer a cobiça das potências
européias que disputavam os abundantes recursos minerais e agrícolas do continente negro.

Em 1879, Leopoldo II, rei da Bélgica, enviou H. M. Stanley em missão na África Central, confiscando
todas as terras que não eram diretamente cultivadas pelas comunidades locais, transformando-as em
propriedade governamental. Os nativos foram obrigados a se submeter a um opressivo sistema fiscal, que
incluía impostos pagáveis em borracha e marfim ou sob a forma de prestações de trabalho.

No século XX, o Congo passou a fornecer outros recursos naturais: diamantes, urânio, cobre, algodão,
azeite, etc. Pode-se dizer que o Congo foi uma das mais lucrativas possessões imperialistas européias e,
também, uma das mais escandalosas.

A Inglaterra apoderou-se das regiões mais populosas e ricas da África. Em 1870 e nos anos subsequentes,
a Companhia Britânica da África do Sul dirigida por Cecil Rhodes, embora fosse uma empresa privada e com
finalidades lucrativas, estava investida de poderes comparáveis aos de um governo. Tinha, por exemplo,
autoridade concedida por carta patente em 1889 para firmar tratados, promulgar leis, preservar a paz, manter
uma força policial e adquirir novas concessões.

A política expansionista da companhia britânica da África do Sul culminou com uma Guerra contra a
Holanda (Guerra de Bôers - 1899/1902). As repúblicas holandesas foram esmagadas e a Inglaterra adquiriu o
controle total sobre a África do Sul.

Às vésperas da primeira guerra mundial, a França detinha cerca de 40% da África, a Inglaterra controlava
30% e a Alemanha, Bélgica, Portugal e Espanha repartiam entre si aproximadamente 23% do território
africano.

A degeneração política e econômica a que a Índia e a África do Sul tiveram que se submeter foi
desastrosa, mas no futuro, homens como Mahattma Gandhi e Nelson Mandela seriam mártires da
independência em seus países.

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Quanto a Ásia, em 1957, a França havia submetido ao seu domínio todo o território da Indochina, e em
1858 invadiu Anãm (Estado tributário da China), criando pouco tempo depois uma colônia no território que
corresponde atualmente ao Vietnã. E em1878, numa rápida incursão militar, os ingleses submeteram o
Afeganistão e o anexaram ao já conquistado governo indiano. Em 1907, a Pérsia foi repartida entre a Rússia e a
Inglaterra.

A Inglaterra também se apossou de Singapura e dos Estados malaios, ocupou o norte de Bornéu e o sul da
Nova Guiné. A Alemanha abocanhou a outra parte da Nova Guiné. A maior parte das ilhas remanescentes
coube aos holandeses.

A primeira aquisição imperialista ultramarina dos Estados Unidos foram às ilhas Samoa. Em 1878, os
nativos de Pago-Pago concederam aos norte-americanos o direito de usarem seu porto; 11 meses depois, as
ilhas haviam sido conquistadas e divididas entre os Estados Unidos e a Alemanha.

Em 1887, Pearl Harbor tornou-se base naval dos Estados Unidos. Em pouco tempo, os capitalistas
americanos assumiram o controle sobre a maior parte da produção açucareira do Havaí. Logo depois, os
brancos que constituíam uma pequena minoria da população, e eram todos de origem norte-americana,
revoltaram-se contra a rainha Liliokalani e, com o auxílio dos fuzileiros navais do Estados Unidos, subjugaram
a população nativa e, em 1898, o Havaí foi oficialmente anexado aos Estados Unidos.

No mesmo ano de 1898, os Estados Unidos declararam guerra à Espanha com o objetivo de “libertar os
Cubanos do jugo Espanhol”. A vitória norte-americana implicou na anexação imediata de Porto Rico e das ilhas
Filipinas. Os cubanos, “agora independentes”, assistiam aos capitalistas norte-americanos apoderarem-se num
curto espaço de tempo de sua agricultura e de seu comércio. A “independência de Cuba” foi condicionada a
uma cláusula que assegurava aos Estados Unidos o direito de intervirem nos assuntos internos do país sempre
que julgassem necessário, a pretexto de proteger a vida, a propriedade e a liberdade individual, fórmula que tem
sido usada com freqüência para justificar o expansionismo imperialista. As tropas norte-americanas invadiram
Cuba em 1906, 1911 e em 1917, até que o seu domínio fosse definitivamente consolidado. Mais tarde, Fidel
Castro reverteria essa situação.

Em 1901, a república da Colômbia recusou-se a vender uma faixa de terra aos Estados Unidos na qual
seria construído o canal do Panamá. O presidente Roosevelt acionou os mecanismos intervencionistas de forma
indireta. Uma insurreição para a autonomia do Panamá foi organizada com a colaboração e o apoio norte-
americano. Os navios de guerra dos Estados Unidos foram dispostos em pontos estratégicos para impedir que as
forças colombianas interviessem e sufocassem a rebelião. A revolta foi desencadeada em 3 de novembro de
1903, e no dia 6, os Estados Unidos reconheceram diplomaticamente a “nova nação”. No dia 18, obtiveram a
zona do canal sob condições muito mais favoráveis do que as que haviam proposto inicialmente.

Em 1904, o mesmo presidente Roosevelt declarou: “os Estados Unidos respeitavam o direito de
autodeterminação dos países que agissem com o mínimo de eficiência e decência nas questões políticas e
sociais”. Advertiu, no entanto: “erros cometidos sistematicamente ou a demonstração de incapacidade que
resulte no afrouxamento dos vínculos que mantêm a coesão de uma sociedade civilizada, podem em último
caso, tanto na América quanto em qualquer outra parte do mundo, justificar a intervenção de uma nação
civilizada”.

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Em 1909, os fuzileiros navais dos Estados Unidos invadiram a Nicarágua e depuseram o presidente José
Zelaya, que ameaçava suspender as concessões econômicas feitas aos norte-americanos. Em 1912, foi
novamente ocupada. Em 1915, os fuzileiros navais intervieram no Haiti e, em 1916, ocupavam a República
Dominicana impondo um governo militar.

Ao eclodir a primeira guerra mundial, os Estados Unidos haviam se apoderado ou exerciam controle
sobre Samoa, Midway Island, Havaí, Porto Rico, Filipinas, Cuba, São Domingos, Haiti, Nicarágua e a zona do
canal do atual e “oportuno” Panamá.

Não é difícil identificar que o principal objetivo de todas as intervenções inglesas, norte-americanas ou de
qualquer outro país, não se restringiam a simples exercícios militares. Os objetivos econômicos foram e
continuam sendo a causa principal.

Na verdade, o imperialismo econômico foi filosoficamente muito bem fundamentado.

A teoria do liberalismo econômico proporcionou uma base filosófica em um sistema capitalista com bases
puramente econômicas. Em “A História das Riquezas das Nações” (1776), Adam Smith elaborou a base do
liberalismo clássico de forma profunda e técnica, proclamava o livre jogo da força da oferta e da procura, longe
do controle dos Estados. Diferentemente de Thomas Hobbes, que defende um Estado totalitário e
intervencionista, e de Keynes, que defende a intervenção esporádica e saneadora do Estado (ambos incluindo a
supervisão política do Estado na economia).

Segundo Adam Smith, o mercado agiria como uma “mão invisível”, canalizando as motivações egoístas e
interesseiras dos homens para atividades mutuamente complementares que promoveriam de forma harmoniosa
o bem-estar de toda a sociedade. O funcionamento desses mecanismos implicava na supressão de toda as
regras, orientações e restrições de cunho paternalista (Estatal), e nisso reside o seu maior encanto.
Definitivamente, segundo a proposta liberalizante, não haveria lugar para a intromissão paternalista dos
governos em assuntos econômicos.

O discurso orgíaco de livre mercado foi substituído por privilégios de mercado concedido pelos Estados
Nação a poderosos setores da economia nacional e internacional.

Já a teoria do darwinismo social de Herbert Spencer (1820- 1903), baseou-se no que chamou: Lei da
conduta e da conseqüência. Segundo Spencer: “a pobreza do incapaz, as desgraças que se abatem sobre o
imprudente, a fome que sente o desocupado e a supressão dos mais fracos pelos mais fortes (...), são os
desígnios de uma força poderosa, clarividente e benevolente”. Assim como Adam Smith se opunha
categoricamente a qualquer ação governamental que interferisse no livre comércio, na produção ou na
distribuição das riquezas e rendas, Spencer considerava prejudiciais para o progresso humano os gastos com a
previdência social, as iniciativas destinadas a reduzir a insegurança econômica dos trabalhadores e as obras
governamentais de utilidade pública. Ambos justificavam teoricamente o que já acontecia na prática.

Muitos homens de negócios que se servem da proteção de seus governos para promover seus próprios
interesses (tarifas especiais, isenções fiscais, etc.), sentiam-se ameaçados por esses mesmos governos, quando
tinham que se submeter a reformas sociais que beneficiassem a classe trabalhadora, colocando em risco suas
riquezas e rendas. Por isso, se utilizam dos argumentos de Herbert Spencer e do darwinismo social, que

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considera a acumulação de riquezas uma prova concreta de superioridade e a pobreza uma evidência de
inferioridade evolutiva.

Confirmando esse pensamento, Thomas Robert Malthus defende um posicionamento de defesa do


desenvolvimentismo genocida de controle demográfico. Defende Malthus, sobre a questão fundamental no
“combate à pobreza e à miséria”, a seguinte solução: “existem duas maneiras de conter o crescimento
populacional, os controles preventivos e os controles positivos. Os controles preventivos agiam no sentido de
reduzir a taxa de natalidade e os controles positivos, no sentido de incrementar a taxa de mortalidade”.

Malthus foi ainda mais objetivo em suas conclusões: “Deste momento em diante todas as crianças recém-
nascidas que ultrapassarem o limite previsto (divisão mínima de alimento), terão necessariamente que morrer,
a menos que a morte de adultos lhes ceda lugar. Portanto, se quisermos agir corretamente, devemos facilitar a
ação da natureza que produz a mortalidade, ao invés de esforçarmo-nos inútil e totalmente por impedi-la. E se
encararmos com horror a visita por demais freqüente desse terrível espectro da fome, mais uma razão para
encorajarmo-nos com diligência as outras formas de destruição, compelindo a natureza a fazer uso delas. Ao
invés de recomendarmos o asseio aos pobres, conviria estimular os hábitos contrários. Em nossas cidades,
deveríamos construir as ruas mais estreitas, apinhar mais gente no interior das casas e provocar o retorno das
pragas. No campo, deveríamos construir as aldeias perto de poços de água estagnada e, sobretudo, encorajar
o estabelecimento de colonos em terrenos pantanosos e insalubres. Acima de tudo, deveríamos condenar o uso
de medicamentos específicos que anulam os efeitos devastadores das moléstias, e condenar também os homens
benevolentes, mas profundamente equivocados, que julgam prestar grandes serviços à humanidade quando
elaboram planos para extirpar determinadas enfermidades. Se, por esses e outros meios semelhantes,
conseguíssemos dilatar a taxa de mortalidade anual, provavelmente qualquer um de nós poderia casar ainda
na puberdade, e mesmo assim poucos morreriam de fome”.

O pensamento elitista de alguns, está bem explicitado no pensamento de S.C.T. Dodd, procurador da
Standard Oil, onde a pobreza existia: “porque a natureza, ou talvez o diabo, gerou alguns homens fracos e
imbecis, outros preguiçosos e imprestáveis, e nem o homem nem Deus podem fazer muito por aqueles que nada
fazem por si mesmos”.

A defesa do imperialismo foi curiosamente bem exposta por George Bernard Shaw: “nenhum grupo ou
país tinha o direito de se opor ao pleno desenvolvimento de seus recursos produtivos, no interesse de todo o
mundo. As civilizações superiores tinham, portanto, todo o direito de impor sua vontade sobre os povos
atrasados e de ignorar as reivindicações nacionais e setoriais, desde que isso resultasse no incremento da
riqueza total a ser desfrutada pela raça humana”.

Esta afirmação expressa um libelo ao imperialismo, a dominação internacional com objetivos puramente
econômicos. A ideologia do capitalismo de Estado no final do século XlX, refletia claramente o objetivo de seu
fortalecimento financeiro, através da internacionalização compulsória desse promissor, conveniente e orgíaco
imperialismo econômico.

Refletia ou reflete?

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O CONCEITO DE ESTADO NAÇÃO
Respondendo a essa pergunta, recorri aos ensinamentos contidos no livro “Curso de Direito Internacional
Público”, do eminente jurista, escritor, professor e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Celso D. de
Albuquerque Mello, que diz: “O Direito Internacional Público que é ensinado nas faculdades e nos livros é
ainda, via de regra, o mesmo Direito Internacional formulado no século XlX pelas grandes potências
ocidentais. É assim um Direito que atende aos desenvolvidos e não aos países em via de desenvolvimento(...) O
Direito precisa passar a ser o agente transformador da sociedade e não o consagrador de um ‘status quo’
existente há cinqüenta anos”.

E continua na sua importante denúncia: “o que ocorre atualmente é que os Estados mais poderosos,
apesar de em minoria, elaboraram e elaboram as normas internacionais ainda em vigor e lutam pela sua
manutenção. Na verdade, o processo de formação das normas internacionais não é, via de regra, democrático;
vez que ele leva em consideração o poderio dos Estados”.

E sobre o imperialismo econômico, confirma: “A intervenção para a defesa do seu nacional, encontrou
acolhida em inúmeros internacionalistas (Hershey, Oppenheim). Este motivo fundamentou uma série de
intervenções dos EUA no continente americano (Nicarágua, 1909). Ele servia para encobrir, muitas vezes,
interesses meramente econômicos”.

Ainda sobre este assunto, incluímos as observações de Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, um dos
mais respeitáveis juristas de nosso país, não somente pela sua vasta obra literária no assunto, como também
pelo fato de que, até hoje é citado como referência em petições e decisões judiciais, em todas as instâncias
jurídicas pelo Brasil. Segundo Pontes de Miranda: “O regime da livre concorrência não significa outra coisa:
inspirações e apetites particulares, produção que marcha para o trust, e, quando muito, para o cartel. O
parasitismo faz-se apologista de tal anarquia, que lhe serve; e, no momento, alguns políticos, a soldo do
capitalismo estrangeiro, querem implantar nos Estados sul-americanos regime despótico, que lhes permita,
como agentes parasitários, submeter os trabalhadores e os elementos técnicos ao tipo colonial do trabalho
forçado. (...) O capitalismo apoderou-se da técnica e reduziu o Estado a entidade parasitária (...) Sem a
tecnicidade, com um direito que, em vez de servir à sociedade, serve a grupo cada vez mais restrito, o Estado
impopulariza-se, paralisa-se e desmoraliza-se. (...) Durante o século, o capitalismo apossou-se do Estado.
Tem-no ao alcance da mão. Forja guerras civis e derrubadas de governos, nos povos de escassa cultura
política; nos outros, usa de fios sutis que fazem milagres. Como quer que seja, o Estado verga, impotente,
diante da força financeira. Os dirigentes têm a ilusão de dirigir, ou percebem a sua função de fantoches ao
mover de dedos do capitalismo. (...) Nos nossos dias, com a ciência, com o espírito de invenção e de
organização científica, o Estado despótico, firmado na força, a serviço das classes parasitárias, constitui
reminiscência excrecente” (“A sabedoria da Inteligência”, O.L., p. 195).

Na verdade, a figura política e territorial do Estado-nação é produto final do século XVII e XIX. Na
antiguidade clássica não havia o conceito de nação. Em Roma, por exemplo, a idéia de Itália não existia, mas
sim a cidade de Roma. Quem não fosse de Roma era estrangeiro.

Na idade média, havia feudos e não Estados nacionais. Cada feudo tinha sua própria moeda, seu exército,
suas leis e seus tribunais. Para a burguesia, essas diferenças atravancavam as transações comerciais: estradas
ruins, impostos a pagar em cada feudo por onde se passasse, as moedas variavam de um feudo para o outro,
assim como a legislação.

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O rei e a nobreza ao seu redor falavam o latim, o idioma considerado nobre. O povo em geral é que falava
o francês, o bretão, o inglês, etc..., que eram línguas consideradas plebéias.

Com a formação dos Estados-nações, a unificação política e territorial favorecia os mercados internos,
pois com apenas um exército, uma moeda, uma legislação, e um dialeto oficial, o emergente sistema capitalista
poderia se proteger e desenvolver esses mercados internos sem concorrência externa. Por isso, a origem dos
Estados-nações deu-se na Europa ocidental, onde começou a revolução industrial, propagando-se depois para o
restante do mundo.

Portanto, o nacionalismo foi uma bandeira apoiada: ora pelos senhores feudais, ora pela realeza e pela
burguesia, apenas para proteção de seus interesses de mercado interno e externo, eliminando desta forma, a
ingerência de centros de poder geograficamente fora de seus territórios.

As bases teóricas e práticas da 3a Via, embora, em última instância, não abram mão da tutela do Estado
sobre a economia, propõem um processo de privatizações generalizadas que ocorreram, ocorrem e ocorrerão,
pois defendem um afastamento gradual, mas firme do empresarismo de Estado, geralmente incompetente para
administrar satisfatoriamente assuntos de mercado.

Nos países onde boa parte da utilização da mão de obra se assenta na indústria, o índice de desemprego
nesta área terá seu nível cada vez mais elevado. E utilizar o argumento do aumento de emprego, resultante da
instalação desse tipo de indústria, a médio e longo prazo será, conscientemente ou não, um erro político: pois o
enorme avanço da tecnologia industrial possibilitará o acesso somente de uma pequena parcela de mão-de-obra
especializada, que paulatinamente, também será excluída pela tecnologia de ponta que minimiza a cada dia a
mão de obra no processo produtivo das indústrias.

Quanto ao setor da construção civil, importante fonte de ocupação da mão de obra no país, também é
altamente vulnerável na sua capacidade de ocupação permanente, uma vez que basicamente é fruto do
financiamento público da especulação imobiliária. Se os juros não forem viáveis para a captação dos
empréstimos necessários, ou não existirem empréstimos disponíveis, todo esse setor será paralisado,
aguardando situações mais favoráveis para reaquecimento, e nesse caso, como é uma situação bastante
conhecida por profissionais desta área, não representa uma fonte segura e perene de ocupação profissional.

Na verdade, nem mesmo a agricultura seria, atualmente, uma fonte de ocupação com capacidade de
absorção de mão de obra na proporção social necessária. As modernas técnicas de produção agrícola,
conciliando máquinas, equipamentos e tecnologia genética, conseguiram transcender os limites naturais de produção,
viabilizando até que os EUA, com uma área agrícola bem menor que a do Brasil, possa obter produção suficiente para seu mercado
interno e externo. Isto também significa o que podemos chamar de desemprego estrutural ou tecnológico.

Quando uma empresa multinacional se instala em um país, três aspectos definem seus objetivos
empresariais: encontrou uma região especial por ser um mercado comercialmente importante, ou por ser fonte
de mão de obra de baixo custo com vistas ao mercado interno e (ou) a exportação, pelas enormes isenções
fiscais, ou as três coisas ao mesmo tempo.

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Se a empresa multinacional utiliza o território alheio e desenvolve uma linha de produção apenas para
exportar, explora apenas a mão de obra barata até que possa substituí-la pelas novas tecnologias. Se também
vende seus produtos no mercado interno, utiliza também o potencial comercial das classes sociais nativas.

O investimento em linha de produção no território alheio está inicialmente vinculado à utilização de mão
de obra barata, de forma que o salário local seja baixo o suficiente para justificar os investimentos de curto,
médio e longo prazo. Vantagens essas que são bastante potencializadas através das isenções fiscais com prazos
amplamente diluídos no tempo. As modernas inovações tecnológicas substituíram de forma significativa as
reivindicações salariais, que se transformaram em luta pelo emprego. E ao mesmo tempo, mesmo com um
número menor de trabalhadores, a implementação da robótica e da informática, viabilizou até mesmo o
aumento da produção.

A visão desta realidade revela um impasse sobre o futuro, que confronta um incontrolável aumento
demográfico com o desenvolvimento tecnológico na área produtiva que, quando antes alienava estruturalmente
o trabalhador, hoje literalmente o exclui do meio produtivo. Ao mesmo tempo em que a moderna tecnologia
atende perfeitamente aos interesses do capitalista contemporâneo, essa mesma tecnologia (que não manipula
mas é manipulada) é insensível à necessidade de sobrevivência da maioria dos seres humanos do planeta.
Contraditoriamente, não pelo volume de produção, mas pela exclusão da maioria da massa produtiva dos
benefícios decorrentes da maximização desse processo produtivo.

Na verdade, os aspectos individualistas e de livre mercado na economia política do liberalismo


econômico, não contempla em sua teoria, os interesses e necessidades do conjunto da sociedade. E quanto ao
progresso científico (cujos principais saltos evolutivos se deram durante e após as grandes guerras mundiais deste
século), esse caminha principalmente no objetivo da supremacia militar sobre os demais povos, hoje subjugado pela máquina bélica
norte-americana. As demais descobertas científicas só chegam aos indivíduos quando se inserem nos interesses comerciais
definidos de alguma indústria nacional ou multinacional, ou quando são resultados laboratoriais incidentais em objetivos específicos
de pesquisa, que tenham forte apelo comercial e sejam explorados por empresários ou empresas.

A COMUNOCRACIA CONSTITUCIONAL

É preciso parar para pensar, analisar profundamente as dificuldades e as condições de sobrevivência da


maioria dos seres humanos desse país.

Analisar profundamente as experiências políticas e econômicas, e procurar através delas uma forma de
comportamento social e individual da existência humana, que dignifique um verdadeiro e pleno sentido das
palavras: Nação e Cidadania.

Naturalmente não estou me dirigindo a uma minoria dominante, incapaz, conscientemente ou não, de
reconhecer, ou sequer perceber em sua volta, o caos social que a rodeia. E indiferentes à responsabilidade
pública de suas funções, se negam a buscar algum outro caminho que esteja em desacordo com seus próprios
interesses.

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Muitos propagam suas propostas do que seria uma sociedade mais justa. Existem grupos que defendem a
social democracia capitalista, e outros grupos que por mais paradoxal que pareça, defendem um socialismo
não científico, e hoje, internacionalmente calcado em um conceito questionável de democracia. Sem falar nos
partidos que defendem interesses específicos de classe, e daqueles que não defendem ideologicamente nenhuma
proposta, a não ser seu próprio interesse de poder. No entanto, todos devidamente representados pelos seus
respectivos partidos políticos. Excluindo os partidos puramente fisiocratas, o importante a destacar é que, em
resumo, todas as propostas se dividem em duas vertentes fundamentais: a vertente da social democracia
capitalista e da ditadura do proletariado.

O que não é discutível é que, a questão das prioridades sociais não pode se desvincular das liberdades
individuais e do desenvolvimento. Por isso, conciliar o desenvolvimento econômico, a satisfação das
necessidades básicas do indivíduo, com as liberdades universais desse mesmo indivíduo, representa um nó
histórico do capitalismo e do socialismo real.

A prática de uma reforma permanente que atualize a democracia capitalista tem sido a única opção dos
partidos de esquerda na política internacional, no entanto, é um posicionamento em condições desiguais de
competição, já que os interesses econômicos, políticos e até pessoais preponderam sobre os interesses sociais
nas estruturas institucionais dos Estados Nação.

Em seu livro “A última tentação de Marx” (Ed. Relume Dumará, R.J., 1999, pág. 85), Armando Avena
atribui a uma pretensa revolução tecnológica, a possibilidade de resolver as relações sociais de produção, no
entanto, a tecnologia está excluindo a mão de obra destas mesmas relações de produção (desemprego
estrutural).

Como demonstrarei mais adiante, a economia política como fator revolucionário primário na resolução
da problemática social é uma priorização dialética equivocada do socialismo teórico, especialmente quando se
refere à extinção de forma abrupta dessa economia política. Demonstrarei que essa economia em exercício é
apenas um subproduto da ausência histórica de um conceito teoricamente correto de democracia. Isto porque
embora a economia política capitalista seja um demonstrativo evidente de fonte irrisória na distribuição das
riquezas produzidas, a capacidade desse trabalhador de influir nos rumos de seus interesses, foi habilmente
obstruída pelos conceitos historicamente distorcidos de representatividade e democracia. E na democracia
capitalista, essa distorção foi o terreno fértil no qual se desenvolvem os interesses do capitalismo de Estado
nacional e internacional.

Acham que foi por acaso que a burguesia se utilizou da bandeira de democratização da sociedade?

Ou a utilizou para assumir o controle político dos emergentes estados nação (revoluções políticas
burguesas)?

E foi esse controle político exercido pela burguesia na superestrutura dos estados nacionais que
representou o fator decisivo no desenvolvimento e na esmagadora internacionalização capitalista.

A história nos ensina que, a eficácia da implantação nacional e internacional do sistema privado de
produção, foi consolidada pela ocupação do poder político das superestruturas nos estados nação.

23
E os instrumentos teóricos, habilidosamente engendrados pela emergente burguesia para a ocupação do
poder político, foram os conceitos restritivos de participação pública direta nesse poder, embutidos na
proposta teórica da democracia representativa republicana.

Mas, este trabalho se propõe a demonstrar que, quando o conceito deformado de democracia é
devidamente reavaliado e cientificamente compreendido, a moderna Comunocracia Constitucional se
materializa e se revela como raiz e alvo principal de uma moderna teoria de Estado, que identifique o conceito
democrático como tema primário revolucionário na construção e administração de uma nova superestrutura
política e econômica. E que, historicamente, irá preceder a revolução na economia política, inviabilizando
desta forma, o retorno a uma “eventual” centralização do poder político, mas ao mesmo tempo, e com
legitimação popular, efetuar as correções nos rumos da micro e macroeconomia.

No entanto, as divergências atuais quanto à priorização do capital ou do social, ou quanto ao paradoxo de


tentar conciliar temas aparentemente opostos, estão nas formas de atingir tais objetivos, juntos ou
separadamente, se pela via da democracia capitalista ou não.

A Ética e a Moralidade
Existe um outro aspecto que, à luz do atual conceito precário de democracia, considero estar acima das
discussões teóricas sobre sistemas políticos e econômicos: é a frágil vertente da ética e da moralidade como
pressuposto de credenciamento eleitoral, pressuposto este, que a fragilidade histórica mostrou capaz de minar
qualquer proposta digna de administração do interesse público, degenerando qualquer poder executivo,
legislativo ou judiciário.

Numa sociedade, onde levar vantagem em tudo ou “farinha pouca meu pirão primeiro” são palavras de
ordem, a questão da ética e da moralidade representa uma enorme vulnerabilidade administrativa de qualquer
sistema econômico ou social, proposto ou implantado, vitimados pelo que chamo de vícios históricos da
personalidade humana.

Uma minoria idealista luta heroicamente para resgatar os valores dessa ética e dessa moralidade na
administração dos interesses públicos, porém, também historicamente, são sufocados pela enorme barreira
erguida e habilmente articulada através do tempo, por esses mesmos vícios históricos da personalidade
humana, capitaneados pelos lob’s políticos, econômicos, jurídicos, partidários, etc...

A falência política da superestrutura atual gera a falência dos valores éticos e morais também no seio da
sociedade, com a exceção de alguns poucos “sonhadores” ou “ingênuos” que, romanticamente, insistem em
manter essa tênue chama viva.

A pergunta é: Onde estão os indivíduos imunes à falta eventual ou definitiva desses raros valores no
exercício de função pública e (ou) privada?

De que adianta transcrever valores éticos e morais numa Constituição ou no Direito Positivo, quando o
próprio executivo, legislativo e judiciário, responsáveis pelo cumprimento e defesa destes contratos sociais, se
encarregam eles mesmos de transgredi-los, explicitando desta forma a perigosa incidência da histórica falha do

24
elemento humano na promoção do interesse coletivo, minado pelos já citados vícios históricos da personalidade
(a ânsia de poder político e econômico, a vaidade desmedida, a ambição descontrolada, etc.).

Na verdade, embora importante, não tenho a intenção de discutir neste momento o que seja ética ou
moralmente correto, mas de evidenciar a situação de desrespeito histórico aos cidadãos. Quando a
responsabilidade de implementar os princípios referentes ao que se considera ético e moralmente correto não é
respeitada, o interesse público fica em segundo plano ou nem mesmo é levado em consideração.

Como poderemos evitar que, determinado candidato a cargo público, hoje dedicado, prestativo,
participativo, ao assumir o cargo não mostrará uma outra face. Ou será estruturalmente impossibilitado de
transformar as regras gerais e históricas do jogo político?

A maioria da população, descrente sobre a legitimidade do instituto da representação política, e ao mesmo


tempo, ocupada demais em garantir o pão de cada dia, dividindo o tempo entre o estudo, o emprego e a
responsabilidade familiar, não tem tempo disponível para vigiar e controlar os passos de cada representante
eleito, onde a maioria deles nos transformam em degraus vivos, nos moldam e depois nos pisam.

Isto tudo significa que, independente da sigla partidária, neste atual sistema ou em qualquer outro: o
gigantismo burocrático da máquina de Estado e a complexidade da estrutura representativa, nos força a
depender de atitudes paternalistas ou contar com a “sorte”, onde os representantes de qualquer poder
decidam por um ato de magnanimidade individual, promover uma utópica justiça social ou pelo menos
respeitarem esse socialmente importante mas desacreditado e fragilizado sistema legal.

No que se refere ao Direito Positivo, a questão da legalidade apresenta um aspecto que posiciona este
Direito Positivo como um código extremamente vulnerável, quando atribui ao poder judicante uma
discricionaridade personalista na interpretação das leis (livre convencimento). Embora existam outras instâncias
recursais, as decisões prolatadas, muitas vezes, ferem direitos adquiridos e expõem interpretações contrárias
ao texto da própria Lei, e em fase de recurso, evidenciam um corporativismo institucional que desqualifica o
conceito institucional de justiça, sobrecarrega as instâncias superiores, transformando a esfera jurisdicional em
alvos potenciais, onde os seus representantes, em maior ou em menor grau, são expostos à influência do
corrosivo poder político e econômico.

Se, para superar os arbítrios da discricionaridade desmedida, faz-se necessário à contratação de “bons
advogados”, a elitização do Direito é patente. Se a contratação de “bons advogados” não consegue evitar
esses arbítrios, extingue-se o direito real à Justiça, e conseqüentemente, os dois exemplos fragilizam o Estado
democrático. Esse “Estado democrático”, que já é fundamentalmente frágil, pois convive com um índice
enorme de exclusão social, fragiliza-se ainda mais com um poder discricionário que expõe a aplicação isenta
das normas legais ao arbítrio da parcialidade, inerente aos vícios da personalidade humana, que exclui a
justiça do direito e se esconde no corporativismo.

Contraditoriamente, a uniformização da jurisprudência torna-se um expediente que “visa regulamentar a


interpretação do texto legal”, reconhecendo por tanto, a panacéia discricionária que está incorporada ao
exercício da função judicante, demonstrando a subjetividade dos textos legais e os perigos a que se expõem os
“cidadãos”, quanto à “correta” aplicação das normas jurídicas de um excludente “Estado de Direito”.

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Na verdade, historicamente, por mais paradoxal que pareça, o Direito Positivo foi criado para “proteger”
os direitos de quem pretensamente os possua, no entanto, pelo menos a garantia de sua aplicação, é um desafio
não superado, que constantemente, põe em cheque a legitimidade de um Estado democrático de direito quando
negligencia os fundamentos estabelecidos em um importante, porém precário, Direito Positivo e Constitucional.

Quando a discricionaridade jurisdicional cria um atrito entre a justiça e o direito, deixa evidente a
fragilidade desse conceito desgastado de democracia e a própria estrutura legal que a legitima, instituindo uma
legalidade paralela na função judicante, criando o poder individual dentro do poder judiciário que se coloca
muitas vezes, acima da própria lei.

No que se refere ao poder Legislativo, o conceito que antecede naturalmente a discussão sobre os
problemas na crise ética e moral na economia, na administração interna do país e nas garantias dos direitos
sociais de qualquer sistema político jurídico e econômico, chama-se representatividade. Ou seja, como ter a
garantia sobre a realização plena e incondicional do interesse público pelos seus representantes?

Antes de responder a essa pergunta é de fundamental importância uma análise objetiva da forma de
representatividade que encontramos atualmente no Brasil.

A forma vigente é a do sufrágio universal e secreto, num sistema representativo de governo


presidencialista e sob regime “democrático” e constitucional.

Democracia, etimologicamente, significa o poder do povo. Em tese, o sistema político dito comunista tem
como objetivo fundamental, também, o povo no poder. Não seria esse poder conhecido pela estrutura burguesa,
mas o poder advindo da autodeterminação individual e coletiva em sua fase mais evoluída. Concluímos que,
teoricamente, tanto o comunismo quanto a democracia burguesa, possuem o mesmo frustrado objetivo:
conduzir o povo a uma plenitude sócio-econômica através da plena autodeterminação individual e coletiva. No
entanto, a história demonstra que ambos falharam nesse desafio histórico.

No Brasil, onde a população elege a maioria de seus representantes, o povo no poder está apenas na
palavra democracia, porque a fome, o desemprego, e o inadministrável salário mínimo, na realidade excluem
esse povo da própria cidadania, demonstrando a hipocrisia do estatuído no parágrafo único, do artigo
primeiro da Constituição brasileira.

Por esse motivo, anteriormente procurei demonstrar que, embora o povo se manifeste através do sufrágio
universal, num sistema “democrático” de “representação popular”, um verdadeiro conceito de democracia
representativa não existe na realidade. O que existe é uma crise estrutural e institucional da estrutura
representativa na administração do interesse público, que vem se reproduzindo, perpetuando e agravando
através do tempo, repercutindo amargamente nas carências históricas dos povos.

Agora, então, podemos retomar a questão de como ter a garantia sobre a realização plena e incondicional
do interesse público, analisando mais detidamente a fragilidade estrutural da representação na democracia
capitalista.

No Brasil, principalmente os partidos de esquerda, reconhecem a necessidade de organização popular


para o fortalecimento das reivindicações, porque em tese, a pressão da opinião pública exerceria uma forma de
controle sobre seus representantes.

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A organização popular de caráter deliberativo é fundamental como forma segura para que os grupos ou
povos organizados não vejam desvirtuados e esquecidos nos objetivos primários de suas reivindicações. No
entanto, precisamos reconhecer que: a própria necessidade de reivindicar direito através da organização da
sociedade, evidencia uma flagrante crise de representatividade institucional e uma conseqüente necessidade de
pressão popular.

Temos vários exemplos de grupos organizados, como sindicatos e associações em geral, que conseguem
manter vivas as suas reivindicações junto aos poderes municipais, estaduais e federais, porém, muitas vezes, a
concretização desses objetivos esbarram na necessidade de “padrinhos institucionais” (políticos, ou membros
do poder executivo), para o encaminhamento e (ou) eventual atendimento de seus objetivos.

A figura do “padrinho institucional” representa aquele indivíduo ou grupo que precisa se identificar com
a reivindicação proposta, ter tempo suficiente para a dedicação necessária, ou até mesmo “outros
condicionamentos” que, às vezes, extrapolam os frágeis parâmetros da ética e da moralidade. Na verdade, a
necessidade de identificação com as causas defendidas pelos grupos organizados ou indivíduos, restringe e
enfraquece o potencial dinâmico das reivindicações legítimas, que esbarram na figura paternalista do que
chamo de “padrinho institucional”.

A atual microestrutura popular de representatividade, liderada pelas ONG´s, Associações de Bairros e


os Sindicatos de classe, por possuírem o caráter apenas consultivo e deliberativo mas não executivo, bem como
pela dependência do paternalismo institucional, se vêem enfraquecidas através do tempo na sua capacidade de
organização expontânea e não remunerada, pela demora ou impossibilidade de atingir em curto ou médio
prazo as metas definidas por seus representados. Diante desse impasse e da possibilidade de mergulhar em
descrédito e inércia, esse enfraquecimento vem sendo relativamente suprido pelas organizações partidárias que
se infiltram nesses movimentos, pois em função de seus objetivos programáticos organizados e definidos,
“conseguem” ao longo do tempo, manter viva a capacidade de mobilização política destes grupos, devido ao
fato de que, como partido, suas metas não se resumem a uma expectativa de curto ou médio prazo quanto ao
atendimento das suas reivindicações, isto porque, mesmo quando não atendidas, a crítica generalizada e
potencializada, poderá significar a possibilidade de que, com o partido político, resulte em um acesso futuro ao
poder. Se esse é um objetivo primário ou secundário das representações partidárias, fica por conta das
verdadeiras intenções dos representantes desses partidos.

Realmente, precisamos admitir que a organização total ou em grupos da população, prescinde de uma
estrutura de representatividade institucional que ao mesmo tempo elimine a centralização administrativa, e que
paralelamente, promova a participação popular de forma executiva na materialização de suas necessidades
primárias e secundárias. E é na busca do sentido correto desse conceito que iremos caminhar daqui em diante.

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2a Parte – Reconstrução teórica

Teoria da Descentralização Histórica


do Poder Político
Analisando a história ocidental, não é difícil compreender o processo de descentralização administrativa
que permeia principalmente essa região do planeta.

De uma forma geral, até o período da sociedade dos Clãs, em razão da pequena demografia e de sua
organização primitiva, o poder era exercido de forma estruturalmente participativa e direta. No entanto, o
período escravista evidenciou o processo de centralização de poder que culminou com os grandes impérios
registrados na história.

Essa mesma história também demonstra claramente, que o gigantismo centralizador desses impérios e
suas consequências, tem sido alvo de um processo inverso e degenerativo, que resultou no esfacelamento desse
poderes extremamente centralizadores.

Todos os processos de centralização do poder exercido pelos sistemas políticos das sociedades poli-
classistas, foram descentralizados pela força histórica das revoluções primárias (econômicas) e (ou)
secundárias (políticas, artísticas, etc.).

Atualmente, no que pese os incansáveis exemplos de tentativas de intervir no processo de


descentralização (golpes militares, etc.), a força histórica liderada pelos interesses estruturais do próprio sistema
capitalista, na busca de novos mercados, impõe a outros Estados Nação: ou a “democracia capitalista”
(estrutura social mais segura para esses mercados) ou as ditaduras militares (menos seguras, com fortes traços
nacionalistas e sujeitas a revoltas populares que desestabilizam o próprio mercado), mas visando sempre e a
qualquer custo o poder político e econômico. Portanto, organicamente, o próprio funcionamento do sistema
capitalista prescinde da descentralização política embutida em seu parcial conceito de democracia, a
“democracia” capitalista.

No aspecto da consolidação e evolução política da democracia capitalista, as interferências possíveis


exercida pelo sistema monárquico de governo, foi suplantada pelo conceito de descentralização do poder
através dos parlamentos, forma esta, imposta pelos Estados-nação no processo de formação do capitalismo de
Estado, momento em que, historicamente, o sistema econômico hegemônico se consolida através da conquista o
poder político (Estado). Isto ocorreu, porque o individualismo exercido pelos detentores históricos do poder nos
sistemas econômicos, consegue interferir inversamente no padrão da lógica do desenvolvimento social, que de
forma repetitiva através da história, vem refletindo a enorme discrepância quanto ao nível geral de distribuição
de riqueza.

Na centralização econômica do atual sistema (capitalista), o poder não é mais daqueles que possuem
títulos de nobreza, terras, mais ouro, diamante, mão de obra (escravos, servos ou operários), mas daqueles que
administram o poder do capital. O que permite adquirir qualquer dessas coisas, dentro ou fora de seu país e
em qualquer quantidade.

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E uma forma bastante astuta de centralizar e manipular uma nova realidade hegemônica do capital foi
dar um nome e uma cara a esse capital, que se chamou: dólar (Bretton Woods / G-7).

Manipulando uma frágil democracia capitalista e de acordo com as suas conveniências econômicas e
políticas, a mega-economia norte-americana e européia, descentralizam governos centralizados (quando em
nome dessa frágil democracia conquistam novos mercados ou mão-de-obra barata), e por outro lado, de forma
dissimulada centralizam governos descentralizados (quando vêem seus interesses financeiros ameaçados).

Mesmo assim, no ocidente pelo menos, um fator goza de consenso geral: o perigo de trocar essas
frágeis democracias constitucionais por ditaduras.

A divisão do poder administrativo de um país “democrático”, constitucionalista ou não, que preveja o


sufrágio universal (Presidencialista) ou não (Parlamentarista), e que se subdivida entre Estado central, estados
regionais, municípios e entidades civis de representação de classes: representa essa descentralização que a
força histórica das revoluções econômicas e políticas impuseram, gerando ao mesmo tempo: a manutenção, a
evolução do sistema capitalista e um mínimo de segurança participativa no universo do poder institucional.

No entanto, a democracia no Estado capitalista tem se mostrado perversa, pois em razão de auferir
baixos salários e de sua limitada capacidade estrutural na assimilação de um volume sempre crescente de mão
de obra, marginaliza grande parte da população mundial.

Através da história e ainda hoje, a democracia e a descentralização do poder, também são objetivos de
consenso popular, conquistados aos poucos, com muitas revoltas e até derramamento de sangue, mas, essas
conquistas apenas se consolidaram quando refletiram os interesses de expansão do sistema econômico
dominante. E a socialização plena desta pseudo-democracia e a sua operacionalidade, tem sido um histórico
desafio para a Filosofia Política, mas que neste trabalho será decisivamente enfrentado.

O Conceito de Democracia na Filosofia Política


Tanto nas “democracias” dos Clãs, nas “democracias” Greco-Romanas, quanto nas modernas
“democracias”, o conceito de democracia está intimamente ligado ao nível de participação popular no processo
decisório.

Mesmo quando o princípio socialista Marxiano, teoricamente, propõe a proletarização do poder (ditadura
do proletariado), a extrema centralização política e econômica do socialismo real superou a interferência do
estado exercida nas “democracias” capitalistas, ao exercer na prática, o perigoso centralismo pleno do poder
econômico e político praticado pelo Estado dito Socialista. Quanto ao grau de centralização política, existem
dois tipos de propostas além da marxista: a dos socialistas utópicos, que, não sabendo como resolver o enigma
do baixo valor de remuneração da mão de obra na economia capitalista, sonham com a igualdade social de
forma idealista, sem nenhuma expectativa concreta de futuro, e a proposta de uma facção anarquista, que é
contrária a qualquer forma de centralização administrativa.

29
Enquanto o feudalismo ainda imperava, as revoltas populares e o emergente, porém irreversível sistema
capitalista, dividia o poder político e econômico e reivindicava a sua hegemonia impondo as repúblicas
constitucionalistas e exigindo o sufrágio universal (democracia capitalista – “o poder pelo voto”).

Marx e Engels partiram de uma análise minuciosa do materialismo histórico na antropologia social
(paradigma evolucionista Darwiniano), investigando profundamente a história revolucionária dos sistemas
econômicos na formação estrutural das sociedades humanas. Com a ascensão do capitalismo burguês, forma-se
a base teórico-evolutiva para a superação do sistema feudal de produção. Compreenderam a queda do sistema
feudal em razão da capacidade revolucionária que esse novo sistema produtivo capitalista impunha, bem como
pela extraordinária expansão que o sistema alcançaria, caracterizando a tirania do imperialismo econômico
internacional que o capitalismo dos Estados-nação imporiam as nações menos desenvolvidas.

Através desses estudos, Marx e Engel expuseram ao mundo a estrutura teórica do então chamado
“socialismo científico” (comunismo).

Mas, enquanto o “socialismo como ciência” tomava uma forma inicial, no ocidente, a Filosofia Política,
paralelamente, conheceria a ascendente “democracia” capitalista.

Na verdade, segundo Marx, o socialismo era uma meta a ser atingida através da “ditadura do
proletariado”, através da implantação de uma “economia socialista”, administrada pelo que seria a
“Democracia Socialista”. Porém, a ditadura do proletariado se transformou na ditadura da elite do partido
comunista e a democracia socialista nunca pode efetivamente ser aplicada.

Lenin condicionou a aplicação da Democracia Socialista, ao momento em que a internacionalização do


socialismo real tivesse alcançado proporções mundiais (o conceito de revolução permanente de Trotsky),
afastando desta forma, qualquer perigo de ameaça do capitalismo internacional.

Uma vez que essa ameaça nunca pode ser evitada, tornou-se impossível por em prática uma obscura
Democracia Socialista, a ditadura prevaleceu e a tirania chegou ao poder. Com o tempo, a força histórica de
uma revolução realmente sistêmica se impôs (sistema capitalista) e a velha face da supercentralização
administrativa foi também rompida na União Soviética (no escravismo = imperadores / feudalismo =
monarquias).

A questão do paradigma científico


”A crença na certeza do conhecimento científico está na própria base da filosofia cartesiana e na visão de
mundo dela derivada, e foi aí, nessa premissa fundamental, que Descartes errou. A Física do século XX mostra-
nos convincentemente que não existe verdade absoluta em ciência, que todos os conceitos e teorias são
limitados. A crença cartesiana na verdade infalível da ciência ainda é, hoje, muito difundida e reflete-se no
cientificismo que se tornou típico de nossa cultura ocidental. O método de pensamento analítico de Descartes e
sua concepção mecanicista da natureza influenciaram todos os ramos da ciência moderna e podem ainda hoje
ser muito úteis. Mas só serão verdadeiramente úteis se suas limitações forem reconhecidas (...).”
(Fritjot Capra, Físico, 1986, p. 53).

30
Pretendo demonstrar que, tanto na ciência quanto na Filosofia, o conceito de paradigma é de extrema
importância para a compreensão da estrutura cognitiva, principalmente nos conceitos que nortearam o universo
da cientificidade na teoria econômica e política Marxiana.

De todas as preocupações que Marx teve durante sua atividade intelectual, o status científico de sua obra
(socialismo científico) foi o divisor de águas, que, segundo Max, o diferenciava de seus opositores, motivando
debates acirrados com seus adversários mais respeitados, ridicularizados por ele como sendo socialistas
utópicos e não científicos. Essa cientificidade do socialismo marxiano, foi depositada não só, no paradigma
científico que já fervilhava no século XIX (A origem das espécies – Charles Darwin), mas principalmente, na
base que fundamentava o conceito de economia política de sua época: “O objetivo final desta obra, diz Marx no
seu prefácio de O Capital, é descobrir a lei econômica do movimento da sociedade moderna” (o grifo é nosso).

O prefácio do livro 1 de O Capital, está repleto de citações de Marx sobre o paradigma científico de sua
época em várias áreas do saber: “O físico observa os processos da natureza, quando se manifestam na forma
mais característica e estão mais livres de influências perturbadoras, ou, quando possível, faz ele experimentos
que assegurem a ocorrência do processo, em sua pureza” ; “ Intrinsecamente, a questão que se debate aqui não
é o maior ou menor grau de desenvolvimento dos antagonismos sociais oriundos das leis naturais da produção
capitalista, mas as leis naturais, estas tendências que operam e se impõem com férrea necessidade” ;
“Acolherei, com a maior satisfação, as manifestações da crítica científica” ; “ Os pesquisadores desinteressados
foram substituídos por espadachins mercenários, a investigação científica imparcial cedeu lugar à consciência
deformada e às intenções perversas da apologética” ; “Não há estrada real para a ciência, e só tem
probabilidade de chegar a seus cimos luminosos, aqueles que enfrentam a canseira para galgá-los por veredas
abruptas”.

Citando o periódico de São Petersburgo “Mensageiro Europeu”, em artigo que trata de “O Capital
(número de maio de 1872, págs. 427 a 436), Marx expõe no seu próprio prefácio de “O Capital ”, livro 1,
volume 1, a opinião desse periódico sobre o seu trabalho: (...) a vida econômica oferece-nos um fenômeno
análogo ao da história da evolução em outro domínio, o da biologia... Os velhos economistas não
compreenderam a natureza das leis econômicas, porque as equipararam às leis da física e da química... Uma
análise mais profunda dos fenômenos demonstra que os organismos sociais se distinguem entre si de maneira
tão fundamental como as diferentes espécies de organismos animais e vegetais” ; (...) O valor científico desta
pesquisa é patente: ela esclarece as leis especiais que regem o nascimento, a existência, o desenvolvimento, a
morte de determinado organismo social, e sua substituição por outro de mais alto nível. É esse é o mérito do
livro de Marx”.

Este último exemplo, deixa bem clara a distinção feita entre o paradigma físico-químico da época, com o
novo paradigma biológico descrito em “A Origens das Espécies”, onde uma revolução incessante e irreversível
transforma a natureza.

Para melhor compreensão sobre um conceito moderno de “paradigma científico”, cito o criador de um
novo conceito para esta terminologia, e quem transformou radicalmente o cenário mundial da Filosofia e da
História da Ciência: Thomas Samuel Kuhn, Doutor em física em 1949 pela Universidade de Harvard; professor
de Filosofia na Universidade de Princeton em 1964; entre 1968 e 1970, foi Presidente da Sociedade Norte-
Americana de Ciência; por sete anos (1972-1979) foi membro do Instituto de Estudos Avançados de Princeton;
a partir de 1979 foi professor em Harvard, onde 12 anos depois foi nomeado professor emérito; em 1983, ganha

31
o prêmio John Desmond Bernal, da Sociedade Norte-Americana de Estudos Sociais da Ciência; entre 1989 e
1990, Presidente da Associação Norte-Americana de Filosofia da Ciência; morre em 1996.

Após 15 anos de intenso trabalho realizado por este ex-físico teórico convertido em historiador da
ciência, em 1962 Thomas Kuhn escreve um ensaio em forma de livro chamado: “A estrutura das revoluções
científicas”. Em1992, ano em que se comemorou 30 anos de sua publicação, já tinham sido vendidos 1 milhão
de exemplares com tradução para 25 idiomas.

Kuhn sugere que devemos compreender paradigmas como (...) realizações científicas universalmente
reconhecidas, e que a ciência não se desenvolve através da obediência rígida a cânones metodológicos, mas, por
empreender uma prática convergente e unificada de pesquisa por meio da aquisição de paradigmas, ou seja, há
ciência onde imperam paradigmas, conceitos centrais para a reconstrução da racionalidade científica.

Como referência do trabalho de Kuhn, vou utilizar a tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira.
7.ed. São Paulo: Perspectiva, 2003. 257 p. (série Debate – Ciência), onde Kuhn afirma que: “Comunidade
Científica”, consiste em homens que partilham um paradigma (pg. 219).
No século II, o paradigma ptolomáico como modelo conceitual do universo, apresenta um universo
geocêntrico (derivado da geometria Euclidiana), desencadeando uma produção intelectual proporcional a essa
visão do mundo, que durante séculos, serviu como parâmetro de tradição da pesquisa.

Considero importante para a histórica ascensão do cristianismo, tanto como religião ou como poder
político e econômico, a versão Ptolomáica do universo, onde a terra representava o centro deste universo.

Por receio da Inquisição, mesmo tendo sido escrita em 1503, somente em 1530 vem a público novas
idéias sobre a hipótese da Constituição do Movimento Celeste, o sistema heliocêntrico de Nicolau Copérnico. E
mesmo sendo cautelosamente defendida por Galileu (séc. XVII), este acabou preso e obrigado pela Igreja a se
expor a uma retratação humilhante.

Com as esperadas resistências, contradizendo a secular forma de ver o mundo e o universo, a física
Newtoniana descortinou o conceito da gravitação universal, ou seja, de inter-relação entre o movimento dos
corpos celestes. No entanto, ainda restrito a um conceito rígido de causalidade e de órbita circular dos astros.

“Até Newton”, nós tivemos uma visão mecanicista da natureza. Esse paradigma Cartesiano-
Newtoniano, cobriu o conceito de verdade científica com uma aura dogmática de sacralidade, influindo em toda
produção intelectual e material da época.

Essa crise reducionista, foi desencadeada por concepções extremamente mecanicistas da natureza. A
adoção de um paradigma, nos obriga a pesquisar, agir e nos expressar dentro dos critérios desses paradigmas.

Esta abordagem reducionista e mecanicista, estabeleceu uma orientação atômica, elementarista do universo,
onde os átomos indivisíveis (Demócrito) constituíam o universo mecânico da natureza, forçando
irremediavelmente, uma separação rígida entre matéria e energia.

Mesmo diante da física newtoniana, a lógica Cartesiana ainda estabelecia seu método de análise como
forma cientificamente correta para o estudos dos fenômenos físicos e humanos, ressaltando as relações causais
entre as partes que constituem o universo e “garantindo total previsão e controle sobre esses fenômenos”.

32
Com o tempo, as demais áreas do saber humano se adaptaram a esse esquema Cartesiano de mecânica
universal: a ciência, a economia, a política, as artes, a filosofia, a biologia, a medicina, etc...

Esse método analítico Cartesiano-Newtoniano, transferiu a todas as áreas do conhecimento humano


um mecanicismo positivista, reducionista e fragmentador, que embora tenha conseguido romper com a visão
secular trazida pela Igreja católica em sua histórica visão euclidiana do universo, estava fatalmente ligado à leis
deterministas de causalidade, de previsibilidade e do controle absoluto, concluindo equivocadamente, que
universo é uma imensa máquina determinística.
Kuhn afirma, que: “ciência normal significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais
realizações científicas passadas” (pg. 29), continuando, afirma que uma série de livros se transformaram em
paradigmas da ciência normal, como por exemplo: A Física de Aristóteles, o Almagesto de Ptolomeu, os
Princípia e Óptica de Newton, a Eletricidade de Franklin, a Química de Lavoisier e a Geologia de Lyell (pg.
30).
No capítulo 5: A anomalia e a emergência das descobertas científicas, Kuhn explica que a ciência
normal soluciona o quebra-cabeças e a anomalia ocorre quando a pesquisa normal, em determinada situação,
não alcança os resultados esperados, podendo-se dizer que a natureza violou as expectativas do paradigma.
Provoca-se então, uma crise do e no paradigma.

Como exemplo, Kuhn cita que: “Durante o século XVIII, o paradigma para este campo de estudos foi
proporcionado pela Óptica de Newton, a qual ensinava que a luz era formada de corpúsculos de matéria.
Naquela época, inutilmente, os físicos procuravam provas da pressão exercida pelas partículas de luz ao colidir
com os corpos sólidos” (pg. 32).

Continuando, Kuhn explica que: “Os manuais atuais ensinam ao estudante que a luz é composta de
fótons, isto é, entidades quântico-mecânicas que exibem algumas características de ondas e outras de
partículas”.

A pesquisa é realizada de acordo com este ensinamento, ou melhor, de acordo com as características
matemáticas mais elaboradas, a partir das quais é derivada esta verbalização usual. Contudo, esta
caracterização da luz, mal tem meio século. Até ser desenvolvida por Plank, Einstein, Heisenberg, Bhör e
outros no começo deste século (pg. 31).

No capítulo 9: As revoluções como mudança de concepção de mundo, Kuhn deixa claro que quando
há mudança no paradigma, os cientistas adotam novos instrumentos e aparelhos, pois a maneira de olhar o
mundo também muda, e mesmo usando aparelhos preexistentes vêem coisas novas, que não conseguiam ver
antes. Nesse capítulo 9, encontramos Kuhn fortalecendo a influência dos paradigmas, através da própria
expressão do tema desse capítulo, ou seja, as revoluções como mudança de concepção de mundo.

Para ilustrar o que já foi exposto, Frei Beto, respeitado pensador e escritor brasileiro, escreveu um
artigo para a revista “O que é o homem” (vol.1- julho-dezembro 97- n.1), chamado: Indeterminação e
Complementariedade/Com as utopias em crise, a física quântica contribui para a formulação de novos
paradigmas. Neste interessante artigo, Frei Beto dá um oportuno exemplo das formas e conseqüências da
absorção de um paradigma: (...) quando Aristarco afirmou, quinze séculos antes de Copérnico, que a terra gira
em torno do sol, os gregos apelaram para o “bom senso” e convocaram os nossos sentidos como testemunhas
fidedignas de que a terra não se move, mesmo porque, se tal ocorresse, os habitantes de Atenas seriam atirados

33
pela ventania em direção ao Leste, e os atletas de Olímpia dariam um salto maior que as pernas. Séculos depois,
a mesma lógica foi aplicada em vão, para tentar descartar as teorias de Copérnico e Galileu.

Esse preâmbulo sobre o conceito de paradigma, eu apresento como argumentação de que Marx se
preocupou com a cientificidade de seu conceito de socialismo baseado em paradigmas científicos de sua época,
onde o próprio conceito de ciência tinha intensos elementos deterministas do limitado sistema Cartesiano-
Newtoniano e do evolucionismo Darwinista. E embora a ciência emergente jogasse por terra os conceitos
metafísicos da Igreja, esta nascia também eivada de vícios metodológicos e conclusivos. Época em que a
própria ciência, derrubando conceitos defendidos secularmente pela religião católica, a partir de inúmeras
descobertas em seus vários campos, se arvorou em ser, ela sim, a fonte de todas as verdades.

A transcendência do paradigma Kuhnniano


No entanto, em sua análise dialética sobre a Filosofia da ciência, Thomas Kuhn cai em sua própria
armadilha sendo vítima de um conceito paradigmático já superado. Pois embora utilize um método discursivo-
analítico da história, a visão fragmentadora da natureza, adquirida pela dinâmica Cartesiana-Newtoniana,
impede Kuhn de exercer uma verificação imparcial, concreta e mais ampla. Digo isto, porque a história
demonstra que: a formação humana e social da visão de mundo determinando comportamentos individuais e
coletivos é anterior aos “paradigmas ditos científicos”. O termo “paradigma” cunhado por Kuhn é bem
apropriado no que toca a parâmetros de formação de visão de mundo a partir do advento da ciência como a
conhecemos, mas, impróprio no que se refere a um corte histórico de seu conceito paradigmático, pois, outros
paradigmas já determinavam concepções de mundo muito antes mesmo daquilo que historicamente viríamos a
conhecer como Ciência. Isto significa que, um paradigma, científico ou não, tem o poder de condicionar não só
o conhecimento, mas a própria visão de mundo de uma sociedade, refletindo-se na prática de todas as formas
de manifestação do ser humano com a realidade.

Ao estreitar o conceito de paradigma apenas aos fenômenos materiais (científicos), Kuhn, um ex-
físico teórico, mesmo descrevendo a resistência dos velhos paradigmas diante dos novos, faz o atrelamento do
seu conceito de paradigma ao mesmo mecanicismo reducionista e fragmentador do paradigma secular da
mecânica Cartesiana-Newtoniana, desconsiderando os próprios princípios básicos descritos no capítulo 5 de seu
livro: “a anomalia ocorre quando a pesquisa normal, em determinada situação, não alcança os resultados
esperados, podendo-se dizer que a natureza violou as expectativas do paradigma. Provoca-se então, uma crise
do e no paradigma”. Segundo o próprio Kuhn, esta circunstância desencadeia as condições necessárias para o
nascimento de um novo paradigma científico, representado brilhantemente pela relatividade Einsteniana, pelos
conceitos da física quântica expostos no Princípio da Incerteza ou da Indeterminação de Werner Karl
Heisenberg, na Teoria da Complementariedade de Niels Bohr, e na Teoria do Caos de Eduard Norton Lorenz.
Pois de forma restritiva, Kuhn considera científico apenas algumas áreas do conhecimento, ignorando que o
discurso dialético prescinde da abrangência cognitiva necessária para a construção de um parâmetro de
vanguarda do conhecimento dentro de um novo posicionamento paradigmático do mundo real, e diante da
mecânica quântica significa que: o mecanicismo não excluirá a universalidade das inter-relações, por outro
lado, essa universalidade de inter-relações se realiza na mecanicidade de um universo não determinístico.

Essa observação só se tornou possível, porque a própria ciência atual cuidou de revolucionar o
conceito de ciência, pois a partir do conhecimento da mecânica quântica, o paradigma científico secular de que:
o exame da matéria seria o alvo da ciência, e tudo que faz parte da “não-matéria” seria própria da metafísica,
34
cai por terra, porque a diferença entre a matéria e a não-matéria representa apenas os níveis de um salto
quântico.
A questão da resistência a novas formas de ver o mundo interfere muito mais na mente humana do que
supunha o próprio criador do conceito moderno de “paradigma”.

O paradigma científico e o socialismo


Retomando o tema da economia política, como não poderia deixar de ser, Marx não fugiu do
paradigma científico de sua época, na verdade, fez da cientificidade o divisor de águas do conceito socialista
de seu tempo.

Dois paradigmas condicionaram a base de toda a teoria econômica e política Marxiana: o primeiro é que a
economia marxista foi fortemente ancorada na teoria do valor-trabalho de Adam Smith e aperfeiçoada
posteriormente por David Ricardo, o segundo é que a teoria política Marxista foi também ancorada na teoria do
Estado provedor de direitos e deveres do paradigma Hegeliano de estado, estado este, que na ótica marxiana
exclui a versão monarquista superada pelo controle burguês, que por sua vez é superado pela tomada do poder
através de uma “inevitável ditadura do proletariado”.

A superação dialética do mecanicismo reducionista da causalidade Cartesiana-Newtoniana realizado


pela mecânica quântica, atinge em cheio o paradoxo Hegeliano-Marxiano entre materialismo e idealismo. Onde
na verdade, a idealidade Hegeliana e a materialidade Marxiana, são faces de uma mesma realidade quântico-
mecânica inerente à dinâmica do universo das interelações econômico-sociais (“o novo espírito científico”,
observado por Gaston Bachelard).

A dinâmica universal das inter-relações significará a superação do primeiro impasse teórico


Hegeliano-Marxiano na seguinte questão: é o ser que determina a consciência ou esta que determina o ser ?
É o espírito que determina a matéria ou é a matéria que determina o espírito?

O que prepondera, a dialética materialista ou a metafísica?

A discussão sobre esse impasse está registrado em 540-480 a.C, onde na mesma época, Heráclito de
Éfeso e Parmênides, já discordavam sobre a materialidade ou a imaterialidade como princípio gerador das
transformações.

Hegel, mesmo em apoteótica dissertação sobre a dialética, subordinava sua dialética ao espírito
afirmando que, esse espírito é que determina o ser social. Marx, ao contrário de Hegel, considerava superado o
idealismo Hegeliano quando afirmou que: o ser social é que determina a consciência, portanto, há que se
transformar a realidade para se transformar o ser.

A luz da mecânica quântica, a superação de ambos (Marx e Hegel) acontece porque a dinâmica da
universalidade das interelações compreende um movimento não linear.

Se a mecânica fosse linear, como acreditavam Marx e Hegel, ou seja, realizar as transformações a
partir do maniqueísmo: espiritualidade ou materialidade, o processo transformador deveria vir de fora para

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dentro ou de dentro para fora. No entanto, esta idéia de revolução vindo de fora para dentro ou de dentro para
fora, exclui a dinâmica quântica da inter-relação por indeterminação e complementaridade.

Isto significa, que o paradigma quântico compreende a indeterminação e a complementaridade entre


o ser social e a consciência. E esta compreensão revela a profunda indeterminação e complementaridade entre
sujeito e objeto, entre o indivíduo e o estado. Superando portanto, o perfil estrutural de uma centralização
política do estado preconizada por Hegel e Marx, como forma determinista e linear de consolidação da
revolução sistêmica.

Um outro aspecto é que, enquanto Marx determina que a classe operária seria irremediavelmente o
sujeito revolucionário da história, entre a publicação do Manifesto Comunista e a revolução de 1917, ou seja,
69 anos depois, Lênin, superando o determinismo implícito na ótica marxiana sobre o sujeito histórico da
revolução, inclui o campesinato no universo revolucionário, identifica a classe operária como reformista e não
revolucionária, e dá como solução, “a necessidade histórica de um partido de vanguarda capitaneando um
processo insurrecional armado”, ou seja, um segundo sujeito histórico que fosse não só o proletariado
industrial, ou um pretenso determinismo histórico revolucionário inevitável, ou seja, a consciência e o ser
social, conhecendo e transformando a realidade, num exercício dialético concreto. E no caso específico
daquele momento histórico, a dinâmica da síntese dialética inclui um novo e decisivo sujeito, o homem do
campo.

Desta forma, Lenin deu um importante passo para a realização da práxis transformadora,
demonstrando que devemos considerar que a consciência representa importante parte dinâmica nas interelações
com a realidade temporal, ou seja, a consciência percebe e interage com a materialidade, mas a realiza para si
na transformação desta, movimento típico da visão quântica entre a consciência e o ser social.

Werner Karl Heisenberg (Professor de Física Teórica na Universidade de Leipzig), formulou o


Princípio da Indeterminação (1927), isto significa que, ao contrário da física clássica, a mecânica quântica não
se baseia em relações de causa e efeito, descobriu-se que elétrons, prótons e neutrons, comportam-se
dubiamente, ora como partículas (matéria) ora como ondas (energia, luz). Um elétron não é uma partícula
nem uma onda, mas pode apresentar ambos os aspectos em situações diferentes.

Heisenberg descobriu que os métodos de observação da física clássica não serviam para a física
quântica, por isso, posteriormente, foi nomeado diretor do Instituto Max Planck (1942). Trabalhou também com
Otto Hahn, um dos descobridores da fissão nuclear. Foi um dos criadores da primeira versão matemática
completa da nova mecânica quântica.

O Princípio da Indeterminação demonstrou que a impossibilidade material de prever os fenômenos


não é uma simples deficiência humana ou experimental; admite-se que ela seja inerente à própria natureza, em
uma forma de ganho de qualidade, onde Niels Böhr, baseando-se no Princípio da Incerteza, desenvolveu o que
chamou de Teoria da Complementariedade, tornando-se a base de uma Filosofia da Ciência, aceita por quase
todos os cientistas.

Mas, houve quem não aceitasse as idéias de Heisenberg, entre eles estava Einstein. No 6º (sexto)
Congresso de Solvay de Física, realizado em Bruxelas no ano de 1930, Einstein tentou mostrar a inconsistência
do Princípio de Heisenberg, através de uma experiência imaginária. Böhr ficou preocupado com a objeção.
Passou a noite em claro e, na manhã seguinte, refutou as idéias de Einstein. Este, vencido, admitiu que o

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Princípio das Incertezas estava livre de contradições internas. Mas até a sua morte, Einstein permaneceu na
esperança de que um dia a física apontasse sua superação. Em 1932, no entanto, a teoria de Heisenberg foi
definitivamente consagrada, e seu autor recebeu o Prêmio Nobel. Mais importante para nós do que o campo
disciplinar do conhecimento científico é a abrangência da interdisciplinaridade ou da supradisciplinaridade
desse conhecimento.
A partir do Princípio da Incerteza (Heisenberg), do princípio da Complementariedade (Bohr), e da
Teoria do Caos de Lorenz, a interelação entre o saber científico (metodológico) e aspectos não apenas
disciplinares, representam a chave da transdisciplinaridade do conhecimento científico.

O exemplo da adoção ou não, da soja transgênica (biotecnologia X agroecologia), foi um caso claro de
interdisciplinaridade, onde o saber científico (socialmente neutro), causou um impasse que questiona a
credibilidade deste mesmo saber científico expondo a periculosidade de sua utilização comercial.

O paradigma da biotecnologia transgênica, considera um fato absolutamente normal sob o ponto de


vista disciplinar, científico e de neutralidade, que o conhecimento técnico-científico possibilite uma maior
produtividade agrícola de forma totalmente acrítica, mesmo sem o conhecimento exato e o respectivo controle,
da possibilidade ou não, de causar danos irreversíveis a saúde humana (elemento interdisciplinar).

Já o paradigma agroecológico, representa um posicionamento sócio-ambiental, que a partir de uma


crítica científico-biológica, se dirige ao próprio espírito dessa neutralidade científica. A agroecologia é
tecnológica, mas também é alternativa de produção agrícola em grande escala e alternativa ao modelo
tradicional disciplinar.

E essa interdisciplinaridade, é a forma com que o conhecimento científico transcende sua metodologia
específica e influencia outros ramos do saber.

Um exemplo, é que a perspectiva da visão de mundo criada pela ciência através de Copérnico,
Newton e Charles Darwin, permitiu a queda de um paradigma Ptolomáico na teoria economia da época, o
conceito de fisiocracia: onde o universo do poder econômico girava única e exclusivamente ao redor do solo
(atividade agropecuária), por conseqüência, somente a terra poderia gerar riquezas. Aplicada a então
revolucionária mecânica Coperniana, Smith e Ricardo seguindo a nova forma de ver o mundo, alteram o polo
da centralização determinista, de forma que a geração de riqueza, no universo da economia, não giraria mais
somente em torno da terra (atividade agropecuária), mas também em torno de todo o trabalho realizado para
produzi-la. Na verdade, posteriormente, a economia evoluiu para um conceito mais amplo de inter-relação
entre a terra, o trabalho humano e outras formas de geração de riquezas, onde a geração dessas riquezas
através do excedente de produção e a poupança é que, tecnicamente, caracterizariam o moderno conceito de
geração de riquezas.

Através do tempo, o desenvolvimento da tecnologia revolucionou todas as áreas do conhecimento


humano, onde a própria fixação do homem ao solo não seria possível sem o domínio dos instrumentos e das
técnicas de beneficiamento e reaproveitamento do solo para a agricultura.

É importante ressaltar, que não tenho a intenção de emitir nenhum juízo pessoal de valor com relação
aos personagens responsáveis pelos posicionamentos científicos de qualquer ramo da ciência ou da Filosofia,
mas, única e exclusivamente, compreender, a partir do ponto de vista da reflexão científica, a evolução
histórica das influências dos paradigmas científicos e não-científicos nas diversas áreas do conhecimento

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humano, e a partir dessa compreensão, dimensionar uma versão moderna de cientificidade teórica de um
socialismo atualizado, capaz de romper os dogmas remanescentes de uma teoria política superada pela
própria história em seus princípios científicos, e responsável por todas as conseqüências advindas de uma
visão mecanicista da natureza e da própria história, dogmaticamente defendida por gerações de pensadores e
militantes do pensamento neo-marxiano.
A teoria da formação do valor, unicamente resultante da quantidade de trabalho realizado pela mão de
obra humana (paradigma econômico da época) foi historicamente superada, capitaneada por cálculos mais
precisos para formação de preços em uma economia complexa e pela crescente sofisticação mecânica de
produção de trabalho não humano (robótica, automação industrial, informatização, etc.).
O outro conceito Marxista, de que a proliferação de uma indústria em crescente dependência de mão de
obra proletária, aliada a disseminação internacional descontrolada dessas indústrias, contribuiriam
decisivamente para uma implosão inevitável do sistema capitalista, subestimou a capacidade capitalista na
superação de seus impasses evolutivos, que foram sensivelmente ancorados pelo desenvolvimento tecno-
científico, reduzindo a participação humana nos processos produtivos e paralelamente enfraquecendo os
movimentos sindicais.
Os erros de interpretação dialética contidos na teoria Marxista com relação ao desenrolar histórico
da economia política, em nada descredencia Karl Marx de ser o mais importante pensador do século XIX. Um
exemplo claro dessa importância está nas identificações históricas das relações de trabalho:

a) O homem é a peça transitória no processo de produção.


b) A máquina é a parte fixa desse processo produtivo.
c) O antagonismo histórico das classes.
d) A necessidade da superação do sistema capitalista através da identificação negativa de dependência da
caridade dos filantropos burgueses para a realização dos projetos utópicos: falantérios (cooperativas), etc.
e) O reconhecimento de que "os mercados da Índia e da China, a colonização da América, o comércio colonial,
o incremento dos meios de troca e, em geral, das mercadorias imprimiram um impulso, desconhecido até então,
ao comércio, à indústria, à navegação, e, por conseguinte, desenvolveram rapidamente o elemento
revolucionário do capitalismo diante de uma sociedade feudal em decomposição".
f) O reconhecimento de que "a antiga organização feudal da indústria, em que esta era circunscrita a
corporações fechadas, já não podia satisfazer às necessidades que cresciam com a abertura de novos mercados.
A manufatura a substituiu. A pequena burguesia industrial suplantou os mestres das corporações; a divisão do
trabalho entre as diferentes corporações desapareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina".
g) O reconhecimento de que "os mercados ampliavam-se cada vez mais: a procura de mercadorias aumentava
sempre. A própria manufatura tornou-se insuficiente; então, o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção
industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufatura".

h) O reconhecimento de que: "A grande indústria criou o mercado mundial preparado pela descoberta da
América: O mercado mundial acelerou prodigiosamente o desenvolvimento do comércio, da navegação e dos
meios de comunicação por terra".

i) O reconhecimento de que: “a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de


desenvolvimento, de uma série de revoluções no modo de produção e de troca".

j) O reconhecimento de que: os meios de produção e de troca, sobre cuja base se ergue a burguesia, foram
gerados no seio da sociedade feudal. Em um certo grau do desenvolvimento desses meios de produção e de
troca, as condições em que a sociedade feudal produzia e trocava, a organização feudal da agricultura e da

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manufatura, em suma, o regime feudal de propriedade, deixaram de corresponder às forças produtivas em pleno
desenvolvimento.

k) Reconheceu que a burguesia: "foi a primeira a provar o que pode realizar a atividade humana: criou
maravilhas maiores que as pirâmides do Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas; conduziu
expedições que empanaram mesmo as antigas invasões e as Cruzadas".

l) A fusão do capital bancário com o capital industrial.

m) Diferentemente da exportação de mercadorias surge a exportação de capitais.

E foi mais longe:

a) ao reconhecer que: "A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os
instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, como isso, todas as relações sociais. A
conservação inalterada do antigo modo de produção constituía, pelo contrário, a primeira condição de
existência de todas as classes industriais anteriores".

b) reconhecer que: "Os baixos preços de seus produtos são a artilharia pesada que destrói todas as muralhas da
China e obriga a capitularem os bárbaros mais tenazmente hostis aos estrangeiros".

c) reconhecer também que a burguesia "Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a
população das cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou uma grande parte da população do
embrutecimento da vida rural".

Outras observações de Marx identificam claramente a necessidade da criação dos Estados nação:

a) "A conseqüência necessária dessas transformações foi a centralização política. Províncias independentes,
apenas ligadas por débeis laços federativos, possuindo interesses, leis, governos e tarifas aduaneiras diferentes,
foram reunidas em uma só nação, com um só governo, uma só lei, um só interesse nacional de classe, uma só
barreira alfandegária".

b) "a burguesia, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a
soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O governo moderno não é senão um comitê
para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa. A burguesia desempenhou na História um papel
eminentemente revolucionário”.

c) A denúncia que Marx faz na Crítica a filosofia do direito de Hegel, sobre a figura socialmente alienante da
Igreja que cegava a massa trabalhadora quanto à transformação de sua realidade miserável.

Sobre o conceito de proletariado industrial:

a) O proletariado só começa a surgir na Alemanha, mediante o movimento industrial que desponta, pois o que
forma o proletariado não é a pobreza que nasce naturalmente, mas a pobreza que se produz artificialmente; não
é a massa humana oprimida mecanicamente pelo peso da sociedade, mas aquela que brota da aguda dissolução
desta e, em especial, da dissolução da classe média, ainda que gradualmente, como se compreende, venham a

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incorporar-se também a suas fileiras a pobreza natural e os servos cristãos-germânicos da gleba. (Crítica a
Filosofia do Direito de Hegel)

Sobre o conceito de ALIENAÇÃO:

a) A alienação não é puramente teórica. Manifesta-se na vida real do homem, na maneira pela qual, a partir da
divisão do trabalho, deixa de lhe pertencer o produto de seu trabalho.

b) Retira do trabalhador a posse do produto, que, assim, deixa de lhe pertencer. O próprio trabalhador abandona
o centro de si mesmo. Não escolhe o salário, não escolhe o horário nem o ritmo de trabalho, que passa a ser
comandado de fora, por forças estranhas a ele.

Esses são apenas alguns exemplos da genialidade e do discernimento de Marx e Engels de como utilizar
a dialética do materialismo histórico em seu aspecto mais isento e científico.

No entanto, as bases fortemente deterministas que caracterizaram a conclusão Marxiana sobre a


inevitabilidade histórica da revolução socialista, foram constrangedoramente superadas pela evolução
histórica da ciência e da tecnologia aplicada ao processo produtivo do sistema capitalista.

Hoje, a Teoria da Relatividade de Einstein, o Princípio da Incerteza e da Indeterminação de Heisenberg,


o princípio de Complementariedade de Niels Bhör e a Teoria do Caos de Lorenz, representam o que existe de
vanguarda na capacidade cognitiva humana de conceber o universo, a si próprio, e a tudo que nos rodeia, por
conseqüência, todo conhecimento tem que considerar que: a realidade é a manifestação perceptível do caos, e
a determinação é uma ilusão criada pela convergência temporal de circunstâncias em constante
transformações imprevisíveis e caóticas.

Mesmo a eventual previsibilidade de circunstâncias caóticas precisa conceber essa dinâmica incessante
do caos, que movido por forças naturais ainda desconhecidas e imprevisíveis, transformam os resultados
previstos. E a capacidade em perseverar na constância de metas, a revelia das mudanças externas e internas do
universo, está na vontade humana. Que mesmo bombardeada por opiniões e circunstâncias adversas, muitas
vezes permanece inabalável, vencida apenas pela morte de seu defensor, justificando portanto, a capacidade
humana em reagir e transformar, para si ou socialmente, a estrutura econômica e a superestrutura jurídica,
econômica e sócio-política.

Isto significa, e a própria história demonstra, que a previsibilidade histórica do comportamento social,
sem a intromissão drástica das forças da natureza, só existe na vontade humana aglutinada em proporções
transformadoras. E não é essa energia da vontade humana, potencializada pela unificação de objetivos
comuns, a responsável por todas as práticas insurrecionais populares registrada na história?

Portanto, considerando a Teoria da Relatividade, o Princípio da Incerteza, o Princípio da


Complementaridade e a Teoria do Caos, a necessidade de atualizar o caráter de cientificidade no socialismo é
tarefa fundamental, para livrar esse socialismo do labirinto das conjecturas individuais e das utopias
delirantes dos desesperados e demagogos. E só então, livres desse lixo ideológico que confunde a grande
massa de trabalhadores, será marcado o início concreto da construção de uma retomada histórica da
vanguarda revolucionária.

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Reavaliação do Sujeito Revolucionário
no Materialismo Histórico Marxista.
Na história da economia política mundial, a fase capitalista se apresenta com duplas conseqüências
extraordinariamente contraditórias.

Por um lado: a superação do sistema feudal de produção; a descentralização do poder absoluto e


hereditário monárquico; o aumento da produção com custos reduzidos barateando o custo final dos produtos; a
constante criação de produtos que atendem as diversas necessidades de modernização de utensílios domésticos;
o aumento da perspectiva de vida pela criação de técnicas da medicina e da farmacologia, tudo isso aliado ao
crescente desenvolvimento tecnológico voltado para: a comodidade, o esporte, o lazer, a comunicação, o
vestuário, etc., que juntos, contribuem extraordinariamente para um desenvolvimento que supera todas as
previsões da ficção científica.

Por outro lado: a participação humana nesse desenvolvimento colossal exige um preço - a posse do
capital necessário para adentrá-lo (distribuição social das riquezas).

Como o mercado de trabalho possui uma estrutura limitada na capacidade de assimilação de força de
trabalho que se agiganta a cada dia (70 a 80% das empresas empregadoras no país são micro, pequenas e
médias), e paralelamente, principalmente no Brasil, a média dos salários se encontra abaixo do nível da
dignidade humana, não é difícil compreender que a maior parte da população esteja estruturalmente impedida
de participar plenamente desse “desenvolvimento”.

Paralelamente, pela formação estrutural inerente ao sistema capitalista, onde são as leis de mercado
que prevalecem, dentro de um volume socialmente majoritário de mão de obra assalariada, a exclusão social
que esse salário impõe é inevitável.

A economia capitalista promove o desenvolvimento e eleva o padrão de vida de uma grande parte da
população, mas pela dinâmica de sua estrutura e organicidade, pauperiza a maior parte dessa população, pois
não prioriza em seus balancetes a preocupação social (técnica econômica).

Marx identificou o proletário da indústria de produtos como sujeito revolucionário, porque este
representa o elo diretamente marginalizado da participação humana no modo capitalista de produção. Hoje,
em função do desemprego tecnológico, e das formas infinitas que o livre empreendedorismo oferece, grande
parte da mão de obra produtiva disponível migrou em larga escala da indústria de produtos para a indústria
de comércio e serviços.

Marx nunca considerou a classe camponesa como classe produtora de riquezas, para Marx, no sistema
escravista, o escravo representava riqueza, no sistema feudal, a riqueza era produzida pelos artesãos
organizados nas Corporações de Ofício.

Lênin reconheceu a importância Marxiana da marginalização social advinda das condições de


remuneração e trabalhos da classe operária, no entanto, ignorou o caráter histórico do proletariado industrial
marxista como “sujeitos hegemônicos da revolução”, adaptou a teoria Marxista à realidade Russa e foi mais
longe, uniu o precário proletariado industrial existente à figura do camponês (proletário do campo - em maior
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número em um sistema feudal) como sujeitos revolucionários. Daí, o martelo do artesão e a foice do agricultor,
usados como símbolos da revolução Russa.

Por mais meritórios que fossem os seus motivos, Lênin descartou este importante pressuposto histórico
e científico do marxianismo, mas, de forma inteligente, se utilizou politicamente do fortalecimento dos
“soviets”, aliado a um momento de extrema fragilidade institucional do sistema monárquico. Assim, com o
marxianismo habilmente ajustado ao momento político, o partido Bolchevique assumiu o poder.

Ou seja, a base histórica e científica que fundamentou a teoria revolucionária da filosofia econômica e
política marxiana, foi estruturalmente atualizada por Lênin e seus seguidores.

Isto significa que, o país (URSS) passou de um sistema feudal para o socialismo inteligentemente
moldado à realidade histórica da Rússia, porém, não mais com pretensão teoricamente científica, mas, de forma
idealista, pois afastou-se bruscamente de uma premissa de sustentação estrutural da cientificidade marxiana,
quando ignorou o fato de que, conforme a “lei econômica Marxiana” , naquele continente imperava um
sistema feudal e não um capitalismo avançado e agonizante, liderando habilmente uma tomada do poder do
Estado e não a revolução de superação cientificamente sistêmica da propriedade privada dos meios de produção
conforme previa Marx.

Diga-se de passagem, não somente Lênin, mas Mao Zedong e Fidel Castro seguiram essa mesma linha
de ação.

No entanto, de qualquer forma, a questão da democracia no socialismo é o nó histórico político que o


socialismo real e o “científico” não conseguiram resolver.

Isto se deve a um fator interessante na análise do socialismo científico de Marx e Engels.

Analisando o conceito revolucionário sob a ótica da teoria político-econômica marxiana relativa ao


modo capitalista de produção, o sujeito histórico-revolucionário será o operário industrial (proletarização da
base da pirâmide produtiva). Por outro lado, “também os trabalhadores assalariados dos setores de transporte,
armazenagem, comércio e comunicação são criadores de valor e mais-valia”(Gorender, Jacob. Marxismo sem
utopia, ed. Ätica, 1999, pg.36). E ao produzirem valor, geram riqueza, por isso, mesmo não pertencendo ao
processo de industrialização do produto, a geração de valor e mais valia realizam um salto dialético-qualitativo
na estrutura de distribuição e na circulação de mercadorias (indústria de serviços), superando qualitativamente a
inferioridade histórica do setor de serviços na dialética marxista-leninista, visto apenas como um
prolongamento histórico-mecânico secundário da economia capitalista, mas que nesse salto qualitativo, produz
valor e gera riqueza, despe-se de um conceito axiológico-idealista linear, para adquirir o status de igualdade,
no que se refere à geração de riquezas, compondo o complexo da operacionalidade funcional orgânica da
economia de mercado, assumindo definitivamente, seu papel de elemento ativo e de complementariedade
dinâmico-mecânico não linear, incorporando-se à estrutura histórico-funcional da economia capitalista de
mercado.

Esse novo posicionamento histórico-dialético da indústria de serviços estende o conceito unilateral de


sujeito revolucionário da teoria marxista-leninista a este importante setor produtivo.

42
Por outro lado, em uma análise mais profunda, precisamos considerar que esse operário industrial é o
mesmo proletário social que Marx e Engels apostam como sendo a classe revolucionária do futuro.
Principalmente na obra de Marx, Engels e Lenin, o termo operário e proletário estão profundamente ligados.
Sabemos o que significa operário, mas o que significa ser um proletário? A palavra originariamente Romana,
significa: o trabalhador, na qual a sua prole (filhos) são as únicas riquezas materiais oferecidas ao Estado na
forma de mão de obra. Mas na verdade, além de sua prole, o trabalhador tem a si próprio como força de
trabalho individual, capaz de gerar valor e riqueza material ao Estado, onde mesmo desempregado é
potencialmente gerador de valor e riqueza. Em síntese: esse conceito de proletário é, essencialmente, o alvo
histórico-social de convergência dialética no âmbito da dignidade humana e social.

Por isso, no aspecto original da palavra, o conceito de classe proletária é de uma abrangência muito
maior do que o clássico conceito reducionista de proletário industrial assalariado. Superando, portanto, o
conceito de proletário industrial no modo capitalista de produção e se estendendo ao grande número de
proletários, que inclusive, estão excluídos desse mesmo modo de produção industrial capitalista, ou pelo
desemprego ou pela participação na indústria de serviços, onde o conceito de individualidade do “ser”,
encontra sua expressão mais ampla: não apenas no “ser-produtivo”, mas na marginalização sócio-econômica
do indivíduo como “ser-social”.

Isto porque, em uma utópica "justiça salarial" feita aos proletários industriais e de serviços, o limite
capitalista na absorção de mão-de-obra, nunca incorporaria a quantidade enorme de proletários sociais que
estarão fora da micro e macroestrutura do processo produtivo industrial capitalista, e essa pretensa justiça
salarial jamais incluiria a imensa massa de proletários sociais.

Desta forma, a teoria de uma dialética socialista que se digne histórico-científica, não pode se
restringir apenas àqueles que estão dentro do processo produtivo industrial ou de serviços, porque entre outros
aspectos, o processo produtivo capitalista é estruturalmente limitado em sua capacidade de absorção de mão
de obra. Mesmo porque, a Antropologia ratifica que a importância do trabalho na história humana é anterior ao
sistema capitalista e se confunde com a própria história do homem (Sobre o Papel do Trabalho na
Transformação do Macaco em Homem – Fredrich Engels – 1817).

Como agravante, no micro e o médio processo produtivo, as leis de mercado (oferta e procura de mão
de obra) inviabilizam as condições de compor um salário que pudesse fazer face ao mínimo necessário para a
garantia constitucional da dignidade humana de uma pequena família.

Em março de 2000, o salário mínimo deveria ser de R$ 967,21 para uma família de 4 pessoas (Maria
de Fátima Lage Guerra, Economista do Dieese/MG, Mestre em Economia pelo Cedeplar/UFMG).

Utilizando como base de cálculo o maior valor da cesta básica apurado em uma pesquisa, o DIEESE
calculou o valor do salário mínimo necessário para cobrir todas as despesas familiares. Em junho de 2002, o
valor desse mínimo ideal seria de R$ 1.129,18, ou seja, mais do que o quíntuplo do mínimo vigente, de R$
200,00.

Retomando o nosso tema, Marx corretamente identificou a figura do sujeito na história das revoluções
econômicas e sociais. Por outro lado, em consonância com o paradigma da Indeterminação, da
Complementariedade, e da Teoria do Caos, defendo a tese de que, embora o proletário industrial seja afetado
diretamente pelo sistema industrial capitalista, o novo conceito de sujeito histórico revolucionário na
reformulação teórica do Socialismo Científico, transcende o determinismo de classe e passa a não ser somente

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este proletário industrial, mas todos os proletários, que direta ou indiretamente, dentro ou fora do sistema
produtivo, estejam excluídos de um conceito básico de condição humana. Pela indignidade do salário ou pela
falta dele (proletário social). Ampliando o conceito Marxista de alienação humana no sistema capitalista, não
apenas pela unilateralidade do distanciamento da posse do produto final, mas pela multilateralidade da
expropriação da dignidade individual e coletiva na sociedade, sofrida pela exclusão de toda a população
marginalizada social e economicamente, alienada social e produtivamente por esse mesmo sistema.

Independente do problema com os baixos salários, como o modo capitalista de produção é


organicamente imprevisível e limitado em sua capacidade de absorção de mão de obra, o aumento demográfico
inviabiliza cada vez mais a possibilidade de contar com a seletiva estrutura produtiva capitalista para resolver o
problema crônico de proletarização da sociedade civil.

E quando o conceito de proletário envolve toda a sociedade civil, o sujeito revolucionário da nova
democracia na Comunocracia Constitucional foi atualizado dialeticamente e, cientificamente definido.

Desta forma, a atualização dialética do materialismo histórico demonstra que: o sujeito revolucionário
da nova Revolução Socialista é o proletário social.

O alcance desse objetivo revolucionário está intimamente ligado ao já referido primeiro nó histórico do
capitalismo, do socialismo real e do científico, a questão do conceito de democracia socialista.

Isto porque, quando o sujeito revolucionário é o proletário social, toda a superestrutura será reavaliada
(executivo, legislativo e judiciário).

Paralelamente, o novo conceito de revolução socialista que estarei expondo, irá aprofundar os conceitos
sobre participação popular, cidadania e Estado.

E a reavaliação de todos esses conceitos, deverá caminhar par e passo com a capacidade de atuação
individual, viabilizando o exercício pleno de seu potencial participativo e decisório.

Na verdade, a capacidade individual de participação está no âmago de um conceito correto de cidadania , e


é o instrumento institucional de transformação social desse novo sujeito revolucionário, o proletário social.
Pois, se esse novo conceito de democracia for exercido de forma plena, demonstrarei que a macro e micro-
economia, bem como toda a superestrutura social, serão finalmente, reformuladas de baixo para cima.

A Base Teórica da Democracia Científica

O instrumento de pesquisa é o Materialismo Histórico Dialético, não com a totalidade das conclusões
clássicas do Marxismo-Leninismo, mas como um instrumento atualizado e moderno de pesquisa na Ciência
Política. Instrumento este, que prioriza o conceito de vanguarda científica (Princípio da Indeterminação, da
Complementariedade e a Teoria do Caos), abolindo portanto, o idealismo sonhador e a prolixia filosófica não
materialista.

Uma das grandes colaborações de Marx e Engels na análise social está na identificação da divisão
histórica entre as classes que emergem, determinada pela desigualdade que objetivamente expõem.
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Como ensina a dialética do materialismo histórico, foram as revoluções nos sistemas produtivos que
transformaram as infra e superestruturas sociais, isto significa que, para haver a superação do sistema
capitalista, trata-se de construir uma revolução sistêmica no processo histórico do sistema produtivo vigente,
sempre, conforme demonstra o modus-operandi das superações sistêmicas: de forma gradual e irreversível,
portanto, qualquer tentativa de transição para o socialismo através de rompimento abrupto ou de intermináveis
reformas no sistema capitalista, não condiz com a dinâmica histórica concreta, não possui fundamento
científico, não passa de extrema ingenuidade intelectual ou demagogia.

Marx concluiu que o capitalismo carrega os germes de sua própria destruição, e por isso seria
expontâneamente suplantado pelo socialismo, onde os trabalhadores, através da ditadura do proletariado,
formariam uma sociedade baseada na propriedade coletiva dos meios de produção rumo a extinção definitiva
do Estado (fase comunista da teoria política Marxiana). Marx, no entanto, não poderia prever que a ditadura do
proletariado iria se transformar na tirania da cúpula do Partido Comunista, extinguindo definitivamente
qualquer possibilidade democrática. E não poderia prever também que, na prática, uma economia sem mercado
não é um novo sistema econômico, e sim, a negação da base da própria ciência econômica; expõe a total
ausência de parâmetros para formação de preços e cálculo econômico, gerando a impossibilidade estrutural
de referências para o controle dos custos de produção. E ter uma visão adversa dessas causas principais que
realmente determinaram a queda do comunismo no Leste-europeu e a inclusão de uma economia de mercado
na China e em Cuba, expõe um conceito restrito da história da economia, da teoria Marxiana e dos fatos. E
por outro lado, a retomada de um sistema produtivo inferior, onde o trabalho está voltado apenas para o
próprio produtor ( produção familiar) ou para troca direta de produtos entre indivíduos ou grupos (escambo),
ignora a importância estrutural da moeda no contexto do desenvolvimento da economia de mercado. Não gerar
riqueza, portanto, não faz parte da dinâmica da ciência econômica moderna, por mais permissiva socialmente
que seja a apropriação privada dos meios de produção.

O impasse da teoria e da práxis econômica no socialismo científico clássico é dialeticamente


comparável ao impasse, da questão democrática. E os meios e modos de como implantar essa Democracia
Socialista é que também dividiu antes, e divide até hoje a opinião dos Marxistas, Anarquistas e Socialistas em
geral, pois o socialismo real também expôs outro grave problema estrutural; a impossibilidade teórica e prática
de implantar essa Democracia Socialista.

Além do econômico, esse foi outro impasse da teoria e da práxis política no materialismo histórico
Marxista-Leninista.

No socialismo real, esses graves problemas estruturais do socialismo científico clássico, geraram
reivindicações políticas (de direitos civis) e econômicos (crescimento e competitividade) que por muito tempo
foram e são sumariamente sufocadas, abrindo espaço para o retorno gradual a economia de mercado, como na
China, em Cuba ou, de forma definitiva, na Rússia.

E esses mesmos graves problemas estruturais, deixaram bem claro que a teoria clássica do
materialismo histórico Marxista-Leninista evidenciava uma ausência fatal no processo de implantação
socialista, a ausência de um conceito também científico de democracia para o socialismo (que não fosse a o
conceito clássico de ditadura do proletariado), em substituição a forma ideológica e paternalista como esse
assunto sempre foi concebido.

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Para existir uma um conceito qualitativo de revolução, precisamos de uma reavaliação da estrutura
científica no socialismo, que viabilize ao mesmo tempo: uma opção nova e clara de economia e democracia na
proposta socialista.

E para resolver o impasse entre: a impossibilidade de chegar ao socialismo através da “socialização do


capitalismo”, ou seja, da reforma do sistema capitalista, ou seja, dentro da democracia capitalista, e pela falta de
um conceito diferente de democracia é que, partindo inicialmente de uma visão antropológica, como fizeram
Marx e Engels, buscaremos, através de um enfoque cientificamente atualizado de um novo materialismo
histórico, as bases estruturais de um moderno conceito de revolução nos meios e modos de produção
capitalista e de no conceito de democracia, importante na sua posição de superação histórica à ditadura, mas
socialmente deficiente pelo seu atrelamento aos interesses do sistema capitalista, historicamente manietado em
sua competência para realizar uma forma superior de democracia.

Começaremos pela busca do que significa um conceito científico de democracia.

O humano primitivo, visando satisfazer sua necessidade, utilizava técnicas rústicas na luta pela
sobrevivência. No entanto, nesta fase de sua evolução, a autodeterminação, capacidade individual de decidir
sobre os rumos da satisfação plena de suas necessidades primárias e secundárias, era uma prática que fazia
parte do exercício constante de avaliação de seus atos. Portanto, antes mesmo da instituição da propriedade
privada (a polis sedentária), a Autodeterminação Individual convivia harmoniosamente com a economia
primitiva nômade. Posteriormente, a complexidade na administração das necessidades básicas de grupos sociais
cada vez mais populosos que competiam entre si, colocava em risco suas formas nômades de economia
primordial, e conseqüentemente, ameaçava sobrevivência desses grupos, vulnerando também a precária e frágil
forma produtiva e social que haviam desenvolvido. Com o surgimento do sedentarismo e da polis, todos esses
fatores somaram-se e condicionaram simultaneamente uma ruptura histórica com a autodeterminação
individual primitiva. Instituíram a centralização administrativa (por força ou por delegação), que gerou como
conseqüência a incapacidade de redirecionamento individual nos rumos da Economia Política coletiva dessas
novas sociedades que se implantaram, subtraindo definitivamente o exercício original da autodeterminação
primitiva do indivíduo. Portanto, queremos demonstrar que o poder individual de influir no processo político e
econômico é inerente aos primórdios das formações sociais.

Essa capacidade de decisão, embora hoje seja utilizada cotidianamente em aspectos secundários, aos
excluídos da dignidade humana é totalmente inviabilizada no que se refere às suas necessidades primárias,
porque não possuem condições próprias de decidir e suprir suas necessidades vitais.

Marx chamou o Princípio da Autodeterminação Individual Primitiva de Comunismo Primitivo. Na


verdade, segundo a teoria do próprio materialismo histórico Marxiano, o comunismo é uma conseqüência
histórico-evolutiva, fase posterior de uma revolução socialista sobre o sistema capitalista. Isto significa que:
pela sua própria definição, o termo comunismo, quando aplicado ao estágio primitivo da evolução humana, está
conceitualmente incorreto. Portanto, o termo: Autodeterminação individual primitiva define melhor a diferença
qualitativa que o separa do seu estágio superior: o Comunismo.

O processo histórico de anulação sistemática da autodeterminação individual primitiva, também


encontrou na idolatria místico-religiosa uma motivação para a centralização política e econômica (povos mono
e politeístas). E essas razões que transcendem a realidade concreta, contribuíram de forma significativa para a

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perpetuação hereditária na condução personalista da administração centralizada nos séculos subseqüentes
(impérios, monarquias pagãs e teocráticas).

Na comunidade do humano primitivo, a distribuição de tarefas já ensaiava uma futura divisão de classes
imposta pelas estruturas econômicas que surgiriam mais tarde. E essas novas divisões de classes que os
sistemas econômicos policlassistas institucionalizaram, se tornaram à razão das lutas históricas contra a
hegemonia do poder sob o controle do personalismo totalitário ou de classes dominantes.

Recorrendo à história antiga, temos o exemplo de Roma, onde o senado já dividia o poder com o
imperador. Não porque o imperador fosse generoso, mas porque a classe militar representava um óbvio perigo
potencial. E com a primeira revolução industrial, a burguesia inicia um processo de descentralização
administrativa do poder monárquico. Um exemplo é a instauração da monarquia parlamentar na Inglaterra,
chamada de “Revolução Gloriosa (de 1688 e de 1689), quando foi estabelecida a supremacia do parlamento
sobre a monarquia.

A história demonstra que, num Estado totalitário, o conflito de interesses de classes é “atenuado” de
cima para baixo, numa divisão parcial do poder absoluto com a classe imediatamente inferior: militar, e (ou)
mais “rica” e (ou) mais “culta”. Divisão parcial do poder imposta até mesmo pela força se necessário.

Embora a questão da divisão do poder seja uma realidade histórica, os sistemas econômicos
determinaram e reforçaram por séculos as superestruturas sociais, e durante todo esse tempo, as classes mais
pobres foram completamente afastadas do poder decisório, e as classes mais ricas, na defesa de seus interesses
e através da influência econômica e (ou) militar, sempre forçaram em proveito próprio a divisão desse poder.

Concluímos que: a partir do sistema de Clãs - onde houve a sofisticação da economia nas sociedades
poli-classistas, a participação efetiva da autodeterminação individual foi substituída pela centralização
administrativa de um indivíduo (e) ou de um grupo, mas, ao mesmo tempo, iniciou-se o processo inverso. Pois,
na proporção em que a Economia Política se desenvolvia e promovia a centralização administrativa plena, a
história, paralela e caprichosamente, promovia sua forma inversa, através da luta de classes pelo poder,
inicialmente, forçando o poder absoluto a iniciar a descentralização política e administrativa favorecendo a
classe mais rica. Temos como exemplo, que até a primeira revolução industrial, a participação no poder da
classe social inferior (mão-de-obra produtiva), se quer poderiam sonhar com sua representação nesse espaço
restrito da divisão do poder, mas que a força histórica, através da burguesia e das revoltas populares
transformou em realidade (Revolução Francesa, Gloriosa, etc.).

Ou seja, ao mesmo tempo em que a burguesia revolucionava a economia (“Sua base técnica é
revolucionária, enquanto todos os modos anteriores de produção eram essencialmente conservadores (MARX,
1975[1867]:557), também revolucionava o conceito histórico de participação no poder.

Por isso, podemos observar que a classe burguesa também é a moderna pioneira nas revoluções contra
a centralização administrativa, pois o domínio sobre as modernas técnicas de produção e distribuição que
desenvolveram, aliadas a exploração em larga escala da mão de obra operária, deu a classe burguesa um poder
que o Estado feudal e a Igreja foram levados a reverenciar de forma compulsória, o poder do capital.

Em razão desse fato, e através do materialismo histórico, podemos observar que, no processo de
descentralização do poder, a elite formada pela classe burguesa se insere então na seleta esfera de domínio pela

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Instituição do Parlamento. E como na Grécia ou em Roma, a burguesia não chegou e este estágio de
participação no poder por generosidade dos detentores deste, mas, porque esta classe em flagrante ascensão
econômica, passou a significar também uma nova ameaça aos privilégios monárquicos secularmente
preservados, e essa burguesia, de forma impositiva, impõe seu espaço nesse seleto universo do poder.

Na aliança inicial entre burguesia e Estado, o Estado controlava as atividades econômicas, favorecendo
os interesses burgueses, onde o rei, era o representante-mor da burguesia mercantil.

Qualquer semelhança com a relação atual entre capitalistas e Estado, não é mera coincidência.

Essa compulsória concessão histórica do poder, ainda deixa bem distante no tempo a primitiva
Autodeterminação Individual. Mas, a partir de Tomás Morus (A Utopia – 1516), Robert Owen (1771) e
Graucchus Babeuf (1756 – 1836), inicia-se o que Marx chamou de “Socialismo Utópico”, e mais tarde, o
mundo conheceria o “Socialismo Científico”, através de Karl Marx e Friedrich Engels, que em sua fase mais
evoluída (comunismo), vislumbraria um estágio de retorno a perdida autodeterminação individual (fase
comunista).

Na fase original do socialismo científico de Marx e Engels, identificamos um novo salto qualitativo
nesse demonstrado processo histórico de descentralização política, pois incluirá uma nova classe que lutaria
pela hegemonia do poder, a classe operária.

Das revoluções desencadeadas pelo comunismo marxista, no socialismo real, Lenin incorporou a classe
camponesa no curso de sua implantação (URSS – 1917). E, por exigência dessa força dinâmica que direciona a
interpretação correta do materialismo histórico, a dialética nos obriga a observar que, pela primeira vez nesse
processo histórico de descentralização política e administrativa, nem a classe operária nem a classe camponesa
eram classes economicamente poderosas.

No entanto, as revoluções do socialismo real revelaram que, embora inicialmente tenham resolvido de
forma satisfatória, questões como: educação de massa, habitação, alimentação, saúde e uma situação básica de
distribuição digna da renda, a questão da supressão ao exercício livre do contraditório demonstrou que, mais
importante do que a satisfação das necessidades básicas de sobrevivência é a vida com liberdades básicas:
opinião, reunião, associação, expressão, ir e vir, etc. A ausência desse fator, agravado pelo desabastecimento
de gêneros de necessidade, juntos ou separadamente, corroeu, implodiu e desacreditou o socialismo real
internacional.

Contudo, a queda do socialismo real na Rússia e no leste europeu, apenas confirmou essa
incompressibilidade histórica do espírito humano, ratificando um secular e irreversível processo de
descentralização política, confirmando que a saga humana continua em marcha, rumo ao exercício pleno da
primitiva autonomia individual decisória que marcou sua origem.

Ao mesmo tempo, o conceito ocidental de democracia capitalista entraria num crescente processo
degenerativo de representatividade e credibilidade que demonstraremos mais adiante, confirmando uma
tendência histórica rumo à autodeterminação individual perdida.

Com a extinção de grande parte das monarquias no mundo - como forma concreta de controle do poder
do Estado, estruturas federativas autônomas institucionalizadas nas constituições dos sistemas republicanos de

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governo, criaram os estados regionais e os municípios, dividindo ainda mais a histórica centralização política e
econômica do poder. Ratificando mais uma vez, o caráter histórico-científico de estruturação desse novo
conceito democrático em curso, nesse também novo materialismo histórico da importância histórico-dialética
nesse processo de resgate da autodeterminação individual primitiva perdida (conceito utópico moderno
chamado de cidadania, que reclama a participação plena).

Mesmo quando esse conceito parcial de democracia aplicado pelo capitalismo republicano é mais uma
barreira a ser transposta no caminho histórico rumo a autodeterminação individual, o próprio materialismo
histórico dialético indica a via do rompimento estrutural dessa barreira. Esta afirmação é facilmente
demonstrável quando uma série de micro instituições começaram, mesmo de forma apenas consultiva, a fazer
parte integrante do processo administrativo nas modernas estruturas do poder: as Associações de Moradores.

E embora a economia mundial esteja cada vez mais concentrada nas mãos de um número menor de
indivíduos, ou seja, enquanto a economia está cada vez mais centralizada, o materialismo histórico-dialético
demonstra que a estrutura administrativa do poder está cada vez mais dividida, e essa inabalável divisão
histórica não pára de se processar.

E o organismo representativo de massa (sujeito coletivo da sociedade civil organizada) que representa o
limite máximo do processo de difusão e desmembramento sócio-político, atingindo o estágio histórico-
dialético de célula coletiva da sociedade: um nível acima da família (união de indivíduos) e dois níveis acima
do indivíduo chamou-se: Associação de Moradores de Bairro (indivíduo>família>comunidade local).

Introduzido no Brasil ao final dos anos 40, o desenvolvimento da representação institucional de


comunidade se volta em princípio para as estratégias de modernização do meio rural; posteriormente migrando
do campo para as cidades. Estas unidades coletivas de representação popular, inicialmente com expressiva
representatividade, fundiram-se em federações estaduais e confederações nacionais, no entanto, a
partidarização da grande maioria dessas instituições, agravada pelo baixo índice de popularidade da classe
política, atingiu negativamente em cheio sua representatividade original adquirida.

Desprovidas de poder executivo na administração pública, com o tempo, estas unidades de


representação popular (Associações de Moradores), tornaram-se dependentes da “magnanimidade” e
paternalismo dos detentores dos poderes executivos municipais, estaduais e federais. Por esta razão,
precisaram unir-se a vereadores, deputados estaduais, federais e senadores visando o atendimento de
reivindicações unilaterais e (ou) coletivas, tornando-se joguetes nas mãos destes políticos, onde os cargos no
executivo, muitas vezes, substituíram o atendimento às necessidades dos representados.

Na verdade, independente dos objetivos políticos nacionais e transnacionais que incentivaram o


desenvolvimento de comunidades, o surgimento e a unificação das unidades de representação popular visavam
fundamentalmente à descentralização administrativa, ou seja, a idéia de que a pressão resultante do movimento
comunitário organizado, se transformaria em uma força política capaz de transpor as barreiras do
paternalismo histórico.

Mas, para neutralizar o vício histórico do paternalismo, é fundamental que a descentralização


administrativa (autonomia), seja resguardada por codificações institucionais inalteráveis e imunes a interesses
partidários, pessoais ou corporativos.

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E é justamente na construção desses fundamentos, que iremos nos ater mais adiante.

Analisando a questão do desenvolvimento de comunidade, Florestan Fernandes observa: “É provável,


pois, que o desenvolvimento da comunidade encontre uma vinculação para baixo, que ele se prenda, no futuro
próximo, às classes trabalhadoras, aos setores mais pobres da população e à revolução democrática” (o
destaque é nosso).

Esta observação, põem em cheque a própria base do desenvolvimento da autonomia política da


comunidade organizada, e expõe uma contradição latente em sua estrutura funcional, ou seja, por não
contemplar a macro-visão nacional seria organicamente incapaz de transpor os limites da micro-visão
regional. Condicionou-se improvisadamente a solução desse impasse aos alinhamentos partidários de
esquerda para suprir essa deficiência, mas que em contrapartida, em razão de sua diversificação ideológica,
interesses particulares, contradições internas dos partidos políticos, e a luta entre esses partidos pela
hegemonia do movimento comunitário organizado, fragmentou não só as Associações de Moradores, mas
todos os movimentos associativos em que se infiltraram. Pelo desgaste causado nas lutas interpartidárias ou
pessoais nessa briga pela hegemonia do poder, e essa crise de representatividade política, foi a principal
responsável pelo esvaziamento e conseqüente enfraquecimento desse prematuro movimento comunitário
organizado.

Isto porque, quando o desenvolvimento da comunidade, não possui em sua organicidade uma perspectiva
própria do universo econômico e político, carrega em si o elemento estranho responsável pela sua própria
destruição, conseqüência de sua dependência instrumental das estruturas viciadas dos partidos políticos, que
embora como contribuição, tragam consigo o discurso crítico da macro e micro-estrutura econômica e
política, são portadores do espectro das contradições ideológicas, e da inconfessável realidade de que, com
raríssimas exceções, a classe política é eminentemente porta-voz dos lob’s econômicos nacionais e
multinacionais, terreno movediço gerador da frágil credibilidade representativa.

A luta unilateral dos partidos de esquerda pela hegemonia do poder, representa um elemento de
desagregação da unidade política necessária para a implementação das mudanças fundamentais. E mesmo que
houvesse essa unidade política que caracterizasse uma vanguarda partidária, ela perpetuaria a dependência do
paternalismo partidário e da histórica centralização política e administrativa.

No entanto, a comunidade de bairro, como micro unidade coletiva social é a resultante de um histórico
desmembramento de representação, que atingiu o limite máximo na organicidade mínima do pluralismo social.
Desta forma, evidencia-se um movimento histórico concreto rumo a um passo importante em direção ao que
chamo de Comunocracia Constitucional, onde, a descentralização político-administrativa, a extinção do
paternalismo de qualquer espécie e o definitivo resgate do sujeito político individual ativo, se materializam
historicamente através do surgimento dessa unidade coletivo-social (Micro-Unidades Geopolíticas ou bairros).
Rumo histórico ao exercício pleno da autodeterminação individual.

Nenhum planejamento centralizado terá êxito se não for conjugado a procedimentos democráticos de
participação de toda a população interessada. ( Jacob Gorender, Marxismo sem utopia, Editora Ática/1999,
pg.256 ).

Na verdade, mais do que discutir a eficiência da estrutura de representatividade, a descentralização do


poder é o tema principal, que desta vez está na essência de uma democracia que se digne realmente socialista.

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Tanto o socialismo real quanto a democracia capitalista teorizaram sobre a intenção de dar ao povo uma
autonomia que, na prática, se mostrou e se mostra fictícia. Portanto, a utopia não é um patrimônio do
socialismo real, nem religioso, pois a democracia capitalista possui esse mesmo posicionamento teórico, que
projeta num futuro temporal indeterminado a resolução dos anseios individuais e coletivos. Desta forma, a
democracia capitalista, na prática, tem como fundamento político um discurso extraordinariamente
contraditório: quando transfere o exercício da cidadania e da democracia para um futuro remoto, pretendendo
se contrapor às injustiças decorrentes da priorização dos interesses econômicos sobre o social, interesses
esses, arraigados organicamente no frágil conceito de democracia defendido pelo capitalismo de Estado. Este
impasse ideológico transforma a democracia não apenas em uma utopia - onde a situação de sua implantação se
projeta em circunstância futura, mas em uma farsa habilmente articulada para justificar a existência de uma
elite estatal, que se utiliza desta caricata definição de democracia para ratificar o já histórico capitalismo de
estado, representante-mor do sistema capitalista nacional e internacional, que sempre recorre à ditadura civil
ou militar ao sentir sua hegemonia ameaçada.

Se “o poder emana do povo, e em seu nome é plenamente exercido”, as necessidades pelo menos básicas
desse povo estariam saneadas, e não haveriam motivos para reivindicações paralelas às representações
político-administrativas decorrentes do sufrágio universal. Portanto: a enorme dimensão geográfica e (ou) a
ausência completa ou parcial da preocupação social desqualificam o paternalismo de Estado como instrumento
eficaz para o atendimento dos interesses mais emergentes da população. Isto porque: a democracia capitalista
pressupõe a necessidade reivindicatória via representação partidária, e no paternalismo da via representativa,
a credibilidade personalista ou partidária é um requisito cuja dependência é historicamente perigosa. E nos
curtos limites da “via direta”, tudo que não seja o sufrágio universal, plebiscito, ou referendum, o próprio gigantismo
burocrático estatal cuida de inviabilizar. Portanto, a cidadania plena dentro da democracia defendida pelo
Capitalismo de Estado, não é nem mesmo um sonho, é um pesadelo real e constantemente fatal, gerando
sempre a exclusão social da maioria e a proliferação da miséria.

Embora teoricamente, o socialismo vislumbre em sua fase comunista a extinção do próprio Estado, e
mesmo levando em consideração a prodigiosa conquista dos países em que foi implantado o socialismo real de,
em pouco tempo, praticamente extinguir a mortalidade infantil, o analfabetismo e a miséria absoluta (o que por
si só, já representa inegavelmente uma vitória inigualável), tanto na Rússia, na China, ou em Cuba, a abertura
rumo a economia de mercado foi inevitável para o crescimento econômico, porém, a questão democrática foi e
é o seu elo mais fraco. Representa o fundamento inalienável do indivíduo superior, que nem a democracia
capitalista, nem esse socialismo real conseguiram realizar, de forma que a sua aplicação pudesse ao mesmo
tempo, conciliar interesses sociais objetivos (materiais) e subjetivos (liberdades individuais e coletivas).

Embora em profunda contradição com a prática política dos líderes Russos pós-Czarista, Lênin observou:
“O socialismo vitorioso deve necessariamente instaurar uma democracia integral (...).O socialismo não é o
resultado de decretos vindos de cima. O automatismo administrativo e burocrático é estranho ao seu espírito;
o socialismo vivo, criador, é obra das próprias massas populares” (“Democracia Socialista”, Lênin, págs. 13).

E foi mais longe: “(...) como governo democrático, não podemos deixar de levar em conta a decisão das
massas populares, inclusive ainda que não estejamos de acordo com ela. (...) Devemos marchar de acordo com
a vida; devemos conceder plena liberdade ao gênio criador das massas populares” (“Lênin no poder”, Pravda,
número 171, 10/11/1917).

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No entanto, sem implementação em curto ou médio prazo, o futuro desta visão ficou comprometida e
assim condicionada: “A ditadura do proletariado não significa o cessamento da luta de classes e, sim, sua
continuação em uma nova forma e com novas armas. Enquanto subsistirem as classes, enquanto a burguesia
derrubada em um país decuplicar seus ataques ao socialismo no terreno internacional, continuará sendo
indispensável esta ditadura” (o grifo é nosso) (V.I. Lênin, “Obras”, 4 ed. em russo, t. 32, págs. 29/437).

Seguindo este raciocínio, somente quando o socialismo real afastasse definitivamente a possibilidade de
ameaça representada pelo capitalismo externo, poderia exercitar sua concepção de democracia sem perigo de
um eventual retrocesso. Desta forma, como a ameaça externa não se extinguiu, a perpetuação da ditadura foi
perpetuada, assim como todos os perigos resultantes de uma autonomia incondicional de seus líderes.

Karl Marx, no entanto, já advertia: “ (...) o Estado democrático seria a expressão do homem socializado.
‘A democracia’ é o enigma ‘resolvido’ de todas as Constituições. Nela, a Constituição existe não apenas em si,
de acordo com a sua essência, mas também de acordo com a sua existência, com a sua realidade que
constantemente se refere à sua base real, o povo real; e que surge sistematicamente como sua própria obra”
(“Crítica a filosofia do direito de Hegel”).

Contraditoriamente, a ditadura do proletariado como fase inicial do socialismo científico (intensamente


defendida por Lênin), e a impossibilidade do exercício democrático no socialismo real, postergada em razão da
constante ameaça externa e interna da contra-revolução burguesa, inviabilizaram a aplicação dessa democracia
tão enfaticamente descrita por ambos. O código civil da URSS e das repúblicas federadas, principal responsável
pelas garantias legais de uma sociedade civil , somente foi aprovado em 1962, 45 anos depois da morte de
Lênin.

Rosa Luxemburgo concordou com a dissolução da Assembléia Constituinte eleita em 1917, mas discorda
de Trotski, quando este justifica a impossibilidade da práxis democrática, em razão da incompatibilidade entre
a revolução socialista, o sufrágio universal e as instituições representativas do conjunto da população. Rosa
Luxemburgo, já em 1918, advertia: “sem democracia não pode haver participação popular; e sem
participação popular, o governo dos trabalhadores (a ditadura do proletariado) corre o risco de se converter
numa ditadura de partido ou mesmo numa ditadura pessoal. É um fato absolutamente incontestável que, sem
liberdade de imprensa, sem completa liberdade de reunião e de associação, é inconcebível a dominação das
grandes massas”. (Ensaio sobre a revolução Russa, 1918)

Como qualquer forma estatal de centralização política e econômica é potencialmente perigosa, o grande
desafio é conciliar a defesa das necessidades básicas dos excluídos (trabalho, alimentação, saúde, habitação,
saneamento básico, etc.), com a certeza não paternalista e incondicional de sua realização; a criação de uma
forma de realização destas necessidades, sem suprimir o princípio inalienável das liberdades individuais; a
necessidade de uma nova revolução socialista, sem perder de vista a modernização estrutural da sociedade;
redirecionar o cientificismo genocida e elitista, sem abrir mão de uma ciência responsável, voltada,
prioritariamente, ao aperfeiçoamento da qualidade de vida das grandes massas populares excluídas.

Esse desafio foi detectado por Sir Ralf Dahrendorf (“Reflections on the Revolution in Europe”, Times
Book, Nova York, EUA, 1990), quando observa: “A ‘utopia socialista’ poderia ser enriquecida pela iniciativa
empresarial e a ‘utopia capitalista’ pela compreensão de que a economia serve a seres humanos, e não ao
contrário. Dessa maneira iniciaríamos ‘o tipo de diálogo intelectual que poderia levar a Europa Central a um
caminho variado e dinâmico’. (...) O ‘comunismo desmoronou e a social democracia está exausta’. (...)

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“Significa a criação de uma apertada rede de instituições e organizações autônomas que tem não um, mas
milhares de centros, e que, por isso mesmo, não pode ser facilmente destruída por um monopolista disfarçado
de governo ou partido”. (O destaque é nosso)

Em seu livro: A Democracia como Valor Universal, o cientista político brasileiro Carlos Nelson
Coutinho, também identificou: “ (...) a Democracia Socialista pressupõe, por um lado, a criação de novos
institutos políticos que não existem, ou existem apenas embrionariamente, na democracia liberal clássica; e,
por outro, a mudança de função de alguns velhos institutos liberais. (...) Multiplicaram-se, sobretudo nos
últimos tempos, organismos de democracia direta, sujeitos políticos coletivos de novo tipo (comissões de
empresa, associações de moradores, comunidades religiosas de base, etc.). (...) processo de renovação
democrática, (...) só será efetivo e realmente popular quando crescer ‘de baixo para cima’ “.( Ed. Salamandra,
1984, pag.26 )

Todas essas informações reforçam a conclusão de que a questão da Democracia Socialista, precisa ser
uma discussão incondicional no socialismo científico contemporâneo, e o sentido histórico do exercício
democrático será aqui reavaliado, principalmente no sentido estrito da palavra democracia, “o poder do povo”.

Para uma análise dessa questão, observemos Antonio Gramsci, que conduz essa reavaliação como o
“desafio democrático”: “(...) com o fim progressivo da sociedade política (aparelhos de coerção e da
burocracia), a sociedade civil, se torna “classe dirigente”, iniciando sua participação no controle
administrativo, que através dos parlamentos, organismos de massa, dos partidos políticos e sindicatos, na
transição ao socialismo, se tornam “classe dominante”. Admitiu sua preocupação quanto a necessidade de
criar as condições para que desapareça a divisão histórica entre governantes e governados (o grifo é nosso).

Gramsci foi contemporâneo das ditaduras nazi-fascista e comunista, ou seja, ditadura personalista e (ou)
uni-partidária, portanto, sua luta principal se calcou na contradição entre Ditadura e Democracia. Na verdade, a
composição do conceito Gramsciano de sociedade civil, subentende formas coletivas de representação (partidos
políticos, sindicatos, etc.) mas ao longo do tempo, essas mesmas formas coletivas de representação foram
corroídas por interesses pessoais e (ou) econômicos, que agravada pela gigantesca máquina burocrática criada
pela centralização administrativa característica dos modernos estados-nação, caracterizou a histórica estrutura
individualista das relações humanas nas sociedades onde o sistema capitalista atua como sistema sócio-
econômico hegemônico. Gramsci, inevitavelmente pensando de acordo com a realidade histórica de seu tempo,
não teve oportunidade de identificar nos futuros “Estados democráticos” as verdadeiras máquinas de miséria
que representariam, nem pode identificar o processo degenerativo que a democracia representativa nos
estados-nação desencadeou, onde essa sociedade civil, transformada em sociedade política, não conseguiu
mais do que a conquista do “direito inalienável e constitucional de se excluírem socialmente”.

A partir de Gramsci, em 1956, Palmiro Togliatti propõe a criação do que chamou de um “partido novo”:
“Um partido que, por sua própria composição, pelo número de seus aderentes, por sua própria estrutura e pelo
seu modo de funcionamento, seja capaz (...) não apenas de fazer propaganda, agitação, de pregar os grandes
princípios, mas de dirigir quotidianamente a classe operária, as massas trabalhadoras e a maioria da população”
(Palmiro Togliatti, “Socialismo e Democracia”, cit., p. 27). Defende o paternalismo partidário através da
criação de um partido novo e hegemônico.

Pietro Ingrao, em seu livro “As massas e o poder” (Ed. Brasileira, R.J, 1980), identificou a gestação de
uma rede de organismos de massa cada vez mais difusa e complexa. Porém, coloca a classe operária (o

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proletário industrial) como sujeito coletivo hegemônico do pluralismo que defende, e desta forma, se distancia
de um sentido fundamental de sua primeira conclusão, o sentido de difusão e pluralismo e não de hegemonia
de classe.

Diante de tantas distorções, existe uma forma de se evitar o desvirtuamento nas realizações
incondicionais do interesse público, que somente é possível, através de uma estrutura de atuação popular direta
e intransferível na efetivação de seus interesses. Rompendo-se a barreira física e jurídica aparentemente
intransponível, entre governantes e governados

Atualmente, ao nível municipal, estadual e nacional (pelo menos nas grandes metrópoles), a supervisão
exercida pela sociedade é apenas de caráter consultivo, e se perdem na enorme dimensão da estrutura
burocrática do sistema representativo existente.

Para que exista a participação ativa de toda a sociedade na supervisão e defesa dos seus interesses
legítimos e essenciais (saneamento básico, saúde, educação, habitação, alimentação, emprego, etc.): como
viabilizar esse processo administrativo sendo realizado fisicamente, com reunião e deliberação de toda a
população do país?

Como conciliar o controle direto e as necessidades da população em todas as unidades geográficas


(estados e municípios), com o distanciamento físico existentes dessas comunidades em relação aos centros de
poder (nacional, estadual e municipal), se essa mesma população é obrigada a passar a maior parte de seu
tempo precisando lutar pela sua sobrevivência e de sua família?

A resposta dessa pergunta se reporta a um conceito historicamente equivocado, e que a história chamou
de Estado.

E esse conceito equivocado de Estado, se confunde até hoje com outro conceito que a história chamou de
Nação.

Embora o conceito de Estado possua especificidades relativas aos vários campos do conhecimento, como
por exemplo:

a) Sociológica: o Estado é um fenômeno social onde existe uma integração de forças por estratos sociais.

b) Filosófica: O Estado é um fenômeno cultural e político.

c) Política: O Estado é uma nação organizada politicamente.

d) Jurídica: O Estado é uma instituição geradora de direito positivo.

De uma maneira geral, o Estado é definido conceitualmente como a organização político-administrativo-


jurídica do grupo social que ocupa um território fixo, possui um povo e está submetido a uma soberania.
“Embora a Nação tenda a ser um Estado, não há necessariamente coincidência entre Nação e Estado: há Nações
que ainda não são Estados, pela sua pequenez, por exemplo, ou que estão repartidas por vários Estados, e
Estados que não correspondem a Nações, como geralmente acontece com países novos onde ocorrem todos os
dias imigrantes provenientes dos mais diversos cantos do globo, cada cada qual com o seu facies próprio. É
que, em muitos casos, em vez de ser a Nação q dá origem ao Estado é o Estado que, depois de fundado, vai,

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pelo convívio dos indivíduos e pela unidade do governo, criando a comunidade nacional: é o que passa. Por
exemplo, nos Estados Unidos da América” (MARCELLO CAETANO, in Manual de Ciência Política e Direito
Constitucional, 6a ed., Lisboa, Coimbra Ed., 1972, tomo I, p.123)

A autonomia da estrutura política incorpora ao conceito de Estado o sentido de unidade individual de


poder, e essa forma de conceber o pensamento político e o conceito de Estado, se desenvolveu na sociedade
industrial, possui uma confiança cega na razão, na modernidade e padece visceralmente do “eurocentrismo”.

Para Hegel, o Estado seria a superação da sociedade dividida, expressão social divina que representaria a
máxima realização da idéia humana. Marx contesta esse significado Hegeliano afirmando que, o Estado
monarquista representava a expressão máxima dos interesses burgueses, instrumento de ascensão e dominação
de classe, e que o Estado, como máxima expressão social real da vontade humana só se realizaria pela
ditadura do proletariado, levada a cabo pela mão de obra assalariada da indústria de produtos, que deveria
formar a maioria da população economicamente ativa nos países desenvolvidos.

Nesse momento, exatamente como Thommas Hobbes, Geoges Sorel e Hegel, Marx, baseado na premissa
de que o Estado é a materialização política da dominação de uma classe sobre outra, admite a necessidade de
existência do Estado como unidade independente de poder aliada ao princípio da tirania necessária.
Montesquieu, embora reconheça a necessidade do Estado como unidade independente, elimina o princípio da
tirania necessária com a idéia do equilíbrio entre os poderes. Kant posicionou o Direito Positivo como
elemento de conciliação entre o Estado e a sociedade. Mas, modernamente, esse equilíbrio entre os poderes de
Montesquieu e o Direito como forma do equilíbrio Kantiano se fundiram, e hoje, o Direito positivo - que em
sua essência privilegia a instituição de um conceito de propriedade privada adquirida em um processo
histórico de acumulação primitiva é o frágil intermediário entre o poder executivo, legislativo e a sociedade,
tentando através de uma concepção estrutural dotada de profunda parcialidade social, suprir o enorme vazio
entre o Direito Ideal e o Direito Insurgente.

A cláusula de tripartição dos poderes de Montesquieu esfacelou o histórico centralismo hereditário do


poder monárquico, mas, em contrapartida, descentralizou um espaço de poder que, com o desenvolvimento do
capitalismo, foi habilmente ocupado pela classe burguesa, já historicamente privilegiada por um processo de
acumulação primitiva que garantiu a supremacia econômica dessa classe sobre as outras.

Atualmente, a forma política do Estado reflete perfeitamente muito mais do que uma unidade individual
de poder com a virtude de promover a ordenação social, como queriam, entre outros, Hobbes, Locke, Hegel, e
Kant, esta foi uma característica histórico-evolutiva como compreendeu Marx, e representa um instrumento de
dominação histórica exercida pelos detentores da propriedade e das riquezas, quanto organizam uma forma de
conciliação política das múltiplas tendências humanas sob a tutela jurídica do direito positivo e regido por
uma carta política maior, a Constituição.

O processo corporativo do Estado Nacional como sujeito jurídico-político de representação coletiva,


afastou a manipulação do monarquismo da “atividade conciliadora” necessária ao abrandamento das
contradições entre os interesses coletivos e individuais, por sua vez, concentrou em si um poder de
representação que, ao longo do tempo, sofreu um processo progressivo de implosão em seu objetivo teórico de
“neutralidade jurídica”, devido ao fato de incorporar os interesses econômicos e políticos da classe dominante
no processo histórico que resultou na criação destes Estados Nacionais.

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Portanto, a única forma de construir preceitos jurídicos-políticos-coletivos com a imparcialidade social
necessária, será viabilizando o prosseguimento do processo histórico-evolutivo do conceito clássico de Estado
em sua forma institucional, contida na codificação do Direito. Esse prosseguimento histórico-evolutivo,deverá
transpor o determinismo hegemônico de classe, procedendo um salto qualitativo em sua estrutura, superando o
caráter centralista de sua formação histórica.

A de se reconhecer que o sistema capitalista deu um salto qualitativo no sistema material de produção,
que iria eliminar definitivamente a hegemonia econômica exercida pelas Corporações de Ofício. Isto
descentralizava o processo produtivo dessas Corporações de Ofício em diversas empresas, barateando o preço
dos produtos, e mesmo ganhando menos, aumentava a possibilidade de emprego antes restrito ao arbítrio do
mestre artesão, alavancando o capitalismo como o sistema econômico hegemônico que superaria a própria
economia feudal.

Essa revolução sistêmica só foi possível, pela crescente desqualificação do processo produtivo, pois o
operário não participava mais de todas as etapas necessárias à fabricação do produto final. Essa
descentralização do processo produtivo, diminuiu os salários e aumentou os lucros, sendo a chave inicial do
crescimento do sistema capitalista.

Enquanto o sistema capitalista, como Teoria Econômica, descentralizava o processo produtivo e


revolucionava o sistema feudal, e a ciência Química, Física e Biológica descentralizavam seus conceitos sobre a
estrutura da matéria, a Teoria Política, manipulada por interesses hegemônicos da classe burguesa, desenvolvia
um conceito jurídico-político de Estado que ratificava o caráter de centralismo do poder econômico e político.

Enquanto estrategicamente, a burguesia dividia o poder do hereditarismo monárquico, continuaria a


manter a maior parte da população distante dos centros do poder. Ou seja, enquanto a teoria econômica e as
ciências davam um salto qualitativo e histórico reconhecendo a importância da descentralização em suas
estruturas, a Teoria Política defendia ao mesmo tempo um centralismo Total, e outro Parcial:

a) total – a política da tirania necessária – Hobbes, Hegel e Marx.

b) Parcial – Montesquieu, Auguste Comte e Hans Kelsen.

Objetivamente falando, a força política exercida pelo sistema capitalista, se consolidou juridicamente
na formação institucional dos Estados-Nação através do sistema representativo republicano. O Estado, como
expressão jurídica da hegemonia capitalista, criou uma ficção valorativa para ratificar essa hegemonia, e a essa
ficção valorativa foi dado o nome de Direito Positivo.

A codificação moderna do Direito, uniu contratualistas como: Hobbes, Locke e Rousseau, agregou a
tripartição dos poderes independentes e harmônicos de Montesquieu, principalmente no Brasil foi adotada a
pseudoconcreticidade de August Comte e a chamada “Teoria pura do Direito” de Hans Kelsen. Enquanto
surgia a codificação moderna do Direito que formaria o conceito de Estados Nação, essa normatização ad-
histórica do Direito se dividia entre Direito Positivo e Direito histórico-dialético.

O salto qualitativo dado pelo Direito positivo Comteano, mesmo representando a forma de consolidação
jurídica da hegemonia exercida pela classe burguesa, se deu através do golpe sofrido pela monarquia
hereditária com a perda de soberania que sofreu. No entanto, o auto grau de imobilismo gerado por uma
codificação movida por interesses específicos da classe historicamente hegemônica e de um determinismo
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“científico” quase religioso, condenou o positivismo Comteano a um status de pseudo-ciência, pois a própria
ciência, ao desenvolver o Princípio da Indeterminação ou da Incerteza de Heisenberg, o Princípio da
Complementaridade de Niels Bohr, a da Teoria do Caos de Lorenz, quebrou definitivamente o domínio
histórico do determinismo Cartesiano-Newtoniano, que por séculos influenciou toda a produção material e
intelectual da humanidade. E embora a mecânica quântica tenha demonstrado que os métodos de observação da
física clássica não serviam para a física quântica e com isso tenha jogado por terra a carga determinista que a
ciência clássica carregava transformando o próprio conceito de cognição da realidade, essa revolução ainda é
bastante recente (entre as décadas de 20 e de 30), só em 1932 Heisenberg recebe o Prêmio Nobel de física que
dividiu com o austríaco Erwin Schödinger e o inglês Paul Dirac. Lentamente, a versão matricial da mecânica
quântica publicada no final de 1925, vai rompendo os alicerces dos velhos conceitos de construção do universo,
mesmo dentro da comunidade científica.

Na verdade, o Estado de Direito no positivismo Comteano, perdeu sua racionalidade científica em duas
frentes: a primeira frente, pelo seu auto índice de determinismo quase religioso, se dá no campo da ciência
propriamente dita (Princípio da Incerteza, da Indeterminação e da Teoria do Caos), a segunda frente é à frente
do ponto de vista dialético. Pois o Estado, do ponto de vista do Direito histórico-dialético é a superestrutura
jurídica onde se desenvolvem as condições econômicas e sociais da produção material, portanto, o aparato
jurídico-normativo e de poder que cada sociedade desenvolve, estará sempre enraizada nas divisões sociais
provenientes desse processo de produção material nas sociedades poli-classistas, este fato, historicamente
demonstrado, irá irremediavelmente privilegiar um ordenamento jurídico favorável à classe que detém o
controle sobre o processo produtivo. Pela codificação de interesses antagônicos de classe, esse “Estado de
Direito” não será estático, pois a história da produção material é a história da práxis dessa produção social
em seu desenvolvimento quantitativo e qualitativo.

O positivismo Comteano está extremamente distante dessa dinâmica que a práxis histórica proporciona,
onde o homem agora não é mais o agente passivo que apenas interpreta as “leis imutáveis do universo” , mas
participa direta e ativamente do processo de construção de sua vida material e das contradições desta,
construindo a história dentro do exercício dialético interminável, estruturado nas necessidades humanas e na
produção material necessária para superá-las.

Portanto, tanto a inexorabilidade histórica e o princípio da tirania necessária em Marx, quanto o


positivismo quase religioso em Comte, foram colocados em um xeque-mate histórico em suas pretensões de
cientificidade, em razão do conteúdo fortemente determinista que produziram.

Necessário se faz à construção de um novo conceito de Estado que possibilite: o resgate científico do
processo histórico, em consonância com uma nova forma de sistema produtivo e conseqüente adaptação
jurídico-política.

Na vanguarda da busca de um novo conceito de Estado, historicamente impregnado que foi pela
centralização total ou parcial do poder, a lógica dialética nos obriga a admitir a possibilidade histórica da
descentralização total desse poder. Porém, tal descentralização teria necessariamente que corresponder ao nível
máximo de descentralização política, jurídica e geográfica da sociedade. No entanto, essa célula política que
compõe o corpo social não é o indivíduo como querem alguns anarquistas: pois enquanto indivíduo, não pode
construir relações políticas consigo próprio; não é a família, pois as relações de família possuem auto grau de
interesses internos específicos, esta célula política está no conjunto de famílias que compõe a micro
comunidade geográfica, portanto, uma pergunta aparentemente simples, mas fundamental, precisa ser feita:

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onde fisicamente estão esses micro-aglomerados sociais que formam a grande maioria dos modernos Estados-
Nação? São hordas, são gens, são clãs, são tribos? Onde estão? Nos Estados, nos Municípios, nos bairros da
cidade ou nas pequenas comunidades rurais?

A realidade nos responde que são as pequenas comunidades e que estão localizadas nos bairros e nas
pequenas comunidades rurais, ou seja, no que chamo de Micro Unidades Geopolíticas, células políticas que
compõem o corpo das instituições municipais, estaduais e nacionais. Essas comunidades locais representam o
subproduto histórico-geográfico da incompetência dos sistemas econômicos e políticos na administração dos
interesses sociais. E essas Micro-Unidades Geopolíticas serão as unidades geográficas, políticas e econômicas
da base estrutural embrionária desse conceito novo de nação.

Atualmente, a dependência administrativa dessas micro-unidades geopolíticas das estruturas


institucionais de Estado e da representação política nas repúblicas capitalistas, sedimentou historicamente uma
burocracia complexa e ineficiente, capaz até de subverter a justificação primordial de sua existência (o poder do
povo) pela deterioração do Estado de Direito, no que se refere, não só aos direitos civis, mas principalmente às
condições materiais que garantam a dignidade humana dos indivíduos que compõem essas comunidades.

Já foi exposta anteriormente a ineficiência e a vulnerabilidade histórica que representa a via


paternalista na resolução dos problemas sociais de base, portanto, a coerência analítica exige que a via aqui
proposta de substituição da via paternalista (sistema representativo republicano), se manifeste de forma
exeqüível, no que pese a dimensão do caráter de reforma estrutural, política e econômica que represente.

Na verdade, essa reestruturação rumo ao processo de descentralização administrativa (Comunocracia


Constitucional), se fundamenta, portanto, no controle direto exercido efetivamente pelas comunidades que
compõem as Macro-Unidade Jurídica e Geopolíticas (estados e municípios).

Isto significa que: os bairros e outras micro-regiões, agora como micro-regiões geopolíticas (MUG’s),
serão os pontos de partida para a descentralização do poder, fonte do controle administrativo direto exercido
pelas comunidades, rumo à concretização histórica da utopia democrática.

A partir da descentralização política ao nível das MUG’s, inicia-se um movimento concreto rumo ao
resgate de um conceito antes perdido de cidadania, de participação política, que vai administrar o processo
representativo afastado de seu efeito viciado e degenerador, substituído pela administração direta.

Inicialmente, o controle direto da sociedade exercido através de um conjunto de Micro Unidades


Geopolíticas (MUG), atinge o nível municipal da administração pública, saneando a questão representativa
pela extinção do paternalismo e dos elementos subjetivos e frágeis inerentes as questões éticas e morais,
exigidas como pressupostos necessários, porém frágeis, no que se refere ao exercício da administração dos
interesses públicos, desta vez, substituídos pela cientificidade do historicismo dialético na descentralização
administrativa do poder, que conclui pela superação do centralismo total e parcial do poder do Estado,
substituído-o pelo controle direto.

A administração direta se formaliza quando a representação ao nível municipal do interesse público, seja
efetivada pela delegação ou eleição de um representante de cada micro unidade geopolítica, escolhidos em
conselhos específicos (Conselhos de Bairros) com o objetivo de formação do Conselho de Administração
Municipal. Desta forma, o representante eleito, morador do respectivo bairro ou comunidade rural, teria um

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compromisso direto e íntimo com os objetivos sociais locais, e conseqüentemente, estaria sujeito a fiscalização
direta exercida pelas comunidades representadas.

Esta nova realidade, uma vez que valoriza e potencializa a participação individual, significa a
incorporação da função deliberativa ativa de interesse comum. Fundamento perdido que realiza e torna a
cidadania um exercício pleno e dinâmico, onde a participação individual é inevitável em razão da perspectiva
concreta de realização dos interesses sociais comuns.

O protótipo da descentralização administrativa das micro unidades geopolíticas foi ensaiado


desastrosamente pela criação das associações de moradores, porém, o esfacelamento pela partidarização e a
dependência paternalista de apoio eventual de algum vereador, administrador regional, subprefeito ou
prefeito, agravado pelo caráter consultivo e não deliberativo que incorporaram ao nível municipal estadual e
federal, contribuiu simultaneamente para o descrédito e posterior falência deste embrião de representação
direta, em razão da existência de uma estrutura política e administrativa centralizadora e viciada.

Não tenhamos dúvida de que, a administração direta do interesse público passa pela autonomia
financeira dessas micro unidades geopolíticas (que trataremos mais adiante), pois a maior parte dos recursos
arrecadados são desviados para superestruturas politicamente voláteis e paternalistas (atual estrutura dos
municípios, estados e da união). Desta forma, as questões sobre saúde, educação, habitação, trabalho,
saneamento básico, etc., seriam descentralizadas, deliberadas, executadas e supervisionadas diretamente, pelos
próprios usuários.

Também é evidente que tal proposta passa por uma reforma profunda na estrutura falida do sistema
representativo vigente (Constituição), que agoniza diante das deprimentes fraudes eleitorais, vulnera o
decantado estado democrático e ridiculariza o conceito de soberania popular.

Seguindo a linha da autogestão nas Micro Unidades Geopolíticas (MUG), cada Conselho de Bairro
elege seu representante para formar o Conselho Municipal (atual Prefeitura), que depois de eleitos em votação
popular (no Município), elegerão entre seus pares um Coordenador (provisório ou não) desse Conselho (atual
“Prefeito”). E os Conselhos Municipais de uma mesma região, indicam os candidatos para formarem o
Conselho Estadual ( atual Estado ), que depois de eleitos em votação popular (no Estado), escolherão entre
seus pares um Coordenador (provisório ou não) desse Conselho (atual “Governador”). E os Conselhos
Estaduais, indicam candidatos para formarem o Conselho Nacional (atual poder executivo federal), que depois
de eleitos em votação popular (em todo o País), elegerão entre seus pares um Coordenador (provisório ou não)
para exercer a função apenas de relações públicas da nação frente à comunidade internacional (atual
“Presidente da República”).

Definidas as novas estruturas: Legislativas e Executivas, no que se refere ao Poder Judiciário, seguindo
a linha do materialismo dialético histórico de descentralização: cada Bairro terá um fórum judiciário local
(doravante MUG ), com juiz eleito pela comunidade, representando a 1a instância legal.

Seguindo o exemplo concreto das Associações de Moradores e dos Conselhos Comunitários, as micro
unidades (Demos-Bairros), respeitadas as novas normas legais de maior alcance social (Jurídicas e
Constitucionais), essas MUG’s terão uma adaptação jurídica específica para as suas realidades locais (estatuto
ou similar), votada e aprovada pelo Conselho de Bairro. Mas que desta vez, irá regular legalmente e com

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maiores detalhes, as relações de convivência local. Será ratificada em juízo e somente retificada pela maioria
absoluta dos membros do Conselho de Bairro.

O processo de descentralização ao nível dos Bairros, administrativamente, deverá incluir outros pontos
de interesses públicos hoje centralizados como: Trabalho, Saúde, Habitação, Saneamento Básico, Coleta de
Lixo, rádios comunitárias, etc...

Os conselhos das instâncias municipais e estaduais administrariam apenas os interesses institucionais


ligados às respectivas regiões representadas (atuais municípios e estados), e um ou mais representantes do
Conselho Nacional representariam, por delegação prévia do conselho, os interesses institucionais internos e
externos da nação. Porém, mesmo que essas instâncias institucionais (Municipal, Estadual e Nacional),
administrem alguma verba própria necessária para seus fins institucionais específicos, o volume financeiro
fiscal e tributário nacional referente à administração Executiva, Legislativa, eleitoral, e outras, estará
descentralizado (tópico que aprofundaremos mais adiante) e não será desviado das Micro Unidades
Geopolíticas – MUG (atuais Bairros). Nenhuma instância institucional superior (Conselho Municipal,
Conselho Estadual e Conselho Nacional) terá jurisdição sobre as decisões de competência específica das micro
unidades (Bairros), que juntamente com o suporte jurídico específico garantido em nova Carta Constitucional,
e de nova estrutura representativa, formarão a estrutura Legislativa e Executiva desse novo conceito de Estado
surgido pela federalização das MUG’s.

Para esses e outros fins, uma reestruturação profunda refletirá uma Constituição construída de baixo
para cima, onde o poder, que fundamentalmente é político e econômico, nas unidades geopolíticas será
realmente exercido pelo povo e para o povo. Dando fim ao paternalismo partidário e personalista, que a
ignorância ou a má fé historicamente cuidou de transformar em um sonho, e onde a exclusão social, é uma
gigantesca realidade.

Nesse novo conceito de ação e representação, um complemento importante à formação dos Conselhos
Municipais, Estaduais e Nacional, encontra parâmetros objetivos de controle popular no projeto “O Caminho da
Liberdade”, desenvolvido pelo escritor e um dos fundadores do PTB e do PT do B, Sr. José Barboza da Hora
que, em seu livro “O Caminho para os Anos 2000” (Edit. KroArt, 1996. RJ), onde enfatiza a necessidade de
uma estrutura representativa que instrumentalize o efetivo controle do mandato popular exercido pelos
representantes escolhidos pelo povo.

Através do seu projeto, José Barboza da Hora, dá exemplos importantes do conteúdo que comporia esse
novo Código Eleitoral: “Extinguir a aposentadoria precoce dos políticos (oito anos de mandato)”, “Incluir no
Código Eleitoral Brasileiro o Recall, dispositivo constitucional usado na Suíça e no Canadá onde, após qualquer
corrupção praticada por políticos, eles perdem o mandato”. “Eliminar a prerrogativa dos representantes
estipularem seus próprios salários”, “Os aumentos dos políticos passam a ser regulados pelos mesmos órgãos
que regulam o aumento dos funcionários”. São instrumentos imprescindíveis, que aliados à descentralização
política e econômica para controle popular direto, eliminarão definitivamente o gigantismo burocrático
característico das atuais macro-regiões jurídico-políticas, facilitando o controle sobre a pretensão de utilizarem-
se de representação de interesse público para objetivos pessoais, ou que de alguma forma, se afaste do sentido
específico da representação outorgada.

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Resumindo: o novo materialismo histórico-dialético, cientificamente atualizado, nos indica que, na
Comunocracia Constitucional, o novo sujeito revolucionário é o proletário social, e as novas instâncias
jurídicas e geo-políticas de poder são às Micro Unidades Geopolíticas – MUG.

O fundamento histórico-dialético da descentralização do poder administrativo dos interesses públicos,


reconhece que a sua superestrutura jurídico-política, somente se consolidará, com a superação, também
histórico-dialética, do conceito privado de propriedade dos modos de produção material, historicamente ligado
a formação do sistema econômico capitalista de produção. A superação desse conceito privado de propriedade
dos meios de produção rumo a consolidação jurídico-política do materialismo histórico-político da
descentralização dos interesses públicos, será o nosso próximo desafio.

Isto porque, a descentralização política e econômica ao nível das comunidades organizadas, realizará a
acumulação primitiva dialeticamente necessária ao proletariado, para então por em prática o salto histórico-
qualitativo de sua estrutura produtiva primordial, as cooperativas auto-sustentáveis.

A Base Histórico-Científica da Economia Socialista


Marx observou que, seguindo as determinações do materialismo histórico clássico, a revolução da
economia política se realizaria através da apropriação coletiva dos meios e modos de produção e na
socialização dessas riquezas.

Seguindo esta linha, a Comunocracia Constitucional será a síntese histórica que irá imergir do
conjunto de todos os sistemas políticos e econômicos. Mas para compreender melhor esse princípio que
exponho, precisamos definir alguns parâmetros referentes ao atual sistema capitalista.

A “mais valia” é a diferença entre o que o trabalhador ganha e o que ele deveria receber. E seguindo a
teoria do "valor-trabalho", “o salário corresponde a uma parcela mínima do valor total de cada produto
produzido por cada trabalhador”. Onde a maior parte é apropriada pelo capitalista.

Durante o sistema feudal, em tese, o artesão absorvia o valor total referente à quantidade de trabalho
utilizado na produção, por conseqüência, tecnicamente, não havia expropriação do que poderia se comparar a
uma “mais valia”.

Teoricamente certo, mas na prática, a expropriação econômica existia.

Mesmo não existindo o sistema capitalista, havia um sistema produtivo: o feudal, e 2 (dois)
expropriadores: o monarca e os senhores feudais, que como donos das terras, detinham a propriedade dos
meios de produção feudal. A “expropriação” era exercida através dos abusivos impostos cobrados de toda
cadeia produtiva existente, que de forma efetiva, reduzia compulsoriamente as riquezas da mão de obra dessa
cadeia produtiva. Hoje, a expropriação através de impostos é realizada pelos Estados–nação.

O sistema feudal se financiava através da “apropriação” de parte significativa do que era produzido pela
mão de obra que formava a força produtiva dessa economia. Essa tributação era traduzida em bens e (ou) algum
tipo de moeda corrente.

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Essa tributação no sistema feudal, muitas vezes gerou revoltas sangrentas registradas na história, como
por exemplo: a sobretaxa inglesa sobre o chá produzido em sua colônia ultra marina ao norte da América,
desencadeou uma guerra que levaria a independência dos Estados Unidos da América do Norte do domínio
Inglês; no Brasil, a exploração tributária sobre o ouro produzido Brasil tirou a vida de Tiradentes e desencadeou
a nossa “independência”, além de milhares de outros exemplos.

Desta forma, guardada as devidas proporções, a exploração exercida sobre a mão de obra de um
sistema econômico é uma prática anterior ao sistema capitalista. No sistema capitalista, e em razão da
mecanização industrial, o conceito marxiano de alienação do indivíduo, agravou-se pelas condições de
exploração inicial do trabalho operário (masculino e feminino/ adulto e infantil) e pelo distanciamento da
realização de um exercício prazeroso do labor.

O capitalismo criou uma nova forma de apropriação, através de novos expropriadores.

Na verdade, acumulou-se uma quádrupla exploração econômica da mão de obra produtiva, originadas
pelo: sistema escravista, pelo sistema feudal, pelo sistema capitalista e de forma complementar, pelos antigos e
os atuais Estados-nação.

Portanto, embora possua características próprias, a responsabilidade pela exploração da mão-de-obra


produtiva não é exclusiva do sistema capitalista, mas é a expropriação de qualquer espécie, inclusive a de
Estado, que substituindo os monarcas e os senhores feudais, sobreviveu à queda dos sistemas econômicos
anteriores, e atualmente, explora conjuntamente: o sistema capitalista e a mão de obra ativa e passiva deste.

O Estado é a forma mais evoluída de expropriação em massa que a história já registrou, pois a
expropriação de Estado incide não apenas na historicamente marginalizada mão-de-obra produtiva e de
reserva, mas também, sobre os próprios sistemas econômicos, sobre empregados e desempregados.

Com o institucionalizado repasse pelas empresas dos tributos municipais, estaduais e federais aos seus
produtos e (ou) serviços, mesmo os desempregados, as crianças, os pobres e os que estão abaixo da linha de
pobreza (pois estão excluídos da cadeia produtiva), são tributados ao adquirirem qualquer tipo de produto
industrializado.

Teoricamente, o caráter paternalista do Estado-nação existe para, através da captação de impostos e


taxas, administrar essas riquezas visando “a realização plena dos interesses sociais”.

Mas, a centralização administrativa dessas riquezas - parasitismo histórico do estado sobre a


sociedade, tem servido apenas para criar uma elite que se alimenta dos sistemas econômicos, e indiretamente,
da mão-de-obra que está dentro e fora desses sistemas econômicos.

A força do materialismo histórico dialético, dinamizado pela decadência dos sistemas representativos e
pelos constantes levantes sociais, refletem o desgaste desses centralismos administrativos, hoje travestidos de
Estado nação, que minados pela forma perdulária que administram, se obrigam a buscar desvairadamente
recursos fiscais e tributários, para inutilmente tentar minimizar (quando tentam) a flagrante e distorcida
distribuição da renda e da dignidade humana.

62
Na ânsia de resolver essa distorção, os Estados sobrecarregam as pessoas físicas e jurídicas pela pressão
enorme da carga tributária, agravando cada vez mais a situação.

Paralelamente, a malversação desse volume financeiro que compõe o bolo fiscal e tributário das
instâncias administrativas do interesse público (executivo, legislativo e judiciário), também contribui
desastrosamente para o descrédito definitivo da capacidade administrativa dessas instituições.

Fica bem claro que, o volume financeiro fiscal e tributário historicamente administrado por monarquias
e hoje pelos Estados nação (elites administrativas), é um dos alvos da descentralização administrativa em uma
nova proposta socialista.

De uma coisa temos certeza: conseguir a dignidade social “DENTRO” do sistema capitalista; de um
Estado centralizador da verba pública; no objetivo de reformar a superestrutura jurídica; tentando ao longo
de um espaço indefinido de tempo humanizar o sistema capitalista, é defender a revolução socialista como
utopia partidária ou demagogia eleitoreira. É condenar a maior parte da mão-de-obra produtiva do país ao
alvedrio irresponsável de um sistema econômico excludente e de uma forma caricata de administração do
interesse público (municipal, estadual e nacional).

Seria possível iniciar uma revolução econômica socialista “FORA” do sistema capitalista, sem perder
de vista a necessidade histórica da utilização do próprio sistema capitalista como berço evolucionário dos
pressupostos de sua própria superação?

Com toda segurança, posso adiantar que: a base embrionária que irá estruturar a evolução e
desenvolvimento do sistema econômico socialista já se desenvolveu à séculos, mas repousa inerte e inofensivo
ao sistema capitalista. Veremos isto mais adiante.

Teoria dos sistemas de Revolução Paralela


Sem a criação do sistema pré-capitalista, conseguiriam os burgueses forçarem o sistema feudal a mudar
sua prática econômica secular?

A revolução burguesa não foi um procedimento econômico cuja gestação conviveu paralelamente ao
sistema feudal?

Não foram através dos burgos, com seus centros comerciais estrategicamente localizados, e não nos
feudos, que se desenvolveram as cidades pré-capitalistas?

Desenvolvendo paralelamente esse novo sistema econômico, os burgueses não possibilitaram o desgaste
e posterior estrangulamento do sistema feudal a ponto de ruptura?

Essa não é a razão sobre a qual o materialismo histórico dialético explica o processo de construção da
revolução burguesa?

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E a revolução de um sistema econômico sobre outro é o que chamo de Teoria dos Sistemas de
Revolução Paralela. Pois mesmo quando a história demonstra que o desenvolvimento e evolução do novo
sistema seja condicionado pelas limitações produtivas dos sistemas originários, os novos sistemas se
desenvolveram paralelamente e FORA deste, ou seja, no âmbito das transformações econômico-sociais. Essas
transições foram revolucionárias porque representam um movimento dinâmico e efetivo de superação contínua
e qualitativa dos sistemas econômicos emergentes diante dos sistemas originários, dentro do historicismo
dialético de superação dos processos produtivos visando suprir as necessidades de produção e realização
material continuamente criadas e reivindicadas pelos crescentes níveis de demografia.

O capitalismo transformou o sistema produtivo feudal, mas sua evolução desenvolveu-se física (burgos)
e economicamente de forma paralela ao sistema anterior. A visão moderna e cientificamente correta do
materialismo histórico dialético, demonstra portanto que, nenhuma revolução econômica, no sentido de
superação sistêmica, foi realizada através de uma ruptura abrupta, porém, de maneira gradual e irreversível.

Confirmando a análise de Gorender: (...) os elementos principais de que carece o poder socialista já
devem existir previamente sob forma capitalista. (...) Sendo assim, as relações de produção socialista deverão
ser construídas a partir dos elementos fornecidos pela economia capitalista e amadurecidos dentro dela. Será
rigorosamente indispensável afastar idéias utópicas e pisar com firmeza no chão da realidade concreta (Jacob
Gorender, Marxismo sem utopia, Editora Ática/1999, pg.254,255 ).

A Teoria dos Sistemas de Revolução Paralela, explica também uma observação de Carlos Nelson
Coutinho: “(...) a Democracia Socialista pressupõe, por um lado, a criação de novos institutos políticos que
não existem, ou existem apenas embrionariamente na democracia liberal clássica; e por outro, a mudança de
função e alguns velhos institutos liberais”. (A Democracia como Valor Universal, Ed. Salamandra, 1984, 2a ed.
Pag. 26 ).

Carlos N. Coutinho citou que esses novos institutos políticos existem embrionariamente, e não que
existiram ou existirão. Não são conhecidos, mas de alguma forma existem embrionariamente.

Portanto, a cientificidade do materialismo histórico dialético exige que, esses novos institutos políticos
originários do capitalismo e indispensáveis para a construção da Revolução Socialista, sejam tão
embrionários no sistema capitalista quanto os institutos econômico indispensáveis para a construção de uma
nova Economia.

Teoria da Concorrência nos Sistemas Revolucionários


Marx havia concluído pela necessidade da superação sistêmica, em razão da expropriação realizada pela
propriedade privada dos meios de produção existente na base do sistema capitalista.

Acontece que, dialeticamente, a contribuição marxiana gera a consciência da exploração da mão-de-


obra humana no sistema capitalista. É uma observação da realidade, mas representa apenas um elemento de
conscientização dessa realidade. Por conseqüência, o materialismo histórico e a teoria dos sistemas de
revolução paralela demonstram que, a anulação direta do capitalismo não é em si um fator sistemicamente
revolucionário, pelo contrário, não é cientificamente correta, pois a ruptura abrupta de um sistema econômico,
não conduz necessariamente a superação deste, representa uma ação desprovida de cientificidade porque não
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leva em consideração os pressupostos histórico-dialéticos das superações econômicas nos sistemas produtivos,
de gradualidade ( tempo) e irreversibilidade da função revolucionária.

A dialética materialista da história demonstra que, a verdadeira revolução no instituto econômico e


político precisa nascer e evoluir paralelamente ao sistema econômico originário. E em seu desenvolvimento, o
novo sistema coexiste com o sistema originário, para que quando haja a ruptura e a superação definitiva,
nunca exista retorno (nomadismo, sistema de castas, escravismo ou feudal). Uma ruptura e superação não pela
anulação direta (ruptura abrupta), mas pela criação paralela de um novo sistema econômico e político, e que
tenha a dinâmica sistêmica qualitativa, realizando uma forma superior de socialização das forças produtivas.

É reconhecido o fato de que, com a abolição da servidão feudal, tem início a produção do capitalismo
primitivo, mas com a expropriação dos pequenos camponeses independentes, aumenta consideravelmente a
mão de obra disponível para a alavancagem definitiva do sistema de produção capitalista.

A burguesia, com o investimento necessário garantido por um processo de acumulação primitiva de


riquezas, criou um sistema econômico paralelo ao sistema feudal (Teoria dos sistemas de revolução paralela),
mas com grande poder de concorrência ao sistema anterior (Teoria da concorrência nos sistemas
revolucionários), captando a mão de obra produtiva compulsoriamente disponível, pois esta, além de serem
expulsas de suas terras, eram impedidas pelos mestres artesãos (que escolhia a dedo os seus membros) de
adentrarem nas Corporações de Ofício.

A adesão da mão-de-obra feudal ao novo sistema (capitalista), mesmo sendo altamente explorada,
possibilitava o ganho de capital que independia das intempéries do campo e de todas as inconveniências
decorrentes, portanto, mesmo mal remunerados e lutando contra isso através das associações de trabalhadores,
independiam das terras, das Corporações de Ofício e da exploração do senhor feudal. Aos poucos, esse campo
foi sendo deliberadamente abandonado, e assim, foram surgindo as grandes metrópoles.

Anteriormente, eu havia dito que se somou a partir do sistema capitalista, a quádrupla expropriação
econômica da mão de obra produtiva pelos sistemas: escravista, feudal, capitalista e pelos estados nação.

Desta forma, o Materialismo Histórico dialético cientificamente corrigido (livre do determinismo


Cartesiano-Newtoniano), a Teoria dos Sistemas de Revolução Paralela e a Teoria da Concorrência nos
Sistemas Revolucionários, nos ensinam que: uma autêntica Revolução Socialista não terá a sua raiz apenas no
capitalismo, mas na história de todos os sistemas econômicos. E que a luta não é apenas contra o sistema
capitalista, mas é contra a expropriação histórica da mão de obra produtiva, onde o escravismo, o feudalismo,
o capitalismo, e os Estados Nação, representam apenas as suas formas históricas de expressão.

Resumindo: (1) O Estado nação é a forma mais evoluída de expropriação em massa que a história já
registrou. (2) Uma revolução no instituto econômico, precisa necessariamente ser de caráter econômico,
nascer e evoluir paralelamente aos desestímulos lucrativos e produtivos existentes no sistema econômico
originário. (3) O inimigo a ser combatido é a expropriação econômica histórica nos ganhos da mão de obra
produtiva. (4) O sujeito revolucionário é o proletário social. (5) As novas instâncias de poder são as micro-
unidades geopolíticas (os bairros – as demos).

Já temos então pontos historicamente definidos: a razão do combate; o que realmente deve ser
combatido, porque, por quem e aonde. Só nos falta saber, como?

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Para saber-mos como, não há outra forma de saber a não ser perguntarmos ao materialismo histórico
dialético: onde está o pressuposto embrionário nos sistemas econômicos, que condicionará a revolução política
econômica socialista?

Para se chegar a essa resposta, precisamos analisar minuciosamente o materialismo histórico e tentar
identificar esse tal pressuposto embrionário.

O materialismo histórico nos revela também que: a instituição da Unidades Monetárias Sinbólicas como
padrão de valor de troca (tecidos e grãos de cacau dos impérios maia e asteca, cauri e ouro dos reinos da África
ocidental, lingotes de ferro dos hititas, cevada e trigo da Mesopotâmia, trigo e cobre do Egito, milho e tecidos
da China), tranferiu para essas unidades monetárias, um importante valor de troca que havia sido
historicamente atribuído apenas aos produtos agrícolas e artesanais (escambo), criando um suporte monetário
estranho ao processo produtivo. Com a criação dessas Unidades Monetárias Simbólicas, a mão de obra
produtiva perdeu seu status de unidade de valor de troca (sistema escravista), caminhou paralelamente às terras
como unidade de valor de troca (sistema feudal), e posteriormente, na evolução física do dinheiro (moeda de
ouro, prata ou bronze) e com a implantação do sistema capitalista e bancário, a moeda ocupa definitivamente o
status de poder privilegiado de valor de troca.

Portanto, o materialismo histórico está nos mostrando que: seguindo o fluxo revolucionário da história,
a nova Economia Socialista precisa evoluir paralelamente ao sistema capitalista, e para que tenha
instrumentalização econômica revolucionária, uma vez que o proletário social nunca participou do processo
de acumulação primitiva, essa nova Economia Socialista e o proletariado social precisam se apropriar do que
sempre representou poder, o poder financeiro.

Isto porque, nenhuma revolução econômica pode ser iniciada e mantida sem que seus protagonistas
tivessem, por um processo acumulativo, adquirido uma reserva financeira capaz de bancar e manter sob suas
rédeas todo o processo econômico revolucionário, bem como as posteriores riquezas provenientes do
investimento neste.

Embora a reprodução de capital pelo proletário social já seja realizada, através da aplicação de parte de
seus salários de forma especulativa nos fundos de pensão, essa produção de capital nada tem há ver com
socialização de capital, pois além de atender à uma minoria de trabalhadores, apenas gera lucro sobre parte
ínfima retirada do seu próprio salário e investida pelo trabalhador no cassino do capital especulativo e volátil
(capital virtual).

“O capital dos fundos de pensão se tornou, em conseqüência, parte considerável do chamado capital
volátil, que circula pelo mundo em busca incessante de lucros maiores, através da especulação com as
diferenças de cotações das moedas e com as operações de bolsa, o que converte a economia capitalista mundial
num imenso cassino” (Jacob Gorender, Marxismo sem utopia, Editora Ática/1999, pg.123).

A maior concentração de riqueza não especulativa está na centralização econômica fiscal e tributária
exercida pelos Estados Nação (governo federal) e pelas instâncias regionais (estados e municípios). E a
história dos sistemas econômicos demonstra que, as estruturas sociais de poder centralizado sempre detiveram
e ainda detém o domínio pleno desse imenso volume financeiro fiscal e tributário.

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“(...) nos Estados Unidos, o Estado realiza os gastos mais onerosos de P&D, sustenta o ciclo econômico
através das encomendas militares, financia a construção de obras de infra-estrutura, subsidia setores carentes de
rentabilidade e age como emprestador em última instância, que tapa o buraco dos grandes bancos e empresas
industriais. Na Europa Ocidental, o Estado continua a deter poderosos setores de empresas estatais e, através
delas e das sempre volumosas verbas públicas (que chegam a atingir metade do PIB), representa o ator mais
importante e decisivo na atividade econômica. No Japão e nos demais países do Extremo Oriente, o Estado
atuou como Estado desenvolvimentista, fixando metas remanejando os dispositivos de crédito público, dos
subsídios, dos incentivos fiscais e do protecionismo mercantil, para fortalecer a economia nacional. Japão,
Coréia do Sul e Taiwan são evidências desse planejamento incentivador e normativo” (Jacob Gorender,
Marxismo sem utopia, Editora Ática/1999, pg.253,254).

O volume financeiro que compõe o bolo fiscal e tributário dos países mais desenvolvidos é infinitamente
maior do que o conjunto do lucro líquido local das maiores empresas particulares neles existentes.

Isto posto, o materialismo histórico dialético indica que: o volume financeiro fiscal e tributário é o
agente econômico instrumentalizador de competência social histórica para a realização da acumulação social
necessária ao financiamento da Revolução Econômica Socialista, através de sua socialização pela
descentralização administrativa plena desse volume fiscal e tributário.

Não através do paternalismo de um Estado socialista burocrático e centralizador desse volume


financeiro fiscal e tributário, mas, seguindo a linha científica da dialética na materialidade histórica, iremos
abolir as experiências equivocadas pela manipulação de classe na estruturação viciada dos Estados-Nação,
que unilateralmente, administraram poderes com centralização total e parcial, mas desta vez, teremos esse
mesmo volume fiscal e tributário descentralizado e administrado ao nível das micro-unidades geopolíticas
(bairros – demos ) através da descentralização total dessas riquezas

Como essa prática, conseguiremos instrumentalizar economicamente o proletário social, historicamente


alijado da acumulação primitiva, adquirindo poder de compra de parte considerável da propriedade privada
da terra e de outros meios de produção. A partir deste momento, através da acumulação social do bolo fiscal e
tributário, o proletário social terá a instrumentalização histórico-dialética necessária para a superação do
sistema individualista de propriedade dos meios de produção (capitalismo). Esse salto qualitativo do sistema
individualista para o sistema coletivista de propriedades dos meios de produção, excluída qualquer
inexorabilidade histórica, potencialmente poderá ser realizado por um sistema econômico-social que,
curiosamente, convive há séculos com o sistema capitalista, mas cujo potencial revolucionário permanece
adormecido, aspecto que, a seguir, iremos analisar.

Como ocorreu nas revoluções econômicas anteriores, esse novo sistema produtivo que irá se
desenvolver paralelamente ao sistema capitalista (teoria dos sistemas de revolução paralela), deverá ter a
capacidade de produção e remuneração da mão de obra em índices extremamente superiores a remuneração
de mão de obra do sistema capitalista. Estabelecendo uma competição ao sistema originário (capitalista),
difícil de ser suplantada (Teoria da concorrência nos sistemas revolucionário).

Ou o sistema capitalista abre mão de uma parte extremamente maior de seu lucro (mais valia) e
remunera satisfatoriamente sua mão de obra produtiva, ou perde rapidamente essa mão de obra produtiva
para esse novo sistema (teoria da concorrência nos sistemas revolucionários). Como o sistema capitalista
nunca abrirá mão o suficiente de seus lucros para superar essa nova competição sistêmica, a ruptura será

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gradual e irreversível. E através do tempo, com a superação técnica e prática do ultrapassado sistema de
remuneração capitalista, a propriedade da terra e dos meios e modos de produção, em volume cada vez mais
significativo, cairá nas mãos do irresistível poder de compra do novo Sistema Econômico Socialista.

Para que o potencial competitivo desse novo sistema tenha uma estrutura revolucionária, fundamento da
dinâmica quântica do materialismo histórico-dialético, essa competitividade não pode se restringir apenas a
capacidade de pagar maiores salários. Esse potencial competitivo da máquina produtiva que irá imergir, deve
incorporar não apenas a ciência e a tecnologia em todos os níveis específicos de sua atuação, mas
principalmente, a competitividade histórica das próprias estruturas produtivas em uma economia, pois essa
competitividade age como uma peneira da competência administrativa na atividade comercial pela conquista do
mercado. Mas que desta vez, pela sua autonomia financeira, qualitativamente acrescida por uma remuneração
satisfatória dessa força produtiva conquistada pela acumulação social do bolo fiscal e tributário, e sedimentando
a estrutura de uma competitividade produtiva e administrativa, esta nova economia é qualitativamente superior
à estrutura de remuneração da mão de obra do velho sistema capitalista, que de forma preponderante, remunera
a força produtiva através apenas de parâmetros da oferta e da procura dessa mão de obra e, como essa oferta de
mão de obra - principalmente nos países do 3o mundo é sempre superior a demanda de postos de trabalho, a
remuneração dessa mão de obra perde valor no mercado.

É importante ratificar que, quando insisto na importância da descentralização econômica, não estou me
referindo ao capital proveniente da atividade capitalista, me refiro a descentralização do potencial econômico
acumulado na atividade fiscal e tributária. Que em termos concretos, tem responsabilidade constitucional,
historicamente não aplicada, de libertar as sociedades das mazelas que foram decorrentes dos Estados
centralizadores de atividades fiscais e tributárias, que aplicam esses montantes financeiros na direção oposta
aos interesses sociais (com raríssimas e paternalistas exceções).

O que estou demonstrando prende-se ao fato de que, se o capital acumulado pela economia fiscal e
tributária for administrativamente descentralizado, representará uma opção concreta para resgatar o pleno
exercício administrativo na satisfação dos interesses primários, que objetiva anular a extensão dos efeitos
desastrosos que a história mundial tem registrado nos mais variados exemplos de malversação do dinheiro
público, que através de indivíduos ou grupos, intencionalmente ou não, no lugar de promoverem o devido
retorno da verba fiscal e tributária à plena realização dos interesses públicos, tratam os contribuintes como
máquinas de gerar imensos e fáceis recursos para serem geridos por estruturas incompetentes de Estado, já
agonizantes, inoperantes e ultrapassadas pelo avanço histórico-dialético representado pela acumulação social
dessa economia fiscal e tributária através de descentralização administrativa, que será então gerida pelos
detentores do interesse direto e vital na correta aplicação desses recursos.

O que as conclusões do socialismo científico clássico e o socialismo real defenderam e defendem, tem
sido a histórica centralização e exploração pelo Estado da estrutura produtiva da economia, e exatamente
como nos Estados capitalistas, manter centralizada a economia fiscal e tributária. E as populações,
continuaram e continuam como sempre, distantes e perigosamente dependentes do histórico paternalismo de
Estado.

Na verdade, quando o contribuinte paga seus impostos e os benefícios prometidos e constitucionalmente


estabelecidos não são realizados, trata-se da institucionalização do estelionato de Estado. Manter centralizado
esse imenso volume fiscal e tributário nas mãos das estruturas nacionais e regionais desse Estado estelionatário,

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é delegar ao centralismo de Estado (democracia republicana) a responsabilidade de dirimir as mazelas sociais
decorrentes do estelionato que esse mesmo Estado historicamente proporciona.

Sabemos também que: a apropriação compulsória e malversada do bolo fiscal e tributário é anterior ao
surgimento do capitalismo, e sempre se concentrou nas mãos escorregadias das estruturas historicamente
centralizadas de poder.

Por essa razão, a descentralização administrativa desse volume fiscal e tributário, historicamente,
nunca interessou a nenhuma estrutura centralizada de Estado, nem no sistema escravista, feudal ou capitalista,
nem no socialismo real.

É importante observar que o mercantilismo é tão antigo quanto a própria história, mas a tecnologia
científica revolucionou e o transformou o mercantilismo no sistema capitalista que conhecemos. Sabemos que
a conduta moral e social não faz parte do balanço das empresas, mas a industrialização ( produção em larga
escala) foi a principal responsável, queiramos ou não, em todos os níveis, pelo desenvolvimento técnico e
científico de nosso tempo, e através de uma concorrência efetiva, foi também responsável pelo barateamento
de boa parte da tecnologia e dos produtos fabricados beneficiando o consumidor. Por esse aspecto, conforme o
próprio Marx reconhece no Manifesto Comunista, o capitalismo cumpre o seu papel revolucionário histórico.
Mas é evidente que foi sempre o interesse lucrativo e não o social que permeou esse desenvolvimento, pois
representa o fundamento histórico e orgânico da estrutura capitalista.

Insistir na extinção repentina ou na responsabilidade social do capitalismo, significa exercitar um


discurso se não demagógico, no mínimo analiticamente equivocado, porque embora a economia capitalista
esteja concentrada nas mãos de poucos, a economia fiscal e tributária, que representa um volume financeiro
muito maior, também é historicamente concentrada nas mãos de poucos. A diferença está em que, a economia
fiscal e tributária tem um vínculo legal, real e imediato com o interesse social pleno, e ao mesmo tempo,
representa a síntese histórico-dialética de acumulação social primitiva, que irá superar o conceito clássico de
Estado, diferentemente, do fundamento teórico e prático da economia capitalista.

Portanto, tecnicamente falando, a economia fiscal e tributária tem a total responsabilidade e


competência histórico-científica para gerir de forma plena os interesses produtivos da sociedade na
Comunocracia Constitucional (coletivo-social), e a economia no capitalismo privado, tem responsabilidade e
competência apenas para gerir os interesses comerciais e lucrativos do indivíduo na produção de seu capital
produtivo e especulativo.

O dinheiro público acumulado em decorrência da atividade fiscal e tributária e a economia capitalista


têm interesses objetivamente antagônicos, prioridades e responsabilidades adversas e irreconciliáveis, não
reconhecer essa realidade é incorrer num equívoco intransponível de interpretação do materialismo histórico-
dialético, da própria realidade e do rumo histórico do Socialismo.

Portanto, o conceito histórico-científico correto de descentralização econômica é da economia fiscal e


tributária (acumulação social primitiva), praticada secularmente e de forma predatória pelos Estados
Nacionais, onde se incluem os estados regionais e municípios, com suas estruturas de poder também
administrativamente burocráticas e centralizadoras do interesse público.

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A dependência da ética, da moralidade e da representatividade paternalista, é substituída pela
descentralização política, econômica (fiscal e tributária), e pela reestruturação do sistema representativo, que
através da Comunocracia Constitucional, transforma a utopia democrática em realidade social, através de
uma interpretação correta do materialismo histórico-dialético.

É importante salientar que em meus estudos, observei o que chamo de Teoria do conceito de primário e
secundário nas dinâmicas revolucionárias da história. Essa teoria significa que diante do caráter revolucionário
de circunstâncias que determinaram profundas transformações sociais, como por exemplo: insurreições
políticas, aperfeiçoamento das normas jurídicas, das artes, da música, da literatura, dos movimentos sociais,
etc., são revoluções secundárias (reversíveis), somente as forças da natureza, a ciência e os sistemas
econômicos conseguem realizar as revoluções que chamo de revoluções primárias (irreversíveis).

Como transformar a descentralização política e econômica (revolução secundária) em mola propulsora


da superação do sistema capitalista (revolução primária), cuidaremos mais adiante, no desenvolvimento de um
novo conceito da Economia Socialista, no tema: A 2a Revolução.

3a Parte:

A REPRESENTATIVIDADE
NA COMUNOCRACIA CONSTITUCIONAL

Seria de extrema ingenuidade acreditar que as atuais estruturas executivas e legislativas se


sensibilizariam o suficiente com a proposta apresentada, a ponto de abrirem mão da viciada estrutura existente e
de poderosos interesses que nestes níveis imperam. Na verdade, a superação histórico-dialética dos conceitos
clássicos de Estado, baseada no Princípio da Indeterminação ou da Incerteza de Heisemberg, da
Complementaridade de Niels Bhör, e da Teoria do Caos de Lorenz, transcende os limites deterministas e
centralizadores do clássico conceito Cartesiano-Newtoniano de Estado, redimensionando uma proposta
Socialista nova de Democracia que extingue a figura centralizadora dos prefeitos, governadores, presidente da
república, vereadores, deputados estaduais, federais, senadores e, conseqüentemente, das aberrações
econômicas e políticas decorrentes dessa estrutura administrativa da representatividade popular. Desse
sistema representativo inicialmente importante, cumprindo o seu papel histórico de banimento do
hereditarismo monárquico, mas que o tempo, desgastou pela incompetência, burocracia e má fé proveniente
dos vícios históricos da personalidade humana, e hoje, esse sistema representativo clássico expõe uma
estrutura histórico-dialética institucionalmente falida e agonizante.

Por outro lado, cada micro-unidade geopolítica terá seus interesses intimamente representados nos
Conselhos de Administração Municipal; onde cada município estará individualmente representado nos
Conselhos de Administração Estadual; e cada estado estará representado no Conselho de Administração
Nacional. Sem condições de administrarem de forma centralizada verbas fiscais e tributárias astronômicas,
essas instâncias institucionais não estariam mais divididas por interesses individuais, corporativos ou pelas
inúmeras facções partidárias que, até então, representavam a única forma de, num futuro indeterminado,
chegarem ao poder central através de um questionável compromisso ético e moral de atender paternalmente
aos anseios dos sobreviventes.

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Na verdade, em última instância, a luta de classe é apenas a exteriorização do sintoma decorrente de
uma patologia jurídico, política e econômica, criada pela ausência histórica do domínio pleno do poder popular
sobre as estruturas policlassistas de administração do interesse público, administrativamente centralizadas.
Populações inteiras foram e são subjugadas por degeneradas teorias de Estado e de Democracia, lacuna
fundamental do Capitalismo de Estado e do Socialismo Real. Que através da manipulação das fontes
provenientes da estatização do montante financeiro fiscal e tributário, se esconde atrás de um exercício
pernicioso de um conceito de “democracia” que historicamente institucionaliza a miséria, e forma através de
uma legião de miseráveis, um exército permanente de reserva de mão-de-obra de baixo custo,
propositadamente assim mantidos pela exclusão criminosa de seus minguados e demagógicos “direitos
constitucionais”.

O que significa poder político: É o poder de decidir e direcionar o atendimento do interesse público ou
pessoal?

E onde está o poder?

No poder executivo que centraliza a renda Municipal, dos Estados ou do país?

Ou no Poder Legislativo, que tem a responsabilidade de supervisionar as prioridades sociais do dinheiro


público?

Na verdade, a palavra e o sentido atualmente conhecido do termo poder, somente existe porque
historicamente, o interesse social dos excluídos sempre se submeteu a figura do representante nomeado ou não
para realizá-lo, ao nível executivo, legislativo e judiciário. Mas, quando a própria sociedade o tem sob seu
controle e administra diretamente na realização dos seus interesses, o poder é exercido por ela própria, e a
palavra poder perde o seu sentido historicamente conhecido. Isto porque, essencialmente, o poder não delega
a si próprio. O representante não deve possuir o poder, mas apenas representá-lo em questões secundárias
(institucionais) e não primárias (necessidades básicas objetivas e subjetivas). Porque, ao contrário do conceito
correto, o representante popular administra questões principalmente primárias e não apenas secundárias. E
quem delega o seu poder de realização de interesses primários, na verdade deixa de ter o poder principal e
fundamental de realização das necessidades humanas básicas. E o que chamamos constitucionalmente hoje de
“democracia” (“poder” do povo), ou seja: o sufrágio universal, direito de ir e vir, de reunião, privacidade, etc...,
que embora sejam extremamente importantes, são direitos inalienáveis, mas não o poder. O poder prescinde de
autonomia para decidir, individualmente ou em grupo, principalmente sob o aspecto da realização das
necessidades primárias que determinam as condições de sobrevivência e dignidade humana (alimentação,
saúde, educação, habitação, etc.).

O objetivo da Comunocracia Constitucional é devolver à sociedade o poder que historicamente lhe foi
usurpado pelas elites, e conseqüentemente lhes restituir a autonomia para decidir sobre os meios e a forma de
resolver suas questões fundamentais.

Culturalmente, quando se fala em democracia, significa de uma forma geral, o sentido restrito e
contrário à ditadura. No entanto, democracia tem um sentido muito mais amplo, significa muito mais do que
uma contraposição à ditadura. E quando normalmente nos referimos ao sufrágio universal como capacidade de
representação do poder de decidir sobre nossos interesses primários e secundários, na verdade transferimos o
poder para um indivíduo (o representante), que muitas vezes, representam os lob’s econômicos e políticos

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internos, ou até mesmo de outros interesses e instituições externas (FMI, multinacionais, etc.). Na verdade, o
que fazemos, é de forma compulsória e “constitucional”, abrir mão da autonomia administrativa de nossos
mais fundamentais interesses, isto porque historicamente fomos excluídos do exercício do poder de escolher, de
priorizar, de decidir (Autodeterminação Individual Primitiva).

Democratizar significa fundamentalmente descentralizar o poder, e dessa forma, o ideal socialista


exclui seu principal inconveniente, o idealismo estéril da pseudo-cientificidade. Desta forma, o historicismo
dialético supera a teoria socialista clássica da tirania necessária e se consolida cientificamente. Descentralizar
o poder significa descentralizar a política e a economia fiscal e tributária (acumulação social primitiva).
Descentralizar a administração política e econômica, ao nível das micro-unidades geopolíticas (bairros),
significa o resgate basilar da cidadania plena, significa instaurar o poder de captar recursos, deliberar, e
principalmente o poder de exercer o poder executivo nas comunidades organizadas.

A Comunocracia Constitucional,demonstra que a exclusão social e suas conseqüências, expõe um


conceito parcial de democracia. E essa parcialidade é conseqüência histórica de uma práxis confusa e
indefinida, que na verdade, prescinde da elaboração de um sistema específico e do seu exercício incondicional,
garantida por uma estrutura descentralizada e pela sua normatização constitucional. E desta maneira,
demonstrar que a democracia, na forma desfigurada e caricata que sempre foi aplicada, representa um sonho
da qual a história do capitalismo de Estado se alimenta e um socialismo cientificamente equivocado perpetuou.

Corretamente, quando se analisam as questões geradoras das desigualdades sociais, questionam-se as


estruturas econômicas e políticas do poder e as pessoas e instituições que detêm o domínio sobre os meios de
efetivação dos direitos fundamentais, ou seja, daqueles que promovem as injustiças sociais. No entanto, quando
um indivíduo suprime os direitos de outro, também promove a combatida desigualdade, ignorando os mesmos
direitos fundamentais reivindicados por ele.

Portanto, a reorganização da estrutura do poder político e econômico, ao nível das micro-unidades


geopolíticas, passa obrigatoriamente pela descentralização judiciária no mesmo nível proposto às outras
formas de poder, isto é, pela democratização do Direito Positivo, devidamente adaptado à Comunocracia
Constitucional e estrategicamente disseminado nas estruturas de base.

O Estado Comunocrático

R ecorrendo a Miguel Reale, eminente jurista, filósofo,


escritor profícuo e fundador do Instituto Brasileiro de Filosofia, subscrevemos: “Não nos
organizamos para suprimir a liberdade, mas para socializar as liberdades. (...) Realizar o direito, é pois,
realizar os valores de convivência, não deste ou daquele indivíduo, não deste ou daquele grupo, mas da
comunidade concebida de maneira concreta, ou seja, como uma unidade de ordem que possui valor próprio,
sem ofensa ou esquecimento dos valores peculiares às formas de vida dos indivíduos e dos grupos. Quem
deseja penetrar fundo na compreensão do conceito de Estado não pode deixar de partir da consideração do
indivíduo de um lado e, de outro, do estudo das características especificado que designamos com o termo

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sociedade. Isto porque o Estado não existe como simples revestimento da sociedade, (...) mas, sim, como
expressão tanto de valores individuais como de valores sociais, (...)”.

Continuando no universo dos grandes pensadores e juristas brasileiros e dissertando sobre um novo
conceito de Democracia, Pontes de Miranda destaca: “O nosso horror do artificialismo deve inspirar-nos a
energia suficiente para exigirmos não a simples forma democrática, com que se pode enganar o espírito
público, mas a função democrática, que é a concretização de um plano, em vez da frívola mudança de vestes
políticas. Pela primeira vez, em lugar do mel mirífico das palavras e dos princípios, a humanidade tem sede de
Real” (“A sabedoria da Inteligência”, O.L., p. 195).

Na Comunocracia Constitucional, os conceitos de Estado e de democracia são profundamente


redimensionados. Isto porque historicamente, a extensão da práxis de liberdade, ou sua total ausência, está
diretamente vinculada aos conceitos de Estado e sua micro e macro-estruturas, econômicas e sociais.

Quando o conceito de cidadania é ampliado e priorizado, o interesse das massas atinge de morte o
conceito centralista de Estado. As revoluções civis são inevitáveis devido a esse antagonismo de classe, que
põe em risco os interesses das elites desenformadas e protegidas pelas tetas suculentas da centralização
política e econômica da máquina administrativa da União, dos Estados Regionais e dos Municípios.

Isto porque o capitalismo de Estado defende um conceito que chamou de democrático (democracia
capitalista), mas é bastante claro que às liberdades neste conceito de Estado somente estarão asseguradas,
enquanto os interesses econômicos envolvidos não sejam ameaçados. Sobre esse assunto, e ainda recorrendo a
Pontes de Miranda, temos a seguinte expressão; “O individualismo capitalista (...) não é compatível com a
organização superior de vida. O parasitismo conduz inevitavelmente à criação de uma classe que desfruta
todos os gozos e de outras que consomem pouco e nada possuem”.

No capitalismo de Estado, o conceito de liberdade (democracia), é fundamentalmente vinculado às


liberdades provenientes das liberdades comerciais. As liberdades individuais e coletivas não podem ameaçar
esses conceitos, mesmo que a exclusão social atinja milhões de seus “cidadãos”. Torna-se evidente que o
conceito de democracia (liberdade) no capitalismo de Estado, prioriza ideológica e fundamentalmente o
capital e não o social. Desde que a economia esteja estável, a balança de pagamentos controlada e os créditos
externos liberados, a miséria e a exclusão social, em um futuro indeterminado, se Deus quiser, possivelmente
poderão ser minimizados. Este é o conceito de democracia no capitalismo de Estado.

Reforçando esta tese, Hermes Lima, patrimônio cultural de nosso país, esclarece: “Falou-se de um
‘capitalismo científico’ destinado a corrigir os defeitos do ‘capitalismo primário’ e do ‘secundário’. Estes dois
últimos, o primário e o secundário teriam sido incompletos, egoístas, individualistas, sem escrúpulos. Ao
‘capitalismo científico’ caberia a tarefa de reparar todos esses defeitos (...) Mas não tardou a crise. (...) E ao
contrário do que afirmavam os teóricos do ‘capitalismo científico’, a proletarização aumenta, enquanto os
benefícios e os lucros mais do que nunca se acumulam. (...) Também na república as máquinas eleitorais
manipulam a seu arbítrio os candidatos e distribuem entre os mesmos postos e cargos, ficando o povo reduzido
a mero símbolo constitucional”.

Na obra “O Brasil de minha geração” (General A. de Lyra Tavares, Biblioteca do Exército Editora,
RJ, 1976, págs. 254, 255), são citados comentários do Professor Paulo Bonavides, que desenha concretamente
uma realidade ainda atual: “A massa postulante e analfabeta, que antes de reivindicar o voto reivindica o pão,

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é realmente infra-estrutura humana de difícil acomodação ao modelo ocidental de democracia. Esta, em seus
mecanismos liberais de proveniência européia, chega ao porão da sociedade como imposição ininteligível das
elites dirigentes. (...) democracia que somente as elites desfrutam”.

Quando Ralf Dahrendorf (“Reflexões sobre a revolução na Europa”, Nova York, E.U.A, 1990, pág.
143), escreve: “A história de alguns países transformou-se num cemitério de Constituições”, retrata fielmente a
realidade brasileira. A Constituição de 1824 afirma que “todos os poderes são delegações da Nação”, mas a
existência do poder moderador anula esta afirmação. O governo será monárquico, hereditário, constitucional e
“representativo”. É criado o voto censitário. Só aqueles com renda superior a 200 mil réis por ano podem ser
eleitos deputados; o cargo de senador vitalício será ocupado por aqueles que possuem renda anual superior a
800 mil réis. Não podem votar os menores de 25 anos, os escravos e libertados, os religiosos, os serviçais, os
sentenciados pela justiça comum e as mulheres. Esta Constituição sofre várias reformas: em 1832, 1834, 1840
e 1841. Seu período de vigência é de 65 anos, o mais longo da história do país. A reação descentralizadora
inicia-se com o regime republicano em 1889.

Na Constituição republicana, promulgada em 1891, o processo de descentralização da política e da


economia dá aos Estados relativa autonomia e prevê-se também a autonomia municipal. Essa Constituição é
reformada em 1926, no governo Arthur Bernardes, e sob a vigência de estado de sítio. É substituída pelo
decreto número 19.398, de 11/11/30, que institui o governo provisório da “Revolução”.

A Constituição Liberal, promulgada em 1934, institui a ditadura Vargas. No entanto, em 1937, Getúlio
Vargas fecha o Congresso, abole essa Constituição e torna-se ditador absoluto. Copia a Constituição Fascista da
Polônia e a portuguesa de Salazar, e em 10/11/37, outorga outra Constituição para justificar seus atos
ditatoriais, que ficou conhecida como a “Constituição Polaca”. Não é realmente aplicada, governa através de
decretos-lei. Sofre 21 alterações, onde leis constitucionais são editadas ao sabor dos caprichos e necessidades
do ditador.

A Constituição de 1946 anula a descentralização administrativa limitando a autonomia de estados


regionais e municípios, concentrando o poder no governo federal. Esta Constituição sofre 20 emendas, algumas
antes e outras depois de 1964, além de 36 atos complementares, durante o governo do Marechal Castelo
Branco. E a ditadura está de volta.

Após o golpe militar de 1964, o Marechal Castelo Branco encomenda uma nova Constituição ao seu
“Ministro da Justiça”, no entanto, em razão da insatisfação explícita quanto a submissão imposta pelos
militares, é dado um golpe dentro do golpe, e o congresso é fechado, suspensa todas as garantias constitucionais
através do AI-5. E, como uma profunda emenda constitucional, é outorgada a Carta de 1967. Embora o
congresso tenha sido fechado, ironicamente, a Constituição de 1967, em seu início, diz o seguinte: “O
Congresso Nacional, invocando a proteção de Deus, decreta e promulga a seguinte Constituição da República
Federativa do Brasil...”. Elimina definitivamente a descentralização, ao mesmo tempo cassando a autonomia e
consagrando a intervenção nos estados e municípios. Institui-se no Brasil um Estado ditatorial em sua mais
pura concepção, contraditoriamente, um libelo a um totalitarismo tão criticado pelos seus autores quanto aos
métodos utilizados pelos revolucionários comunistas. A Constituição Militar de 1967, em termos de alterações,
excede a qualquer outra na história do Brasil. Além dos atos institucionais e complementares, seguiram-se 24
emendas constitucionais até o fim do governo do General Figueiredo, quando são editados mais de 2000
decretos-lei.

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Esse panorama histórico, evidencia uma resistência temporária ao processo histórico de centralização
política e administrativa, que em sua fase mais ousada criou apenas as macro-unidades geopolíticas, como os
Estados regionais e os Municípios.

O vício histórico da centralização política e econômica se incorpora a concepções de Estado que


vulneram o sistema representativo na proporção de sua vinculação a interesses parasitários. Essa vinculação,
por sua vez, prescinde de um paternalismo moral e eticamente falido, na qual a massa histórica dos excluídos
não pode mais depender.

A Comunocracia Constitucional não pretende apenas uma reforma tangencial na estrutura macro-
administrativa. Propõe uma nova práxis de Estado e de representatividade política, pretende resgatar o poder
aos seus desprovidos, mas verdadeiros donos (os contribuintes).

A Comunocracia Constitucional significa a descentralização econômica, política e administrativa em


seu mais alto grau de desmembramento, como já foi dito antes, dois (2) níveis acima do indivíduo e um (1)
nível acima da família. A Comunidade de Bairro se torna constitucionalmente como micro unidade geopolítica.
Uma vez que o as novas micro-unidades geopolíticas (bairros), representam as bases geográficas da nova
práxis socialista de administração direta.

É importante fazermos a distinção entre os excluídos crônicos, temporários e os permanentes. A


exclusão crônica é aquela perpetuada por comunidades miseráveis (analfabetos e sem qualificação
profissional), pela impossibilidade total de superar essa miserabilidade. A exclusão temporária é característica
daqueles que, através do desemprego estrutural, perderam seus empregos por um período indeterminado de
tempo e se vêem impossibilitados de pagar suas dívidas familiares ou individuais como moradia, alimentação,
vestuário, lazer, etc. Os permanentemente excluídos são aqueles em que esse desemprego estrutural, por um
tempo longo demais, lançou-os na miséria, na desagregação familiar e na deterioração social em massa.

De acordo com o professor e Prêmio Nobel de Economia, Paul Samuelsom: “As leis econômicas do
mercado são implacáveis, elas não têm coração, não sentem remorso”, e o maior desafio está em promover o
“desenvolvimento com dimensões humanas”.

Fica bastante claro que a resolução das questões provenientes da exclusão social, nunca estiveram
previstas nas leis de mercado. Portanto, quando os defensores do capitalismo de Estado divulgam que: o
controle da balança de pagamentos, o superávit da balança comercial, o pagamento ininterrupto da dívida
interna e externa, a longo prazo resolverão a questão do desemprego e da miséria, a resolução do problema da
exclusão social não passa de demagogia ou ignorância.

O exemplo dos E.U.A. convive com 30.000.000 de pobres e 7.000.000 de sem teto. Esta aparente
contradição se explica pelo fato de que, a capacidade de absorção de mão-de-obra do mercado de trabalho é
limitada em relação direta ao índice demográfico nacional e internacional, onde até mesmo as migrações
internas e externas na busca de melhores condições de vida, inviabilizam qualquer pretensão de “pleno
emprego”, ou muito menos que supere o número de mão-de-obra disponíveis no mercado de trabalho, fato que,
em muito contribuiria para aumentar a remuneração dessa mão-de-obra. Mas como na esmagadora maioria
dos países, a quantidade de postos de trabalho é infinitamente inferior ao volume de mão-de-obra disponível, a
paridade mão-de-obra – postos de trabalho é sistêmica e estruturalmente impossível. Uma vez que a
preocupação com as questões sociais não faz parte das leis de mercado, a inclusão nesse minguado mercado

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de trabalho e o aumento do poder aquisitivo do trabalhador fica dependente de uma minoria parlamentar, das
pressões sindicais (que se enfraqueceram ao longo do tempo), ou da magnanimidade paternalista dos mais
sensíveis.

Na verdade, os atendimentos às questões sociais não podem depender de paternalismo de nenhuma


espécie. A descentralização política e econômica ao nível das micro unidades geopolíticas significa
redirecionar o poder aos seus verdadeiros donos, excluídos historicamente deste exercício.

Naturalmente, o objetivo da descentralização aqui proposta visa promover a administração direta dos
interesses estruturais locais e imediatos nas micro-regiões, sem o centralismo burocrático das instâncias
executivas dos três níveis de governo (municipal, estadual e nacional) e as manipulações do paternalismo
político-partidário tradicional.

No entanto, como a descentralização política e econômica contribuirá na busca das soluções sobre as
macro-questões como desemprego, custo de vida, reforma agrária, comércio exterior, agropecuária,
importações, exportações etc?

Desta maneira, retornamos a observação de Florestan Fernandes, quanto a necessidade de uma


macrovisão estrutural que integre uma proposta realmente séria de desenvolvimento comunitário, e que
objetive de forma concreta, uma democracia revolucionária capaz de contribuir efetivamente para a
construção da Comunocracia Constitucional.

Na verdade, a descentralização política e econômica, ao nível das micro unidades geopolíticas (bairros)
proposta pela Comunocracia Constitucional, revoluciona o conceito de desenvolvimento comunitário, de
Estado e de Democracia. Reflete a descentralização do poder, golpe fatal em qualquer tipo possível de
hegemonia pessoal ou de grupos específicos, fundamento primordial do novo conceito de Democracia
Socialista, realizada estruturalmente através da Mecânica Quântica descrita pelo Princípio da Indeterminação,
da Complementaridade, e da Teoria do Caos, como base científica aplicada à dinâmica histórico-dialética.

Esse nível de descentralização política e econômica não significa a exclusão do sujeito nacional
(Nação). A Comunocracia Constitucional, inclui a definição de uma nova Carta Constitucional. Essa nova
Carta Constitucional, continuará sendo a materialização do Estado como forma jurídico-política, no entanto,
como elimina a individualização do Estado e toda a máquina burocrática que adquire como elemento
centralizador do poder de suprir interesses primários (alimentação, saúde, educação, saneamento básico, etc.),
será mantida a relação jurídico-política (Nação) sem a clássica individualização física do Estado como
centralizador de poder, foco histórico de várias teorias sobre a tirania necessária. Esse novo conceito de
Estado inclui, também, um novo conceito de representatividade política, que conseqüentemente, após
profundas consultas de base, serão responsáveis pela reestruturação de conceitos sobre: produção social de
alimentos, saúde preventiva, redimensionamento da política de impostos e taxas, a soberania nacional e as
forças armadas, qualidade de vida, socialização do desenvolvimento científico, revolução cultural, proteção
ambiental, socialização da terra, política habitacional, e inúmeros outros temas que certamente serão
levantados, e desta vez, por força da descentralização política e econômica, serão democraticamente
analisados.

Portanto, a implementação da Comunocracia Constitucional, além de significar a descentralização do


poder político e econômico, será a única forma de se realizar a reformulação de micro e macro conceitos, com

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a garantia de um exercício verdadeiramente democrático e sem o perigo de uma eventual ditadura estatal,
personalista, de grupo ou grupos.

A Comunocracia Constitucional emancipa o Socialismo Científico, e supre o hiato de uma práxis


administrativa aliada a esse conceito novo: A Democracia Revolucionária (revolução secundária). Ao mesmo
tempo, prescinde de um fortalecimento estrutural e de maximização das Forças Armadas, que nos assuntos de
sua nova competência constitucional, será a única instituição oficial nacionalmente centralizada e fortalecida,
sendo membro permanente, mas hierarquicamente subordinado às deliberações do Conselho de Administração
Nacional, seu órgão supremo. No entanto, um aumento significativo de seus efetivos humanos e aparelhamento
técnico-científico, irá viabilizar uma representação significativa nos limites territoriais mais remotos da Nação
(sob administração do Conselho Nacional) e regionais, já que também será descentralizada e administrada, ao
nível das micro unidades geopolíticas, onde o Conselho de Bairro será o órgão máximo das representações
militares locais.

O equívoco histórico-científico fundamental do socialismo real (Marxismo-Leninismo), reside no fato de


promover reformas econômicas, sem identificar a convergência histórica de uma práxis primordial, que é
anterior aos conflitos de classe, o Princípio da Autodeterminação Individual Primitiva, que reflete uma
convivência simultânea e harmoniosa com a produção econômica ancestral do homem primitivo, perdida pela
sedentarização e sufocada pela crescente sofisticação da economia política e estratégica centralização
administrativa. Que transposta aos tempos modernos através da total descentralização política e econômica ao
nível das micro unidades geopolíticas, se revela como uma prática de convivência de grupo verdadeiramente
democrática, capaz de dar ao povo o poder que verdadeiramente lhe pertence. Confirmando o fato de que, a
primeira revolução é no conceito de Democracia e não de Economia, pois a descentralização econômica, irá
funcionar como uma forma de acumulação social primitiva, assim como a classe burguesa e as anteriores ao
sistema feudal (acumulação individual primitiva) financeiramente se estruturaram para ocupar a vanguarda
das revoluções que se seguiram.

Assim como o capitalismo emergente utilizou como arma esse conceito precário de democracia
representativa republicana para assumir o poder central dos emergentes e atuais Estados Nação, a
Comunocracia Constitucional utilizará o sufrágil universal para transformar o poder central (executivo e
legislativo ) na arma historicamente correta para promover a descentralização definitiva do poder.

Isto necessariamente significa que, a primeira revolução (revolução secundária) inicia-se dentro do
próprio movimento socialista, redimensionando seus próprios conceitos sobre Estado, poder e democracia
(Comunocracia Constitucional), e materializa-se na implementação ao nível nacional desses conceitos (fase
revolucionária que realiza a atual utopia democrática). E a segunda revolução (revolução primária) se dará
na economia política, finalmente discutida e ratificada constitucionalmente pela própria sociedade. Desta vez,
pelo povo, e para o povo.

A fase inicial da primeira revolução transforma a teoria socialista científica na maior ameaça já
imposta ao capitalismo de Estado. Atinge diretamente o seu maior elemento de sustentação, a utopia
democrática da “Democracia Capitalista”, pois essa democracia socialmente predatória que historicamente
realiza é seu ponto mais fraco. E a Comunocracia Constitucional atinge exatamente esse ponto. Transforma o
Socialismo Científico do século XXI na arma mais perigosa contra a exploração histórica dos sistemas
econômicos e suas estruturas centralizadoras do poder. Desta vez, não pelas concepções que defende na área
da Economia Política (fundamento da segunda revolução), mas como precursor da Comunocracia

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Constitucional, que ao devolver o poder aos seus verdadeiros donos, redimensiona a democracia capitalista e
habilita teórica e cientificamente esse socialismo como interlocutor privilegiado em defesa dos fundamentos
conceituais e praxiológicos que irão nortear a segunda revolução. O sujeito histórico, agora é o Proletário
Social ( sociedade civil como anteviu Gramsci), onde os assalariados, os desempregados e os miseráveis, que
amargaram uma alienação histórica do poder, serão os sujeitos históricos dessa nova revolução. Essa é a
práxis de uma democracia verdadeiramente participativa, de um socialismo maduro, responsável, que não abrirá
mão dos interesses dos trabalhadores, dos desempregados, nem dos miseráveis, mas que conjuntamente, agora
donos de seus próprios destinos, formularão as bases dessa nova sociedade.

Devemos retornar aos princípios que neutralizariam um totalitarismo incontrolável e que foram
inicialmente defendidos por V.I.Lênin: “(...) como governo democrático, não podemos deixar de levar em
conta a decisão das massas populares, inclusive ainda que não estejamos de acordo com ela. Devemos
marchar de acordo com a vida; devemos conceder plena liberdade ao gênio criador das massas populares”.
(Izvestia do CEC, número 209, 28 de outubro de 1917. Pravda, número 171, 10 de novembro de 1917, V. I.
Lênin, Obras, 4 ed. em russo, t. 26, págs. 225/229 ).

No entanto, não com esta democracia burguesa (capitalista), mas o princípio de uma democracia
revolucionária (Comunocracia Constitucional), na socialização da política e da economia, através da
Socialização do Poder.

Atualmente, nenhum ideal revolucionário encontrará eco nas massas populares, se não for para
restituir definitivamente ao povo as rédeas históricas da auto-administração de seus direitos fundamentais, a
perdida autodeterminação individual primitiva, transformada dialeticamente em autodeterminação coletiva.

“Não é a crítica, mas a revolução a força motriz da história” (Karl Marx, Ideologia Alemã, I, trad.
Ital., pg.34).

A Primeira Revolução
(...) o objetivo dos desejos populares deveria ser o
poder governativo em e para si mais do que o poder legislativo, a função metafísica do Estado. A função
legislativa é a vontade na sua energia teórica, mas não na sua energia prática” . (Karl Marx, “Crítica da
Filosofia do Direito de Hegel”, Editorial Presença, Lisboa, pg. 183)

(...) os membros dos órgãos legislativos são escolhidos por partidos políticos, amplamente financiados
ou influenciados, de uma ou outra maneira, pelos capitalistas privados que, devido a objetivos práticos, separam
o eleitorado dos seus representantes no parlamento. A concorrência ilimitada leva a uma grande desvalorização
da mão-de-obra, prejudicando a consciência social dos indivíduos. Esse prejuízo para os indivíduos me parece o
mal maior do capitalismo. (...) é necessário lembrar que uma economia planificada pode ser acompanhada de
uma total escravização do indivíduo. A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sócio-
políticos extremamente difíceis: como é possível, diante da concentração do poder político e econômico, evitar
que a burocracia se torne toda-poderosa e arrogante? Como é possível proteger os direitos do indivíduo, para
garantir, assim, um contrapeso democrático ao poder burocrático?

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Albert Einstein (Título: Ideas & Opinions, Capítulo: Why the Socialism, Editora: Bonanza
Books, Edição: N. York,U.S.A., 1954, Tradução: Azevedo, Néliton G.)

Primeira revolução: Fase - 1 (realinhamento teórico)


1- O novo materialismo histórico-dialético, demonstra que: nenhuma revolução econômica foi realizada
através de uma ruptura abrupta, porém, de maneira gradual e irreversível .

2- Em razão disso, o novo materialismo histórico nos ensina que: a superação de um sistema econômico
precisa nascer e evoluir paralelamente (e não abruptamente) às limitações existentes no sistema econômico
originário (Teoria dos Sistemas de Revolução Paralela).

3- O novo materialismo histórico nos ensina também que: os sistemas econômicos de revolução paralela
não se consolidaram, sem a ocupação do poder político da superestrutura (Princípio Sistêmico de
Consolidação do Poder).

4- No sistema capitalista temos um novo sujeito revolucionário: o proletário social.

5- As novas instâncias de poder são: as micro-unidades geopolíticas ou bairros.

6 – Aplica-se então, o Princípio da Concorrência dos Sistemas Revolucionários.

7- Sabemos que: os Estados Nação representam a forma parasitária mais evoluída de expropriação em
massa de capital que a história já registrou (exploração simultânea da mão-de-obra e dos sistemas
econômicos).

Primeira revolução: Fase - 2 (realinhamento estrutural)

Através da via constitucional (ítens 1 e 2): promover, através da descentralização do poder, a ocupação
do poder da superestrutura pelo proletário social (item 3 e 4); a partir daí, descentralizar constitucionalmente
o bolo fiscal e tributário, pela apropriação e administração direta desse volume financeiro realizada ao nível
das micro-unidades geopolíticas (ítens 5, 6 e 7).

A nova Revolução Socialista, na história dos sistemas políticos e econômicos, será a síntese que vai
imergir das entranhas do conjunto desses sistemas econômicos e todas as suas formas de exploração da
produção e da mão-de-obra, representadas pela figura do Estado como administrador de interesses sociais
primários.

Acredito haver demonstrado que, mesmo em se tratando de um primeiro momento revolucionário, já


nos deparamos com duas fases: realinhamento teórico (fase um), e realinhamento estrutural (fase 2). A primeira
fase diz respeito ao redirecionamento conceitual das metas histórico-científicas do socialismo. A segunda fase
se reporta especificamente aos condicionantes estratégicos que irão direcionar o processo final de
implantação da Comunocracia Constitucional. Isso significa que é necessário primeiro uma revolução
conceitual interna no conceito de Socialismo (fase 1), a seguir, na estrutura administrativa do poder político
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(fase 2), e finalmente, no macro e micro conceito de Economia Política da administração interna e externa da
nação (segunda revolução - fase 3), no entanto, em uma estrutura de poder já socializada.

É de importância fundamental que as Micro-Unidade Geopolíticas que congregam as organizações


populares em comunidades organizadas nos bairros, tenham descentralizado suas estruturas organizativas
(estatutárias), de modo que não possam subverter a descentralização constitucional do poder através de uma
um retrocesso à centralização desse mesmo poder em nível local.

Essa tríade revolucionária (fase 1, 2 e 3), concentra a organicidade e a segurança histórica necessária
a um socialismo que se digne sério, não idealistas, dentro de parâmetros científicos modernos e não
deterministas (Cartesiano-Newtoniano), responsável e consciente das circunstâncias históricas necessárias,
construindo um discurso, que independa da projeção utópica de um “futuro caos social generalizado” que
determine uma guerra civil manipulável pelo atingimento de um pretenso nível máximo de degeneração do
sistema capitalista. Um discurso que viabilize a adesão popular a um projeto concreto de reestruturação da
sociedade, e ao mesmo tempo, não exponha a fragilidade histórica da economia de mercado e das liberdades
democráticas.

Na realidade, esse duplo desafio dividiu o socialismo real e científico internacional e conseqüentemente,
fortaleceu o inimigo comum. Desta forma, o ideal socialista se tornou vítima de uma estratégia militar
historicamente primária, que na proporção de sua impossibilidade teórica em redefinir conceitos fundamentais
de sua micro e macro-administração, disseminou o elemento fatal responsável pela própria auto-fragmentação:
o fator obscuro da práxis democrática e econômica no socialismo clássico.

No Brasil, o último Congresso Socialista, em 1962, ratificou a desagregação interna do socialismo


brasileiro, que se dividiu em: PCB, PC do B e PPS. Visões divididas, que embora divergindo quanto a axiologia
da práxis socialista, representam proposta políticas com visão histórico-dialética parcialmente correta, no que
se refere às causas reais que geram os males estruturais da exclusão social, uma vez que trazem na estrutura
clássica de sua teoria socialista, o determinismo e o conceito da tirania necessária. Base científica
ultrapassada como foi demonstrado pelos preceitos da mecânica quântica em seus Princípios da
Indeterminação, da Complementaridade e da Teoria do Caos.

Devemos registrar que os interesses dos trabalhadores representam apenas a causa principal e pontual de
uma classe, e se hipoteticamente, as reivindicações dos trabalhadores ativos “fossem todas atendidas”, a
enorme massa excluída do mercado de trabalho estaria fora desta reivindicação classista. Precisamos
reconhecer que: a criação de empregos está diretamente ligada aos interesses de desenvolvimento econômico
da própria economia de mercado, e a criação desses empregos, se vincula estruturalmente a essas mesmas leis
de mercado. Conclui-se, portanto que, as atuais correções sobre: o desemprego, o salário e padrão de vida,
correspondem aos objetivos ideológicos desse mesmo sistema produtivo (a utopia capitalista do pleno
emprego). O novo materialismo histórico e a nova Revolução Socialista,indicam claramente que: a superação
dos limites estruturais desse sistema econômico (capitalista), é o ponto principal a ser questionado na
superação da causa, e consequentemente, de seus efeitos (desemprego, exclusão social, fome, sem terra, sem
casa, sem cidadania, sem representatividade, sem harmonia ecológica, etc).

Portanto, pela sua abrangência temática estrutural, um socialismo científico histórico-dialeticamente


reavaliado, além de estar mais fundamentado para representar uma ampla análise necessária à superação das
desigualdades, terá o instrumental necessário para a formulação de novos rumos socialistas, na busca de uma

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resposta que transcenda o universo imposto pelas raízes que compõem as leis do mercado, fundamentam a
democracia capitalista, e geram conjuntamente: a estrutura política, econômica e ideológica do capitalismo
de Estado.

A Comunocracia Constitucional, objetiva redimensionar a dinâmica conceitual e estrutural das


tendências socialistas, criando um consenso programático capaz de unificar um socialismo disperso e
despotencializado, resolvendo as questões polêmicas que, historicamente, motivaram o descrédito popular e a
fragmentação interna do socialismo clássico.

A Segunda Revolução: A Economia Comunocrática


A segunda revolução, busca fundamentalmente priorizar e sedimentar de forma política, jurídica,

legislativa, econômica e constitucional, a implementação de uma práxis administrativa que atenda às


necessidades básicas, principalmente, da grande maioria socialmente excluída. Mas, também, organizar e
estruturar a macro e a microeconomia nacional, viabilizando a manutenção sustentada e perene em uma
expectativa média de desenvolvimento, tecnologicamente voltada para as condições necessárias à
emancipação da condição humana superior.

O principal tema desse segundo momento revolucionário é a questão da Economia Política.

Segunda revolução - Fase 3:

Teoria da impossibilidade de ajuste constitucional da remuneração digna do trabalho dentro do


sistema capitalista

1 - Do cálculo econômico do valor de remuneração do trabalho:

Quando a moderna economia supera a teoria de valor pelo trabalho de Smith e Ricardo, essa mesma
força de trabalho se comporta como fator de produção, onde o valor de remuneração dessa força de trabalho
representa apenas um dos componentes que determinam a formação do preço final de um produto ou serviço. E
quando o preço final de produtos e serviços,incorpora as novas teorias econômicas de valor de troca para
instituir parâmetros de remuneração à força de trabalho, considerou-se essa força de trabalho como
mercadoria.
Encarada como mercadoria, a mão-de-obra incorpora a teoria de valor pela utilidade da Lei de Say e sua
complementação na Teoria de valor proporcional a escassez do produto de Smith e Ricardo, perdendo ou
ganhando valor numa relação inversamente proporcional ao volume de oferta dessa mão de obra e a demanda
de postos de trabalho.

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2 – Do parâmetro social desse valor de remuneração do trabalho:

Tomando como referência o sistema econômico vigente, o valor de remuneração do trabalho estará
sempre abaixo das expectativas sociais, a não ser, que haja mais postos de trabalho do que mão de obra
disponível, pois ao se comportar como mercadoria, segundo a teoria de Smith e Ricardo, a escassez de mão-de-
obra aumentaria o seu valor de troca diante do mercado, valorizando a remuneração dessa força de trabalho.
No entanto, essa situação seria uma exceção, já que a escassez de mão de obra não corresponde aos
padrões reais de oferta de postos de trabalho no mercado nacional e internacional.
Para que a remuneração do trabalho seja elemento de dignificação humana e social, o preço final de
produtos e serviços e as relações econômicas de valor das mercadorias, não podem fundamentar o parâmetro
de remuneração dessa força de trabalho, pois o valor do salário que estrutura as bases da sobrevivência social
da família, prescinde, não do atual conceito econômico do valor de troca, mas de um novo parâmetro
econômico para fundamentar o cálculo de um salário constitucional (inclusão social), sedimentando a base de
um valor socialmente correto de remuneração dessa mão-de-obra, que descaracterize a incoerência das normas
constitucionais que regem o Estado de Direito do trabalhador no Brasil.

3 – Conclusão:

Com a aplicação das teorias modernas de valor de troca como referência para o dimensionamento de
remuneração do trabalho, a definição desse "salário constitucionalmente correto", é incompatível com a atual
estrutura privada da economia de mercado. Esse impasse (social, político e econômico), só poderá ser resolvido
através da existência de um novo sistema produtivo, e conseqüentemente, de novos parâmetros de remuneração
dessa mão de obra, sem os tradicionais paternalismos e assistencialismos de mercado ou de Estado.

4 – Do novo sistema produtivo:

Utilizando-se a Teoria dos Sistemas de Revolução Paralela e o Princípio da Concorrência dos Sistemas
Revolucionários, a descentralização da economia fiscal e tributária, iniciará a utilização da mão de obra em
uma estrutura produtiva paralela e de alta competição remuneratória frente ao sistema capitalista.

Essa estrutura produtiva se fará pela formação e desenvolvimento de cooperativas populares como
instrumento de geração de trabalho e renda (cooperativas de produção, comercialização e serviços). Como
exemplo vivo dessa experiência, podemos citar a Incubadora Tecnológica de Cooperativa Popular.
Institucionalmente, essa incubadora está localizada na Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em
Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ITCP/COPPE/UFRJ). Parte da sua equipe é
constituída por profissionais da própria universidade e uma grande massa - cerca de 60% - de estudantes, nos
níveis de graduação e pós-graduação, além de profissionais contratados para o projeto. Quanto aos resultados,
em três anos de história, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, no que se refere à geração
efetiva de postos de trabalho, registra mais de mil trabalhadores inseridos no mercado de trabalho com renda
superior aos profissionais de áreas similares, sem qualquer perda dos seus direitos.

A nova estrutura política e produtiva, descentralizando e reorganizando a estratégia fiscal e tributária,


decidirá sobre a percentagem única de contribuição social a ser retirada do sistema capitalista (reforma
tributária) e da mão de obra individual socialista (voluntária). Esse volume financeiro, será captado

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diretamente por cada comunidade envolvida (já que não existirá as históricas estruturas centralizadoras de
impostos), e deverá ser reaplicado em atividades produtivas (cooperativas comunitárias) atuando em
atividades como: segurança, habitação, saneamento básico, educação etc., conforme às necessidades e
interesses locais e (ou) regionais, mas desta vez, remunerando dignamente essa nova mão-de-obra socialista.

O cabresto legal e financeiro exercido institucionalmente nas cooperativas pela tutela predatória dos
estados-nação, representa historicamente, um artifício utilizado pela participação hegemônica da classe
burguesa no processo de construção legal desses estados-nação, castrando a capacidade competitiva das
cooperativas no mercado, pela imposição jurídica da forma técnica de reprodução simples do seu capital. Ou
seja, após a comercialização de seus produtos e (ou) serviços, existe apenas o reinvestimento quantitativo de
seu capital (meios de produção – capital constante e força de trabalho), onde a mais-valia não é utilizada para
a reprodução de seu capital.

Desta maneira, o cabresto jurídico-político dos estados-nação, imposto pela classe burguesa às
cooperativas, impossibilita o aumento qualitativo da composição técnica desse capital cooperativo, fator que,
elevaria sua competitividade no mercado, através da viabilização da reprodução ampliada de seu capital. Ou
seja, após a comercialização de seus produtos e (ou) serviços, existe reinvestimento quantitativo (alteração da
composição técnica do capital – determinada proporção constante em que se combinam os meios de produção
e da força de trabalho), onde a mais-valia é utilizada como capital adicional de reprodução desse capital.
Potencializando revolucionariamente seu poder de competitividade e superação da histórica forma
individualista de reprodução e acumulação do capital. E desta vez, a reprodução e acumulação desse capital
aparece como reprodução ampliada do capital de propriedade coletiva e não individual.

Esse impasse é sanado pela descentralização, ao nível das comunidades de bairro, da autonomia
político-administrativa e do bolo fiscal e tributário, munindo os Conselhos Comunitários de autonomia
decisória e financeira para executar suas deliberações. Esse procedimento descentralizador,
instrumentaliza às cooperativas como sistema produtivo de propriedade coletiva independente, pela
viabilização definitiva de sua autonomia financeira e administrativa, atuando como um gatilho
dialético e prático de que historicamente foram privadas, livrando-as do paternalismo individual e de
Estado que emperram esse histórico salto qualitativo.

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, um socialismo responsável e competente terá o


espaço necessário para demonstrar na prática, a incompetência social de um capitalismo de Estado que
marginaliza as maiorias, depreda a estrutura agropecuária da nação e historicamente, vem utilizando e
desvirtuando o sentido social do progresso científico, como forma concreta de alienação, dominação,
imperialismo e elitização do progresso científico. A cultura elitista do capitalismo de Estado,transformou os
frutos desse progresso científico em privilégio de poucos, fomentando um desvio psicológico que entorpece a
capacidade dinâmica do indivíduo em discernir e lutar pelo verdadeiro foco de suas prioridades existenciais,
subjugados por um conceito de Estado e representatividade que lhe é imposto, e sobre a qual,objetivamente,
não exerce o mínimo controle. E sem pertencer à vanguarda do desenvolvimento tecnológico, essa sociedade
recebe o rótulo depreciativo de subdesenvolvida, terceiro mundo, etc...

A manipulação elitizante e genocida da ciência é, juntamente com uma práxis caricata de democracia, a
arma mais poderosas nas mãos do capitalismo de Estado, principal fundamento evolutivo do capitalismo para
a manutenção da utópica democracia capitalista. Portanto, com a Revolução Socialista sendo realizada
paralelamente à estrutura capitalista (Teorias dos Sistemas de Revolução e Concorrência Paralela) e com a

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descentralização do capital fiscal e tributário, as rédeas da razão científica precisam ser redirecionadas às
massas populares marginalizadas, numa competitiva estrutura agropecuária, de produção industrial e
comercial, dentro de um nivelamento social médio de acesso tecnológico capaz de sanar as necessidades que
caracterizem uma existência socialmente decente ( habitação, alimentação, saneamento básico, etc...).

Mas é justamente no objetivo de concretizar uma expectativa real de atingir tal meta, e ao mesmo
tempo, não se por em risco as liberdades individuais e coletivas que: significa demagogia ou ignorância
política pensar em promover a segunda revolução sem assegurar a primeira. Isto porque, sob nenhuma
justificativa, se pode considerar a primeira revolução como projeto de futuro intuito golpista. Mesmo porque: o
objetivo não é a histórica centralização política pela ocupação do poder, mas sim a sua descentralização
política e econômica, inviabilizando desta forma qualquer devaneio político de exercício manipulador de
qualquer das instâncias administrativas (nacional, estadual ou municipal), por indivíduos ou grupos.

Ter representantes ao nível municipal, estadual ou nacional não significa obrigatoriamente ter sob suas
responsabilidades enormes concentrações de verbas públicas, que possam ser: objeto de sucateamento político
partidário; objetos de enriquecimento pessoal; vítimas de inabilidade administrativa ou quaisquer outros
desastrosos destinos historicamente já demonstrados. Que marginalizam a maioria da população, submetendo-
os a paternalismos dos mais diversos, que na verdade, historicamente, excluiu o poder daqueles que, através de
um materialismo histórico-dialético cientificamente corrigido, fundamentalmente possuem a competência
original para exercê-lo.

Acredito haver demonstrado a imprescindibilidade histórica primária de implantação da Comunocracia


Constitucional, o que chamo de primeira revolução, e os socialistas possuem agora elementos para a práxis do
que chamo de segunda revolução.

Esse é o resgate histórico do sentido pleno da democracia, da socialização do poder, primeiro passo
para o ideal da Comunocracia Constitucional rumo da superação histórico-jurídica do capitalismo de Estado.
Objetivo temporariamente interrompido pelos impasses teóricos do socialismo real e científico. Mas que
agora: com a devida reformulação de sua operacionalidade teórica e prática, e sem o risco de reversão
histórica por falta de apoio popular, estará habilitada para se contrapor ao discurso demagógico de uma
democracia capitalista que, dissimuladamente, exercita todos os defeitos por ela criticados no socialismo real,
respaldando estados imperialistas, centralizadores e genocidas.

Os debates sobre as contradições do capitalismo de Estado já se esgotaram em todos os sentidos,


abrangendo: análises referentes às contradições de sua estrutura historicamente improvisada; a exploração e
fragilização do ser humano como peça de extrema rotatividade produtiva e exercida de forma predatória; seu
caminho internacional como um rolo compressor sobre os princípios básicos do direito internacional público e
privado, tendo, no entanto, como meta irrestrita, a insaciedade na acumulação de riquezas aos “cofres” de
nações e indivíduos. No entanto, esses debates não dedicaram a importância merecida ao grande pilar da
sobrevida e gigantismo do sistema capitalista: a ciência nesse conceito deformado de democracia.

Sem a Ciência (tecnologia), a exploração pura e simples da mão-de-obra, manteria o sistema produtivo
capitalista tecnicamente estagnado e a estrutura do sistema capitalista não teria evoluído nas proporções que
conhecemos. Pois, somente com a exploração do elemento humano, limitado em sua função específica de
objeto produtivo desse sistema, não teria revolucionado a história e consolidado internacionalmente a sua
estrutura.

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O avanço tecnológico, a centralização política e econômica, habilmente unificados e cultivados em
nações calcadas em um conceito deformado de democracia (democracia capitalista), foram alimentados pela
exploração do Estado capitalista, gerindo como conseqüência, um exército de reserva de mão-de-obra, e
representaram conjuntamente: a força propulsora desse capitalismo de Estado, o capitalismo belicista e a
desnacionalização predatória que a história do imperialismo registra.

Sobre esse conceito historicamente deformado de democracia, a Comunocracia Constitucional objetiva


corrigir.

Quanto à aplicação social da ciência e da tecnologia só a nação regida pela Comunocracia


Constitucional pode redirecionar, transferindo grande parte do de sua captação fiscal e tributária para o
desenvolvimento científico e o seu novo sistema econômico.

Sobre a democratização da renda e do capital, a nova Democracia e a nova Economia Socialista suprem
o embasamento teórico e estrutural necessário para sua concreta efetivação, onde o histórico Estado paternalista
é substituído pela Federação das Micro-Unidades Socialistas, emancipando as legiões populares à cidadãos
plenos. E indo além do princípio da subsidiariedade do sistema Suíço de administração pública, pois, a nova
Revolução Socialista não se propõe a transformar as micro-unidades geopolíticas em sujeitos coletivos e
deliberativos na administração de um volume fiscal e tributário centralizado. A descentralização não é apenas
política mas também econômica (total financeiro que forma o volume fiscal e tributário).

A nova Revolução Socialista propõe claramente a autonomia política e econômica das micro unidades
geopolíticas, porém, sem abrir mão da estrutura representativa necessária, e com alguma verba pública
específica para suprir os interesses macro-sociais inerentes às peculiaridades administrativas dos demais
conjuntos geopolíticos (municípios, estados regionais e nacional), onde os representantes administradores dos
conjuntos geopolíticos, irão exercer uma administração específica e relativa, que não envolvem os interesses
essenciais e diretos das massas populares, os quais serão realizados com as verba pública descentralizada e
administrada diretamente nas micro-unidades geopolíticas. Esta administração específica e relativa atuará em
questões de preservação ambiental dessas regiões e (ou) outros interesses difusos das comunidades. Desta
forma, eliminamos as motivações paternalistas e golpistas de qualquer espécie, sem fragilizar os novos
conceitos de nação e de soberania. Portanto, através da nova revolução socialista, institucionalizamos a
dignidade humana, em um exercício superior de Democracia, Economia e Estado.

O pensamento marxiano emancipou a cultura política mundial quando identificou, através do então
recém criado “materialismo histórico dialético”, a economia política como elemento fundamental e
inquestionável na formação das estruturas sociais, viabilizando uma compreensão parcialmente correta das
forças que determinam as desigualdades sociais. E foi nesse materialismo histórico dialético que se identificou
a figura do sujeito revolucionário, como mola propulsora das grandes transformações sistêmicas.

Na nova Revolução Socialista, a reavaliação histórico-dialética dentro do parâmetro Indeterminista, de


Complementaridade e da Teoria do Caos na mecânica quântica, redirecionou a estratégia de atuação
revolucionária, bem como, o sujeito revolucionário no novo materialismo histórico, indicando o elemento
“Comunocracia Constitucional” como fundamento primário estratégico de tomada do poder para
concretização de processo de acumulação social primitiva (em contraposição ao processo histórico de
acumulação individual coletiva), redimensionando o discurso socialista, num enfoque que conduz o interesse

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social e individual dentro de fundamentos científicos corretos, construindo uma teoria política e econômica
historicamente correta. A integração do indivíduo,se materializa como sujeito ativo das transformações
estruturais nas Micro-Unidades Geopolíticas que, por sua vez, como novos sujeitos revolucionários
(proletários sociais - bairros), serão os sujeitos históricos que revolucionarão o conceito democrático (Primeira
Revolução - Comunocracia Constitucional), formando a mola propulsora da reavaliação na economia
(Segunda Revolução - Economia Socialista), no entanto, onde o risco de centralização política e econômica foi
definitivamente abolido.Será a assembléia dos cidadãos deliberantes, com estrutura técnica e econômica
necessária, para viabilizar o poder executivo de suas decisões.

A Comunocracia Constitucional (primeira revolução), para que represente superação histórico-


qualitativa, deverá ser imediatamente complementada pela nova Economia Socialista (segunda revolução). Isto
porque historicamente, a Autodeterminação Individual Perdida (comunismo primitivo Marxiano), foi
indissociável de um sistema econômico próprio (economia primitiva). Portanto, em moldes modernos, a
Comunocracia Constitucional representa essa retomada histórica da Autodeterminação Individual Ativa
(primeira revolução). E após implementar a nova Economia Socialista (segunda revolução), a remuneração de
mão-de-obra na economia da Comunocracia Constitucional, concorrerá diretamente e de forma eficaz com o
sistema capitalista. Atrairá essa mão-de-obra produtiva em proporções revolucionárias, pela combinação de
salários acima do mercado e a propriedade social dos meios e modos de produção.Desta forma, será dado o
salto qualitativo dessa nova Revolução Socialista. Mas esse salto qualitativo, será fruto de um Socialismo
corrigido historicamente pela reengenharia de sua infra e superestrutura mecânico-científica (teoria e prática).

Desta forma, o cooperativismo inferior se transforma em força superior de produção, onde o proletário
social expropria a classe burguesa do orçamento público fiscal e tributário, iniciando sua forma primitiva de
acumulação, e ao se apropriar dessa poupança social, supera qualitativamente a histórica força individual de
produção, alcançando sua forma sócio-produtiva superior.

Utilizando-se a reavaliação do Materialismo Histórico- Dialético clássico como ferramenta de pesquisa,


a Comunocracia Constitucional prepara as bases estruturais de socialização da política e da economia pública,
fruto das injustiças históricas inerentes aos sistemas econômicos e políticos policlassistas. E embora a
Comunocracia Constitucional tenha um fundamento histórico-dialético cientificamente corrigido, e desta
forma, tenha sido potencializado sua capacidade revolucionária, ao mesmo tempo também aboliu todo o
resquício Cartesiano-Newtoniano de irreversibilidade e determinação histórico-revolucionária, portanto, esse
processo de reengenharia de superação sistêmica, não se dará de forma linear, expontâneamente ou através de
grupos ou indivíduos de vanguarda, mas, através de um processo de árdua reformulação dos velhos
paradigmas teóricos e do desafio de sua realização prática. Mas, para aqueles que sobrevirem, o prêmio será
a herança da dignidade humana.

Que a nova classe proletária possua por direito o poder político, e


pela sua competência, a hegemonia do poder econômico.

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